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   ENSINO MÉDIO NO BRASIL: DETERMINAÇÕES HISTÓRICAS

HIGH SCHOOL EDUCATION IN BRAZIL: HISTORICAL DETERMINANTS

       Manoel Nelito M. Nascimento1

       1
           Autor para contato: Faculdade de Educação - UNICAMP, Campinas, SP;
           (19) 3256-1394; e-mail: mnelito@yahoo.com.br

       Recebido para publicação em 05/03/2007
       Aceito para publicação em 22/03/2007



                                             RESUMO

              Historicamente, o Ensino Médio no Brasil se caracteriza pela dualidade
       estrutural, que estabelece políticas educacionais diferenciadas para as camadas sociais
       distintas, definidas pela divisão social do trabalho. As reformas educacionais para o
       Ensino Médio (propedêutico e profissional), realizadas na última década, não
       conseguiram avançar no sentido de eliminar essa dualidade através da escola unitária
       que propicie formação geral e uma habilitação profissional. Neste estudo - com a
       intenção de compreender as últimas reformas para o Ensino Médio realizadas sob
       as demandas da reestruturação produtiva - busca-se na História da Educação analisar
       os elementos determinantes no estabelecimento das políticas educacionais para este
       nível de ensino, ao longo do século XX. Dessa forma, pode-se observar que a dualidade
       estrutural, que mantém duas redes diferenciadas de ensino ao longo da história da
       educação brasileira tem suas raízes na forma como a sociedade se organiza, que
       expressa as relações contraditórias entre capital e trabalho nas políticas educacionais
       para o Ensino Médio. A tentativa de superação da divisão social no ensino médio,
       através de uma nova concepção de organização escolar, revela-se uma reorganização
       apenas superficial, que não oferece condições para um real unitariedade do ensino
       e superação das desigualdades socioeconômicas e educacionais.

       Palavras-chave: História da Educação; Ensino Médio; Ensino Secundário; Ensino
       de 2º Grau


                                           ABSTRACT

              Historically, High School education in Brazil is characterized by a structural
       duality that establishes differentiated educational policies for distinct social classes,
       which are defined by the social division of work. The educational reforms envisaged
       for High School education (propaedeutic and professionalizing) in the last decade
       have not succeeded in eliminating this duality by means of a unitary school that
       would allow for a general formation as well as for a professional qualification. This


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                  study aims at understanding the latest reforms of the High School system carried
                  out under the demands of a productive reorganization. With the support of the discipline
                  History of Education the determinative elements in the establishment of the
                  educational policies for this level of education throughout the 20th Century are also
                  analyzed. As a result, it is possible to say that the structural duality that has maintained
                  two differentiated sets throughout the history of Brazilian education has its roots in
                  the form by which society organizes itself, which expresses the contradictory
                  relationship between capital and labor in the educational policies for High School
                  education. The attempt to overcome the social division in High School Education, by
                  means of a new concept of school organization, manifests itself as a mere superficial
                  reorganization that does not allow for a real unitary education and the overcoming of
                  social, economical and educational inequalities.

                  Key words: History of Education; HIGH School; Secondary education




       Introdução                                                 de nível médio e o Ensino Médio “dar-se-á de forma
                                                                  integrada, concomitante e subseqüente ao Ensino Mé-
       As políticas educacionais no Brasil para o Ensi-           dio” (Cf. incisos I, II e III do § 1º do Artigo 4º). Este
no Médio têm expressado o dualismo educacional fun-               decreto, longe de eliminar o histórico dualismo educa-
damentado na divisão social do trabalho, que distribui            cional presente no ensino médio, de certa forma, res-
os homens pelas funções intelectuais e manuais, segun-            tabelece a regulamentação da Lei 7.044, de 1982,
do sua origem de classe, em escolas de currículos e               que flexibilizou o ensino médio compulsório deter-
conteúdos diferentes. O ensino médio tem sido histori-            minado na lei 5.692/71.
camente, seletivo e vulnerável à desigualdade social.                    Para uma adequada compreensão destas refor-
       Na década de 1990, as reformas para o Ensino               mas realizadas sob as demandas da reestruturação pro-
Médio (propedêutico e profissional) realizadas atra-              dutiva, é necessária a análise do desenvolvimento his-
vés da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB                tórico do Ensino Médio ao longo do último século, para
(Lei 9.394/96) e do Decreto nº 2.208/97 do Governo                observarmos que as políticas educacionais para este
Federal, novamente afirma-se a superação da dualidade             nível de ensino têm expressado as determinações pre-
estrutural, no nível do discurso, ao remodelá-lo como             sentes na relação capital/trabalho, nas várias fases do
um novo curso para preparar o aluno com formação                  desenvolvimento histórico do Brasil. Neste sentido,
geral e dar-lhe uma habilitação profissional através da           Kuenzer observa que:
formação complementar e optativa. No entanto, a for-
mação geral e a habilitação profissional não se reali-                   [...] a história do Ensino Médio no Brasil revela
zam de forma unitária, uma vez que podem ser feita                       as dificuldades típicas de um nível de ensino que,
concomitante ou seqüencial ao curso regular de Ensi-                     por ser intermediário, precisa dar respostas à
                                                                         ambigüidade gerada pela necessidade de ser ao
no Médio.
                                                                         mesmo tempo, terminal e propedêutico. Embora
       Com o Decreto nº. 5.154/2004 de 23 de julho
                                                                         tendo na dualidade estrutural a sua categoria
de 2004, o Governo Federal revogou o Decreto nº                          fundante, as diversas concepções que vão se su-
2.208/97, e definiu que “a Educação Profissional Téc-                    cedendo ao longo do tempo, refletem a correla-
nica de nível médio (...) será desenvolvida de forma                     ção de funções dominantes em cada época, a partir
articulada com o Ensino Médio” (Cf. Artigo 4º), e que                    da etapa de desenvolvimento das forças produti-
esta articulação entre a Educação Profissional Técnica                   vas. (2000A, p.13).




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      O ensino médio e o processo de                           fase de quatro décadas caracterizada pelos conflitos
      consolidação do capitalismo no Brasil                    econômicos e políticos entre os grupos dominantes,
                                                               ligados a agro-exportação e os grupos vinculados às
       Por quase quatro séculos, a economia brasileira         atividades urbano-industriais.
agro-exportadora tinha a produção baseada no traba-                    A supremacia dos setores não envolvidos com a
lho escravo, por um lado, caracterizando a sociedade           exportação estabeleceu as condições necessárias à
brasileira com a divisão entre uma minoria de indivídu-        organização de um modelo econômico-político, ao
os com direitos de pessoa e propriedade, e de outro            derrubar do poder o setor agrário-comercial exporta-
lado, a grande maioria de indivíduos sem qualquer di-          dor. Os choques entre os grupos continuaram existin-
reito. (Schwartz, 1988). No Brasil marcado pelo es-            do, porém predominava a tendência do setor dirigido
tigma da escravidão, tanto o trabalho quanto a educa-          ao mercado interno, gerando a ideologia política do
ção eram considerados como atividades de menor im-             nacional-desenvolvimentismo e o modelo econômico
portância para a sociedade escravista.                         de substituição de importações.
       O trabalho manual - considerado uma atividade                   As forças econômico-sociais vinculadas às ati-
desprezível, desprovida de qualquer valoração social           vidades urbano-industriais que lutaram por mudanças
- era atribuído aos escravos e aos membros das ca-             internas em direção a um modelo capitalista-industrial,
madas mais baixas da sociedade colonial. No mesmo              mesmo que ainda dependente, tornaram-se vencedo-
sentido, a educação considerada uma atividade secun-           res em 1930, dando início ao período de consolidação
dária interessava aos poucos integrantes da elite. A           da ordem econômico-social capitalista brasileira atra-
educação para o trabalho praticamente inexistente so-          vés do processo de industrialização do país e pondo
fria da mesma descriminação atribuída às atividades            fim à fase agro-exportadora.
manuais.                                                               A partir da década de 1930, o processo de con-
       A educação brasileira durante os períodos co-           solidação no Brasil da ordem econômico-social capi-
lonial e imperial tinha por finalidade a formação da elite     talista intensificou-se com a expansão da industrializa-
da sociedade para o exercício das atividades político-         ção e as conseqüentes transformações na sociedade,
burocráticas e das profissões liberais. Para esta pe-          dando nova forma às suas instituições político-sociais.
quena parcela da sociedade brasileira predominava o                    Na história do país ocorreram diversas formas
ensino humanístico e elitista.                                 de dominação capitalista, que encontraram espaço para
       Esta situação se transformou nas últimas déca-          o crescimento de acordo com os interesses da bur-
das do século XIX, quando, no Brasil, ocorreram al-            guesia internacional, mas não de forma voluntária, pois
gumas mudanças derivadas do lento processo de abo-             a formação social brasileira se manteve aristocrática,
lição da escravatura, pela introdução de mão-de-obra           extremamente concentradora de riqueza, do prestígio
imigrante e do regime de trabalho assalariado, pela            social e do poder. A institucionalização do poder no
proclamação da República, pela industrialização nas-           país realizou-se, conseqüentemente, com a exclusão
cente e a ampliação das influências externas dentro do         permanente da grande maioria da população. (Xavier,
processo de expansão do capitalismo internacional.             1990).
       No último quarto do século XIX, a nova fase do                  A economia brasileira, dependente do capitalis-
capitalismo monopolista imperialista promoveu gran-            mo internacional, consolidou-se mantendo a tendência
des transformações em nível mundial, que avançaram             de concentração de renda, prestígio social e poder em
para os países subdesenvolvidos como novos merca-              determinados estratos sociais e regiões do país de im-
dos a serem explorados.                                        portância estratégica para o centro hegemônico domi-
       Apesar das transformações econômicas e polí-            nante, conservando uma grande parcela da população
ticas do final do século XIX e no início do XX, elas           nacional historicamente excluída de participação na
demoraram a refletir em mudanças significativas para           ordem econômica, política e social, mesmo depois de
o ensino secundário. Em 1889, a mudança do regime              a produção do país ter atingido um alto grau de cresci-
político do país para o regime republicano, iniciou uma        mento e sofisticação.


