O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
Debate sobre o significado do Ano da Fé e o papel da Igreja e da ciência
1. PÚBLICO, DOM 13 JAN 2013 | 53
Ano da fé. Para o
Um decreto, para quê? (1) Antoninho
1.
que produzem. As teorias são para os seres se passa na sociedade. Não dispõem de
Frei Bento Domingues O.P. humanos, não estes para teorias, onde as uma mensagem, descida do céu, para
pessoas estão sempre a mais. os levar para o céu, sem se importarem
Enquanto não chegar o fim do 2. As interrogações são inevitáveis: tanta com o que se passa na terra. Se a Bíblia
mundo, depois de um ano, há ciência económica e financeira, ensinada fosse, apenas, revelação divina escrita
sempre outro. Para não o enfren- nas Universidades Católicas, não será capaz por autores inspirados, não teria de dar
U
tar como uma aposta no vazio, é de imaginar contributos para alternativas contas de nada nem a ninguém, era puro Miguel Esteves Cardoso
corrente consagrá-lo a um desejo, concretas, técnica e politicamente viáveis? ditado sobrenatural. Esta é a posição Ainda ontem
em forma de projecto. Diz-se que, A Banca é para salvar as pessoas ou serão do fundamentalismo mais ignorante.
perante a crise que atravessa o estas, as exploradas, que devem salvar os Nessa perspectiva, a Bíblia poderia ser m dia, quando o meu primeiro
país, na conjuntura internacional interesses da Banca, mediante decisões decorada, mas nunca estudada. Não é esse o neto António tiver bondade
em que temos de nos mover, é governamentais? Não será possível pensamento católico e paciência suficientes para
difícil configurar um caminho, desconstruir configurações políticas que, actual. O documento ir ler todos os louvores dele
com previsões que não se confundam com nos seus efeitos, resultam em grandes A Interpretação da que já escrevi — a que ele, um
adivinhas ao sabor dos palpites de optimis- negócios para uns e em castigo para a Bíblia na Igreja (1993) estupor encantatório com três
tas ou pessimistas e segundo os interesses maioria da população? Estaremos numa liberta a investigação anos (e muitos), até hoje não
que cada um tenta defender.
A verdade é que uns já decretaram que
civilização esgotada a transitar de continente
para continente, enquanto sistema de
Os chamados de qualquer
constrangimento.
ligou nenhuma —, espero que
ele saiba quanto foi apreciado
Portugal não tem solução, nem dentro nem exploração, sem tentar curar as suas raízes? regimes A Bíblia não remete por mim e pela mais do que
fora do Euro e que o melhor é a liquidação
total, a preço de saldo. A própria ideia de
Os chamados regimes democráticos fazem
tudo para não se distinguirem das ditaduras.
democráticos para si mesma:
aponta para o
cúmplice Maria João.
Hoje vai ser baptizado. Eu cá não acredito
país independente seria uma ficção e neste O fascínio pela China é interessante. fazem tudo mistério de Deus no baptismo nem que se nasça com um
tempo, comandado pela transformação e Com isto tudo, não creio que se possam para não se e para o mistério pecado que, de original, não tem nada. Mas
globalização dos negócios, é uma crença extrair dos Evangelhos ciências ou políticas do mundo. Deus os pais acreditam e muito boa gente acredita,
ridícula. Outros continuam a falar da confessionais, em concorrência com distinguirem não estava calado a começar pela mãe dele e a irmã dela (as
urgência de uma política patriótica, quando ciências e políticas laicas, nem aceito que das ditaduras antes da Bíblia, minhas filhas, Tristana e Sara), que quiseram
a pátria de cada um é aquela para onde se se diga que quanta mais ciências menos nem emudeceu ser baptizadas com treze anos.
consegue emigrar. Seja como for, os velhos religião. Há grandes cientistas e políticos depois do último Foi a minha querida mãe que foi ter
vão continuar a morrer e se os nascimentos crentes, agnósticos e ateus. parágrafo da Sagrada com o maravilhoso e abençoado António
continuarem a diminuir, a sorte do país Francisco José Ayala, um dos maiores Escritura. É preciso Ribeiro, então cardeal-patriarca de Lisboa
é previsível. Não será preciso dar-se ao representantes do neodarwinismo, aprender a escutá- (e responsável pela melhor tradução da
trabalho de “repensar Portugal”, como tem uma posição que me parece muito lo na experiência Bíblia até à altura), para conseguir que
desejava o Pe. Manuel Antunes. sensata: “Não vejo razão para pensar de cada um, nos ambas fossem baptizadas.
