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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
     Instituto de Ciências Humanas
    Curso de Licenciatura em História




    Trabalho de Conclusão de Curso




 O pioneirismo de uma médica pelotense




      Marcela Reinhardt de Souza



                Pelotas, 2010.
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        MARCELA REINHARDT DE SOUZA




O pioneirismo de uma médica pelotense




                    Trabalho de conclusão de curso apresentado ao
                    Curso de Licenciatura Plena em História da
                    Universidade Federal de Pelotas como requisito
                    parcial para a obtenção do título de Licenciado
                    em História.




     Orientador: Prof. Ms. Mario Osorio Magalhães




                   Pelotas, 2010.
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    Dedico este trabalho aos meus pais.
E a todos aqueles que de alguma forma
contribuíram para que eu chegasse aqui.
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                                 Agradecimentos


         Agradeço a todas as pessoas que sempre estiveram ao meu lado, me
auxiliando, aconselhando e deixando a vida mais leve.
         Agradeço em primeiro lugar aos meus pais e à minha irmã, que sempre se
esforçaram para que eu pudesse estudar e ser quem eu sou. Não há palavras para
expressar a felicidade que sinto em partilhar com eles este momento tão feliz da
minha vida. Se hoje eu sei amar, foi com eles que aprendi. Ao meu pai, por sempre
pensar em me ajudar e estar sempre ao meu lado, nos momentos mais difíceis,
desde que eu nasci. E à minha mãe, pela preocupação e anos de dedicação. Amo
vocês!
         Obrigada aos amigos que a faculdade me trouxe, amigos que para sempre
quero ter ao meu lado. Essas são pessoas que de simples colegas de faculdade se
tornaram grandes amigos! Ao Cristiano, que tem a loucura exata para caber na
minha loucura, amigo para todas as horas, minutos e segundos. À Luciana, amiga
inesquecível desde os primeiros dias de faculdade, fundamental para viver todas as
coisas boas que vivi nestes cinco anos. A faculdade não teria sido a mesma sem
vocês que farão falta no meu dia-a-dia! Também são importantes para mim aqueles
que foram mais que colegas de trabalho durante meu estágio no Museu da
Baronesa e os outros amigos que fiz na faculdade, Dimítrius, Rafael, Giovana,
Alberto e Nádia, que também me ajudou muito durante a minha graduação, desde o
empréstimo de fichamentos ao auxílio na pesquisa do TCC. Nunca esquecerei
vocês!
         Às minhas poucas e valiosas amigas que trouxe do Assis Brasil e aos meus
amigos que por circunstâncias da vida acabaram ficando no passado, mas que
jamais esqueci.
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        Ao meu namorado, Romaneli, que esteve sempre por perto me dando
carinho, atenção e amor, tendo paciência para me ouvir e sendo meu companheiro
em qualquer jornada. Não é à toa que eu te amo.
        Obrigada ao meu orientador, professor Mario Osorio Magalhães, que sempre
esteve disposto a me ajudar, respondendo minha centena de e-mails e me
auxiliando em todas as etapas da minha pesquisa com a maior disposição. Sua
orientação foi essencial!
        Aos professores que tive na graduação, alguns dos quais eu sempre irei
lembrar com carinho pelas aulas ministradas, como por exemplo, Beatriz, Lorena,
Pezat, e outros.
        Ao Sr. Carlos Duarte, Sra. Cláudia Morpurgo e Sra. Maria Morpurgo, por
terem colaborado com suas memórias; à Karina Lopes, do Museu de Medicina do
RS, que me atendeu com muita gentileza, e à Sra. Anamaria Nunes, por ter
colaborado imensamente com o material que tinha sobre a Dra. Antonieta.
        Por fim, agradeço a toda a minha família e tenho que pedir desculpas pela
correria do dia-a-dia me deixar ausente e agradecer pelo apoio, amor e
compreensão. Saibam que, mesmo distante, sempre tenho vocês no meu coração.
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                                            LISTA DE FIGURAS


Figura 1 – Antonieta Dias ......................................................................................... 40
Figura 2 – Antonieta Dias em foto de 1889 .............................................................. 40
Figura 3 – Tese defendida por Antonieta Cesar Dias em 1889 ............................... 41
Figura 4 – Anuncio publicado no Correio Mercantil em 1890 .................................. 41
Figura 5 – Engenheiro Eduardo Morpurgo, esposo da Dra. Antonieta .................... 42
Figura 6 – Eduardo Morpurgo, Admar Morpurgo e Antonieta Morpurgo .................. 42
Figura 7 – Dra. Antonieta Dias Morpurgo ................................................................. 43
Figura 8 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909..... 43
Figura 9 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909 .... 44
Figura 10 – Dr. Admar Morpurgo e Thereza Jesus Maria Vieira Ferreira ................ 44
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                                                         Sumário


Lista de Figuras ........................................................................................................ 5

Introdução ................................................................................................................. 7

1. Uma Jovem Precursora ....................................................................................... 9

2. Dra. Antonieta Dias Morpurgo .......................................................................... 25

Conclusão ............................................................................................................... 35

Referências Bibliográficas .................................................................................... 36

Fontes Primárias .................................................................................................... 38

Figuras .................................................................................................................... 39

Anexos .................................................................................................................... 45
7




                                      Introdução


       Realizar uma pesquisa nem sempre é tarefa fácil. Encontrar dados
disponíveis em estados brasileiros diferentes se apresenta como uma grande
dificuldade. Mas mesmo assim aceitei o desafio de escrever um esboço de uma
biografia a respeito da terceira médica formada no Brasil, a Dra. Antonieta Dias
Morpurgo.
       Foi por acaso que cheguei aos jornais que demonstram a participação da
futura médica, quando tinha 12 anos, em uma discussão pública entre dois
professores na imprensa pelotense. A partir daí fui encontrando mais dados sobre
ela, sobre sua formatura, recepção em Pelotas, até que descobri sua forte atuação
enquanto médica no Rio de Janeiro.
       Meus objetivos são os de preservação da memória de uma mulher que além
de ter sido uma das primeiras médicas formadas no Brasil, foi uma das médicas
pioneiras em diversas pesquisas, sempre atuando em seu consultório e hospitais. É
o que veremos ao longo do trabalho.
       Até então ela não havia sido tema principal de uma pesquisa como esta,
voltada para seu histórico, sua atuação e conquistas, trazendo novos dados a
respeito de sua vocação para a área médica.
       A partir dos jornais comecei a investigação, buscando confirmar dados em
algumas datas já encontradas e buscando qualquer notícia ou citação sobre a Dra.
Antonieta. Depois busquei livros e teses que citavam em algum ponto o seu nome, e
por fim, através de uma busca na internet, descobri telefones de familiares da Dra.
Antonieta que foram fundamentais para revelar algumas informações sobre ela.
       Assim, dividi o trabalho em dois capítulos. No primeiro, são relatados dados
sobre os estudos e a formação da jovem Antonieta Cesar Dias. E no segundo
dediquei-me a escrever sobre a médica, Dra. Antonieta Dias Morpurgo, que foi para
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o Rio de Janeiro exercer sua profissão e mesmo depois de casada permaneceu
estudando e desenvolvendo trabalhos na Medicina.
       Este é um estudo a respeito da Dra. Antonieta Dias, sem a intenção de ser
uma biografia completa, até mesmo pelas dificuldades de pesquisa. Mas com a
pretensão de ser a pesquisa mais completa possível, com dados novos, sobre esta
mulher que marcou com sua presença feminina a história brasileira.
       Para mim é um orgulho poder escrever este trabalho. Espero que se torne
fonte de referência sobre o tema.
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                                    1. Uma jovem precursora


         Natural de Pelotas, filha de Cesária Marques Dias e do português Antonio
Joaquim Dias, proprietário e redator do jornal Correio Mercantil, Antonieta Cesar
Dias iniciou seus estudos na cidade natal, cursou os preparatórios em Porto Alegre e
no ano de 1884 matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Defendeu sua tese, na área de obstetrícia, em 30 de agosto de 1889; no ano
seguinte à formatura, começou a atuar profissionalmente em Pelotas, transferindo-
se pouco depois para Rio de Janeiro, que recentemente havia se transformado de
capital do Império em capital da República brasileira. Neste capítulo abordaremos
aspectos, na sua maioria inéditos, da trajetória da jovem Antonieta, desde o
nascimento até à formatura.

         Antonieta era neta paterna de José Maria Dias e de Benta Maria Gonçalves;
e neta materna de João José Cesar e de Maria Joaquina Marques1. Era afilhada de
batismo de Fernando Luís Osorio, filho e biógrafo do general Osorio, e de sua
esposa Ernestina de Assumpção Osorio, filha do Barão de Jarau, próspero
charqueador de Pelotas (Estado do Sul apud Correio Mercantil, 16 de janeiro de
1890).

         Embora se trate da terceira mulher, na ordem cronológica, que se formou em
Medicina no Brasil, existem muito poucas informações a respeito da sua vida. Nesta
pesquisa, enveredamos por diversos caminhos a fim de chegar a um resultado mais
ou menos satisfatório. Além da investigação em jornais da época, foi necessário
contar com o auxílio e a memória de algumas pessoas que tiveram alguma ligação
com a própria Antonieta ou com os seus familiares, pessoas com as quais



         1
           Segundo dados fornecidos por Anamaria Nunes Vieira Ferreira. Ela é responsável pela pesquisa da
árvore genealógica da família Nunes Vieira Ferreira.
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conseguimos contato por meio da internet. Foi buscando todo o tipo de rastros
deixados por ela que conseguimos montar o quebra-cabeças e formular um estudo
sobre a história da sua vida. Toda a pesquisa tem as suas dificuldades, mas neste
caso houve ainda um agravante: a circunstância de dividir-se a sua trajetória em
pelo menos dois espaços, Pelotas e Rio de Janeiro.

        Os obstáculos começaram quando tentamos localizar a data correta do
nascimento de Antonieta. No livro de Alberto Silva, A Primeira Médica do Brasil,
consta: “Dra. Antonieta César Dias, nascida em Pelotas, no Rio Grande do Sul, ali
pelo ano de 1869.” (SILVA, 1954, p.59). Em artigo do jornal Correio Mercantil, de 3
de agosto de 1881, seu pai, Antonio Joaquim Dias, a respeito da filha afirma que
“apenas conta 12 annos de idade”. Contrariando os dados acima, o jornal carioca
Rua do Ouvidor, de 17 de agosto de 1901, registra: “A doutora Antonietta Dias
Morpurgo nasceu na cidade do Rio Grande, na então Província do Rio Grande do
Sul, em 12 de janeiro de 1868...”. Além de se equivocar com relação à sua cidade
natal e à grafia do nome, já que nela nunca o escreveu com “t” duplo, parece que
também há erro no que se refere ao ano de nascimento.

        Se tivesse nascido em 12 de janeiro de 1868 não teria 12 anos, como
afirmou seu pai, em 3 de agosto de 1881: já teria completado 13 anos. Levantamos
a hipótese de que o nascimento teria se verificado em 12 de janeiro, como diz o
jornal, mas de 1869, como sugere o biógrafo de Rita Lobato. Claro, nada melhor,
para desfazer a dúvida, do que recorrer ao Bispado de Pelotas e conseguir uma
cópia da certidão de nascimento. No bispado de Pelotas, feito o pedido de análise
para o ano de 1869, não aparece nenhum registro, naquele ano, de uma recém-
nascida com o nome de Antonieta. O arquivo desta instituição é guardado por
apenas uma pessoa, o que significa que, se esta sai de férias ou precisa por algum
motivo se afastar do trabalho, não há quem a substitua, e este foi o problema
encontrado nesta pesquisa. Ao retornar ao arquivo para fazer o pedido de
verificação para o ano de 1868, a funcionária já estava de férias e só retornaria em
fevereiro, quando este trabalho já estaria entregue.

        O pai de Antonieta, Antonio Joaquim Dias, nasceu em 1844 na província de
Trás os Montes, no reino de Portugal. Chegou ao Rio de Janeiro com 13 anos e, não
se habituando à cidade, mudou-se para Rio Grande. Em 1869, transferiu residência
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para a cidade de Pelotas, fundando em 1° de janeiro 1875 o jornal diário Correio
Mercantil. Neste jornal, em 10 de março de 1892, dois dias após sua morte, foi
publicada uma curta biografia do jornalista. Em seguida, aparece a constatação:
“São muito defficientes os dados biographicos que possuimos sobre a vida do nosso
finado chefe, que pouco fallava de si, quer na intimidade, quer em publico.”

        Além de ser jornalista combativo e polêmico, Antonio Joaquim Dias deixou
seu nome ligado a dois empreendimentos institucionais: a fundação da Bibliotheca
Pública Pelotense, no mesmo ano de 1875; e do Asilo de Mendigos de Pelotas, em
1887.

        Teve dois filhos, Antonieta Cesar Dias e Cesar Dias.

        Antonieta desde a infância mostrou-se atenta aos estudos. Neste sentido foi
motivo de permanente orgulho para o seu pai, que a defendia sempre. No ano de
1879, frequentava a escola São Francisco de Paula, de Carlos André Laquintinie e
Benjamim Amarante, estudando para os preparatórios, exames prestados todos os
anos, no mês de dezembro, em Porto Alegre. No ano de 1881 foi aluna do professor
Bibiano de Almeida, do qual trataremos adiante.

        Em 1881, quando, supõe-se, Antonieta contava 12 anos, envolveu-se em
uma discussão gramatical entre os conhecidos professores Bibiano Francisco de
Almeida e Hilário Ribeiro, publicada em dois jornais da cidade.

        Hilário Ribeiro escrevia para o Jornal do Comércio, de propriedade de Artur
Lara Ulrich, e Bibiano de Almeida escrevia para o Correio Mercantil, ambos se
agredindo em alguns momentos e discutindo a respeito de livros didáticos e de
métodos de ensino. Hilário Ribeiro nasceu em 1847 em Porto Alegre e acabou por
se dedicar ao magistério após tentativas frustradas de ingressar numa faculdade de
Medicina. Também escreveu poesias e a peças teatrais, até se concentrar na
produção de trabalhos didáticos — cartilhas, livros de geografia, leitura e gramática.
Foi um dos fundadores do Partenon Literário, associação que reunia a nata da
intelectualidade rio-grandense. Bibiano Francisco de Almeida era dedicado
integralmente à profissão do magistério, mas antes disso chegou a frequentar um
Seminário, abandonando-o por lhe faltar vocação para o sacerdócio. Nasceu em
Belém, no ano de 1838, e quando veio para Pelotas, nesse ano de 1881, fundou um
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colégio, conhecido como Colégio Bibiano, juntamente com o filósofo João Affonso.
Ao mudar-se para Rio Grande, permaneceu lecionando, porém através de aulas
particulares. Escreveu notáveis obras pedagógicas, como por exemplo, Compendio
de Grammatica Portugueza.

        As discussões entre os dois estudiosos de gramática prolongaram-se por
mais de um mês, de forma pública, nos jornais mencionados. Hilário Ribeiro citava
frases e publicações de Bibiano, deixando suas críticas abaixo e indicando melhores
métodos para lidar com os alunos; dizia que Bibiano usava técnicas superadas,
fazendo com que os alunos apenas decorassem os conteúdos. Bibiano respondia
em sua defesa, muitas vezes em tom agressivo, como podemos perceber em seu
artigo publicado no Correio Mercantil de 31 de julho de 1881:

                             Não é para discutir com o Sr. Hilário Ribeiro que volto a esta
                     questão, pois que o Sr. Hilário é privado da aptidão necessária para
                     argumentar com raciocinios mais ou menos respeitaveis em materia
                     grammatical. Escrevo para o público illustrado e sensato da cidade
                     de Pelotas. (Correio Mercantil, 31 de julho de 1881)

        A agressividade também dominava as intervenções de Hilário, visível em
frases como “em destroços põe o Sr. Bibiano a lingua de Camões!”, publicada no
Jornal do Comércio de 2 de agosto de 1881. Nesse mesmo dia, Hilário relembra
outra desavença ocorrida entre os dois: “Quem, no Rio-Grandense de 16 de abril de
1868, escreveu aquelle artigo, que mereceu a condenação geral? Não foi o Sr.
Bibiano Francisco de Almeida?”. E prossegue transcrevendo matéria veiculada pelo
Jornal do Comércio de Porto Alegre, em 24 de maio de 1868:

                              Ao público. No Rio-Grandense de 16 de abril ultimo, fui
                     injuriado pelo professor publico Bibiano Francisco de Almeida por
                     haver este jornal noticiado que de seu quintal atiraram foguetes
                     quando sahia o vapor que conduzia o Sr. Dr. Homem de Mello. Não
                     respondo, porque não sei escrever em semelhante linguagem; a
                     offensa, porem, precisava de uma reparação e essa fui buscal-a na
                     lei que pune os abusos de liberdade de imprensa. (Jornal do
                     Comércio, 02 de agosto de 1881)

        Hilário Ribeiro chama Bibiano de Almeida de “o mais chulo dos prosadores”,
no Jornal do Comércio de 17 de julho de 1881. Os artigos de Bibiano intitulavam-se
“Questão Grammatical” e visavam responder aos ataques de Hilário, além de criticar
o colega e divulgar seu próprio trabalho, tentando mostrar aos pelotenses que suas
fórmulas de ensino eram as mais atualizadas e úteis.
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         Os debates eram acalorados, e outras pessoas acabaram por se envolver,
defendendo ora um lado, ora outro. Um exemplo é o professor Heráclito Camargo,
que publicou críticas ao trabalho de Bibiano no Jornal do Comércio em 1881.
Bibiano de Almeida não costumava deixar as críticas sem resposta, e no Correio
Mercantil de 29 de julho de 1881 disse a Heráclito que estava muito ocupado
pensando nas aulas que lecionava, na cópia de um circular que fazia e nos estudos
referentes à Lagoa dos Patos para responder-lhe, mas deu-lhe o conselho de não se
meter “em questões alheias, principalmente n’aquellas em que o amiguinho vê como
cégo.”

         No dia 31 de julho de 1881, a jovem Antonieta Dias se envolveu na
discussão, publicando um artigo no jornal de seu pai, o Correio Mercantil, para
defender o seu professor Bibiano de Almeida e manifestar que o errado era o Sr.
Heráclito Camargo, ao criticar uma afirmação, segundo ela correta, de Bibiano.

         O artigo assinado por Antonieta Dias contém um amplo comentário a
respeito das correções feitas no artigo de Heráclito e a das próprias frases escritas
por este. Com respeito, a jovem explica nas primeiras linhas:

                              Ilm. Sr. Heráclito Camargo,
                              Tendo V.S. no jornal de hoje, notado alguns erros em
                     diversos trechos de um artigo escripto por meu distincto e illustrado
                     professor, o Sr. Bibiano Francisco de Almeida, erros esses, uns
                     grammaticaes, outros de lingüística, com os quais eu não concordo,
                     peço-lhe permissão para analysar, como entendo, os mesmos
                     trechos, afim de demonstrar, que em minha fraca opinião, é V.S.
                     quem está em erro. (Correio Mercantil, 31 de julho de 1881)

         De forma extensa, Antonieta cita as frases que, segundo ela defende, foram
colocadas de forma errada por Heráclito, e demonstra profundo conhecimento
gramatical, analisando as orações de Bibiano criticadas por Camargo, dizendo
estarem corretas e colocando em análise os sujeitos dos períodos, citando verbetes
de dicionário, sinônimos, correções de cópias feitas erroneamente de frases de
Bibiano por Heráclito... Tudo para provar que seu professor, Bibiano, na verdade
estava sendo vítima de um ataque pessoal e intelectualmente desnecessário. O
artigo completo está transcrito no anexo I, ao fim do trabalho.
14




       Esse artigo demonstra coragem e ousadia, não só por parte de Antonieta, ao
se expor com tão pouca idade em um assunto de discussão pública, entre homens,
mas também por parte de seu pai, permitindo que ela participasse dessa discussão.
Além de ser do sexo feminino, a cujo universo muita coisa era vetada, ainda na
segunda metade do século XIX, era uma estudante de apenas 12 anos discutindo
gramática com professores consagrados, autores de livros didáticos. Mas é
importante lembrar que ela não usou de ataques ofensivos para com o Sr. Camargo,
ateve-se apenas a discussões gramaticais.

       Certamente, o artigo assinado por Antonieta Dias causou repercussão.
Obteve, dois dias depois, em 2 de agosto de 1881, uma resposta publicada no
Jornal do Comércio, mas por pessoa de menor coragem, já que o artigo foi assinado
como “um discípulo de Janet”, ou seja, por um anônimo. Logo nas primeiras linhas,
percebe-se o tom agressivo com que o anônimo se refere a Antonieta:

                             Gentil menina,
                             Ora, para que te metteste em camiza de onze varas, - tu,
                    uma menina que, bem encaminhada, pódes apparecer com alguma
                    distincção entre o teu sexo!
                             É verdade que a culpa não é tua, meu amor, porque teu pai
                    tem tão pouco juizo que não duvidou confiar o desenvolvimento de
                    tua mentalidade infantil ao ex-professor publico Bibiano Francisco de
                    Almeida, mas, apesar, d’isso, reveste-se de paciência para ouvires
                    algumas lições.
                             E que isto sirva-te de exemplo, para não te metteres outra
                    vez em assumpto alheio aos enfeites das tuas bonecas. (Jornal do
                    Comércio, 2 de agosto de 1881)

       O anônimo prossegue, acusando Antonieta de não ser a autêntica redatora
do artigo, apenas publicado com seu nome. Afirma: “Abordo sem mais preambulos o
que escreveu o teu encyclopedico professor no jornal de teu pai e que tu
inconscientemente assignaste.” No final, continuam os conselhos:

                            Uma vez que teu pai, apezar de jornalista, não se lembra
                    que para testas de ferro são sempre escolhidos os Deus Te Livre e
                    Zés Pereiras, conchega-te ao seio do anjo do lar, d’essa creatura
                    sublime que nos cérca de affectos, que sente as nossas dôres e
                    experimenta as nossas alegrias, e foge do fogo do contacto
                    venenoso d’aquelle que está muito longe de comprehender a
                    sagrada missão de preceptor da infancia... (Jornal do Comércio, 2 de
                    agosto de 1881)
15




        No Correio Mercantil do dia seguinte, 3 de agosto de 1881, Antonio Joaquim
Dias, não deixando passar sem resposta essa ofensa à sua filha e a si mesmo,
publicou um artigo, assinado, com o título de “Há homens para tudo”. Neste artigo,
Dias entra em defesa da filha, dizendo que ela queria “prestar homenagem de
apreço ao seu distincto e illustrado professor” e que, tratando-se “de uma questão de
exercicios na lingua vernacula, e mais – de uma fineza ao mestre”, ele não viu
problemas em permitir que a mesma escrevesse o texto. Afirma que sua filha não
teve a intenção de ofender o Sr. Camargo, mas que mesmo assim foi chamada
publicamente de “testa de ferro” em uma publicação anônima. Ofendido, Antonio
Joaquim Dias parte para o ataque e chama o anônimo de “parasita dos cofres
publicos”. Afirma ter três testemunhas, além de Bibiano, que haviam comparecido,
coincidentemente, ao seu escritório no momento em que Antonieta elaborava o
Convida o anônimo, se este “não for charlatão”, “a certificar-se das suas habilitações
e talvez a sentar-se com ella a uma mesa de exames em portuguez”. Concluindo,
afirma que o Sr. Heráclito e o anônimo “faltaram com a verdade e falsificaram um
periodo de um artigo do Sr. Bibiano de Almeida afim de lhe notarem um erro de
grammatica. Há homens para tudo.”

