1. Um Computador por Aluno: uma nova cultura de
computadores em escolas públicas brasileiras
Paulo Gileno Cysneiros
Universidade Federal de Pernambuco
pgcysneiros@gmail.com
Resumo. Apresenta uma breve história do Projeto Um Computador por Aluno
(UCA) em escolas brasileiras, implementado em 2007 em cinco escolas piloto
(Fase 1); analisa a Fase 2, iniciada em 2010 em 300 escolas públicas e seis
municípios, onde todas as escolas públicas são incluídas. Focaliza aspectos
originais do UCA: um laptop para todos os alunos e professores; sistema
operacional Linux; software livre. Salienta a capacitação de professores e
gestores das escolas, através de universidades de todo o país, como também a
avaliação em processo.
Introdução
A proposta de um laptop educacional de baixo custo para projetos de um computador
por aluno (1:1) foi apresentada pela primeira vez no Fórum Mundial de Davos, Suíça,
em janeiro de 2005, por Nicholas Negroponte, da Fundação OLPC
(http://laptop.org/en/). Embora experiências com laptops na educação tenham sido feitas
desde o início dos anos noventa (Johnstone, 2003a, 2003b), o primeiro projeto para
equipar uma rede escolar com um computador por aluno foi iniciado no outono de 2002
no estado do Maine, EUA, com alunos de oitava série (Warschauer, 2006, p.28-30).
O Projeto Brasileiro Um Computador por Aluno
A história de laptops na educação brasileira começou no ano seguinte à apresentação do
protótipo da OLPC no Fórum Mundial de Davos. Em junho de 2006, Negroponte
(2006) e Papert (2008) estiveram no Brasil representando a OLPC, quando ofertaram ao
governo brasileiro 550 laptops XO para testes. Os computadores foram para duas
escolas públicas, acompanhadas por pesquisadores da Universidade de São Paulo e da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, respectivamente.
A OLPC esperava que o Brasil adquirisse de imediato não menos de um milhão de
equipamentos, tornando-se assim um exemplo mundial para a disseminação do XO em
países em desenvolvimento. O Brasil é um país de dimensões continentais, com
diferentes realidades políticas, sociais e regionais e uma decisão deste tipo não depende
apenas do presidente. Segundo o Censo Escolar de 2006, o Brasil possui cerca de 160
mil escolas públicas, geridas por um sistema de educação não uniforme, envolvendo
políticas federais, estaduais e municipais.
Em setembro de 2006, a Intel lançou o laptop educacional Classmate PC, para
mercados emergentes, concorrendo com o modelo XO da OLPC. Seguindo o exemplo
da OLPC, a Intel doou ao governo brasileiro 800 Classmates para testes, que foram
repassados para uma escola na pequena cidade de Pirai, Rio de Janeiro e para outra na
2. cidade de Palmas, Tocantins. Outras empresas estavam investindo na nova tecnologia
educacional, certamente com as mesmas expectativas de mercado. A empresa brasileira
Encore, representante de um fabricante da Índia, doou 40 protótipos do tablet Mobilis,
que foram colocados em uma escola pública de Brasília, Distrito Federal.
Assim, experiências-piloto foram implantadas em cinco escolas públicas. O projeto foi
batizado de Um Computador por Aluno (UCA), Fase 1. Além do acompanhamento das
experiências por especialistas em Informática na Educação, o governo contratou três
centros de pesquisa para analisar os protótipos em fase de teste (Brasil, 2008, p.91).
Em março de 2007, o Ministério de Educação instituiu o Comitê Assessor do Projeto
UCA, que formulou os Princípios Orientadores para o Uso Pedagógico do Laptop na
Educação Escolar (http://nteprojetouca.blogspot.com/), servindo de referência para o
desenho de um modelo de formação de professores das escolas da Fase 2 do Projeto
UCA, iniciada neste ano de 2010.
Nos anos de 2007 e 2008 a mídia brasileira deu muita atenção às cinco escolas do
Projeto UCA. Foram os anos do deslumbramento com a nova tecnologia do laptop
educacional de baixo custo (Cysneiros, 2003, 2008).