Diz-se isto como se poderia dizer outra que as descobertas científicas sejam acontecimentos da sociedade e em todas as Eu cá, não obstante ter sido baptizado,
coisa qualquer. Quando tudo passou para a incompatíveis com a fé religiosa. A ciência tentativas para decifrar o sentido da vida. tornei-me judeu e não acredito que se nasça
ordem do inevitável, já nada tem sentido. O procura descobrir e explicar os processos Logo após o Vaticano II, E. Shillebeeckx, culpado de um único pecado que seja:
próprio sofrimento das vítimas da história da natureza: o movimento dos planetas, para lhe ser fiel, desenvolveu a perspectiva original ou não.
da crise não conta para nada. a composição da matéria e do espaço, do mundo como “lugar teológico”: a história Mas isso — das crenças de cada um — que
A incapacidade de questionar, em a origem e a função dos organismos. A humana, em todas as suas manifestações, é importância tem? Nenhuma. Há muito mais
profundidade, esta versão trituradora religião trata do significado e propósito do o espaço e o tempo da contínua revelação de ateus bons do que crentes. Deus ou é grande
da máquina capitalista é a vergonha do universo e da vida, das relações apropriadas Deus, acolhida ou traída, a decifrar em cada (e não liga às religiões, que são, literalmente,
nosso tempo. O Papa relembrou-o, muito entre os humanos e o seu Criador, dos conjuntura cultural. as maneiras de voltarmos a ligar-nos com
recentemente, mas os economistas, os valores morais que inspiram e guiam a O Ano da Fé não foi decretado para dizer Aquilo, mais do que Ele ou Ela) ou não existe
gestores, os banqueiros, os ministros vida humana. A ciência nada tem a dizer que a Igreja tem a resposta pronta para tudo. ou, se existir, existirá tanto para os sectários
que se confessam cristãos preferem sobre estas matérias, nem é assunto da É porque a não tem que, na humildade, tem como para os que não querem saber.
espiritualidades de chá de tília religiosa, religião dar explicações científicas, para os de partir para a escuta de todos os mundos. Seja como for, o António, hoje baptizado,
a ouvir o clamor dos pobres e dos fenómenos que têm lugar na natureza.” Quais serão esses mundos? está bem entregue. A Deus e ao amor: no
empobrecidos e questionar teorias que 3. Daqui não se pode concluir que os caso de não serem a mesmíssima coisa.
mostram a sua inadequação, pelos frutos cristãos possam ser indiferentes ao que Escreve ao domingo Que devem ser.
BARTOON LUÍS AFONSO
2. PÚBLICO, DOM 20 JAN 2013 | 49
Ano da fé. As estrelas
Um decreto, para quê? (2) do cinema
1.
Se Cristo veio, não para condenar, mas para escuta, do estudo e do diálogo com todos os
Frei Bento Domingues O.P. manifestar o amor de Deus pelo mundo, como mundos em que se encontra, ou aos quais
se poderá chamar evangelização, nova ou se dirige: a bondade e a verdade, servidas
Em 1953, numa curta viagem de antiga, às obras, palavras e atitudes que não ou traídas, estão disseminadas em todos os
camioneta, sentou-se ao meu lado sejam escuta humilde dessa amizade divina? estilos de vida e em todas as dimensões da
M
um padre de outra congregação O método de Frei Bruno — muito ouvir existência. A Igreja, sem crescer e amadurecer
religiosa. Sobre as características antes de falar — foi praticado e exposto na nesse convívio, não pode partilhar nada, está Miguel Esteves Cardoso
e as imagens de marca das Paróquia de S. Domingos de Benfica, ao fora de jogo. Esquece que Deus se insinua, de Ainda ontem
invocadas na conversa adiantou: apresentar a tradução da obra clássica sobre muitos modos, na vida das pessoas, expressa
“Em humildade ninguém nos A Pregação, de Humberto de Romans, e as na diversidade de problemáticas e linguagens uitos dias da minha vida
supera.” Não estava a fazer humor. Actas do Colóquio sobre a Restauração da das sociedades, nas suas diferentes épocas passei a pensar num sistema
Fiquei tão alérgico ao elogio da Província Dominicana em Portugal. e culturas. Os processos não são lineares e jornalístico para avaliar filmes
humildade como às disputas 2. É antiga a convicção de que o silêncio nunca nada está e substituir as convencionais
entre arrogantes. Nada, no entanto, mais é o pai dos pregadores e que a graça da garantido. 3. Em cinco estrelas e uma bola
inspirador do que uma pessoa humilde. pregação é secundada pelo estudo e pela vários países, sob preta das sentenças críticas.
