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POLICARPO QUARESMA: UM EMBATE ENTRE A UTOPIA E A
REALIDADE.

                                                          Vera Lúcia Reis de A. Oliveira 1

RESUMO


       A proposta deste artigo é, a partir da análise da obra de Lima Barreto, Triste fim de
Policarpo Quaresma, estabelecer uma relação entre os personagens criados pelo autor e
determinados aspectos da sociedade dos primeiros anos da República Brasileira, levando em
conta a concepção de literatura defendida pelo escritor, que era a de uma literatura utilitária,
capaz de contribuir para o combate às distorções do regime republicano.


Palavras chave: Lima Barreto, Policarpo Quaresma, literatura, Brasil, República.


ABSTRACT

        The purpose of this article is from the analyses to work of Lima Barreto, Triste Fim de
Policarpo Quaresma, establish a relationship between the characters created by author and
certain aspects of society the early years of the Brazilian Republic. Considering the concept of
literature advocated by the writer, it was the literature of a utilitarian, able to contribute to
combating the distortions of the republican regime.


Key-words: Lima Barreto, Policarpo Quaresma, literature, Brazil, Republic.




1
 Aluna do 8° semestre do curso de Licenciatura em História, UNEB – Campus XIV- Conceição do Coité.
Orientadora: Sharyse Amaral.
2




Introdução

                       “A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu
                       gabinete, nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir
                       havia.” (BARRETO, 1998. P.175)

       A epígrafe colocada acima foi extraída da obra de Lima Barreto “Triste fim de Policarpo
Quaresma”, que será utilizada como fonte para as discussões abordadas neste artigo, por
exprimir, com critério histórico e sutil ironia, a percepção do personagem Quaresma e do
narrador com relação aos desvios que o novo regime republicano representava especialmente no
que dizia respeito à promessa de “governo para o povo”.
        Como o presente trabalho pretende discutir as representações de alguns aspectos sociais e
políticos da República presentes na obra citada acima, inevitavelmente a discussão passa muito
próxima dos recentes debates historiográficos envolvendo história e literatura. Sendo assim,
talvez seja importante fazer algumas considerações a respeito destas discussões: Hayden White e
Dominick LaCapra (HUNT, 2001, p. 157-158) chamam a atenção para o papel ativo da
linguagem nas descrições e concepções da realidade histórica. Eles defendem a idéia de que os
historiadores devem ultrapassar as fronteiras metodológicas de sua disciplina e estabelecer
relações com a literatura moderna e com a crítica literária, tanto no que se refere ao uso de
métodos desta última, no sentido de auxiliar o historiador a interpretar a realidade histórica,
quanto à liberdade de recorrer ao uso da literatura moderna como uma forma de se conhecer e
descrever o mundo, usando a linguagem imaginativamente.
       Ainda de acordo com os autores citados acima, o grande valor da literatura moderna está
em sua “predisposição em explorar o movimento da linguagem em todos os aspectos da
experiência social, política e pessoal”. Sendo assim, os escritores criativos vão muito além das
antigas e estáveis concepções de mundo, rompendo com a falsa crença de que a representação da
realidade deveria ser uma cópia fiel desta. Para White os historiadores, continuaram a procurar a
narrativa do mundo, tal como de fato aconteceu, em vez de admitirem que suas descrições são
parciais, e que umas vão prevalecer em detrimento de outras. (HUNT. 2001, p. 159-160)
       Ainda, com relação à descrição da realidade histórica do passado, LaCapra (HUNT, 2001,
p.154), observa que é impossível se ter uma compreensão absoluta e real de como esse passado
aconteceu, e que as representações do mesmo vêm à tona através de vários textos. Contudo, a
base textual de todo o conhecimento sobre o contexto é, em geral, “obscurecida ou reprimida”
3



entre os historiadores que concentram a sua atenção em busca de uma realidade estática. O autor
considera importante o “dialogo” com o passado, permitindo que este se manifeste a partir de
várias perspectivas e não reduzido a um único significado.
       Embora as reflexões apontadas por White e LaCapra sejam importantes para se repensar
as questões historiográficas acerca da representação do passado, chamando a atenção para as
novas concepções a respeito da escrita da história e dos limites de representação do mundo, é
importante estar atento a algumas advertências feitas por historiadores como Roger Chartier,
citado por Ana Carolina Verani, em sua Dissertação de Mestrado O triste fim de Lima Barreto:
literatura, loucura e sociedade no Brasil da Belle Époque (2003, p.16), de acordo com ela
embora Chartier reconheça que a escrita da história passe pela narrativa e que a descrição do
passado se apresente em forma de representação, ele chama a atenção para o perigo da
radicalização desses princípios que podem levar ao relativismo de transformar o processo do
conhecimento histórico do passado em pura construção discursiva.


                                Contra essa dissolução do estatuto de conhecimento, freqüentemente
                       considerada nos Estados Unidos como uma figura do pós- modernismo, deve-se
                       sustentar com força que a história é comandada por uma intenção e por um principio de
                       verdade, que o passado que ela estabelece como objeto é uma realidade exterior ao
                       discurso, e que seu conhecimento pode ser controlado (CHARTIER, apud, VERANI,
                       2003, p.16).


       Assim, Chartier defende a afirmação da especificidade da análise histórica, não sendo
possível negar que essa obedece a critérios científicos e que o historiador tem um compromisso
com o passado que ele estabelece como objeto de estudo. Por isso, as técnicas e estratégias
usadas nos discursos históricos não podem ser igualadas as mesmas utilizadas pelos literatos, pois
mesmo sendo as suas narrativas carregadas de historicidade elas não têm compromisso com a
verdade, e podem, sem cerimônia, mesclar realidade e ficção no mesmo texto.
       Embora a proposta do trabalho não seja discutir a relação entre literatura e história, foi
feita uma breve introdução a esse respeito, pois a proposta do trabalho tem como fonte uma obra
literária. Desse modo, como defende Sidney Chalhoub e Leonardo Pereira, (1998, p.7), que a
obra literária é um testemunho histórico, e como tal deve ser historicizada - seja ela conto poesia
ou romance – inserindo-a no movimento social, investigando suas redes de interlocução social,
mostrando, não a sua suposta autonomia em relação à sociedade, mas sim, a forma como constrói
4



ou representa a sua relação com a realidade social.
        Portanto, literatura e literato estão entrelaçados pela trama da história, são sujeitos e
personagens inseridos nos conflitos sociais de sua contemporaneidade. Com isso, mesmo estando
às obras literárias carregadas de subjetividade, quando tomadas como fonte, constituem-se como
janelas que se abrem para o historiador, dando-lhe um leque de possibilidades de ver o “mesmo”
evento ou estrutura a partir de perspectivas diferentes.
        Assim, a obra literária de Lima Barreto foi tomada como fonte por considerá-la possível
a análise histórica, e para que se tenha um maior conhecimento da época, os “critérios específicos
do conhecimento histórico”, permitem recorrer a outras informações e recursos além da obra
literária analisada, sendo possível a partir do texto construir uma reflexão histórica buscando uma
maior compreensão de determinada realidade social.
        Conscientes de que a análise feita será a partir da visão do autor, portanto se restringirá a
alguns aspectos da sociedade em detrimento de outros, o que não descarta a possibilidade do
presente trabalho contribuir para o enriquecimento do conhecimento histórico, permitindo uma
melhor compreensão da realidade brasileira nos primeiros anos da República.


Quaresma: Um triste relato da República


        Triste fim de Policarpo Quaresma é uma obra pré-modernista, na qual Lima Barreto
antecipa a temática básica do modernismo de 1922, isto é, um nacionalismo crítico, mostrando o
Brasil não oficial. O romance foi escrito em 1911, e aborda a representação de alguns aspectos
expressivos do contexto histórico-social dos primeiros anos da República Brasileira. Assim,
através da trajetória nacionalista de Quaresma, o autor traz a tona as várias fissuras e tensões da
realidade brasileira.
        O texto narra o esforço do Major Quaresma para contribuir com a grandeza do Brasil, seu
patriotismo exagerado, totalmente empenhado em resgatar a “alma nacional”. Esse patriotismo
transparece em algumas atitudes: ele se alimenta com produtos nacionais, dedica-se a aprender o
violão, as modinhas e a valorizar o folclore brasileiro. Após anos de leitura e reflexões,
invocando argumentos históricos e filosóficos, bem ao gosto cientificista da época, Quaresma
dirige um requerimento a Câmara Federal propondo a recuperação dos costumes e da língua
indígena, por acreditar que esta era a verdadeira língua do Brasil. Seu forte sentimento cívico o
5



impulsiona a buscar soluções para resolver os problemas do país:


                                Policarpo era patriota. Desde moço, ai pelos vinte anos, o amor da Pátria
                       tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento
                       sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que
                       Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento
                       inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então
                       apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa.
                       (BARRETO, 1998, p.22)


       Quaresma é o único personagem no romance, cujas ações visam algo além dele mesmo, o
bem do Brasil como um todo. Em contraste com ele movem-se ao seu redor grupos de
personagens como: o dos militares, dos funcionários públicos, dos profissionais liberais e dos
grandes proprietários de terra, que associavam o patriotismo ao carreirismo político e aos
interesses individuais. Essa noção distorcida de patriotismo era comum entre a elite republicana,
pois havia uma fusão do interesse público com o particular. De acordo com José Murilo de
Carvalho, (1990, p.30) o contexto da proclamação da República foi marcado pelo espírito da
especulação, do enriquecimento pessoal a todo custo, denunciando amplamente na imprensa, na
tribuna e nos romances. “Predominava a mentalidade predatória, o espírito do capitalismo sem a
ética protestante”.
       Lima Barreto, assim como Quaresma não tinha ambições políticas e nem ganância por
acumular riquezas, o que movia criador e criatura era o desejo de ter um país mais justo que
olhasse para a população menos favorecida. De acordo com Nicolau Sevcenko (1998, p. 192) as
obras de Lima Barreto são pautadas pelo seu compromisso com a crítica social. “Todos os seus
personagens concorrem para consagrar o destino “militante” da sua literatura.”
       Nesse sentido, o autor se expressava através de suas obras estabelecendo um vínculo
estreito entre sua movimentação no espaço social e a observação atenta das questões que
emergiam nesse contexto. A sua vida literária foi marcada por uma crença incansável numa
literatura utilitária e missionária, capaz de ligar e envolver os homens em torno de valores
universais, como justiça, ética e solidariedade, por isso ele desejava que suas obras atingissem o
maior número possível de pessoas como observa Sevcenko:


