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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB
       DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV
LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS
                      - LICENCIATURA




              MÔNICA DE OLIVEIRA SOUZA




     O LÉXICO DE UM AUTO DE DEFLORAMENTO:
    TENTATIVA DE RESGATE DA CULTURA DE UM POVO




                     Conceição do Coité
                           2012
MÔNICA DE OLIVEIRA SOUZA




   O LÉXICO DE UM AUTO DE DEFLORAMENTO:
TENTATIVA DE RESGATE DA CULTURA DE UM POVO




                 Monografia apresentada ao Departamento de
                 Educação, Campus XIV, Curso de Letras com
                 Habilitação em Língua Portuguesa e
                 Literaturas – Licenciatura da Universidade do
                 Estado da Bahia (UNEB), como instrumento da
                 avaliação final do Componente Curricular
                 Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para
                 obtenção do grau de Licenciada.

                 Orientadora: Profa. Dra. Celina Márcia de
                             Souza Abbade




                Conceição do Coité
                       2012
Chega mais perto e contempla as palavras.
                                Cada uma
 Tem mil faces secretas sob a face neutra.

                CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Aos meus pais Julival e Maria José
                   Por todo apoio.
AGRADECIMENTOS




      As palavras às vezes não são o suficiente para expressar o tamanho dos
nossos sentimentos, mas espero através delas conseguir demonstrar o mínimo
possível de gratidão a algumas pessoas que sempre foram e outras que estão
sendo muito importantes em minha caminhada em busca de conhecimento.
      Em primeiro lugar agradeço a Deus autor e doador da vida. Depois aos
meus muito amados pais Julival e Maria José, obrigada pelo carinho, apoio,
paciência, conselhos e investimentos, sem os quais não teria chegado até aqui.
Juntamente com eles meus queridos irmãos Jean, Mirian e Maely.
      Aos meus queridos professores que desde o começo da minha jornada
escolar estiveram comigo e àqueles que tive o prazer de conhecer na UNEB,
em especial a Dra. Celina Abbade minha orientadora neste trabalho pelo tempo
e paciência a mim dedicados.
      Meus sinceros agradecimentos a todos os meus amigos que sempre
estiveram ao meu lado, mas em especial a: Sandra Kelly, Rosenice, Rosana e
Eliane.
      Enfim agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram de
alguma forma nesta jornada importantíssima de minha vida.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo do léxico de um auto
de defloramento da cidade de Conceição do Coité, quando esta ainda era
apenas uma Vila. Esse estudo aborda a influência que a língua recebe do meio
extralinguístico, dando nova significação às palavras a partir do contexto ao
qual estão inseridas. Nestes termos surge a cultura com forte influência na
linguagem cotidiana das pessoas que vivem em uma determinada comunidade.
Para a realização deste estudo levantou-se um campo lexical específico, a
saber, o campo lexical dos qualificadores dos envolvidos no processo de
defloramento. A partir desta abordagem, levantou-se as lexias presentes no
texto para a designação das pessoas diretamente envolvidas no processo de
defloramento, ou seja, o réu, a vítima, o pai e a mãe da vítima. O trabalho
mostra também que fatores Socioculturais tendem a colocar a mulher em
posição inferior ao homem e isso pode ser percebido através das lexias usadas
no documento, para se referir a cada um dos envolvidos no processo.



Palavras - chave: Defloramento. Cultura. Léxico.
ABSTRACT

This work aims to conduct a study of the lexicon of a deflowering certificate in
Conceição do Coité, when it was still a village. This study approach the
influence that the language gets through the extra linguistic, giving new
meaning to the words from the context to which are inserted, in these terms
there is a strong influence of the culture about people‟s daily language who live
in a community. To realize this study it was raised a specific lexical area,
namely, the lexical area of the qualifiers of the involved in the defloration
process. From this lifting, emerged the lifting of the lexical terms inserted in the
text for people‟s designation directly involved in the defloration process, i.e., the
defendant, the victim, and victim‟s parents. The work also shows that socio-
cultural factors tend to put the woman in an inferior position in relationship to
man and it can be perceived through the lexical terms that were used in the
document to refer everyone involved in the process.



Key – words: deflowering. Culture. Lexicon.
SUMÁRIO




INTRODUÇÃO...............................................................................................................08


1 SOCIEDADE: RELAÇÃO ENTRE CULTURA, HISTÓRIA E LÍNGUA........................10


1.1 Vocabulário e sociedade..........................................................................................10
1.2 Os papéis homem versus mulher na sociedade: relações de poder.......................14


2     DOCUMENTOS                 RESGATANDO                 A     HISTÓRIA:           UM       AUTO        DE       DEFLO
RAMENTO......................................................................................................................18
2.1 A contribuição da preservação de documentos.......................................................18
2.2 Documentos jurídicos: Processos da Vara crime....................................................21
2.3 O Auto de Defloramento de nº 40............................................................................23


3 A LEXICOLOGIA E A TEORIA DOS CAMPOS LEXICAIS........................................28


3.1 O Léxico e suas ciências.........................................................................................28
3.2 A teoria dos Campos lexicais...................................................................................29



4 O CAMPO LEXICAL DOS QUALIFICADORES DOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO
  DE DEFLORAMENTO..................................................................................................33



CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................37



REFERÊNCIAS



ANEXOS
8




                                INTRODUÇÃO



      O presente trabalho tem como objeto de estudo o Auto de Defloramento
de nº 40, datado de 1917, que aconteceu na Villa de Conceição do Coité,
situada no sertão baiano, distante duzentos e dez quilômetros da capital
baiana, Salvador.
      O trabalho tem caráter lexical, ao dar ênfase à relação existente entre
língua, cultura e a história, que influencia uma sociedade, sendo que estes três
fatores são dependentes entre si na construção dos sentidos, através da várias
possibilidades que o léxico proporciona aos falantes de uma dada língua.
      O objetivo maior deste estudo é analisar o léxico de um Auto de
defloramento do século XX, em busca de resgatar algumas marcas históricas e
culturais do povo coiteense do século referido. Para isso, foi feito um
levantamento do campo lexical dos qualificadores das pessoas envolvidas no
processo e após, fez-se o levantamento das lexias do campo lexical dos
qualificadores dos envolvidos no processo de defloramento, observando-se
traços culturais para descrever o perfil destas pessoas.
      Após ter sido feito o levantamento das lexias concernentes ao campo
lexical mencionado, inicia-se o procedimento de definir cada uma das lexias
encontradas de acordo o contexto sugerido pelo texto analisado, ou seja, de
acordo com o contexto, com o perfil social e talvez até econômico do grupo que
utilizou essas lexias. Esta é a proposta do estudo do léxico, ou seja, não
apenas significados isolados, mas o sentido que uma palavra pode adquirir a
depender de quem a utiliza e em que momento a utiliza. Isto porque a
linguagem recebe influência direta do meio social em que é usada.
       A Monografia está estruturada em quatro capítulos que tratam da
composição do documento e de algumas marcas culturais impregnadas e
facilmente percebidas através da maneira como este foi redigido.
      O primeiro capítulo deste trabalho mostra o documento manuscrito em
sua estrutura física, quanto ao número de fólios e um breve relato do processo
entre outros. O segundo capítulo trata da relação existente entre elementos
9



culturais, históricos e de vocabulário e como estes podem interferir de maneira
direta na sociedade. Como estes elementos podem de algum modo revelar
costumes presentes no cotidiano das comunidades, neste caso da sociedade
coiteense do século XX. Através do estudo do manuscrito em questão, nota-se
que algumas dessas marcas ficam expostas na redação deste documento. O
terceiro capítulo trabalha com os aspectos referentes a Lexicologia e a Teoria
dos Campos Lexicais, já que no quarto capítulo do trabalho se faz necessário a
compreensão destes termos para que se entenda melhor este que
provavelmente é o que mais se relaciona à cultura da comunidade já citada,
ou seja, o campo lexical dos qualificadores das pessoas que estão inseridas
neste processo. Teremos então as definições de cada uma das lexias
empregadas para qualificar estes envolvidos.
10




     1 SOCIEDADE: RELAÇÃO ENTRE CULTURA, HISTÓRIA E LÍNGUA




       Este capítulo trata da possível influência que a cultura e a história podem
exercer sobre a língua. Outro fato abordado no mesmo é a relação de poder
que foi estabelecida entre homem e mulher na sociedade que ocorre de
maneira vertical. Neste encontra-se ainda a definição de alguns termos
fundamentais para este estudo, no sentido de situar o leitor na temática da
pesquisa realizada.




1.1 Vocabulário e sociedade




       As palavras podem exercer em determinados meios sociais sentidos
diversos e, segundo Bordonal (2009)1, para o estudo de qualquer assunto é
muito importante que antes se faça a definição dos mesmos. Tendo em vista
esta premissa serão definidos alguns termos utilizados neste trabalho. Para
tanto, se utilizará a definição do citado autor para povo.


                        A palavra “povo” é derivada do latim, populus. A definição mais
                        simples que se tem desse conceito é a de que “povo” é uma
                        união de alguns indivíduos que compartilham entre si alguns
                        símbolos, práticas e crenças, formando, neste grupo, um
                        sentimento de unidade, de identidade. No entanto, esse
                        sentimento compartilhado não gera barreiras rígidas e fixas;
                        pode sofrer transformações de acordo com os períodos


1
 Guilherme Cantieri Bordonal é Graduado em História pela Universidade Estadual de Londrina,
especialização em História e Teoria da Arte e Mestre em História Social pela Universidade
Estadual de Londrina. Atualmente é Professor de ensino superior da Universidade do Norte do
Paraná.
11



                        históricos e com o próprio contato entre povos diferentes. (p.1-
                        2)


       Bordonal (2009) apresenta outras definições para o termo “povo”, mas a
que melhor expressa o sentido para esse trabalho é a definição acima. Ou seja,
a que se refere a um grupo de pessoas que convivem e partilham diariamente
as mesmas coisas, recebem a mesma educação e compartilham a mesma
cultura. Nesta perspectiva, as particularidades dos indivíduos são suprimidas,
visto que neste aspecto é impossível levar em conta as individualidades de
cada ser que compõem uma dada sociedade. Então, se analisa os aspectos
comuns que são compartilhados por todos os indivíduos de um determinado
grupo. Para o referido autor isso possibilita a prática historiográfica.
       Tylon (apud LARAIA, 2002, p.24) define cultura da seguinte forma:


                        [...] no vocábulo inglês culture, que tomado em seu amplo
                        sentido etnográfico é este todo complexo que inclui
                        conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou
                        qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem
                        como membro de uma sociedade.


       Assim, o sujeito é capaz de reproduzir seus hábitos e costumes numa
sociedade, tendo visão e atitude capaz de mudar e gerar conhecimentos.
       Laraia (2002)2 prossegue falando a respeito de cultura e ressalta que a
mesma “condiciona a visão de mundo do homem”, ele cita Ruth Benedict “que
assegura que a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o
mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm
visões desencontradas das coisas”.
       Terry Eagleton (2005, p. 11)3 fala que o conceito original de cultura
“significa lavoura, cultivo agrícola [...] que sugere tanto regulação como
crescimento espontâneo”. Partindo desse pressuposto, percebe-se que esse
crescimento é denotado pelas mudanças que ocorrem nas diversas sociedades
e que estas são diferentes umas das outras. O autor (2005) afirma que o termo


2
  Roque de Barros Laraia é antropólogo bacharelado em História pela UFMG, Ph. D. em
Sociologia pela USP e professor emérito da Universidade de Brasília-UNB.
3
 Terry Eagleton é um Filosofo crítico integra estudos culturais com a teoria literária mais
tradicional.
12



cultura abriga resquícios de uma transição histórica relevante, além de codificar
várias questões filosóficas e comportar ainda, uma série de outras questões
como liberdade, determinismo, mudança, identidade, dentre outros.
       Eliot (1948, p.12 apud EAGLETON 2005) fala que existe uma constante
oscilação do conceito de cultura e classifica a mesma como algo que “antes de
tudo, o que os antropólogos entendem: o modo de vida de um determinado
povo vivendo junto em certo lugar” (p.159). E é com base neste conceito que
se busca descobrir a relação que existe entre o modo de vida e o vocabulário
utilizado por um povo. Sofreria então o vocabulário a influência do modo de
vida adotado pelo povo?
       Diante de tudo que já foi exposto, fica a necessidade de um estudo
aprofundado acerca dessa possível relação entre a cultura, a história e o
vocabulário. O vocabulário, diz respeito à variação que ocorre na língua de
acordo com o contexto ao qual é utilizada. Como diz Abbade (2006, p. 213) 4,
“a linguagem é entendida como uma atividade social, intersubjetiva e histórica
do homem”. Significa, portanto, um instrumento de cultura que veicula
representações, concepções e valores socioculturais, lembrando que a língua é
um sistema que sofre variações dentro de uma determinada localidade, em
uma perspectiva de contextualizá-la em uma dada região através dos fatores
sociais e culturais de um indivíduo, já que desde o nascimento, o sujeito entra
em contato com a cultura, marcando sua identidade. “A língua, a história e a
cultura do ser humano, caminham juntas” (ABBADE, 2006, p. 214.), e para
conhecer esses aspectos, faz-se necessário interligá-los uns aos outros.
Portanto, “o estudo da língua de um povo, é consequentemente, um mergulho
na história e cultura desse povo”. Segundo Abbade (2006, p. 213) "[...] estudar
o Léxico de uma língua é estudar também a História do povo que a fala”.
       A história por sua vez é uma ciência que estuda fatos ocorridos no
passado referente ao homem e à sua vida. Heller (1970, p.07)5 diz que



4
  Celina Márcia de Souza Abbade é professora titular da Universidade do Estado da Bahia,
atua no Programa de Pós-Graduação em Língua e Linguagens e no Campus XIV; também é
professora do Instituto de Letras da Universidade Católica do Salvador. Doutora e Mestre em
Letras pela UFBA.
5
  Agnes Heller é pesquisadora do Instituto Sociológico de Budapeste e faz parte do conselho
de redação da revista Praxis.
13



                    A história é a substância da sociedade. A sociedade não
                    dispõe de nenhuma substância além do homem, pois os
                    homens são os portadores da objetividade social, cabendo-lhes
                    exclusivamente a construção e transmissão de cada estrutura
                    social. [...] a história é, entre outras coisas, história da
                    explicação da essência humana, mas sem identificar-se com
                    esse processo. A substância não contém apenas o essencial,
                    mas também a continuidade de toda a heterogênea estrutura
                    social, a continuidade dos valores. Por conseguinte, a
                    substância da sociedade só pode ser a própria história. (p. 07)


      A história é, portanto, algo que não pode ser deixado de lado ao se fazer
um estudo acerca do homem e das atividades por ele realizadas. Um dos
principais objetivos desta ciência é resgatar aspectos culturais de um
determinado povo ou região na tentativa de entender o momento presente
através de estudos do passado.
      Neste contexto, a história aparece como algo próprio do ser humano,
fazendo parte de sua origem até o fim de sua vida, ou seja, as pessoas tendem
a adotar os costumes dos antepassados. Isso acontece sem grandes esforços,
pois já ao nascer, o indivíduo é inserido em uma determinada cultura, a partir
deste momento adota os valores sociais e morais. Isto, mesmo que de modo
inconsciente lhe acompanhará durante a vida em doses maiores ou menores a
depender do meio que passará a frequentar ao longo da vida. Mas, mesmo que
mude em alguns aspectos ou atitudes, irá trazer marcas que denotam a
história, tanto de sua vida pessoal quanto do modo de vida em comum com
determinado grupo de pessoas.
      Relacionando história e estudo do léxico da língua de um grupo é
necessário também estudar muitos aspectos. Sendo assim,


                    Examinar o léxico de uma língua é enveredar pela história,
                    costumes, hábitos e cultura de um povo, partindo-se de suas
                    lexias. É mergulhar na vida da população em um determinado
                    período da história, através do seu léxico. (ABBADE, 2006,
                    p.213).
14



      Diante disso, pensa-se acerca do que fala Xavier (2011, p. 96)6, quando
a autora esclarece que “Existem tipos diferentes de léxico de acordo com a
situação social, idade e instrução de cada falante.” A autora ainda acrescenta
que “o léxico é um processo contínuo de aquisição através de vocabulário ativo
(de uso) e passivo (de compreensão)”.
      De acordo com essa afirmativa é muito provável que fatores culturais,
sociais e históricos influenciem na maneira de falar da população. Dessa forma
o vocabulário é influenciado diretamente por alguns fatores como o local de
origem dos falantes, a classe socioeconômica, a idade, a escolaridade, entre
outros.