        Se o texto foi ou não produzido autenticamente por Antonieta Dias não há
como saber. De todo o modo, um artigo de jornal assinado por uma menina de 12
anos não era comum no período, e só foi possível para Antonieta em função de ela
ser filha do diretor do jornal e de seu pai ser um cidadão esclarecido e polêmico.

                                         ***

        No século XIX, no Brasil, quase tudo era vedado às mulheres. Uma das
restrições era o ingresso em cursos de ensino superior. Esta realidade só foi
modificada no ano de 1879. Através da Reforma Leôncio de Carvalho, passou-se a
permitir a matrícula feminina nas faculdades nacionais.

        Também conhecida como “Reforma do Ensino Livre”, foi transformada em
lei pelo Decreto 7.247, de 19 de abril de 1879. As mudanças que essa determinação
trouxe iam desde ações no ensino primário até ações no ensino superior, como por
exemplo, as que tornavam possível a colação de grau de acatólicos sem a obrigação
de fazer exame de direito eclesiástico; a permissão de que o juramento durante a
16




colação de grau fosse de acordo com a religião do aluno; e a referida matrícula de
mulheres em cursos e faculdades, a liberação para estudarem no mesmo espaço
conferido aos homens e a consequente obtenção do título acadêmico.

       Segundo Antonietta Nunes, em artigo publicado na Revista Gestão em Ação,
de Salvador (1999), as idéias de Leôncio de Carvalho eram muito avançadas para o
período e não foram totalmente implantadas.

       No ano de 1881, logo após a aprovação da Reforma, algumas mulheres se
matricularam na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, como Ambrosina
Magalhães e Augusta Castelões Fernandes, mas não concluíram o curso.
Ambrosina acabou assumindo sua vocação poética e de Augusta não foi possível
encontrar maiores dados. Em 1883, Elisa Borges Ribeiro também se matriculou
nessa faculdade.

       Elizabeth Rago, em artigo intitulado “A ruptura do mundo masculino da
medicina: médicas brasileiras no século XIX”, publicado no ano 2000 em Cadernos
de Pagu, revista que faz estudo de gêneros, retraça um histórico das mulheres que
se dedicaram aos cursos médicos no Brasil durante o século XIX, e é interessante
percebermos a sua análise nesse parágrafo da página 204: “Em meados do século
XIX, a oposição às mulheres que optavam pela medicina era muito maior do que
aquela feita em relação às profissões de menos prestígio, como a enfermagem e o
magistério.” (RAGO, 2000, p.204). Professoras no século XIX já existiam no Brasil,
mas mulheres ligadas à Medicina eram normalmente enfermeiras ou parteiras, não
existindo médicas formadas em escolas de nível superior até 1881, quando Maria
Augusta Generoso Estrela recebeu o diploma de médica pela universidade norte-
americana New York Medical College and Hospital for Women. (SILVA, 1954, p. 35-
36).

       No ano de 1884, três jovens rio-grandenses se matricularam na Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro: Rita Lobato Velho Lopes, Ermelinda Lopes de
Vasconcellos e Antonieta Cesar Dias. Rita Lobato transferiu sua matrícula para a
Faculdade de Medicina da Bahia em 1885, onde concluiu o curso no ano de 1887,
conquistando o título de primeira médica formada em uma faculdade no Brasil, como
vemos comprovado no já citado livro de Alberto Silva. Ermelinda Lopes recebeu o
17




título de segunda médica formada no Brasil em 1888, sendo a primeira a se formar
na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A tese de doutoramento de Rita
Lobato tem o título Paralelo entre os Métodos Preconizados na Operação Cezariana,
e a tese de Ermelinda Lopes possui o nome de Formas Clínicas das Meningites nas
Crianças – Diagnostico Diferencial. (SILVA, 1945, p.76-77).

          Sobre a matrícula de Antonieta Dias, diz uma matéria de capa no jornal
Correio Mercantil de 22 de março de 1884 que ela já estava matriculada no curso de
Medicina. Só que, para ela, que tinha apenas 15 anos2 — a idade mínima era 18 —
não fora fácil conseguir autorização para se matricular na Faculdade: fez-se
necessária uma licença especial do Congresso, obtida através do deputado
Eleutério de Camargo (conforme Mario Osorio Magalhães em Opulência e Cultura,
livro publicado em 1993).            Seu pai, Antonio Joaquim Dias, teria feito todos os
esforços para conseguir essa licença.

          No livro de Alberto Silva é levantada a hipótese de grande concorrência
entre Rita Lobato e Antonieta Dias para conseguir o título de primeira médica do
Brasil, e esta concorrência seria estimulada por seus respectivos pais (o e Rita
chamava-se Francisco Lobato, e era charqueador em Pelotas) desde 1879, com a
aprovação da reforma, ou seja, cinco anos antes das alunas se matricularem no
curso. As duas futuras médicas haviam sido colegas na escola dos professores
Carlos André Laquintinie e Benjamim Amarante. Segundo Silva,

                                     Os professores Laquintinie e Amarante receberam certa
                           feita a seguinte ameaça do Sr. Antonio Joaquim Dias, escritor e
                           jornalista pelotense, pai da aluna Antonieta Cesar Dias: ou eles
                           dificultavam o estudo da aluna Rita Lobato ou ele Antonio Joaquim
                           Dias, desmoralizaria o seu colégio pelo ‘Correio Mercantil’. Pretendia
                           dar tempo à filha de galgar a dianteira da colega e matricular-se
                           primeiro na Faculdade de Medicina do Rio. Tal, porém, não se deu
                           porque Francisco Lopes transferiu a filha para Porto Alegre onde
                           concluiu logo o curso. (SILVA, 1945, p. 88).

          No entanto, o autor não mostra nenhuma prova documental do que afirma.
Magalhães acredita que as informações sobre o episódio sejam da própria Rita
Lobato. (MAGALHÃES, 1993, p.234). O livro escrito por Silva se utilizou das


          2
           Conforme cita Alberto Silva a respeito de Antonieta: “Era, entretanto, a mais moça das três, pois
nascida em 1869, contava apenas 15 anos de idade ao iniciar o curso médico.” (SILVA, 1954, p.60)
18




memórias de Rita, ainda viva durante a produção da obra. Muitos dados expostos no
livro provém de informações fornecidas pela própria médica. A justificativa usada
pelo autor para a produção do livro foi de conceder o título de primeira médica
formada em uma faculdade brasileira a Rita Lobato, pois conforme encontramos em
Barros Vidal, no livro Precursoras Brasileiras, de 1952, Ermelinda Lopes era
considerada dona deste título.

        É importante perceber que todas estas primeiras médicas do Brasil
enfrentaram os preconceitos de sua sociedade e, como conclui Rago, essas
mulheres

                              (...) exerceram um papel histórico revolucionário se
                     considerarmos que elas reverteram as pressões sociais ampliando o
                     espaço público destinado às mulheres, demonstrando coragem,
                     capacidade intelectual e se afirmando cada vez mais no campo
                     através da competência. (RAGO, 2000, p.224)

        Do pouco que sabemos, com precisão, em relação aos anos de faculdade
de Antonieta, é seguro afirmar que sua mãe, Cesária Dias era quem a
acompanhava, de início, na capital federal, mas só até que o final do ano de 1886,
quando veio a falecer. As dificuldades de pesquisa não nos permitiram saber as
causas da morte de Cesária. De acordo com matéria publicada no Correio Mercantil
de 10 de janeiro de 1890, o pai de Antonieta passou a acompanhá-la no Rio de
Janeiro, para que pudesse concluir o curso médico, após a morte de sua mãe.
Nessa mesma edição do jornal há uma relação de nomes de alguns professores que
Antonieta teve durante o curso: “(...) excelentes mestres como Feijó, Erico Coelho,
Brandão e Mme. Durocher.” (Correio Mercantil, 10 de janeiro de 1890, apud Correio
Paulistano, 24 de dezembro de 1889).

        Enquanto a mãe de Antonieta viveu com ela no Rio de Janeiro, escrevia
cartas ao esposo que ficara em Pelotas. Em uma dessas cartas, redigida em 25 de
outubro de 1885, diz D. Cesária sobre a filha:

                               Antonieta está muito animada para os exames, talvez no dia
                     6 ou 7 de novembro, entre em fogo, tenha esperança que se sahirá
                     muito bem, todos acham-na bem preparada.
                               Tem trabalhado muito, por que as materias deste anno são
                     mui difficeis, o seu maior desejo é passar para o 3º anno e como tal
                     regressar a Província para mostrar que a mulher tambem tem
                     capacidade, para estudar, e tornar-se util a sua Patria e a
19



                     humanidade. (Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina
                     do RS).

       No Correio Mercantil de 29 de abril de 1886, a leitora (e escritora) Luiza
Cavalcanti Filha publica um artigo citando nomes de mulheres que estavam se
dedicando aos estudos neste período:

                              Julieta Monteiro, Revocata de Mello, Cândida Fortes,
                     Cândida Isolina de Abreu, Honorina Torres – almas plenas de
                     enthusiasmo e sensibilidade – Antonieta Cezar Dias – inspirada
                     criança, que permuta as blandícias do lar pelo banco acadêmico, as
                     magas ilusões da juventude pelo livro árduo da sciencia. (FILHA,
                     Luiza Cavalcanti. Correio Mercantil, Pelotas, 29 de abril de 1886. In:
                     GONÇALVES e PERES, 2007, p.10.)

       Em 1887, enquanto Rita Lobato conquistava o título de primeira médica
formada no Brasil, o jornal A Ventarola, de 11 de dezembro, publicava na capa um
retrato de Antonieta Dias. (Fig. 1) E na página dois do jornal inseria uma matéria a
respeito da jovem, destacando seus méritos de estudante desde a infância e
lembrando ao público que a moça fora aprovada em todas as matérias do 4° ano do
curso de Medicina. Em companhia do pai, neste momento de férias Antonieta se
encontrava em Pelotas para repousar.

                              Antonieta Cezar Dias
                              Ornamenta-se hoje a primeira página da Ventarola com o
                     retrato da jovem pelotense Antonieta Cezar Dias.
                              Mostrando-se intelligentissima desde criança, educada com
                     todo esmero por seu progenitor e instruida por hábeis professores,
                     conseguiu Antonieta Dias concluir os estudos preparatorios,
                     matriculando-se, com apenas quinze annos, na Academia de
                     Medicina da côrte.
                              Acaba de ser plenamente approvada em todas as materias
                     que constituem o 4° anno medico. (A Ventarola, 11 de dezembro de
                     1887)

       É possível perceber que o ano de 1889 foi muito significativo para a vida de
Antonieta (Fig. 2), justamente por ter sido o ano de sua conclusão de curso, de sua
formatura, e o ano de produção de sua tese, que a permitiu ser a terceira médica
formada no Brasil. Certamente uma vitória também conquistada por seu pai, com o
maior zelo possível. Os jornais rio-grandenses e fluminenses noticiaram amplamente
o ocorrido, desde a entrega da tese até sua aprovação e formatura.
20




         A tese foi levada a vários jornais do Brasil por Antonieta, na companhia do
pai. Após receberem cópias, os jornais publicaram agradecimentos pelo presente e
parabenizaram a nova médica. As congratulações publicadas nos vários jornais se
estendem ao pai de Antonieta, citado na maioria das vezes junto ao nome de seu
jornal, Correio Mercantil.

         Em 30 de agosto de 1889, Antonieta apresentou sua tese à Faculdade. O
trabalho recebeu o título de Hemorrhagias Puerperais, elaborada com o objetivo de
obtenção do título de Doutor em Medicina. (Fig. 3) Antes da apresentação da tese,
para que aprovasse todas as cadeiras finais do curso, foi necessário que realizasse
exames nas cadeiras de Toxicologia, Medicina Legal e Higiene. (Correio Mercantil,
24 de dezembro de 1889).

         O tema das hemorragias puerperais foi estudado por Antonieta na cadeira
de Partos e Ginecologia. Hemorragia puerperal é uma perda superior a meio litro de
sangue durante ou após o momento de expulsão da placenta. (http://www.msd-
brazil.com/msd43/m_manual/mm_sec22_250.htm Disponível em 15 de janeiro de
2010).

         O desenvolvimento da tese, de 71 páginas, foi realizado em três capítulos,
intitulando-se o primeiro Metrorrhagias dos seis primeiros mezes da prenhez; o
segundo, Metrorrhagias dos três últimos mezes da prenhez e o último Metrorrhagias
que complicam o delivramento. No corpo da tese, ainda, foi feito o histórico da
enfermidade, a explicação das causas da moléstia, citações, análise de opiniões e
casos para esclarecimento. (O Paiz, do Rio de Janeiro, apud Correio Mercantil, 4 de
janeiro de 1890)

         Em 10 de setembro de 1889, o Correio Mercantil noticiou na capa a entrega
da tese por parte de Antonieta:

                                Antonieta Dias – A jovem rio-grandense D. Antonieta Cesar
                      Dias, filha do proprietario d’esta folha, ja apresentou sua these de
                      doutoramento á faculdade de medicina do Rio de Janeiro.
                                Escreveu sobre – Hemorrhagias Puerperaes –, ponto
                      importantissimo e essencialmente pratico na especialidade a que se
                      dedica – partos e ginecologia. (Correio Mercantil, 10 de setembro de
                      1889)
21




        Após três meses, no dia 17 de dezembro de 1889, foi publicada pela
primeira vez em Pelotas a notícia de que Antonieta já havia sido aprovada em seu
curso de Medicina. O Correio Mercantil, quase que diariamente, passou a
transcrever notícias publicadas em outros jornais a respeito do assunto e manter o
público pelotense informado da grande conquista de Antonieta Dias.

        Mas os jornais do período são conflitantes com relação à data precisa de
defesa e aprovação da tese. No Correio Mercantil do dia 17 de dezembro de 1889,
afirma-se que o telegrama de aviso da aprovação da tese da de Antonieta datava do
dia 12 de dezembro. No jornal Onze de Junho, também de circulação local, consta
que “no dia 12 do corrente defendeu these perante a Faculdade de Medicina do Rio,
sendo plenamente approvada, a distincta estudante pelotense Exma. Sra. D.
Antonieta C. Dias...” (Onze de Junho, 19 de dezembro de 1889). Por sua vez,
porém, o jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, afirma que “Defendeu these hontem (11)
perante a respectiva comissão da faculdade de medicina, a jovem doutoranda D.
Antonieta Dias. (...) A sua defesa de these, que mereceu approvação plena, foi uma
revelação (...).” (O Paiz, 12 de dezembro de 1889 apud Correio Mercantil, 21 de
dezembro de 1889). É provável que o jornal Onze de Junho tenha se confundido
entre a data da aprovação e a data do recebimento em Pelotas do telegrama que
confirmava a aprovação. Sua defesa foi realizada certamente dia 11, pois no dia 12
o jornal carioca já dava notícia do acontecimento.

        A colação de grau da jovem médica foi realizada no Rio de Janeiro em 22 de
dezembro de 1889. Com previsão de oito dias depois da cerimônia de colação de
grau, seria expedido a ela o título científico. (Correio Mercantil, 21 de dezembro de
1889). A respeito de sua formatura foi publicada a seguinte matéria:

                              Por telegramma, sabemos que ante-hontem, com as
                     formalidades do estylo, recebeu o gráo de doutora em medicina pela
                     faculdade do Rio de Janeiro, a nossa talentosa comprovinciana Sra.
                     D. Antonieta Cezar Dias, filha do proprietário e diretor d’esta folha.
                     (...)
                              De coração enviamos, tanto á illustre doutora como ao
                     nosso amigo e collega os nossos sinceros parabens. (...) (Correio
                     Mercantil, 24 de dezembro de 1889).
22




        No dia 31 de dezembro de 1889, chegou a Pelotas a Dra. Antonieta Dias,
acompanhada do pai e do irmão. Seu irmão, Cesar Dias, no momento estava no 2°
ano do curso de Direito da academia de São Paulo. No jornal Correio Mercantil do
dia seguinte foi publicado este texto: “Por muitas distinctas familias e cavalheiros foi
hontem recebida na estação da estrada de ferro e acompanhada até a residência a
jovem doutora Antonieta Dias.” (Correio Mercantil, 1º de janeiro de 1890). Primeiro
chegaram a Rio Grande, onde jornalistas do Echo do Sul ofereceram-lhes um
almoço. Após a chegada em Pelotas, foi proporcionado à família um jantar no Hotel
Aliança, onde muitas pessoas da sociedade pelotense estiveram presentes. O jantar
foi oferecido pelo Sr. Fernando Negreira e se estendeu até à madrugada com
danças. As comemorações seguiram-se dia 1º de janeiro de 1890, quando seu
padrinho Fernando Osorio e sua esposa abriram sua casa para recepcionar e
festejar a conquista da Dra. Antonieta. Nesta casa, situada na Rua Quinze, defronte
à Catedral do Redentor, também “houve dança e banquete, sendo n’este
enthusiasticamente saudada a talentosa rio-grandense.” (Estado do Sul apud
Correio Mercantil, 16 de janeiro de 1890).

        No jornal Vida Fluminense foi publicado um retrato da Dra. Antonieta,
segundo transcrição do Correio Mercantil de 10 de janeiro de 1890. Além da
imagem, há uma matéria de congratulação à doutora por ter combatido os
preconceitos de seus contemporâneos. Vemos o quanto foi lisonjeiro para ela haver
conquistado este título, que lhe trouxe dignas homenagens de vários periódicos e
uma excelente recepção em sua cidade natal.

                                          ***

        Após todos os esforços do pai para que a filha conquistasse a vitória da
formatura, o próximo passo foi divulgar a tese e o título da agora Dra. Antonieta Dias
em todos os jornais a que teve acesso. Visitou em 1890 as redações dos jornais
gaúchos e cariocas, junto da filha, munido de uma cópia da tese e presenteando
com ela os redatores. Com certeza foi a forma que Antonio Dias elegeu de poder
divulgar o trabalho da filha e vê-lo definitivamente na mídia. Igualmente, foram
enviadas cópias da tese pelo correio às redações dos jornais de outras regiões. O
fato foi amplamente noticiado e no Correio Mercantil de Pelotas de 1889 e 1890 há
23




transcrições das matérias sobre a formatura e a tese da Dra. Antonieta que foram
publicadas nos jornais do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.

        Em 4 de janeiro de 1890, foi publicado no Correio Mercantil um
agradecimento à atenção com que a imprensa do Rio de Janeiro recebeu um
exemplar da tese defendida por Antonieta, ao mesmo tempo explicando que o jornal
se sentia no dever de reproduzir os generosos conceitos desta mídia.

        Em sua tese, Antonieta dedica o trabalho também à imprensa, dizendo: “À
imprensa rio-grandense – Agradeço os favores que sempre me dispensastes e
confio na tua protecção.” (Mercantil apud Correio Mercantil, 19 de janeiro de 1890).
E não era para menos. Afinal, se considerarmos apenas os jornais mencionados
pelo Correio Mercantil entre dezembro de 1889 e fevereiro de 1890, chegamos ao
número de 33 jornais gaúchos, 1 jornal paulista e 12 jornais cariocas com notícias
referentes a ela, totalizando 46 jornais diferentes nos três estados.

        Há um texto escrito por uma mulher que demonstra o apoio oferecido a
Antonieta por algumas pessoas, principalmente aquelas que lutavam pela
independência feminina, e está publicado no jornal Família, do Rio de Janeiro:

                               A sua formatura traduz mais uma victoria para o sexo que
                      representa, sobre os preconceitos brutaes da educação atrophiante,
                      ainda, infelizmente em vigor.
                               Provando por todos os dotes intellectuais a competencia da
                      mulher no concurso das profissões, de par com os homens, a
                      formatura da Dra. Antonieta Dias vem reforçar tacitamente, o
                      protesto mais vehemente contra as opiniões contrarias á nossa
                      emancipação, ultimamente debatida até no theatro, de modo
                      algumas vezes desairoso. (Família apud Correio Mercantil 10 de
                      janeiro de 1890).