                                Mas por que a preocupação pertinaz de atingir tão intimamente a um público
                       tão vasto? Por que essa ambição, essa cobiça tão furiosa de comunicação que marcou
                       toda sua vida literária? Sua concepção cruelmente utilitária da arte o fazia concebê-la
                       como uma força de libertação e de ligação entre os homens. Permitia-lhe escapar das
6


                       injunções particulares e cotidianas para o próprio centro das decisões sobre o destino da
                       humanidade. Ensejava a cada indivíduo isolado que se sentisse incorporado
                       profundamente no seio da natureza e do universo. Por isso mesmo, ele chegava a supor a
                       literatura como um complemento ou um sucedâneo para a religião. (SEVCENKO, 1198,
                       P. 199-200)


       De acordo com o seu biógrafo Francisco de Assis Barbosa, Lima Barreto teve sua vida
marcada pelo drama íntimo da loucura de seu pai, e a sua advinda ou não do alcoolismo, mas não
se curvou aos preconceitos de seu tempo, muitas vezes se rebelou contra os mesmos através de
sua arte, deixando transparecer em muitas de suas obras suas magoas e ressentimentos e “sem
que se dessa conta, ia armazenando o seu “stock” de observações e de emoções”. (BARBOSA,
2002, p. 222).
       Voltando ao Major Quaresma, a sua atitude ingênua de escrever um ofício para a Câmara,
solicitando a autonomia cultural do Brasil, provocou a crítica, ironia e escárnio de todos os
colegas de repartição, e como as suas manias sugerem um desvio de comportamento, Quaresma
foi considerado louco e internado no hospício.
       Refeito e curado dos delírios, Quaresma ao sair do hospício dá continuidade ao seu
projeto de lutar por um país melhor. Centra-se agora na agricultura, aposentado compra um sítio
denominando “O Sossego”, com intuito de demonstrar a fertilidade das terras nacionais, e de
contribuir para a expansão da nossa economia, e servir ele mesmo de exemplo demonstrando aos
pequenos proprietários rurais o potencial agrícola do país. Adquiriu vários instrumentos e livros,
planejou com exatidão, pensou nas vantagens e ônus, e viu com satisfação que seu projeto era
viável e rentável, não por ambição de fazer fortuna, mas por haver nisso mais uma demonstração
das excelências do Brasil:


                                 Então pensou que foram vãos aqueles seus desejos de reformas capitais nas
                       instituições e costumes: o que era principal à grandeza da pátria estremecida, era uma
                       forte base agrícola, um culto pelo solo ubérrimo para alicerçar fortemente todos os
                       outros destinos que ela tinha de preencher. (BARRETO 1998 p.76)


       Apesar de Quaresma ter se cercado de conhecimentos sobre agricultura e comprado
instrumentos para auxiliá-lo na lida da terra, o seu projeto agrícola cai por terra, e uma sucessão
de fracassos assola os seus planos de prosperidade: impostos exorbitantes, falta de uma política
de incentivo ao pequeno proprietário, a invasão das formigas, as pestes das galinhas e sobretudo
ainda havia um mal bem mais avassalador; a intervenção dos políticos locais, nos personagens do
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tenente Antônimo e do Dr. Campos representantes da Oligarquia rural local que usam os seus
cargos político para tentar coagir Quaresma a fazer política partidária.
       Com todas essas decepções a alma patriota de Quaresma se angustiava. Ele consegue ter
uma visão crítica acerca da atitude do governo em relação à questão rural e preocupado, constata
o abandono em que vivem as populações rurais, sem o apoio do governo para cuidar das terras, e
muitos trabalhadores sem terras próprias para cultivar, enquanto grandes proprietários mantinham
latifúndios improdutivos.
       A dura realidade vivenciada por Quaresma no “Sossego” o fez despertar do seu ufanismo
bovarista, impulsionando-o a adquirir uma consciência crítica da realidade e buscar alternativas
para melhorar as condições de vida da população pobre que vivia a margem do regime
republicano:


                                 De fato, essa passagem do ufanismo à lucidez crítica resume a própria trajetória
                        do Major Quaresma, símbolo de uma intelectualidade que reformula suas posturas. Ela
                        implicava sobretudo uma mudança na forma de olhar, exigindo que se saísse das páginas
                        dos livros e da cultura letrada, das tribunas, das bibliotecas, e dos gabinetes, para um
                        contato direto com a realidade do país, sua natureza, sua gente, seus campos, suas
                        cidades. A experiência existencial dessa intimidade com o homem e a terra se
                        encarregaria de traduzir-se por se mesma em consciência crítica e avaliação das
                        condições reais do país, como ocorreu com Quaresma no seu sítio do “Sossego”.
                        (SEVCENKO, 1998, p. 213)


       Assim, toda a escrita de Lima Barreto é permeada pelo seu compromisso político de
cidadão preocupado em trazer a tona o maior volume possível da realidade social do país, com
suas várias fissuras e tensões.
       Durante toda a sua vida Lima Barreto combateu os preconceitos que teve que enfrentar
por ser pobre, suburbano e “mulato sem disfarce”, com isso, a sua própria movimentação no
espaço social e sua observação atenta das questões que emergiam no contexto, contribuiu para
um olhar mais próximo dos “homens vencidos” de seu tempo. O autor condenava as atitudes, os
símbolos, os objetos, ou qualquer critério utilizado pelos homens para estabelecer divisões no
interior da sociedade. Daí nasce o seu incansável esforço de dispor da literatura como uma força
motriz capaz de despertar a solidariedade entre os homens. A sua posição a esse respeito é clara:
“A grande força da humanidade é a solidariedade [...] cheio dessa concepção venho para as letras
disposto a reforçar esse sentimento com as minhas pobres e modestas obras”. (BARRETO, apud,
SEVCENKO, 1998, p. 220).
8



       Com efeito, Lima Barreto deixa transparecer, em muitas de suas obras, a sua visão crítica
acerca do regime republicano e de seus representantes, principalmente por não identificar nesse o
sentimento de solidariedade, que para ele deveria predominar em um regime que se pretendia
democrático. Em um artigo que escreveu em 1918 ele demonstra a sua indignação com os
políticos que estavam à frente do regime republicano: “A república, porém trazendo à tona dos
poderes públicos, a bôrra do Brasil, transformou completamente os nossos costumes
administrativos e todos os “arrivistas” se fizeram políticos para enriquecer (BARRETO, 1956. p,
78).
       A República surgiu em uma sociedade profundamente desigual, hierarquizada e logo
ficou claro que ela não estava concretizando os ideais em nome dos quais surgira. Com isso, as
insatisfações e frustrações foram se manifestando em forma de revoluções e de protestos, na
capital da república e em várias partes do país. De acordo com José Murilo de Carvalho, (1987, p.
16) as insatisfações e frustrações foram se manifestando em forma de revoluções e protestos:
Canudos (1893-1897), guerra civil no sul, instabilidade política, greves, tumultos e tentativas de
golpes. As agitações eram visíveis na capital da República, que teve sua população aumentada
rapidamente em função da abolição, eram muitas pessoas sem colocação para trabalhar, ou
quando conseguiam se empregar a remuneração era muito baixa. A cidade foi preenchida por
indivíduos mais ou menos “perigosos” que formavam a maioria marginalizada da população
fluminense: ladrões, prostitutas, ciganas, malandros, desertores, ambulantes, floristas, pequenos
funcionários públicos, pivetes, capoeiristas, jogadores.
       Nesse sentido, Sevcenkco (1998, p. 21) observou que essa população extremamente pobre
e marginalizada vivia amontoada nos casarões do centro da cidade, mas com o projeto de
modernização da capital da República, esses indivíduos foram expulsos para os subúrbios e os
morros da cidade. “Para as autoridades, eles significavam uma ameaça permanente à ordem, à
segurança e a moralidade pública”.
               Lima Barreto descreve os subúrbios insalubres da capital da República, onde as
pessoas viviam amontoadas em verdadeiros “Caixotes humanos”. O personagem Ricardo
Coração dos Outros, amigo de Quaresma, era morador em um desses subúrbios, o tipo de
moradia é descrito por Barreto, com riqueza de detalhes, assim como o estilo de vida de seus
moradores.
9


                                Casas que mal dariam para uma pequena família, são divididas, subdivididas, e
                       os minúsculos aposentos assim obtidos, alugados a população miserável da cidade. Aí,
                       nesses caixotins humanos, é que se encontra a fauna menos observada da nossa vida,
                       sobre a qual a miséria paira com um rigor londrino.
                                Não se podem imaginar profissões mais tristes e mais inopinadas da gente que
                       habita tais caixinhas. Além dos serventes de repartições, contínuos de escritórios,
                       podemos deparar velhas fabricantes de rendas de bilros compradores de garrafas vazias,
                       castradores de gatos, cães e galos, mendigueiros, catadores de ervas medicinais, enfim
                       uma variedade de profissões miseráveis que as nossas pequenas e grande burguesias não
                       podem adivinhar. Às vezes num cubículo dessas se amontoam uma família, e há
                       ocasiões em que seus chefes vão a pé para a cidade por falta do níquel do trem.
                       (BARRETO, 1998, P. 84).