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       O processo de reprodução do capital internaci-             ticas estabelecidas, através de diversos movimentos
onal, ao se instalar no Brasil, via industrialização, não         operários, culturais, na educação, etc., que manifesta-
encontrou um sistema local de produção e transmissão              vam a insatisfação da sociedade com a situação de
do conhecimento que propiciasse um desenvolvimen-                 atraso do país, em particular, na educação, expressa-
to científico e tecnológico no país. Encontrou sérios             do no alto índice de analfabetismo.
obstáculos, especialmente nas suas instituições políti-                  Na educação, as idéias renovadoras assimila-
co-culturais aristocráticas e privatistas, herdadas das           das por educadores brasileiros influenciados pelo pen-
formas menos avançadas da dominação capitalista no                samento de John Dewey, se manifestam através de re-
país, que inviabilizaram as decisões políticas naciona-           formas educacionais em vários Estados. Este grupo de
listas e a superação da perspectiva cultural fixada nos           educadores progressistas se congregou no movimento
centros avançados do capitalismo internacional. O                 renovador da educação, que passou a influenciar os
rumo tomado pelo processo de modernização no Bra-                 rumos da educação brasileira.
sil acabou por impor à esfera cultural os mesmos limi-                   O período que inicia com a “Revolução de 30”,
tes verificados na evolução econômica e social do país.           caracterizado como o “despertar da sociedade brasi-
       A modernização da sociedade brasileira realiza-            leira”, foi marcado pelas lutas ideológicas sobre as for-
da com o aceleramento do processo de industrializa-               mas de condução do governo. No setor educacional,
ção e urbanização do país provocou o crescimento da               essas lutas foram travadas entre os grupos dos reno-
demanda por formação escolar para todas as classes                vadores da educação, os “pioneiros”, na defesa da
sociais. Com o crescimento urbano, surgiu a necessi-              escola pública, laica, gratuita e obrigatória e os “con-
dade de dar padrões mínimos de comportamento so-                  servadores” representados pelos educadores católicos,
cial à população e com a expansão da indústria, a pro-            que defendiam a educação subordinada à doutrina re-
cura por mão-de-obra qualificada. Essas necessida-                ligiosa (católica), diferenciada para cada sexo, o ensi-
des prementes mobilizaram as elites intelectuais e diri-          no particular, a responsabilidade da família quanto à
gentes políticos a reivindicar por reforma e a expansão           educação, etc..
do sistema educacional brasileiro.                                       Os educadores renovadores preocupados com
       O processo de evolução das aspirações educa-               uma política nacional de educação tornaram públicas
cionais e de expansão do sistema educacional é consi-             as suas aspirações em 1932, através do “Manifesto
derado por Xavier (1990) em três momentos distintos:              dos Pioneiros da Educação Nova”, escrito por Fer-
O primeiro momento, nas duas primeiras décadas do                 nando de Azevedo e assinado por numerosos educa-
século XX, ainda na fase da economia agro-exporta-                dores. Para este grupo de educadores, conhecidos
dora em crise, que registra a expansão da demanda                 como “escolanovistas”, a escola pública, gratuita e lei-
social por educação e as iniciativas reformistas de edu-          ga era vista como a condição ideal para o atendimento
cadores progressistas; no segundo momento, de 1930                das aspirações individuais e sociais, em oposição a
a 46, acontece a reformulação efetiva do sistema edu-             qualquer imposição orientadora, quer seja de ordem
cacional pelo Estado, através da Reforma Francisco                religiosa ou política.
Campos (1931-1932) e das Leis Orgânicas do Ensi-                         Apesar do combate às “idéias novas” por parte
no (1942-1946); o terceiro momento, a partir da                   dos conservadores, estas se propagaram e estavam
redemocratização do país iniciada em 1946, reacendem              presentes: na exposição de motivos da reforma Fran-
os debates em torno das funções da escola, organiza-              cisco Campos; nas reformas educacionais nos Esta-
dos em dois grupos, de um lado os progressistas e de              dos; na criação das universidades de São Paulo (1934)
outro os conservadores, liderados pelos educadores                e do Distrito Federal (1935).
católicos na defesa da escola privada.                                   Após a criação do Ministério da Educação e
       O primeiro momento caracteriza-se, por um lado,            Saúde Pública em 1930, sob a responsabilidade de
pelos conflitos de interesses entre a elite rural (hege-          Francisco Campos, foram instituídos vários decretos
mônica no poder) e a burguesia industrial emergente, e            com a finalidade de reformar o ensino superior (De-
por outro, o ambiente de contestação de idéias e prá-             cretos nºs 19.851 e 19.852 de 11/04/1931), o ensino


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secundário (Decreto n.º 19.890 de 18/4/1931) e o              profissional era atender aos menos favorecidos, os
ensino comercial (Decreto n.º 20.158, de 30/06/1931).         desvalidos de sorte.
        A reforma Francisco Campos, como o conjunto                  O alto grau de seletividade da organização es-
de decretos ficou conhecido, organizou o ensino se-           colar brasileira impunha a bifurcação dos caminhos
cundário em duas etapas: fundamental (5 anos) e com-          escolares após o primário: a via para o “povo” por
plementar (2anos). Romanelli (1993) reconhece os              meio das escolas profissionais, e a via para a “elite”
méritos da reforma, ao dar organicidade, estabelecer          através das escolas secundárias. Nestas havia uma
o currículo seriado, a freqüência obrigatória, os dois        quantidade grande de alunos que não conseguiam con-
ciclos: fundamental e complementar e a obrigatoriedade        cluir o ensino devido ao rígido sistema de avaliação,
de cursá-los para o ingresso no ensino superior. O ci-        imposto pelo sistema como forma de controle.
clo fundamental dava a formação básica geral, e no            (Romanelli, 1993).
ciclo complementar oferecia cursos propedêuticos ar-                 Em 1942, ainda no Governo totalitário de
ticulados ao curso superior (pré-jurídico, pré-medico,        Vargas, o Ministro da Educação, Gustavo Capanema,
pré-politécnico).                                             iniciou a reforma de alguns ramos do ensino com o
        A Reforma de Francisco Campos, apesar do              nome de Leis Orgânicas do Ensino, que estruturaram
aspecto positivo de ter organizado o ensino secundá-          o ensino propedêutico em: primário e secundário e o
rio, esteve aquém das expectativas para o período pós-        ensino técnico-profissional: industrial, comercial, nor-
1930, que experimentou um crescimento vertiginoso             mal e agrícola.
da população nas cidades e das indústrias. O caráter                 Trata-se de um reforma elitista e conservadora
enciclopédico de seus programas e os níveis de exi-           que consolidou o dualismo educacional, ao oficializar
gências para a aprovação tornava o ensino secundário          que o ensino secundário público era destinado às elites
uma educação para a elite.                                    condutoras, e o ensino profissionalizante para as clas-
        A Constituição de 1934, promulgada pela As-           ses populares, conforme as justificativas do Ministro
sembléia Nacional Constituinte, na parte que trata da         Capanema.
educação representa uma vitória do movimento reno-                   A Lei Orgânica do Ensino Secundário extinguiu
vador - com significativa influência do “Manifesto dos        os cursos complementares, substituindo-os por cursos
Pioneiros da Educação Nova” em muitos dos artigos,            médios de 2º ciclo, os quais passaram a ser conheci-
como a fixação do Plano Nacional de Educação - ao             dos como cursos colegiais, nos tipos clássico e cientí-
estabelecer que o ensino primário deveria ser obriga-         fico, com três anos de duração e com o objetivo de
tório e totalmente gratuito, na determinação ao Estado        preparar e direcionar os estudantes para o nível supe-
da incumbência de fiscalizar e regulamentar as institui-      rior.
ções de ensino públicas e particulares, e na fixação de              Os cursos de formação profissional (normal,
índices mínimos do orçamento anual para a aplicação           agro-técnico, comercial técnico e industrial) não da-
na educação.                                                  vam acesso ao nível superior. Para Kuenzer (1997),
        A tendência democratizante da Carta Constitu-         ao validar somente os cursos propedêuticos para aces-
cional de 1934 foi invertida com a Carta outorgada de         so ao nível superior e negar este direito aos cursos
1937, redigida pelo governo totalitário de Vargas, que        profissionalizantes, afirma-se um princípio que
em termos educacionais suprimiu os avanços conquis-           correspondia ao estágio de desenvolvimento das for-
tados pelos educadores progressistas. No atendimen-           ças produtivas: o acesso ao nível superior ocorre pelo
to aos anseios de setores conservadores, o Estado fica        domínio dos conteúdos gerais, das ciências, das letras
desobrigado de manter e expandir o ensino público,            e das humanidades, considerados como únicos sabe-
assumindo um papel subsidiário.                               res socialmente válidos para as funções de dirigentes.
        O dualismo entre ensino propedêutico e profis-        Os egressos dos cursos profissionais não tinham reco-
sional no ensino secundário foi confirmado na Carta           nhecimento para um saber voltado ao campo específi-
de 1937, na qual fica claro que a finalidade do ensino        co de trabalho.



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       Esta separação em duas vertentes distintas para            educação pública, manifestando suas preocupações
       atender à demanda bem definida da divisão social           com a questão da laicidade do ensino e os progressis-
       e técnica do trabalho organizado e gerido pelo             tas mantinham a defesa da escola pública, laica, gratui-
       paradigma Taylorista/Fordista como resposta ao             ta e obrigatória, com o objetivo de ampliar as oportu-
       crescente desenvolvimento industrial, se com-
                                                                  nidades de estudo para toda a sociedade.
       plementa com a criação dos cursos do SENAI,
                                                                         A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Naci-
       em 1942, e SENAC, em 1946, pela iniciativa pri-
       vada. (Kuenzer 1997, p.14)                                 onal (Lei 4024, aprovada em 20 de dezembro de 1961)
                                                                  estruturou o Ensino Médio em: ginasial, de 4 anos e o
       A Lei Orgânica do Ensino Industrial de 1942                colegial, de 3 anos. Ambos abrangiam o ensino secun-
criou as bases para a organização de um “sistema de               dário e o ensino técnico profissional (industrial, agríco-
ensino profissional para a indústria”, com a finalidade           la, comercial e de normal).
de atender à demanda por mão-de-obra qualificada.                        Pela primeira vez o ensino profissional foi inte-
A lei consolidava a estrutura elitista de ensino brasilei-        grado ao sistema regular de ensino, estabelecendo plena
ro quando oficializava duas organizações paralelas; o             equivalência entre os cursos, apesar de não superar a
ensino secundário destinado a preparar as individuali-            dualidade estrutural, uma vez que continuaram a existir
dades condutoras, e o profissional, destinado a formar            dois ramos distintos de ensino para distintas clientelas,
mão-de-obra qualificada para atender ao setor pro-                mantendo as diferenças existentes desde os primórdios
dutivo.                                                           da educação brasileira.
       A criação do Serviço Nacional de Aprendiza-
gem Industrial - SENAI, em 1942, e o Serviço Naci-
onal de Aprendizagem Comercial - SENAC, em 1946,
marcaram o início e a oficialização pelo Estado da trans-                O ensino médio na Reforma educacional do
ferência para o setor privado da responsabilidade pela                   governo militar
formação e qualificação da mão-de-obra necessária
para o crescimento da indústria, tendo em vista, que o                   O governo militar instalado em 1964, se carac-
Estado não tinha recursos para equipar adequadamente              terizou pelo autoritarismo com que comandou o Esta-
as suas escolas profissionais.                                    do Brasileiro, pela ênfase no crescimento econômico e
       Desta forma, através das Leis Orgânicas, o Go-             pelas reformas institucionais, incluindo a educação.
verno transferiu para os empregadores a responsabili-             Apesar da forte repressão aos grupos adversários,
dade pela formação profissional dos trabalhadores. A              obteve um alto grau de consenso e de legitimação so-
iniciativa do Governo de “engajar as indústrias na qua-           cial de grande parte da população. “O clima reinante
lificação de seu pessoal, além de obrigá-los a colabo-            no país se caracteriza, ao mesmo tempo, por uma com-
rar com a sociedade na educação de seus membros.”                 binação de medo da repressão do Estado e de euforia
(Romanelli, 1993, p. 155), foi a forma de atender a               em decorrência do crescimento econômico” (Germano,
demanda das indústrias por mão de obra qualificada.               1994, p.160)
       A quarta Constituição da República Brasileira,                    As reformas educacionais procuraram atender
promulgada em 1946 após a derrocada da ditadura                   aos objetivos estratégicos de ter o consenso de uma
de Vargas, atribuía à União “fixar as diretrizes e bases          parte significativa da população (particularmente da
da educação nacional”. A proposta de LDB encami-                  classe média) para a realização da “limpeza” política
nhada pelo Governo ao Congresso foi longamente de-                de forma brutal, por um lado, e a aceleração da indus-
batida e alterada, até ser aprovada em 1961. Neste                trialização através do endividamento externo, para o
longo período foram retomados os acalorados emba-                 desenvolvimento econômico, com a falsa promessa de
tes entre educadores conservadores (Igreja Católica)              que os sacrifícios para o crescimento do “bolo econô-
e os progressistas, com as mesmas bandeiras defendi-              mico” seriam posteriormente recompensados pelos
das na década de 1930, da luta ideológica dos con-                benefícios para toda a população, por outro.
servadores contra a ação do Estado na promoção da                 (Germano, 1994)