        Mesmo em alguns textos publicados nos jornais em comemoração à
formatura de Antonieta, presenciamos expressões preconceituosas quanto às
mulheres, como por exemplo: “Antonieta Dias, como Rita Lobato e Ermelinda de
Vasconcelos, provam que no Rio Grande até o sexo fraco arca com todas as
dificuldades, simplesmente pelo desejo ardente de saber.” (Mercantil apud Correio
Mercantil, 19 de janeiro de 1890).
24




       No ano de formatura de Antonieta, 1889, houve uma peça em cartaz no Rio
de Janeiro, chamada As Doutoras, escrita por Joaquim José de França Junior. Essa
peça era uma comédia com a tentativa de ridicularizar as médicas brasileiras.
(RAGO, 2000, 216). Vemos, assim, que nem todas as observações a respeito do
ingresso das mulheres no mundo da Medicina eram positivas, mas através dos
jornais pesquisados apenas foram encontrados elogios a Antonieta por sua
formatura. Sempre, porém, é importante lembrar que os jornais podem definir papéis
sociais e estabelecer relações de poder, em é feita uma representação do real com
um projeto da sociedade que eles tentam generalizar e fazer caminhos para
alcançá-lo. (VIEIRA, PEIXOTO, KHOURY, 1989, p.54-55).

       Por isso, não sejamos ingênuos de acreditar que Antonieta não foi em algum
momento hostilizada. Em sua tese ela dedica a seguinte frase às suas colegas:
“Vencemos a resistência e o preconceito. Oxalá nos imitem o exemplo e compensem
o sacrifício”. (Correio do Povo do Rio de Janeiro apud Correio Mercantil, janeiro de
18903). Fica visível que não foram fáceis os anos de faculdade para aquelas
mulheres que no século XIX enfrentaram o preconceito e matricularam-se no ensino
superior. Coragem, força de vontade e resistência foram essenciais para que
concluíssem os estudos superiores.




       3
           Não foi possível visualizar a data deste jornal devido às más condições do mesmo.
25




                        2. Dra. Antonieta Dias Morpurgo


       Neste capítulo serão abordadas informações referentes à vida e ao trabalho
da Dra. Antonieta Dias Morpurgo. Após sua formatura, em dezembro de 1889, a
jovem médica, ainda Antonieta Dias, ainda solteira, veio para Pelotas comemorar
sua vitória com amigos e familiares. Sendo muito bem recebida nesta cidade, em 22
de março inaugurou seu primeiro consultório, localizado à Rua São Miguel (atual
Quinze de Novembro), número 112.

       Seu pai prontamente providenciou uma matéria do jornal Correio Mercantil
comunicando à sociedade pelotense que estava sendo inaugurado o gabinete de
consultas da Dra. Antonieta: “Tenho a honra de apresentar à sociedade pelotense,
na sua qualidade de médica pela Faculdade do Rio de Janeiro, minha filha Antonieta
Cesar Dias, que abre hoje seu consultório á rua S. Miguel n. 112.” (Correio
Mercantil, 22 de março de 1890). E com orgulho passa a descrever os méritos da
filha, afirmando que ela estava capacitada para exercer a profissão médica e
pedindo à sociedade que a acolhesse bem:

                              Embora suspeito para apreciar seus merecimentos
                    scientificos, julgo do meu dever affirmar que durante o seu curso
                    adquiriu os necessarios conhecimentos praticos e theoricos para
                    exercer conscienciosamente a nobre profissão a que se consagra.
                              Durante os ultimos tres annos de estudos, frequentou
                    diariamente as diversas enfermarias do hospital da Santa Casa de
                    Misericordia do Rio de Janeiro e os consultorios da Polyclinica Geral,
                    recebendo e aproveitando o mais possivel as lições dos illustres
                    professores Feijó Junior, Eurico Coelho e Brandão, especialistas em
                    partos e gynecologia, Martins Costa e Nuno de Andrade, clinica
                    geral, visconde de Saboia e Lima Castro, operações, Moncorvo e
                    Barata Ribeiro, molestias de creanças. – Particularmente, estudou
                    tambem, durante dous annos, com a notavel e antiga parteira Mme.
                    Durocher e com ela aprendeu em exercicios constantes o que a
                    experiencia ensina em trabalhos de semelhante natureza.
                              Creio, portanto, que minha filha Antonieta Dias acha-se
                    preparada para corresponder á confiança das distinctas familias
26



                        pelotenses, a quem a recommendo e de quem para ella solicito
                        generoso acolhimento. (Correio Mercantil, 22 de março de 1890).

        Podemos observar, por este artigo, que a única mulher a ministrar aulas a
Dra. Antonieta não era médica, mas parteira, ofício comum entre mulheres desde os
tempos mais remotos.

        Após esta matéria, passou a aparecer no Correio Mercantil um anúncio com
horários de atendimento, especialidade e endereço do consultório da médica (Fig. 4)
Tal anúncio era publicado quase que diariamente e na maioria das vezes figurava na
capa do jornal. A especialidade médica escolhida pela Dra. Antonieta foi,
sintomaticamente, obstetrícia e ginecologia; atender à saúde da mulher foi desde o
início a sua escolha.

        No dia 28 de março de 1890, surge um novo anúncio de atendimento da
Dra. Antonieta. Desta vez, é oferecida consulta gratuita aos pobres no consultório da
médica, mas com horário diferenciado: das 8h às 9 h, ao passo que a particulares
atendia das 13h às 15h.

                                Gratis aos pobres.
                                Antonieta Dias, medica pela faculdade do Rio de Janeiro, dá
                        consultas grátis, a senhoras e creanças pobres, em seu consultorio á
                        rua S. Miguel n.112, das 8 ás 9 horas da manha. (Correio Mercantil,
                        28 de março de 1890).

        Um aspecto interessante dessa propaganda é que, diferentemente dos
outros médicos, continham a indicação da formação da Dra. Antonieta. Sendo a
única médica da cidade, havia necessidade de mostrar que também tivera formação
acadêmica e estava habilitada legalmente para atender à saúde da população.

        Os atendimentos grátis aos pobres mudaram de endereço pouco depois, e
passaram a ser realizados no hospital da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas,
das 10h às 11h. Até o dia 11 de novembro, quando mudaram para o horário das 8h
às 9h. (Correio Mercantil, 3 de julho de 1890 e 11 de novembro de 1890). Seu
consultório também não permaneceu muito tempo no primeiro endereço, e em
setembro se transferiu para a Rua Felix da Cunha número 139, nas proximidades do
Clube Comercial. (Correio Mercantil, 11 de setembro de 1890). O local do primeiro
consultório da Dra. Antonieta ficou disponível para aluguel após a sua saída,
conforme mostra anúncio publicado em jornal: “ALUGA-SE o sobrado á rua S.
27




Miguel ns. 110 e 112, proprio para residência e escritorio.” (Correio Mercantil, 11 de
setembro de 1890).

        Neste ano a Dra. Antonieta, através de suas consultas aos pobres, passou a
fazer parte do corpo médico da Santa Casa de Misericórdia, junto a médicos de
renome, como o Barão de Itapitocai – Dr. Miguel Rodrigues Barcelos –, Dr. Antonio
Augusto de Assumpção, Dr. Edmundo Berchon des Essarts, Dr. Antonio Francisco
da Rocha e Dr. Bruno Chaves. A respeito de seu trabalho, o Barão do Arroio Grande
– Francisco Antunes Gomes da Costa –, provedor do hospital, em seu relatório
referente ao período entre 1° de julho de 1889 e 31 de dezembro de 1890, faz
menção a Dra. Antonieta e ao seu trabalho:

                              A Exma. Sra. Dra. D. Antonietta Dias teve igualmente a
                     gentileza de offerecer-se-nos para tomar a si as consultas gratuitas
                     em favor das sras. e crianças desvalidas, o que agradecidos
                     acceitamos, tendo ella com a maxima pontualidade e zelo
                     desempenhado-se do seu generoso e expontaneo offerecimento.
                     (Relatório de Administração hospital Santa Casa de Misericórdia de
                     Pelotas, 1889-1890).



        De acordo com pesquisas feitas nos referidos relatórios, e diante dos dados
expostos no primeiro capítulo deste trabalho, chega-se à conclusão de que a Dra.
Antonieta Dias foi a primeira médica a trabalhar na Santa Casa de Misericórdia de
Pelotas.

        Desde 1886, enquanto ainda estava na faculdade, a Dra. Antonieta
frequentava quotidianamente a Santa Casa do Rio de Janeiro. (Correio Paulistano
27 de dezembro de 1889 apud Correio Mercantil, 10 de janeiro de 1890). Chegando
a Pelotas, depois de formada, a Santa Casa local foi o primeiro hospital em que
trabalhou. Nos relatórios do hospital há registros de que seu pai havia feito doação
de 40$000 à Santa Casa entre os anos de 1881 e 1882, participando da lista de
benfeitores. Entre 1888 e 1889, o Correio Mercantil transferiu à instituição o valor de
20$000.

        Em 1892, recebeu a Dra. Antonieta uma triste notícia. Seu pai havia falecido,
durante uma viagem no paquete Rio Pardo, no dia 8 de março. O destino da viagem
era Porto Alegre, com a intenção de deixar em um colégio de freiras de São
Leopoldo uma afilhada de 10 anos chamada Cezarlina Negreira, filha de Fernando
28




Negreira. Este havia oferecido jantar à Dra. Antonieta no réveillon de 1889, conforme
descrito no primeiro capítulo, e certamente era muito amigo da família Dias.

        O jornalista Antonio Joaquim Dias estava doente desde 1890. Seguindo
conselhos médicos, foi para o Rio de Janeiro, retornando a Pelotas em dezembro de
1891. Muitas foram as homenagens à sua memória publicadas no jornal fundado por
ele. No dia 15 de março, na Igreja Matriz, atualmente Catedral, foi realizada às 9h
uma missa de 7° dia. Sobre o caixão seus filhos depositaram uma coroa, com as
usuais palavras “Saudade eterna de seus filhos – Antonieta e Cesar.” (Correio
Mercantil, 10, 11 e 12 de março de 1892).

        Foi Cesar Dias quem ficou responsável pelo jornal do pai após a sua morte.
Cesar recebeu a notícia de que era sucessor na propriedade do jornal através dos
redatores da folha, que prontamente lhe enviaram um telegrama, respondido da
seguinte forma: “Embarcarei familia quando possivel arranjos aqui. Dêem todas as
providencias, ficando obrigado pelas attenções. Confio tudo da vossa amizade e
espero que serão meus companheiros dedicados como foram de meu pai.” (Correio
Mercantil, 10 de março de 1892).

        Não temos a data precisa em que a Dra. Antonieta mudou-se de Pelotas
para o Rio de Janeiro, transferindo inclusive seu consultório. Mas sem dúvida foi no
ano de 1891, e partiu acompanhada do pai e do irmão, que estudava direito em São
Paulo. (Correio Mercantil, 09 e 12 de março de 1892).

        Na capital da República, a Dra. Antonieta casou-se com Eduardo Morpurgo
(fig. 5). Conforme aponta a matéria publicada no jornal carioca Rua do Ouvidor, em
17 de agosto de 1901, a Dra. Antonieta casou-se com Eduardo em 15 de novembro
de 1892. Após o casamento, passou a assinar-se Antonieta Dias Morpurgo.

        Informações fornecidas pela escritora e pesquisadora Anamaria Nunes
Vieira Ferreira, após pesquisa no Relatório do Ministro do Interior, no Almanak
Laemmert, de 1891, dão conta de que Morpurgo naturalizou-se brasileiro entre 1889
e 1891. Nasceu em 1872 na Guiana Holandesa e foi o engenheiro responsável pela
iluminação da Avenida Central do Rio de Janeiro, durante a Reforma Pereira Passos
(1902-1906), que modificou vários aspectos desta avenida. Após a vinda para o
Brasil, conheceu a Dra. Antonieta Dias e com ela contraiu matrimônio.
29




          No Dicionário das Famílias Brasileiras, há uma informação referente a
Eduardo Morpurgo dizendo que este teria se estabelecido no Rio de Janeiro em
1896, o que contrapõe os dados de seu casamento ter sido realizado em 1892. É
possível que este dicionário esteja com a data errada, pois já em 1889 e 1891 ele
naturalizou-se brasileiro e em 1892 casou-se.

          Informações fornecidas, por telefone, pela bisneta da Dra. Antonieta, Cláudia
Maria Morpurgo Teixeira Álvares, indicam que Eduardo era um homem muito rico
por ocasião do casamento. Possuía cavalos de corrida, mas, em decorrência do
hábito de realizar apostas nos páreos do Jockey Clube, veio a perder sua fortuna. E,
conforme ainda Cláudia Morpurgo, faleceu empobrecido, poucos anos depois de sua
esposa.

          O casal teve apenas um filho, o Dr. Admar Morpurgo (Fig. 6). Assim como a
mãe, especializou-se em ginecologia e obstetrícia. Foi coronel médico da Polícia
Militar, de acordo com informações de Cláudia e de Carlos Duarte. Este conheceu o
Dr. Admar por ser neto da madrinha do médico. Segundo informações de Anamaria
Nunes, o filho do casal nasceu em 16 de julho de 1897, contrapondo informações do
jornal Rua do Ouvidor, que assinala 16 de julho de 1894 como a data de seu
nascimento.

          Em 24 de janeiro de 1893, o Asilo de Mendigos de Pelotas publicou no
Correio Mercantil notícias referentes às eleições para a sua diretoria. Encontra-se ali
o nome da Dra. Antonieta Dias como uma das Diretoras Internas concorrendo à
eleição em chapa única. A votação foi realizada no dia 26 de janeiro, no salão da
Praça do Comércio, atual Associação Comercial de Pelotas. No dia 02 de fevereiro,
por aclamação, ficou eleita a nova diretoria, que tomou posse no dia 5. Só não
conseguimos verificar, por ausência de informações, se a Dra. Antonieta esteve
presente nessa cerimônia.

          Em 1896, na casa de Recolhimento Santa Rita de Cássia, localizada no Rio
de Janeiro, várias meninas foram abusadas e exploradas por Basílio de Moraes,
administrador da instituição. Ao desconfiarem da insalubridade a que as meninas
estavam sujeitas, os jornais locais passaram a publicar notícias a respeito da casa, e
Basílio foi acusado do crime de abuso sexual dessas meninas. Médicos foram
30




chamados para examiná-las. A Dra. Antonieta, consultada para examinar uma delas,
constatou que a menina havia sido deflorada. Algum tempo depois, ao serem todas
examinadas por outros médicos, foram encontradas no mesmo estado, concluindo-
se que Basílio, como único homem da casa, era responsável pelo crime. (SILVA,
2007, p. 125). Este caso nos chama a atenção para a exploração vivida por
mulheres no século XIX, mas também para a circunstância de que a Dra. Antonieta
atuava a favor dessas garotas que, ao invés de encontrarem apoio e moradia do
Recolhimento, eram exploradas e abusadas sexualmente.

           Em 1901, o jornal Rua do Ouvidor, do Rio de Janeiro, publicou matéria
comentando que a Dra. Antonieta (Fig. 7) exercia a sua profissão em vários estados
do Brasil, entre eles Rio Grande do Sul, Minas e Espírito Santo. Demonstra que a
Dra. Antonieta mantinha viagens de estudo e trabalho não só por todo o Brasil, mas
por outros países da América e da Europa, de onde regressara nesse ano. (Rua do
Ouvidor, 17 de agosto de 1901).

           Nos primeiros anos do século XX, a Dra. Antonieta realizou uma viagem
para a França, e de Paris trouxe um folheto sobre incubadoras da marca Lion.
Chegando ao Brasil, forneceu este folheto para maternidades do Rio de Janeiro, que
não possuíam ainda o material. Em parceria com o Dr. Jaime Silvado, pesquisou os
resultados obtidos com essas incubadoras no tratamento de bebês prematuros e,
seguindo orientação dos médicos, o Dispensário Moncorvo adquiriu duas
incubadoras em 1903. A Dra. Antonieta e o Dr. Jaime foram responsáveis por trazer
estes aparelhos para as maternidades cariocas, ampliando as possibilidades de
cuidado aos prematuros, pela possibilidade de mantê-los aquecidos nessas
incubadoras, e permitindo a produção de incubadoras no próprio país. (OLIVEIRA,
2004, p.461 e p.465)

           O pioneirismo da Dra. Antonieta na Medicina pode ser constatado ainda ao
analisarmos sua participação como secretária na diretoria provisória da Cruz
Vermelha, quando de sua instalação no Brasil, entre 1907 e 1908. Nesta diretoria ela
foi a única mulher, e atuou ao lado do Dr. Oswaldo Cruz, presidente provisório.
Como secretário, estava o Dr. Jaime Silvado, que com ela fez as pesquisas, já
citadas,     sobre    as   incubadoras.   (http://www.cruzvermelhani.org.br/cvbr.htm
Disponível em 04 de janeiro de 2010.)
31




        Nas pesquisas de Anamaria Nunes encontramos outra ligação da Dra.
Antonieta com a Cruz Vermelha, ela teria sido a fundadora do Hospital da Cruz
Vermelha na cidade de Lavras, no Rio Grande do Sul. As pesquisas de Anamaria
foram realizadas através de consulta a familiares, livros, jornais. Também teve
acesso à tese defendida por Antonieta em 1889.

        A Dra. Antonieta também se envolveu em pesquisas sobre doenças
venéreas em crianças. A princípio, constatando-se a incidência desta moléstia em
crianças, suspeitava-se de defloração, mas após as pesquisas do Dr. Nina
Rodrigues passou-se a pensar que muitas dessas doenças podiam ser transmitidas
pela mãe durante o parto. Seguindo os estudos do Dr. Nina Rodrigues, a Dra.
Antonieta, em 1908, também realizou observações sobre o tema, o que foi
favorecido pelo avanço das técnicas laboratoriais. (ANTUNES, 1999, p.85-86).

        Em 1913, a Dra. Antonieta escreveu um artigo intitulado Assistência
obstétrica domiciliaria, publicando-o na Revista de Ginecologia e d’Obstetrícia. Essa
revista era um periódico de especialidades médicas e, de acordo com Freitas, era
também um espaço de

                              ...construção de conhecimento e de legitimação de saberes
                     que reúne profissionais habilitados congregados numa classe. Logo,
                     não é um lugar destinado a qualquer um. Segue um regimento e uma
                     lógica própria (...). Por mais que os artigos escritos por mulheres
                     sejam raros na revista ora analisada, constam os nomes da Dra.
                     Antonieta Morpurgo, da Sociedade de Medicina e Cirurgia e a Mme.
                     E. Morand, Ex. Assistente da Faculdade do Rio de Janeiro.
                     (FREITAS, 2005, p.89).

        Percebemos que a Dra. Antonieta, durante sua carreira médica, nunca
deixou os estudos de lado, sempre realizando novas pesquisas e se envolvendo em
tarefas nas quais, muitas vezes, acabava sendo a única mulher, mantendo a
coragem necessária para vencer os preconceitos que seu sexo lhe estabelecia
dentro da sociedade brasileira do final do século XIX e início do século XIX.

        Pelo menos desde 1909, a Dra. Antonieta já palestrava sobre o tema da
assistência obstétrica a domicílio, e participou do Quarto Congresso Médico Latino-
Americano, realizado no Rio de Janeiro do dia 1ª ao dia 8 de agosto, apresentando
uma comunicação com o título de Assistência obstétrica domiciliar, dentro da seção
referente à Higiene, Climatologia, Demografia e Assistência Pública. O Congresso
32




reuniu mais de 1500 pessoas de várias nacionalidades. Além de brasileiros, havia
inscritos provenientes da Argentina, do Uruguai, do Chile, do Paraguai, da Bolívia,
da Venezuela, do Equador, do Haiti, do Panamá e do México. (Fig. 8 e 9).

          A respeito do falecimento de Dra. Antonieta Dias Morpurgo, não foram
encontrados dados muito precisos. Segundo Alberto Silva, ela teria falecido em 1920
(SILVA, 1954, p.61). Já as pesquisas de Anamaria apontam para o ano de 1917. No
relatório de administração do hospital Santa Casa de Misericórdia de Pelotas,
referente ao biênio 1917 e 1918, vemos pela última vez o nome da Dra. Antonieta
Dias no relatório das Irmãs sobrevivas4. No relatório seguinte, escrito pelo provedor
Dr. Bruno Chaves, referente ao biênio 1919 e 1920, não aparece mais o nome da
Dra. Antonieta entre as irmãs sobrevivas, mas também não aparece seu nome em
meio aos irmãos falecidos nesse período. Cláudia Morpurgo, bisneta de Antonieta,
ao questionar sua mãe, neta de Antonieta, revela que sua bisavó teria falecido em
decorrência de problemas cardíacos.

          Antes do casamento do filho, a Dra. Antonieta viajou para Belo Horizonte,
Minas Gerais, onde visitou a faculdade de Medicina da cidade e foi recebida por
Alzira Nogueira Reis, única mulher estudante de medicina daquela faculdade. Na
viagem Antonieta foi acompanhada por seu filho Admar e por Joaquim Vieira
Ferreira Neto, irmão da futura esposa de seu filho, Thereza. Joaquim tinha 18 anos e
era estudante de Direito, palestrou sobre Filosofia e Psicologia e nessa ocasião
conheceu Alzira, sua futura esposa.

          Em 1969, após a morte do Dr. Admar, Alzira escreveu uma carta para
Antonieta Morpurgo, filha do Dr. Admar, dizendo ter sentido profundamente a morte
do doutor, informando que em breve pretendia visitá-la e comentando o momento
em que conheceu seu marido, por intermédio da Dra. Antonieta.

                                  “Não sei se você sabe que conheci Vieira através da Dra.
                          Antonieta e do Morpurgo, em Belo Horizonte. Era eu estudante de
                          Medicina e meu professor de cirurgia, Dr. Borges da Costa,
                          incumbiu-me de convidar a Dra. Morpurgo a visitar a nossa


          4
            O Relatório de Irmãs e Irmãos sobrevivos era publicado junto aos relatórios de administração do
hospital da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Havia também em todos estes relatórios uma relação dos
irmãos e irmãs falecidos no biênio correspondente desta descrição.
33



                       faculdade. Na pensão quem me recebeu primeiro foi Vieira, cuja
                       palestra sobre filosofia e psicologia prendeu-me logo a atenção.
                       Nessa noite, num cinema, Vieira falou-me em casamento, e lá então,
                       contrariando-me, a Dra. Brincou: ‘isso é filosofia ou namorosofia?’”
                       (Disponível em http://notaveisdafamilia.blogspot.com/2009/01/alzira-
                       nogueira-reis-1-parte.html )

       A Dra. Alzira Nogueira Reis foi a primeira médica a se formar no estado de
Minas Gerais e primeira mulher a votar no Brasil. Formou-se em 1920 pela
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e atuou na luta
contra a hanseníase.