Esteve, em Portugal, frei Bruno Cadoré. contemplação. A fórmula dominicana foi o ponto de vista O melhor baseou-se na
Nasceu em 1954, formou-se em Medicina, cunhada muito cedo e já fazia parte do cristão, o século XX observação que fez Samuel
entrou nos dominicanos, foi director do
Centro de Ética Médica do Instituto Católico
ensino de Tomás de Aquino: contemplar e dar
testemunho da realidade contemplada. Era,
O Vaticano foi prodigiosamente
fecundo, apesar
Johnson (SJ), na biografia
de Boswell (se ainda não
de Lille e, depois de ter sido provincial em desde a antiguidade, conhecida e exaltada II recuperou de duas guerras leu, leia imediatamente), acerca da Giant’s
França, foi eleito, em 2010, mestre geral da
Ordem.
a superioridade da vida contemplativa em
relação à vida activa. Em benefício da sua
e alargou a mundiais. Basta
pensar nos
Causeway. É um arranjo fortuito de rochas
na costa da Irlanda do Norte, que parece
Não interessa explicitar aqui o que foi o seu própria causa, o santo doutor observou: geografia da movimentos um caminho para pés gigantes, que eu e o
brilhante e inspirador percurso profissional a vida activa, que nasce da abundância da esperança. bíblico, litúrgico, meu amigo Carlos Quevedo só vimos porque
e dominicano, pois ele próprio nunca se lhe contemplação, vale mais do que a pura
refere. É como se não tivesse existido. contemplação. Iluminar é melhor do que ser, Como e porquê missionário,
ecuménico, social,
ficava perto da destilaria Bushmills.
Traduzo: “Ele [SJ], não sei porquê,
Veio para visitar a família dominicana apenas, luz. Foi este, aliás, o estilo da vida se perdeu este na redescoberta da mostrou sempre uma aversão a visitar a
portuguesa, na diversidade dos seus ramos,
e revelou um estilo que não é muito habitual
escolhida por Jesus.
A resposta é brilhante. Na prática,
impulso? teologia patrística
e medieval, nos
Irlanda, quando eu propunha fazermos essa
viagem.” Johnson: “É o país a que menos me
nos eclesiásticos. continuava a rivalidade entre o tempo novos modelos apetece viajar.” [...] Boswell: “Não me diga
Na primeira reunião com a comunidade a consagrado ao principal e o tempo gasto com e paradigmas de que não vale a pena ver a Giant’s Causeway?”
que pertenço, procurou ouvir-nos acerca da realidades temporais, inferiores. O tempo teologia — das Johnson: “Sim, vale a pena vê-la; mas não
situação da Igreja em Portugal, da diocese gasto na actividade esvaziava os ganhos da realidades terrestres, vale a pena ir vê-la”.
em que estamos inseridos, do papel das contemplação. A oração de S. Domingos, do trabalho, da Tivemos assim, n’O Independente, uma
ordens e congregações religiosas, masculinas testemunhada pelos seus contemporâneos, matéria, da evolução, graduação “Vale a pena ir ver” (a mais alta);
e femininas, segundo o carisma de cada uma. estava sempre povoada pelas alegrias e da conjugalidade “Vale a pena ver mas não ir ver” (para quem
Passou, depois, ao encontro fraterno, com tristezas do quotidiano. O trabalho apostólico —, assim como nas formas de evangelização não fosse a um cinema); “Não vale a pena
cada um, individualmente, não para falar, não o dispersava nem o esvaziava. da pura presença, nos meios mais afastados ver” (mesmo para quem visse em casa).
mas para escutar. Durante meia hora ouviu- Na sua conferência, frei Bruno Cadoré das instituições da Igreja. Foi uma história Durou três meses, se tanto.