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       A política educacional do governo militar para o              nando-os nas escolas técnicas federais, então
Ensino Médio tem uma visão utilitarista, sob inspira-                rebatizadas de Centros Federais de Educação
ção da “teoria do capital humano”, ao pretender esta-                Tecnológica” (1994, p. 71)
belecer uma relação direta entre sistema educacional e
sistema operacional, subordinando a educação à pro-                   Em 1971, através da Lei 5692, o Governo Mi-
dução. Desta forma, a educação passava a ter a fun-           litar reformou o ensino de 1º e 2º graus. As principais
ção principal de habilitar ou qualificar para o mercado       mudanças introduzidas por esta lei foram estender a
de trabalho.                                                  obrigatoriedade escolar para oito anos, com a fusão
       O tripé ideológico de sustentação da política          dos antigos cursos primários e ginásio, e com a extinção
educacional era constituído, pois, pela doutrina da se-       do exame de admissão.
gurança nacional, pela teoria do capital humano e por                 Um sistema único de ensino para o Ensino Mé-
correntes do pensamento cristão conservador.                  dio, em substituição aos sistemas propedêutico e
       A partir de 1964, a educação brasileira foi or-        profissionalizante, pelo qual, todos eram obrigados a
ganizada com o objetivo de atender às demandas das            passar, independentemente de sua origem de classe,
transformações na estrutura econômica do país, ade-           com a finalidade de qualificação para o trabalho atra-
quando o sistema educacional às necessidades da ex-           vés da habilitação profissional conferida pela escola,
pansão capitalista.                                           tem a função ideológica de produzir o consenso da
       A reformas educacionais do Governo Militar             sociedade a partir de uma reforma que tem um “princí-
começaram em 1968, com a Lei nº 5540 para o ensi-             pio democratizante”.
no superior. Tinham por objetivos atender às reivindi-                Do ponto de vista da prática concreta, no en-
cações sociais que consistia em aumentar o número de          tanto, pouca coisa mudou, em função de inúmeros
vagas.                                                        fatores estruturais e conjunturais que impediram que a
       A reforma para o ensino médio foi realizada atra-      almejada homogeneidade ocorresse.
vés da Lei Nº 5692/71, que criou o ensino de 1º e 2º                  A Lei de Diretrizes e Bases de Ensino do 1º e 2º
graus. O ensino de 2º Grau passa a ser obrigatoria-           graus, apresentada em 1971 (Lei 5692/71), ao pre-
mente profissionalizante. Com isso, estava-se dando           tender dar uma habilitação profissional aos concluintes
uma terminalidade ao ensino de 2º. Grau, com preten-          do Ensino Médio teve uma nova função social: a de
sões, também, que um grande contingente de alunos             conter o aumento da demanda de vagas aos cursos
saísse do sistema escolar e entrasse diretamente no           superiores. A lei pretendia que o Ensino Médio tivesse
mercado de trabalho, diminuindo a pressão por vagas           a terminalidade como característica básica, através do
no ensino superior. Desta forma, apesar da generaliza-        ensino profissionalizante, contrapondo-se à frustração
ção da profissionalização para todos, a reforma do 2º         da falta de uma habilitação profissional. Pretendia-se
grau não alcançou os resultados esperados pelo Go-            também, adotar o ensino técnico industrial como mo-
verno, devido a falta de recursos humanos e materiais.        delo implícito do Ensino Médio. No entanto, manti-
Cunha ressalta que                                            nha-se como objetivo do Ensino Médio a função
                                                              propedêutica de preparar os candidatos para o ensino
      Fracassada, então, a política de profissionalização     superior.
      universal e compulsória no ensino de 2º. Grau, a                Segundo Cunha (1977), houve resistências da
      função contenedora que a ditadura dela esperava         burocracia educacional à implantação da lei 5692/71,
      não chegou a ser desempenhada. Assim, as es-
                                                              por não considerar a falta de recursos humanos e ma-
      peranças de conter os candidatos ao ensino supe-
                                                              teriais das escolas. Em paralelo à falta de recursos,
      rior teve de ser providenciada neste grau mesmo,
      pela elevação das barreiras dos exames vestibu-         neste período houve um aumento significativo do nú-
      lares. Ao mesmo tempo, procurou-se incentivar           mero de alunos matriculados no Ensino Médio. Ou-
      os cursos superiores de curta duração, em espe-         tros problemas surgiram, como a necessidade de no-
      cial os da área tecnológica (...), mas apartando os     vos currículos, de se estabelecer associação entre as
      cursos e os estudantes das universidades, confi-        escolas e as empresas, de identificar as necessidades


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do mercado de trabalho, da construção e/ou adapta-                       Reestruturação produtiva
ção de escolas, além da formação de professores e
outros profissionais para os novos cursos.                               O período que se inicia após a promulgação da
       As dificuldades encontradas na implementação               nova Carta Constitucional do Brasil, em 1888, carac-
da generalização do ensino profissionalizante no Ensi-            teriza-se por importantes transformações produzidas
no Médio (2º grau), foram contornadas com o Pare-                 por reformas políticas e econômicas que deram uma
cer n.º 45/72, que recolocou a dualidade da educação              nova configuração à sociedade brasileira.
geral e da formação profissional. A proposta de gene-                    A “Constituição cidadã”, de 1988, deu condi-
ralizar a profissionalização compulsória no 2º grau é             ções institucionais para as mudanças na educação que
substituída pela habilitação profissional. Assim, o 2º grau       vinham sendo discutidas pelos educadores desde me-
passava a oferecer “[...] uma formação mais abrangente,           ados da década de 1970. O encaminhamento de vári-
possibilitando uma visão ampla do mundo e uma adap-               os projetos de LDB ao Congresso foi seguido de lon-
tação mais fácil às mudanças ocorridas no âmbito do               gos debates e pressões de alguns segmentos da socie-
trabalho, através do domínio das bases científicas de             dade. Por fim, em 1996, a nova LDB foi aprovada
uma profissão.” (Kuenzer, 1997, p.19)                             pelos poderes legislativo e executivo, com base no pro-
       Em 1975, com o Parecer 76, tenta-se eliminar o             jeto do Senador Darcy Ribeiro, que articulava os inte-
equívoco no entendimento da Lei 5692/71 de que toda               resses do Governo. A nova LDB não atendeu às aspi-
escola de Ensino Médio (2º grau) deveria tornar-se                rações dos educadores, alimentadas por quase duas
uma escola técnica, quando não há recursos materiais,             décadas de discussões. Ela caracteriza-se por ser
financeiros e humanos para tanto. Para o relator, o en-           minimalista e por sua flexibilidade produzida para ade-
sino, e não a escola, deveria ser profissionalizante. A           quar-se aos padrões atuais de desregulamentação e
concepção empregada no Parecer 76/75, é de que a                  privatização. Ela não obriga o Estado a assumir suas
habilitação deixa de ser entendida como preparo para              responsabilidades com a escola, mas não impede que
o exercício de uma ocupação, passando a ser consi-                este aplique seu próprio projeto político-educativo.
derada como o preparo básico para a iniciação a uma                      O início da década de 1990 marcou a introdu-
área específica de atividade. Desta forma, a legislação           ção de mudanças estruturais no Brasil, com vistas à
acomoda-se à realidade, retomando a dualidade exis-               inserção do país na economia mundial, de acordo com
tente antes de 1971.                                              o modelo implementado em alguns países europeus,
       A proposta de implementação compulsória da                 principalmente na Inglaterra. O processo de ajuste da
profissionalização do Ensino Médio (2º grau) foi alte-            economia brasileira às exigências da reestruturação da
rada pela Lei n.º 7044/82, que extingue a escola única            produção provocou a abertura e a subordinação do
de profissionalização obrigatória, a qual nunca chegou            mercado brasileiro à economia internacional.
a existir concretamente. Esta lei reedita a concepção                    Com a economia brasileira internacionalizada na
vigente antes de 71, de uma escola dualista (prope-               nova fase do capitalismo, o nível educacional é consi-
dêutica e profissionalizante).                                    derado um fator determinante na competitividade en-
       O fato da dualidade estrutural não ter sido elimi-         tre os países. O novo paradigma produtivo impunha
nada, apesar da tentativa da Lei nº 5.692/71, não cau-            requisitos de educação geral e qualificação profissio-
sa estranheza, na medida em que ela apenas expressa               nal dos trabalhadores, em oposição à formação espe-
a divisão que está posta na sociedade brasileira, quan-           cializada e fragmentada fornecida no padrão Taylorista.
do separa trabalhadores intelectuais e trabalhadores                     O sistema educacional brasileiro foi profunda-
manuais e exige que se lhes dê distintas formas de edu-           mente transformado com as reformas promovidas sob
cação.                                                            fortes influências dos organismos multilaterais, como a
                                                                  UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
                                                                  Educação, a Ciência e a Cultura) - que organizou a
                                                                  Conferência Mundial de Educação para Todos, em
       Ensino Médio na Redemocratização e                         1990, em Jomtien (Tailândia) e produziu de 1993 a 96