       Considerando as informações fornecidas por Anamaria Nunes, Carlos
Duarte e Cláudia Morpurgo, sabe-se que o filho da Dra. Antonieta e de Eduardo
Morpurgo, Dr. Admar Morpurgo, casou-se com Thereza de Jesus Maria Vieira
Ferreira em 1919 (Fig. 10). Faleceu em 1969 e deixou dois filhos, Antonieta
Inocência Vieira Ferreira Morpurgo e Augusto Comte Vieira Ferreira Morpurgo. O Dr.
Admar possuía ligação muito grande com a mãe, e isso é visível quando se constata
o mesmo nome da terceira médica do Brasil em uma de suas filhas. Ele também era
colecionador e pintor, tendo morado no bairro São Francisco, em Niterói.
Colecionava armas antigas, como espadas, sabres e lanças, e até uma armadura e
também objetos do mar, como estrelas do mar, crustáceos etc. Foi médico da
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, enquanto Niterói foi capital. Foi
testemunha do nascimento de um filho de Orestes Barbosa – jornalista, cronista e
poeta, autor da letra de Chão de Estrelas, com melodia de Sílvio Caldas. Recebeu
de a seguinte dedicatória, em forma de poema:

       “Chegou Maio a sorrir nas corolas das flores!
       É a festa vegetal com harmonias e pompas.
       Maio é o mês musical dos bardos sonhadores!...”(DIDIER, 2005, p.112).
       As pesquisas a respeito da Dra. Antonieta carecem de materiais
documentais que comprovem determinados fatos, como datas de nascimento e de
falecimento. Este trabalho se torna importante por mostrar o valor desta médica
pelotense, não só por ter sido a terceira médica formada no Brasil, mas também por
ter atuado intensamente na sua profissão depois de formada, superando
preconceitos e demonstrando sempre ter coragem.
34




       Como a história de Dra. Antonieta se divide entre Pelotas e Rio de Janeiro, a
pesquisa a respeito de sua vida em Pelotas é mais rica de fontes, até porque este
trabalho é realizado nesta cidade. Já as pesquisas sobre o trabalho da Dra.
Antonieta no Rio de Janeiro foram dificultadas pela distância entre as cidades,
dependendo do auxílio daqueles que possuem alguma memória sobre a terceira
médica formada no Brasil.
35




                                    Conclusão

       Após a finalização das pesquisas a respeito da Dra. Antonieta Dias
Morpurgo, podemos afirmar que ela não foi apenas importante por ter sido a terceira
médica formada no Brasil, mas também pela sua forte atuação dentro da área
médica após a sua formatura.

       Os seus estudos iniciais foram completados no Rio Grande do Sul. Em 1884,
matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Nos primeiros anos foi
acompanhada pela mãe naquela cidade, e depois da morte de Cesária Dias seu pai,
Antonio Joaquim Dias, esteve presente até a sua formatura, em 1889. Antonieta
concluiu o curso médico sem ter repetido nenhum ano e para ela não foi possível ser
a primeira médica devido às dificuldades oriundas da pouca idade com que
ingressou na faculdade, apenas 15 anos. Após a sua formatura, voltou a Pelotas,
onde fora muito bem recebida.

       Em 1890, abriu seu primeiro consultório e atendeu aos mais humildes na
Santa Casa de Misericórdia. A seguir partiu para o Rio de Janeiro transferindo para
aquela cidade o seu consultório. Seguiu clinicando, participando de congressos,
concluiu pesquisas, etc. Casou-se com o engenheiro Eduardo Morpurgo, com quem
teve um filho, o também médico Dr. Admar Morpurgo.

       Ao descobrirmos sua intensa atuação depois de formada, nossa reação foi
de surpresa, pois ela sempre esteve presente na Medicina, atendendo seus
pacientes e prosseguindo os seus estudos. Foi a Paris e de lá trouxe folhetos das
incubadoras Lions que motivaram o Dispensário Moncorvo a adquirir 2 incubadoras
para os cuidados aos bebês prematuros; foi membro da primeira diretoria provisória
da Cruz Vermelha no Brasil e desempenhou muitas outras atividades, algumas
citadas aqui e outras ainda não descobertas.
36




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        RAGO, Elizabeth Juliska. A ruptura do mundo masculino da medicina:
médicas brasileiras no século XIX. In: Cadernos Pagu (15), Campinas, 2000, p.
199-225.

        SILVA, Alberto. A primeira médica do Brasil. Rio de Janeiro: Irmãos
Pongetti Editores, 1954. 247p.

        SILVA, Ana Paula Barcelos Ribeiro. Discurso jurídico e (des) qualificação
moral e ideológica das classes subalternas na passagem à modernidade:
Evaristo   de   Moraes    (1871-1939). 2007.   299f.   Dissertação (Mestrado)   –
Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro.

        VIDAL, Barros. Precursoras Brasileiras. Rio de Janeiro: A Noite Editora,
1952.

        VIEIRA, Maria do Pilar A.; PEIXOTO, Maria do Rosário C.; KHOURY, Yara
Maria A. A pesquisa em História. São Paulo: Editora Ática, 1989. 159p.
38




                                     Fontes Primárias

       Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS – Fundo 50:
MD. Antonieta Cesar Dias - ACD

       A Ventarola (1887) Pelotas, Rio Grande do Sul. (Caixa AP 214) Acervo:
Arquivo Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense.

       Correio Mercantil (1881 – 1897) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV
– Bibliotheca Pública Pelotense.

       Diário Popular (1897 – 1920) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV –
Bibliotheca Pública Pelotense.

       Jornal do Comércio (1881) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV –
Bibliotheca Pública Pelotense.

       Onze de Junho (1889) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV –
Bibliotheca Pública Pelotense.

       Relatórios de Administração (1862 – 1920) do hospital Santa Casa de
Misericórdia de Pelotas. Fundos: ASCP 1A01; ASCP 1A02; ASCP 1A03; ASCP
1A04. Acervo: Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas
39




FIGURAS
40




Fig. 1 – Antonieta Dias.
Fonte: A Ventarola de 11 de dezembro de 1887.




Fig. 2 – Antonieta Dias em foto de 1889.
Fonte: Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS
41




Fig. 3 – Tese defendida por Antonieta Cesar Dias em 1889.
Fonte: Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS




Fig. 4 – Anúncio publicado no Correio Mercantil em 1890.
42




Fig. 5 – Engenheiro Eduardo Morpurgo, esposo da Dra. Antonieta.
Fonte: Acervo de Anamaria Nunes.




Fig. 6 – Eduardo Morpurgo, Admar Morpurgo e Antonieta Morpurgo.
Fonte: Acervo Anamaria Nunes.
43




Fig. 7 – Dra. Antonieta Dias Morpurgo.
Fonte: Rua do Ouvidor 17 de agosto de 1901.




Fig. 8 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909.
Disponível em
http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/803/786
44




Fig. 9 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909.
Disponível em
http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/803/786




Fig. 10 – Dr. Admar Morpurgo e Thereza de Jesus Maria Vieira Ferreira.
Fonte: Acervo Anamaria Nunes.
45




ANEXOS
46




                                      ANEXO I



        Correio Mercantil, 31 de julho de 1881.

         Ilm. Sr. Heráclito Camargo,
         Tendo V.S. no jornal de hoje, notado alguns erros em diversos trechos de
um artigo escripto por meu distincto e illustrado professor, o Sr. Bibiano Francisco de
Almeida, erros esses, uns grammaticaes, outros de lingüística, com os quais eu não
concordo, peço-lhe permissão para analysar, como entendo, os mesmos trechos,
afim de demonstrar, que em minha fraca opinião, é V.S. quem está em erro.
         1° período:
         << Quando na opulenta e luminosa encyclopedia de obras didacticas
brasileiras, appareceu, etc.>>
         Pergunta V.S. o que quer dizer encyclopedia de obras.
         Respondo:
         ENCYCLOPEDIA, s.f. (de encyclia, e do grego paideo). Sciencia universao;
encadeamento de todas as sciencias.
         - Corpo didactivo de todas as artes e sciencias que se ensinam. – Livro que
as contém, obra que trata d’ellas. (Dr. Fr. Domingos Vieira).
                                               ___
         2° período:
         <<Aqui concluo, repetindo que o compendio do Sr. Hilário não presta, e que
pouco se me dá que o meu seja por elle substituído.>>
         Pergunta V.S.
         <<Por elle quem? Pelo Sr. Hilario?
         Não, Sr.: Por elle, compendio.
         Analyso o período:
         1ª oração – Aqui concluo repetindo – é a oração principal, porque não só
exprime o juízo fundamental, como também porque a Ella se prendem todas as
outras.
         2ª, Que o compendio do Sr. Hilario não presta – é uma oração
complementar objetiva, porque está servindo de complemento objectivo ao particípio
repetindo;
         3ª, E que pouco se me dá – é outra oração complementar subjectiva, por
estar servindo de complemento objectico ao particípio repetindo;
         4ª, Que o meu seja por elle substituído - é oração complementar subjectiva,
por estar servindo de sujeito ao verbo da oração precedente.
         Decomposição das orações, exame de seus termos essenciaes e dos mais
complementos ou acessórios que n’ellas concorrem:
         1ª oração. – Sujeito – eu; verbo concluo; o particípio repetindo é opposto ao
sujeito.
         3ª Sujeito – o compendio; complemento restrictivo pertencente ao
substantivo compendio, do Sr. Hilario; verbo, presta;
         4ª Sujeito – a oração seguinte; verbo, se dá; (importa) complemento
terminativo me (a mim;)
         4ª Sujeito – o meu, (compendio); verbo, seja substituído; complemento
terminativo necessário, por elle (compendio;)
         Em ordem:
47




         Aqui concluo eu repetindo que o compendio do Sr. Hilario não presta e que
pouco se me dá (ou pouco me importa) que o meu (compendio) seja substituido por
elle (compendio ou pelo compendio do Sr. Hilario.)
                                              ___
         3° período:
         <<O Illm. Sr. Dr. T. Abbott, moço honesto e de uma intelligencia superior,
soube evitar a astucia de meia dúzia de ensinadores ignorantes, invejosos e
improductivos, que levantaram tendas da conspiração, etc.>>
         Pergunta ao Sr. Heraclito o que quis dizer o Sr. Bibiano usando da figura
tendas da conspiração?
         Responde o Fr. Domingos Vieira:
         <<TENDA: Casa de vender viveres.
         <<TENDA: Levantar as tendas, armal-as para pousar, abarracar-se.
         <<TENDA INTEIRA: Tenda armada.
         <<TENDA de myrtos, de jasmins.
         <<TENDA: barraca de campanha. –
         E a elle lhe pareceo isto bem, para o que mandou logo chamar a mayor
parte dos nobres, e o fez ajuntar no campo em que estavão as tendas, onde em voz
de cima de um Cavallo, lhes fez uma falla, em que lhes declarou a razão para que ali
farão juntos, e sobre ella se altercou um grande espaço, com tanta variedade de
pareceres, que por então se não pôde tomar conclusão em cousa alguma>> (Fernão
Mendes Pintor Peregrinações, cap. 118.)
         CONSPIRAÇÃO, s.f. (Lat. Conspiratioonis) conjuração, empreza occulta
contra o estado ou contra o legitimo governo; trama, união de varias pessoas contra
outra: - (fig) concurso de causas, de acções, ex. <<a indulgencia para com o vicio é
uma – contra virtude>>; consenso; união, acção de concorrer para o mesmo fim.
         <<Syn. Comp. Conspiração denota acôrdo de vontades, de sentimentos
entre os conspiradores e um abjeto commum, dirigido por um ou mais chefes, contra
instituições ou contra pessoa ou pessoas por numero considerável de sócios.
(Corrêa Lacerda)
         Temos, pois, por esta figura, que diversos conspiradores (ensinadores,
ignorantes, invejosos e improductivos) se reuniram e levantaram tendas de
conspiração contra o Sr. Bibiano.
                                              ___
         4° período:
         <<Um livro de escola deve avantajar se pela clareza, principalmente se,
como o do mestre, é destinado ás classes elementares.>>
         Acha o Sr. Heraclito que é isto uma boa lembrança e excellente portuguez.
         E é – excellente portuguez e bellisimo pensamento: O livro destinado ás
classes elementares, isto é, ás classes que aprendem, que principiam deve
avantajar-se, recommenda-se - ,pela clareza.
                                              ___
         5° período:
         <<É tempo de deixarmos a pag. 33. Passemos pela pag. 34, onde
encontraremos ainda a família pronominal: Apertemo-LHES (!) as mãos e
sigamos.>>
         Perdão, Sr. Camargo,
         V.S. enganou-se na transcripção d’aquelle período.
         Lá não está apertemo-LHES. O que se encontra na 2ª columna, 3ª pag. do
Correio Mercantil de 28 de julho é o seguinte:
48




       <<É tempo de deixarmos a pag. 33. Passemos pela pag. 34, onde
encontraremos ainda a família pronominal, APERTEMOS-LHE as mãos e
sigamos.>>
       Peço desculpa ao Ilm. Sr. Heraclito Camargo.
       Pelotas, Julho 30.
       Antonieta Dias.
49




                                    ANEXO II



       Jornal do Comércio, 02 de agosto de 1881.

        A pedido,
        Como resposta à menina Antonieta Dias discípula do ex-professor pulbico
Bibiano Francisco de Almeida e filha do Sr. Antonio Joaquim Dias, proprietário e
redactor do Correio Mercantil.
        Gentil menina,
        Ora, para que te metteste em camiza de onze varas, – tu, uma menina que,
bem encaminhada, pódes apparecer com alguma distincção entre o teu sexo!
        É verdade que a culpa não é tua, meu amor, porque teu pai tem tão pouco
juizo que não duvidou confiar o desenvolvimento de tua mentalidade infantil ao es-
professor publico Bibiano Francisco de Almeida, mas, apesar d’isso, reveste-se de
paciencia para ouvires algumas lições.
        E que isto sirva-te de exemplo, para não te metteres outra vez em assumpto
alheio aos enfeites das tuas bonecas.
        Deixando mais para adiante alguns conselhos que preciso darte, abordo
sem mais preambulos o que escreveu o teu encyclopedico professor no jornal de teu
pai e que tu inconscientemente assignaste.
                                              ___
        Em má hora citou elle o sempre respeitavel Fr. Domingos Vieira, que
justamente veio deixar patentes as asneirolas publicadas com teu nome.
        Vejamos, segundo Fr. Domingos Vieira, a que fica reduzida uma das
expressões bibianicas:
        1° – ENCYCLOPEDIA: s f. Sciencia universal.
        Logo, o trecho do teu professor deve entender-se assim:
        <<Quando na opulenta e luminosa sciencia universal de obras didacticas,
etc!>>
        Asneira no caso, não é verdade, querida?
        2° – ENCYCLOPEDIA: encadeamento de todas as sciencias.
        Segundo o teu luminoso mestre, dirão os seus discípulos (...):
        <<Quando na luminosa e opulenta encadeamento de todas as sciencias de
obras didacticas, etc!>>
        Bobage incontestavel.
        3° – ENCYCLOPEDIA: corpo didactico de todas as artes e sciencias que se
ensinam.
        Substituindo a palavra encyclopedia, ficará assim o que escreveu o teu
incommensurabilissimo professor:
        << Quando no opulento e luminoso corpo didactico de todas as artes e
sciencias DE OBRAS DIDACTICAS, etc.!>>
        Has de convir que só o teu sapientissimo professor seria capaz de fazer-te
subscrever semelhante desproposito!
        4° – ENCYCLOPEDIA: livro que contém todas as sciencias e artes que se
ensinam.
        Como quer o teu assombroso professor, teremos mais esta tolice:
        <<Quando no opulento e luminoso LIVRO que contém todas as sciencias e
artes que se ensinam, isto é, no livro de obras didacticas, etc.!>>
50




          Pois não é verdade, minha amiguinha, que Fr. Domingos Vieira diz que
encyclopedia significa OBRA que trata das sciencias, etc.?
          Ahi está, pois, a bestialidade do teu professor a entrar pelos olhos de um
cego.
          O que deves ficar sabendo é que se diz:
          <<Este livro é uma luminosa e opulenta encyclopedia!>>
          Ora, se a palavra ENCYCLOPEDIA significa obra que trata das sciencias,
etc.; livro que contem as sciencias, etc.; está patente a grande asneiras escrita pelo
teu professor.
                                               ___
          Diz mais o teu fecundo mestre:
          <<Aqui concluo, repetindo que o compendio do Sr. Hilario não presta e que
pouco se me dá que o meu seja PELO D’ELLE substituido>> e, não POR ELLE
substituido.
          Queres saber a que fica reduzida a rematada tolice do professor charlatã?
          Attende:
          <<Aqui concluo, repetindo que o compendio do Sr. Hilario não presta e que
pouco se me dá (1) que o meu (2) compendio seja por elle Hilario substituido.>>
          Mas, admittindo que seja por elle compendio, não haverá ahi um portugues
macarronico?
          Isto não admitte duvida, e só mesmo um Bibiano poderia ensinar-te taes
disparates.
                                               ___
          Quanto á phrase – tendas de conspiração, apenas deixa ver que o teu
professor já falhou um dia o diccionario de Fr. Domingos Vieira, porém que não
comprehendeu o que lá estava escripto.
          As conspirações fazem-se occultamente, e portanto nenhum conspirador se
lembraria de armar tendas...
          Tendas de guerra – é o que deveria escrever o alarve.
                                               ___
          Trataremos de outra sandice do teu ensigne professor, que disse:
          <<Um livro de ESCOLA deve avantajar se pela clareza (cousa que o Bibiano
Francisco nunca observou escrevendo e fallando), principalmente se, como o do
mestre, é destinado ás CLASSES ELEMENTARES.>>
          No entanto, tu, sempre ingenua, exclamaste:
          <<E é excelente portuguez e BELLISSIMO PENSAMENTO!>>
                                               ___
          Sobre o tal LHES, digo-te apenas:
          Recorre de novo ao jornal de teu papai e lá encontrarás – apertamo-LHES
as mãos, em referencia á familia pronominal.
          Eu não constumo mentir nem calumniar, pois não posso fazer concorrencia
ao teu professor.
          E, se teimares sobre este ponto, obrigo-me a expor em uma vitrine o numero
do Correio Mercantil em que está escripto o destampatorio bibianico.
                                               ___
          Concluo com os conselhos prometidos:
          Uma vez que teu pai, apezar de jornalista, não se lembra que para testas de
ferro são sempre escolhidos os Deus Te Livre e Zés Pereiras, conchega-te ao seio
do anjo do lar, d’essa creatura sublime que nos cérca de affectos, que sente as
nossas dores e experimenta as nossas alegrias, e foge do contacto venenoso
51




d’aquelle que está muito longe de comprehender a sagrada missão de preceptor da
infancia.
        Os máos exemplos, filha, são um perigo enorme para as crianças, e tu és
digna de um bello destino!
        Um discipulo de Janet.
        Pelotas – 1881.
                   (1)     Este se me dá tem muita graça!
                   (2)     Comeu o que? Bebeu é o que devia dize o tal Bibiano.
52




                                         ANEXO III



        Correio Mercantil, 03 de agosto de 1881.

         HÁ HOMENS PARA TUDO
         Na secção – A pedidos- do Jornal do Commercio de sabbado ultimo, o Sr.
Heraclito Camargo, director de uma das aulas publicadas d’esta cidade, apresentou
um escripto relativo á questão grammatical discutida entre os Srs. Bibiano Francisco
de Almeida e Hilario Ribeiro, no qual (escripto) o Sr. Camargo notava diversos erros
de officio em um artigo publicado pelo Sr. Bibiano de Almeida.
         Minha filha, Antonieta Dias, que aprende com o Sr. Bibiano de Almeida
differentes matérias do curso de preparatórios, lendo o escripto do Sr. Camargo e
querendo prestar homenagem de apreço ao seu distincto e illustrado professor,
manifestou-me desejos de contestar a opinião do Sr. Camargo na parte que se
referia a grammatica portugueza, em que se julga, se não autoridade ainda, porque
apenas conta 12 annos de idade e cinco de estudos, pelo menos regularmente
adiantada.
         Como se tratava de uma questão de exercícios na língua vernácula, e mais
– de uma fineza ao mestre, annui aos seus desejos, e a contestação do escripto do
Sr. Heraclito Camargo, boa ou não, foi publicada no Correio Mercantil de domingo
passado com a assignatura de minha filha.
         N’esta contestação, não havia o menos vislumbre de offensa ao Sr.
Camargo, nem podia haver, porque partia de uma menina que tem um futuro a
respeitar.
         Entretanto...
         A minha filha (admirem esta coragem!) foi chamada hontem, em letra
redonda – testa de ferro!
         Sim, n’uma publicação anonyma estampada no Jornal do Commercio com o
pseudonymo Um discípulo de Jeanet, disse-se que o Sr. Bibiano fabricára o escripto
em resposta ao Sr. Camargo e que minha filha lhe apresentara sua assignatura!
         Semelhante infâmia, se mesmo um anonymo, algum desprezível parasita
dos cofres públicos, podia articular, em letra redonda.
         Felizmente, eu podia destruil-a, reduzir á expressão mais simples, porque
nada menos de três cavalheiros distinctos e habilitados no assumpto, vindo
casualmente ao meu escriptorio com o Sr. Bibiano, viram o trabalho de minha filha
quando já estava na composição, seriam 11 horas do dia.
         Mas não o faço, porque tanto não preciso, salvo se o anonymo Jeanet, que
não é discípulo, bem o conheço, que se inculca mestre, deixar cahir a mascara e
apresentar-se tal qual é.
         Se com effeito ó um homem, um cavalheiro, que tenha um nome a zelar, e
n’este nome algum credito, se não é algum charlatão ou especulador ou
especulador, aceite o convite, deixe as trevas, venha p’ra luz, porque não só lhe
provarei que minha filha não fez o papel triste de testa de ferro, como a convidarei a
certificar-se das suas habilitações e talvez a sentar-se com ella a uma mesa de
exame em portuguez.
         Quanto ao Sr. Heraclito Camargo, lamento profundamente que se fizesse
substituir por um anonymo em questão grammatical com um menina de 12 annos, e
53




por essa maneira,que dispenso qualificar, corresponder-se á delizadeza com que foi
tratado.
         Concluindo, declaro que fica na Bibliotheca Publica, á disposição de todos, o
Correio Mercantil de 30 do passado, para provar que o Sr. Heraclito Camargo e o
anonymo seu substituto faltaram com a verdade e falsificaram um período de um
artigo do Sr. Bibiano de Almeida afim de lhe notarem um erro de grammatica.
         Agosto 2.
                                                                           A. J. Dias.

