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MUITO ALÉM DE UMA EXTINÇÃO DE VÍNCULO, A DEMISSÃO É UMA QUESTÃO DA
POLÍTICA.
WALLACE MELO BARBOSA
SINPRO/PE – CTB/PE - FITEE

“ O processo de produção capitalista, considerado em sua
continuidade ou como processo de reprodução não produz,
portanto, somente mercadorias ou a mais-valia; produz e
reproduz a própria relação capitalista: de um lado o
capitalista, de outro, o assalariado.”
Marx - O Capital

Dentre seus elaborados escritos filosóficos, a ilustre pensadora alemã, Hannah Arendt escrevia em
meados do século XX importantes contribuições sobre a ideia de política. E em vista a diversidade
de desdobramentos e interpretações dada a essa palavra, que pode ser considerada como o principal
condicionante para que as pessoas construam uma vida social, ela em dado momento considerou
que se a política baseia-se na pluralidade dos homens e o fato de nos tornarmos políticos é o que faz
a sociedade evoluir, dessa maneira, o tornar-se político não seria uma situação desnecessária, pelo
contrário, na sua concepção perigoso seria se “a coisa política” desaparecesse do mundo.
Nesse contexto, quando ela alerta para tal preocupação, Arendt reflete que a política ao ser fundada
na pluralidade entre os indivíduos, ela surge entre os homens para que nesse intra-espaço se
estabeleçam as relações. E assim, a negação da política ou o seu tratamento através de explicações
reducionistas ou até mesmo pejorativas implicam de uma certa maneira em uma impugnação à
capacidade de constituição das relações sociais responsáveis pelo estabelecimento de um corpo
social dotado de diferentes pessoas.
E partindo dessa concepção, é preciso encarar a realidade social como um fato político, e que por
sua vez, construída por meio de relações entre dominadores e dominados, principalmente no que
concerne a questões de ordens socioeconômicas. E para finalizar essa primeira parte, sem prejuizo
ao que foi tratado anteriormente, mas à título de corroborar com as ideias apresentadas, torna-se
oportuno trazer uma das concepções da pesquisadora Thamy Pogrebinschi, a respeito da existência
de um ser individual e um ser social: “o político é parte constitutiva da experiência humana, ao
passo que a experiência humana é também uma parte constitutiva do político, juntos formam um
todo que só podem ser compreendido pela indissociabilidade de suas partes”. Dessa maneira,
tornar-se político é de fato, uma conduta concernente a própria vivência humana.
Diante de tal situação, e partindo para um segundo momento, permito destacar a análise sobre as
relações de trabalho, enfatizando o processo no qual empregador e empregado encerram seu vínculo
através da demissão sem justa causa e assim sintetizar um debate sobre as percepções políticas que
subsistem por trás desse fato, no intuito de trazer a baila um entendimento que vai além da sua
compreensão jurídica.
No âmbito do direito, a demissão sem justa causa é um fato jurídico em que o contrato de trabalho é
extinto, implicando no fim de uma relação empregatícia, partindo obviamente da iniciativa do
empregador. Essa, dentro da Consolidação das Leis Trabalhistas é tipicamente denominada de
dispensa sem justa causa, que para o doutrinador Orlando Gomes significa, em poucas palavras em
uma declaração de vontade do empregador para findar qualquer relação de trabalho com um
empregado. Nesse caso o artigo 477 da CLT assegura todos os direitos trabalhistas em favor do
empregado demitido e enumera as obrigações, prazos e onerosidades dadas ao empregador no
processo de rescisão.
Entretanto, enxergar a demissão apenas pelo seu viés jurídico, formal ou previdenciário não
contribui para um entendimento por completo desse ato, uma vez que, muito mais que uma decisão
unilateral, o instituto da demissão, para além do mundo das relações trabalhistas, significa também
uma das nuances do modo de produção capitalista e corresponde a um das faces dos processos de
exploração e mercantilização da força de trabalho, além da legitimação de poder de uma classe em
relação a outra. No caso em questão, do patronato sobre os trabalhadores. Dessa maneira, além de
seu aspecto jurídico, esta conexão deve ser posta no âmbito da relação capital/trabalho e entendida
vinculada à política que a constituiu.