Em 2008 o Projeto UCA foi escolhido pela Câmara dos Deputados para iniciar uma
série de estudos de avaliação de políticas públicas. Uma comissão de parlamentares
visitou as cinco escolas que receberam laptops (Brasil, 2008, http://bit.ly/d21ahV). O
estudo apresenta conclusões interessantes sobre o primeiro ano de funcionamento das
escolas.
O suporte pedagógico foi um elemento significativo nos projetos-piloto UCA, através
da atuação de pesquisadores e estudantes universitários que acompanharam as escolas.
Conforme salientam Lei et al (2008, p.150), iniciativas de laptops educacionais são
dispendiosas. Os pré-pilotos evidenciaram que os gastos envolvidos num projeto 1:1
vão muito além da aquisição dos equipamentos. Este ponto é muito importante, pois
tende a ser minimizado em projetos de tecnologias educacionais sem o devido
planejamento. Alem do custo inicial dos computadores, o custeio de uma política de
laptops na educação envolve, entre outros, capacitação inicial e continuada de
professores e gestores, adequação física de prédios escolares (rede elétrica e lógica),
mobiliário apropriado nas salas de aulas (carteiras escolares e armários para guarda de
equipamentos), conectividade robusta com internet e rede wireless em todo o prédio
escolar, softwares de gestão e avaliação do desempenho da tecnologia, reposição de
equipamentos perdidos e danificados.
Projeto UCA Fase 2 – 2010-2011
A segunda fase do projeto UCA está sendo implementada em 2010 em 300 escolas
públicas de todo os estados brasileiros, com 150 mil laptops Classmate/Intel.
Compreende uma amostra estratificada de escolas urbanas e rurais, municipais e
estaduais, com média de 500 alunos - http://www.uca.gov.br/.
Também faz parte do UCA Fase 2 a imersão tecnológica de todas as escolas públicas de
seis pequenos municípios, denominados “UCA Totais”, onde aprendizes, professores e
gestores estão recebendo laptops (Castro Jr. & Ferreira, 2010). A Fase 2 do UCA foi
planejada para o ano de 2008, mas devido a várias dificuldades, incluindo o preço
3. elevado por máquina, as licitações realizadas em 2007 e 2008 não resultaram em
aquisições de equipamentos pelo governo federal.
Em concordância com a política do Governo Federal, o sistema operacional e os
aplicativos distribuídos com os laptops educacionais são livres e de código aberto. O
objetivo é desenvolver uma cultura de software livre nas escolas públicas, contribuindo
assim para uma educação mais rica no tocante a tecnologias da informática, não
restringindo o educando a apenas uma filosofia de ferramentas, exemplificada pelo
sistema operacional Windows.
UCA - Formação de Professores e Gestores
A formação inicial dos professores e gestores está sendo realizada em parceria com
universidades públicas de todo o país, incluindo duas instituições confessionais. Contempla
atividades presenciais e à distância, como também o acompanhamento da experiência
em cada uma das 300 escolas com laptops, com visitas periódicas feitas por
pesquisadores e por bolsistas estudantes universitários. São equipes de
aproximadamente 15 pessoas por universidade, que estão atuando em parceria com
professores multiplicadores de Núcleos de Tecnologia Educacional de estados e
municípios (NTE e NTEM).
Nossa expectativa é que os grupos das universidades participantes desenvolvam
conhecimento próprio sobre novas tecnologias 1:1 em escolas locais, importantes para
inclusão digital e melhoria da educação pública a nível nacional. O conhecimento
sistemático sobre os processos e sobre o impacto de iniciativas 1:1 é essencial para a
formulação de políticas públicas.
Além das equipes de formadores, equipes de avaliação também estão presentes nas
universidades, para acompanhamento da Fase 2 do UCA, utilizando informações
continuamente colhidas através da rede de 150 mil laptops educacionais.
Nas primeiras ações de formação, tem sido constatado o interesse da quase totalidade
dos educadores pelo Projeto UCA. Em algumas escolas tem sido encontrado um baixo
nível de competência no uso de computadores por parte dos professores. Em escolas
rurais de Pernambuco, encontramos profissionais que não tinham sequer um endereço
de e-mail, predominando, nos digitalmente incluídos, o uso da internet para redes
sociais, particularmente o Orkut. Por outro lado, nas oficinas de formação realizadas
com alunos, temos constatado familiarização com computadores através do uso regular
de “lan houses”.