me, sem dizer uma palavra, despediu-se, sem saltou fora do esquema de falsas oposições. exaltante de muitas esperanças e desilusões A melhor constelação é a do PÚBLICO,
me fazer qualquer recomendação. É evidente A fonte e o alimento da contemplação não continuadas, pela repressão que se abateu que funciona porque os nossos três críticos
que debateu, com os órgãos das instituições se restringem ao quadro conventual ou às sobre vários destes movimentos. — Jorge Mourinha, Luís Miguel Oliveira e
da Província Dominicana Portuguesa, as celebrações litúrgicas. A Igreja – e nela o O Vaticano II, iniciativa de um papa Vasco Câmara — têm gostos pessoais, muito
questões com que ela está confrontada. Fez dominicano – não se pode apresentar ao povo que tinha os olhos postos no mundo em diferentes uns dos outros.
também a visita às monjas dominicanas, cristão, aos membros das outras religiões, transformação e no aggiornamento da Igreja, São maravilhosamente difíceis de
fundadas, no século XIII, por S. Domingos. aos agnósticos e aos ateus como quem está recuperou e alargou a geografia da esperança. satisfazer: Amor não recebe 5 estrelas
Ainda antes do ramo masculino, eram elas a na posse da verdade, dos bons princípios, Como e porquê se perdeu este impulso? (“excelente”) de ninguém e até Vertigo não
Santa Pregação. Encontrou-se também com as dos bons caminhos e das boas soluções. Essa atinge a unanimidade da excelência.
outras religiosas e com os leigos dominicanos. arrogância impede o caminho humilde da Escreve ao domingo São estrelas em que se pode confiar.
BARTOON LUÍS AFONSO
3. PÚBLICO, DOM 27 JAN 2013 | 53
Ano da fé. Evite estes
Um decreto, para quê? (3) filmes
1.
Quando se proclama o texto do Evangelho, observadores, misturou a Primavera com
Frei Bento Domingues O.P. na Eucaristia, começa-se sempre por dizer o Inverno, de que falava Karl Rahner.
“naquele tempo”, como se fosse necessário Mais delicada ainda será a apreciação das
No passado domingo, referi alguns manter a comunidade cristã colada ao medidas da Congregação da Doutrina da Fé
dos movimentos que, durante a passado. Se isso fosse verdade, o Evangelho que atingiram os mais inovadores teólogos
primeira metade do século XX, não seria uma boa notícia, não para nós, mas e movimentos teológicos e pastorais, nos
E
aceitaram um destino previsível: para “aquele tempo”. O paradoxo desta diversos continentes, sobretudo nas décadas Miguel Esteves Cardoso
a uma religião exterior ao tecer do linguagem não é inocente nem passadista. de oitenta e noventa, medidas que, aliás, Ainda ontem
mundo, sucederia um mundo fecha- Mantém o contraste de uma tensão essencial ainda não estão cansadas.
do a qualquer transcendência. ao tempo cristão da fé. A distância, em temos históricos, é de facto is a confissão horrenda de
Esses movimentos recusaram as Por um lado, não temos de resolver os curta. A Igreja dispõe de academias para um velho mentiroso: sabe-me
alianças da Igreja com os poderes problemas do primeiro século da era cristã, avaliações históricas de carácter científico. melhor ler dizer mal das coisas
de dominação que a divorciavam sejam de ordem teológica, religiosa ou social, Mas a vida e as instituições da Igreja não se que odeio (e de que toda a
de Cristo, dos pobres, do mundo operário como certa investigação exegética poderia situam todas a nível académico. gente, isto é, apenas a máquina
e dos novos percursos culturais de sugerir. Pelas pessoas de há dois mil anos, a Diante dos de hype dos publicistas, gosta)
surpreendentes e estranhas linguagens única coisa que poderíamos fazer seria rezar gravíssimos do que ver dizer bem das coisas
filosóficas, científicas, poéticas, musicais, pelo seu eterno descanso. O passado não é o problemas actuais de que gosto.
artísticas. Eles desejavam-na mais leve, mais objecto da evangelização. da sociedade e da Quando eu era novo, desfazia-
disponível, sem fixações doutrinais ou rituais Se a Eucaristia exige a sua proclamação Igreja, nota-se um me para que toda a gente (no
que a impedissem de caminhar no interior
misterioso de Deus e do mundo. Para ser fiel
é, precisamente, porque o considera a
melhor notícia para as pessoas do mundo
A fé cristã não tal retraimento
e timidez, que é
máximo, uma minoria iluminada) gostasse
daquilo que eu gostava. Agora prefiro gostar
à sua condição de peregrina do Absoluto, de hoje. Com uma condição incontornável: é um calmante. legítimo perguntar: das coisas em particular, com medo que se
bastavam-lhe provisórios recursos de viagem.