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A pioneira médica pelotense Antonieta Dias

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Ciências Humanas Curso de Licenciatura em História Trabalho de Conclusão de Curso O pioneirismo de uma médica pelotense Marcela Reinhardt de Souza Pelotas, 2010.
  • 2. 1 MARCELA REINHARDT DE SOUZA O pioneirismo de uma médica pelotense Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Federal de Pelotas como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em História. Orientador: Prof. Ms. Mario Osorio Magalhães Pelotas, 2010.
  • 3. 2 Dedico este trabalho aos meus pais. E a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para que eu chegasse aqui.
  • 4. 3 Agradecimentos Agradeço a todas as pessoas que sempre estiveram ao meu lado, me auxiliando, aconselhando e deixando a vida mais leve. Agradeço em primeiro lugar aos meus pais e à minha irmã, que sempre se esforçaram para que eu pudesse estudar e ser quem eu sou. Não há palavras para expressar a felicidade que sinto em partilhar com eles este momento tão feliz da minha vida. Se hoje eu sei amar, foi com eles que aprendi. Ao meu pai, por sempre pensar em me ajudar e estar sempre ao meu lado, nos momentos mais difíceis, desde que eu nasci. E à minha mãe, pela preocupação e anos de dedicação. Amo vocês! Obrigada aos amigos que a faculdade me trouxe, amigos que para sempre quero ter ao meu lado. Essas são pessoas que de simples colegas de faculdade se tornaram grandes amigos! Ao Cristiano, que tem a loucura exata para caber na minha loucura, amigo para todas as horas, minutos e segundos. À Luciana, amiga inesquecível desde os primeiros dias de faculdade, fundamental para viver todas as coisas boas que vivi nestes cinco anos. A faculdade não teria sido a mesma sem vocês que farão falta no meu dia-a-dia! Também são importantes para mim aqueles que foram mais que colegas de trabalho durante meu estágio no Museu da Baronesa e os outros amigos que fiz na faculdade, Dimítrius, Rafael, Giovana, Alberto e Nádia, que também me ajudou muito durante a minha graduação, desde o empréstimo de fichamentos ao auxílio na pesquisa do TCC. Nunca esquecerei vocês! Às minhas poucas e valiosas amigas que trouxe do Assis Brasil e aos meus amigos que por circunstâncias da vida acabaram ficando no passado, mas que jamais esqueci.
  • 5. 4 Ao meu namorado, Romaneli, que esteve sempre por perto me dando carinho, atenção e amor, tendo paciência para me ouvir e sendo meu companheiro em qualquer jornada. Não é à toa que eu te amo. Obrigada ao meu orientador, professor Mario Osorio Magalhães, que sempre esteve disposto a me ajudar, respondendo minha centena de e-mails e me auxiliando em todas as etapas da minha pesquisa com a maior disposição. Sua orientação foi essencial! Aos professores que tive na graduação, alguns dos quais eu sempre irei lembrar com carinho pelas aulas ministradas, como por exemplo, Beatriz, Lorena, Pezat, e outros. Ao Sr. Carlos Duarte, Sra. Cláudia Morpurgo e Sra. Maria Morpurgo, por terem colaborado com suas memórias; à Karina Lopes, do Museu de Medicina do RS, que me atendeu com muita gentileza, e à Sra. Anamaria Nunes, por ter colaborado imensamente com o material que tinha sobre a Dra. Antonieta. Por fim, agradeço a toda a minha família e tenho que pedir desculpas pela correria do dia-a-dia me deixar ausente e agradecer pelo apoio, amor e compreensão. Saibam que, mesmo distante, sempre tenho vocês no meu coração.
  • 6. 5 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Antonieta Dias ......................................................................................... 40 Figura 2 – Antonieta Dias em foto de 1889 .............................................................. 40 Figura 3 – Tese defendida por Antonieta Cesar Dias em 1889 ............................... 41 Figura 4 – Anuncio publicado no Correio Mercantil em 1890 .................................. 41 Figura 5 – Engenheiro Eduardo Morpurgo, esposo da Dra. Antonieta .................... 42 Figura 6 – Eduardo Morpurgo, Admar Morpurgo e Antonieta Morpurgo .................. 42 Figura 7 – Dra. Antonieta Dias Morpurgo ................................................................. 43 Figura 8 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909..... 43 Figura 9 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909 .... 44 Figura 10 – Dr. Admar Morpurgo e Thereza Jesus Maria Vieira Ferreira ................ 44
  • 7. 6 Sumário Lista de Figuras ........................................................................................................ 5 Introdução ................................................................................................................. 7 1. Uma Jovem Precursora ....................................................................................... 9 2. Dra. Antonieta Dias Morpurgo .......................................................................... 25 Conclusão ............................................................................................................... 35 Referências Bibliográficas .................................................................................... 36 Fontes Primárias .................................................................................................... 38 Figuras .................................................................................................................... 39 Anexos .................................................................................................................... 45
  • 8. 7 Introdução Realizar uma pesquisa nem sempre é tarefa fácil. Encontrar dados disponíveis em estados brasileiros diferentes se apresenta como uma grande dificuldade. Mas mesmo assim aceitei o desafio de escrever um esboço de uma biografia a respeito da terceira médica formada no Brasil, a Dra. Antonieta Dias Morpurgo. Foi por acaso que cheguei aos jornais que demonstram a participação da futura médica, quando tinha 12 anos, em uma discussão pública entre dois professores na imprensa pelotense. A partir daí fui encontrando mais dados sobre ela, sobre sua formatura, recepção em Pelotas, até que descobri sua forte atuação enquanto médica no Rio de Janeiro. Meus objetivos são os de preservação da memória de uma mulher que além de ter sido uma das primeiras médicas formadas no Brasil, foi uma das médicas pioneiras em diversas pesquisas, sempre atuando em seu consultório e hospitais. É o que veremos ao longo do trabalho. Até então ela não havia sido tema principal de uma pesquisa como esta, voltada para seu histórico, sua atuação e conquistas, trazendo novos dados a respeito de sua vocação para a área médica. A partir dos jornais comecei a investigação, buscando confirmar dados em algumas datas já encontradas e buscando qualquer notícia ou citação sobre a Dra. Antonieta. Depois busquei livros e teses que citavam em algum ponto o seu nome, e por fim, através de uma busca na internet, descobri telefones de familiares da Dra. Antonieta que foram fundamentais para revelar algumas informações sobre ela. Assim, dividi o trabalho em dois capítulos. No primeiro, são relatados dados sobre os estudos e a formação da jovem Antonieta Cesar Dias. E no segundo dediquei-me a escrever sobre a médica, Dra. Antonieta Dias Morpurgo, que foi para
  • 9. 8 o Rio de Janeiro exercer sua profissão e mesmo depois de casada permaneceu estudando e desenvolvendo trabalhos na Medicina. Este é um estudo a respeito da Dra. Antonieta Dias, sem a intenção de ser uma biografia completa, até mesmo pelas dificuldades de pesquisa. Mas com a pretensão de ser a pesquisa mais completa possível, com dados novos, sobre esta mulher que marcou com sua presença feminina a história brasileira. Para mim é um orgulho poder escrever este trabalho. Espero que se torne fonte de referência sobre o tema.
  • 10. 9 1. Uma jovem precursora Natural de Pelotas, filha de Cesária Marques Dias e do português Antonio Joaquim Dias, proprietário e redator do jornal Correio Mercantil, Antonieta Cesar Dias iniciou seus estudos na cidade natal, cursou os preparatórios em Porto Alegre e no ano de 1884 matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Defendeu sua tese, na área de obstetrícia, em 30 de agosto de 1889; no ano seguinte à formatura, começou a atuar profissionalmente em Pelotas, transferindo- se pouco depois para Rio de Janeiro, que recentemente havia se transformado de capital do Império em capital da República brasileira. Neste capítulo abordaremos aspectos, na sua maioria inéditos, da trajetória da jovem Antonieta, desde o nascimento até à formatura. Antonieta era neta paterna de José Maria Dias e de Benta Maria Gonçalves; e neta materna de João José Cesar e de Maria Joaquina Marques1. Era afilhada de batismo de Fernando Luís Osorio, filho e biógrafo do general Osorio, e de sua esposa Ernestina de Assumpção Osorio, filha do Barão de Jarau, próspero charqueador de Pelotas (Estado do Sul apud Correio Mercantil, 16 de janeiro de 1890). Embora se trate da terceira mulher, na ordem cronológica, que se formou em Medicina no Brasil, existem muito poucas informações a respeito da sua vida. Nesta pesquisa, enveredamos por diversos caminhos a fim de chegar a um resultado mais ou menos satisfatório. Além da investigação em jornais da época, foi necessário contar com o auxílio e a memória de algumas pessoas que tiveram alguma ligação com a própria Antonieta ou com os seus familiares, pessoas com as quais 1 Segundo dados fornecidos por Anamaria Nunes Vieira Ferreira. Ela é responsável pela pesquisa da árvore genealógica da família Nunes Vieira Ferreira.
  • 11. 10 conseguimos contato por meio da internet. Foi buscando todo o tipo de rastros deixados por ela que conseguimos montar o quebra-cabeças e formular um estudo sobre a história da sua vida. Toda a pesquisa tem as suas dificuldades, mas neste caso houve ainda um agravante: a circunstância de dividir-se a sua trajetória em pelo menos dois espaços, Pelotas e Rio de Janeiro. Os obstáculos começaram quando tentamos localizar a data correta do nascimento de Antonieta. No livro de Alberto Silva, A Primeira Médica do Brasil, consta: “Dra. Antonieta César Dias, nascida em Pelotas, no Rio Grande do Sul, ali pelo ano de 1869.” (SILVA, 1954, p.59). Em artigo do jornal Correio Mercantil, de 3 de agosto de 1881, seu pai, Antonio Joaquim Dias, a respeito da filha afirma que “apenas conta 12 annos de idade”. Contrariando os dados acima, o jornal carioca Rua do Ouvidor, de 17 de agosto de 1901, registra: “A doutora Antonietta Dias Morpurgo nasceu na cidade do Rio Grande, na então Província do Rio Grande do Sul, em 12 de janeiro de 1868...”. Além de se equivocar com relação à sua cidade natal e à grafia do nome, já que nela nunca o escreveu com “t” duplo, parece que também há erro no que se refere ao ano de nascimento. Se tivesse nascido em 12 de janeiro de 1868 não teria 12 anos, como afirmou seu pai, em 3 de agosto de 1881: já teria completado 13 anos. Levantamos a hipótese de que o nascimento teria se verificado em 12 de janeiro, como diz o jornal, mas de 1869, como sugere o biógrafo de Rita Lobato. Claro, nada melhor, para desfazer a dúvida, do que recorrer ao Bispado de Pelotas e conseguir uma cópia da certidão de nascimento. No bispado de Pelotas, feito o pedido de análise para o ano de 1869, não aparece nenhum registro, naquele ano, de uma recém- nascida com o nome de Antonieta. O arquivo desta instituição é guardado por apenas uma pessoa, o que significa que, se esta sai de férias ou precisa por algum motivo se afastar do trabalho, não há quem a substitua, e este foi o problema encontrado nesta pesquisa. Ao retornar ao arquivo para fazer o pedido de verificação para o ano de 1868, a funcionária já estava de férias e só retornaria em fevereiro, quando este trabalho já estaria entregue. O pai de Antonieta, Antonio Joaquim Dias, nasceu em 1844 na província de Trás os Montes, no reino de Portugal. Chegou ao Rio de Janeiro com 13 anos e, não se habituando à cidade, mudou-se para Rio Grande. Em 1869, transferiu residência
  • 12. 11 para a cidade de Pelotas, fundando em 1° de janeiro 1875 o jornal diário Correio Mercantil. Neste jornal, em 10 de março de 1892, dois dias após sua morte, foi publicada uma curta biografia do jornalista. Em seguida, aparece a constatação: “São muito defficientes os dados biographicos que possuimos sobre a vida do nosso finado chefe, que pouco fallava de si, quer na intimidade, quer em publico.” Além de ser jornalista combativo e polêmico, Antonio Joaquim Dias deixou seu nome ligado a dois empreendimentos institucionais: a fundação da Bibliotheca Pública Pelotense, no mesmo ano de 1875; e do Asilo de Mendigos de Pelotas, em 1887. Teve dois filhos, Antonieta Cesar Dias e Cesar Dias. Antonieta desde a infância mostrou-se atenta aos estudos. Neste sentido foi motivo de permanente orgulho para o seu pai, que a defendia sempre. No ano de 1879, frequentava a escola São Francisco de Paula, de Carlos André Laquintinie e Benjamim Amarante, estudando para os preparatórios, exames prestados todos os anos, no mês de dezembro, em Porto Alegre. No ano de 1881 foi aluna do professor Bibiano de Almeida, do qual trataremos adiante. Em 1881, quando, supõe-se, Antonieta contava 12 anos, envolveu-se em uma discussão gramatical entre os conhecidos professores Bibiano Francisco de Almeida e Hilário Ribeiro, publicada em dois jornais da cidade. Hilário Ribeiro escrevia para o Jornal do Comércio, de propriedade de Artur Lara Ulrich, e Bibiano de Almeida escrevia para o Correio Mercantil, ambos se agredindo em alguns momentos e discutindo a respeito de livros didáticos e de métodos de ensino. Hilário Ribeiro nasceu em 1847 em Porto Alegre e acabou por se dedicar ao magistério após tentativas frustradas de ingressar numa faculdade de Medicina. Também escreveu poesias e a peças teatrais, até se concentrar na produção de trabalhos didáticos — cartilhas, livros de geografia, leitura e gramática. Foi um dos fundadores do Partenon Literário, associação que reunia a nata da intelectualidade rio-grandense. Bibiano Francisco de Almeida era dedicado integralmente à profissão do magistério, mas antes disso chegou a frequentar um Seminário, abandonando-o por lhe faltar vocação para o sacerdócio. Nasceu em Belém, no ano de 1838, e quando veio para Pelotas, nesse ano de 1881, fundou um
  • 13. 12 colégio, conhecido como Colégio Bibiano, juntamente com o filósofo João Affonso. Ao mudar-se para Rio Grande, permaneceu lecionando, porém através de aulas particulares. Escreveu notáveis obras pedagógicas, como por exemplo, Compendio de Grammatica Portugueza. As discussões entre os dois estudiosos de gramática prolongaram-se por mais de um mês, de forma pública, nos jornais mencionados. Hilário Ribeiro citava frases e publicações de Bibiano, deixando suas críticas abaixo e indicando melhores métodos para lidar com os alunos; dizia que Bibiano usava técnicas superadas, fazendo com que os alunos apenas decorassem os conteúdos. Bibiano respondia em sua defesa, muitas vezes em tom agressivo, como podemos perceber em seu artigo publicado no Correio Mercantil de 31 de julho de 1881: Não é para discutir com o Sr. Hilário Ribeiro que volto a esta questão, pois que o Sr. Hilário é privado da aptidão necessária para argumentar com raciocinios mais ou menos respeitaveis em materia grammatical. Escrevo para o público illustrado e sensato da cidade de Pelotas. (Correio Mercantil, 31 de julho de 1881) A agressividade também dominava as intervenções de Hilário, visível em frases como “em destroços põe o Sr. Bibiano a lingua de Camões!”, publicada no Jornal do Comércio de 2 de agosto de 1881. Nesse mesmo dia, Hilário relembra outra desavença ocorrida entre os dois: “Quem, no Rio-Grandense de 16 de abril de 1868, escreveu aquelle artigo, que mereceu a condenação geral? Não foi o Sr. Bibiano Francisco de Almeida?”. E prossegue transcrevendo matéria veiculada pelo Jornal do Comércio de Porto Alegre, em 24 de maio de 1868: Ao público. No Rio-Grandense de 16 de abril ultimo, fui injuriado pelo professor publico Bibiano Francisco de Almeida por haver este jornal noticiado que de seu quintal atiraram foguetes quando sahia o vapor que conduzia o Sr. Dr. Homem de Mello. Não respondo, porque não sei escrever em semelhante linguagem; a offensa, porem, precisava de uma reparação e essa fui buscal-a na lei que pune os abusos de liberdade de imprensa. (Jornal do Comércio, 02 de agosto de 1881) Hilário Ribeiro chama Bibiano de Almeida de “o mais chulo dos prosadores”, no Jornal do Comércio de 17 de julho de 1881. Os artigos de Bibiano intitulavam-se “Questão Grammatical” e visavam responder aos ataques de Hilário, além de criticar o colega e divulgar seu próprio trabalho, tentando mostrar aos pelotenses que suas fórmulas de ensino eram as mais atualizadas e úteis.
  • 14. 13 Os debates eram acalorados, e outras pessoas acabaram por se envolver, defendendo ora um lado, ora outro. Um exemplo é o professor Heráclito Camargo, que publicou críticas ao trabalho de Bibiano no Jornal do Comércio em 1881. Bibiano de Almeida não costumava deixar as críticas sem resposta, e no Correio Mercantil de 29 de julho de 1881 disse a Heráclito que estava muito ocupado pensando nas aulas que lecionava, na cópia de um circular que fazia e nos estudos referentes à Lagoa dos Patos para responder-lhe, mas deu-lhe o conselho de não se meter “em questões alheias, principalmente n’aquellas em que o amiguinho vê como cégo.” No dia 31 de julho de 1881, a jovem Antonieta Dias se envolveu na discussão, publicando um artigo no jornal de seu pai, o Correio Mercantil, para defender o seu professor Bibiano de Almeida e manifestar que o errado era o Sr. Heráclito Camargo, ao criticar uma afirmação, segundo ela correta, de Bibiano. O artigo assinado por Antonieta Dias contém um amplo comentário a respeito das correções feitas no artigo de Heráclito e a das próprias frases escritas por este. Com respeito, a jovem explica nas primeiras linhas: Ilm. Sr. Heráclito Camargo, Tendo V.S. no jornal de hoje, notado alguns erros em diversos trechos de um artigo escripto por meu distincto e illustrado professor, o Sr. Bibiano Francisco de Almeida, erros esses, uns grammaticaes, outros de lingüística, com os quais eu não concordo, peço-lhe permissão para analysar, como entendo, os mesmos trechos, afim de demonstrar, que em minha fraca opinião, é V.S. quem está em erro. (Correio Mercantil, 31 de julho de 1881) De forma extensa, Antonieta cita as frases que, segundo ela defende, foram colocadas de forma errada por Heráclito, e demonstra profundo conhecimento gramatical, analisando as orações de Bibiano criticadas por Camargo, dizendo estarem corretas e colocando em análise os sujeitos dos períodos, citando verbetes de dicionário, sinônimos, correções de cópias feitas erroneamente de frases de Bibiano por Heráclito... Tudo para provar que seu professor, Bibiano, na verdade estava sendo vítima de um ataque pessoal e intelectualmente desnecessário. O artigo completo está transcrito no anexo I, ao fim do trabalho.
  • 15. 14 Esse artigo demonstra coragem e ousadia, não só por parte de Antonieta, ao se expor com tão pouca idade em um assunto de discussão pública, entre homens, mas também por parte de seu pai, permitindo que ela participasse dessa discussão. Além de ser do sexo feminino, a cujo universo muita coisa era vetada, ainda na segunda metade do século XIX, era uma estudante de apenas 12 anos discutindo gramática com professores consagrados, autores de livros didáticos. Mas é importante lembrar que ela não usou de ataques ofensivos para com o Sr. Camargo, ateve-se apenas a discussões gramaticais. Certamente, o artigo assinado por Antonieta Dias causou repercussão. Obteve, dois dias depois, em 2 de agosto de 1881, uma resposta publicada no Jornal do Comércio, mas por pessoa de menor coragem, já que o artigo foi assinado como “um discípulo de Janet”, ou seja, por um anônimo. Logo nas primeiras linhas, percebe-se o tom agressivo com que o anônimo se refere a Antonieta: Gentil menina, Ora, para que te metteste em camiza de onze varas, - tu, uma menina que, bem encaminhada, pódes apparecer com alguma distincção entre o teu sexo! É verdade que a culpa não é tua, meu amor, porque teu pai tem tão pouco juizo que não duvidou confiar o desenvolvimento de tua mentalidade infantil ao ex-professor publico Bibiano Francisco de Almeida, mas, apesar, d’isso, reveste-se de paciência para ouvires algumas lições. E que isto sirva-te de exemplo, para não te metteres outra vez em assumpto alheio aos enfeites das tuas bonecas. (Jornal do Comércio, 2 de agosto de 1881) O anônimo prossegue, acusando Antonieta de não ser a autêntica redatora do artigo, apenas publicado com seu nome. Afirma: “Abordo sem mais preambulos o que escreveu o teu encyclopedico professor no jornal de teu pai e que tu inconscientemente assignaste.” No final, continuam os conselhos: Uma vez que teu pai, apezar de jornalista, não se lembra que para testas de ferro são sempre escolhidos os Deus Te Livre e Zés Pereiras, conchega-te ao seio do anjo do lar, d’essa creatura sublime que nos cérca de affectos, que sente as nossas dôres e experimenta as nossas alegrias, e foge do fogo do contacto venenoso d’aquelle que está muito longe de comprehender a sagrada missão de preceptor da infancia... (Jornal do Comércio, 2 de agosto de 1881)