E para isso, torna-se oportuno trazer a baila, mesmo de uma maneira sintética a proposta de Nico
Poulanzas sobre os conceitos “o político” e “a política”. Para o sociólogo grego, o campo político
corresponde a superestrutura jurídica e ao que concerne aos poderes do Estado. Por outro lado, a
política seriam práticas correlacionadas ao processo de luta e antagonismo entre as classes sociais
nas diversas arenas políticas existentes. Partindo dessa análise, a demissão, enquanto um fato social,
muito além de ser entendida na esfera do campo político, isto é dentro das concepções jurídicas e
mediadas pelas leis, também deve ser analisada pelo viés da política e dos diferentes interesses
inseridos nessa quadra.
Para Marx, o trabalho que emerge dentro da economia capitalista reduz o trabalhador à condição de
mercadoria e a “da mais miserável mercadoria”, contudo toda “miséria do trabalhador põe-se em
relação a inversa potência e à grandeza da sua produção”(MARX, 1844). No mundo capitalista, o
trabalho só é eficiente quando gera alienação e exploração nos processos produtivos.
Para o filósofo alemão:
O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais riqueza
produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder de extensão. O trabalhador se torna
uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo
das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos
homens (Menschenwelt). O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si
mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato,
mercadoroias em geral. (1844 p. 80).

No mundo laboral, o trabalhador se vincula diretamente a sua produção, tornando-se “servo” de
uma relação no qual, quanto “mais valores cria, mas sem valor e indigno ele se torna”. (MARX,
1844). De acordo com a lógica do capitalismo, não há vínculos entre a produção e trabalho. Fato
esse que para Marx se configura como um dos pilares das contradições de tal sistema. E dessa
maneira, os interesses que são postos pela elite empresarial se efetivam a medida em que os
trabalhadores não se conscientizam de seu papel enquanto reais produtores das riquezas nacionais.
E esse fato deve ser avaliado e posto como um conteúdo fundamental para o debate em questão.
Visto essa análise, o objeto no qual o texto aborda se enquadra diretamente no processo da luta de
classe, uma vez que ao decidir pelo desligamento de um trabalhador, o patronato toma, antes de
qualquer consequência juridicional, uma postura política de intimidação e enfraquecimento das
capacidades de organização dos trabalhadores. A demissão é a resposta mais funesta que os patrões
podem oferecer para uma categoria laboral.
Trago a preocupação de entender esse fato, dentro da sua totalidade e pertinência política porque,
enquanto trabalhador, reduzir o fato a uma visão geral e desprovido de qualquer concepção dialética
ou sem relação com as categorias e relações econômicas instituídas no seio social, representa de
uma certa forma, um avigoramento das ideologias impostas pelas classes hegemônica e reduzindo
drasticamente a complexidade do fato e sua correlação com a realidade concreta. Esse reducionismo
não é posto acidentalmente, a trama faz parte da essência do capitalismo no que concerne a produzir
visões sobre fenômenos dessa maneira. Entender a demissão apenas pelo seu viés jurídico é
conceber o fato de maneira parcial. Estranhar esse entendimento é substancial. Lukács já alertava
isso, quando tratava sobre a riqueza do método marxista, afirmando que para conhecermos
plenamente uma realidade “é preciso descobrir seu condicionamento histórico como tal e abandonar
o ponto de vista a partir do qual eles são dados como imediatos” (2003 p. 75). Para o filósofo, a
compreensão de uma dada realidade se constrói quando submetemos o objeto a um tratamento
histórico-dialético. A realidade concreta nada mais é que uma síntese da unidade entre multiplos
fatores que estão previamente interligados.