1.2 Os papéis homem versus mulher na sociedade: relações de poder




      Desde o surgimento da humanidade, os indivíduos estabeleceram
papéis diferentes para homens e mulheres. A sociedade foi organizada em
grupos e, nestes, nota-se que ocorreram atribuições diferentes para cada
gênero, no qual foram impostos modelos de comportamentos para cada um de
forma hierárquica.
      Na análise do texto de base percebe-se, como afirma Jesus (2010,
p.397)7, que “O defloramento é visto como humilhação da mulher”. Diante
desta premissa, faz-se necessário refletir sobre algumas questões que marcam
fortemente a imagem da mulher em uma sociedade machista, como por
exemplo: a mulher só seria considerada uma pessoa honrada se controlasse
os desejos, fossem eles de qualquer natureza. Em oposição, o homem deveria
expor suas conquistas, principalmente as amorosas para firmar-se como tal.
Diante disso, quais critérios a sociedade utiliza para estabelecer os padrões de
conduta para cada gênero? E quem está por trás ou idealizou tais padrões?
      Assim, afirma a autora (2010):


6
  Vanessa Regina Duarte Xavier é Doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa pela
Universidade de São Paulo
7
 Ivanete Martins de Jesus é bolsista do PROBIC, Graduada em Letras Vernáculas,
Universidade Estadual de Feira de Santana.
15




                      Foi possível verificar que havia uma política moralizante no
                      final do século XIX e início do século XX, através do controle
                      sexual da mulher. Esta deveria conter sua libido a fim de obter
                      uma conduta moral perante a sociedade e, para a preservação
                      do caráter feminino era necessário resistir às investidas
                      masculinas até o casamento. E quando ocorria o fato de
                      alguma mulher ser desvirginada e levar o caso à resolução da
                      justiça, aquela deveria manter um discurso convincente de que
                      era honesta e fora vítima do poder masculino por força ou pela
                      arte da sedução. A mulher depois de seduzida, desvirginada e
                      abandonada       pelo    homem     passava      por    grandes
                      constrangimentos ao passar pela pericia médica, a fim de
                      comprovar o rompimento ou não da membrana hímen. (p.397)


       Segundo Bauer (2001, p.111)8 “a história da mulher no Brasil é
inseparável da própria história social, econômica política e cultural brasileira”.
Sabe-se que a mulher tem papel importantíssimo na sociedade e sempre
desempenhou funções vitais para a continuidade da espécie humana. Porém, o
lugar que ocupa na sociedade às vezes não é reconhecido com a importância
que tem e em algumas ocasiões só é vista como um ser que foi criado com a
função de satisfazer os caprichos masculinos e realizar lhe os desejos mais
profundos.
       De acordo com Alves (2002)9 a imagem feminina que foi construída,
serve como modelo para controlar o comportamento da mulher que deve se
inserir no espaço doméstico e, a autora trás algumas descrições de mulher,
sendo que a primeira trata da mulher virgem pura e a mãe de família, em
seguida fala sobre a mulher livre como a prostituta, a livre pensadora que não
serve para assumir papel diante da família, por ser esta o núcleo fundamental
da sociedade. Sendo assim estas mulheres imediatamente são lançadas à
margem da sociedade, visto que não possuem o perfil adequado para tal
posição.
       Em um passeio pela literatura brasileira, percebe-se claramente a
imagem da mulher destinada ao lar, pois os romances brasileiros são escritos
de modo que mostram como foi construída a imagem da virgem destinada ao

8
  Carlos Bauer é Graduado em Licenciatura e Bacharelado em História pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
9
  Ivia Alves é Professora e pesquisadora do Instituto de Letras e do Programa de Pós-
Graduação em Letras e Linguísticas da UFBA.
16



casamento, ou mesmo da mulher, e a postura a ser tomada perante a
sociedade. A autora (2002) cita as personagens das obras Diva, Senhora, A
moreninha, e A escrava Isaura.
       Miguel-Pereira (1950, p. 54, apud ALVES 2002, p.86), declara que


                     A honra feminina consistindo na virgindade das mulheres
                    solteiras e na fidelidade das mulheres casadas, constituía um
                    dos assuntos preferidos dos romances do final do século
                    passado e início da década de 20.
                    Talvez se explique em parte essa predileção pelos casos
                    amorosos bem como a maneira reservada de os tratar, pela
                    convicção em que estavam os escritores de escrever
                    principalmente para mulheres, num tempo em que a educação
                    visava mantê-las em permanente menoridade social e moral.


       A sociedade burguesa capitalista construiu um modelo para a mulher
amparado pelas práticas e organizações institucionais. Modelo esse que
delimita o campo de ação das mulheres, tornando-as objetos manipuláveis. De
acordo com Alves (2002): a sociedade está subdividida e essas subdivisões
são mantidas sob a ótica de práticas que se multiplicam constantemente, dessa
forma alimentam, ou seja, fazem crescer e se propagar ainda mais essas ideias
baseadas em ideologias mascaradas. Alves (2002) afirma que essas divisões
ocorrem da seguinte maneira:


                    Primeiro, pela organização desta sociedade através da divisão
                    sexual do trabalho, delimitando o espaço de atuação do
                    homem e da mulher; segundo, estabelecida a forma de
                    participação através de papeis, os modelos passaram a ser
                    perpetuados pelas instituições que sustentam e alimentam as
                    práticas sociais desta sociedade (p. 87).


      A sociedade limitou os horizontes femininos e criou um padrão para ser
adotado e seguido sem questionamentos. A ideia que se formou foi a de que a
mulher é um ser inferior que deve seguir regras constantemente. A quebra de
qualquer uma dessas regras implica em “manchas” em sua conduta moral,
fazendo com que os olhares se voltem para a mesma de forma discriminada.
Isso consequentemente trará efeitos trágicos para uma imagem que foi
fragilmente construída, pode ser citado aqui o exemplo de um cristal que deve
17



ser cuidadosamente manuseado, caso contrário se parte em inúmeros
pedaços.
      As questões que surgem em relação à imagem feminina na leitura deste
documento, induzem a crer que existe um tipo de ideologia propagada através
da língua em uso por determinado grupo social, ou seja, existem grupos
manipuladores e manipulados. Neste caso o grupo manipulador é a sociedade
que cria regras para moldar o comportamento feminino. Diante disso percebe-
se, que as posições sociais são estabelecidas através da cultura, elemento
indispensável em qualquer comunidade humana. A história por sua vez se
encarrega de repassar esses costumes culturais para as gerações futuras.
Com isso as tradições, sejam elas boas ou ruins são repassadas ao longo dos
anos. Estes resquícios que são repassados de uma geração para outra faz
com se torne quase impossível se retirar as marcas prejudiciais que se
estabelecem com o decorrer dos anos. Sendo assim, a sociedade bloqueia os
indivíduos que por motivos diversos considera sem prestígio social.
18




        2 DOCUMENTOS RESGATANDO A HISTÓRIA: UM AUTO DE
                       DEFLORAMENTO




      O tema abordado neste capítulo é a importância de conservar
documentos manuscritos de séculos passados, pois estes são fontes
inestimáveis de conhecimento. Isso pelo fato de que mantêm sempre viva a
memória e a identidade de qualquer povo. Além de trazem outras informações
que podem ser indispensáveis para estudos. Este capítulo apresenta ainda de
modo resumido o documento em estudo para que se conheça o processo de
modo geral.




2.1 A contribuição da preservação de documentos




      O texto que serve como base para este trabalho é um documento
manuscrito, diante dessa afirmativa é oportuno dizer que é um material rico,
uma fonte de conhecimento. Queiroz (2007) assim define documento:


                     A palavra documento deriva do latim documentum, derivado
                     por sua vez do latim docere, que significa „ensinar‟. Com a
                     evolução adquiriu o significado „prova‟, muito usado no
                     vocabulário legislativo. O documento afirma-se essencialmente
                     como um testemunho escrito. Deve-se extrair tudo o que ele
                     contém e lhe acrescentar nada. (p. 26)


      Para este estudo realizou-se o levantamento do campo lexical dos
qualificadores dos envolvidos no processo de defloramento, seguido da
definição das lexias, remetendo ao texto de base a partir dos exemplos
encontrados. O vocabulário é extenso, assim, fez-se apenas o levantamento de
um dos campos lexicais. A partir desse campo delimitado, chega-se ao
propósito de relacionar as lexias com o contexto histórico do povo coiteense do
19



século XX. Nisto, ressalta-se uma possível ligação das características
referentes aos participantes do processo com a situação da realidade
extralinguística, organizadas lexicalmente entre as expressões e seus
significados. De acordo com Silva (2009) 10:


                      Estudar o léxico de documentos históricos é também
                      compreender toda a dinâmica social e cultural de uma
                      comunidade em um tempo passado e descobrir suas
                      referências, seus símbolos e signos linguísticos que são
                      próprios daquele momento histórico. É também preservar
                      esses documentos da ação do tempo, em benefício da
                      memória, da cultura e da história dessa mesma comunidade.
                      Esses documentos apresentam-se como um material
                      importante para um estudo lexicológico, partindo-se do
                      pressuposto de que eles reservam fatos que delineiam o perfil
                      sociocultural daquele grupo social (p.150).


       A proposta aqui é de fazer uma análise estrutural do texto de base do
presente trabalho, ou seja, um Auto de Defloramento do século XX, mais
precisamente do ano 1917. Assim como, a importância de se preservar
documentos como este, por ser o mesmo um elemento de fundamental
importância para o conhecimento de outras culturas. Vale salientar, que a
leitura de materiais como este denota marcas da forte influência da cultura que
podem ser facilmente percebidas na leitura do mesmo. A partir de um olhar
mais atento percebe-se que estes manuscritos são ricas fontes de informações.
       A escrita é algo muito importante e registrar fatos ocorridos nas mais
variadas culturas, é um hábito que ocorre desde os costumes mais primitivos
até os dias atuais, portanto se percebe que esta é uma prática muito antiga do
ser humano. Isto ocorre no intuito de tornar conhecidos os feitos de uma
determinada comunidade para outras gerações.
       Um dos meios possíveis de conhecer uma cultura anterior é o estudo de
textos antigos, o que possibilita ao estudioso o conhecimento de práticas,
costumes e tradições, dentre muitos outros fatores culturais e sociais de uma
dada comunidade em um momento específico. A partir desses estudos põe-se


10
  Nilzete Cruz Silva é professora assistente da UNEB com doutorado em andamento em
DINTER PUCRS/UNEB Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, Brasil
em 2010.
20



em evidência uma determinada cultura, o que ajudará as gerações presentes e
futuras, a conhecerem o passado de seus antecessores e, a partir disso,
compreenderem suas origens.
       Qual a importância de se preservar esse tipo de documentos? A
resposta é bem simples, o interesse pela preservação de documentos
manuscritos tem sido cada vez maior, tendo em vista que, além da sua
preservação material, mantém viva a tradição de um povo. É muito importante
que se resgate e preserve os documentos manuscritos, pois eles contêm uma
parte da história de um determinado povo. Queiroz (2006)11, em um estudo de
manuscritos de cidades do recôncavo e do sertão da Bahia dos séculos XVIII
ao XX, fala que


                        É inegável a contribuição desses manuscritos dos séculos XVIII
                        ao XX para a compreensão da evolução da língua portuguesa,
                        pois eles representam parte da realidade linguística da época
                        em que foram escritos, revelando elementos arcaicos e
                        populares, vacilações ortográficas, ultracorreções etc.; assim
                        como de uma parcela significativa da história da Bahia [...]
                        (p.42).


       Ainda segundo a mesma autora, uma civilização não se desfaz de seus
valores, mas vai preservando fatos do passado que são resgatados através
destes documentos históricos que são patrimônio cultural. Magalhães (1985
apud QUEIROZ, 2006, p.42), diz que “coisas do passado, podem, de repente,
tornarem se altamente significativas para o presente e estimulante do futuro”.
       É necessário ressaltar que a recuperação e/ou preservação de
documentos que se encontram esquecidos em acervos públicos é de suma
importância e segundo Queiroz (2007), esta atividade é praticada há muito
tempo pelo menos desde a Grécia na Antiga Biblioteca de Alexandria. É este
um trabalho de valor inestimável em diversas áreas do conhecimento, aos
quais dentre essas áreas cita-se a Filologia.




11
  Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz é Doutora em Filologia e Língua Portuguesa. Professora
Orientadora do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Feira de Santana.
21



         A Filologia é definida pelo professor Pereira (2009)12, como a ciência que
estuda as “sociedades e civilizações antigas através de documentos e textos”
que foram por elas produzidos e deixados para os seus sucessores sendo que
a língua escrita nestes termos é tida “como fonte de estudos”, e a partir do qual
se faz um estudo minucioso de documentos antigos e de sua expedição, a fim
de “estabelecer, interpretar e editar esses textos”. Pode também ser
considerada como o estudo de uma língua através de pesquisas da história
morfológica e fonológica da mesma realizada em documentos, bem como
através da crítica textual, que por sua vez consiste em um trabalho de reedição
de textos antigos com o intuito de preservar a fidedignidade aos documentos
originais o máximo possível. O propósito de estudo filológico é chegar o mais
próximo das ideias que o autor do texto, pretendia expressar, seja qual for esse
texto.
         Portanto preservar documentos antigos contribuem em diversos estudos
para preservar a memória cultural e histórica das comunidades. Tendo em vista
que são patrimônio devem ser bem guardados e protegidos a fim de se evitar a
perda de algo que é extremamente valoroso.