  • 16. 15 No Correio Mercantil do dia seguinte, 3 de agosto de 1881, Antonio Joaquim Dias, não deixando passar sem resposta essa ofensa à sua filha e a si mesmo, publicou um artigo, assinado, com o título de “Há homens para tudo”. Neste artigo, Dias entra em defesa da filha, dizendo que ela queria “prestar homenagem de apreço ao seu distincto e illustrado professor” e que, tratando-se “de uma questão de exercicios na lingua vernacula, e mais – de uma fineza ao mestre”, ele não viu problemas em permitir que a mesma escrevesse o texto. Afirma que sua filha não teve a intenção de ofender o Sr. Camargo, mas que mesmo assim foi chamada publicamente de “testa de ferro” em uma publicação anônima. Ofendido, Antonio Joaquim Dias parte para o ataque e chama o anônimo de “parasita dos cofres publicos”. Afirma ter três testemunhas, além de Bibiano, que haviam comparecido, coincidentemente, ao seu escritório no momento em que Antonieta elaborava o Convida o anônimo, se este “não for charlatão”, “a certificar-se das suas habilitações e talvez a sentar-se com ella a uma mesa de exames em portuguez”. Concluindo, afirma que o Sr. Heráclito e o anônimo “faltaram com a verdade e falsificaram um periodo de um artigo do Sr. Bibiano de Almeida afim de lhe notarem um erro de grammatica. Há homens para tudo.” Se o texto foi ou não produzido autenticamente por Antonieta Dias não há como saber. De todo o modo, um artigo de jornal assinado por uma menina de 12 anos não era comum no período, e só foi possível para Antonieta em função de ela ser filha do diretor do jornal e de seu pai ser um cidadão esclarecido e polêmico. *** No século XIX, no Brasil, quase tudo era vedado às mulheres. Uma das restrições era o ingresso em cursos de ensino superior. Esta realidade só foi modificada no ano de 1879. Através da Reforma Leôncio de Carvalho, passou-se a permitir a matrícula feminina nas faculdades nacionais. Também conhecida como “Reforma do Ensino Livre”, foi transformada em lei pelo Decreto 7.247, de 19 de abril de 1879. As mudanças que essa determinação trouxe iam desde ações no ensino primário até ações no ensino superior, como por exemplo, as que tornavam possível a colação de grau de acatólicos sem a obrigação de fazer exame de direito eclesiástico; a permissão de que o juramento durante a
  • 17. 16 colação de grau fosse de acordo com a religião do aluno; e a referida matrícula de mulheres em cursos e faculdades, a liberação para estudarem no mesmo espaço conferido aos homens e a consequente obtenção do título acadêmico. Segundo Antonietta Nunes, em artigo publicado na Revista Gestão em Ação, de Salvador (1999), as idéias de Leôncio de Carvalho eram muito avançadas para o período e não foram totalmente implantadas. No ano de 1881, logo após a aprovação da Reforma, algumas mulheres se matricularam na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, como Ambrosina Magalhães e Augusta Castelões Fernandes, mas não concluíram o curso. Ambrosina acabou assumindo sua vocação poética e de Augusta não foi possível encontrar maiores dados. Em 1883, Elisa Borges Ribeiro também se matriculou nessa faculdade. Elizabeth Rago, em artigo intitulado “A ruptura do mundo masculino da medicina: médicas brasileiras no século XIX”, publicado no ano 2000 em Cadernos de Pagu, revista que faz estudo de gêneros, retraça um histórico das mulheres que se dedicaram aos cursos médicos no Brasil durante o século XIX, e é interessante percebermos a sua análise nesse parágrafo da página 204: “Em meados do século XIX, a oposição às mulheres que optavam pela medicina era muito maior do que aquela feita em relação às profissões de menos prestígio, como a enfermagem e o magistério.” (RAGO, 2000, p.204). Professoras no século XIX já existiam no Brasil, mas mulheres ligadas à Medicina eram normalmente enfermeiras ou parteiras, não existindo médicas formadas em escolas de nível superior até 1881, quando Maria Augusta Generoso Estrela recebeu o diploma de médica pela universidade norte- americana New York Medical College and Hospital for Women. (SILVA, 1954, p. 35- 36). No ano de 1884, três jovens rio-grandenses se matricularam na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro: Rita Lobato Velho Lopes, Ermelinda Lopes de Vasconcellos e Antonieta Cesar Dias. Rita Lobato transferiu sua matrícula para a Faculdade de Medicina da Bahia em 1885, onde concluiu o curso no ano de 1887, conquistando o título de primeira médica formada em uma faculdade no Brasil, como vemos comprovado no já citado livro de Alberto Silva. Ermelinda Lopes recebeu o
  • 18. 17 título de segunda médica formada no Brasil em 1888, sendo a primeira a se formar na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A tese de doutoramento de Rita Lobato tem o título Paralelo entre os Métodos Preconizados na Operação Cezariana, e a tese de Ermelinda Lopes possui o nome de Formas Clínicas das Meningites nas Crianças – Diagnostico Diferencial. (SILVA, 1945, p.76-77). Sobre a matrícula de Antonieta Dias, diz uma matéria de capa no jornal Correio Mercantil de 22 de março de 1884 que ela já estava matriculada no curso de Medicina. Só que, para ela, que tinha apenas 15 anos2 — a idade mínima era 18 — não fora fácil conseguir autorização para se matricular na Faculdade: fez-se necessária uma licença especial do Congresso, obtida através do deputado Eleutério de Camargo (conforme Mario Osorio Magalhães em Opulência e Cultura, livro publicado em 1993). Seu pai, Antonio Joaquim Dias, teria feito todos os esforços para conseguir essa licença. No livro de Alberto Silva é levantada a hipótese de grande concorrência entre Rita Lobato e Antonieta Dias para conseguir o título de primeira médica do Brasil, e esta concorrência seria estimulada por seus respectivos pais (o e Rita chamava-se Francisco Lobato, e era charqueador em Pelotas) desde 1879, com a aprovação da reforma, ou seja, cinco anos antes das alunas se matricularem no curso. As duas futuras médicas haviam sido colegas na escola dos professores Carlos André Laquintinie e Benjamim Amarante. Segundo Silva, Os professores Laquintinie e Amarante receberam certa feita a seguinte ameaça do Sr. Antonio Joaquim Dias, escritor e jornalista pelotense, pai da aluna Antonieta Cesar Dias: ou eles dificultavam o estudo da aluna Rita Lobato ou ele Antonio Joaquim Dias, desmoralizaria o seu colégio pelo ‘Correio Mercantil’. Pretendia dar tempo à filha de galgar a dianteira da colega e matricular-se primeiro na Faculdade de Medicina do Rio. Tal, porém, não se deu porque Francisco Lopes transferiu a filha para Porto Alegre onde concluiu logo o curso. (SILVA, 1945, p. 88). No entanto, o autor não mostra nenhuma prova documental do que afirma. Magalhães acredita que as informações sobre o episódio sejam da própria Rita Lobato. (MAGALHÃES, 1993, p.234). O livro escrito por Silva se utilizou das 2 Conforme cita Alberto Silva a respeito de Antonieta: “Era, entretanto, a mais moça das três, pois nascida em 1869, contava apenas 15 anos de idade ao iniciar o curso médico.” (SILVA, 1954, p.60)
  • 19. 18 memórias de Rita, ainda viva durante a produção da obra. Muitos dados expostos no livro provém de informações fornecidas pela própria médica. A justificativa usada pelo autor para a produção do livro foi de conceder o título de primeira médica formada em uma faculdade brasileira a Rita Lobato, pois conforme encontramos em Barros Vidal, no livro Precursoras Brasileiras, de 1952, Ermelinda Lopes era considerada dona deste título. É importante perceber que todas estas primeiras médicas do Brasil enfrentaram os preconceitos de sua sociedade e, como conclui Rago, essas mulheres (...) exerceram um papel histórico revolucionário se considerarmos que elas reverteram as pressões sociais ampliando o espaço público destinado às mulheres, demonstrando coragem, capacidade intelectual e se afirmando cada vez mais no campo através da competência. (RAGO, 2000, p.224) Do pouco que sabemos, com precisão, em relação aos anos de faculdade de Antonieta, é seguro afirmar que sua mãe, Cesária Dias era quem a acompanhava, de início, na capital federal, mas só até que o final do ano de 1886, quando veio a falecer. As dificuldades de pesquisa não nos permitiram saber as causas da morte de Cesária. De acordo com matéria publicada no Correio Mercantil de 10 de janeiro de 1890, o pai de Antonieta passou a acompanhá-la no Rio de Janeiro, para que pudesse concluir o curso médico, após a morte de sua mãe. Nessa mesma edição do jornal há uma relação de nomes de alguns professores que Antonieta teve durante o curso: “(...) excelentes mestres como Feijó, Erico Coelho, Brandão e Mme. Durocher.” (Correio Mercantil, 10 de janeiro de 1890, apud Correio Paulistano, 24 de dezembro de 1889). Enquanto a mãe de Antonieta viveu com ela no Rio de Janeiro, escrevia cartas ao esposo que ficara em Pelotas. Em uma dessas cartas, redigida em 25 de outubro de 1885, diz D. Cesária sobre a filha: Antonieta está muito animada para os exames, talvez no dia 6 ou 7 de novembro, entre em fogo, tenha esperança que se sahirá muito bem, todos acham-na bem preparada. Tem trabalhado muito, por que as materias deste anno são mui difficeis, o seu maior desejo é passar para o 3º anno e como tal regressar a Província para mostrar que a mulher tambem tem capacidade, para estudar, e tornar-se util a sua Patria e a
  • 20. 19 humanidade. (Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS). No Correio Mercantil de 29 de abril de 1886, a leitora (e escritora) Luiza Cavalcanti Filha publica um artigo citando nomes de mulheres que estavam se dedicando aos estudos neste período: Julieta Monteiro, Revocata de Mello, Cândida Fortes, Cândida Isolina de Abreu, Honorina Torres – almas plenas de enthusiasmo e sensibilidade – Antonieta Cezar Dias – inspirada criança, que permuta as blandícias do lar pelo banco acadêmico, as magas ilusões da juventude pelo livro árduo da sciencia. (FILHA, Luiza Cavalcanti. Correio Mercantil, Pelotas, 29 de abril de 1886. In: GONÇALVES e PERES, 2007, p.10.) Em 1887, enquanto Rita Lobato conquistava o título de primeira médica formada no Brasil, o jornal A Ventarola, de 11 de dezembro, publicava na capa um retrato de Antonieta Dias. (Fig. 1) E na página dois do jornal inseria uma matéria a respeito da jovem, destacando seus méritos de estudante desde a infância e lembrando ao público que a moça fora aprovada em todas as matérias do 4° ano do curso de Medicina. Em companhia do pai, neste momento de férias Antonieta se encontrava em Pelotas para repousar. Antonieta Cezar Dias Ornamenta-se hoje a primeira página da Ventarola com o retrato da jovem pelotense Antonieta Cezar Dias. Mostrando-se intelligentissima desde criança, educada com todo esmero por seu progenitor e instruida por hábeis professores, conseguiu Antonieta Dias concluir os estudos preparatorios, matriculando-se, com apenas quinze annos, na Academia de Medicina da côrte. Acaba de ser plenamente approvada em todas as materias que constituem o 4° anno medico. (A Ventarola, 11 de dezembro de 1887) É possível perceber que o ano de 1889 foi muito significativo para a vida de Antonieta (Fig. 2), justamente por ter sido o ano de sua conclusão de curso, de sua formatura, e o ano de produção de sua tese, que a permitiu ser a terceira médica formada no Brasil. Certamente uma vitória também conquistada por seu pai, com o maior zelo possível. Os jornais rio-grandenses e fluminenses noticiaram amplamente o ocorrido, desde a entrega da tese até sua aprovação e formatura.
  • 21. 20 A tese foi levada a vários jornais do Brasil por Antonieta, na companhia do pai. Após receberem cópias, os jornais publicaram agradecimentos pelo presente e parabenizaram a nova médica. As congratulações publicadas nos vários jornais se estendem ao pai de Antonieta, citado na maioria das vezes junto ao nome de seu jornal, Correio Mercantil. Em 30 de agosto de 1889, Antonieta apresentou sua tese à Faculdade. O trabalho recebeu o título de Hemorrhagias Puerperais, elaborada com o objetivo de obtenção do título de Doutor em Medicina. (Fig. 3) Antes da apresentação da tese, para que aprovasse todas as cadeiras finais do curso, foi necessário que realizasse exames nas cadeiras de Toxicologia, Medicina Legal e Higiene. (Correio Mercantil, 24 de dezembro de 1889). O tema das hemorragias puerperais foi estudado por Antonieta na cadeira de Partos e Ginecologia. Hemorragia puerperal é uma perda superior a meio litro de sangue durante ou após o momento de expulsão da placenta. (http://www.msd- brazil.com/msd43/m_manual/mm_sec22_250.htm Disponível em 15 de janeiro de 2010). O desenvolvimento da tese, de 71 páginas, foi realizado em três capítulos, intitulando-se o primeiro Metrorrhagias dos seis primeiros mezes da prenhez; o segundo, Metrorrhagias dos três últimos mezes da prenhez e o último Metrorrhagias que complicam o delivramento. No corpo da tese, ainda, foi feito o histórico da enfermidade, a explicação das causas da moléstia, citações, análise de opiniões e casos para esclarecimento. (O Paiz, do Rio de Janeiro, apud Correio Mercantil, 4 de janeiro de 1890) Em 10 de setembro de 1889, o Correio Mercantil noticiou na capa a entrega da tese por parte de Antonieta: Antonieta Dias – A jovem rio-grandense D. Antonieta Cesar Dias, filha do proprietario d’esta folha, ja apresentou sua these de doutoramento á faculdade de medicina do Rio de Janeiro. Escreveu sobre – Hemorrhagias Puerperaes –, ponto importantissimo e essencialmente pratico na especialidade a que se dedica – partos e ginecologia. (Correio Mercantil, 10 de setembro de 1889)
  • 22. 21 Após três meses, no dia 17 de dezembro de 1889, foi publicada pela primeira vez em Pelotas a notícia de que Antonieta já havia sido aprovada em seu curso de Medicina. O Correio Mercantil, quase que diariamente, passou a transcrever notícias publicadas em outros jornais a respeito do assunto e manter o público pelotense informado da grande conquista de Antonieta Dias. Mas os jornais do período são conflitantes com relação à data precisa de defesa e aprovação da tese. No Correio Mercantil do dia 17 de dezembro de 1889, afirma-se que o telegrama de aviso da aprovação da tese da de Antonieta datava do dia 12 de dezembro. No jornal Onze de Junho, também de circulação local, consta que “no dia 12 do corrente defendeu these perante a Faculdade de Medicina do Rio, sendo plenamente approvada, a distincta estudante pelotense Exma. Sra. D. Antonieta C. Dias...” (Onze de Junho, 19 de dezembro de 1889). Por sua vez, porém, o jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, afirma que “Defendeu these hontem (11) perante a respectiva comissão da faculdade de medicina, a jovem doutoranda D. Antonieta Dias. (...) A sua defesa de these, que mereceu approvação plena, foi uma revelação (...).” (O Paiz, 12 de dezembro de 1889 apud Correio Mercantil, 21 de dezembro de 1889). É provável que o jornal Onze de Junho tenha se confundido entre a data da aprovação e a data do recebimento em Pelotas do telegrama que confirmava a aprovação. Sua defesa foi realizada certamente dia 11, pois no dia 12 o jornal carioca já dava notícia do acontecimento. A colação de grau da jovem médica foi realizada no Rio de Janeiro em 22 de dezembro de 1889. Com previsão de oito dias depois da cerimônia de colação de grau, seria expedido a ela o título científico. (Correio Mercantil, 21 de dezembro de 1889). A respeito de sua formatura foi publicada a seguinte matéria: Por telegramma, sabemos que ante-hontem, com as formalidades do estylo, recebeu o gráo de doutora em medicina pela faculdade do Rio de Janeiro, a nossa talentosa comprovinciana Sra. D. Antonieta Cezar Dias, filha do proprietário e diretor d’esta folha. (...) De coração enviamos, tanto á illustre doutora como ao nosso amigo e collega os nossos sinceros parabens. (...) (Correio Mercantil, 24 de dezembro de 1889).
  • 23. 22 No dia 31 de dezembro de 1889, chegou a Pelotas a Dra. Antonieta Dias, acompanhada do pai e do irmão. Seu irmão, Cesar Dias, no momento estava no 2° ano do curso de Direito da academia de São Paulo. No jornal Correio Mercantil do dia seguinte foi publicado este texto: “Por muitas distinctas familias e cavalheiros foi hontem recebida na estação da estrada de ferro e acompanhada até a residência a jovem doutora Antonieta Dias.” (Correio Mercantil, 1º de janeiro de 1890). Primeiro chegaram a Rio Grande, onde jornalistas do Echo do Sul ofereceram-lhes um almoço. Após a chegada em Pelotas, foi proporcionado à família um jantar no Hotel Aliança, onde muitas pessoas da sociedade pelotense estiveram presentes. O jantar foi oferecido pelo Sr. Fernando Negreira e se estendeu até à madrugada com danças. As comemorações seguiram-se dia 1º de janeiro de 1890, quando seu padrinho Fernando Osorio e sua esposa abriram sua casa para recepcionar e festejar a conquista da Dra. Antonieta. Nesta casa, situada na Rua Quinze, defronte à Catedral do Redentor, também “houve dança e banquete, sendo n’este enthusiasticamente saudada a talentosa rio-grandense.” (Estado do Sul apud Correio Mercantil, 16 de janeiro de 1890). No jornal Vida Fluminense foi publicado um retrato da Dra. Antonieta, segundo transcrição do Correio Mercantil de 10 de janeiro de 1890. Além da imagem, há uma matéria de congratulação à doutora por ter combatido os preconceitos de seus contemporâneos. Vemos o quanto foi lisonjeiro para ela haver conquistado este título, que lhe trouxe dignas homenagens de vários periódicos e uma excelente recepção em sua cidade natal. *** Após todos os esforços do pai para que a filha conquistasse a vitória da formatura, o próximo passo foi divulgar a tese e o título da agora Dra. Antonieta Dias em todos os jornais a que teve acesso. Visitou em 1890 as redações dos jornais gaúchos e cariocas, junto da filha, munido de uma cópia da tese e presenteando com ela os redatores. Com certeza foi a forma que Antonio Dias elegeu de poder divulgar o trabalho da filha e vê-lo definitivamente na mídia. Igualmente, foram enviadas cópias da tese pelo correio às redações dos jornais de outras regiões. O fato foi amplamente noticiado e no Correio Mercantil de Pelotas de 1889 e 1890 há
  • 24. 23 transcrições das matérias sobre a formatura e a tese da Dra. Antonieta que foram publicadas nos jornais do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Em 4 de janeiro de 1890, foi publicado no Correio Mercantil um agradecimento à atenção com que a imprensa do Rio de Janeiro recebeu um exemplar da tese defendida por Antonieta, ao mesmo tempo explicando que o jornal se sentia no dever de reproduzir os generosos conceitos desta mídia. Em sua tese, Antonieta dedica o trabalho também à imprensa, dizendo: “À imprensa rio-grandense – Agradeço os favores que sempre me dispensastes e confio na tua protecção.” (Mercantil apud Correio Mercantil, 19 de janeiro de 1890). E não era para menos. Afinal, se considerarmos apenas os jornais mencionados pelo Correio Mercantil entre dezembro de 1889 e fevereiro de 1890, chegamos ao número de 33 jornais gaúchos, 1 jornal paulista e 12 jornais cariocas com notícias referentes a ela, totalizando 46 jornais diferentes nos três estados. Há um texto escrito por uma mulher que demonstra o apoio oferecido a Antonieta por algumas pessoas, principalmente aquelas que lutavam pela independência feminina, e está publicado no jornal Família, do Rio de Janeiro: A sua formatura traduz mais uma victoria para o sexo que representa, sobre os preconceitos brutaes da educação atrophiante, ainda, infelizmente em vigor. Provando por todos os dotes intellectuais a competencia da mulher no concurso das profissões, de par com os homens, a formatura da Dra. Antonieta Dias vem reforçar tacitamente, o protesto mais vehemente contra as opiniões contrarias á nossa emancipação, ultimamente debatida até no theatro, de modo algumas vezes desairoso. (Família apud Correio Mercantil 10 de janeiro de 1890). Mesmo em alguns textos publicados nos jornais em comemoração à formatura de Antonieta, presenciamos expressões preconceituosas quanto às mulheres, como por exemplo: “Antonieta Dias, como Rita Lobato e Ermelinda de Vasconcelos, provam que no Rio Grande até o sexo fraco arca com todas as dificuldades, simplesmente pelo desejo ardente de saber.” (Mercantil apud Correio Mercantil, 19 de janeiro de 1890).