           Com relação à retirada dos cortiços do centro da cidade Chalhoub (1996, p. 17)
observou que o processo de extirpar os cortiços cariocas do centro da cidade foi aclamado pela
impressa, que elogiou a atitude do Prefeito da Capital Federal, por ter varrido aquela “sujeira” do
mapa. “Assim ele havia prestado a cidade “serviços inolvidáveis”, algo inesquecível, pois nem
bem chegava ao fim à era dos cortiços e a cidade do Rio já entrava no século das favelas.”
       Nas primeiras décadas da República uma das preocupações das autoridades públicas era a
modernização da cidade a todo custo, afinal, o seu embelezamento favorecia a entrada de
recursos dos países ricos e civilizados. No entanto, as autoridades republicanas não fizeram um
projeto para acolher essa população pobre desabrigada, que foi expulsa do centro da cidade, o
destino das mesmas simplesmente foi negligenciado, e assim esses indivíduos foram ocupando os
morros e encostas, construindo suas casas sem urbanização, sem saneamento básico,
abandonados à própria sorte e sujeitos às epidemias, pois continuavam vivendo amontoados.
Porém, havia uma diferença: estavam distantes do centro da cidade e, portanto não iria “enfear”
as avenidas elegantes da capital da República.
       Na trajetória patriota de Quaresma, quando este, já mais lúcido quanto aos reais
impedimentos à forte base agrícola que idealizara, mas ainda acreditando no potencial do país e
de sua gente, reanima-se ao idealizar um projeto de reforma administrativa. Ao ficar ciente da
Revolta da Armada, Quaresma percebe a oportunidade para realizar suas novas idéias através de
um governo forte e sábio. Associando Floriano aos déspotas esclarecidos do século XV e XVI
(Henrique IV e seu primeiro ministro Sully), redige-lhe um telegrama pedindo “energia” e
afirmando a sua ida imediata a capital. No Rio, Quaresma apresenta-se ao chefe da nação com
um memorial contendo uma detalhada análise da situação agrária do país, bem como as medidas
para solucionar os problemas apontados e, embora o Marechal Floriano Peixoto não dê
10



importância ao projeto de Quaresma, convoca-o à resistência contra os traidores da pátria.
       Empenhado em defender a pátria, Quaresma dedica-se aos manuais sobre artilharias,
logística, infantaria e ciências afins com grande motivação patriótica para melhor servir ao país,
mas, Quaresma começa a duvidar do governo forte de Floriano, quando este demonstra o seu
desprezo pela população rural, considerada por ele como composta por vadios nas palavras do
Marechal: “Mas pense você, Quaresma que eu hei de pôr a enxada na mão de cada um desses
vadios?... - Você Quaresma é, um visionário...” (BARRETO, 1998, p.150).
       Apesar de decepcionado, Quaresma tinha esperança de que, quando passasse a crise
política, o marechal daria atenção ao seu projeto. Impulsionando pelo seu espírito patriótico, luta
ao lado do Marechal Floriano para defender a República e a partir daí inicia-se o seu calvário em
direção à conscientização e a morte.


Floriano ditador ou “liberal”


       No livro História Geral da Civilização Brasileira, o capitulo escrito por Fernando
Henrique Cardoso (2004, pp.42-43) trás informação sobre os métodos utilizados pelo vice-
presidente Floriano Peixoto, para se manter no poder: Em “defesa” da República e para
restabelecer o “império da lei” ele violou a constituição e assumiu a vaga de presidente. A
legislação previa uma nova eleição presidencial quando menos da metade do mandato de quatro
anos fosse cumprido. Diante da atitude arbitrária de Floriano, alguns militares, insatisfeitos com
os rumos da política republicana, assinaram um manifesto solicitando eleições presidenciais e
questionando a legalidade do seu governo. Mas, Floriano imbuído de plenos poderes concedidos
pelos parlamentares e endossado pela elite cafeeira de São Paulo, usou toda sua determinação e
objetividade para se manter no poder, perseguindo os sediciosos e combatendo as revoltas que se
alastravam na capital da República e nos Estados.
       Assim, tomando como exemplo o fato histórico da Revolta da Armada (1893-1894),
rebelião liderada por Custódio de Melo e Saldanha da Gama, estes representantes da marinha, no
qual os sediciosos ocuparam a baía da Guanabara e com canhões apontados para a capital da
República exigiram a renuncia de Floriano. Lima Barreto se apóia nesse fato histórico e, através
da ficção demonstra de forma esclarecedora os métodos utilizados por Floriano para se manter no
poder e “proteger” a República.
11




                                 A cidade andava inçada de secretas, “familiares” de Santo ofício Republicano e
                        as detenções eram moedas com que se obtinham postos e recompensas.
                                  Bastava à mínima crítica, para se perder o emprego, a liberdade – quem sabe?
                        – a vida também. Ainda estávamos no começo da revolta, mas o regime já publicava o
                        seu prólogo e todos estavam avisados. O chefe de polícia organizara a lista dos
                        suspeitos. Não havia distinção de posição e talentos. Mereciam as mesmas perseguições
                        do governo, um pobre contínuo e influente senador; um lente e um simples empregado
                        de escritório. Demais surgiram as vinganças mesquinhas, o revide de pequenas
                        implicâncias... (BARRETO, 1958 p, 120)


       Floriano se dizia um liberal convicto, mas não hesitava em perseguir civis, militares e a
imprensa. Assim os que se manifestassem contra suas atitudes eram vistos como inimigos da
República e deveriam ser perseguidos e até executados. De acordo com Maria de Lourdes Janotti,
(1999, p.88) sob a alegação de que a República estava sendo ameaçada por inimigos internos e
externos o Marechal Floriano depôs governadores, efetuou numerosas prisões nos Estados,
cercou-se de jovens militares positivistas e livrou-se dos políticos liberais do executivo.
       Assim o Marechal Floriano muito habilidoso para tirar proveito das situações,
manifestava-se favorável à ditadura da espada, mesmo se declarando um liberal, como pode ser
observado na carta que enviou ao General Neiva, em 10 de junho de 1887.

                                 Vi a solução da questão de classe, excedeu sem dúvida a expectativa de todos.
                        Fato único que prova exuberantemente a podridão que vai por este pobre país e, portanto
                        a necessidade da ditadura militar para expurgá-la. Como liberal que sou não posso
                        querer para o meu país o governo da espada, mas não há quem desconheça, aí estão os
                        exemplos, de que é ela que sabe purificar o sangue do corpo social que como o nosso,
                        está corrompido. (A. XIMENO. Apud. COSTA. 2007 p.403-404).



       Mesmo o Marechal Floriano se dizendo liberal, não hesitou em usar da sua autoridade
para perseguir seus opositores, impor censura a imprensa, intervir nos Estados e declarar estado
de sítio na capital da República. De acordo com Elio Chaves Flores, (2008, pp.61-62) não se deve
esquecer que Floriano, impôs a sua ditadura com a conivência dos parlamentares que concederam
plenos poderes ao executivo para combater as revoltas e “consolidar” o regime republicano.
Nesse sentido percebe-se que a ditadura da espada estava cercada por cúmplices e adeptos.
       Retomando a trajetória de Quaresma, esse, após combater ao lado do governo para
defender a unidade do país, é designado para assumir o posto de carcereiro na Ilha das Enxadas.
12



Lá, Quaresma tomará consciência de que lutou por um país e um governo que só existia na sua
imaginação, e que as pessoas com quem estivera coligado tinham ideais muito distintos dos seus:


                                Todos tinham vindo ou com pueris pensamentos políticos, ou por interesse;
                       nada de superior os animava. Mesmo entre os moços, que eram muitos, se não havia
                       baixo interesse, existia uma adoração fetíchica pela forma republicana, um exagero das
                       virtudes dela, um pendor para o despotismo que os seus estudos e meditação não podiam
                       achar justos. Era grande a sua desilusão. (BARRETO, 1998, p.171).



       Revoltado com o fuzilamento de prisioneiros, Quaresma escreve novamente a Floriano
desta vez para protestar veementemente contra as atrocidades que presenciou. E por ter se
rebelado contra o poder, constituído em defesa dos seus valores e ideais, Quaresma foi
considerado um traidor e condenado à morte.
       Lima Barreto escreveu Triste fim... em 1911, período em que o país estava sendo
governado pelo Marechal Hermes da Fonseca. De acordo com Edgar Salvadori de Decca (1997
pp. 55-57), este governo foi marcado pelo uso das forças militares para apoiar políticos leais, com
o objetivo de derrubar as oligarquias estaduais opositoras e fortalecer o governo federal. Ele
também usou a força militar para repreender os marinheiros que haviam participado da Revolta
da Chibata (1910), nessa revolta, centenas de marinheiros que lutavam pelo fim dos castigos
corporais e por melhores condições de trabalho foram mortos e aprisionados.
       Nesse sentido, Edgar de Decca chama a atenção para o período em que Lima Barreto
escreveu Triste fim.., que foi marcado pela violência do regime republicano.


                                A narrativa de Quaresma e o acontecimento do massacre dos marinheiros
                       deslocam-se um em relação ao outro, mas o acontecimento não é, necessariamente, o
                       referente da narrativa. Essas narrativas de massacre tornavam-se comuns no início da
                       república e representavam o sinal do cidadão comum na cena da história. (DECCA, 1997
                       p.56-57)


       Dessa forma, o contexto histórico em que a obra foi escrita e o período que ela retrata
foram marcados pelo autoritarismo, a violência política e a falácia da cidadania.
       Nesse contexto histórico nem Quaresma e nem Lima Barreto se ajustaram, foram rebeldes
até o fim de suas vidas. O primeiro morreu como traidor da pátria que tanto amava; e o seu
criador a sua maneira se expressava para combater as desigualdades do regime republicano, e
morreu sem o reconhecimento literário que tanto almejou durante toda sua vida. Ele acreditava
13



em uma literatura utilitária, capaz de libertar os homens. Eis suas convicções sobre os poderes e
os fins da literatura: [...] “O homem, por intermédio da Arte, não fica adstrito aos preceitos e
preconceitos de seu tempo, de seu nascimento, de sua pátria, de sua raça; ele vai, além disso,
mais longe que pode, para alcançar a vida total do universo e incorporar a sua vida na do
mundo”. (BARRETO, 1993 p.393)
       De acordo com Francisco de Assis Barbosa, a literatura para Lima Barreto não era
escrever bonito, ele criticava intelectuais de sua época como Afrânio Peixoto que concebia a
literatura como mero entretenimento, a literatura “sorriso da sociedade”. “Ele se rebelava contra
essa deturpação da missão do escritor, não podia admitir a literatura contemplativa, a literatura
plástica, a literatura apenas pela literatura.” (BARBOSA, 2002 p. 259)
       Assim, com a sua concepção de literatura “militante”, Lima Barreto procurou retratar nas
suas obras com maior fidedignidade possível a sociedade brasileira, trazendo em suas
personagens a marca do seu meio, o que constitui o objeto privilegiado da sua crítica social nos
primeiros anos da República.