2.2 Documentos jurídicos: processos da vara crime




         Quanto aos processos das diversas áreas, Queiroz (2007) fala de
arquivos que guardam alguns tipos de documento e discute sobre a
classificação dos mesmos, pois esses documentos se encontram guardados de
acordo com a categoria a que pertencem, sendo que as áreas estão divididas
por tipos que são: eclesiástico, cível, crime. Sendo assim


                        “[...] nos arquivos públicos brasileiros    os documentos são
                        classificados por períodos históricos      (colonial, imperial e
                        republicano) e conforme as origens         (executivo, judiciário,
                        fazendário e militar), com subdivisões      como ministérios ou

12
  José Pereira é graduado em Letras Português e Literatura pela Faculdade de Humanidades
Pedro II Mestrado em Linguística e Filologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é
doutor em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
22



                        secretarias no executivo, cível, crime e outros juizados, no
                        judiciário [...] (p.16).


       Ainda segundo Queiroz (2007), o trabalho com a escrita possibilita à
humanidade armazenar e conhecer a história, estando esta, “repleta de
emoções, intrigas, pensamentos, feitos heroicos, descobrimentos, conquistas
[...]” (p.23). Portanto seria ela (a escrita) um meio de “representar a própria
memória do homem”.
       Já que o processo em estudo neste trabalho pertence à vara crime é
importante atentar para a definição de crime dada por Eleutério (2009, p.01)13


                        Além de um fenômeno social, o crime é na realidade, um
                        episódio na vida de um indivíduo. Não podendo, portanto, ser
                        dele destacado e isolado, nem mesmo ser estudado em
                        laboratório ou reproduzido. Não se apresenta no mundo do dia-
                        a-dia como apenas um conceito, único, imutável, estático no
                        tempo e no espaço. Ou seja: "cada crime tem a sua história, a
                        sua individualidade; não há dois que possam ser reputados
                        perfeitamente iguais." Evidentemente, cada conduta criminosa
                        faz nascer para as vítimas, resultados que jamais serão
                        esquecidos, pois delimitou-se no espaço a marca de uma
                        agressão, seja ela de que tipo for (moral; patrimonial; física;
                        etc...).


       A partir dessa definição de crime apresentada pelo autor(2009), inicia-se
a análise deste delito como sendo uma agressão moral no qual o presente
trabalho baseia-se no relato que se encontra em um Auto de Defloramento no
Processo de nº 40, caixa 76, seção judiciária, série crime da Villa de Conceição
do Coité. Este documento manuscrito atualmente está sob a guarda do Acervo
de Documentos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) no Departamento
de Educação do Campus XIV, situado na Avenida Luís Eduardo Magalhães,
988, Bairro Jaqueira, no município de Conceição do Coité- BA.
       O referido Acervo possui vários documentos jurídicos cíveis do Fórum
Durval da Silva Pinto que foram entregues pela Justiça local ao Departamento
de Educação citado com o intuito de que estes documentos manuscritos sejam
preservados e estudados e assim conhecida a história de povos que viveram
13
  Fernando Eleutério é assessor de planejamento da Prefeitura de Municipal de Bela Vista de
Goiás, Fiscal Estadual Agropecuário e na Agrodefesa, graduado pela Universidade Estadual do
Centro-Oeste.
23



em um determinado período em Conceição do Coité. Esta Villa que, segundo
Silva (2009), hoje é a cidade de Conceição do Coité, emancipada há pouco
mais de setenta anos, localiza-se no Norte do Estado baiano, mais
precisamente na região conhecida como Região Sisaleira. Situada a duzentos
e dez quilômetros da capital baiana com uma média aproximada de sessenta
mil habitantes.




2.3 O Auto de defloramento de Nº 40




       Como o documento em análise trata-se de um auto de defloramento é
oportuna à definição do termo auto. Este se trata de um texto escrito e
autenticado, seja ele de qualquer ato, sendo assim as partes do conjunto de
um processo que vão a júri no tribunal.
        Os autos de defloramento contêm uma gama de informações, que
podem ser utilizadas por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. O
estudo dos autos de defloramento faz com se enverede por caminhos sociais,
culturais e históricos, que são trazidos ao conhecimento das pessoas por meio
da memória.
       O Auto de Defloramento em questão teve início em 13 de maio de 1917
e finalizou em 12 de novembro de 1918. Foi redigido pelo Adjunto do Promotor
Público da Villa de Conceição do Coité o Sr. Augusto Antônio de Oliveira.
       O processo geral consta de 124 (cento e vinte quatro) fólios escritos no
recto e no verso. Com isto, faz-se necessário definir alguns termos que são
utilizados nesta análise e para isso Spaggiari e Peruzi (2004)14, podem ser
citados, pois estes autores explicam que para a Codicologia, (disciplina que
estuda os manuscritos) existe uma terminologia apropriada para o estudo de
manuscritos antigos.




14
    Barbara Spaggiari e Maurizio Peruzi, dois dos mais representativos discípulos da escola
italiana de crítica textual, são conhecidos internacionalmente pelas edições críticas e ensaios
sobre textos que vão do medieval ao moderno.
24



                     Para exemplificarmos, entre os termos próprios da codicologia,
                     derivantes na sua maioria do grego e do latim, figuram
                     manuscritos „qualquer texto escrito à mão‟, [...] folha ou „fólio‟‟
                     cada uma das páginas de um ms.‟, „recto‟ „parte anterior da
                     folha, ou página ímpar‟ e „verso‟ „parte posterior da folha, ou
                     página par‟[...] (p.16).


      Feitos esses esclarecimentos faz-se necessário dizer que a primeira
parte do texto de base trata-se de uma denúncia do fato ocorrido, feita pelo pai
da vítima à delegacia de policia da Villa de Conceição do Coité e o adjunto do
promotor por sua vez faz um relato dirigido ao juiz da comarca local já citada.
Apenas esta primeira parte será estudada neste trabalho devido à extensão do
mesmo e de sua temática, pois, para se realizar um estudo de todo o
documento seriam necessários muitos anos, visto que o mesmo muito amplo.
      No relato do processo, ocorre a exposição dos fatos com a apresentação
dos nomes dos envolvidos no processo. Inicia-se pelo réu Cosmo Bertholino da
Silva, acusado de deflorar a vítima Deolina Maria de Jesus com quinze anos de
idade, que, segundo o escritor do documento, não tinha condições nenhuma de
se defender. O réu já é considerado culpado por outro crime que é rapidamente
citado no processo em questão, supõe-se que seja como um meio de
evidenciar ainda mais a culpa do mesmo. Além da vítima e do réu, aparecem o
pai da vítima, o Sr. Antônio Avelino dos Santos e a mãe da vítima cujo nome
não foi revelado nesta primeira parte, só posteriormente, sendo denominada
como a Sr.ª Hictalina Maria de Jesus. Existem também várias testemunhas
arroladas para prestarem depoimento acerca deste defloramento, mas também
não são referidas na primeira parte do processo.
      Diante da análise deste Auto de Defloramento, faz-se necessário pensar
acerca do que fala Mattos e Silva (1996): que existem algumas tipologias de
documentação, que podem ser considerados como um representante da
História e da língua de um povo, como os documentos jurídicos, escritos
antigos do Latim até serem escritos para o português, que perpassam uma
investigação nos dias atuais da língua que era falada em outro período.


                     [...] esses textos [...] são significativos e informativos para a
                     história da língua porque trazem a data em que foram
                     exarados, além de serem localizados ou de poderem ser
25



                         localizados com certa precisão. Em segundo dado é importante
                         para aproximação ao conhecimento da provável variação
                         dialetal existente no período arcaico (p. 34).


          Na análise deste documento surgem muitas questões que merecem
destaque e, entre elas, pensa-se na figura feminina e na vida social e moral,
pois com o momento histórico do início do século XX, em que a mulher ainda
era submetida a julgamentos morais, tendo que se manter “pura e honrada”
para ser bem vista pela sociedade, qualquer irregularidade levaria até mesmo a
processos, como o caso em análise, na qual a vítima fora deflorada. Lima-
Hernandes (2005, p.134) fala sobre o papel feminino na sociedade no qual a
mulher, deveria ser dona de casa “predestinadas à marca „do Lar‟, com a
simples função de pilotar o fogão”. Segundo Lima-Hernandes (2005), nota-se
que poderia ocorrer também o inverso do processo em estudo, pois o marido
poderia pedir anulação do matrimônio caso tivesse dúvida após o casamento
de que a esposa não fosse mais virgem, como cita a autora: “Também muito
comum foi à anulação de casamentos calcada numa suposta não virgindade”.
A autora ainda mostra que este fato era amparado pela lei e era um direito do
marido. A autora chega a citar o Artigo 178 do Código Civil Brasileiro.
       Abaixo se encontra um trecho do Auto de Defloramento em estudo:




                       (fólio 1r, l. 20 - 24).15


       O trecho em destaque evidencia uma intenção por parte do redator do
Auto, para que seus possíveis leitores tomem partido em favor de uma das
partes.

15
   Fólio: folha ou „fólio‟‟ cada uma das páginas de um manuscrito. Quanto às siglas utilizadas
referem-se a (r) recto, ou parte anterior da folha; (l) linha, a linha do documento em que se
encontra a citação referida
26



          Como se pode perceber, as qualificações dos envolvidos no processo
possibilitam uma análise do campo em que essas palavras se referem. Sendo
assim, nota-se que as palavras ganham sentidos a partir do momento em que
determinam a estrutura de todo o corpo do texto de base. De acordo com o que
foi exposto é pertinente citar Abbade (2009, p.38), que diz: "as palavras que
ocupam determinado campo e estão individualmente determinando seus
significados pelo número e pela situação", ou seja, as palavras ganham
significado de acordo com o contexto lexical em que estão inseridas. No
trabalho com esse Auto se pretende analisar os significados de cada lexia
utilizada para qualificar os envolvidos no processo aqui referido.
          A leitura do manuscrito possibilita o contato com os costumes sociais de
pessoas que viveram no interior da Bahia no século XX. E isso faz com que se
perceba que é realmente importante atribuir um cuidado especial para esses
documentos quebrando os estereótipos que se referem a estes como velhos e
sem utilidade alguma.
          A partir da leitura do texto de base, nota-se que o povo coiteense do
século em questão (como a maioria da sociedade daquela época, e, em
alguns, casos até hoje) vê no defloramento um fator de desprestígio e/ou
humilhação moral, no qual a mulher deflorada perde o seu valor perante a
sociedade. Pensa-se que seja sem exagero fazer essa afirmativa. Um fator que
induz a este pensamento é a preocupação do pai da vítima levar o caso à
justiça em busca de solução para o mesmo. E a preocupação do relator do
processo na busca pelas palavras “certas” que pudessem convencer a quem
estivesse lendo o processo, para atribuir toda a culpa ao réu e inocência à
vítima.
27



(fólio 2 v,16 l. 28 - 31.)



        A mulher deflorada, neste caso Deolina Maria, não é ofendida sozinha,
mas traz vergonha, tristeza e dor também aos pais e precisava casar-se com o
autor de sua desonra, a fim de „reparar os danos‟ que ele causara para a vítima
e para a família da mesma. De certo modo, esse mal havia sido feito também
contra a sociedade que não aceita que uma mulher „direita‟ fique nestas
condições. Esta expressão “nestas condições” é usada aqui porque o
defloramento faz com que esta jovem fique à margem da sociedade, pois já
não é mais bem vista para casar-se com outro rapaz, visto que após perder a
virgindade deixa de ser uma mulher de bons princípios morais e fica excluída
de tudo que antes tinha direito, ou seja, não serve mais para o casamento.
        Deolina agora passa a ser vítima de um processo e além de ter a sua
imagem exposta para toda a sociedade e para o júri, ela precisa passar pelo
exame da pericia médica que é algo constrangedor pela forma como o mesmo
é realizado.
        Com isso, surge a necessidade de se pensar em termos culturais, o que
vem a ser o defloramento. Provavelmente não se parou ainda para pensar
nesse assunto. Mas o que se pode constatar é que o defloramento provoca
marcas irreversíveis para imagem feminina, que fica manchada e vulnerável,
como se agora necessitasse de um favor, de alguém que queira casar com ela
por pena.




16
  Fólio: folha ou „fólio‟‟ cada uma das páginas de um manuscrito. As siglas referem-se: (v)
verso e (l) linha, a linha do documento em que se encontra a citação referida.
28




         3 A LEXICOLOGIA E A TEORIA DOS CAMPOS LEXICAIS




      A partir da leitura de um Auto de Defloramento da Villa de Conceição do
Coité, datado de 1917, pode ser levantado um campo lexical que se refere aos
qualificadores dos envolvidos no processo de defloramento e encontra-se no
vocabulário do povo coiteense, realizando assim, um estudo lexical. Perante
os fatos, verificam-se as lexias inerentes para situar a sua estrutura e
funcionalidade na representação cultural desse contexto.




3.1 O Léxico e suas ciências



      Para comprender melhor o que é o léxico, faz-se necessário definir a
ciência Lexicologia, que tem o léxico por objeto de estudo. Abbade (2011) diz
que


                     A Lexicologia, enquanto ciência do léxico, estuda as diversas
                     relações deste léxico com os outros sistemas da língua e,
                     sobretudo as relações internas do próprio léxico. [...] é uma
                     ciencia recente, mas os estudos acerca das palavras remontam
                     a Antiguidade Clássica. Sem o lugar merecido, os estudos
                     lexicais permaneceramem em segundo plano durante um bom
                     tempo da história linguística. (p.1)


      É essencial a partir de agora definir alguns termos que são inerentes ao
léxico e suas ciências e que serão de fundamental importância para melhor
entender esse estudo. Observa-se que Abbade (2006, p. 218) define “palavra
como um termo utilizado na língua que faz parte do vocabulário de todos os
falantes” a autora prossegue e diz que, diferentemente da palavra, “a lexia é a
unidade significativa do léxico de uma língua, ou seja, é uma palavra que
possui um significado social”. Essa definição da autora (2006) é o ponto chave
29



para esse estudo, pois a análise dessas lexias é o que faz se perceber o real
sentido do léxico e o que se pretende realizar com o campo lexical escolhido.
       Com esse propósito, faz-se necessário questionar: como a cultura do
povo coiteense pode ser refletida em seu vocabulário e estudada a partir de
suas lexias? Será que o Auto de Defloramento a ser analisado traz marcas da
cultura desse povo que possam ser reveladas a partir de suas lexias? Para
melhor explicar o estudo do léxico neste trabalho cita-se Coseriu (1987)17 que
diz:


                        Ahora bien, hacer de lãs lenguas objeto de estudio significa
                        analizar cada lengua em su peculiaridad, estabelecer sus
                        estructuras paradigmáticas y, por tanto, precisamente, no partir
                        de um pensamiento prelinguístico <<universal>> ni de La
                        realidad extralinguística designada.(p.216).18



       O texto base procura mostrar justamente as particularidades da língua
falada,   no    caso,    pelos    coiteenses     de    1917.    Nota-se     que     fatores
extralinguísticos influenciam no modo de falar das pessoas. Isso é um indicador
de que a língua não possui um limite, mas sim, que existem inúmeras
possibilidades de significados para cada palavra. E isto só será determinado
em comum acordo com o contexto e os fatores a ele inerentes. Coseriu (1987)
pontua que “O estudo funcional do vocabulário é uma investigação de conteúdo
do léxico das línguas” (p.206).