  • 25. 24 No ano de formatura de Antonieta, 1889, houve uma peça em cartaz no Rio de Janeiro, chamada As Doutoras, escrita por Joaquim José de França Junior. Essa peça era uma comédia com a tentativa de ridicularizar as médicas brasileiras. (RAGO, 2000, 216). Vemos, assim, que nem todas as observações a respeito do ingresso das mulheres no mundo da Medicina eram positivas, mas através dos jornais pesquisados apenas foram encontrados elogios a Antonieta por sua formatura. Sempre, porém, é importante lembrar que os jornais podem definir papéis sociais e estabelecer relações de poder, em é feita uma representação do real com um projeto da sociedade que eles tentam generalizar e fazer caminhos para alcançá-lo. (VIEIRA, PEIXOTO, KHOURY, 1989, p.54-55). Por isso, não sejamos ingênuos de acreditar que Antonieta não foi em algum momento hostilizada. Em sua tese ela dedica a seguinte frase às suas colegas: “Vencemos a resistência e o preconceito. Oxalá nos imitem o exemplo e compensem o sacrifício”. (Correio do Povo do Rio de Janeiro apud Correio Mercantil, janeiro de 18903). Fica visível que não foram fáceis os anos de faculdade para aquelas mulheres que no século XIX enfrentaram o preconceito e matricularam-se no ensino superior. Coragem, força de vontade e resistência foram essenciais para que concluíssem os estudos superiores. 3 Não foi possível visualizar a data deste jornal devido às más condições do mesmo.
  • 26. 25 2. Dra. Antonieta Dias Morpurgo Neste capítulo serão abordadas informações referentes à vida e ao trabalho da Dra. Antonieta Dias Morpurgo. Após sua formatura, em dezembro de 1889, a jovem médica, ainda Antonieta Dias, ainda solteira, veio para Pelotas comemorar sua vitória com amigos e familiares. Sendo muito bem recebida nesta cidade, em 22 de março inaugurou seu primeiro consultório, localizado à Rua São Miguel (atual Quinze de Novembro), número 112. Seu pai prontamente providenciou uma matéria do jornal Correio Mercantil comunicando à sociedade pelotense que estava sendo inaugurado o gabinete de consultas da Dra. Antonieta: “Tenho a honra de apresentar à sociedade pelotense, na sua qualidade de médica pela Faculdade do Rio de Janeiro, minha filha Antonieta Cesar Dias, que abre hoje seu consultório á rua S. Miguel n. 112.” (Correio Mercantil, 22 de março de 1890). E com orgulho passa a descrever os méritos da filha, afirmando que ela estava capacitada para exercer a profissão médica e pedindo à sociedade que a acolhesse bem: Embora suspeito para apreciar seus merecimentos scientificos, julgo do meu dever affirmar que durante o seu curso adquiriu os necessarios conhecimentos praticos e theoricos para exercer conscienciosamente a nobre profissão a que se consagra. Durante os ultimos tres annos de estudos, frequentou diariamente as diversas enfermarias do hospital da Santa Casa de Misericordia do Rio de Janeiro e os consultorios da Polyclinica Geral, recebendo e aproveitando o mais possivel as lições dos illustres professores Feijó Junior, Eurico Coelho e Brandão, especialistas em partos e gynecologia, Martins Costa e Nuno de Andrade, clinica geral, visconde de Saboia e Lima Castro, operações, Moncorvo e Barata Ribeiro, molestias de creanças. – Particularmente, estudou tambem, durante dous annos, com a notavel e antiga parteira Mme. Durocher e com ela aprendeu em exercicios constantes o que a experiencia ensina em trabalhos de semelhante natureza. Creio, portanto, que minha filha Antonieta Dias acha-se preparada para corresponder á confiança das distinctas familias
  • 27. 26 pelotenses, a quem a recommendo e de quem para ella solicito generoso acolhimento. (Correio Mercantil, 22 de março de 1890). Podemos observar, por este artigo, que a única mulher a ministrar aulas a Dra. Antonieta não era médica, mas parteira, ofício comum entre mulheres desde os tempos mais remotos. Após esta matéria, passou a aparecer no Correio Mercantil um anúncio com horários de atendimento, especialidade e endereço do consultório da médica (Fig. 4) Tal anúncio era publicado quase que diariamente e na maioria das vezes figurava na capa do jornal. A especialidade médica escolhida pela Dra. Antonieta foi, sintomaticamente, obstetrícia e ginecologia; atender à saúde da mulher foi desde o início a sua escolha. No dia 28 de março de 1890, surge um novo anúncio de atendimento da Dra. Antonieta. Desta vez, é oferecida consulta gratuita aos pobres no consultório da médica, mas com horário diferenciado: das 8h às 9 h, ao passo que a particulares atendia das 13h às 15h. Gratis aos pobres. Antonieta Dias, medica pela faculdade do Rio de Janeiro, dá consultas grátis, a senhoras e creanças pobres, em seu consultorio á rua S. Miguel n.112, das 8 ás 9 horas da manha. (Correio Mercantil, 28 de março de 1890). Um aspecto interessante dessa propaganda é que, diferentemente dos outros médicos, continham a indicação da formação da Dra. Antonieta. Sendo a única médica da cidade, havia necessidade de mostrar que também tivera formação acadêmica e estava habilitada legalmente para atender à saúde da população. Os atendimentos grátis aos pobres mudaram de endereço pouco depois, e passaram a ser realizados no hospital da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, das 10h às 11h. Até o dia 11 de novembro, quando mudaram para o horário das 8h às 9h. (Correio Mercantil, 3 de julho de 1890 e 11 de novembro de 1890). Seu consultório também não permaneceu muito tempo no primeiro endereço, e em setembro se transferiu para a Rua Felix da Cunha número 139, nas proximidades do Clube Comercial. (Correio Mercantil, 11 de setembro de 1890). O local do primeiro consultório da Dra. Antonieta ficou disponível para aluguel após a sua saída, conforme mostra anúncio publicado em jornal: “ALUGA-SE o sobrado á rua S.
  • 28. 27 Miguel ns. 110 e 112, proprio para residência e escritorio.” (Correio Mercantil, 11 de setembro de 1890). Neste ano a Dra. Antonieta, através de suas consultas aos pobres, passou a fazer parte do corpo médico da Santa Casa de Misericórdia, junto a médicos de renome, como o Barão de Itapitocai – Dr. Miguel Rodrigues Barcelos –, Dr. Antonio Augusto de Assumpção, Dr. Edmundo Berchon des Essarts, Dr. Antonio Francisco da Rocha e Dr. Bruno Chaves. A respeito de seu trabalho, o Barão do Arroio Grande – Francisco Antunes Gomes da Costa –, provedor do hospital, em seu relatório referente ao período entre 1° de julho de 1889 e 31 de dezembro de 1890, faz menção a Dra. Antonieta e ao seu trabalho: A Exma. Sra. Dra. D. Antonietta Dias teve igualmente a gentileza de offerecer-se-nos para tomar a si as consultas gratuitas em favor das sras. e crianças desvalidas, o que agradecidos acceitamos, tendo ella com a maxima pontualidade e zelo desempenhado-se do seu generoso e expontaneo offerecimento. (Relatório de Administração hospital Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, 1889-1890). De acordo com pesquisas feitas nos referidos relatórios, e diante dos dados expostos no primeiro capítulo deste trabalho, chega-se à conclusão de que a Dra. Antonieta Dias foi a primeira médica a trabalhar na Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Desde 1886, enquanto ainda estava na faculdade, a Dra. Antonieta frequentava quotidianamente a Santa Casa do Rio de Janeiro. (Correio Paulistano 27 de dezembro de 1889 apud Correio Mercantil, 10 de janeiro de 1890). Chegando a Pelotas, depois de formada, a Santa Casa local foi o primeiro hospital em que trabalhou. Nos relatórios do hospital há registros de que seu pai havia feito doação de 40$000 à Santa Casa entre os anos de 1881 e 1882, participando da lista de benfeitores. Entre 1888 e 1889, o Correio Mercantil transferiu à instituição o valor de 20$000. Em 1892, recebeu a Dra. Antonieta uma triste notícia. Seu pai havia falecido, durante uma viagem no paquete Rio Pardo, no dia 8 de março. O destino da viagem era Porto Alegre, com a intenção de deixar em um colégio de freiras de São Leopoldo uma afilhada de 10 anos chamada Cezarlina Negreira, filha de Fernando
  • 29. 28 Negreira. Este havia oferecido jantar à Dra. Antonieta no réveillon de 1889, conforme descrito no primeiro capítulo, e certamente era muito amigo da família Dias. O jornalista Antonio Joaquim Dias estava doente desde 1890. Seguindo conselhos médicos, foi para o Rio de Janeiro, retornando a Pelotas em dezembro de 1891. Muitas foram as homenagens à sua memória publicadas no jornal fundado por ele. No dia 15 de março, na Igreja Matriz, atualmente Catedral, foi realizada às 9h uma missa de 7° dia. Sobre o caixão seus filhos depositaram uma coroa, com as usuais palavras “Saudade eterna de seus filhos – Antonieta e Cesar.” (Correio Mercantil, 10, 11 e 12 de março de 1892). Foi Cesar Dias quem ficou responsável pelo jornal do pai após a sua morte. Cesar recebeu a notícia de que era sucessor na propriedade do jornal através dos redatores da folha, que prontamente lhe enviaram um telegrama, respondido da seguinte forma: “Embarcarei familia quando possivel arranjos aqui. Dêem todas as providencias, ficando obrigado pelas attenções. Confio tudo da vossa amizade e espero que serão meus companheiros dedicados como foram de meu pai.” (Correio Mercantil, 10 de março de 1892). Não temos a data precisa em que a Dra. Antonieta mudou-se de Pelotas para o Rio de Janeiro, transferindo inclusive seu consultório. Mas sem dúvida foi no ano de 1891, e partiu acompanhada do pai e do irmão, que estudava direito em São Paulo. (Correio Mercantil, 09 e 12 de março de 1892). Na capital da República, a Dra. Antonieta casou-se com Eduardo Morpurgo (fig. 5). Conforme aponta a matéria publicada no jornal carioca Rua do Ouvidor, em 17 de agosto de 1901, a Dra. Antonieta casou-se com Eduardo em 15 de novembro de 1892. Após o casamento, passou a assinar-se Antonieta Dias Morpurgo. Informações fornecidas pela escritora e pesquisadora Anamaria Nunes Vieira Ferreira, após pesquisa no Relatório do Ministro do Interior, no Almanak Laemmert, de 1891, dão conta de que Morpurgo naturalizou-se brasileiro entre 1889 e 1891. Nasceu em 1872 na Guiana Holandesa e foi o engenheiro responsável pela iluminação da Avenida Central do Rio de Janeiro, durante a Reforma Pereira Passos (1902-1906), que modificou vários aspectos desta avenida. Após a vinda para o Brasil, conheceu a Dra. Antonieta Dias e com ela contraiu matrimônio.
  • 30. 29 No Dicionário das Famílias Brasileiras, há uma informação referente a Eduardo Morpurgo dizendo que este teria se estabelecido no Rio de Janeiro em 1896, o que contrapõe os dados de seu casamento ter sido realizado em 1892. É possível que este dicionário esteja com a data errada, pois já em 1889 e 1891 ele naturalizou-se brasileiro e em 1892 casou-se. Informações fornecidas, por telefone, pela bisneta da Dra. Antonieta, Cláudia Maria Morpurgo Teixeira Álvares, indicam que Eduardo era um homem muito rico por ocasião do casamento. Possuía cavalos de corrida, mas, em decorrência do hábito de realizar apostas nos páreos do Jockey Clube, veio a perder sua fortuna. E, conforme ainda Cláudia Morpurgo, faleceu empobrecido, poucos anos depois de sua esposa. O casal teve apenas um filho, o Dr. Admar Morpurgo (Fig. 6). Assim como a mãe, especializou-se em ginecologia e obstetrícia. Foi coronel médico da Polícia Militar, de acordo com informações de Cláudia e de Carlos Duarte. Este conheceu o Dr. Admar por ser neto da madrinha do médico. Segundo informações de Anamaria Nunes, o filho do casal nasceu em 16 de julho de 1897, contrapondo informações do jornal Rua do Ouvidor, que assinala 16 de julho de 1894 como a data de seu nascimento. Em 24 de janeiro de 1893, o Asilo de Mendigos de Pelotas publicou no Correio Mercantil notícias referentes às eleições para a sua diretoria. Encontra-se ali o nome da Dra. Antonieta Dias como uma das Diretoras Internas concorrendo à eleição em chapa única. A votação foi realizada no dia 26 de janeiro, no salão da Praça do Comércio, atual Associação Comercial de Pelotas. No dia 02 de fevereiro, por aclamação, ficou eleita a nova diretoria, que tomou posse no dia 5. Só não conseguimos verificar, por ausência de informações, se a Dra. Antonieta esteve presente nessa cerimônia. Em 1896, na casa de Recolhimento Santa Rita de Cássia, localizada no Rio de Janeiro, várias meninas foram abusadas e exploradas por Basílio de Moraes, administrador da instituição. Ao desconfiarem da insalubridade a que as meninas estavam sujeitas, os jornais locais passaram a publicar notícias a respeito da casa, e Basílio foi acusado do crime de abuso sexual dessas meninas. Médicos foram
  • 31. 30 chamados para examiná-las. A Dra. Antonieta, consultada para examinar uma delas, constatou que a menina havia sido deflorada. Algum tempo depois, ao serem todas examinadas por outros médicos, foram encontradas no mesmo estado, concluindo- se que Basílio, como único homem da casa, era responsável pelo crime. (SILVA, 2007, p. 125). Este caso nos chama a atenção para a exploração vivida por mulheres no século XIX, mas também para a circunstância de que a Dra. Antonieta atuava a favor dessas garotas que, ao invés de encontrarem apoio e moradia do Recolhimento, eram exploradas e abusadas sexualmente. Em 1901, o jornal Rua do Ouvidor, do Rio de Janeiro, publicou matéria comentando que a Dra. Antonieta (Fig. 7) exercia a sua profissão em vários estados do Brasil, entre eles Rio Grande do Sul, Minas e Espírito Santo. Demonstra que a Dra. Antonieta mantinha viagens de estudo e trabalho não só por todo o Brasil, mas por outros países da América e da Europa, de onde regressara nesse ano. (Rua do Ouvidor, 17 de agosto de 1901). Nos primeiros anos do século XX, a Dra. Antonieta realizou uma viagem para a França, e de Paris trouxe um folheto sobre incubadoras da marca Lion. Chegando ao Brasil, forneceu este folheto para maternidades do Rio de Janeiro, que não possuíam ainda o material. Em parceria com o Dr. Jaime Silvado, pesquisou os resultados obtidos com essas incubadoras no tratamento de bebês prematuros e, seguindo orientação dos médicos, o Dispensário Moncorvo adquiriu duas incubadoras em 1903. A Dra. Antonieta e o Dr. Jaime foram responsáveis por trazer estes aparelhos para as maternidades cariocas, ampliando as possibilidades de cuidado aos prematuros, pela possibilidade de mantê-los aquecidos nessas incubadoras, e permitindo a produção de incubadoras no próprio país. (OLIVEIRA, 2004, p.461 e p.465) O pioneirismo da Dra. Antonieta na Medicina pode ser constatado ainda ao analisarmos sua participação como secretária na diretoria provisória da Cruz Vermelha, quando de sua instalação no Brasil, entre 1907 e 1908. Nesta diretoria ela foi a única mulher, e atuou ao lado do Dr. Oswaldo Cruz, presidente provisório. Como secretário, estava o Dr. Jaime Silvado, que com ela fez as pesquisas, já citadas, sobre as incubadoras. (http://www.cruzvermelhani.org.br/cvbr.htm Disponível em 04 de janeiro de 2010.)
  • 32. 31 Nas pesquisas de Anamaria Nunes encontramos outra ligação da Dra. Antonieta com a Cruz Vermelha, ela teria sido a fundadora do Hospital da Cruz Vermelha na cidade de Lavras, no Rio Grande do Sul. As pesquisas de Anamaria foram realizadas através de consulta a familiares, livros, jornais. Também teve acesso à tese defendida por Antonieta em 1889. A Dra. Antonieta também se envolveu em pesquisas sobre doenças venéreas em crianças. A princípio, constatando-se a incidência desta moléstia em crianças, suspeitava-se de defloração, mas após as pesquisas do Dr. Nina Rodrigues passou-se a pensar que muitas dessas doenças podiam ser transmitidas pela mãe durante o parto. Seguindo os estudos do Dr. Nina Rodrigues, a Dra. Antonieta, em 1908, também realizou observações sobre o tema, o que foi favorecido pelo avanço das técnicas laboratoriais. (ANTUNES, 1999, p.85-86). Em 1913, a Dra. Antonieta escreveu um artigo intitulado Assistência obstétrica domiciliaria, publicando-o na Revista de Ginecologia e d’Obstetrícia. Essa revista era um periódico de especialidades médicas e, de acordo com Freitas, era também um espaço de ...construção de conhecimento e de legitimação de saberes que reúne profissionais habilitados congregados numa classe. Logo, não é um lugar destinado a qualquer um. Segue um regimento e uma lógica própria (...). Por mais que os artigos escritos por mulheres sejam raros na revista ora analisada, constam os nomes da Dra. Antonieta Morpurgo, da Sociedade de Medicina e Cirurgia e a Mme. E. Morand, Ex. Assistente da Faculdade do Rio de Janeiro. (FREITAS, 2005, p.89). Percebemos que a Dra. Antonieta, durante sua carreira médica, nunca deixou os estudos de lado, sempre realizando novas pesquisas e se envolvendo em tarefas nas quais, muitas vezes, acabava sendo a única mulher, mantendo a coragem necessária para vencer os preconceitos que seu sexo lhe estabelecia dentro da sociedade brasileira do final do século XIX e início do século XIX. Pelo menos desde 1909, a Dra. Antonieta já palestrava sobre o tema da assistência obstétrica a domicílio, e participou do Quarto Congresso Médico Latino- Americano, realizado no Rio de Janeiro do dia 1ª ao dia 8 de agosto, apresentando uma comunicação com o título de Assistência obstétrica domiciliar, dentro da seção referente à Higiene, Climatologia, Demografia e Assistência Pública. O Congresso
  • 33. 32 reuniu mais de 1500 pessoas de várias nacionalidades. Além de brasileiros, havia inscritos provenientes da Argentina, do Uruguai, do Chile, do Paraguai, da Bolívia, da Venezuela, do Equador, do Haiti, do Panamá e do México. (Fig. 8 e 9). A respeito do falecimento de Dra. Antonieta Dias Morpurgo, não foram encontrados dados muito precisos. Segundo Alberto Silva, ela teria falecido em 1920 (SILVA, 1954, p.61). Já as pesquisas de Anamaria apontam para o ano de 1917. No relatório de administração do hospital Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, referente ao biênio 1917 e 1918, vemos pela última vez o nome da Dra. Antonieta Dias no relatório das Irmãs sobrevivas4. No relatório seguinte, escrito pelo provedor Dr. Bruno Chaves, referente ao biênio 1919 e 1920, não aparece mais o nome da Dra. Antonieta entre as irmãs sobrevivas, mas também não aparece seu nome em meio aos irmãos falecidos nesse período. Cláudia Morpurgo, bisneta de Antonieta, ao questionar sua mãe, neta de Antonieta, revela que sua bisavó teria falecido em decorrência de problemas cardíacos. Antes do casamento do filho, a Dra. Antonieta viajou para Belo Horizonte, Minas Gerais, onde visitou a faculdade de Medicina da cidade e foi recebida por Alzira Nogueira Reis, única mulher estudante de medicina daquela faculdade. Na viagem Antonieta foi acompanhada por seu filho Admar e por Joaquim Vieira Ferreira Neto, irmão da futura esposa de seu filho, Thereza. Joaquim tinha 18 anos e era estudante de Direito, palestrou sobre Filosofia e Psicologia e nessa ocasião conheceu Alzira, sua futura esposa. Em 1969, após a morte do Dr. Admar, Alzira escreveu uma carta para Antonieta Morpurgo, filha do Dr. Admar, dizendo ter sentido profundamente a morte do doutor, informando que em breve pretendia visitá-la e comentando o momento em que conheceu seu marido, por intermédio da Dra. Antonieta. “Não sei se você sabe que conheci Vieira através da Dra. Antonieta e do Morpurgo, em Belo Horizonte. Era eu estudante de Medicina e meu professor de cirurgia, Dr. Borges da Costa, incumbiu-me de convidar a Dra. Morpurgo a visitar a nossa 4 O Relatório de Irmãs e Irmãos sobrevivos era publicado junto aos relatórios de administração do hospital da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Havia também em todos estes relatórios uma relação dos irmãos e irmãs falecidos no biênio correspondente desta descrição.
  • 34. 33 faculdade. Na pensão quem me recebeu primeiro foi Vieira, cuja palestra sobre filosofia e psicologia prendeu-me logo a atenção. Nessa noite, num cinema, Vieira falou-me em casamento, e lá então, contrariando-me, a Dra. Brincou: ‘isso é filosofia ou namorosofia?’” (Disponível em http://notaveisdafamilia.blogspot.com/2009/01/alzira- nogueira-reis-1-parte.html ) A Dra. Alzira Nogueira Reis foi a primeira médica a se formar no estado de Minas Gerais e primeira mulher a votar no Brasil. Formou-se em 1920 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e atuou na luta contra a hanseníase. Considerando as informações fornecidas por Anamaria Nunes, Carlos Duarte e Cláudia Morpurgo, sabe-se que o filho da Dra. Antonieta e de Eduardo Morpurgo, Dr. Admar Morpurgo, casou-se com Thereza de Jesus Maria Vieira Ferreira em 1919 (Fig. 10). Faleceu em 1969 e deixou dois filhos, Antonieta Inocência Vieira Ferreira Morpurgo e Augusto Comte Vieira Ferreira Morpurgo. O Dr. Admar possuía ligação muito grande com a mãe, e isso é visível quando se constata o mesmo nome da terceira médica do Brasil em uma de suas filhas. Ele também era colecionador e pintor, tendo morado no bairro São Francisco, em Niterói. Colecionava armas antigas, como espadas, sabres e lanças, e até uma armadura e também objetos do mar, como estrelas do mar, crustáceos etc. Foi médico da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, enquanto Niterói foi capital. Foi testemunha do nascimento de um filho de Orestes Barbosa – jornalista, cronista e poeta, autor da letra de Chão de Estrelas, com melodia de Sílvio Caldas. Recebeu de a seguinte dedicatória, em forma de poema: “Chegou Maio a sorrir nas corolas das flores! É a festa vegetal com harmonias e pompas. Maio é o mês musical dos bardos sonhadores!...”(DIDIER, 2005, p.112). As pesquisas a respeito da Dra. Antonieta carecem de materiais documentais que comprovem determinados fatos, como datas de nascimento e de falecimento. Este trabalho se torna importante por mostrar o valor desta médica pelotense, não só por ter sido a terceira médica formada no Brasil, mas também por ter atuado intensamente na sua profissão depois de formada, superando preconceitos e demonstrando sempre ter coragem.