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o “Relatório Delors” (coordenado por Jacques                 voltada para a formação do cidadão trabalhador, inte-
Delors), que fez um diagnóstico do contexto planetá-         grando educação geral e formação voltada para o
rio e analisou os desafios para a educação no século         mundo do trabalho - não é mais sua missão, Revela-se
XXI - e a CEPAL (Comissão Econômica para a Amé-              assim a velha dualidade: anacrônica, mas de roupa
rica Latina e Caribe) com os programas                       nova.
“Transformacion Productiva com Equidad” (1990)                      A nova LDB (Lei nº 9394/96) inserida no pro-
e “Educacion y Conocimiento: Eje de la                       cesso de reformas educacionais estabelece a obri-
Transformacion productiva con equidade” (1992).              gatoriedade e gratuidade do Ensino Médio. No entan-
Por fim, o Banco Mundial (organismo multilateral de          to, na prática, o Governo Federal tem priorizado os
financiamento) passou a definir as prioridades e estra-      seus investimentos para o ensino fundamental, deixan-
tégias para a educação, a partir das conclusões da           do para os Estados arcarem com a expansão do Ensi-
Conferência Internacional de Educação para Todos.            no Médio.
O Banco Mundial elaborou suas diretrizes políticas para             O crescimento do número de matrículas no En-
os países periféricos com o objetivo de conter a po-         sino Médio, no período 1994-99, da ordem de 57,3%,
breza nesta fase de ajustes à nova ordem mundial.            deve-se em grande parte, pela quase universalização
(Shiroma, 2000). Estas políticas neoliberais são             do Ensino Fundamental, na faixa de 7 a 14 anos; da
dirigidas pelo Banco Mundial por meio do exercício           maior exigência de escolarização no recrutamento para
de sua grande “missão” de reduzir a pobreza de forma         os postos de trabalho e de um progressivo aumento de
sustentada nos países em desenvolvimento, para ame-          jovens entre 15 e 17 anos, a chamada “onda de ado-
nizar a miséria e a violência oriundas do grande abismo      lescentes”. O aumento expressivo das matrículas tem
social.                                                      ocorrido na rede pública estadual e em cursos notur-
       A política neoliberal que caracteriza o Estado        nos, indicando que muitos jovens que abandonavam
Brasileiro desde o início da década de 1990 é expres-        os estudos antes do Ensino Médio têm permanecido
são superestrutural da reorganização produtiva, por          na escola devido à escassez de empregos, e à requisi-
meio da qual o país se articula ao movimento mais            ção de mais escolaridade imposta pelas empresas para
amplo da globalização da economia; exige a redução           a contratação de novos trabalhadores.
da presença do Estado no financiamento das políticas                A reforma do Ensino Médio, a partir da LDB de
sociais e aumento da flexibilidade, qualidade e produ-       1996, teve suas proposições formuladas e consolida-
tividade no sistema produtivo, bem como a racionali-         das, basicamente, no Parecer CEB/CNE n.º 15/98 (de
zação do uso dos recursos. (Kuenzer,1997, p.66).             1º de junho de 1998. MEC/Conselho Nacional de
       As diretrizes do Banco Mundial, aplicadas às          Educação/Câmara de Educação Básica) e na Resolu-
políticas de educação brasileira, destacaram-se: na re-      ção CEB/CNE n.º 3/98 (de 26 de junho de 1998 –
dução do papel do Estado no financiamento; na busca          institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o En-
intencional e sistemática de mecanismos de diversifi-        sino Médio pelo MEC/Conselho Nacional de Educa-
cação das fontes de financiamento por meio das várias        ção/Câmara de Educação Básica), que propunham uma
formas da privatização; na redução dos direitos como         nova formulação curricular incluindo competências
resultado da substituição da concepção de universali-        básicas, conteúdos e formas de tratamento dos con-
dade pela concepção de equidade; na utilização do            teúdos coerentes com os princípios pedagógicos de
conceito de competência para justificar, pela natureza,      identidade, diversidade e autonomia, e também os prin-
a seletividade e a contenção do acesso; no atendimen-        cípios de interdisciplinaridade e contextualização,
to aos pobres como forma de justiça social, tratando         adotados como estruturadores do currículo do Ensino
“igualmente” os diferentes e assim aumentando e cris-        Médio.
talizando as diferenças, estratégia regada com o molho              De acordo com as novas diretrizes, as discipli-
da lógica da mercadoria, que privilegia os privilegia-       nas do Ensino Médio dividem-se em dois blocos fun-
dos e exclui cada vez mais os excluídos, mantendo-se         damentais de conhecimentos: uma base comum e ou-
e fortalecendo-se a hegemonia do capital.                    tra base diversificada. A base comum é composta por
       A educação média - como direito universal e           três áreas de conhecimento: linguagem e código (lín-
                          Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
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gua portuguesa, informática etc.); ciências da natureza           contextualização), e a divisão curricular (base nacional
e matemática e, finalmente, ciências humanas. A parte             comum e parte diversificada) propostos, não são no-
diversificada ocupa 25% da carga horária total e in-              vos na tradição de reformas curriculares no país. A
cluir pelo menos uma língua estrangeira. A escolha de             cultura existente de transmissão dos conhecimentos,
outras disciplinas para essa parte diversificada deve             derivada da escola tradicional, que não desenvolve a
ter “caráter interdisciplinar e deve ainda levar em con-          formação de atitudes, valores e competências mais
ta o contexto e o mundo produtivo”.                               amplas; a formação de professores e a falta de pro-
       Os cursos técnicos profissionais foram desvin-             fessores para o Ensino Médio, constituem um sério
culados do nível médio para serem oferecidos conco-               obstáculo na implementação da reforma curricular, bem
mitante ou seqüencialmente. Na concepção do MEC,                  como a falta de fonte fixa de financiamento para o En-
o ensino médio é a etapa final da educação básica, que            sino Médio.
passa a ter a característica de terminalidade, o que muda                Kuenzer (2000B) no texto “O Ensino Médio
a identidade estabelecida para o Ensino Médio conti-              agora é para a vida: entre o pretendido, o dito e o
da na lei anterior (nº 5.692/71), que se caracterizava            feito”, ao analisar a reforma do Ensino Médio, obser-
por sua dupla função: preparar para o prosseguimento              va que:
de estudos e habilitar para o exercício de uma profis-
são técnica. O Ensino Médio, como parte da educa-                        [...] não basta afirmar que a nova educação mé-
ção escolar, “[...] deverá vincular-se ao mundo do tra-                  dia deverá ser tecnológica e, portanto, organizada
balho e à prática social”, estabelecendo uma perspec-                    para promover o acesso articulado aos conheci-
tiva que integra, numa mesma e única modalidade, fi-                     mentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos,
                                                                         e ao mesmo tempo extinguir os cursos profis-
nalidades, até então, dissociadas, para oferecer, de
                                                                         sionalizantes, estabelecendo por decreto que a
forma articulada, uma educação equilibrada, com fun-
                                                                         dualidade estrutural foi superada através da cons-
ções equivalentes para todos os educandos:                               tituição de uma única rede, o que justificou, inclu-
                                                                         sive, a não discussão de formas de equivalência
      • a formação da pessoa de forma a desenvolver                      entre Ensino Médio e profissional. (Kuenzer,
                                                                         2000B, p.20)
os seus valores e as competências necessárias à inte-
gração de seu projeto individual ao projeto da socie-
dade em que se situa;
      • o aprimoramento do educando como pessoa                          Considerações finais
humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento
da autonomia intelectual e do pensamento crítico;                        Consideramos que não é suficiente apenas re-
      • a preparação e orientação básica para a sua               formar a legislação para transformar a realidade edu-
integração ao mundo do trabalho, com as competên-                 cacional de uma sociedade dividida pelas relações
cias que garantam seu aprimoramento profissional e                estabelecidas entre capital e trabalho. É crescente a
permitam acompanhar as mudanças que caracterizam                  exclusão e a diminuição dos recursos públicos para a
a produção no nosso tempo;                                        área social, sem considerar a realidade do modelo eco-
                                                                  nômico brasileiro, com sua carga de desigualdades
       • o desenvolvimento das competências para con-             decorrentes das diferenças de classe e de especi-
tinuar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em                ficidades decorrentes de um modelo de desenvolvi-
níveis mais complexos de estudos.                                 mento desequilibrado, que reproduz internamente as
                                                                  mesmas desigualdades e desequilíbrios que ocorrem
       Na análise de Domingues (2000), alguns aspec-              entre os países, no âmbito da internacionalização do
tos problemáticos, que podem comprometer o seu êxito              capital.
devem ser considerados na reforma do Ensino Médio:                       A dualidade estrutural, que mantém duas redes
os princípios curriculares (interdisciplinaridade e               diferenciadas de ensino ao longo da história da educa-


Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
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ção brasileira, tem suas raízes na forma como a socie-          2007.
dade se organiza, que expressa as relações e contradi-          8. GERMANO, J. W. Estado militar e educação no Brasil
ções do capital e trabalho.                                     (1964-1985). 2. ed., São Paulo: Cortez, 1994
       Ao se pretender superar a divisão social na es-          9. KUENZER, A. As propostas de decreto para regulamentação
cola, através de uma nova concepção de organização              do ensino médio e da educação profissional: uma análise
escolar, revela-se uma reorganização apenas superfi-            crítica. Curitiba, 2003. Disponível em: <www.anped.org.br/
cial, de forma ideológica que não oferece condições             representacoesanped2004.pdf> Acesso: 21 mar 2007
para a real unitariedade do ensino e superação das              10. ______. (Org.) Ensino Médio: construindo uma proposta
desigualdades socioeconômicas e educacionais.                   para os que vivem do trabalho São Paulo: Cortez, 2000A
       Neste sentido, a mais recente reforma educaci-           11. ______. O Ensino Médio: agora é para a vida: entre o
onal que atinge o ensino médio, o Decreto Nº 5.154              pretendido, o dito e o feito. Revista Educação & Sociedade, n.º
de 23 de Julho de 2004, dá continuidade à dualidade             70. Campinas, Abril 2000B, p. 15 a 39
estrutural do Ensino Médio e ao processo de discrimi-           12. ______. O Ensino de 2º Grau: O trabalho como princípio
nação social e educacional por não integrar efetiva-            educativo. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1997
mente escolas e currículos do ensino propedêutico e             13. LEHER, R. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da
profissional.                                                   globalização: a educação como estratégia do Banco Mundial
       Podemos verificar que, historicamente, a linha           para “alívio” da pobreza. Tese de Doutorado (SP: USP). 1998
central das políticas para o ensino médio tem sido or-          14. MELLO, G. N. O Ensino Médio em números: para que servem
ganizada em torno da relação capital e trabalho, aten-          as estatísticas educacionais? In: CASTRO, M.H.G. e DAVANZO
                                                                A.M.Q. (Orgs.). Situação da Educação Básica no Brasil.
dendo em geral os interesses do capital. Por este mo-
                                                                Brasília: INEP, 1999
tivo, a legislação recente mantém a lógica da escola
estruturalmente dualista.                                       15. NUNES, M. T. Ensino secundário e sociedade brasileira.
                                                                Rio de Janeiro, ISEB, 1962.
                                                                16. RIBEIRO, M. L. S História da educação brasileira – a
                                                                organização escolar. 8ª ed. São Paulo: Cortez, e Autores
REFERENCIAS                                                     Associados 1988
1. CUNHA, L.A O ensino profissional na irradiação do            17. RODRIGUES, J. Quarenta anos adiante: breves anotações
industrialismo, Editora UNESP, Brasilia, DF: Flacso, 2000       a respeito do novo decreto de Educação Profissional. Trabalho
                                                                Necessário. Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, 2005. Disponível em:
2. ______. O golpe na educação. 9ª ed, Rio de Janeiro: Jorge
                                                                <http://www.uff.br/trabalhonecessario>. Acesso em: 21 março
Zahar, 1994
                                                                2007.
3. ______. Educação e desenvolvimento social no Brasil,
                                                                18. ROMANELLI, O. de O. História da educação no Brasil. 15.
Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1980
                                                                ed. Petrópolis, Vozes, 1993
4. ______. Política Educacional no Brasil: a profis-
                                                                19. SAVIANI, D. A Nova Lei da Educação: trajetória, limites e
sionalização no ensino médio, Eldorado, Rio de Janeiro, 1977
                                                                perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997.
5. DOMINGUES, J.J.; TOSCHI, N. S. e OLIVEIRA, J. F. A
                                                                20. SCHWARTZ, S.B. Segredos Internos: engenhos e
reforma do Ensino Médio: a nova formulação curricular e a
                                                                escravos na sociedade colonial: 1550 – 1835. tradução: Laura
realidade da escola pública. Revista Educação & Sociedade
                                                                T. Motta. São Paulo, Companhia das Letras, 1988.
n.º 70. Campinas, ano XXI, Abril 2000, pp. 63 a 99
                                                                21. SHIROMA, O. E., MORAES, M. C. M. e EVANGELISTA,
6. FRIGOTTO, G. Educação e a Crise do Capitalismo Real. 4ª
                                                                O. Política educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2000
ed., São Paulo: Cortez, 2000
                                                                22. WARDE, M. J. Educação e estrutura social – a pro-
7. ______.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A política de educa-
                                                                fissionalização em questão. 2ª ed. São Paulo: Cortez & Moraes
ção profissional no Governo Lula: um percurso histórico
                                                                1979
controvertido. Educ. Soc., Campinas, v. 26, n. 92, 2005.
Disponível           em:        <http://www.scielo.br/          23. XAVIER, M. E. S. P. Capitalismo e escola no Brasil: a
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-                        constituição do liberalismo em ideologia educacional e as
73302005000300017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22 Mar            reformas do ensino (1931-1961). Campinas, SP: Papirus 1990