A visão “utilitarista” da coisa pública


               No decorrer da trajetória de Quaresma ele vai se relacionar com pessoas que vão
revelar a verdadeira face das classes médias aspirantes à nata da sociedade. Pessoas preocupadas
apenas em defender os seus interesses pessoais, de grupo ou de classe social. Estas estão
representadas pelos militares, profissionais liberais, funcionários públicos e pelos grandes
proprietários de terra. Nas suas ações revelam-se o “gosto” pelos privilégios, a alienação política,
a reverência ao título de doutor, a vontade generalizada do emprego público, a falta de
consciência para separar os interesses públicos dos interesses particulares.
               Essa realidade medíocre de pessoas de pouco talento, que estão sempre querendo
se dar bem a qualquer custo, é tratada as vezes com ironia, e outras vezes com rancor pelo autor.
Como está retratado no personagem do General Albernaz que conhece a guerra apenas de ouvir
contar, e tem por objetivo casar as filhas e arranjar um “pistolão” para o filho entrar no colégio
Militar.
14


                                 O altissonante título do general, que lembrava coisas sobre-humanas dos
                        Césares, dos Turennes e dos Gustavos Adolfos, ficava mal naquele homem plácido,
                        medíocre, bonachão, cuja única preocupação era casar as cinco filhas e arranjar
                        “pistolões” para fazer passar o filho nos exames do colégio Militar. (BARRETO. 1998.
                        p, 32)


                O autor desprezava esses arranjos para se dar bem a qualquer custo. Ele acreditava
na meritocracia, combatia e denunciava, através de seus escritos, o protecionismo, os favores
pessoais e os privilégios de toda ordem, que permeavam as relações sociais das camadas
próximas ao poder. Nesse contexto, os pretensos propósitos democráticos do regime republicano
eram minados.
                Lima Barreto carregava uma magoa por não ter se formado, fora reprovado varias
vezes na cadeira de Mecânica Racional. E não aceitava que o título de “doutor” que lhe fugira
pudesse condenar para sempre um homem de capacidade intelectual superior. Muitas vezes
deixou transparecer através de suas obras sua ira e frustração por não ter conseguido o canudo
que talvez diminuísse os complexos de cor e de classe. De acordo com Ana Carolina Verani
(2003, pp.55-56) Lima Barreto não era contra ao diploma o que o incomodava era o fato de que
quem o possuía, nem sempre tinha competência. No entanto, adquiria prestigio, privilégios e
honras na sociedade da época que venerava os símbolos e os títulos de doutor, impondo
graduações aos homens.
                Segundo Sevcenko (1998, p. 215) Lima Barreto, acreditava que os objetos e
símbolos “tornavam externos e superficiais a avaliação das qualidades pessoais de cada um e,
sobretudo ocultava à incompetência, o nepotismo, a influência, oferecendo uma cobertura para a
concussão”.
                Assim, a valorização dos símbolos e dos títulos de doutor, “os aristocratas do
canudo” é retratado com ironia pelo autor. O personagem de Cavalcante, noivo de Ismênia filha
do general Albernaz era admirado por todos graças ao diploma de dentista que o investia de uma
segunda natureza, indefinida, porém superior à dos meros mortais, os que não têm canudo. O Dr.
Armando Borges marido de Olga, afilhada de Quaresma também fazia parte da classe dos
“superiores” portador do título de doutor:

                                  Dona Adelaide, mulher velha, do tempo em que o império armava essa nobreza
                        escolar, possuía em si uma particular reverência, um culto pelo doutorado; e não lhe foi,
                        pois, difícil demonstrá-lo quando se viu adiante do doutor Armando Borges, de cujas
                        notas e prêmios ela tinha exata notícia.
15


                                Quaresma mesmo recebeu-o com as maiores marcas de admiração e o doutor,
                       gozando aquele seu sobre-humano prestígio, ia conversando pausadamente,
                       sentenciosamente, dogmaticamente; e à proporção que conversava, talvez para que o
                       efeito não se dissipasse, virava a mão direita com o grande anelão “simbólico”, o
                       talismã, que cobria a falange do dedo indicador esquerdo, ao jeito de marquise
                       (BARRETO, 1998, p.100).


               Cavalcante e o Dr. Armando Borges circulavam em uma sociedade que
supervalorizava os títulos, onde os seus portadores eram vistos como “seres superiores”. Nesse
sentido, percebe-se a relação recíproca personagem-sociedade, confirmando-se a intenção
dominante de Lima Barreto: representar criticamente a sociedade brasileira da Primeira
República.
              Entre os funcionários públicos, salienta-se Genelício, noivo de uma das filhas do
general Albernaz, que estava sempre com um caderninho a anotar datas de aniversário dos
chefes, e publicava em jornais artigos de contabilidade em linguagem tão adornada quanto vazia.
Para se dar bem fazia todos os arranjos e manobras possíveis.


                                Na bajulação e nas manobras para subir, tinha verdadeiramente gênio. Não se
                       limitava ao soneto, ao discurso; buscava outros meios, outros processos. Um dos que se
                       servia, eram as publicações nas folhas diárias. No intuito de anunciar aos ministros e
                       diretores que tinha uma erudição superior, de quando em quando desovava nos jornais
                       longos artigos sobre contabilidade pública. Eram meras compilações de bolorentos
                       decretos, salpicadas aqui e ali com citação de autores franceses ou portugueses.
                       (BARRETO, 1998. P, 49).


              Em uma sociedade repleta de pessoas ignorantes, aqueles que como Genelício
tivessem uma boa oratória eram vistos como gênio e viviam cercados de respeito. Lima Barreto
ironizava o culto às mostras de erudição e aqueles que usavam a palavra para ascender
socialmente. Ele combatia os escritores da sua época que produziam uma literatura de
contemplação, cheia de estereótipos eletrizantes. O escritor Coelho Neto era um dos alvos da sua
crítica.
              Em um artigo escrito 1918, na Revista Contemporânea o escritor expressa todo
seu desprezo pelo escritor Coelho Neto, que para ele produzia literatura apenas pela literatura,
instrumento de prazer dos ricos:


                                “O senhor Coelho Neto é o sujeito mais nefasto que tem aparecido em nosso
                       meio intelectual.
16


                                  “Sem visão da nossa vida, sem simpatia por ela, sem vigor de estudos, sem um
                        critério filosófico ou social seguro, o Senhor Neto transformou toda a arte de escrever
                        em pura Chinoiserie de estilo e fraseado”. (BARRETO, apud, BARBOSA, 2002 p.259).



                Nesse sentido, Lima Barreto combatia seus pares que viam a literatura como
instrumento de prazer para os ricos. Ele desafiou o convencionalismo literário da época,
impregnado de uma falsa concepção estética. De acordo com Francisco de Assis (2002, p. 257)
“o estilo simples, direto e objetivo de Lima Barreto nada tinha a ver com a pompa e o brilho da
retórica usual. Ele era anticonvenciaonal, antiacadêmico, ele era um revolucionário”.
              Segundo Ana Carolina Verani, Lima Barreto, acreditava que a literatura seria um
meio para expor de forma crítica as contradições e as varias formas de opressão presentes na
sociedade.


                                  Tendo como munição a palavra escrita, a sátira a ironia, para que estes
                        atingissem o maior número de pessoas possível. Na sua missão de aproximar os homens
                        em torno da idéia de uma sociedade sem confinamentos, preconceitos, desigualdades,
                        regida por princípios de ética e igualdade e não de autoridade, ele se recusou, também, a
                        enquadrar a sua literatura e a sua linguagem em rígidas formas, aprisionastes estilos,
                        rótulos, genros. (VERANI. 2003, p. 104)


                 A escrita de Lima Barreto tem um cunho político, é clara a sua intenção de se
posicionar diante da realidade social na qual estava inserido. Assim a narrativa da trajetória de
Quaresma nos remete ao encontro de cidadãos comuns, que como ele deu a sua vida lutando por
um país com mais justiça social, no qual a cidadania não se restringisse apenas aos discursos
vazios.

Conclusão

          Lima Barreto compõe em Triste Fim de Policarpo Quaresma uma obra empenhada, como
autor militante o seu objetivo é através da narrativa denunciar o autoritarismo, a violência política
a falácia da cidadania e as mazelas do regime republicano.
          Dessa forma, a intenção foi mostrar que os personagens criados por Lima Barreto
estabelecem uma relação recíproca personagem–sociedade, confirmando-se assim, a intenção
persistente do autor que era a de representar criticamente a sociedade brasileira dos primeiros
anos da República.
17



       Nesse sentido, o autor utilizava a sua arte como uma “arma” para combater as distorções
da sociedade. Ele se expressava através de suas obras estabelecendo uma conexão entre a sua
movimentação no espaço social e a observação atenta das questões que emergia no contexto.
Como mostra Idilva Germano a sua produção foi marcada por um certo grau de compromisso
com a realidade incorporada criticamente em seus textos:

                                 Com efeito, o estilo “realista memorialista” marca toda a produção de Lima
                        Barreto, inclusive os textos mais propriamente de observação social, como as sátiras e as
                        crônicas. No Triste Fim..., a ressonância afetiva descolou-se do tema racional e de classe
                        para o tema das ideologias de Brasil. O major, como ele próprio, é vitima por exceder-se
                        nas suas fantasias de país, a dor de as ver ruírem não pode ser impedida pelo caráter
                        moralmente elevado dos seus sonhos ( GERMANO, 200 p. 46)


       Sendo assim, Lima Barreto acreditava no papel missionário da sua escrita para
transformar o país, e fez de suas obras e de seus personagens um veículo para comunicar aos
leitores suas críticas e reflexões a cerca de questões sociais e políticas da sociedade carioca e do
governo republicano. Apesar de se tratar de questões particulares de seu tempo, muito do que o
autor expôs não sofreu grandes mudanças até os nossos dias. E a sua certeza da necessidade de
uma sociedade mais justa e igualitária, onde todas as pessoas, sem distinção pudessem exercer de
fato e de direito a sua cidadania continuam presente e atual em nossa sociedade.
18



BIBLIOGRAFIA

FONTES:

BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. 19° Ed. São Paulo: Ática, 1998.

________. Marginália, artigos e crônicas. São Paulo: Gráfica Urupês, 1956.

________. Um longo sonho do futuro: Diários, cartas, entrevistas e confissões dispersas. Rio de
Janeira: Graphia, 1993.

LIVROS:

BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 8ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2002.

CARDOSO, Fernando Henrique. Dos Governos Militares a Prudente – Campos Sales. In:
FAUSTO, Boris. (org.) História geral da civilização brasileira; t. 3 v.1. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2004.

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987.

________. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: companhia
das Letras. 1990

CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São
Paulo: companhia das Letras. 1996.

CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo AM. (org.). A história contada: Capítulos de
história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia á república: momentos decisivos. 8ª Ed. São Paulo:
UNESP, 2007.

 DECCA, Edgar Salvadori de. Quaresma: um relato de massacre republicano. In: Anos 90,
revista do PPG História da UFRGS. Porto Alegre: editora da Universidade UFRGS, n° 8, p. 61-
61, dez. 1997. Disponível em: http://nuevomundo.revues.org/index1513.html, acesso em: 22 de
set. 2009.

