SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 4
Baixar para ler offline
Jornalismo para além do diploma
Túlio Madson Galvão1
O tema da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista voltou
a entrar em pauta após a deliberação favorável do Conselho de Comunicação Social do
Congresso Nacional (CCS), em sua última reunião com a atual composição do
colegiado, realizada nesta quarta-feira (06) que aprovou com um placar apertado (6 a 5)
parecer favorável à obrigatoriedade do diploma para jornalistas. No último dia 02 de
junho, por uma maioria de 7 votos a 5, a Comissão Temática da Liberdade de
Expressão, do CCS, manifestou-se contrária à obrigatoriedade do diploma. A avaliação
desse parecer será usada pelos senadores e deputados que discutirão a proposta em
plenário.
Em 1969, quando o regime militar governava o país, a obrigatoriedade do diploma para
profissionais da imprensa foi instituído através de decreto-lei pela junta militar. O
objetivo era dificultar o trabalho jornalístico, seja através de empecilhos, ou de
regulamentações via Ministério do Trabalho, já que a lei exigia para o exercício da
profissão um “prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e
Previdência Social” que entre outras coisas exigia diploma de curso superior de
jornalismo. Reconheçamos que a então junta militar que governava o país não era
necessariamente afeita ao princípio de liberdade de expressão.
Em junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) por ampla margem (8 votos
contra 1) aprovou a revogação da exigência de diploma universitário para o exercício da
profissão de jornalista, após a ação de inconstitucionalidade interposta pelo Ministério
Público Federal (MPF), por entender que a obrigação do diploma atingia a liberdade de
expressão, derrogando a antiga lei.
No entanto, já que o STF tem a competência para definir a constitucionalidade de uma
lei, e isso já foi feito, foi proposta em agosto de 2010 a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 386/2009 que visa reestabelecer a obrigatoriedade do diploma de
graduação em jornalismo para o exercício da profissão, entretanto a decisão do STF
1
E-mail: tuliomadson@hotmail.com Página: facebook.com/tulio.madson.galvao
também cita o artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também
conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica e esse pacto não poderá ser
modificado via PEC.
A proposta espera desde então para ser incluída na ordem do dia, após análise das
comissões. Pelo texto da proposta o diploma não será exigido para aqueles que
comprovarem o exercício da profissão de jornalista antes da data de promulgação, assim
como para os colaboradores, sem vínculo empregatício, que produzem material
especializado para algum veículo de informação. Ou seja, se você não tem o canudo
você pode até dar pitaco, mas não pode receber regularmente por isso. Ou se você mora
em uma comunidade carente e pretende abrir um jornal local, você terá necessariamente
que “contratar” um jornalista.
Desde a revogação da obrigatoriedade não houve um decréscimo na contratação de
profissionais formados em jornalismo pelas universidades. A exigência do diploma não
irá coibir opiniões irresponsáveis no jornalismo, além de prejudicar a excelência dos
cursos de graduação que serão procurados mais pelo certificado do que pelo conteúdo.
A história do jornalismo no Brasil foi construída por profissionais sem diploma de
jornalismo, como Nelson Rodrigues, Paulo Francis, Millôr Fernandes, entre outros. A
obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão não existe na maioria dos
países democráticos, nem mesmo na França, país conhecido pelo excesso de regulação
da mídia. O corporativismo das entidades representativas pretende nos tornar uma
exceção no mundo democrático. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que tanto
milita pela obrigatoriedade, deveria demonstrar o mesmo empenho para combater o
monopólio das concessões públicas de rádio e televisão, que tanto cerceiam o trabalho
jornalístico ao limitar a diversidade dos veículos de informação.
Jornalismo não é ciência, a análise dos fatos não é isenta de opiniões. O que irá
caracterizar um bom jornalista é a sua visão de mundo, sua habilidade com as letras, sua
capacidade em analisar e transmitir os acontecimentos. Isso depende muito mais do