  • 35. 34 Como a história de Dra. Antonieta se divide entre Pelotas e Rio de Janeiro, a pesquisa a respeito de sua vida em Pelotas é mais rica de fontes, até porque este trabalho é realizado nesta cidade. Já as pesquisas sobre o trabalho da Dra. Antonieta no Rio de Janeiro foram dificultadas pela distância entre as cidades, dependendo do auxílio daqueles que possuem alguma memória sobre a terceira médica formada no Brasil.
  • 36. 35 Conclusão Após a finalização das pesquisas a respeito da Dra. Antonieta Dias Morpurgo, podemos afirmar que ela não foi apenas importante por ter sido a terceira médica formada no Brasil, mas também pela sua forte atuação dentro da área médica após a sua formatura. Os seus estudos iniciais foram completados no Rio Grande do Sul. Em 1884, matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Nos primeiros anos foi acompanhada pela mãe naquela cidade, e depois da morte de Cesária Dias seu pai, Antonio Joaquim Dias, esteve presente até a sua formatura, em 1889. Antonieta concluiu o curso médico sem ter repetido nenhum ano e para ela não foi possível ser a primeira médica devido às dificuldades oriundas da pouca idade com que ingressou na faculdade, apenas 15 anos. Após a sua formatura, voltou a Pelotas, onde fora muito bem recebida. Em 1890, abriu seu primeiro consultório e atendeu aos mais humildes na Santa Casa de Misericórdia. A seguir partiu para o Rio de Janeiro transferindo para aquela cidade o seu consultório. Seguiu clinicando, participando de congressos, concluiu pesquisas, etc. Casou-se com o engenheiro Eduardo Morpurgo, com quem teve um filho, o também médico Dr. Admar Morpurgo. Ao descobrirmos sua intensa atuação depois de formada, nossa reação foi de surpresa, pois ela sempre esteve presente na Medicina, atendendo seus pacientes e prosseguindo os seus estudos. Foi a Paris e de lá trouxe folhetos das incubadoras Lions que motivaram o Dispensário Moncorvo a adquirir 2 incubadoras para os cuidados aos bebês prematuros; foi membro da primeira diretoria provisória da Cruz Vermelha no Brasil e desempenhou muitas outras atividades, algumas citadas aqui e outras ainda não descobertas.
  • 37. 36 Referências Bibliográficas ANTUNES, José Leopoldo Ferreira. Medicina, leis e moral: pensamento médico e comportamento no Brasil (1870-1930). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. 99p. COUTINHO, Ana Cláudia F. P. Unidade de terapia neonatal: estressores laborais da equipe de enfermagem e caracterização do ambiente. 2009. 84f. Dissertação (Mestrado em Saúde e Ambiente) – Universidade Tiradentes, Aracajú. DIDIER, Carlos. Orestes Barbosa: repórter, cronista e poeta. Rio de Janeiro: Agir, 2005. 696p. FREITAS, Patrícia. Corpos de Mulheres em (Re)vista. A representação da menopausa na Revista de Ginecologia e d’ Obstetrícia 1907-1978. 2005. 401f. Tese (Doutorado em História Cultural) – Departamento de História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. GONÇALVES, Renata Braz; PERES, Eliane Teresinha. Textos destinados ao público leitor feminino, divulgados no jornal diário “Correio Mercantil” de Pelotas/RS (1875-1900). In: 16° Congresso de Leitura do Brasil. Anais, 2007, 10p. MOACYR, Primitivo. A instrução e o império – subsídios para a História da Educação no Brasil. 1° vol. 1823-1853 São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1936. 614 p. 2° vol. Idem, ibidem, 1854-1888. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1937. 614p. MAGALHÃES, Mario Osório. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul: um estudo sobre a história de Pelotas (1860- 1890). Pelotas: EdUFPel: Co-edição Livraria Mundial, 1993. 312p. MORPURGO. In: BARATA, Carlos E. A.; BUENO, Antonio H. C. Dicionário das famílias brasileiras. V.2. São Paulo: Árvore da Terra, S.d.1563p. MORPURGO. In: BARATA, Carlos E. A.; BUENO, Antonio H. C. Dicionário das famílias brasileiras. V.2 Tomo 2. São Paulo: Árvore da Terra, 2001. 1530p.
  • 38. 37 NASCIMENTO, Heloisa Assumpção. Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Pelotas: 1987. 190p. NUNES, Antonietta De Aguiar. Uma avançada proposta de reforma educacional no último quartel do século XIX brasileiro: Leôncio de Carvalho e os pareceres de Rui Barbosa. In: Revista Gestão em Ação, Salvador, v.2, n.2, p. 71-83, 1999. OLIVEIRA, Isabel Cristina dos Santos. O advento das incubadoras e os cuidados de enfermagem aos prematuros na primeira metade do século XX. In: Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v.13, n.3, p.459-466, 2004. PORTO ALEGRE, Achylles. Homens Illustres do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1917. 298p. RAGO, Elizabeth Juliska. A ruptura do mundo masculino da medicina: médicas brasileiras no século XIX. In: Cadernos Pagu (15), Campinas, 2000, p. 199-225. SILVA, Alberto. A primeira médica do Brasil. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1954. 247p. SILVA, Ana Paula Barcelos Ribeiro. Discurso jurídico e (des) qualificação moral e ideológica das classes subalternas na passagem à modernidade: Evaristo de Moraes (1871-1939). 2007. 299f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro. VIDAL, Barros. Precursoras Brasileiras. Rio de Janeiro: A Noite Editora, 1952. VIEIRA, Maria do Pilar A.; PEIXOTO, Maria do Rosário C.; KHOURY, Yara Maria A. A pesquisa em História. São Paulo: Editora Ática, 1989. 159p.
  • 39. 38 Fontes Primárias Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS – Fundo 50: MD. Antonieta Cesar Dias - ACD A Ventarola (1887) Pelotas, Rio Grande do Sul. (Caixa AP 214) Acervo: Arquivo Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense. Correio Mercantil (1881 – 1897) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense. Diário Popular (1897 – 1920) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense. Jornal do Comércio (1881) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense. Onze de Junho (1889) Pelotas, Rio Grande do Sul. Acervo: CDOV – Bibliotheca Pública Pelotense. Relatórios de Administração (1862 – 1920) do hospital Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Fundos: ASCP 1A01; ASCP 1A02; ASCP 1A03; ASCP 1A04. Acervo: Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas
  • 41. 40 Fig. 1 – Antonieta Dias. Fonte: A Ventarola de 11 de dezembro de 1887. Fig. 2 – Antonieta Dias em foto de 1889. Fonte: Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS
  • 42. 41 Fig. 3 – Tese defendida por Antonieta Cesar Dias em 1889. Fonte: Acervo arquivístico do Museu de História da Medicina do RS Fig. 4 – Anúncio publicado no Correio Mercantil em 1890.
  • 43. 42 Fig. 5 – Engenheiro Eduardo Morpurgo, esposo da Dra. Antonieta. Fonte: Acervo de Anamaria Nunes. Fig. 6 – Eduardo Morpurgo, Admar Morpurgo e Antonieta Morpurgo. Fonte: Acervo Anamaria Nunes.
  • 44. 43 Fig. 7 – Dra. Antonieta Dias Morpurgo. Fonte: Rua do Ouvidor 17 de agosto de 1901. Fig. 8 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909. Disponível em http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/803/786
  • 45. 44 Fig. 9 – Artigo sobre o Quarto Congresso Médico Latino-Americano de 1909. Disponível em http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/803/786 Fig. 10 – Dr. Admar Morpurgo e Thereza de Jesus Maria Vieira Ferreira. Fonte: Acervo Anamaria Nunes.
  • 47. 46 ANEXO I Correio Mercantil, 31 de julho de 1881. Ilm. Sr. Heráclito Camargo, Tendo V.S. no jornal de hoje, notado alguns erros em diversos trechos de um artigo escripto por meu distincto e illustrado professor, o Sr. Bibiano Francisco de Almeida, erros esses, uns grammaticaes, outros de lingüística, com os quais eu não concordo, peço-lhe permissão para analysar, como entendo, os mesmos trechos, afim de demonstrar, que em minha fraca opinião, é V.S. quem está em erro. 1° período: << Quando na opulenta e luminosa encyclopedia de obras didacticas brasileiras, appareceu, etc.>> Pergunta V.S. o que quer dizer encyclopedia de obras. Respondo: ENCYCLOPEDIA, s.f. (de encyclia, e do grego paideo). Sciencia universao; encadeamento de todas as sciencias. - Corpo didactivo de todas as artes e sciencias que se ensinam. – Livro que as contém, obra que trata d’ellas. (Dr. Fr. Domingos Vieira). ___ 2° período: <<Aqui concluo, repetindo que o compendio do Sr. Hilário não presta, e que pouco se me dá que o meu seja por elle substituído.>> Pergunta V.S. <<Por elle quem? Pelo Sr. Hilario? Não, Sr.: Por elle, compendio. Analyso o período: 1ª oração – Aqui concluo repetindo – é a oração principal, porque não só exprime o juízo fundamental, como também porque a Ella se prendem todas as outras. 2ª, Que o compendio do Sr. Hilario não presta – é uma oração complementar objetiva, porque está servindo de complemento objectivo ao particípio repetindo; 3ª, E que pouco se me dá – é outra oração complementar subjectiva, por estar servindo de complemento objectico ao particípio repetindo; 4ª, Que o meu seja por elle substituído - é oração complementar subjectiva, por estar servindo de sujeito ao verbo da oração precedente. Decomposição das orações, exame de seus termos essenciaes e dos mais complementos ou acessórios que n’ellas concorrem: 1ª oração. – Sujeito – eu; verbo concluo; o particípio repetindo é opposto ao sujeito. 3ª Sujeito – o compendio; complemento restrictivo pertencente ao substantivo compendio, do Sr. Hilario; verbo, presta; 4ª Sujeito – a oração seguinte; verbo, se dá; (importa) complemento terminativo me (a mim;) 4ª Sujeito – o meu, (compendio); verbo, seja substituído; complemento terminativo necessário, por elle (compendio;) Em ordem:
  • 48. 47 Aqui concluo eu repetindo que o compendio do Sr. Hilario não presta e que pouco se me dá (ou pouco me importa) que o meu (compendio) seja substituido por elle (compendio ou pelo compendio do Sr. Hilario.) ___ 3° período: <<O Illm. Sr. Dr. T. Abbott, moço honesto e de uma intelligencia superior, soube evitar a astucia de meia dúzia de ensinadores ignorantes, invejosos e improductivos, que levantaram tendas da conspiração, etc.>> Pergunta ao Sr. Heraclito o que quis dizer o Sr. Bibiano usando da figura tendas da conspiração? Responde o Fr. Domingos Vieira: <<TENDA: Casa de vender viveres. <<TENDA: Levantar as tendas, armal-as para pousar, abarracar-se. <<TENDA INTEIRA: Tenda armada. <<TENDA de myrtos, de jasmins. <<TENDA: barraca de campanha. – E a elle lhe pareceo isto bem, para o que mandou logo chamar a mayor parte dos nobres, e o fez ajuntar no campo em que estavão as tendas, onde em voz de cima de um Cavallo, lhes fez uma falla, em que lhes declarou a razão para que ali farão juntos, e sobre ella se altercou um grande espaço, com tanta variedade de pareceres, que por então se não pôde tomar conclusão em cousa alguma>> (Fernão Mendes Pintor Peregrinações, cap. 118.) CONSPIRAÇÃO, s.f. (Lat. Conspiratioonis) conjuração, empreza occulta contra o estado ou contra o legitimo governo; trama, união de varias pessoas contra outra: - (fig) concurso de causas, de acções, ex. <<a indulgencia para com o vicio é uma – contra virtude>>; consenso; união, acção de concorrer para o mesmo fim. <<Syn. Comp. Conspiração denota acôrdo de vontades, de sentimentos entre os conspiradores e um abjeto commum, dirigido por um ou mais chefes, contra instituições ou contra pessoa ou pessoas por numero considerável de sócios. (Corrêa Lacerda) Temos, pois, por esta figura, que diversos conspiradores (ensinadores, ignorantes, invejosos e improductivos) se reuniram e levantaram tendas de conspiração contra o Sr. Bibiano. ___ 4° período: <<Um livro de escola deve avantajar se pela clareza, principalmente se, como o do mestre, é destinado ás classes elementares.>> Acha o Sr. Heraclito que é isto uma boa lembrança e excellente portuguez. E é – excellente portuguez e bellisimo pensamento: O livro destinado ás classes elementares, isto é, ás classes que aprendem, que principiam deve avantajar-se, recommenda-se - ,pela clareza. ___ 5° período: <<É tempo de deixarmos a pag. 33. Passemos pela pag. 34, onde encontraremos ainda a família pronominal: Apertemo-LHES (!) as mãos e sigamos.>> Perdão, Sr. Camargo, V.S. enganou-se na transcripção d’aquelle período. Lá não está apertemo-LHES. O que se encontra na 2ª columna, 3ª pag. do Correio Mercantil de 28 de julho é o seguinte:
  • 49. 48 <<É tempo de deixarmos a pag. 33. Passemos pela pag. 34, onde encontraremos ainda a família pronominal, APERTEMOS-LHE as mãos e sigamos.>> Peço desculpa ao Ilm. Sr. Heraclito Camargo. Pelotas, Julho 30. Antonieta Dias.
  • 50. 49 ANEXO II Jornal do Comércio, 02 de agosto de 1881. A pedido, Como resposta à menina Antonieta Dias discípula do ex-professor pulbico Bibiano Francisco de Almeida e filha do Sr. Antonio Joaquim Dias, proprietário e redactor do Correio Mercantil. Gentil menina, Ora, para que te metteste em camiza de onze varas, – tu, uma menina que, bem encaminhada, pódes apparecer com alguma distincção entre o teu sexo! É verdade que a culpa não é tua, meu amor, porque teu pai tem tão pouco juizo que não duvidou confiar o desenvolvimento de tua mentalidade infantil ao es- professor publico Bibiano Francisco de Almeida, mas, apesar d’isso, reveste-se de paciencia para ouvires algumas lições. E que isto sirva-te de exemplo, para não te metteres outra vez em assumpto alheio aos enfeites das tuas bonecas. Deixando mais para adiante alguns conselhos que preciso darte, abordo sem mais preambulos o que escreveu o teu encyclopedico professor no jornal de teu pai e que tu inconscientemente assignaste. ___ Em má hora citou elle o sempre respeitavel Fr. Domingos Vieira, que justamente veio deixar patentes as asneirolas publicadas com teu nome. Vejamos, segundo Fr. Domingos Vieira, a que fica reduzida uma das expressões bibianicas: 1° – ENCYCLOPEDIA: s f. Sciencia universal. Logo, o trecho do teu professor deve entender-se assim: <<Quando na opulenta e luminosa sciencia universal de obras didacticas, etc!>> Asneira no caso, não é verdade, querida? 2° – ENCYCLOPEDIA: encadeamento de todas as sciencias. Segundo o teu luminoso mestre, dirão os seus discípulos (...): <<Quando na luminosa e opulenta encadeamento de todas as sciencias de obras didacticas, etc!>> Bobage incontestavel. 3° – ENCYCLOPEDIA: corpo didactico de todas as artes e sciencias que se ensinam. Substituindo a palavra encyclopedia, ficará assim o que escreveu o teu incommensurabilissimo professor: << Quando no opulento e luminoso corpo didactico de todas as artes e sciencias DE OBRAS DIDACTICAS, etc.!>> Has de convir que só o teu sapientissimo professor seria capaz de fazer-te subscrever semelhante desproposito! 4° – ENCYCLOPEDIA: livro que contém todas as sciencias e artes que se ensinam. Como quer o teu assombroso professor, teremos mais esta tolice: <<Quando no opulento e luminoso LIVRO que contém todas as sciencias e artes que se ensinam, isto é, no livro de obras didacticas, etc.!>>
  • 51. 50 Pois não é verdade, minha amiguinha, que Fr. Domingos Vieira diz que encyclopedia significa OBRA que trata das sciencias, etc.? Ahi está, pois, a bestialidade do teu professor a entrar pelos olhos de um cego. O que deves ficar sabendo é que se diz: <<Este livro é uma luminosa e opulenta encyclopedia!>> Ora, se a palavra ENCYCLOPEDIA significa obra que trata das sciencias, etc.; livro que contem as sciencias, etc.; está patente a grande asneiras escrita pelo teu professor. ___ Diz mais o teu fecundo mestre: <<Aqui concluo, repetindo que o compendio do Sr. Hilario não presta e que pouco se me dá que o meu seja PELO D’ELLE substituido>> e, não POR ELLE substituido. Queres saber a que fica reduzida a rematada tolice do professor charlatã? Attende: <<Aqui concluo, repetindo que o compendio do Sr. Hilario não presta e que pouco se me dá (1) que o meu (2) compendio seja por elle Hilario substituido.>> Mas, admittindo que seja por elle compendio, não haverá ahi um portugues macarronico? Isto não admitte duvida, e só mesmo um Bibiano poderia ensinar-te taes disparates. ___ Quanto á phrase – tendas de conspiração, apenas deixa ver que o teu professor já falhou um dia o diccionario de Fr. Domingos Vieira, porém que não comprehendeu o que lá estava escripto. As conspirações fazem-se occultamente, e portanto nenhum conspirador se lembraria de armar tendas... Tendas de guerra – é o que deveria escrever o alarve. ___ Trataremos de outra sandice do teu ensigne professor, que disse: <<Um livro de ESCOLA deve avantajar se pela clareza (cousa que o Bibiano Francisco nunca observou escrevendo e fallando), principalmente se, como o do mestre, é destinado ás CLASSES ELEMENTARES.>> No entanto, tu, sempre ingenua, exclamaste: <<E é excelente portuguez e BELLISSIMO PENSAMENTO!>> ___ Sobre o tal LHES, digo-te apenas: Recorre de novo ao jornal de teu papai e lá encontrarás – apertamo-LHES as mãos, em referencia á familia pronominal. Eu não constumo mentir nem calumniar, pois não posso fazer concorrencia ao teu professor. E, se teimares sobre este ponto, obrigo-me a expor em uma vitrine o numero do Correio Mercantil em que está escripto o destampatorio bibianico. ___ Concluo com os conselhos prometidos: Uma vez que teu pai, apezar de jornalista, não se lembra que para testas de ferro são sempre escolhidos os Deus Te Livre e Zés Pereiras, conchega-te ao seio do anjo do lar, d’essa creatura sublime que nos cérca de affectos, que sente as nossas dores e experimenta as nossas alegrias, e foge do contacto venenoso
  • 52. 51 d’aquelle que está muito longe de comprehender a sagrada missão de preceptor da infancia. Os máos exemplos, filha, são um perigo enorme para as crianças, e tu és digna de um bello destino! Um discipulo de Janet. Pelotas – 1881. (1) Este se me dá tem muita graça! (2) Comeu o que? Bebeu é o que devia dize o tal Bibiano.
  • 53. 52 ANEXO III Correio Mercantil, 03 de agosto de 1881. HÁ HOMENS PARA TUDO Na secção – A pedidos- do Jornal do Commercio de sabbado ultimo, o Sr. Heraclito Camargo, director de uma das aulas publicadas d’esta cidade, apresentou um escripto relativo á questão grammatical discutida entre os Srs. Bibiano Francisco de Almeida e Hilario Ribeiro, no qual (escripto) o Sr. Camargo notava diversos erros de officio em um artigo publicado pelo Sr. Bibiano de Almeida. Minha filha, Antonieta Dias, que aprende com o Sr. Bibiano de Almeida differentes matérias do curso de preparatórios, lendo o escripto do Sr. Camargo e querendo prestar homenagem de apreço ao seu distincto e illustrado professor, manifestou-me desejos de contestar a opinião do Sr. Camargo na parte que se referia a grammatica portugueza, em que se julga, se não autoridade ainda, porque apenas conta 12 annos de idade e cinco de estudos, pelo menos regularmente adiantada. Como se tratava de uma questão de exercícios na língua vernácula, e mais – de uma fineza ao mestre, annui aos seus desejos, e a contestação do escripto do Sr. Heraclito Camargo, boa ou não, foi publicada no Correio Mercantil de domingo passado com a assignatura de minha filha. N’esta contestação, não havia o menos vislumbre de offensa ao Sr. Camargo, nem podia haver, porque partia de uma menina que tem um futuro a respeitar. Entretanto... A minha filha (admirem esta coragem!) foi chamada hontem, em letra redonda – testa de ferro! Sim, n’uma publicação anonyma estampada no Jornal do Commercio com o pseudonymo Um discípulo de Jeanet, disse-se que o Sr. Bibiano fabricára o escripto em resposta ao Sr. Camargo e que minha filha lhe apresentara sua assignatura! Semelhante infâmia, se mesmo um anonymo, algum desprezível parasita dos cofres públicos, podia articular, em letra redonda. Felizmente, eu podia destruil-a, reduzir á expressão mais simples, porque nada menos de três cavalheiros distinctos e habilitados no assumpto, vindo casualmente ao meu escriptorio com o Sr. Bibiano, viram o trabalho de minha filha quando já estava na composição, seriam 11 horas do dia. Mas não o faço, porque tanto não preciso, salvo se o anonymo Jeanet, que não é discípulo, bem o conheço, que se inculca mestre, deixar cahir a mascara e apresentar-se tal qual é. Se com effeito ó um homem, um cavalheiro, que tenha um nome a zelar, e n’este nome algum credito, se não é algum charlatão ou especulador ou especulador, aceite o convite, deixe as trevas, venha p’ra luz, porque não só lhe provarei que minha filha não fez o papel triste de testa de ferro, como a convidarei a certificar-se das suas habilitações e talvez a sentar-se com ella a uma mesa de exame em portuguez. Quanto ao Sr. Heraclito Camargo, lamento profundamente que se fizesse substituir por um anonymo em questão grammatical com um menina de 12 annos, e
  • 54. 53 por essa maneira,que dispenso qualificar, corresponder-se á delizadeza com que foi tratado. Concluindo, declaro que fica na Bibliotheca Publica, á disposição de todos, o Correio Mercantil de 30 do passado, para provar que o Sr. Heraclito Camargo e o anonymo seu substituto faltaram com a verdade e falsificaram um período de um artigo do Sr. Bibiano de Almeida afim de lhe notarem um erro de grammatica. Agosto 2. A. J. Dias.