FLORES, Elio Chaves. A consolidação da República: rebeliões de ordem e progresso. In:
FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de A.N. (org.). O tempo do liberalismo excludente: da
proclamação da República. Revolução de 1930. 3° Ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira,
2008.
19



GERMANO, Idilva Maria Pires. Alegorias do Brasil: imagens de brasilidade em “Triste fim de
Policarpo Quaresma e viva o povo brasileiro. São Paulo: Annablume, 2000.

HUNT, Lynn. A nova história cultural, 2° Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Sociedade e Política na Primeira República. São Paulo:
Atual, 1999.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República. 2ª ed. São Paulo: companhia das letras, 2003.

_______. Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In:
NOVAIS, Fernando A. História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letrasm,
1998.

 VERANI, Ana Carolina, O triste fim de Lima Barreto: literatura, loucura e sociedade no Brasil
da Belle Époque. Rio de Janeiro, 2003. 110 p. Dissertação de mestrado. PUC _ Rio,
Departamento        de        História.    Disponível         em:        http://www2.dbd.puc-
rio.br/pergamum/tesesabertas/0115370_03 pretextual.pedf , acesso em: 08 de set. 2009.

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Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade

  • 1. POLICARPO QUARESMA: UM EMBATE ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE. Vera Lúcia Reis de A. Oliveira 1 RESUMO A proposta deste artigo é, a partir da análise da obra de Lima Barreto, Triste fim de Policarpo Quaresma, estabelecer uma relação entre os personagens criados pelo autor e determinados aspectos da sociedade dos primeiros anos da República Brasileira, levando em conta a concepção de literatura defendida pelo escritor, que era a de uma literatura utilitária, capaz de contribuir para o combate às distorções do regime republicano. Palavras chave: Lima Barreto, Policarpo Quaresma, literatura, Brasil, República. ABSTRACT The purpose of this article is from the analyses to work of Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma, establish a relationship between the characters created by author and certain aspects of society the early years of the Brazilian Republic. Considering the concept of literature advocated by the writer, it was the literature of a utilitarian, able to contribute to combating the distortions of the republican regime. Key-words: Lima Barreto, Policarpo Quaresma, literature, Brazil, Republic. 1 Aluna do 8° semestre do curso de Licenciatura em História, UNEB – Campus XIV- Conceição do Coité. Orientadora: Sharyse Amaral.
  • 2. 2 Introdução “A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete, nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir havia.” (BARRETO, 1998. P.175) A epígrafe colocada acima foi extraída da obra de Lima Barreto “Triste fim de Policarpo Quaresma”, que será utilizada como fonte para as discussões abordadas neste artigo, por exprimir, com critério histórico e sutil ironia, a percepção do personagem Quaresma e do narrador com relação aos desvios que o novo regime republicano representava especialmente no que dizia respeito à promessa de “governo para o povo”. Como o presente trabalho pretende discutir as representações de alguns aspectos sociais e políticos da República presentes na obra citada acima, inevitavelmente a discussão passa muito próxima dos recentes debates historiográficos envolvendo história e literatura. Sendo assim, talvez seja importante fazer algumas considerações a respeito destas discussões: Hayden White e Dominick LaCapra (HUNT, 2001, p. 157-158) chamam a atenção para o papel ativo da linguagem nas descrições e concepções da realidade histórica. Eles defendem a idéia de que os historiadores devem ultrapassar as fronteiras metodológicas de sua disciplina e estabelecer relações com a literatura moderna e com a crítica literária, tanto no que se refere ao uso de métodos desta última, no sentido de auxiliar o historiador a interpretar a realidade histórica, quanto à liberdade de recorrer ao uso da literatura moderna como uma forma de se conhecer e descrever o mundo, usando a linguagem imaginativamente. Ainda de acordo com os autores citados acima, o grande valor da literatura moderna está em sua “predisposição em explorar o movimento da linguagem em todos os aspectos da experiência social, política e pessoal”. Sendo assim, os escritores criativos vão muito além das antigas e estáveis concepções de mundo, rompendo com a falsa crença de que a representação da realidade deveria ser uma cópia fiel desta. Para White os historiadores, continuaram a procurar a narrativa do mundo, tal como de fato aconteceu, em vez de admitirem que suas descrições são parciais, e que umas vão prevalecer em detrimento de outras. (HUNT. 2001, p. 159-160) Ainda, com relação à descrição da realidade histórica do passado, LaCapra (HUNT, 2001, p.154), observa que é impossível se ter uma compreensão absoluta e real de como esse passado aconteceu, e que as representações do mesmo vêm à tona através de vários textos. Contudo, a base textual de todo o conhecimento sobre o contexto é, em geral, “obscurecida ou reprimida”
  • 3. 3 entre os historiadores que concentram a sua atenção em busca de uma realidade estática. O autor considera importante o “dialogo” com o passado, permitindo que este se manifeste a partir de várias perspectivas e não reduzido a um único significado. Embora as reflexões apontadas por White e LaCapra sejam importantes para se repensar as questões historiográficas acerca da representação do passado, chamando a atenção para as novas concepções a respeito da escrita da história e dos limites de representação do mundo, é importante estar atento a algumas advertências feitas por historiadores como Roger Chartier, citado por Ana Carolina Verani, em sua Dissertação de Mestrado O triste fim de Lima Barreto: literatura, loucura e sociedade no Brasil da Belle Époque (2003, p.16), de acordo com ela embora Chartier reconheça que a escrita da história passe pela narrativa e que a descrição do passado se apresente em forma de representação, ele chama a atenção para o perigo da radicalização desses princípios que podem levar ao relativismo de transformar o processo do conhecimento histórico do passado em pura construção discursiva. Contra essa dissolução do estatuto de conhecimento, freqüentemente considerada nos Estados Unidos como uma figura do pós- modernismo, deve-se sustentar com força que a história é comandada por uma intenção e por um principio de verdade, que o passado que ela estabelece como objeto é uma realidade exterior ao discurso, e que seu conhecimento pode ser controlado (CHARTIER, apud, VERANI, 2003, p.16). Assim, Chartier defende a afirmação da especificidade da análise histórica, não sendo possível negar que essa obedece a critérios científicos e que o historiador tem um compromisso com o passado que ele estabelece como objeto de estudo. Por isso, as técnicas e estratégias usadas nos discursos históricos não podem ser igualadas as mesmas utilizadas pelos literatos, pois mesmo sendo as suas narrativas carregadas de historicidade elas não têm compromisso com a verdade, e podem, sem cerimônia, mesclar realidade e ficção no mesmo texto. Embora a proposta do trabalho não seja discutir a relação entre literatura e história, foi feita uma breve introdução a esse respeito, pois a proposta do trabalho tem como fonte uma obra literária. Desse modo, como defende Sidney Chalhoub e Leonardo Pereira, (1998, p.7), que a obra literária é um testemunho histórico, e como tal deve ser historicizada - seja ela conto poesia ou romance – inserindo-a no movimento social, investigando suas redes de interlocução social, mostrando, não a sua suposta autonomia em relação à sociedade, mas sim, a forma como constrói
  • 4. 4 ou representa a sua relação com a realidade social. Portanto, literatura e literato estão entrelaçados pela trama da história, são sujeitos e personagens inseridos nos conflitos sociais de sua contemporaneidade. Com isso, mesmo estando às obras literárias carregadas de subjetividade, quando tomadas como fonte, constituem-se como janelas que se abrem para o historiador, dando-lhe um leque de possibilidades de ver o “mesmo” evento ou estrutura a partir de perspectivas diferentes. Assim, a obra literária de Lima Barreto foi tomada como fonte por considerá-la possível a análise histórica, e para que se tenha um maior conhecimento da época, os “critérios específicos do conhecimento histórico”, permitem recorrer a outras informações e recursos além da obra literária analisada, sendo possível a partir do texto construir uma reflexão histórica buscando uma maior compreensão de determinada realidade social. Conscientes de que a análise feita será a partir da visão do autor, portanto se restringirá a alguns aspectos da sociedade em detrimento de outros, o que não descarta a possibilidade do presente trabalho contribuir para o enriquecimento do conhecimento histórico, permitindo uma melhor compreensão da realidade brasileira nos primeiros anos da República. Quaresma: Um triste relato da República Triste fim de Policarpo Quaresma é uma obra pré-modernista, na qual Lima Barreto antecipa a temática básica do modernismo de 1922, isto é, um nacionalismo crítico, mostrando o Brasil não oficial. O romance foi escrito em 1911, e aborda a representação de alguns aspectos expressivos do contexto histórico-social dos primeiros anos da República Brasileira. Assim, através da trajetória nacionalista de Quaresma, o autor traz a tona as várias fissuras e tensões da realidade brasileira. O texto narra o esforço do Major Quaresma para contribuir com a grandeza do Brasil, seu patriotismo exagerado, totalmente empenhado em resgatar a “alma nacional”. Esse patriotismo transparece em algumas atitudes: ele se alimenta com produtos nacionais, dedica-se a aprender o violão, as modinhas e a valorizar o folclore brasileiro. Após anos de leitura e reflexões, invocando argumentos históricos e filosóficos, bem ao gosto cientificista da época, Quaresma dirige um requerimento a Câmara Federal propondo a recuperação dos costumes e da língua indígena, por acreditar que esta era a verdadeira língua do Brasil. Seu forte sentimento cívico o