3.2 A teoria dos campos lexicais



       O estudo do léxico segundo Abbade (2009) permite conhecer a história
social de um povo através do vocabulário. A autora cita um estudo realizado
por Jost Trier (1931) acerca da teoria dos campos linguísticos, na qual estuda

17
   Eugênio Coseriu é um linguísta romeno, tornou-se Professor de Linguística da Universidade
de Montevidéu (Uruguai).
18
   “Agora bem, ter as línguas como objeto de estudo significa analisar cada língua em sua
peculiaridade, estabelecer suas estruturas paradigmáticas e, por tanto, precisamente em um
pensamento prelinguístico universal da realidade extralinguística designada”. (trad. Livre)
30



as palavras de modo conceitual que constituem um conjunto estruturado que
são dependentes entre si. Desse modo, a mudança em um conceito modificaria
os conceitos vizinhos. Autora (2009) ainda diz que essa teoria teria dado
origem ao conceito de campos lexicais pelo estudo realizado por L.
Weisgerber.
       Xavier (2011, p.95) acrescenta que [...] algumas peculiaridades da
história podem ser reveladas através do estudo lexical de documentos do
passado [...]. Com isso nota-se que estes são fatores essenciais para o
conhecimento do passado e o léxico pode abrir caminhos para estes estudos.
Isso se dá devido ao fato de que o vocabulário utilizado por determinado grupo
de pessoas mostra coisas que vão além das palavras, ou seja, sentimentos,
maneira de pensar, o modo de agir, dentre outros fatores que são trazidos à
tona através do léxico.
       A significação do léxico está relacionada ao conteúdo que designa a
língua dentro da situação como a significação das palavras perante o
dicionário, enquanto a designação, provém do estado em que o léxico se
encontra, referindo-se aos aspectos extralinguísticos, ou seja, contextualizando
o léxico de acordo à situação histórica.
       Estas questões abrem discussões referentes aos campos lexicais, que
por sua vez dizem respeito a um “corpo articulado” que se relaciona e coordena
de forma hierárquica segundo Abbade (2009). E a autora ressalta que “O
significado de cada palavra vai depender do significado de suas vizinhas
conceituais” (p.02), para entender a lexia é necessário “observá-la no seu
conjunto de campo”. Segundo Bechara (2005, p.387)19 “Um campo léxico é
uma estrutura paradigmática constituída por unidades léxicas que se repartem
numa zona de significação comum e que se encontram em oposição imediata
umas com as outras”.
       Trabalhar com questões lexicais na língua de um povo significa
conhecer as palavras através da junção das mesmas para formar significados,
como afirma Abbade (2009)


19
  Evanildo Bechara é professor titular e emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), atua nos cursos de pós-graduação e de
aperfeiçoamento para professores universitários e de ensino de 1º e 2º graus.
31




                        [...] a teoria dos campos propõe a organização das palavras em
                        um campo com mútua dependência, ou seja, elas adquirem
                        uma determinação conceitual a partir da estrutura do todo e só
                        terão sentido como parte desse todo (p. 387).


        Portanto, a palavra não tem sentido completo isoladamente e fora do
contexto, não se pode atribuir-lhe um sentido de modo independente.



                        [...] compreende campos como realidades linguísticas vivas,
                        situadas entre palavras e conjunto do vocabulário que,
                        enquanto totalidades parciais, têm como característica comum
                        com a palavra o articular-se [...] (p. 39).


        Os campos lexicais se articulam entre si para dar sentido às palavras
em uma esfera nova, dando outros sentidos para as palavras, que ganham vida
em seu todo organizado.
       Através do estudo do léxico é possível se conhecer traços culturais e
históricos do ser humano, mudanças ocorridas na língua ao longo do tempo,
como também a diversidade linguística de uma dada comunidade. Portanto,
estudar o léxico é compreender melhor a dinamicidade das línguas.
       A língua pode ser vista como identidade de um grupo social, pelo fato de
ser o meio através do qual as pessoas expressam o que pensam e o que
sentem, sejam estes sentimentos de dor, tristeza, alegria, desabafo, entre
outros. É por ela que os indivíduos expõem anseios que se encontram no
interior de cada ser.
       Faz-se necessário ressaltar que esse aspecto da vida humana acontece
de modo individual e também coletivo. Não importa quem seja o indivíduo, ele
se expressa através da linguagem. Cada um com suas particularidades, mas
sempre através desta. Mas, que ao partir para o coletivo, unem-se com o que
possuem em comum.
       É pertinente dizer que o ser humano consegue se adaptar em grupos
com facilidade, pela necessidade de conviver com outros seres de sua espécie.
As atividades que o mesmo realiza em grupo, lhe permitem compartilhar
objetos, atividades, momentos, dentre outras coisas das quais cita-se a língua.
Esta por sua vez, faz dele um ser social e lhe atribui identidade.
32



      Neste convívio social, o ser humano adéqua o que está ao seu redor de
acordo às necessidades que possui. É nesse contexto que o léxico aparece
como algo indispensável na dinâmica da língua com as relações socioculturais
e históricas, tendo em vista que o léxico de uma língua é construído através
das dinâmicas dessas relações humanas.
      Enfim, um estudo aprofundado do léxico coloca em evidências coisas
inimagináveis que estão envoltas em uma atmosfera de mistérios da sociedade
e que as vezes ela própria desconhece.
33




   4 O CAMPO LEXICAL DOS QUALIFICADORES DOS ENVOLVIDOS NO
                 PROCESSO DE DEFLORAMENTO




      A partir de agora, podem ser observadas as lexias que foram utilizadas
no documento que serve de base para este estudo, aos quais servem para
qualificar cada um dos envolvidos diretamente neste processo de defloramento
de Nº 40. São quatros pessoas, apresentadas de modo totalmente diferente
umas das outras. Veja-se as definições seguem abaixo.




A vítima: Deolina Maria de Jesus


 FILHA MENOR - exp. „filha que ainda não alcançou a maioridade‟.
                    “[...] sua filha menor / Deolina Maria de Jesus[...]” (Auto de      nº
                     40 f.1r, l. 07- 08).


DEFLORADA - s.f. „pessoa que perdeu a virgindade, rompeu o hímen‟.
               “[...] vê-se que a mesma fora de - / florada [...]” (Auto de nº 40, f.2r, l.
               35- 36).


DESHONRADA – s.f.„refere-se a pessoa que perdeu a honra, a virgindade‟
                   “Pelo auto de corpo de delicto se evidencia que / Deolina Maria
                   de Jesus, fora deshonrada[...]” (Auto de nº 40, f 2r, l.31, 32).


ESTADO INTERESSANTE DE GRAVIDEZ – exp. „que está grávida‟.
                                                   “[...] e / que acha-se em estado
                                                   interessante de gravidez / fructo
                                                   desta junção illicita”.   (Auto de nº
                                                   40, f.2r, l.32 - 34).
34



OFFENDIDA – s.f. „o fato de ter sido deflorada é visto como ofensa à vítima, ou
               seja, alguém que foi ferido em sua dignidade‟
               “pelo auto de per / guntas a offendida, vê-se que a mesma fora de /
               florada por Cosmo[...] (Auto de nº 40, f.2r, l.34 - 36).


POBRE MENINA – expr. „pessoa digna de pena, compaixão, a coitadinha‟.
                    “e num instante desman- / chava toda essa felicidade
                    deshonrando uma pobre / menina [...]” (Auto de nº 40, f.1r, l. 22
                    - 24).


O réu: Cosmo Bertholino da Silva


ATREVIDO – s.m. „alguém ousado e que insultou a família‟.
              “Vê portanto Exmº Snº quanto é barba/ ro, infame, atrevido e
              finalmente sem classificação [...](Auto de nº 40, f.2r, l.27 - 28).


AUCTOR DA DESHONRA - expr. „indica o responsável por causar a desonra
                              da     vítima,   ou    seja,    tirar-lhe   a   virgindade.
                              “[...] e denunciou o Cosmo / de tal como auctor da
                              deshonra de sua filha menor [...]” (Auto de nº 40, f.1r,
                              l.6-7).


BÁRBARO – adj. „pessoa cruel e desumana que não tem sentimentos pelas
              outras pessoas‟.
                “Vê portanto Exmº Snº quanto é barba / ro, infame[...]” (Auto de nº
               40, f.2r, l.27,28).


DESOCUPADO - adj. ‟pessoa que não possui ocupações‟.
                 “[...] esse typo desocupado que sempre foi propenso a / valentia e
                 deshonra[...]” (Auto de nº 40, f. 2r, l.29 - 30).


INFAME – adj. „pessoa vil e torpe que pratica atos vergonhosos que atentam
           contra a honra de outrem‟, „alguém que praticou atos indecentes‟
35



            “Vê portanto Exmº Snº quanto é barba / ro, infame, atrevido e finalmente
            sem classificação[...]” (Auto de nº 40, f.2r, l.27-28).



PROPENSO A VALENTIA E DESHONRA – exp. „alguém acostumado a
provocar desordens‟, „desordeiro‟.
              “[...] esse typo desocupado que sempre foi propenso a / valentia e
             deshonra que se diz chamar Cosmo. [...]” (Auto de nº 40, f.2r, l. 29 -
             30).




O pai da vítima: Antônio Avelino dos Santos


INFELIX – s.m „pessoa que não é feliz, um desgraçado‟
            “No dia 13 de Maio deste anno / o infelix pai Antonio Avelino dos Santos
            [...]” (Auto de nº 40, f.1r, l.3 - 4).




A mãe da vítima: Hictalina Maria de Jesus


ENFERMA – s.f. „o termo aqui é utilizado para referi-se a saúde física da
               mulher‟.
               “[...] Deolina procurava na roça umas hervas para / fazer um chá a
               pedido de sua velha mãe que jazia enferma.” (Auto de nº 40, f.2r, l.25
               - 27).


VELHA - adj. a lexia indica a faixa etária da mulher.
         “[...] Deolina procurava na roça umas hervas para / fazer um chá a pedido de
         sua velha mãe que jazia enferma.” (Auto de nº 40, f.2r, l.25 - 27).



      As lexias que foram empregadas para qualificar os envolvidos no
processo de defloramento analisado demonstram a visão de mundo de
determinado grupo social em um dado momento histórico. O modo de pensar
36



das pessoas está refletido na forma como escrevem, é, portanto a escrita um
meio de expressão de ideias, sentimentos, emoções e conflitos.
      Através do contato com esses documentos por meio de estudos é
possível se compreender melhor o universo do pensamento humano. Segundo
Queiroz (2009, p.21) “O homem ao nomear os seres e os objetos que estão a
sua volta, o fez a partir dos fluxos sociais, culturais e históricos. Quando se
estuda a língua a partir de seu uso no contexto pode-se reconstruir a sociedade
através de seu léxico”. Desta forma pode-se afirmar que o léxico traz a
realidade vivida pelas pessoas e isso fica visível em seu modo de falar e
escrever sobre aquilo que pensa. A autora (2009) ainda acrescenta que “os
autos de defloramento são arcabouços que contém valores e crenças das
sociedades”. Por isso são uma fonte de riqueza cultural.
37




                         CONSIDERAÇÕES FINAIS




      Como já foi citado neste trabalho, de acordo com Abbade (2006, p.213)
“a linguagem é algo pessoal, intersubjetiva e histórica do homem”, isso
acontece porque a mesma revela elementos de histórias e de vida muito mais
do que se pensa. Cada palavra, ou melhor, no caso em estudo, cada lexia
como define Abbade (2006), é palavra com valor social. Nisto percebe-se que
as palavras as quais as pessoas usam diariamente estão carregadas de
significados. Um destes é o sentido original, mas com este vêm outros que com
certeza demonstram sentimentos e emoções.
       Como também, se percebe, há uma forte ligação no modo de pensar
das pessoas que viveram no passado com as pessoas que vivem no presente,
ou seja, fatos passados principalmente fatores culturais, princípios de vida,
ideais e sentimentos diversos. Porém, o principal, provavelmente diz respeito
às questões de gênero, à moral, que vêm à tona através das palavras
utilizadas para definir certos comportamentos e atitudes das pessoas.
      Os resultados que foram encontrados através do estudo das lexias
presentes no Auto de defloramento de Nº 40, revelam aspectos de uma dada
comunidade. Esses resultados são importantes pelo valor documental, além de
mostrar como viviam e pensavam essas pessoas. Ficam evidentes,
principalmente os valores morais e as regras da sociedade em relação à
mulher.
      Diante de tudo isso, é pertinente concluir através dessa análise que o
léxico desse povo se relaciona à sua realidade extralinguística. Por meio do
léxico é possível revelar a história e a cultura de um povo, mesmo que já tenha
se passado muitos anos após a escritura deste documento.
      Sendo assim a cultura do povo coiteense do século XX pode ser refletida
através de seu vocabulário presente no Auto de defloramento em estudo por
ser a língua algo vivo que faz parte da sociedade e por isso transmitir valores
38



culturais, como bem, é através da fala que se pode perceber traços da cultura
de determinado povo, ou seja, o modo como estes falantes se referem às
pessoas mediante ao gênero. E isso mostra que as palavras utilizadas para
expressar ideias, estão carregadas de valores significativos. Fator este que
acontece porque a sociedade privilegia, ou pelo contrário, tira o prestígio de
alguns grupos, ao passo que os condiciona às margens sociais e políticas. E os
grupos, mesmo que de modo inconsciente repassam esses conceitos. É nesse
contexto que um grupo reflete sua origem, etnia, faixa etária e seus hábitos
através da língua.
REFERÊNCIAS




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Lexicais. In: SANTANA NETO, João Antonio de; MAGALHÃES, Carlos
Augusto. (Org.). Redemoinho de Linguagens. 1 ed. Curitiba: Apris, 2011.


_____________. Estruturação dos campos lexicais: O estudo funcional do
léxico. In: ABBADE, Celina Márcia de Souza. Um estudo lexical do primeiro
manuscrito da culinária portuguesa medieval: O livro de cozinha da Infanta D.
Maria. Salvador: Quarteto, 2009

____________. O Estudo do Léxico. In: ABBADE, Celina Márcia de Souza.
Diferentes Perspectivas dos Estudos Filológicos. Salvador: Quarteto, 2006.