                             Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007

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Ensino médio no brasil determinações históricas

  • 1. CDD: 373 ENSINO MÉDIO NO BRASIL: DETERMINAÇÕES HISTÓRICAS HIGH SCHOOL EDUCATION IN BRAZIL: HISTORICAL DETERMINANTS Manoel Nelito M. Nascimento1 1 Autor para contato: Faculdade de Educação - UNICAMP, Campinas, SP; (19) 3256-1394; e-mail: mnelito@yahoo.com.br Recebido para publicação em 05/03/2007 Aceito para publicação em 22/03/2007 RESUMO Historicamente, o Ensino Médio no Brasil se caracteriza pela dualidade estrutural, que estabelece políticas educacionais diferenciadas para as camadas sociais distintas, definidas pela divisão social do trabalho. As reformas educacionais para o Ensino Médio (propedêutico e profissional), realizadas na última década, não conseguiram avançar no sentido de eliminar essa dualidade através da escola unitária que propicie formação geral e uma habilitação profissional. Neste estudo - com a intenção de compreender as últimas reformas para o Ensino Médio realizadas sob as demandas da reestruturação produtiva - busca-se na História da Educação analisar os elementos determinantes no estabelecimento das políticas educacionais para este nível de ensino, ao longo do século XX. Dessa forma, pode-se observar que a dualidade estrutural, que mantém duas redes diferenciadas de ensino ao longo da história da educação brasileira tem suas raízes na forma como a sociedade se organiza, que expressa as relações contraditórias entre capital e trabalho nas políticas educacionais para o Ensino Médio. A tentativa de superação da divisão social no ensino médio, através de uma nova concepção de organização escolar, revela-se uma reorganização apenas superficial, que não oferece condições para um real unitariedade do ensino e superação das desigualdades socioeconômicas e educacionais. Palavras-chave: História da Educação; Ensino Médio; Ensino Secundário; Ensino de 2º Grau ABSTRACT Historically, High School education in Brazil is characterized by a structural duality that establishes differentiated educational policies for distinct social classes, which are defined by the social division of work. The educational reforms envisaged for High School education (propaedeutic and professionalizing) in the last decade have not succeeded in eliminating this duality by means of a unitary school that would allow for a general formation as well as for a professional qualification. This Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 2. 78 study aims at understanding the latest reforms of the High School system carried out under the demands of a productive reorganization. With the support of the discipline History of Education the determinative elements in the establishment of the educational policies for this level of education throughout the 20th Century are also analyzed. As a result, it is possible to say that the structural duality that has maintained two differentiated sets throughout the history of Brazilian education has its roots in the form by which society organizes itself, which expresses the contradictory relationship between capital and labor in the educational policies for High School education. The attempt to overcome the social division in High School Education, by means of a new concept of school organization, manifests itself as a mere superficial reorganization that does not allow for a real unitary education and the overcoming of social, economical and educational inequalities. Key words: History of Education; HIGH School; Secondary education Introdução de nível médio e o Ensino Médio “dar-se-á de forma integrada, concomitante e subseqüente ao Ensino Mé- As políticas educacionais no Brasil para o Ensi- dio” (Cf. incisos I, II e III do § 1º do Artigo 4º). Este no Médio têm expressado o dualismo educacional fun- decreto, longe de eliminar o histórico dualismo educa- damentado na divisão social do trabalho, que distribui cional presente no ensino médio, de certa forma, res- os homens pelas funções intelectuais e manuais, segun- tabelece a regulamentação da Lei 7.044, de 1982, do sua origem de classe, em escolas de currículos e que flexibilizou o ensino médio compulsório deter- conteúdos diferentes. O ensino médio tem sido histori- minado na lei 5.692/71. camente, seletivo e vulnerável à desigualdade social. Para uma adequada compreensão destas refor- Na década de 1990, as reformas para o Ensino mas realizadas sob as demandas da reestruturação pro- Médio (propedêutico e profissional) realizadas atra- dutiva, é necessária a análise do desenvolvimento his- vés da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB tórico do Ensino Médio ao longo do último século, para (Lei 9.394/96) e do Decreto nº 2.208/97 do Governo observarmos que as políticas educacionais para este Federal, novamente afirma-se a superação da dualidade nível de ensino têm expressado as determinações pre- estrutural, no nível do discurso, ao remodelá-lo como sentes na relação capital/trabalho, nas várias fases do um novo curso para preparar o aluno com formação desenvolvimento histórico do Brasil. Neste sentido, geral e dar-lhe uma habilitação profissional através da Kuenzer observa que: formação complementar e optativa. No entanto, a for- mação geral e a habilitação profissional não se reali- [...] a história do Ensino Médio no Brasil revela zam de forma unitária, uma vez que podem ser feita as dificuldades típicas de um nível de ensino que, concomitante ou seqüencial ao curso regular de Ensi- por ser intermediário, precisa dar respostas à ambigüidade gerada pela necessidade de ser ao no Médio. mesmo tempo, terminal e propedêutico. Embora Com o Decreto nº. 5.154/2004 de 23 de julho tendo na dualidade estrutural a sua categoria de 2004, o Governo Federal revogou o Decreto nº fundante, as diversas concepções que vão se su- 2.208/97, e definiu que “a Educação Profissional Téc- cedendo ao longo do tempo, refletem a correla- nica de nível médio (...) será desenvolvida de forma ção de funções dominantes em cada época, a partir articulada com o Ensino Médio” (Cf. Artigo 4º), e que da etapa de desenvolvimento das forças produti- esta articulação entre a Educação Profissional Técnica vas. (2000A, p.13). Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 3. 79 O ensino médio e o processo de fase de quatro décadas caracterizada pelos conflitos consolidação do capitalismo no Brasil econômicos e políticos entre os grupos dominantes, ligados a agro-exportação e os grupos vinculados às Por quase quatro séculos, a economia brasileira atividades urbano-industriais. agro-exportadora tinha a produção baseada no traba- A supremacia dos setores não envolvidos com a lho escravo, por um lado, caracterizando a sociedade exportação estabeleceu as condições necessárias à brasileira com a divisão entre uma minoria de indivídu- organização de um modelo econômico-político, ao os com direitos de pessoa e propriedade, e de outro derrubar do poder o setor agrário-comercial exporta- lado, a grande maioria de indivíduos sem qualquer di- dor. Os choques entre os grupos continuaram existin- reito. (Schwartz, 1988). No Brasil marcado pelo es- do, porém predominava a tendência do setor dirigido tigma da escravidão, tanto o trabalho quanto a educa- ao mercado interno, gerando a ideologia política do ção eram considerados como atividades de menor im- nacional-desenvolvimentismo e o modelo econômico portância para a sociedade escravista. de substituição de importações. O trabalho manual - considerado uma atividade As forças econômico-sociais vinculadas às ati- desprezível, desprovida de qualquer valoração social vidades urbano-industriais que lutaram por mudanças - era atribuído aos escravos e aos membros das ca- internas em direção a um modelo capitalista-industrial, madas mais baixas da sociedade colonial. No mesmo mesmo que ainda dependente, tornaram-se vencedo- sentido, a educação considerada uma atividade secun- res em 1930, dando início ao período de consolidação dária interessava aos poucos integrantes da elite. A da ordem econômico-social capitalista brasileira atra- educação para o trabalho praticamente inexistente so- vés do processo de industrialização do país e pondo fria da mesma descriminação atribuída às atividades fim à fase agro-exportadora. manuais. A partir da década de 1930, o processo de con- A educação brasileira durante os períodos co- solidação no Brasil da ordem econômico-social capi- lonial e imperial tinha por finalidade a formação da elite talista intensificou-se com a expansão da industrializa- da sociedade para o exercício das atividades político- ção e as conseqüentes transformações na sociedade, burocráticas e das profissões liberais. Para esta pe- dando nova forma às suas instituições político-sociais. quena parcela da sociedade brasileira predominava o Na história do país ocorreram diversas formas ensino humanístico e elitista. de dominação capitalista, que encontraram espaço para Esta situação se transformou nas últimas déca- o crescimento de acordo com os interesses da bur- das do século XIX, quando, no Brasil, ocorreram al- guesia internacional, mas não de forma voluntária, pois gumas mudanças derivadas do lento processo de abo- a formação social brasileira se manteve aristocrática, lição da escravatura, pela introdução de mão-de-obra extremamente concentradora de riqueza, do prestígio imigrante e do regime de trabalho assalariado, pela social e do poder. A institucionalização do poder no proclamação da República, pela industrialização nas- país realizou-se, conseqüentemente, com a exclusão cente e a ampliação das influências externas dentro do permanente da grande maioria da população. (Xavier, processo de expansão do capitalismo internacional. 1990). No último quarto do século XIX, a nova fase do A economia brasileira, dependente do capitalis- capitalismo monopolista imperialista promoveu gran- mo internacional, consolidou-se mantendo a tendência des transformações em nível mundial, que avançaram de concentração de renda, prestígio social e poder em para os países subdesenvolvidos como novos merca- determinados estratos sociais e regiões do país de im- dos a serem explorados. portância estratégica para o centro hegemônico domi- Apesar das transformações econômicas e polí- nante, conservando uma grande parcela da população ticas do final do século XIX e no início do XX, elas nacional historicamente excluída de participação na demoraram a refletir em mudanças significativas para ordem econômica, política e social, mesmo depois de o ensino secundário. Em 1889, a mudança do regime a produção do país ter atingido um alto grau de cresci- político do país para o regime republicano, iniciou uma mento e sofisticação. Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 4. 