  • 5. 5 impulsiona a buscar soluções para resolver os problemas do país: Policarpo era patriota. Desde moço, ai pelos vinte anos, o amor da Pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa. (BARRETO, 1998, p.22) Quaresma é o único personagem no romance, cujas ações visam algo além dele mesmo, o bem do Brasil como um todo. Em contraste com ele movem-se ao seu redor grupos de personagens como: o dos militares, dos funcionários públicos, dos profissionais liberais e dos grandes proprietários de terra, que associavam o patriotismo ao carreirismo político e aos interesses individuais. Essa noção distorcida de patriotismo era comum entre a elite republicana, pois havia uma fusão do interesse público com o particular. De acordo com José Murilo de Carvalho, (1990, p.30) o contexto da proclamação da República foi marcado pelo espírito da especulação, do enriquecimento pessoal a todo custo, denunciando amplamente na imprensa, na tribuna e nos romances. “Predominava a mentalidade predatória, o espírito do capitalismo sem a ética protestante”. Lima Barreto, assim como Quaresma não tinha ambições políticas e nem ganância por acumular riquezas, o que movia criador e criatura era o desejo de ter um país mais justo que olhasse para a população menos favorecida. De acordo com Nicolau Sevcenko (1998, p. 192) as obras de Lima Barreto são pautadas pelo seu compromisso com a crítica social. “Todos os seus personagens concorrem para consagrar o destino “militante” da sua literatura.” Nesse sentido, o autor se expressava através de suas obras estabelecendo um vínculo estreito entre sua movimentação no espaço social e a observação atenta das questões que emergiam nesse contexto. A sua vida literária foi marcada por uma crença incansável numa literatura utilitária e missionária, capaz de ligar e envolver os homens em torno de valores universais, como justiça, ética e solidariedade, por isso ele desejava que suas obras atingissem o maior número possível de pessoas como observa Sevcenko: Mas por que a preocupação pertinaz de atingir tão intimamente a um público tão vasto? Por que essa ambição, essa cobiça tão furiosa de comunicação que marcou toda sua vida literária? Sua concepção cruelmente utilitária da arte o fazia concebê-la como uma força de libertação e de ligação entre os homens. Permitia-lhe escapar das
  • 6. 6 injunções particulares e cotidianas para o próprio centro das decisões sobre o destino da humanidade. Ensejava a cada indivíduo isolado que se sentisse incorporado profundamente no seio da natureza e do universo. Por isso mesmo, ele chegava a supor a literatura como um complemento ou um sucedâneo para a religião. (SEVCENKO, 1198, P. 199-200) De acordo com o seu biógrafo Francisco de Assis Barbosa, Lima Barreto teve sua vida marcada pelo drama íntimo da loucura de seu pai, e a sua advinda ou não do alcoolismo, mas não se curvou aos preconceitos de seu tempo, muitas vezes se rebelou contra os mesmos através de sua arte, deixando transparecer em muitas de suas obras suas magoas e ressentimentos e “sem que se dessa conta, ia armazenando o seu “stock” de observações e de emoções”. (BARBOSA, 2002, p. 222). Voltando ao Major Quaresma, a sua atitude ingênua de escrever um ofício para a Câmara, solicitando a autonomia cultural do Brasil, provocou a crítica, ironia e escárnio de todos os colegas de repartição, e como as suas manias sugerem um desvio de comportamento, Quaresma foi considerado louco e internado no hospício. Refeito e curado dos delírios, Quaresma ao sair do hospício dá continuidade ao seu projeto de lutar por um país melhor. Centra-se agora na agricultura, aposentado compra um sítio denominando “O Sossego”, com intuito de demonstrar a fertilidade das terras nacionais, e de contribuir para a expansão da nossa economia, e servir ele mesmo de exemplo demonstrando aos pequenos proprietários rurais o potencial agrícola do país. Adquiriu vários instrumentos e livros, planejou com exatidão, pensou nas vantagens e ônus, e viu com satisfação que seu projeto era viável e rentável, não por ambição de fazer fortuna, mas por haver nisso mais uma demonstração das excelências do Brasil: Então pensou que foram vãos aqueles seus desejos de reformas capitais nas instituições e costumes: o que era principal à grandeza da pátria estremecida, era uma forte base agrícola, um culto pelo solo ubérrimo para alicerçar fortemente todos os outros destinos que ela tinha de preencher. (BARRETO 1998 p.76) Apesar de Quaresma ter se cercado de conhecimentos sobre agricultura e comprado instrumentos para auxiliá-lo na lida da terra, o seu projeto agrícola cai por terra, e uma sucessão de fracassos assola os seus planos de prosperidade: impostos exorbitantes, falta de uma política de incentivo ao pequeno proprietário, a invasão das formigas, as pestes das galinhas e sobretudo ainda havia um mal bem mais avassalador; a intervenção dos políticos locais, nos personagens do
  • 7. 7 tenente Antônimo e do Dr. Campos representantes da Oligarquia rural local que usam os seus cargos político para tentar coagir Quaresma a fazer política partidária. Com todas essas decepções a alma patriota de Quaresma se angustiava. Ele consegue ter uma visão crítica acerca da atitude do governo em relação à questão rural e preocupado, constata o abandono em que vivem as populações rurais, sem o apoio do governo para cuidar das terras, e muitos trabalhadores sem terras próprias para cultivar, enquanto grandes proprietários mantinham latifúndios improdutivos. A dura realidade vivenciada por Quaresma no “Sossego” o fez despertar do seu ufanismo bovarista, impulsionando-o a adquirir uma consciência crítica da realidade e buscar alternativas para melhorar as condições de vida da população pobre que vivia a margem do regime republicano: De fato, essa passagem do ufanismo à lucidez crítica resume a própria trajetória do Major Quaresma, símbolo de uma intelectualidade que reformula suas posturas. Ela implicava sobretudo uma mudança na forma de olhar, exigindo que se saísse das páginas dos livros e da cultura letrada, das tribunas, das bibliotecas, e dos gabinetes, para um contato direto com a realidade do país, sua natureza, sua gente, seus campos, suas cidades. A experiência existencial dessa intimidade com o homem e a terra se encarregaria de traduzir-se por se mesma em consciência crítica e avaliação das condições reais do país, como ocorreu com Quaresma no seu sítio do “Sossego”. (SEVCENKO, 1998, p. 213) Assim, toda a escrita de Lima Barreto é permeada pelo seu compromisso político de cidadão preocupado em trazer a tona o maior volume possível da realidade social do país, com suas várias fissuras e tensões. Durante toda a sua vida Lima Barreto combateu os preconceitos que teve que enfrentar por ser pobre, suburbano e “mulato sem disfarce”, com isso, a sua própria movimentação no espaço social e sua observação atenta das questões que emergiam no contexto, contribuiu para um olhar mais próximo dos “homens vencidos” de seu tempo. O autor condenava as atitudes, os símbolos, os objetos, ou qualquer critério utilizado pelos homens para estabelecer divisões no interior da sociedade. Daí nasce o seu incansável esforço de dispor da literatura como uma força motriz capaz de despertar a solidariedade entre os homens. A sua posição a esse respeito é clara: “A grande força da humanidade é a solidariedade [...] cheio dessa concepção venho para as letras disposto a reforçar esse sentimento com as minhas pobres e modestas obras”. (BARRETO, apud, SEVCENKO, 1998, p. 220).
  • 8. 8 Com efeito, Lima Barreto deixa transparecer, em muitas de suas obras, a sua visão crítica acerca do regime republicano e de seus representantes, principalmente por não identificar nesse o sentimento de solidariedade, que para ele deveria predominar em um regime que se pretendia democrático. Em um artigo que escreveu em 1918 ele demonstra a sua indignação com os políticos que estavam à frente do regime republicano: “A república, porém trazendo à tona dos poderes públicos, a bôrra do Brasil, transformou completamente os nossos costumes administrativos e todos os “arrivistas” se fizeram políticos para enriquecer (BARRETO, 1956. p, 78). A República surgiu em uma sociedade profundamente desigual, hierarquizada e logo ficou claro que ela não estava concretizando os ideais em nome dos quais surgira. Com isso, as insatisfações e frustrações foram se manifestando em forma de revoluções e de protestos, na capital da república e em várias partes do país. De acordo com José Murilo de Carvalho, (1987, p. 16) as insatisfações e frustrações foram se manifestando em forma de revoluções e protestos: Canudos (1893-1897), guerra civil no sul, instabilidade política, greves, tumultos e tentativas de golpes. As agitações eram visíveis na capital da República, que teve sua população aumentada rapidamente em função da abolição, eram muitas pessoas sem colocação para trabalhar, ou quando conseguiam se empregar a remuneração era muito baixa. A cidade foi preenchida por indivíduos mais ou menos “perigosos” que formavam a maioria marginalizada da população fluminense: ladrões, prostitutas, ciganas, malandros, desertores, ambulantes, floristas, pequenos funcionários públicos, pivetes, capoeiristas, jogadores. Nesse sentido, Sevcenkco (1998, p. 21) observou que essa população extremamente pobre e marginalizada vivia amontoada nos casarões do centro da cidade, mas com o projeto de modernização da capital da República, esses indivíduos foram expulsos para os subúrbios e os morros da cidade. “Para as autoridades, eles significavam uma ameaça permanente à ordem, à segurança e a moralidade pública”. Lima Barreto descreve os subúrbios insalubres da capital da República, onde as pessoas viviam amontoadas em verdadeiros “Caixotes humanos”. O personagem Ricardo Coração dos Outros, amigo de Quaresma, era morador em um desses subúrbios, o tipo de moradia é descrito por Barreto, com riqueza de detalhes, assim como o estilo de vida de seus moradores.
  • 9. 9 Casas que mal dariam para uma pequena família, são divididas, subdivididas, e os minúsculos aposentos assim obtidos, alugados a população miserável da cidade. Aí, nesses caixotins humanos, é que se encontra a fauna menos observada da nossa vida, sobre a qual a miséria paira com um rigor londrino. Não se podem imaginar profissões mais tristes e mais inopinadas da gente que habita tais caixinhas. Além dos serventes de repartições, contínuos de escritórios, podemos deparar velhas fabricantes de rendas de bilros compradores de garrafas vazias, castradores de gatos, cães e galos, mendigueiros, catadores de ervas medicinais, enfim uma variedade de profissões miseráveis que as nossas pequenas e grande burguesias não podem adivinhar. Às vezes num cubículo dessas se amontoam uma família, e há ocasiões em que seus chefes vão a pé para a cidade por falta do níquel do trem. (BARRETO, 1998, P. 84). Com relação à retirada dos cortiços do centro da cidade Chalhoub (1996, p. 17) observou que o processo de extirpar os cortiços cariocas do centro da cidade foi aclamado pela impressa, que elogiou a atitude do Prefeito da Capital Federal, por ter varrido aquela “sujeira” do mapa. “Assim ele havia prestado a cidade “serviços inolvidáveis”, algo inesquecível, pois nem bem chegava ao fim à era dos cortiços e a cidade do Rio já entrava no século das favelas.” Nas primeiras décadas da República uma das preocupações das autoridades públicas era a modernização da cidade a todo custo, afinal, o seu embelezamento favorecia a entrada de recursos dos países ricos e civilizados. No entanto, as autoridades republicanas não fizeram um projeto para acolher essa população pobre desabrigada, que foi expulsa do centro da cidade, o destino das mesmas simplesmente foi negligenciado, e assim esses indivíduos foram ocupando os morros e encostas, construindo suas casas sem urbanização, sem saneamento básico, abandonados à própria sorte e sujeitos às epidemias, pois continuavam vivendo amontoados. Porém, havia uma diferença: estavam distantes do centro da cidade e, portanto não iria “enfear” as avenidas elegantes da capital da República. Na trajetória patriota de Quaresma, quando este, já mais lúcido quanto aos reais impedimentos à forte base agrícola que idealizara, mas ainda acreditando no potencial do país e de sua gente, reanima-se ao idealizar um projeto de reforma administrativa. Ao ficar ciente da Revolta da Armada, Quaresma percebe a oportunidade para realizar suas novas idéias através de um governo forte e sábio. Associando Floriano aos déspotas esclarecidos do século XV e XVI (Henrique IV e seu primeiro ministro Sully), redige-lhe um telegrama pedindo “energia” e afirmando a sua ida imediata a capital. No Rio, Quaresma apresenta-se ao chefe da nação com um memorial contendo uma detalhada análise da situação agrária do país, bem como as medidas para solucionar os problemas apontados e, embora o Marechal Floriano Peixoto não dê