Feita as considerações teóricas, vamos para os estranhamentos à realidade posta no que concerne o
objeto em questão. O que faria um empresário optar por demitir um trabalhador, fazendo a escolha
de bancar todas as onerosidades provenientes dos impostos compulsórios e indenizações em favor
do indivíduo demitido? Ao desligar um empregado de seu posto de trabalho, juridicamente o patrão
opta por um custo que economicamente atinge os rendimentos de seu empreendimento, mas
politicamente o que ocorre é o oposto. A demissão vista como uma questão da política significa
nada mais que uma arma posta em favor da consolidação de um projeto de sociedade historicamente
imposto pelas classes hegemônicas. A alta rotatividade de trabalhadores nos postos de trabalho,
implica no avanço para que as circunstâncias favoreçam a flexibilização das leis trabalhistas e
predomínio de baixos salários garantidos pelo desemprego e pela consequente concorrência por
uma vaga no mundo do trabalho. Demitir significa arcar por um custo politicamente lucrativo para
os patrões. É condição ímpar para sua hegemonia enquanto classe dominante.
Nesse contexto, se recusar em fazer essa discussão é de uma certa maneira, abrir mão da
inteligibilidade da história, uma vez que as diferentes formas de relação social são determinadas
pela emergência do modo de produção econômica. Dessa maneira, o primeiro passo para
avançarmos, enquanto trabalhadores nesse debate, consiste na busca pelo conhecimento da
realidade concreta, tendo em vista a autoafirmação de uma consciência de classe e entendendo as
contradições não como um fato isolado, mas como a mais pura essência do capitalismo. E neste
mundo em que os fatos não são postos ao acaso e qualquer prática vinda do universo daqueles que
detém o poder sobre o capital financeiro e a propriedade privada não implica ganho para aqueles
que produzem as riquezas desigualmentes repartidas, é preciso ir além da realidade determinada e
nos permitir à uma percepção crítica e mais completa sobre sobre as forças motrizes da história. Nas
palavras de Lukács, “é preciso romper esse véu para se chegar ao conhecimento histórico”. E assim,
há de se concordar que o estranhamento sobre as lógicas (im)posta pelas relações econômicas que
determinam as relações dos homens entre si é condição indispensável para a classe trabalhadora se
tornar o agente protagonista no processo de transformação e revolução social.
Referências Bibliográfica
ARENDT, HANNAH O que é política. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
MARX, Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
POGREBINSCHI, Thamy. O Enígma do político: Marx contra a política moderna. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2009.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1980.

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  • 1. MUITO ALÉM DE UMA EXTINÇÃO DE VÍNCULO, A DEMISSÃO É UMA QUESTÃO DA POLÍTICA. WALLACE MELO BARBOSA SINPRO/PE – CTB/PE - FITEE “ O processo de produção capitalista, considerado em sua continuidade ou como processo de reprodução não produz, portanto, somente mercadorias ou a mais-valia; produz e reproduz a própria relação capitalista: de um lado o capitalista, de outro, o assalariado.” Marx - O Capital Dentre seus elaborados escritos filosóficos, a ilustre pensadora alemã, Hannah Arendt escrevia em meados do século XX importantes contribuições sobre a ideia de política. E em vista a diversidade de desdobramentos e interpretações dada a essa palavra, que pode ser considerada como o principal condicionante para que as pessoas construam uma vida social, ela em dado momento considerou que se a política baseia-se na pluralidade dos homens e o fato de nos tornarmos políticos é o que faz a sociedade evoluir, dessa maneira, o tornar-se político não seria uma situação desnecessária, pelo contrário, na sua concepção perigoso seria se “a coisa política” desaparecesse do mundo. Nesse contexto, quando ela alerta para tal preocupação, Arendt reflete que a política ao ser fundada na pluralidade entre os indivíduos, ela surge entre os homens para que nesse intra-espaço se estabeleçam as relações. E assim, a negação da política ou o seu tratamento através de explicações reducionistas ou até mesmo pejorativas implicam de uma certa maneira em uma impugnação à capacidade de constituição das relações sociais responsáveis pelo estabelecimento de um corpo social dotado de diferentes pessoas. E partindo dessa concepção, é preciso encarar a realidade social como um fato político, e que por sua vez, construída por meio de relações entre dominadores e dominados, principalmente no que concerne a questões de ordens socioeconômicas. E para finalizar essa primeira parte, sem prejuizo ao que foi tratado anteriormente, mas à título de corroborar com as ideias apresentadas, torna-se oportuno trazer uma das concepções da pesquisadora Thamy Pogrebinschi, a respeito da existência de um ser individual e um ser social: “o político é parte constitutiva da experiência humana, ao passo que a experiência humana é também uma parte constitutiva do político, juntos formam um todo que só podem ser compreendido pela indissociabilidade de suas partes”. Dessa maneira, tornar-se político é de fato, uma conduta concernente a própria vivência humana.