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1917.


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HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4. ed. São Paulo: Paz e terra, 1970.


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__________. Preservar a memória baiana: a edição de documentos
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documentos cíveis do início de séc. XX. In: Revista Virtua. Feira de Santana:
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http://www.filologia.org.br / revista /artigo/9.> Acesso em 29/04/2011, ás 11:23.
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SPAGGIARI, Barbara, PERUGI, Maurizio. Fundamentos da crítica textual.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
XAVIER, Vanessa Regina Duarte. Conexões léxico-culturais em
manuscritos setecentistas. Revel, v. 9, n.17, 2011.
ANEXOS
O léxico de um auto de defloramento tentativa de resgate da cultura de um povo
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O léxico de um auto de defloramento tentativa de resgate da cultura de um povo

  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA MÔNICA DE OLIVEIRA SOUZA O LÉXICO DE UM AUTO DE DEFLORAMENTO: TENTATIVA DE RESGATE DA CULTURA DE UM POVO Conceição do Coité 2012
  • 2. MÔNICA DE OLIVEIRA SOUZA O LÉXICO DE UM AUTO DE DEFLORAMENTO: TENTATIVA DE RESGATE DA CULTURA DE UM POVO Monografia apresentada ao Departamento de Educação, Campus XIV, Curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas – Licenciatura da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como instrumento da avaliação final do Componente Curricular Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para obtenção do grau de Licenciada. Orientadora: Profa. Dra. Celina Márcia de Souza Abbade Conceição do Coité 2012
  • 3. Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma Tem mil faces secretas sob a face neutra. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
  • 4. Aos meus pais Julival e Maria José Por todo apoio.
  • 5. AGRADECIMENTOS As palavras às vezes não são o suficiente para expressar o tamanho dos nossos sentimentos, mas espero através delas conseguir demonstrar o mínimo possível de gratidão a algumas pessoas que sempre foram e outras que estão sendo muito importantes em minha caminhada em busca de conhecimento. Em primeiro lugar agradeço a Deus autor e doador da vida. Depois aos meus muito amados pais Julival e Maria José, obrigada pelo carinho, apoio, paciência, conselhos e investimentos, sem os quais não teria chegado até aqui. Juntamente com eles meus queridos irmãos Jean, Mirian e Maely. Aos meus queridos professores que desde o começo da minha jornada escolar estiveram comigo e àqueles que tive o prazer de conhecer na UNEB, em especial a Dra. Celina Abbade minha orientadora neste trabalho pelo tempo e paciência a mim dedicados. Meus sinceros agradecimentos a todos os meus amigos que sempre estiveram ao meu lado, mas em especial a: Sandra Kelly, Rosenice, Rosana e Eliane. Enfim agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram de alguma forma nesta jornada importantíssima de minha vida.
  • 6. RESUMO O presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo do léxico de um auto de defloramento da cidade de Conceição do Coité, quando esta ainda era apenas uma Vila. Esse estudo aborda a influência que a língua recebe do meio extralinguístico, dando nova significação às palavras a partir do contexto ao qual estão inseridas. Nestes termos surge a cultura com forte influência na linguagem cotidiana das pessoas que vivem em uma determinada comunidade. Para a realização deste estudo levantou-se um campo lexical específico, a saber, o campo lexical dos qualificadores dos envolvidos no processo de defloramento. A partir desta abordagem, levantou-se as lexias presentes no texto para a designação das pessoas diretamente envolvidas no processo de defloramento, ou seja, o réu, a vítima, o pai e a mãe da vítima. O trabalho mostra também que fatores Socioculturais tendem a colocar a mulher em posição inferior ao homem e isso pode ser percebido através das lexias usadas no documento, para se referir a cada um dos envolvidos no processo. Palavras - chave: Defloramento. Cultura. Léxico.
  • 7. ABSTRACT This work aims to conduct a study of the lexicon of a deflowering certificate in Conceição do Coité, when it was still a village. This study approach the influence that the language gets through the extra linguistic, giving new meaning to the words from the context to which are inserted, in these terms there is a strong influence of the culture about people‟s daily language who live in a community. To realize this study it was raised a specific lexical area, namely, the lexical area of the qualifiers of the involved in the defloration process. From this lifting, emerged the lifting of the lexical terms inserted in the text for people‟s designation directly involved in the defloration process, i.e., the defendant, the victim, and victim‟s parents. The work also shows that socio- cultural factors tend to put the woman in an inferior position in relationship to man and it can be perceived through the lexical terms that were used in the document to refer everyone involved in the process. Key – words: deflowering. Culture. Lexicon.
  • 8. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...............................................................................................................08 1 SOCIEDADE: RELAÇÃO ENTRE CULTURA, HISTÓRIA E LÍNGUA........................10 1.1 Vocabulário e sociedade..........................................................................................10 1.2 Os papéis homem versus mulher na sociedade: relações de poder.......................14 2 DOCUMENTOS RESGATANDO A HISTÓRIA: UM AUTO DE DEFLO RAMENTO......................................................................................................................18 2.1 A contribuição da preservação de documentos.......................................................18 2.2 Documentos jurídicos: Processos da Vara crime....................................................21 2.3 O Auto de Defloramento de nº 40............................................................................23 3 A LEXICOLOGIA E A TEORIA DOS CAMPOS LEXICAIS........................................28 3.1 O Léxico e suas ciências.........................................................................................28 3.2 A teoria dos Campos lexicais...................................................................................29 4 O CAMPO LEXICAL DOS QUALIFICADORES DOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE DEFLORAMENTO..................................................................................................33 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................37 REFERÊNCIAS ANEXOS
  • 9. 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objeto de estudo o Auto de Defloramento de nº 40, datado de 1917, que aconteceu na Villa de Conceição do Coité, situada no sertão baiano, distante duzentos e dez quilômetros da capital baiana, Salvador. O trabalho tem caráter lexical, ao dar ênfase à relação existente entre língua, cultura e a história, que influencia uma sociedade, sendo que estes três fatores são dependentes entre si na construção dos sentidos, através da várias possibilidades que o léxico proporciona aos falantes de uma dada língua. O objetivo maior deste estudo é analisar o léxico de um Auto de defloramento do século XX, em busca de resgatar algumas marcas históricas e culturais do povo coiteense do século referido. Para isso, foi feito um levantamento do campo lexical dos qualificadores das pessoas envolvidas no processo e após, fez-se o levantamento das lexias do campo lexical dos qualificadores dos envolvidos no processo de defloramento, observando-se traços culturais para descrever o perfil destas pessoas. Após ter sido feito o levantamento das lexias concernentes ao campo lexical mencionado, inicia-se o procedimento de definir cada uma das lexias encontradas de acordo o contexto sugerido pelo texto analisado, ou seja, de acordo com o contexto, com o perfil social e talvez até econômico do grupo que utilizou essas lexias. Esta é a proposta do estudo do léxico, ou seja, não apenas significados isolados, mas o sentido que uma palavra pode adquirir a depender de quem a utiliza e em que momento a utiliza. Isto porque a linguagem recebe influência direta do meio social em que é usada. A Monografia está estruturada em quatro capítulos que tratam da composição do documento e de algumas marcas culturais impregnadas e facilmente percebidas através da maneira como este foi redigido. O primeiro capítulo deste trabalho mostra o documento manuscrito em sua estrutura física, quanto ao número de fólios e um breve relato do processo entre outros. O segundo capítulo trata da relação existente entre elementos
  • 10. 9 culturais, históricos e de vocabulário e como estes podem interferir de maneira direta na sociedade. Como estes elementos podem de algum modo revelar costumes presentes no cotidiano das comunidades, neste caso da sociedade coiteense do século XX. Através do estudo do manuscrito em questão, nota-se que algumas dessas marcas ficam expostas na redação deste documento. O terceiro capítulo trabalha com os aspectos referentes a Lexicologia e a Teoria dos Campos Lexicais, já que no quarto capítulo do trabalho se faz necessário a compreensão destes termos para que se entenda melhor este que provavelmente é o que mais se relaciona à cultura da comunidade já citada, ou seja, o campo lexical dos qualificadores das pessoas que estão inseridas neste processo. Teremos então as definições de cada uma das lexias empregadas para qualificar estes envolvidos.
  • 11. 10 1 SOCIEDADE: RELAÇÃO ENTRE CULTURA, HISTÓRIA E LÍNGUA Este capítulo trata da possível influência que a cultura e a história podem exercer sobre a língua. Outro fato abordado no mesmo é a relação de poder que foi estabelecida entre homem e mulher na sociedade que ocorre de maneira vertical. Neste encontra-se ainda a definição de alguns termos fundamentais para este estudo, no sentido de situar o leitor na temática da pesquisa realizada. 1.1 Vocabulário e sociedade As palavras podem exercer em determinados meios sociais sentidos diversos e, segundo Bordonal (2009)1, para o estudo de qualquer assunto é muito importante que antes se faça a definição dos mesmos. Tendo em vista esta premissa serão definidos alguns termos utilizados neste trabalho. Para tanto, se utilizará a definição do citado autor para povo. A palavra “povo” é derivada do latim, populus. A definição mais simples que se tem desse conceito é a de que “povo” é uma união de alguns indivíduos que compartilham entre si alguns símbolos, práticas e crenças, formando, neste grupo, um sentimento de unidade, de identidade. No entanto, esse sentimento compartilhado não gera barreiras rígidas e fixas; pode sofrer transformações de acordo com os períodos 1 Guilherme Cantieri Bordonal é Graduado em História pela Universidade Estadual de Londrina, especialização em História e Teoria da Arte e Mestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina. Atualmente é Professor de ensino superior da Universidade do Norte do Paraná.
  • 12. 11 históricos e com o próprio contato entre povos diferentes. (p.1- 2) Bordonal (2009) apresenta outras definições para o termo “povo”, mas a que melhor expressa o sentido para esse trabalho é a definição acima. Ou seja, a que se refere a um grupo de pessoas que convivem e partilham diariamente as mesmas coisas, recebem a mesma educação e compartilham a mesma cultura. Nesta perspectiva, as particularidades dos indivíduos são suprimidas, visto que neste aspecto é impossível levar em conta as individualidades de cada ser que compõem uma dada sociedade. Então, se analisa os aspectos comuns que são compartilhados por todos os indivíduos de um determinado grupo. Para o referido autor isso possibilita a prática historiográfica. Tylon (apud LARAIA, 2002, p.24) define cultura da seguinte forma: [...] no vocábulo inglês culture, que tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Assim, o sujeito é capaz de reproduzir seus hábitos e costumes numa sociedade, tendo visão e atitude capaz de mudar e gerar conhecimentos. Laraia (2002)2 prossegue falando a respeito de cultura e ressalta que a mesma “condiciona a visão de mundo do homem”, ele cita Ruth Benedict “que assegura que a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas”. Terry Eagleton (2005, p. 11)3 fala que o conceito original de cultura “significa lavoura, cultivo agrícola [...] que sugere tanto regulação como crescimento espontâneo”. Partindo desse pressuposto, percebe-se que esse crescimento é denotado pelas mudanças que ocorrem nas diversas sociedades e que estas são diferentes umas das outras. O autor (2005) afirma que o termo 2 Roque de Barros Laraia é antropólogo bacharelado em História pela UFMG, Ph. D. em Sociologia pela USP e professor emérito da Universidade de Brasília-UNB. 3 Terry Eagleton é um Filosofo crítico integra estudos culturais com a teoria literária mais tradicional.
  • 13. 12 cultura abriga resquícios de uma transição histórica relevante, além de codificar várias questões filosóficas e comportar ainda, uma série de outras questões como liberdade, determinismo, mudança, identidade, dentre outros. Eliot (1948, p.12 apud EAGLETON 2005) fala que existe uma constante oscilação do conceito de cultura e classifica a mesma como algo que “antes de tudo, o que os antropólogos entendem: o modo de vida de um determinado povo vivendo junto em certo lugar” (p.159). E é com base neste conceito que se busca descobrir a relação que existe entre o modo de vida e o vocabulário utilizado por um povo. Sofreria então o vocabulário a influência do modo de vida adotado pelo povo? Diante de tudo que já foi exposto, fica a necessidade de um estudo aprofundado acerca dessa possível relação entre a cultura, a história e o vocabulário. O vocabulário, diz respeito à variação que ocorre na língua de acordo com o contexto ao qual é utilizada. Como diz Abbade (2006, p. 213) 4, “a linguagem é entendida como uma atividade social, intersubjetiva e histórica do homem”. Significa, portanto, um instrumento de cultura que veicula representações, concepções e valores socioculturais, lembrando que a língua é um sistema que sofre variações dentro de uma determinada localidade, em uma perspectiva de contextualizá-la em uma dada região através dos fatores sociais e culturais de um indivíduo, já que desde o nascimento, o sujeito entra em contato com a cultura, marcando sua identidade. “A língua, a história e a cultura do ser humano, caminham juntas” (ABBADE, 2006, p. 214.), e para conhecer esses aspectos, faz-se necessário interligá-los uns aos outros. Portanto, “o estudo da língua de um povo, é consequentemente, um mergulho na história e cultura desse povo”. Segundo Abbade (2006, p. 213) "[...] estudar o Léxico de uma língua é estudar também a História do povo que a fala”. A história por sua vez é uma ciência que estuda fatos ocorridos no passado referente ao homem e à sua vida. Heller (1970, p.07)5 diz que 4 Celina Márcia de Souza Abbade é professora titular da Universidade do Estado da Bahia, atua no Programa de Pós-Graduação em Língua e Linguagens e no Campus XIV; também é professora do Instituto de Letras da Universidade Católica do Salvador. Doutora e Mestre em Letras pela UFBA. 5 Agnes Heller é pesquisadora do Instituto Sociológico de Budapeste e faz parte do conselho de redação da revista Praxis.