  • 10. 10 importância ao projeto de Quaresma, convoca-o à resistência contra os traidores da pátria. Empenhado em defender a pátria, Quaresma dedica-se aos manuais sobre artilharias, logística, infantaria e ciências afins com grande motivação patriótica para melhor servir ao país, mas, Quaresma começa a duvidar do governo forte de Floriano, quando este demonstra o seu desprezo pela população rural, considerada por ele como composta por vadios nas palavras do Marechal: “Mas pense você, Quaresma que eu hei de pôr a enxada na mão de cada um desses vadios?... - Você Quaresma é, um visionário...” (BARRETO, 1998, p.150). Apesar de decepcionado, Quaresma tinha esperança de que, quando passasse a crise política, o marechal daria atenção ao seu projeto. Impulsionando pelo seu espírito patriótico, luta ao lado do Marechal Floriano para defender a República e a partir daí inicia-se o seu calvário em direção à conscientização e a morte. Floriano ditador ou “liberal” No livro História Geral da Civilização Brasileira, o capitulo escrito por Fernando Henrique Cardoso (2004, pp.42-43) trás informação sobre os métodos utilizados pelo vice- presidente Floriano Peixoto, para se manter no poder: Em “defesa” da República e para restabelecer o “império da lei” ele violou a constituição e assumiu a vaga de presidente. A legislação previa uma nova eleição presidencial quando menos da metade do mandato de quatro anos fosse cumprido. Diante da atitude arbitrária de Floriano, alguns militares, insatisfeitos com os rumos da política republicana, assinaram um manifesto solicitando eleições presidenciais e questionando a legalidade do seu governo. Mas, Floriano imbuído de plenos poderes concedidos pelos parlamentares e endossado pela elite cafeeira de São Paulo, usou toda sua determinação e objetividade para se manter no poder, perseguindo os sediciosos e combatendo as revoltas que se alastravam na capital da República e nos Estados. Assim, tomando como exemplo o fato histórico da Revolta da Armada (1893-1894), rebelião liderada por Custódio de Melo e Saldanha da Gama, estes representantes da marinha, no qual os sediciosos ocuparam a baía da Guanabara e com canhões apontados para a capital da República exigiram a renuncia de Floriano. Lima Barreto se apóia nesse fato histórico e, através da ficção demonstra de forma esclarecedora os métodos utilizados por Floriano para se manter no poder e “proteger” a República.
  • 11. 11 A cidade andava inçada de secretas, “familiares” de Santo ofício Republicano e as detenções eram moedas com que se obtinham postos e recompensas. Bastava à mínima crítica, para se perder o emprego, a liberdade – quem sabe? – a vida também. Ainda estávamos no começo da revolta, mas o regime já publicava o seu prólogo e todos estavam avisados. O chefe de polícia organizara a lista dos suspeitos. Não havia distinção de posição e talentos. Mereciam as mesmas perseguições do governo, um pobre contínuo e influente senador; um lente e um simples empregado de escritório. Demais surgiram as vinganças mesquinhas, o revide de pequenas implicâncias... (BARRETO, 1958 p, 120) Floriano se dizia um liberal convicto, mas não hesitava em perseguir civis, militares e a imprensa. Assim os que se manifestassem contra suas atitudes eram vistos como inimigos da República e deveriam ser perseguidos e até executados. De acordo com Maria de Lourdes Janotti, (1999, p.88) sob a alegação de que a República estava sendo ameaçada por inimigos internos e externos o Marechal Floriano depôs governadores, efetuou numerosas prisões nos Estados, cercou-se de jovens militares positivistas e livrou-se dos políticos liberais do executivo. Assim o Marechal Floriano muito habilidoso para tirar proveito das situações, manifestava-se favorável à ditadura da espada, mesmo se declarando um liberal, como pode ser observado na carta que enviou ao General Neiva, em 10 de junho de 1887. Vi a solução da questão de classe, excedeu sem dúvida a expectativa de todos. Fato único que prova exuberantemente a podridão que vai por este pobre país e, portanto a necessidade da ditadura militar para expurgá-la. Como liberal que sou não posso querer para o meu país o governo da espada, mas não há quem desconheça, aí estão os exemplos, de que é ela que sabe purificar o sangue do corpo social que como o nosso, está corrompido. (A. XIMENO. Apud. COSTA. 2007 p.403-404). Mesmo o Marechal Floriano se dizendo liberal, não hesitou em usar da sua autoridade para perseguir seus opositores, impor censura a imprensa, intervir nos Estados e declarar estado de sítio na capital da República. De acordo com Elio Chaves Flores, (2008, pp.61-62) não se deve esquecer que Floriano, impôs a sua ditadura com a conivência dos parlamentares que concederam plenos poderes ao executivo para combater as revoltas e “consolidar” o regime republicano. Nesse sentido percebe-se que a ditadura da espada estava cercada por cúmplices e adeptos. Retomando a trajetória de Quaresma, esse, após combater ao lado do governo para defender a unidade do país, é designado para assumir o posto de carcereiro na Ilha das Enxadas.
  • 12. 12 Lá, Quaresma tomará consciência de que lutou por um país e um governo que só existia na sua imaginação, e que as pessoas com quem estivera coligado tinham ideais muito distintos dos seus: Todos tinham vindo ou com pueris pensamentos políticos, ou por interesse; nada de superior os animava. Mesmo entre os moços, que eram muitos, se não havia baixo interesse, existia uma adoração fetíchica pela forma republicana, um exagero das virtudes dela, um pendor para o despotismo que os seus estudos e meditação não podiam achar justos. Era grande a sua desilusão. (BARRETO, 1998, p.171). Revoltado com o fuzilamento de prisioneiros, Quaresma escreve novamente a Floriano desta vez para protestar veementemente contra as atrocidades que presenciou. E por ter se rebelado contra o poder, constituído em defesa dos seus valores e ideais, Quaresma foi considerado um traidor e condenado à morte. Lima Barreto escreveu Triste fim... em 1911, período em que o país estava sendo governado pelo Marechal Hermes da Fonseca. De acordo com Edgar Salvadori de Decca (1997 pp. 55-57), este governo foi marcado pelo uso das forças militares para apoiar políticos leais, com o objetivo de derrubar as oligarquias estaduais opositoras e fortalecer o governo federal. Ele também usou a força militar para repreender os marinheiros que haviam participado da Revolta da Chibata (1910), nessa revolta, centenas de marinheiros que lutavam pelo fim dos castigos corporais e por melhores condições de trabalho foram mortos e aprisionados. Nesse sentido, Edgar de Decca chama a atenção para o período em que Lima Barreto escreveu Triste fim.., que foi marcado pela violência do regime republicano. A narrativa de Quaresma e o acontecimento do massacre dos marinheiros deslocam-se um em relação ao outro, mas o acontecimento não é, necessariamente, o referente da narrativa. Essas narrativas de massacre tornavam-se comuns no início da república e representavam o sinal do cidadão comum na cena da história. (DECCA, 1997 p.56-57) Dessa forma, o contexto histórico em que a obra foi escrita e o período que ela retrata foram marcados pelo autoritarismo, a violência política e a falácia da cidadania. Nesse contexto histórico nem Quaresma e nem Lima Barreto se ajustaram, foram rebeldes até o fim de suas vidas. O primeiro morreu como traidor da pátria que tanto amava; e o seu criador a sua maneira se expressava para combater as desigualdades do regime republicano, e morreu sem o reconhecimento literário que tanto almejou durante toda sua vida. Ele acreditava
  • 13. 13 em uma literatura utilitária, capaz de libertar os homens. Eis suas convicções sobre os poderes e os fins da literatura: [...] “O homem, por intermédio da Arte, não fica adstrito aos preceitos e preconceitos de seu tempo, de seu nascimento, de sua pátria, de sua raça; ele vai, além disso, mais longe que pode, para alcançar a vida total do universo e incorporar a sua vida na do mundo”. (BARRETO, 1993 p.393) De acordo com Francisco de Assis Barbosa, a literatura para Lima Barreto não era escrever bonito, ele criticava intelectuais de sua época como Afrânio Peixoto que concebia a literatura como mero entretenimento, a literatura “sorriso da sociedade”. “Ele se rebelava contra essa deturpação da missão do escritor, não podia admitir a literatura contemplativa, a literatura plástica, a literatura apenas pela literatura.” (BARBOSA, 2002 p. 259) Assim, com a sua concepção de literatura “militante”, Lima Barreto procurou retratar nas suas obras com maior fidedignidade possível a sociedade brasileira, trazendo em suas personagens a marca do seu meio, o que constitui o objeto privilegiado da sua crítica social nos primeiros anos da República. A visão “utilitarista” da coisa pública No decorrer da trajetória de Quaresma ele vai se relacionar com pessoas que vão revelar a verdadeira face das classes médias aspirantes à nata da sociedade. Pessoas preocupadas apenas em defender os seus interesses pessoais, de grupo ou de classe social. Estas estão representadas pelos militares, profissionais liberais, funcionários públicos e pelos grandes proprietários de terra. Nas suas ações revelam-se o “gosto” pelos privilégios, a alienação política, a reverência ao título de doutor, a vontade generalizada do emprego público, a falta de consciência para separar os interesses públicos dos interesses particulares. Essa realidade medíocre de pessoas de pouco talento, que estão sempre querendo se dar bem a qualquer custo, é tratada as vezes com ironia, e outras vezes com rancor pelo autor. Como está retratado no personagem do General Albernaz que conhece a guerra apenas de ouvir contar, e tem por objetivo casar as filhas e arranjar um “pistolão” para o filho entrar no colégio Militar.