hábito da escrita, de vivências, leituras, experiências, do que necessariamente de um
certificado.
O argumento de que a obrigatoriedade seria imprescindível para a prática de um ethos
jornalístico, de um jornalismo “profissional” engajado na busca e transmissão da
verdade é uma falácia. A imagem ou relato de um determinado acontecimento não é o
acontecimento em si. A consideração de que o nosso mundo é feito por fatos é uma
suposição. A redução do mundo aos fatos é uma invenção da modernidade. Um mundo
de fatos é um mundo mecânico e artificial. Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, irá
criticar o discurso de que as verdades científicas seriam isentas de juízos de valores
morais, crenças, pressupostos ou convicções. Tudo o que atribuímos à realidade são
interpretações, logo a própria ideia de verdade é tão somente a afirmação de um ponto
de vista, de uma perspectiva, de uma interpretação da realidade, que de nenhum modo é
mais “precisa” do que qualquer outra. A Verdade é uma criação, não uma descoberta.
A busca pela verdade é a busca pelo socialmente aceito. É uma adequação do indivíduo
aos costumes e valores morais de um povo. Aqueles que se adequam ao consenso de um
grupo social, isto é, àquilo que ele convenciona como sendo verdade. Portanto, um
jornalismo que busca uma suposta verdade nos fatos é um jornalismo que busca o
socialmente aceito, o consenso, que não incomoda, produz mais do mesmo. Sendo
assim, o que se deve levar em conta não é a veracidade ou a falsidade de um
acontecimento em si mesmo, mas sim, a avaliação que se faz dele, o jornalista por mais
que se esforce em tão somente relatar, na realidade avalia.
A Verdade é uma consequência direta de um contrato social estabelecido através da
linguagem, é uma transposição de uma categoria gramatical para o mundo. A relação
existente entre o homem e o mundo se dá no âmbito da linguagem, o que chamamos de
verdade é algo erigido e estruturado pela linguagem e suas leis gramaticais, principal
matéria-prima do jornalista. É na linguagem portanto, nas palavras, que o jornalista
deve se debruçar, não em um suposto método de apreensão da realidade, do fato, que
remete a uma visão essencialista, platônica, de mundo. Tanto é que aqueles que
defendem a obrigatoriedade do diploma usam como argumento a separação entre
jornalismo e opinião, que não está muito distante da divisão platônica entre
conhecimento (episteme) e opinião (doxa).
Há poucas décadas atrás, na busca por informações, os indivíduos eram meros
espectadores, sua tarefa consistia em “espectar”, isso é: assistir, observar determinado
conteúdo; cabendo-lhe tão somente a escolha entre receber as informações deste ou
daquele veículo de informação, integrante de um universo composto por meia dúzia de
grandes veículos. Os indivíduos atuavam passivamente na veiculação das informações.
As informações não eram compartilhadas por uma rede de pessoas, mas, destinadas a
núcleos dispersos que não necessariamente interagiam entre si (casa, vizinhança,
trabalho, círculos de amizade). Com isso, tínhamos indivíduos extremamente
atomizados recebendo informações em separado, através da TV, jornais, revistas
semanais, com pouca ou nenhuma abertura para o debate ou a participação direta do
espectador no conteúdo veiculado. Hoje em dia, graças aos novos aparatos tecnológicos,
a realidade é outra, cada vez mais os indivíduos participam ativamente na disseminação
das informações, cada um pode ser uma mídia em potencial. A legislação precisa
acompanhar essas mudanças e quebrar cada vez mais os limites entre espectadores e
disseminadores de informação. A aprovação da PEC seria um retrocesso por impôr
barreiras para aqueles que pretendem veicular informações e serem remunerados por
isso.
A graduação em Comunicação Social, quando bem cursada, possibilita os meios
técnicos necessários para uma melhor análise e interpretação dos acontecimentos, mas
não deve ser o único critério para o exercício do jornalismo, cuja função depende muito
mais de critérios subjetivos, como os já citados, do que objetivos, como formação
teórica.
A PEC do diploma é uma medida meramente corporativista, sem qualquer amparo no
interesse público, sua eventual aprovação trará riscos para a qualidade e a diversidade
da imprensa no país.
Publicado originalmente na Carta Potiguar em 06/08/2014:
http://www.cartapotiguar.com.br/2014/08/06/jornalismo-para-alem-do-diploma/