80 O processo de reprodução do capital internaci- ticas estabelecidas, através de diversos movimentos onal, ao se instalar no Brasil, via industrialização, não operários, culturais, na educação, etc., que manifesta- encontrou um sistema local de produção e transmissão vam a insatisfação da sociedade com a situação de do conhecimento que propiciasse um desenvolvimen- atraso do país, em particular, na educação, expressa- to científico e tecnológico no país. Encontrou sérios do no alto índice de analfabetismo. obstáculos, especialmente nas suas instituições políti- Na educação, as idéias renovadoras assimila- co-culturais aristocráticas e privatistas, herdadas das das por educadores brasileiros influenciados pelo pen- formas menos avançadas da dominação capitalista no samento de John Dewey, se manifestam através de re- país, que inviabilizaram as decisões políticas naciona- formas educacionais em vários Estados. Este grupo de listas e a superação da perspectiva cultural fixada nos educadores progressistas se congregou no movimento centros avançados do capitalismo internacional. O renovador da educação, que passou a influenciar os rumo tomado pelo processo de modernização no Bra- rumos da educação brasileira. sil acabou por impor à esfera cultural os mesmos limi- O período que inicia com a “Revolução de 30”, tes verificados na evolução econômica e social do país. caracterizado como o “despertar da sociedade brasi- A modernização da sociedade brasileira realiza- leira”, foi marcado pelas lutas ideológicas sobre as for- da com o aceleramento do processo de industrializa- mas de condução do governo. No setor educacional, ção e urbanização do país provocou o crescimento da essas lutas foram travadas entre os grupos dos reno- demanda por formação escolar para todas as classes vadores da educação, os “pioneiros”, na defesa da sociais. Com o crescimento urbano, surgiu a necessi- escola pública, laica, gratuita e obrigatória e os “con- dade de dar padrões mínimos de comportamento so- servadores” representados pelos educadores católicos, cial à população e com a expansão da indústria, a pro- que defendiam a educação subordinada à doutrina re- cura por mão-de-obra qualificada. Essas necessida- ligiosa (católica), diferenciada para cada sexo, o ensi- des prementes mobilizaram as elites intelectuais e diri- no particular, a responsabilidade da família quanto à gentes políticos a reivindicar por reforma e a expansão educação, etc.. do sistema educacional brasileiro. Os educadores renovadores preocupados com O processo de evolução das aspirações educa- uma política nacional de educação tornaram públicas cionais e de expansão do sistema educacional é consi- as suas aspirações em 1932, através do “Manifesto derado por Xavier (1990) em três momentos distintos: dos Pioneiros da Educação Nova”, escrito por Fer- O primeiro momento, nas duas primeiras décadas do nando de Azevedo e assinado por numerosos educa- século XX, ainda na fase da economia agro-exporta- dores. Para este grupo de educadores, conhecidos dora em crise, que registra a expansão da demanda como “escolanovistas”, a escola pública, gratuita e lei- social por educação e as iniciativas reformistas de edu- ga era vista como a condição ideal para o atendimento cadores progressistas; no segundo momento, de 1930 das aspirações individuais e sociais, em oposição a a 46, acontece a reformulação efetiva do sistema edu- qualquer imposição orientadora, quer seja de ordem cacional pelo Estado, através da Reforma Francisco religiosa ou política. Campos (1931-1932) e das Leis Orgânicas do Ensi- Apesar do combate às “idéias novas” por parte no (1942-1946); o terceiro momento, a partir da dos conservadores, estas se propagaram e estavam redemocratização do país iniciada em 1946, reacendem presentes: na exposição de motivos da reforma Fran- os debates em torno das funções da escola, organiza- cisco Campos; nas reformas educacionais nos Esta- dos em dois grupos, de um lado os progressistas e de dos; na criação das universidades de São Paulo (1934) outro os conservadores, liderados pelos educadores e do Distrito Federal (1935). católicos na defesa da escola privada. Após a criação do Ministério da Educação e O primeiro momento caracteriza-se, por um lado, Saúde Pública em 1930, sob a responsabilidade de pelos conflitos de interesses entre a elite rural (hege- Francisco Campos, foram instituídos vários decretos mônica no poder) e a burguesia industrial emergente, e com a finalidade de reformar o ensino superior (De- por outro, o ambiente de contestação de idéias e prá- cretos nºs 19.851 e 19.852 de 11/04/1931), o ensino Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 5. 81 secundário (Decreto n.º 19.890 de 18/4/1931) e o profissional era atender aos menos favorecidos, os ensino comercial (Decreto n.º 20.158, de 30/06/1931). desvalidos de sorte. A reforma Francisco Campos, como o conjunto O alto grau de seletividade da organização es- de decretos ficou conhecido, organizou o ensino se- colar brasileira impunha a bifurcação dos caminhos cundário em duas etapas: fundamental (5 anos) e com- escolares após o primário: a via para o “povo” por plementar (2anos). Romanelli (1993) reconhece os meio das escolas profissionais, e a via para a “elite” méritos da reforma, ao dar organicidade, estabelecer através das escolas secundárias. Nestas havia uma o currículo seriado, a freqüência obrigatória, os dois quantidade grande de alunos que não conseguiam con- ciclos: fundamental e complementar e a obrigatoriedade cluir o ensino devido ao rígido sistema de avaliação, de cursá-los para o ingresso no ensino superior. O ci- imposto pelo sistema como forma de controle. clo fundamental dava a formação básica geral, e no (Romanelli, 1993). ciclo complementar oferecia cursos propedêuticos ar- Em 1942, ainda no Governo totalitário de ticulados ao curso superior (pré-jurídico, pré-medico, Vargas, o Ministro da Educação, Gustavo Capanema, pré-politécnico). iniciou a reforma de alguns ramos do ensino com o A Reforma de Francisco Campos, apesar do nome de Leis Orgânicas do Ensino, que estruturaram aspecto positivo de ter organizado o ensino secundá- o ensino propedêutico em: primário e secundário e o rio, esteve aquém das expectativas para o período pós- ensino técnico-profissional: industrial, comercial, nor- 1930, que experimentou um crescimento vertiginoso mal e agrícola. da população nas cidades e das indústrias. O caráter Trata-se de um reforma elitista e conservadora enciclopédico de seus programas e os níveis de exi- que consolidou o dualismo educacional, ao oficializar gências para a aprovação tornava o ensino secundário que o ensino secundário público era destinado às elites uma educação para a elite. condutoras, e o ensino profissionalizante para as clas- A Constituição de 1934, promulgada pela As- ses populares, conforme as justificativas do Ministro sembléia Nacional Constituinte, na parte que trata da Capanema. educação representa uma vitória do movimento reno- A Lei Orgânica do Ensino Secundário extinguiu vador - com significativa influência do “Manifesto dos os cursos complementares, substituindo-os por cursos Pioneiros da Educação Nova” em muitos dos artigos, médios de 2º ciclo, os quais passaram a ser conheci- como a fixação do Plano Nacional de Educação - ao dos como cursos colegiais, nos tipos clássico e cientí- estabelecer que o ensino primário deveria ser obriga- fico, com três anos de duração e com o objetivo de tório e totalmente gratuito, na determinação ao Estado preparar e direcionar os estudantes para o nível supe- da incumbência de fiscalizar e regulamentar as institui- rior. ções de ensino públicas e particulares, e na fixação de Os cursos de formação profissional (normal, índices mínimos do orçamento anual para a aplicação agro-técnico, comercial técnico e industrial) não da- na educação. vam acesso ao nível superior. Para Kuenzer (1997), A tendência democratizante da Carta Constitu- ao validar somente os cursos propedêuticos para aces- cional de 1934 foi invertida com a Carta outorgada de so ao nível superior e negar este direito aos cursos 1937, redigida pelo governo totalitário de Vargas, que profissionalizantes, afirma-se um princípio que em termos educacionais suprimiu os avanços conquis- correspondia ao estágio de desenvolvimento das for- tados pelos educadores progressistas. No atendimen- ças produtivas: o acesso ao nível superior ocorre pelo to aos anseios de setores conservadores, o Estado fica domínio dos conteúdos gerais, das ciências, das letras desobrigado de manter e expandir o ensino público, e das humanidades, considerados como únicos sabe- assumindo um papel subsidiário. res socialmente válidos para as funções de dirigentes. O dualismo entre ensino propedêutico e profis- Os egressos dos cursos profissionais não tinham reco- sional no ensino secundário foi confirmado na Carta nhecimento para um saber voltado ao campo específi- de 1937, na qual fica claro que a finalidade do ensino co de trabalho. Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 6. 82 Esta separação em duas vertentes distintas para educação pública, manifestando suas preocupações atender à demanda bem definida da divisão social com a questão da laicidade do ensino e os progressis- e técnica do trabalho organizado e gerido pelo tas mantinham a defesa da escola pública, laica, gratui- paradigma Taylorista/Fordista como resposta ao ta e obrigatória, com o objetivo de ampliar as oportu- crescente desenvolvimento industrial, se com- nidades de estudo para toda a sociedade. plementa com a criação dos cursos do SENAI, A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Naci- em 1942, e SENAC, em 1946, pela iniciativa pri- vada. (Kuenzer 1997, p.14) onal (Lei 4024, aprovada em 20 de dezembro de 1961) estruturou o Ensino Médio em: ginasial, de 4 anos e o A Lei Orgânica do Ensino Industrial de 1942 colegial, de 3 anos. Ambos abrangiam o ensino secun- criou as bases para a organização de um “sistema de dário e o ensino técnico profissional (industrial, agríco- ensino profissional para a indústria”, com a finalidade la, comercial e de normal). de atender à demanda por mão-de-obra qualificada. Pela primeira vez o ensino profissional foi inte- A lei consolidava a estrutura elitista de ensino brasilei- grado ao sistema regular de ensino, estabelecendo plena ro quando oficializava duas organizações paralelas; o equivalência entre os cursos, apesar de não superar a ensino secundário destinado a preparar as individuali- dualidade estrutural, uma vez que continuaram a existir dades condutoras, e o profissional, destinado a formar dois ramos distintos de ensino para distintas clientelas, mão-de-obra qualificada para atender ao setor pro- mantendo as diferenças existentes desde os primórdios dutivo. da educação brasileira. A criação do Serviço Nacional de Aprendiza- gem Industrial - SENAI, em 1942, e o Serviço Naci- onal de Aprendizagem Comercial - SENAC, em 1946, marcaram o início e a oficialização pelo Estado da trans- O ensino médio na Reforma educacional do ferência para o setor privado da responsabilidade pela governo militar formação e qualificação da mão-de-obra necessária para o crescimento da indústria, tendo em vista, que o O governo militar instalado em 1964, se carac- Estado não tinha recursos para equipar adequadamente terizou pelo autoritarismo com que comandou o Esta- as suas escolas profissionais. do Brasileiro, pela ênfase no crescimento econômico e Desta forma, através das Leis Orgânicas, o Go- pelas reformas institucionais, incluindo a educação. verno transferiu para os empregadores a responsabili- Apesar da forte repressão aos grupos adversários, dade pela formação profissional dos trabalhadores. A obteve um alto grau de consenso e de legitimação so- iniciativa do Governo de “engajar as indústrias na qua- cial de grande parte da população. “O clima reinante lificação de seu pessoal, além de obrigá-los a colabo- no país se caracteriza, ao mesmo tempo, por uma com- rar com a sociedade na educação de seus membros.” binação de medo da repressão do Estado e de euforia (Romanelli, 1993, p. 155), foi a forma de atender a em decorrência do crescimento econômico” (Germano, demanda das indústrias por mão de obra qualificada. 