  • 14. 13 A história é a substância da sociedade. A sociedade não dispõe de nenhuma substância além do homem, pois os homens são os portadores da objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente a construção e transmissão de cada estrutura social. [...] a história é, entre outras coisas, história da explicação da essência humana, mas sem identificar-se com esse processo. A substância não contém apenas o essencial, mas também a continuidade de toda a heterogênea estrutura social, a continuidade dos valores. Por conseguinte, a substância da sociedade só pode ser a própria história. (p. 07) A história é, portanto, algo que não pode ser deixado de lado ao se fazer um estudo acerca do homem e das atividades por ele realizadas. Um dos principais objetivos desta ciência é resgatar aspectos culturais de um determinado povo ou região na tentativa de entender o momento presente através de estudos do passado. Neste contexto, a história aparece como algo próprio do ser humano, fazendo parte de sua origem até o fim de sua vida, ou seja, as pessoas tendem a adotar os costumes dos antepassados. Isso acontece sem grandes esforços, pois já ao nascer, o indivíduo é inserido em uma determinada cultura, a partir deste momento adota os valores sociais e morais. Isto, mesmo que de modo inconsciente lhe acompanhará durante a vida em doses maiores ou menores a depender do meio que passará a frequentar ao longo da vida. Mas, mesmo que mude em alguns aspectos ou atitudes, irá trazer marcas que denotam a história, tanto de sua vida pessoal quanto do modo de vida em comum com determinado grupo de pessoas. Relacionando história e estudo do léxico da língua de um grupo é necessário também estudar muitos aspectos. Sendo assim, Examinar o léxico de uma língua é enveredar pela história, costumes, hábitos e cultura de um povo, partindo-se de suas lexias. É mergulhar na vida da população em um determinado período da história, através do seu léxico. (ABBADE, 2006, p.213).
  • 15. 14 Diante disso, pensa-se acerca do que fala Xavier (2011, p. 96)6, quando a autora esclarece que “Existem tipos diferentes de léxico de acordo com a situação social, idade e instrução de cada falante.” A autora ainda acrescenta que “o léxico é um processo contínuo de aquisição através de vocabulário ativo (de uso) e passivo (de compreensão)”. De acordo com essa afirmativa é muito provável que fatores culturais, sociais e históricos influenciem na maneira de falar da população. Dessa forma o vocabulário é influenciado diretamente por alguns fatores como o local de origem dos falantes, a classe socioeconômica, a idade, a escolaridade, entre outros. 1.2 Os papéis homem versus mulher na sociedade: relações de poder Desde o surgimento da humanidade, os indivíduos estabeleceram papéis diferentes para homens e mulheres. A sociedade foi organizada em grupos e, nestes, nota-se que ocorreram atribuições diferentes para cada gênero, no qual foram impostos modelos de comportamentos para cada um de forma hierárquica. Na análise do texto de base percebe-se, como afirma Jesus (2010, p.397)7, que “O defloramento é visto como humilhação da mulher”. Diante desta premissa, faz-se necessário refletir sobre algumas questões que marcam fortemente a imagem da mulher em uma sociedade machista, como por exemplo: a mulher só seria considerada uma pessoa honrada se controlasse os desejos, fossem eles de qualquer natureza. Em oposição, o homem deveria expor suas conquistas, principalmente as amorosas para firmar-se como tal. Diante disso, quais critérios a sociedade utiliza para estabelecer os padrões de conduta para cada gênero? E quem está por trás ou idealizou tais padrões? Assim, afirma a autora (2010): 6 Vanessa Regina Duarte Xavier é Doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo 7 Ivanete Martins de Jesus é bolsista do PROBIC, Graduada em Letras Vernáculas, Universidade Estadual de Feira de Santana.
  • 16. 15 Foi possível verificar que havia uma política moralizante no final do século XIX e início do século XX, através do controle sexual da mulher. Esta deveria conter sua libido a fim de obter uma conduta moral perante a sociedade e, para a preservação do caráter feminino era necessário resistir às investidas masculinas até o casamento. E quando ocorria o fato de alguma mulher ser desvirginada e levar o caso à resolução da justiça, aquela deveria manter um discurso convincente de que era honesta e fora vítima do poder masculino por força ou pela arte da sedução. A mulher depois de seduzida, desvirginada e abandonada pelo homem passava por grandes constrangimentos ao passar pela pericia médica, a fim de comprovar o rompimento ou não da membrana hímen. (p.397) Segundo Bauer (2001, p.111)8 “a história da mulher no Brasil é inseparável da própria história social, econômica política e cultural brasileira”. Sabe-se que a mulher tem papel importantíssimo na sociedade e sempre desempenhou funções vitais para a continuidade da espécie humana. Porém, o lugar que ocupa na sociedade às vezes não é reconhecido com a importância que tem e em algumas ocasiões só é vista como um ser que foi criado com a função de satisfazer os caprichos masculinos e realizar lhe os desejos mais profundos. De acordo com Alves (2002)9 a imagem feminina que foi construída, serve como modelo para controlar o comportamento da mulher que deve se inserir no espaço doméstico e, a autora trás algumas descrições de mulher, sendo que a primeira trata da mulher virgem pura e a mãe de família, em seguida fala sobre a mulher livre como a prostituta, a livre pensadora que não serve para assumir papel diante da família, por ser esta o núcleo fundamental da sociedade. Sendo assim estas mulheres imediatamente são lançadas à margem da sociedade, visto que não possuem o perfil adequado para tal posição. Em um passeio pela literatura brasileira, percebe-se claramente a imagem da mulher destinada ao lar, pois os romances brasileiros são escritos de modo que mostram como foi construída a imagem da virgem destinada ao 8 Carlos Bauer é Graduado em Licenciatura e Bacharelado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 9 Ivia Alves é Professora e pesquisadora do Instituto de Letras e do Programa de Pós- Graduação em Letras e Linguísticas da UFBA.
  • 17. 16 casamento, ou mesmo da mulher, e a postura a ser tomada perante a sociedade. A autora (2002) cita as personagens das obras Diva, Senhora, A moreninha, e A escrava Isaura. Miguel-Pereira (1950, p. 54, apud ALVES 2002, p.86), declara que A honra feminina consistindo na virgindade das mulheres solteiras e na fidelidade das mulheres casadas, constituía um dos assuntos preferidos dos romances do final do século passado e início da década de 20. Talvez se explique em parte essa predileção pelos casos amorosos bem como a maneira reservada de os tratar, pela convicção em que estavam os escritores de escrever principalmente para mulheres, num tempo em que a educação visava mantê-las em permanente menoridade social e moral. A sociedade burguesa capitalista construiu um modelo para a mulher amparado pelas práticas e organizações institucionais. Modelo esse que delimita o campo de ação das mulheres, tornando-as objetos manipuláveis. De acordo com Alves (2002): a sociedade está subdividida e essas subdivisões são mantidas sob a ótica de práticas que se multiplicam constantemente, dessa forma alimentam, ou seja, fazem crescer e se propagar ainda mais essas ideias baseadas em ideologias mascaradas. Alves (2002) afirma que essas divisões ocorrem da seguinte maneira: Primeiro, pela organização desta sociedade através da divisão sexual do trabalho, delimitando o espaço de atuação do homem e da mulher; segundo, estabelecida a forma de participação através de papeis, os modelos passaram a ser perpetuados pelas instituições que sustentam e alimentam as práticas sociais desta sociedade (p. 87). A sociedade limitou os horizontes femininos e criou um padrão para ser adotado e seguido sem questionamentos. A ideia que se formou foi a de que a mulher é um ser inferior que deve seguir regras constantemente. A quebra de qualquer uma dessas regras implica em “manchas” em sua conduta moral, fazendo com que os olhares se voltem para a mesma de forma discriminada. Isso consequentemente trará efeitos trágicos para uma imagem que foi fragilmente construída, pode ser citado aqui o exemplo de um cristal que deve
  • 18. 17 ser cuidadosamente manuseado, caso contrário se parte em inúmeros pedaços. As questões que surgem em relação à imagem feminina na leitura deste documento, induzem a crer que existe um tipo de ideologia propagada através da língua em uso por determinado grupo social, ou seja, existem grupos manipuladores e manipulados. Neste caso o grupo manipulador é a sociedade que cria regras para moldar o comportamento feminino. Diante disso percebe- se, que as posições sociais são estabelecidas através da cultura, elemento indispensável em qualquer comunidade humana. A história por sua vez se encarrega de repassar esses costumes culturais para as gerações futuras. Com isso as tradições, sejam elas boas ou ruins são repassadas ao longo dos anos. Estes resquícios que são repassados de uma geração para outra faz com se torne quase impossível se retirar as marcas prejudiciais que se estabelecem com o decorrer dos anos. Sendo assim, a sociedade bloqueia os indivíduos que por motivos diversos considera sem prestígio social.
  • 19. 18 2 DOCUMENTOS RESGATANDO A HISTÓRIA: UM AUTO DE DEFLORAMENTO O tema abordado neste capítulo é a importância de conservar documentos manuscritos de séculos passados, pois estes são fontes inestimáveis de conhecimento. Isso pelo fato de que mantêm sempre viva a memória e a identidade de qualquer povo. Além de trazem outras informações que podem ser indispensáveis para estudos. Este capítulo apresenta ainda de modo resumido o documento em estudo para que se conheça o processo de modo geral. 2.1 A contribuição da preservação de documentos O texto que serve como base para este trabalho é um documento manuscrito, diante dessa afirmativa é oportuno dizer que é um material rico, uma fonte de conhecimento. Queiroz (2007) assim define documento: A palavra documento deriva do latim documentum, derivado por sua vez do latim docere, que significa „ensinar‟. Com a evolução adquiriu o significado „prova‟, muito usado no vocabulário legislativo. O documento afirma-se essencialmente como um testemunho escrito. Deve-se extrair tudo o que ele contém e lhe acrescentar nada. (p. 26) Para este estudo realizou-se o levantamento do campo lexical dos qualificadores dos envolvidos no processo de defloramento, seguido da definição das lexias, remetendo ao texto de base a partir dos exemplos encontrados. O vocabulário é extenso, assim, fez-se apenas o levantamento de um dos campos lexicais. A partir desse campo delimitado, chega-se ao propósito de relacionar as lexias com o contexto histórico do povo coiteense do
  • 20. 19 século XX. Nisto, ressalta-se uma possível ligação das características referentes aos participantes do processo com a situação da realidade extralinguística, organizadas lexicalmente entre as expressões e seus significados. De acordo com Silva (2009) 10: Estudar o léxico de documentos históricos é também compreender toda a dinâmica social e cultural de uma comunidade em um tempo passado e descobrir suas referências, seus símbolos e signos linguísticos que são próprios daquele momento histórico. É também preservar esses documentos da ação do tempo, em benefício da memória, da cultura e da história dessa mesma comunidade. Esses documentos apresentam-se como um material importante para um estudo lexicológico, partindo-se do pressuposto de que eles reservam fatos que delineiam o perfil sociocultural daquele grupo social (p.150). A proposta aqui é de fazer uma análise estrutural do texto de base do presente trabalho, ou seja, um Auto de Defloramento do século XX, mais precisamente do ano 1917. Assim como, a importância de se preservar documentos como este, por ser o mesmo um elemento de fundamental importância para o conhecimento de outras culturas. Vale salientar, que a leitura de materiais como este denota marcas da forte influência da cultura que podem ser facilmente percebidas na leitura do mesmo. A partir de um olhar mais atento percebe-se que estes manuscritos são ricas fontes de informações. A escrita é algo muito importante e registrar fatos ocorridos nas mais variadas culturas, é um hábito que ocorre desde os costumes mais primitivos até os dias atuais, portanto se percebe que esta é uma prática muito antiga do ser humano. Isto ocorre no intuito de tornar conhecidos os feitos de uma determinada comunidade para outras gerações. Um dos meios possíveis de conhecer uma cultura anterior é o estudo de textos antigos, o que possibilita ao estudioso o conhecimento de práticas, costumes e tradições, dentre muitos outros fatores culturais e sociais de uma dada comunidade em um momento específico. A partir desses estudos põe-se 10 Nilzete Cruz Silva é professora assistente da UNEB com doutorado em andamento em DINTER PUCRS/UNEB Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, Brasil em 2010.
  • 21. 20 em evidência uma determinada cultura, o que ajudará as gerações presentes e futuras, a conhecerem o passado de seus antecessores e, a partir disso, compreenderem suas origens. Qual a importância de se preservar esse tipo de documentos? A resposta é bem simples, o interesse pela preservação de documentos manuscritos tem sido cada vez maior, tendo em vista que, além da sua preservação material, mantém viva a tradição de um povo. É muito importante que se resgate e preserve os documentos manuscritos, pois eles contêm uma parte da história de um determinado povo. Queiroz (2006)11, em um estudo de manuscritos de cidades do recôncavo e do sertão da Bahia dos séculos XVIII ao XX, fala que É inegável a contribuição desses manuscritos dos séculos XVIII ao XX para a compreensão da evolução da língua portuguesa, pois eles representam parte da realidade linguística da época em que foram escritos, revelando elementos arcaicos e populares, vacilações ortográficas, ultracorreções etc.; assim como de uma parcela significativa da história da Bahia [...] (p.42). Ainda segundo a mesma autora, uma civilização não se desfaz de seus valores, mas vai preservando fatos do passado que são resgatados através destes documentos históricos que são patrimônio cultural. Magalhães (1985 apud QUEIROZ, 2006, p.42), diz que “coisas do passado, podem, de repente, tornarem se altamente significativas para o presente e estimulante do futuro”. É necessário ressaltar que a recuperação e/ou preservação de documentos que se encontram esquecidos em acervos públicos é de suma importância e segundo Queiroz (2007), esta atividade é praticada há muito tempo pelo menos desde a Grécia na Antiga Biblioteca de Alexandria. É este um trabalho de valor inestimável em diversas áreas do conhecimento, aos quais dentre essas áreas cita-se a Filologia. 11 Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz é Doutora em Filologia e Língua Portuguesa. Professora Orientadora do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Feira de Santana.