  • 2. Diante de tal situação, e partindo para um segundo momento, permito destacar a análise sobre as relações de trabalho, enfatizando o processo no qual empregador e empregado encerram seu vínculo através da demissão sem justa causa e assim sintetizar um debate sobre as percepções políticas que subsistem por trás desse fato, no intuito de trazer a baila um entendimento que vai além da sua compreensão jurídica. No âmbito do direito, a demissão sem justa causa é um fato jurídico em que o contrato de trabalho é extinto, implicando no fim de uma relação empregatícia, partindo obviamente da iniciativa do empregador. Essa, dentro da Consolidação das Leis Trabalhistas é tipicamente denominada de dispensa sem justa causa, que para o doutrinador Orlando Gomes significa, em poucas palavras em uma declaração de vontade do empregador para findar qualquer relação de trabalho com um empregado. Nesse caso o artigo 477 da CLT assegura todos os direitos trabalhistas em favor do empregado demitido e enumera as obrigações, prazos e onerosidades dadas ao empregador no processo de rescisão. Entretanto, enxergar a demissão apenas pelo seu viés jurídico, formal ou previdenciário não contribui para um entendimento por completo desse ato, uma vez que, muito mais que uma decisão unilateral, o instituto da demissão, para além do mundo das relações trabalhistas, significa também uma das nuances do modo de produção capitalista e corresponde a um das faces dos processos de exploração e mercantilização da força de trabalho, além da legitimação de poder de uma classe em relação a outra. No caso em questão, do patronato sobre os trabalhadores. Dessa maneira, além de seu aspecto jurídico, esta conexão deve ser posta no âmbito da relação capital/trabalho e entendida vinculada à política que a constituiu. E para isso, torna-se oportuno trazer a baila, mesmo de uma maneira sintética a proposta de Nico Poulanzas sobre os conceitos “o político” e “a política”. Para o sociólogo grego, o campo político corresponde a superestrutura jurídica e ao que concerne aos poderes do Estado. Por outro lado, a política seriam práticas correlacionadas ao processo de luta e antagonismo entre as classes sociais nas diversas arenas políticas existentes. Partindo dessa análise, a demissão, enquanto um fato social, muito além de ser entendida na esfera do campo político, isto é dentro das concepções jurídicas e mediadas pelas leis, também deve ser analisada pelo viés da política e dos diferentes interesses inseridos nessa quadra.