1994, p.160) A quarta Constituição da República Brasileira, As reformas educacionais procuraram atender promulgada em 1946 após a derrocada da ditadura aos objetivos estratégicos de ter o consenso de uma de Vargas, atribuía à União “fixar as diretrizes e bases parte significativa da população (particularmente da da educação nacional”. A proposta de LDB encami- classe média) para a realização da “limpeza” política nhada pelo Governo ao Congresso foi longamente de- de forma brutal, por um lado, e a aceleração da indus- batida e alterada, até ser aprovada em 1961. Neste trialização através do endividamento externo, para o longo período foram retomados os acalorados emba- desenvolvimento econômico, com a falsa promessa de tes entre educadores conservadores (Igreja Católica) que os sacrifícios para o crescimento do “bolo econô- e os progressistas, com as mesmas bandeiras defendi- mico” seriam posteriormente recompensados pelos das na década de 1930, da luta ideológica dos con- benefícios para toda a população, por outro. servadores contra a ação do Estado na promoção da (Germano, 1994) Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 7. 83 A política educacional do governo militar para o nando-os nas escolas técnicas federais, então Ensino Médio tem uma visão utilitarista, sob inspira- rebatizadas de Centros Federais de Educação ção da “teoria do capital humano”, ao pretender esta- Tecnológica” (1994, p. 71) belecer uma relação direta entre sistema educacional e sistema operacional, subordinando a educação à pro- Em 1971, através da Lei 5692, o Governo Mi- dução. Desta forma, a educação passava a ter a fun- litar reformou o ensino de 1º e 2º graus. As principais ção principal de habilitar ou qualificar para o mercado mudanças introduzidas por esta lei foram estender a de trabalho. obrigatoriedade escolar para oito anos, com a fusão O tripé ideológico de sustentação da política dos antigos cursos primários e ginásio, e com a extinção educacional era constituído, pois, pela doutrina da se- do exame de admissão. gurança nacional, pela teoria do capital humano e por Um sistema único de ensino para o Ensino Mé- correntes do pensamento cristão conservador. dio, em substituição aos sistemas propedêutico e A partir de 1964, a educação brasileira foi or- profissionalizante, pelo qual, todos eram obrigados a ganizada com o objetivo de atender às demandas das passar, independentemente de sua origem de classe, transformações na estrutura econômica do país, ade- com a finalidade de qualificação para o trabalho atra- quando o sistema educacional às necessidades da ex- vés da habilitação profissional conferida pela escola, pansão capitalista. tem a função ideológica de produzir o consenso da A reformas educacionais do Governo Militar sociedade a partir de uma reforma que tem um “princí- começaram em 1968, com a Lei nº 5540 para o ensi- pio democratizante”. no superior. Tinham por objetivos atender às reivindi- Do ponto de vista da prática concreta, no en- cações sociais que consistia em aumentar o número de tanto, pouca coisa mudou, em função de inúmeros vagas. fatores estruturais e conjunturais que impediram que a A reforma para o ensino médio foi realizada atra- almejada homogeneidade ocorresse. vés da Lei Nº 5692/71, que criou o ensino de 1º e 2º A Lei de Diretrizes e Bases de Ensino do 1º e 2º graus. O ensino de 2º Grau passa a ser obrigatoria- graus, apresentada em 1971 (Lei 5692/71), ao pre- mente profissionalizante. Com isso, estava-se dando tender dar uma habilitação profissional aos concluintes uma terminalidade ao ensino de 2º. Grau, com preten- do Ensino Médio teve uma nova função social: a de sões, também, que um grande contingente de alunos conter o aumento da demanda de vagas aos cursos saísse do sistema escolar e entrasse diretamente no superiores. A lei pretendia que o Ensino Médio tivesse mercado de trabalho, diminuindo a pressão por vagas a terminalidade como característica básica, através do no ensino superior. Desta forma, apesar da generaliza- ensino profissionalizante, contrapondo-se à frustração ção da profissionalização para todos, a reforma do 2º da falta de uma habilitação profissional. Pretendia-se grau não alcançou os resultados esperados pelo Go- também, adotar o ensino técnico industrial como mo- verno, devido a falta de recursos humanos e materiais. delo implícito do Ensino Médio. No entanto, manti- Cunha ressalta que nha-se como objetivo do Ensino Médio a função propedêutica de preparar os candidatos para o ensino Fracassada, então, a política de profissionalização superior. universal e compulsória no ensino de 2º. Grau, a Segundo Cunha (1977), houve resistências da função contenedora que a ditadura dela esperava burocracia educacional à implantação da lei 5692/71, não chegou a ser desempenhada. Assim, as es- por não considerar a falta de recursos humanos e ma- peranças de conter os candidatos ao ensino supe- teriais das escolas. Em paralelo à falta de recursos, rior teve de ser providenciada neste grau mesmo, pela elevação das barreiras dos exames vestibu- neste período houve um aumento significativo do nú- lares. Ao mesmo tempo, procurou-se incentivar mero de alunos matriculados no Ensino Médio. Ou- os cursos superiores de curta duração, em espe- tros problemas surgiram, como a necessidade de no- cial os da área tecnológica (...), mas apartando os vos currículos, de se estabelecer associação entre as cursos e os estudantes das universidades, confi- escolas e as empresas, de identificar as necessidades Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 8. 84 do mercado de trabalho, da construção e/ou adapta- Reestruturação produtiva ção de escolas, além da formação de professores e outros profissionais para os novos cursos. O período que se inicia após a promulgação da As dificuldades encontradas na implementação nova Carta Constitucional do Brasil, em 1888, carac- da generalização do ensino profissionalizante no Ensi- teriza-se por importantes transformações produzidas no Médio (2º grau), foram contornadas com o Pare- por reformas políticas e econômicas que deram uma cer n.º 45/72, que recolocou a dualidade da educação nova configuração à sociedade brasileira. geral e da formação profissional. A proposta de gene- A “Constituição cidadã”, de 1988, deu condi- ralizar a profissionalização compulsória no 2º grau é ções institucionais para as mudanças na educação que substituída pela habilitação profissional. Assim, o 2º grau vinham sendo discutidas pelos educadores desde me- passava a oferecer “[...] uma formação mais abrangente, ados da década de 1970. O encaminhamento de vári- possibilitando uma visão ampla do mundo e uma adap- os projetos de LDB ao Congresso foi seguido de lon- tação mais fácil às mudanças ocorridas no âmbito do gos debates e pressões de alguns segmentos da socie- trabalho, através do domínio das bases científicas de dade. Por fim, em 1996, a nova LDB foi aprovada uma profissão.” (Kuenzer, 1997, p.19) pelos poderes legislativo e executivo, com base no pro- Em 1975, com o Parecer 76, tenta-se eliminar o jeto do Senador Darcy Ribeiro, que articulava os inte- equívoco no entendimento da Lei 5692/71 de que toda resses do Governo. A nova LDB não atendeu às aspi- escola de Ensino Médio (2º grau) deveria tornar-se rações dos educadores, alimentadas por quase duas uma escola técnica, quando não há recursos materiais, décadas de discussões. Ela caracteriza-se por ser financeiros e humanos para tanto. Para o relator, o en- minimalista e por sua flexibilidade produzida para ade- sino, e não a escola, deveria ser profissionalizante. A quar-se aos padrões atuais de desregulamentação e concepção empregada no Parecer 76/75, é de que a privatização. Ela não obriga o Estado a assumir suas habilitação deixa de ser entendida como preparo para responsabilidades com a escola, mas não impede que o exercício de uma ocupação, passando a ser consi- este aplique seu próprio projeto político-educativo. derada como o preparo básico para a iniciação a uma O início da década de 1990 marcou a introdu- área específica de atividade. Desta forma, a legislação ção de mudanças estruturais no Brasil, com vistas à acomoda-se à realidade, retomando a dualidade exis- inserção do país na economia mundial, de acordo com tente antes de 1971. o modelo implementado em alguns países europeus, A proposta de implementação compulsória da principalmente na Inglaterra. O processo de ajuste da profissionalização do Ensino Médio (2º grau) foi alte- economia brasileira às exigências da reestruturação da rada pela Lei n.º 7044/82, que extingue a escola única produção provocou a abertura e a subordinação do de profissionalização obrigatória, a qual nunca chegou mercado brasileiro à economia internacional. a existir concretamente. Esta lei reedita a concepção Com a economia brasileira internacionalizada na vigente antes de 71, de uma escola dualista (prope- nova fase do capitalismo, o nível educacional é consi- dêutica e profissionalizante). derado um fator determinante na competitividade en- O fato da dualidade estrutural não ter sido elimi- tre os países. O novo paradigma produtivo impunha nada, apesar da tentativa da Lei nº 5.692/71, não cau- requisitos de educação geral e qualificação profissio- sa estranheza, na medida em que ela apenas expressa nal dos trabalhadores, em oposição à formação espe- a divisão que está posta na sociedade brasileira, quan- cializada e fragmentada fornecida no padrão Taylorista. do separa trabalhadores intelectuais e trabalhadores O sistema educacional brasileiro foi profunda- manuais e exige que se lhes dê distintas formas de edu- mente transformado com as reformas promovidas sob cação. fortes influências dos organismos multilaterais, como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) - que organizou a Conferência Mundial de Educação para Todos, em Ensino Médio na Redemocratização e 1990, em Jomtien (Tailândia) e produziu de 1993 a 96 Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 9. 85 o “Relatório Delors” (coordenado por Jacques voltada para a formação do cidadão trabalhador, inte- Delors), que fez um diagnóstico do contexto planetá- grando educação geral e formação voltada para o rio e analisou os desafios para a educação no século mundo do trabalho - não é mais sua missão, Revela-se XXI - e a CEPAL (Comissão Econômica para a Amé- assim a velha dualidade: anacrônica, mas de roupa rica Latina e Caribe) com os programas nova. “Transformacion Productiva com Equidad” (1990) A nova LDB (Lei nº 9394/96) inserida no pro- e “Educacion y Conocimiento: Eje de la cesso de reformas educacionais estabelece a obri- Transformacion productiva con equidade” (1992). gatoriedade e gratuidade do Ensino Médio. No entan- Por fim, o Banco Mundial (organismo multilateral de to, na prática, o Governo Federal tem priorizado os financiamento) passou a definir as prioridades e estra- seus investimentos para o ensino fundamental, deixan- tégias para a educação, a partir das conclusões da do para os Estados arcarem com a expansão do Ensi- Conferência Internacional de Educação para Todos. no Médio. O Banco Mundial elaborou suas diretrizes políticas para O crescimento do número de matrículas no En- os países periféricos com o objetivo de conter a po- sino Médio, no período 1994-99, da ordem de 57,3%, breza nesta fase de ajustes à nova ordem mundial. deve-se em grande parte, pela quase universalização (Shiroma, 2000). Estas políticas neoliberais são do Ensino Fundamental, na faixa de 7 a 14 anos; da dirigidas pelo Banco Mundial por meio do exercício maior exigência de escolarização no recrutamento para de sua grande “missão” de reduzir a pobreza de forma os postos de trabalho e de um progressivo aumento de sustentada nos países em desenvolvimento, para ame- jovens entre 15 e 17 anos, a chamada “onda de ado- nizar a miséria e a violência oriundas do grande abismo lescentes”. O aumento expressivo das matrículas tem social. ocorrido na rede pública estadual e em cursos notur- A política neoliberal que caracteriza o Estado nos, indicando que muitos jovens que abandonavam Brasileiro desde o início da década de 1990 é expres- os estudos antes do Ensino Médio têm permanecido são superestrutural da reorganização produtiva, por na escola devido à escassez de empregos, e à requisi- meio da qual o país se articula ao movimento mais ção de mais escolaridade imposta pelas empresas para amplo da globalização da economia; exige a redução a contratação de novos trabalhadores. da presença do Estado no financiamento das políticas A reforma do Ensino Médio, a partir da LDB de sociais e aumento da flexibilidade, qualidade e produ- 1996, teve suas proposições formuladas e consolida- tividade no sistema produtivo, bem como a racionali- das, basicamente, no Parecer CEB/CNE n.