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Sales Connect Breakout Session_Final_PL
Sales Connect Breakout Session_Final_PLSales Connect Breakout Session_Final_PL
Sales Connect Breakout Session_Final_PLPaul Liu
 
Musee des Beaux Arts Notes
Musee des Beaux Arts NotesMusee des Beaux Arts Notes
Musee des Beaux Arts NotesRikki Carr
 
Social Media Case Study:Standard Chartered Mumbai Marathon 2013
Social Media Case Study:Standard Chartered Mumbai Marathon 2013Social Media Case Study:Standard Chartered Mumbai Marathon 2013
Social Media Case Study:Standard Chartered Mumbai Marathon 2013Social Samosa
 
passo a passo para registro de um domínio e uma hospedagem em um servidor gra...
passo a passo para registro de um domínio e uma hospedagem em um servidor gra...passo a passo para registro de um domínio e uma hospedagem em um servidor gra...
passo a passo para registro de um domínio e uma hospedagem em um servidor gra...Jorge Luiz
 
Ortogeriatria - Resultados de 2.5 Anos do Programa HVC
Ortogeriatria - Resultados de 2.5 Anos do Programa HVCOrtogeriatria - Resultados de 2.5 Anos do Programa HVC
Ortogeriatria - Resultados de 2.5 Anos do Programa HVCcmecc
 
Mobil i̇letisimteknolojileri 2hafta
Mobil i̇letisimteknolojileri 2haftaMobil i̇letisimteknolojileri 2hafta
Mobil i̇letisimteknolojileri 2haftaNilgun Ozdamar
 
liquidos y electrolitos corporales
liquidos y electrolitos corporalesliquidos y electrolitos corporales
liquidos y electrolitos corporaleskatherineov22
 
Further and higher education in the UK
Further and higher education in the UKFurther and higher education in the UK
Further and higher education in the UKMarija Jurošević
 
Regulamento premio 2015-2
Regulamento premio 2015-2Regulamento premio 2015-2
Regulamento premio 2015-2Diego Moreau
 
FCoE - Topologies, Protocol, and Limitations
FCoE - Topologies, Protocol, and Limitations  FCoE - Topologies, Protocol, and Limitations
FCoE - Topologies, Protocol, and Limitations EMC
 

Destaque (12)

Libro La Oculta
Libro La OcultaLibro La Oculta
Libro La Oculta
 
Sales Connect Breakout Session_Final_PL
Sales Connect Breakout Session_Final_PLSales Connect Breakout Session_Final_PL
Sales Connect Breakout Session_Final_PL
 
Musee des Beaux Arts Notes
Musee des Beaux Arts NotesMusee des Beaux Arts Notes
Musee des Beaux Arts Notes
 
Social Media Case Study:Standard Chartered Mumbai Marathon 2013
Social Media Case Study:Standard Chartered Mumbai Marathon 2013Social Media Case Study:Standard Chartered Mumbai Marathon 2013
Social Media Case Study:Standard Chartered Mumbai Marathon 2013
 
passo a passo para registro de um domínio e uma hospedagem em um servidor gra...
passo a passo para registro de um domínio e uma hospedagem em um servidor gra...passo a passo para registro de um domínio e uma hospedagem em um servidor gra...
passo a passo para registro de um domínio e uma hospedagem em um servidor gra...
 
Ortogeriatria - Resultados de 2.5 Anos do Programa HVC
Ortogeriatria - Resultados de 2.5 Anos do Programa HVCOrtogeriatria - Resultados de 2.5 Anos do Programa HVC
Ortogeriatria - Resultados de 2.5 Anos do Programa HVC
 
Mobil i̇letisimteknolojileri 2hafta
Mobil i̇letisimteknolojileri 2haftaMobil i̇letisimteknolojileri 2hafta
Mobil i̇letisimteknolojileri 2hafta
 
Presentation4
Presentation4Presentation4
Presentation4
 
liquidos y electrolitos corporales
liquidos y electrolitos corporalesliquidos y electrolitos corporales
liquidos y electrolitos corporales
 