  • 22. 21 A Filologia é definida pelo professor Pereira (2009)12, como a ciência que estuda as “sociedades e civilizações antigas através de documentos e textos” que foram por elas produzidos e deixados para os seus sucessores sendo que a língua escrita nestes termos é tida “como fonte de estudos”, e a partir do qual se faz um estudo minucioso de documentos antigos e de sua expedição, a fim de “estabelecer, interpretar e editar esses textos”. Pode também ser considerada como o estudo de uma língua através de pesquisas da história morfológica e fonológica da mesma realizada em documentos, bem como através da crítica textual, que por sua vez consiste em um trabalho de reedição de textos antigos com o intuito de preservar a fidedignidade aos documentos originais o máximo possível. O propósito de estudo filológico é chegar o mais próximo das ideias que o autor do texto, pretendia expressar, seja qual for esse texto. Portanto preservar documentos antigos contribuem em diversos estudos para preservar a memória cultural e histórica das comunidades. Tendo em vista que são patrimônio devem ser bem guardados e protegidos a fim de se evitar a perda de algo que é extremamente valoroso. 2.2 Documentos jurídicos: processos da vara crime Quanto aos processos das diversas áreas, Queiroz (2007) fala de arquivos que guardam alguns tipos de documento e discute sobre a classificação dos mesmos, pois esses documentos se encontram guardados de acordo com a categoria a que pertencem, sendo que as áreas estão divididas por tipos que são: eclesiástico, cível, crime. Sendo assim “[...] nos arquivos públicos brasileiros os documentos são classificados por períodos históricos (colonial, imperial e republicano) e conforme as origens (executivo, judiciário, fazendário e militar), com subdivisões como ministérios ou 12 José Pereira é graduado em Letras Português e Literatura pela Faculdade de Humanidades Pedro II Mestrado em Linguística e Filologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é doutor em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • 23. 22 secretarias no executivo, cível, crime e outros juizados, no judiciário [...] (p.16). Ainda segundo Queiroz (2007), o trabalho com a escrita possibilita à humanidade armazenar e conhecer a história, estando esta, “repleta de emoções, intrigas, pensamentos, feitos heroicos, descobrimentos, conquistas [...]” (p.23). Portanto seria ela (a escrita) um meio de “representar a própria memória do homem”. Já que o processo em estudo neste trabalho pertence à vara crime é importante atentar para a definição de crime dada por Eleutério (2009, p.01)13 Além de um fenômeno social, o crime é na realidade, um episódio na vida de um indivíduo. Não podendo, portanto, ser dele destacado e isolado, nem mesmo ser estudado em laboratório ou reproduzido. Não se apresenta no mundo do dia- a-dia como apenas um conceito, único, imutável, estático no tempo e no espaço. Ou seja: "cada crime tem a sua história, a sua individualidade; não há dois que possam ser reputados perfeitamente iguais." Evidentemente, cada conduta criminosa faz nascer para as vítimas, resultados que jamais serão esquecidos, pois delimitou-se no espaço a marca de uma agressão, seja ela de que tipo for (moral; patrimonial; física; etc...). A partir dessa definição de crime apresentada pelo autor(2009), inicia-se a análise deste delito como sendo uma agressão moral no qual o presente trabalho baseia-se no relato que se encontra em um Auto de Defloramento no Processo de nº 40, caixa 76, seção judiciária, série crime da Villa de Conceição do Coité. Este documento manuscrito atualmente está sob a guarda do Acervo de Documentos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) no Departamento de Educação do Campus XIV, situado na Avenida Luís Eduardo Magalhães, 988, Bairro Jaqueira, no município de Conceição do Coité- BA. O referido Acervo possui vários documentos jurídicos cíveis do Fórum Durval da Silva Pinto que foram entregues pela Justiça local ao Departamento de Educação citado com o intuito de que estes documentos manuscritos sejam preservados e estudados e assim conhecida a história de povos que viveram 13 Fernando Eleutério é assessor de planejamento da Prefeitura de Municipal de Bela Vista de Goiás, Fiscal Estadual Agropecuário e na Agrodefesa, graduado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste.
  • 24. 23 em um determinado período em Conceição do Coité. Esta Villa que, segundo Silva (2009), hoje é a cidade de Conceição do Coité, emancipada há pouco mais de setenta anos, localiza-se no Norte do Estado baiano, mais precisamente na região conhecida como Região Sisaleira. Situada a duzentos e dez quilômetros da capital baiana com uma média aproximada de sessenta mil habitantes. 2.3 O Auto de defloramento de Nº 40 Como o documento em análise trata-se de um auto de defloramento é oportuna à definição do termo auto. Este se trata de um texto escrito e autenticado, seja ele de qualquer ato, sendo assim as partes do conjunto de um processo que vão a júri no tribunal. Os autos de defloramento contêm uma gama de informações, que podem ser utilizadas por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. O estudo dos autos de defloramento faz com se enverede por caminhos sociais, culturais e históricos, que são trazidos ao conhecimento das pessoas por meio da memória. O Auto de Defloramento em questão teve início em 13 de maio de 1917 e finalizou em 12 de novembro de 1918. Foi redigido pelo Adjunto do Promotor Público da Villa de Conceição do Coité o Sr. Augusto Antônio de Oliveira. O processo geral consta de 124 (cento e vinte quatro) fólios escritos no recto e no verso. Com isto, faz-se necessário definir alguns termos que são utilizados nesta análise e para isso Spaggiari e Peruzi (2004)14, podem ser citados, pois estes autores explicam que para a Codicologia, (disciplina que estuda os manuscritos) existe uma terminologia apropriada para o estudo de manuscritos antigos. 14 Barbara Spaggiari e Maurizio Peruzi, dois dos mais representativos discípulos da escola italiana de crítica textual, são conhecidos internacionalmente pelas edições críticas e ensaios sobre textos que vão do medieval ao moderno.
  • 25. 24 Para exemplificarmos, entre os termos próprios da codicologia, derivantes na sua maioria do grego e do latim, figuram manuscritos „qualquer texto escrito à mão‟, [...] folha ou „fólio‟‟ cada uma das páginas de um ms.‟, „recto‟ „parte anterior da folha, ou página ímpar‟ e „verso‟ „parte posterior da folha, ou página par‟[...] (p.16). Feitos esses esclarecimentos faz-se necessário dizer que a primeira parte do texto de base trata-se de uma denúncia do fato ocorrido, feita pelo pai da vítima à delegacia de policia da Villa de Conceição do Coité e o adjunto do promotor por sua vez faz um relato dirigido ao juiz da comarca local já citada. Apenas esta primeira parte será estudada neste trabalho devido à extensão do mesmo e de sua temática, pois, para se realizar um estudo de todo o documento seriam necessários muitos anos, visto que o mesmo muito amplo. No relato do processo, ocorre a exposição dos fatos com a apresentação dos nomes dos envolvidos no processo. Inicia-se pelo réu Cosmo Bertholino da Silva, acusado de deflorar a vítima Deolina Maria de Jesus com quinze anos de idade, que, segundo o escritor do documento, não tinha condições nenhuma de se defender. O réu já é considerado culpado por outro crime que é rapidamente citado no processo em questão, supõe-se que seja como um meio de evidenciar ainda mais a culpa do mesmo. Além da vítima e do réu, aparecem o pai da vítima, o Sr. Antônio Avelino dos Santos e a mãe da vítima cujo nome não foi revelado nesta primeira parte, só posteriormente, sendo denominada como a Sr.ª Hictalina Maria de Jesus. Existem também várias testemunhas arroladas para prestarem depoimento acerca deste defloramento, mas também não são referidas na primeira parte do processo. Diante da análise deste Auto de Defloramento, faz-se necessário pensar acerca do que fala Mattos e Silva (1996): que existem algumas tipologias de documentação, que podem ser considerados como um representante da História e da língua de um povo, como os documentos jurídicos, escritos antigos do Latim até serem escritos para o português, que perpassam uma investigação nos dias atuais da língua que era falada em outro período. [...] esses textos [...] são significativos e informativos para a história da língua porque trazem a data em que foram exarados, além de serem localizados ou de poderem ser
  • 26. 25 localizados com certa precisão. Em segundo dado é importante para aproximação ao conhecimento da provável variação dialetal existente no período arcaico (p. 34). Na análise deste documento surgem muitas questões que merecem destaque e, entre elas, pensa-se na figura feminina e na vida social e moral, pois com o momento histórico do início do século XX, em que a mulher ainda era submetida a julgamentos morais, tendo que se manter “pura e honrada” para ser bem vista pela sociedade, qualquer irregularidade levaria até mesmo a processos, como o caso em análise, na qual a vítima fora deflorada. Lima- Hernandes (2005, p.134) fala sobre o papel feminino na sociedade no qual a mulher, deveria ser dona de casa “predestinadas à marca „do Lar‟, com a simples função de pilotar o fogão”. Segundo Lima-Hernandes (2005), nota-se que poderia ocorrer também o inverso do processo em estudo, pois o marido poderia pedir anulação do matrimônio caso tivesse dúvida após o casamento de que a esposa não fosse mais virgem, como cita a autora: “Também muito comum foi à anulação de casamentos calcada numa suposta não virgindade”. A autora ainda mostra que este fato era amparado pela lei e era um direito do marido. A autora chega a citar o Artigo 178 do Código Civil Brasileiro. Abaixo se encontra um trecho do Auto de Defloramento em estudo: (fólio 1r, l. 20 - 24).15 O trecho em destaque evidencia uma intenção por parte do redator do Auto, para que seus possíveis leitores tomem partido em favor de uma das partes. 15 Fólio: folha ou „fólio‟‟ cada uma das páginas de um manuscrito. Quanto às siglas utilizadas referem-se a (r) recto, ou parte anterior da folha; (l) linha, a linha do documento em que se encontra a citação referida
  • 27. 26 Como se pode perceber, as qualificações dos envolvidos no processo possibilitam uma análise do campo em que essas palavras se referem. Sendo assim, nota-se que as palavras ganham sentidos a partir do momento em que determinam a estrutura de todo o corpo do texto de base. De acordo com o que foi exposto é pertinente citar Abbade (2009, p.38), que diz: "as palavras que ocupam determinado campo e estão individualmente determinando seus significados pelo número e pela situação", ou seja, as palavras ganham significado de acordo com o contexto lexical em que estão inseridas. No trabalho com esse Auto se pretende analisar os significados de cada lexia utilizada para qualificar os envolvidos no processo aqui referido. A leitura do manuscrito possibilita o contato com os costumes sociais de pessoas que viveram no interior da Bahia no século XX. E isso faz com que se perceba que é realmente importante atribuir um cuidado especial para esses documentos quebrando os estereótipos que se referem a estes como velhos e sem utilidade alguma. A partir da leitura do texto de base, nota-se que o povo coiteense do século em questão (como a maioria da sociedade daquela época, e, em alguns, casos até hoje) vê no defloramento um fator de desprestígio e/ou humilhação moral, no qual a mulher deflorada perde o seu valor perante a sociedade. Pensa-se que seja sem exagero fazer essa afirmativa. Um fator que induz a este pensamento é a preocupação do pai da vítima levar o caso à justiça em busca de solução para o mesmo. E a preocupação do relator do processo na busca pelas palavras “certas” que pudessem convencer a quem estivesse lendo o processo, para atribuir toda a culpa ao réu e inocência à vítima.
  • 28. 27 (fólio 2 v,16 l. 28 - 31.) A mulher deflorada, neste caso Deolina Maria, não é ofendida sozinha, mas traz vergonha, tristeza e dor também aos pais e precisava casar-se com o autor de sua desonra, a fim de „reparar os danos‟ que ele causara para a vítima e para a família da mesma. De certo modo, esse mal havia sido feito também contra a sociedade que não aceita que uma mulher „direita‟ fique nestas condições. Esta expressão “nestas condições” é usada aqui porque o defloramento faz com que esta jovem fique à margem da sociedade, pois já não é mais bem vista para casar-se com outro rapaz, visto que após perder a virgindade deixa de ser uma mulher de bons princípios morais e fica excluída de tudo que antes tinha direito, ou seja, não serve mais para o casamento. Deolina agora passa a ser vítima de um processo e além de ter a sua imagem exposta para toda a sociedade e para o júri, ela precisa passar pelo exame da pericia médica que é algo constrangedor pela forma como o mesmo é realizado. Com isso, surge a necessidade de se pensar em termos culturais, o que vem a ser o defloramento. Provavelmente não se parou ainda para pensar nesse assunto. Mas o que se pode constatar é que o defloramento provoca marcas irreversíveis para imagem feminina, que fica manchada e vulnerável, como se agora necessitasse de um favor, de alguém que queira casar com ela por pena. 16 Fólio: folha ou „fólio‟‟ cada uma das páginas de um manuscrito. As siglas referem-se: (v) verso e (l) linha, a linha do documento em que se encontra a citação referida.
  • 29. 28 3 A LEXICOLOGIA E A TEORIA DOS CAMPOS LEXICAIS A partir da leitura de um Auto de Defloramento da Villa de Conceição do Coité, datado de 1917, pode ser levantado um campo lexical que se refere aos qualificadores dos envolvidos no processo de defloramento e encontra-se no vocabulário do povo coiteense, realizando assim, um estudo lexical. Perante os fatos, verificam-se as lexias inerentes para situar a sua estrutura e funcionalidade na representação cultural desse contexto. 3.1 O Léxico e suas ciências Para comprender melhor o que é o léxico, faz-se necessário definir a ciência Lexicologia, que tem o léxico por objeto de estudo. Abbade (2011) diz que A Lexicologia, enquanto ciência do léxico, estuda as diversas relações deste léxico com os outros sistemas da língua e, sobretudo as relações internas do próprio léxico. [...] é uma ciencia recente, mas os estudos acerca das palavras remontam a Antiguidade Clássica. Sem o lugar merecido, os estudos lexicais permaneceramem em segundo plano durante um bom tempo da história linguística. (p.1) É essencial a partir de agora definir alguns termos que são inerentes ao léxico e suas ciências e que serão de fundamental importância para melhor entender esse estudo. Observa-se que Abbade (2006, p. 218) define “palavra como um termo utilizado na língua que faz parte do vocabulário de todos os falantes” a autora prossegue e diz que, diferentemente da palavra, “a lexia é a unidade significativa do léxico de uma língua, ou seja, é uma palavra que possui um significado social”. Essa definição da autora (2006) é o ponto chave
  • 30. 29 para esse estudo, pois a análise dessas lexias é o que faz se perceber o real sentido do léxico e o que se pretende realizar com o campo lexical escolhido. Com esse propósito, faz-se necessário questionar: como a cultura do povo coiteense pode ser refletida em seu vocabulário e estudada a partir de suas lexias? Será que o Auto de Defloramento a ser analisado traz marcas da cultura desse povo que possam ser reveladas a partir de suas lexias? Para melhor explicar o estudo do léxico neste trabalho cita-se Coseriu (1987)17 que diz: Ahora bien, hacer de lãs lenguas objeto de estudio significa analizar cada lengua em su peculiaridad, estabelecer sus estructuras paradigmáticas y, por tanto, precisamente, no partir de um pensamiento prelinguístico <<universal>> ni de La realidad extralinguística designada.(p.216).18 O texto base procura mostrar justamente as particularidades da língua falada, no caso, pelos coiteenses de 1917. Nota-se que fatores extralinguísticos influenciam no modo de falar das pessoas. Isso é um indicador de que a língua não possui um limite, mas sim, que existem inúmeras possibilidades de significados para cada palavra. E isto só será determinado em comum acordo com o contexto e os fatores a ele inerentes. Coseriu (1987) pontua que “O estudo funcional do vocabulário é uma investigação de conteúdo do léxico das línguas” (p.206). 3.2 A teoria dos campos lexicais O estudo do léxico segundo Abbade (2009) permite conhecer a história social de um povo através do vocabulário. A autora cita um estudo realizado por Jost Trier (1931) acerca da teoria dos campos linguísticos, na qual estuda 17 Eugênio Coseriu é um linguísta romeno, tornou-se Professor de Linguística da Universidade de Montevidéu (Uruguai). 18 “Agora bem, ter as línguas como objeto de estudo significa analisar cada língua em sua peculiaridade, estabelecer suas estruturas paradigmáticas e, por tanto, precisamente em um pensamento prelinguístico universal da realidade extralinguística designada”. (trad. Livre)