º 15/98 (de zação do uso dos recursos. (Kuenzer,1997, p.66). 1º de junho de 1998. MEC/Conselho Nacional de As diretrizes do Banco Mundial, aplicadas às Educação/Câmara de Educação Básica) e na Resolu- políticas de educação brasileira, destacaram-se: na re- ção CEB/CNE n.º 3/98 (de 26 de junho de 1998 – dução do papel do Estado no financiamento; na busca institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o En- intencional e sistemática de mecanismos de diversifi- sino Médio pelo MEC/Conselho Nacional de Educa- cação das fontes de financiamento por meio das várias ção/Câmara de Educação Básica), que propunham uma formas da privatização; na redução dos direitos como nova formulação curricular incluindo competências resultado da substituição da concepção de universali- básicas, conteúdos e formas de tratamento dos con- dade pela concepção de equidade; na utilização do teúdos coerentes com os princípios pedagógicos de conceito de competência para justificar, pela natureza, identidade, diversidade e autonomia, e também os prin- a seletividade e a contenção do acesso; no atendimen- cípios de interdisciplinaridade e contextualização, to aos pobres como forma de justiça social, tratando adotados como estruturadores do currículo do Ensino “igualmente” os diferentes e assim aumentando e cris- Médio. talizando as diferenças, estratégia regada com o molho De acordo com as novas diretrizes, as discipli- da lógica da mercadoria, que privilegia os privilegia- nas do Ensino Médio dividem-se em dois blocos fun- dos e exclui cada vez mais os excluídos, mantendo-se damentais de conhecimentos: uma base comum e ou- e fortalecendo-se a hegemonia do capital. tra base diversificada. A base comum é composta por A educação média - como direito universal e três áreas de conhecimento: linguagem e código (lín- Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 10. 86 gua portuguesa, informática etc.); ciências da natureza contextualização), e a divisão curricular (base nacional e matemática e, finalmente, ciências humanas. A parte comum e parte diversificada) propostos, não são no- diversificada ocupa 25% da carga horária total e in- vos na tradição de reformas curriculares no país. A cluir pelo menos uma língua estrangeira. A escolha de cultura existente de transmissão dos conhecimentos, outras disciplinas para essa parte diversificada deve derivada da escola tradicional, que não desenvolve a ter “caráter interdisciplinar e deve ainda levar em con- formação de atitudes, valores e competências mais ta o contexto e o mundo produtivo”. amplas; a formação de professores e a falta de pro- Os cursos técnicos profissionais foram desvin- fessores para o Ensino Médio, constituem um sério culados do nível médio para serem oferecidos conco- obstáculo na implementação da reforma curricular, bem mitante ou seqüencialmente. Na concepção do MEC, como a falta de fonte fixa de financiamento para o En- o ensino médio é a etapa final da educação básica, que sino Médio. passa a ter a característica de terminalidade, o que muda Kuenzer (2000B) no texto “O Ensino Médio a identidade estabelecida para o Ensino Médio conti- agora é para a vida: entre o pretendido, o dito e o da na lei anterior (nº 5.692/71), que se caracterizava feito”, ao analisar a reforma do Ensino Médio, obser- por sua dupla função: preparar para o prosseguimento va que: de estudos e habilitar para o exercício de uma profis- são técnica. O Ensino Médio, como parte da educa- [...] não basta afirmar que a nova educação mé- ção escolar, “[...] deverá vincular-se ao mundo do tra- dia deverá ser tecnológica e, portanto, organizada balho e à prática social”, estabelecendo uma perspec- para promover o acesso articulado aos conheci- tiva que integra, numa mesma e única modalidade, fi- mentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos, e ao mesmo tempo extinguir os cursos profis- nalidades, até então, dissociadas, para oferecer, de sionalizantes, estabelecendo por decreto que a forma articulada, uma educação equilibrada, com fun- dualidade estrutural foi superada através da cons- ções equivalentes para todos os educandos: tituição de uma única rede, o que justificou, inclu- sive, a não discussão de formas de equivalência • a formação da pessoa de forma a desenvolver entre Ensino Médio e profissional. (Kuenzer, 2000B, p.20) os seus valores e as competências necessárias à inte- gração de seu projeto individual ao projeto da socie- dade em que se situa; • o aprimoramento do educando como pessoa Considerações finais humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; Consideramos que não é suficiente apenas re- • a preparação e orientação básica para a sua formar a legislação para transformar a realidade edu- integração ao mundo do trabalho, com as competên- cacional de uma sociedade dividida pelas relações cias que garantam seu aprimoramento profissional e estabelecidas entre capital e trabalho. É crescente a permitam acompanhar as mudanças que caracterizam exclusão e a diminuição dos recursos públicos para a a produção no nosso tempo; área social, sem considerar a realidade do modelo eco- nômico brasileiro, com sua carga de desigualdades • o desenvolvimento das competências para con- decorrentes das diferenças de classe e de especi- tinuar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em ficidades decorrentes de um modelo de desenvolvi- níveis mais complexos de estudos. mento desequilibrado, que reproduz internamente as mesmas desigualdades e desequilíbrios que ocorrem Na análise de Domingues (2000), alguns aspec- entre os países, no âmbito da internacionalização do tos problemáticos, que podem comprometer o seu êxito capital. devem ser considerados na reforma do Ensino Médio: A dualidade estrutural, que mantém duas redes os princípios curriculares (interdisciplinaridade e diferenciadas de ensino ao longo da história da educa- Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007
  • 11. 87 ção brasileira, tem suas raízes na forma como a socie- 2007. dade se organiza, que expressa as relações e contradi- 8. GERMANO, J. W. Estado militar e educação no Brasil ções do capital e trabalho. (1964-1985). 2. ed., São Paulo: Cortez, 1994 Ao se pretender superar a divisão social na es- 9. KUENZER, A. As propostas de decreto para regulamentação cola, através de uma nova concepção de organização do ensino médio e da educação profissional: uma análise escolar, revela-se uma reorganização apenas superfi- crítica. Curitiba, 2003. Disponível em: <www.anped.org.br/ cial, de forma ideológica que não oferece condições representacoesanped2004.pdf> Acesso: 21 mar 2007 para a real unitariedade do ensino e superação das 10. ______. (Org.) Ensino Médio: construindo uma proposta desigualdades socioeconômicas e educacionais. para os que vivem do trabalho São Paulo: Cortez, 2000A Neste sentido, a mais recente reforma educaci- 11. ______. O Ensino Médio: agora é para a vida: entre o onal que atinge o ensino médio, o Decreto Nº 5.154 pretendido, o dito e o feito. Revista Educação & Sociedade, n.º de 23 de Julho de 2004, dá continuidade à dualidade 70. Campinas, Abril 2000B, p. 15 a 39 estrutural do Ensino Médio e ao processo de discrimi- 12. ______. O Ensino de 2º Grau: O trabalho como princípio nação social e educacional por não integrar efetiva- educativo. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1997 mente escolas e currículos do ensino propedêutico e 13. LEHER, R. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da profissional. globalização: a educação como estratégia do Banco Mundial Podemos verificar que, historicamente, a linha para “alívio” da pobreza. Tese de Doutorado (SP: USP). 1998 central das políticas para o ensino médio tem sido or- 14. MELLO, G. N. O Ensino Médio em números: para que servem ganizada em torno da relação capital e trabalho, aten- as estatísticas educacionais? In: CASTRO, M.H.G. e DAVANZO A.M.Q. (Orgs.). Situação da Educação Básica no Brasil. dendo em geral os interesses do capital. Por este mo- Brasília: INEP, 1999 tivo, a legislação recente mantém a lógica da escola estruturalmente dualista. 15. NUNES, M. T. Ensino secundário e sociedade brasileira. Rio de Janeiro, ISEB, 1962. 16. RIBEIRO, M. L. S História da educação brasileira – a organização escolar. 8ª ed. São Paulo: Cortez, e Autores REFERENCIAS Associados 1988 1. CUNHA, L.A O ensino profissional na irradiação do 17. RODRIGUES, J. Quarenta anos adiante: breves anotações industrialismo, Editora UNESP, Brasilia, DF: Flacso, 2000 a respeito do novo decreto de Educação Profissional. Trabalho Necessário. Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, 2005. Disponível em: 2. ______. O golpe na educação. 9ª ed, Rio de Janeiro: Jorge <http://www.uff.br/trabalhonecessario>. Acesso em: 21 março Zahar, 1994 2007. 3. ______. Educação e desenvolvimento social no Brasil, 18. ROMANELLI, O. de O. História da educação no Brasil. 15. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1980 ed. Petrópolis, Vozes, 1993 4. ______. Política Educacional no Brasil: a profis- 19. SAVIANI, D. A Nova Lei da Educação: trajetória, limites e sionalização no ensino médio, Eldorado, Rio de Janeiro, 1977 perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997. 5. DOMINGUES, J.J.; TOSCHI, N. S. e OLIVEIRA, J. F. A 20. SCHWARTZ, S.B. Segredos Internos: engenhos e reforma do Ensino Médio: a nova formulação curricular e a escravos na sociedade colonial: 1550 – 1835. tradução: Laura realidade da escola pública. Revista Educação & Sociedade T. Motta. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. n.º 70. Campinas, ano XXI, Abril 2000, pp. 63 a 99 21. SHIROMA, O. E., MORAES, M. C. M. e EVANGELISTA, 6. FRIGOTTO, G. Educação e a Crise do Capitalismo Real. 4ª O. Política educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2000 ed., São Paulo: Cortez, 2000 22. WARDE, M. J. Educação e estrutura social – a pro- 7. ______.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A política de educa- fissionalização em questão. 2ª ed. São Paulo: Cortez & Moraes ção profissional no Governo Lula: um percurso histórico 1979 controvertido. Educ. Soc., Campinas, v. 26, n. 92, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/ 23. XAVIER, M. E. S. P. Capitalismo e escola no Brasil: a scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- constituição do liberalismo em ideologia educacional e as 73302005000300017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22 Mar reformas do ensino (1931-1961). Campinas, SP: Papirus 1990 Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 15 (1) 77-87, jun. 2007