  • 3. Para Marx, o trabalho que emerge dentro da economia capitalista reduz o trabalhador à condição de mercadoria e a “da mais miserável mercadoria”, contudo toda “miséria do trabalhador põe-se em relação a inversa potência e à grandeza da sua produção”(MARX, 1844). No mundo capitalista, o trabalho só é eficiente quando gera alienação e exploração nos processos produtivos. Para o filósofo alemão: O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder de extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadoroias em geral. (1844 p. 80). No mundo laboral, o trabalhador se vincula diretamente a sua produção, tornando-se “servo” de uma relação no qual, quanto “mais valores cria, mas sem valor e indigno ele se torna”. (MARX, 1844). De acordo com a lógica do capitalismo, não há vínculos entre a produção e trabalho. Fato esse que para Marx se configura como um dos pilares das contradições de tal sistema. E dessa maneira, os interesses que são postos pela elite empresarial se efetivam a medida em que os trabalhadores não se conscientizam de seu papel enquanto reais produtores das riquezas nacionais. E esse fato deve ser avaliado e posto como um conteúdo fundamental para o debate em questão. Visto essa análise, o objeto no qual o texto aborda se enquadra diretamente no processo da luta de classe, uma vez que ao decidir pelo desligamento de um trabalhador, o patronato toma, antes de qualquer consequência juridicional, uma postura política de intimidação e enfraquecimento das capacidades de organização dos trabalhadores. A demissão é a resposta mais funesta que os patrões podem oferecer para uma categoria laboral. Trago a preocupação de entender esse fato, dentro da sua totalidade e pertinência política porque, enquanto trabalhador, reduzir o fato a uma visão geral e desprovido de qualquer concepção dialética ou sem relação com as categorias e relações econômicas instituídas no seio social, representa de uma certa forma, um avigoramento das ideologias impostas pelas classes hegemônica e reduzindo drasticamente a complexidade do fato e sua correlação com a realidade concreta. Esse reducionismo não é posto acidentalmente, a trama faz parte da essência do capitalismo no que concerne a produzir visões sobre fenômenos dessa maneira. Entender a demissão apenas pelo seu viés jurídico é conceber o fato de maneira parcial. Estranhar esse entendimento é substancial. Lukács já alertava isso, quando tratava sobre a riqueza do método marxista, afirmando que para conhecermos plenamente uma realidade “é preciso descobrir seu condicionamento histórico como tal e abandonar
  • 4. o ponto de vista a partir do qual eles são dados como imediatos” (2003 p. 75). Para o filósofo, a compreensão de uma dada realidade se constrói quando submetemos o objeto a um tratamento histórico-dialético. A realidade concreta nada mais é que uma síntese da unidade entre multiplos fatores que estão previamente interligados. Feita as considerações teóricas, vamos para os estranhamentos à realidade posta no que concerne o objeto em questão. O que faria um empresário optar por demitir um trabalhador, fazendo a escolha de bancar todas as onerosidades provenientes dos impostos compulsórios e indenizações em favor do indivíduo demitido? Ao desligar um empregado de seu posto de trabalho, juridicamente o patrão opta por um custo que economicamente atinge os rendimentos de seu empreendimento, mas politicamente o que ocorre é o oposto. A demissão vista como uma questão da política significa nada mais que uma arma posta em favor da consolidação de um projeto de sociedade historicamente imposto pelas classes hegemônicas. A alta rotatividade de trabalhadores nos postos de trabalho, implica no avanço para que as circunstâncias favoreçam a flexibilização das leis trabalhistas e predomínio de baixos salários garantidos pelo desemprego e pela consequente concorrência por uma vaga no mundo do trabalho. Demitir significa arcar por um custo politicamente lucrativo para os patrões. É condição ímpar para sua hegemonia enquanto classe dominante. Nesse contexto, se recusar em fazer essa discussão é de uma certa maneira, abrir mão da inteligibilidade da história, uma vez que as diferentes formas de relação social são determinadas pela emergência do modo de produção econômica. Dessa maneira, o primeiro passo para avançarmos, enquanto trabalhadores nesse debate, consiste na busca pelo conhecimento da realidade concreta, tendo em vista a autoafirmação de uma consciência de classe e entendendo as contradições não como um fato isolado, mas como a mais pura essência do capitalismo. E neste mundo em que os fatos não são postos ao acaso e qualquer prática vinda do universo daqueles que detém o poder sobre o capital financeiro e a propriedade privada não implica ganho para aqueles que produzem as riquezas desigualmentes repartidas, é preciso ir além da realidade determinada e nos permitir à uma percepção crítica e mais completa sobre sobre as forças motrizes da história. Nas palavras de Lukács, “é preciso romper esse véu para se chegar ao conhecimento histórico”. E assim, há de se concordar que o estranhamento sobre as lógicas (im)posta pelas relações econômicas que determinam as relações dos homens entre si é condição indispensável para a classe trabalhadora se tornar o agente protagonista no processo de transformação e revolução social.
  • 5. Referências Bibliográfica ARENDT, HANNAH O que é política. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003. MARX, Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004. POGREBINSCHI, Thamy. O Enígma do político: Marx contra a política moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1980.