Lan houses são uma espécie de cibercafés - salas com alguns computadores conectados
à internet, onde qualquer pessoa pode utilizar, mediante um pagamento módico do
tempo de uso. As lan houses, em geral, são iniciativas de pessoas de comunidades de
baixa renda, que vêem prestando uma contribuição significativa para a inclusão digital
de grande da população brasileira. Segundo dados estatísticos oficiais
(http://bit.ly/lanhousesIBGE), as lan houses são o segundo lugar de onde os brasileiros
mais acessam a internet.
Algumas dificuldades tem sido encontradas pelas equipes de formação nas escolas que
receberam laptops. Um obstáculo muito comum tem sido a inadequação da rede elétrica
da escola, insuficiente para recarga de baterias durante o período de aula. Tem também
havido um certo temor e mesmo resistência de gestores de redes e de diretores de
4. escolas, no sentido de permitir que o aluno leve o laptop para, com argumentos como
possibilidade de roubo do equipamento envolvendo agressão física ao aluno.
Avaliações internacionais de projetos um computador por aluno indicaram que é
necessário um tempo de maturação para a assimilação da inovação por escolas e redes
escolares, geralmente em torno de quatro anos (Holcomb, 2009). São considerados
aspectos como adesão dos gestores, relação entre a cultura escolar e a cultura digital,
motivação do professor para mudar suas práticas devido a pressões externas,
expectativas dos alunos, entre outros.
Referências
Brasil (2008). Um Computador por Aluno: A experiência brasileira. Brasília, DF,
Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações. http://bit.ly/UcaBrasil.
Castro Jr, H. P. & Ferreira, B. J. P. (2010). Possibilidades e Desafios na Implantação do
Projeto UCA Total: um Estudo no Município de São João da Ponta com foco na
Formação Docente. Belo Horizonte, PUC-MG, SBC, Workshop de Informática na
Educação. Anais, pp. 1011-1020.
Cysneiros, P. G. (2003). Fenomenologia das Novas Tecnologias na Educação. Revista
da FACED. Salvador, Universidade Federal da Bahia, n.7, p.89-107..
Cysneiros, P. G. (2008). Laptops na escola pública Brasileira e latinoamericana. In
ILABACA, Jaime S. (editor). Nuevas Ideas en Informática Educativa. Santiago,
Chile, Facultad de Ciências Físicas e Matemáticas. Vol.4, págs.1a 6.
Cysneiros, P. G. (2010). Laptops em Escolas Públicas do Brasil: O Projeto Um
Computador por Aluno. Congreso Internacional de Informática educativa – 20 Anos
RIBIE-Col. Popayán, Colômbia, 14-16 de julho de 2010, Actas, ISNN 2145-7093.
Holcomb, L. (2009). Results & lessons learned from 1:1 laptop initiatives: A collective
review. Tech Trends, vol.53, p.49-55.
Johnstone, B. (2003a). Schools transformed. http://bit.ly/9Au08R.
Johnstone, B. (2003b) Never Mind the Laptops: Kids, Computers, and Transformation
of Learning. New York, iUniverse.
Lei, J.; Conway, P. & Zhao, Y. (2008). The Digital Pencil: One-to-one computing for
children. NY, Lawrence-Erlbaum/ Routledge.
Negroponte, N. (2006). One Laptop per Child. TED Talks, Monterey, CA.
http://bit.ly/cinpUW.
Papert, S. M. (2008). A Máquina das Crianças: Repensando a Escola na Era da
Informática (2a edição rev.). Porto Alegre, Artmed.
Warschauer, M. (2006). Laptops and Literacy: Learning in the Wireless Clasroom.
New York, Columbia University, Teachers College Press.
*Apresentado no Seminario virtual “La integración de las TIC en la educación: modelos
uno a uno”. IIPE/UNESCO Buenos Aires, http://www.webinar.org.ar/ outubro de 2010.