Com erros e acertos, procuravam que a
que seja a partir dos problemas concretos
das comunidades de hoje, nas linguagens
É a certeza de não estarão as
comunidades cristãs
estraguem, caso se tornem populares.
Chego agora ao ponto em que prefiro
Igreja fosse vivida e entendida, na diversidade que reconheçam as suas interrogações mais que sem obras a serem vítimas de que digam mal das coisas de que gosto
de carismas e serviços do povo cristão, como profundas e urgentes. A Eucaristia é de vivos está morta um longo período no a dizerem bem das coisas que detesto.
voz de Cristo num mundo dilacerado por e para vivos e só tem sentido se Cristo está qual a sua voz não No Ípsilon do PÚBLICO de anteontem,
duas terríveis guerras mundiais. A repressão actuante e pode vivificar a fé, a esperança e o contou para nada? deu-me prazer ler o Luís Miguel Oliveira
exercida sobre as expressões dos mais audazes amor da comunidade. Quando, agora, (LMO) a amaldiçoar as primeiras duas
criou uma atmosfera irrespirável, em vários Então porque continuar a repetir e a insistir nos interrogamos horas de Zero Dark Thirty, de Kathyrn
sectores católicos. Perdia-se a esperança de em dizer sempre “naquele tempo”? sobre a sua falta Bigelow. É uma boa merda de um filme
que ela se tornasse um espaço de liberdade. O cristianismo nasceu não nas nuvens do de empenhamento — nem jornalismo nem televisão nem
Temos muitas narrativas dessa situação. mito, mas na história. O Verbo de Deus fez-se militante, talvez cinema. A classificação de LMO é generosa
2. João XXIII, com os olhos postos fragilidade humana. É nessa fonte, sempre esqueçamos uma resposta antiga: ninguém (medíocre) porque a meia hora final é
nesse mundo em transformação, apostou fecunda, que precisamos hoje de beber. É nos convocou, ninguém quis ouvir a nossa melhor do que as duas horas antecedentes.
no aggiornamento da Igreja. Este termo, nessa fonte que beberam todas as pessoas voz, compartilhar as nossas dúvidas e Só um cinéfilo doente perdoa as duas
usado para expressar uma das intenções que, ao longo dos séculos, consentiram em interrogações, tomar a sério a nossa situação horas antes perdidas por causa de 25
fundamentais do Vaticano II, é muito mais deixar transformar a sua vida e trabalharam pouco canónica e pouco alinhada com minutos medíocres que se seguem. São os
do que uma operação de marketing ou um na transformação do seu tempo. Esta é a a opinião dominante. Deixaram-nos em últimos 25 minutos que valem duas estrelas.
truque, como se este Papa procurasse uma tradição viva, muito diferente de um museu autogestão… As duas horas perdidas — pelas razões
imagem modernaça para um catolicismo da santidade. A preocupação do Ano da Fé talvez não seja sucintas que LMO deu — são duas horas
envelhecido. Entretanto, já circulava 3. Não podemos deixar de nos congratular para aqueles que só procuram paz e sossego. gastas de vida finita que a vida jamais será
outra expressão de sinal oposto, “voltar com muitas iniciativas e publicações para A fé cristã não é um calmante. É a certeza capaz de nos devolver. Eu também as gramei
às fontes”. Acabaram ambas conjugadas celebrar, estudar e avaliar a herança do de que sem obras está morta (Tiago, 2-4). e arrependo-me de ter gramado. Mas não as
com os enigmáticos “sinais dos tempos”. A Concílio Vaticano II . Esperemos que não seja perdoo: uma estrela seria suficiente.
aproximação destas metáforas é um bom para o arrumar de vez. 1) Cf. Communio, n.º 3 – Setembro; Didaskalia, O filme de 2012 de que mais gostei,
caminho para perceber a importância Dir-se-á que ainda não há distância vol. XLII, 2 foi Beasts of the Southern Wild, de Benh
incontornável da iniciativa deste Concílio, suficiente para interrogar e avaliar o Zeitlin. O mais frio, sádico e realista foi o
sem cair na sua sacralização. período pós-conciliar que, segundo alguns Escreve ao domingo Amour, de Michael Haneke.
BARTOON LUÍS AFONSO