  • 31. 30 as palavras de modo conceitual que constituem um conjunto estruturado que são dependentes entre si. Desse modo, a mudança em um conceito modificaria os conceitos vizinhos. Autora (2009) ainda diz que essa teoria teria dado origem ao conceito de campos lexicais pelo estudo realizado por L. Weisgerber. Xavier (2011, p.95) acrescenta que [...] algumas peculiaridades da história podem ser reveladas através do estudo lexical de documentos do passado [...]. Com isso nota-se que estes são fatores essenciais para o conhecimento do passado e o léxico pode abrir caminhos para estes estudos. Isso se dá devido ao fato de que o vocabulário utilizado por determinado grupo de pessoas mostra coisas que vão além das palavras, ou seja, sentimentos, maneira de pensar, o modo de agir, dentre outros fatores que são trazidos à tona através do léxico. A significação do léxico está relacionada ao conteúdo que designa a língua dentro da situação como a significação das palavras perante o dicionário, enquanto a designação, provém do estado em que o léxico se encontra, referindo-se aos aspectos extralinguísticos, ou seja, contextualizando o léxico de acordo à situação histórica. Estas questões abrem discussões referentes aos campos lexicais, que por sua vez dizem respeito a um “corpo articulado” que se relaciona e coordena de forma hierárquica segundo Abbade (2009). E a autora ressalta que “O significado de cada palavra vai depender do significado de suas vizinhas conceituais” (p.02), para entender a lexia é necessário “observá-la no seu conjunto de campo”. Segundo Bechara (2005, p.387)19 “Um campo léxico é uma estrutura paradigmática constituída por unidades léxicas que se repartem numa zona de significação comum e que se encontram em oposição imediata umas com as outras”. Trabalhar com questões lexicais na língua de um povo significa conhecer as palavras através da junção das mesmas para formar significados, como afirma Abbade (2009) 19 Evanildo Bechara é professor titular e emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), atua nos cursos de pós-graduação e de aperfeiçoamento para professores universitários e de ensino de 1º e 2º graus.
  • 32. 31 [...] a teoria dos campos propõe a organização das palavras em um campo com mútua dependência, ou seja, elas adquirem uma determinação conceitual a partir da estrutura do todo e só terão sentido como parte desse todo (p. 387). Portanto, a palavra não tem sentido completo isoladamente e fora do contexto, não se pode atribuir-lhe um sentido de modo independente. [...] compreende campos como realidades linguísticas vivas, situadas entre palavras e conjunto do vocabulário que, enquanto totalidades parciais, têm como característica comum com a palavra o articular-se [...] (p. 39). Os campos lexicais se articulam entre si para dar sentido às palavras em uma esfera nova, dando outros sentidos para as palavras, que ganham vida em seu todo organizado. Através do estudo do léxico é possível se conhecer traços culturais e históricos do ser humano, mudanças ocorridas na língua ao longo do tempo, como também a diversidade linguística de uma dada comunidade. Portanto, estudar o léxico é compreender melhor a dinamicidade das línguas. A língua pode ser vista como identidade de um grupo social, pelo fato de ser o meio através do qual as pessoas expressam o que pensam e o que sentem, sejam estes sentimentos de dor, tristeza, alegria, desabafo, entre outros. É por ela que os indivíduos expõem anseios que se encontram no interior de cada ser. Faz-se necessário ressaltar que esse aspecto da vida humana acontece de modo individual e também coletivo. Não importa quem seja o indivíduo, ele se expressa através da linguagem. Cada um com suas particularidades, mas sempre através desta. Mas, que ao partir para o coletivo, unem-se com o que possuem em comum. É pertinente dizer que o ser humano consegue se adaptar em grupos com facilidade, pela necessidade de conviver com outros seres de sua espécie. As atividades que o mesmo realiza em grupo, lhe permitem compartilhar objetos, atividades, momentos, dentre outras coisas das quais cita-se a língua. Esta por sua vez, faz dele um ser social e lhe atribui identidade.
  • 33. 32 Neste convívio social, o ser humano adéqua o que está ao seu redor de acordo às necessidades que possui. É nesse contexto que o léxico aparece como algo indispensável na dinâmica da língua com as relações socioculturais e históricas, tendo em vista que o léxico de uma língua é construído através das dinâmicas dessas relações humanas. Enfim, um estudo aprofundado do léxico coloca em evidências coisas inimagináveis que estão envoltas em uma atmosfera de mistérios da sociedade e que as vezes ela própria desconhece.
  • 34. 33 4 O CAMPO LEXICAL DOS QUALIFICADORES DOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE DEFLORAMENTO A partir de agora, podem ser observadas as lexias que foram utilizadas no documento que serve de base para este estudo, aos quais servem para qualificar cada um dos envolvidos diretamente neste processo de defloramento de Nº 40. São quatros pessoas, apresentadas de modo totalmente diferente umas das outras. Veja-se as definições seguem abaixo. A vítima: Deolina Maria de Jesus FILHA MENOR - exp. „filha que ainda não alcançou a maioridade‟. “[...] sua filha menor / Deolina Maria de Jesus[...]” (Auto de nº 40 f.1r, l. 07- 08). DEFLORADA - s.f. „pessoa que perdeu a virgindade, rompeu o hímen‟. “[...] vê-se que a mesma fora de - / florada [...]” (Auto de nº 40, f.2r, l. 35- 36). DESHONRADA – s.f.„refere-se a pessoa que perdeu a honra, a virgindade‟ “Pelo auto de corpo de delicto se evidencia que / Deolina Maria de Jesus, fora deshonrada[...]” (Auto de nº 40, f 2r, l.31, 32). ESTADO INTERESSANTE DE GRAVIDEZ – exp. „que está grávida‟. “[...] e / que acha-se em estado interessante de gravidez / fructo desta junção illicita”. (Auto de nº 40, f.2r, l.32 - 34).
  • 35. 34 OFFENDIDA – s.f. „o fato de ter sido deflorada é visto como ofensa à vítima, ou seja, alguém que foi ferido em sua dignidade‟ “pelo auto de per / guntas a offendida, vê-se que a mesma fora de / florada por Cosmo[...] (Auto de nº 40, f.2r, l.34 - 36). POBRE MENINA – expr. „pessoa digna de pena, compaixão, a coitadinha‟. “e num instante desman- / chava toda essa felicidade deshonrando uma pobre / menina [...]” (Auto de nº 40, f.1r, l. 22 - 24). O réu: Cosmo Bertholino da Silva ATREVIDO – s.m. „alguém ousado e que insultou a família‟. “Vê portanto Exmº Snº quanto é barba/ ro, infame, atrevido e finalmente sem classificação [...](Auto de nº 40, f.2r, l.27 - 28). AUCTOR DA DESHONRA - expr. „indica o responsável por causar a desonra da vítima, ou seja, tirar-lhe a virgindade. “[...] e denunciou o Cosmo / de tal como auctor da deshonra de sua filha menor [...]” (Auto de nº 40, f.1r, l.6-7). BÁRBARO – adj. „pessoa cruel e desumana que não tem sentimentos pelas outras pessoas‟. “Vê portanto Exmº Snº quanto é barba / ro, infame[...]” (Auto de nº 40, f.2r, l.27,28). DESOCUPADO - adj. ‟pessoa que não possui ocupações‟. “[...] esse typo desocupado que sempre foi propenso a / valentia e deshonra[...]” (Auto de nº 40, f. 2r, l.29 - 30). INFAME – adj. „pessoa vil e torpe que pratica atos vergonhosos que atentam contra a honra de outrem‟, „alguém que praticou atos indecentes‟
  • 36. 35 “Vê portanto Exmº Snº quanto é barba / ro, infame, atrevido e finalmente sem classificação[...]” (Auto de nº 40, f.2r, l.27-28). PROPENSO A VALENTIA E DESHONRA – exp. „alguém acostumado a provocar desordens‟, „desordeiro‟. “[...] esse typo desocupado que sempre foi propenso a / valentia e deshonra que se diz chamar Cosmo. [...]” (Auto de nº 40, f.2r, l. 29 - 30). O pai da vítima: Antônio Avelino dos Santos INFELIX – s.m „pessoa que não é feliz, um desgraçado‟ “No dia 13 de Maio deste anno / o infelix pai Antonio Avelino dos Santos [...]” (Auto de nº 40, f.1r, l.3 - 4). A mãe da vítima: Hictalina Maria de Jesus ENFERMA – s.f. „o termo aqui é utilizado para referi-se a saúde física da mulher‟. “[...] Deolina procurava na roça umas hervas para / fazer um chá a pedido de sua velha mãe que jazia enferma.” (Auto de nº 40, f.2r, l.25 - 27). VELHA - adj. a lexia indica a faixa etária da mulher. “[...] Deolina procurava na roça umas hervas para / fazer um chá a pedido de sua velha mãe que jazia enferma.” (Auto de nº 40, f.2r, l.25 - 27). As lexias que foram empregadas para qualificar os envolvidos no processo de defloramento analisado demonstram a visão de mundo de determinado grupo social em um dado momento histórico. O modo de pensar
  • 37. 36 das pessoas está refletido na forma como escrevem, é, portanto a escrita um meio de expressão de ideias, sentimentos, emoções e conflitos. Através do contato com esses documentos por meio de estudos é possível se compreender melhor o universo do pensamento humano. Segundo Queiroz (2009, p.21) “O homem ao nomear os seres e os objetos que estão a sua volta, o fez a partir dos fluxos sociais, culturais e históricos. Quando se estuda a língua a partir de seu uso no contexto pode-se reconstruir a sociedade através de seu léxico”. Desta forma pode-se afirmar que o léxico traz a realidade vivida pelas pessoas e isso fica visível em seu modo de falar e escrever sobre aquilo que pensa. A autora (2009) ainda acrescenta que “os autos de defloramento são arcabouços que contém valores e crenças das sociedades”. Por isso são uma fonte de riqueza cultural.
  • 38. 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como já foi citado neste trabalho, de acordo com Abbade (2006, p.213) “a linguagem é algo pessoal, intersubjetiva e histórica do homem”, isso acontece porque a mesma revela elementos de histórias e de vida muito mais do que se pensa. Cada palavra, ou melhor, no caso em estudo, cada lexia como define Abbade (2006), é palavra com valor social. Nisto percebe-se que as palavras as quais as pessoas usam diariamente estão carregadas de significados. Um destes é o sentido original, mas com este vêm outros que com certeza demonstram sentimentos e emoções. Como também, se percebe, há uma forte ligação no modo de pensar das pessoas que viveram no passado com as pessoas que vivem no presente, ou seja, fatos passados principalmente fatores culturais, princípios de vida, ideais e sentimentos diversos. Porém, o principal, provavelmente diz respeito às questões de gênero, à moral, que vêm à tona através das palavras utilizadas para definir certos comportamentos e atitudes das pessoas. Os resultados que foram encontrados através do estudo das lexias presentes no Auto de defloramento de Nº 40, revelam aspectos de uma dada comunidade. Esses resultados são importantes pelo valor documental, além de mostrar como viviam e pensavam essas pessoas. Ficam evidentes, principalmente os valores morais e as regras da sociedade em relação à mulher. Diante de tudo isso, é pertinente concluir através dessa análise que o léxico desse povo se relaciona à sua realidade extralinguística. Por meio do léxico é possível revelar a história e a cultura de um povo, mesmo que já tenha se passado muitos anos após a escritura deste documento. Sendo assim a cultura do povo coiteense do século XX pode ser refletida através de seu vocabulário presente no Auto de defloramento em estudo por ser a língua algo vivo que faz parte da sociedade e por isso transmitir valores
  • 39. 38 culturais, como bem, é através da fala que se pode perceber traços da cultura de determinado povo, ou seja, o modo como estes falantes se referem às pessoas mediante ao gênero. E isso mostra que as palavras utilizadas para expressar ideias, estão carregadas de valores significativos. Fator este que acontece porque a sociedade privilegia, ou pelo contrário, tira o prestígio de alguns grupos, ao passo que os condiciona às margens sociais e políticas. E os grupos, mesmo que de modo inconsciente repassam esses conceitos. É nesse contexto que um grupo reflete sua origem, etnia, faixa etária e seus hábitos através da língua.
  • 40. REFERÊNCIAS ABBADE, Celina Márcia de Souza. Aplicação prática da Teoria dos Campos Lexicais. In: SANTANA NETO, João Antonio de; MAGALHÃES, Carlos Augusto. (Org.). Redemoinho de Linguagens. 1 ed. Curitiba: Apris, 2011. _____________. Estruturação dos campos lexicais: O estudo funcional do léxico. In: ABBADE, Celina Márcia de Souza. Um estudo lexical do primeiro manuscrito da culinária portuguesa medieval: O livro de cozinha da Infanta D. Maria. Salvador: Quarteto, 2009 ____________. O Estudo do Léxico. In: ABBADE, Celina Márcia de Souza. Diferentes Perspectivas dos Estudos Filológicos. Salvador: Quarteto, 2006. ALVES, Ivia. Imagens da mulher na literatura na modernidade e contemporaneidade. In: FERREIRA, Silvia Lúcia e NASCIMENTO Enilda Rosendo do (org.). Imagens da mulher na cultura contemporânea. Salvador: UFBA, 2002. BAUER, Carlos. Breve história da mulher no mundo ocidental. São Paulo: Xamã: Edições Pulsar, 2001. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. Ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. BORDONAL, Guilherme Cantieri. Povo, cultura e religião: história IV. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009. BRASIL. Auto de Defloramento. Villa de Conceição do Coité. Processo de nº 40, de 13 de maio de 1917. Poder Judiciário, Fórum Durval da Silva Pinto, 1917. COSERIU, Eugênio. Gramática, semântica, universales: estúdios de linguística funcional. 1987.
  • 41. EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: UNESP, 2005. ELEUTÉRIO Fernando. Análise do conceito de crime. <Disponível em: http://www.uepg.br/rj/a1v1at09.htm>. Acesso em 10/01/2012, às 14:51. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4. ed. São Paulo: Paz e terra, 1970. JESUS, Ivanete Martins de. Documentos jurídicos: edição e estudo do discurso dos autos de defloramento de Josefha Esmina Ribeiro e Maria Dias. Feira de Santana: UEFS, 2010. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 15. ed. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2002. LIMA-HERNANDES, Maria Célia. A dimensão social das palavras In: SILVA, Luiz Antonio da (org.). A língua que falamos português: história variação e discurso. [S.l.]: Globo, 2005. MATTOS e SILVA, Rosa Virginia. O português arcaico: fonologia. 3. ed. São Paulo: Contexto, 1996. QUEIROZ, Rita de Cássia Ribeiro de. Documentos do Acervo de Monsenhor Galvão: Edição Semidiplomática. Feira de Santana: UEFS, 2007. __________. Preservar a memória baiana: a edição de documentos manuscritos dos séculos XVIII ao XX. In: Scripta philologica. Feira de Santana: UFBA, 2006. ___________. Autos de defloramento: um estudo léxico-semântico de documentos cíveis do início de séc. XX. In: Revista Virtua. Feira de Santana: UEFS, 2009. <Disponível em: www.uefs.br/colplet/revista/ed01_102009/artigos/artigo_02.pdf>. Acesso em 30/05/2011, às 20:31. SILVA, José Pereira da. O filólogo e o filologista.2009. <Disponível em: http://www.filologia.org.br / revista /artigo/9.> Acesso em 29/04/2011, ás 11:23.
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