  • 14. 14 O altissonante título do general, que lembrava coisas sobre-humanas dos Césares, dos Turennes e dos Gustavos Adolfos, ficava mal naquele homem plácido, medíocre, bonachão, cuja única preocupação era casar as cinco filhas e arranjar “pistolões” para fazer passar o filho nos exames do colégio Militar. (BARRETO. 1998. p, 32) O autor desprezava esses arranjos para se dar bem a qualquer custo. Ele acreditava na meritocracia, combatia e denunciava, através de seus escritos, o protecionismo, os favores pessoais e os privilégios de toda ordem, que permeavam as relações sociais das camadas próximas ao poder. Nesse contexto, os pretensos propósitos democráticos do regime republicano eram minados. Lima Barreto carregava uma magoa por não ter se formado, fora reprovado varias vezes na cadeira de Mecânica Racional. E não aceitava que o título de “doutor” que lhe fugira pudesse condenar para sempre um homem de capacidade intelectual superior. Muitas vezes deixou transparecer através de suas obras sua ira e frustração por não ter conseguido o canudo que talvez diminuísse os complexos de cor e de classe. De acordo com Ana Carolina Verani (2003, pp.55-56) Lima Barreto não era contra ao diploma o que o incomodava era o fato de que quem o possuía, nem sempre tinha competência. No entanto, adquiria prestigio, privilégios e honras na sociedade da época que venerava os símbolos e os títulos de doutor, impondo graduações aos homens. Segundo Sevcenko (1998, p. 215) Lima Barreto, acreditava que os objetos e símbolos “tornavam externos e superficiais a avaliação das qualidades pessoais de cada um e, sobretudo ocultava à incompetência, o nepotismo, a influência, oferecendo uma cobertura para a concussão”. Assim, a valorização dos símbolos e dos títulos de doutor, “os aristocratas do canudo” é retratado com ironia pelo autor. O personagem de Cavalcante, noivo de Ismênia filha do general Albernaz era admirado por todos graças ao diploma de dentista que o investia de uma segunda natureza, indefinida, porém superior à dos meros mortais, os que não têm canudo. O Dr. Armando Borges marido de Olga, afilhada de Quaresma também fazia parte da classe dos “superiores” portador do título de doutor: Dona Adelaide, mulher velha, do tempo em que o império armava essa nobreza escolar, possuía em si uma particular reverência, um culto pelo doutorado; e não lhe foi, pois, difícil demonstrá-lo quando se viu adiante do doutor Armando Borges, de cujas notas e prêmios ela tinha exata notícia.
  • 15. 15 Quaresma mesmo recebeu-o com as maiores marcas de admiração e o doutor, gozando aquele seu sobre-humano prestígio, ia conversando pausadamente, sentenciosamente, dogmaticamente; e à proporção que conversava, talvez para que o efeito não se dissipasse, virava a mão direita com o grande anelão “simbólico”, o talismã, que cobria a falange do dedo indicador esquerdo, ao jeito de marquise (BARRETO, 1998, p.100). Cavalcante e o Dr. Armando Borges circulavam em uma sociedade que supervalorizava os títulos, onde os seus portadores eram vistos como “seres superiores”. Nesse sentido, percebe-se a relação recíproca personagem-sociedade, confirmando-se a intenção dominante de Lima Barreto: representar criticamente a sociedade brasileira da Primeira República. Entre os funcionários públicos, salienta-se Genelício, noivo de uma das filhas do general Albernaz, que estava sempre com um caderninho a anotar datas de aniversário dos chefes, e publicava em jornais artigos de contabilidade em linguagem tão adornada quanto vazia. Para se dar bem fazia todos os arranjos e manobras possíveis. Na bajulação e nas manobras para subir, tinha verdadeiramente gênio. Não se limitava ao soneto, ao discurso; buscava outros meios, outros processos. Um dos que se servia, eram as publicações nas folhas diárias. No intuito de anunciar aos ministros e diretores que tinha uma erudição superior, de quando em quando desovava nos jornais longos artigos sobre contabilidade pública. Eram meras compilações de bolorentos decretos, salpicadas aqui e ali com citação de autores franceses ou portugueses. (BARRETO, 1998. P, 49). Em uma sociedade repleta de pessoas ignorantes, aqueles que como Genelício tivessem uma boa oratória eram vistos como gênio e viviam cercados de respeito. Lima Barreto ironizava o culto às mostras de erudição e aqueles que usavam a palavra para ascender socialmente. Ele combatia os escritores da sua época que produziam uma literatura de contemplação, cheia de estereótipos eletrizantes. O escritor Coelho Neto era um dos alvos da sua crítica. Em um artigo escrito 1918, na Revista Contemporânea o escritor expressa todo seu desprezo pelo escritor Coelho Neto, que para ele produzia literatura apenas pela literatura, instrumento de prazer dos ricos: “O senhor Coelho Neto é o sujeito mais nefasto que tem aparecido em nosso meio intelectual.
  • 16. 16 “Sem visão da nossa vida, sem simpatia por ela, sem vigor de estudos, sem um critério filosófico ou social seguro, o Senhor Neto transformou toda a arte de escrever em pura Chinoiserie de estilo e fraseado”. (BARRETO, apud, BARBOSA, 2002 p.259). Nesse sentido, Lima Barreto combatia seus pares que viam a literatura como instrumento de prazer para os ricos. Ele desafiou o convencionalismo literário da época, impregnado de uma falsa concepção estética. De acordo com Francisco de Assis (2002, p. 257) “o estilo simples, direto e objetivo de Lima Barreto nada tinha a ver com a pompa e o brilho da retórica usual. Ele era anticonvenciaonal, antiacadêmico, ele era um revolucionário”. Segundo Ana Carolina Verani, Lima Barreto, acreditava que a literatura seria um meio para expor de forma crítica as contradições e as varias formas de opressão presentes na sociedade. Tendo como munição a palavra escrita, a sátira a ironia, para que estes atingissem o maior número de pessoas possível. Na sua missão de aproximar os homens em torno da idéia de uma sociedade sem confinamentos, preconceitos, desigualdades, regida por princípios de ética e igualdade e não de autoridade, ele se recusou, também, a enquadrar a sua literatura e a sua linguagem em rígidas formas, aprisionastes estilos, rótulos, genros. (VERANI. 2003, p. 104) A escrita de Lima Barreto tem um cunho político, é clara a sua intenção de se posicionar diante da realidade social na qual estava inserido. Assim a narrativa da trajetória de Quaresma nos remete ao encontro de cidadãos comuns, que como ele deu a sua vida lutando por um país com mais justiça social, no qual a cidadania não se restringisse apenas aos discursos vazios. Conclusão Lima Barreto compõe em Triste Fim de Policarpo Quaresma uma obra empenhada, como autor militante o seu objetivo é através da narrativa denunciar o autoritarismo, a violência política a falácia da cidadania e as mazelas do regime republicano. Dessa forma, a intenção foi mostrar que os personagens criados por Lima Barreto estabelecem uma relação recíproca personagem–sociedade, confirmando-se assim, a intenção persistente do autor que era a de representar criticamente a sociedade brasileira dos primeiros anos da República.
  • 17. 17 Nesse sentido, o autor utilizava a sua arte como uma “arma” para combater as distorções da sociedade. Ele se expressava através de suas obras estabelecendo uma conexão entre a sua movimentação no espaço social e a observação atenta das questões que emergia no contexto. Como mostra Idilva Germano a sua produção foi marcada por um certo grau de compromisso com a realidade incorporada criticamente em seus textos: Com efeito, o estilo “realista memorialista” marca toda a produção de Lima Barreto, inclusive os textos mais propriamente de observação social, como as sátiras e as crônicas. No Triste Fim..., a ressonância afetiva descolou-se do tema racional e de classe para o tema das ideologias de Brasil. O major, como ele próprio, é vitima por exceder-se nas suas fantasias de país, a dor de as ver ruírem não pode ser impedida pelo caráter moralmente elevado dos seus sonhos ( GERMANO, 200 p. 46) Sendo assim, Lima Barreto acreditava no papel missionário da sua escrita para transformar o país, e fez de suas obras e de seus personagens um veículo para comunicar aos leitores suas críticas e reflexões a cerca de questões sociais e políticas da sociedade carioca e do governo republicano. Apesar de se tratar de questões particulares de seu tempo, muito do que o autor expôs não sofreu grandes mudanças até os nossos dias. E a sua certeza da necessidade de uma sociedade mais justa e igualitária, onde todas as pessoas, sem distinção pudessem exercer de fato e de direito a sua cidadania continuam presente e atual em nossa sociedade.
  • 18. 18 BIBLIOGRAFIA FONTES: BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. 19° Ed. São Paulo: Ática, 1998. ________. Marginália, artigos e crônicas. São Paulo: Gráfica Urupês, 1956. ________. Um longo sonho do futuro: Diários, cartas, entrevistas e confissões dispersas. Rio de Janeira: Graphia, 1993. LIVROS: BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 8ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. CARDOSO, Fernando Henrique. Dos Governos Militares a Prudente – Campos Sales. In: FAUSTO, Boris. (org.) História geral da civilização brasileira; t. 3 v.1. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. ________. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: companhia das Letras. 1990 CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo: companhia das Letras. 1996. CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo AM. (org.). A história contada: Capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia á república: momentos decisivos. 8ª Ed. São Paulo: UNESP, 2007. DECCA, Edgar Salvadori de. Quaresma: um relato de massacre republicano. In: Anos 90, revista do PPG História da UFRGS. Porto Alegre: editora da Universidade UFRGS, n° 8, p. 61- 61, dez. 1997. Disponível em: http://nuevomundo.revues.org/index1513.html, acesso em: 22 de set. 2009. FLORES, Elio Chaves. A consolidação da República: rebeliões de ordem e progresso. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de A.N. (org.). O tempo do liberalismo excludente: da proclamação da República. Revolução de 1930. 3° Ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
  • 19. 19 GERMANO, Idilva Maria Pires. Alegorias do Brasil: imagens de brasilidade em “Triste fim de Policarpo Quaresma e viva o povo brasileiro. São Paulo: Annablume, 2000. HUNT, Lynn. A nova história cultural, 2° Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Sociedade e Política na Primeira República. São Paulo: Atual, 1999. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 2ª ed. São Paulo: companhia das letras, 2003. _______. Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: NOVAIS, Fernando A. História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letrasm, 1998. VERANI, Ana Carolina, O triste fim de Lima Barreto: literatura, loucura e sociedade no Brasil da Belle Époque. Rio de Janeiro, 2003. 110 p. Dissertação de mestrado. PUC _ Rio, Departamento de História. Disponível em: http://www2.dbd.puc- rio.br/pergamum/tesesabertas/0115370_03 pretextual.pedf , acesso em: 08 de set. 2009.