Further and higher education in the UK
Further and higher education in the UKFurther and higher education in the UK
Further and higher education in the UK
 
Regulamento premio 2015-2
Regulamento premio 2015-2Regulamento premio 2015-2
Regulamento premio 2015-2
 
FCoE - Topologies, Protocol, and Limitations
FCoE - Topologies, Protocol, and Limitations  FCoE - Topologies, Protocol, and Limitations
FCoE - Topologies, Protocol, and Limitations
 

Semelhante a Jornalismo para além do diploma

Judiciário e opinião pública
Judiciário e opinião públicaJudiciário e opinião pública
Judiciário e opinião públicaPaulo Neto
 
04.03 modernas tendencias do dto penal busato-recj-04.03-07
04.03 modernas tendencias do dto penal busato-recj-04.03-0704.03 modernas tendencias do dto penal busato-recj-04.03-07
04.03 modernas tendencias do dto penal busato-recj-04.03-07Marinice Cavalcanti Jeronymo
 
Pedido de entrevista a Lula do site DCM
Pedido de entrevista a Lula do site DCMPedido de entrevista a Lula do site DCM
Pedido de entrevista a Lula do site DCMMarcelo Auler
 
Imprensa e padrões de padronização
Imprensa e padrões de padronizaçãoImprensa e padrões de padronização
Imprensa e padrões de padronizaçãoALCIONE
 
Relatório da CPMI sobre os jornalistas
Relatório da CPMI sobre os jornalistasRelatório da CPMI sobre os jornalistas
Relatório da CPMI sobre os jornalistasLuis Nassif
 
Meios alternativos de_solu%c3%a7%c3%a3o_de_conflitos
Meios alternativos de_solu%c3%a7%c3%a3o_de_conflitosMeios alternativos de_solu%c3%a7%c3%a3o_de_conflitos
Meios alternativos de_solu%c3%a7%c3%a3o_de_conflitosguest71887c
 
Cartilha deficiencia
Cartilha deficienciaCartilha deficiencia
Cartilha deficienciaACECTALCT
 
Intervozes caminhos para a luta pelo direito à comunicação no brasil
Intervozes   caminhos para a luta pelo direito à comunicação no brasilIntervozes   caminhos para a luta pelo direito à comunicação no brasil
Intervozes caminhos para a luta pelo direito à comunicação no brasilDaniel Reis Duarte Pousa
 
Mini curso thais - direitos humanos-comunicacao
Mini curso   thais - direitos humanos-comunicacaoMini curso   thais - direitos humanos-comunicacao
Mini curso thais - direitos humanos-comunicacaovideoparatodos
 
Liberdade de expressão e assessoria de imprensa –
Liberdade de expressão e assessoria de imprensa –Liberdade de expressão e assessoria de imprensa –
Liberdade de expressão e assessoria de imprensa –Marcio Ferreira
 
Jornalismo Digital - iNFODIGIT@L Press PPM UMC 2008
Jornalismo Digital - iNFODIGIT@L Press PPM UMC 2008Jornalismo Digital - iNFODIGIT@L Press PPM UMC 2008
Jornalismo Digital - iNFODIGIT@L Press PPM UMC 2008PPM_PRESS_UMC
 
ESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃO
ESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃOESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃO
ESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃOEstadodedireito
 
Ensaio sobre atual crise política do Brasil e os efeitos da mídia.
Ensaio sobre atual crise política do Brasil e os efeitos da mídia.Ensaio sobre atual crise política do Brasil e os efeitos da mídia.
Ensaio sobre atual crise política do Brasil e os efeitos da mídia.Ancelmonetto
 
Exerc2 aula3
Exerc2 aula3Exerc2 aula3
Exerc2 aula3Will Tkd
 
Principios editoriais-das-organizacoes-globo
Principios editoriais-das-organizacoes-globoPrincipios editoriais-das-organizacoes-globo
Principios editoriais-das-organizacoes-globoSoyArmenio
 
AmeaçAs à Liberdade De ExpressãO
AmeaçAs à Liberdade De ExpressãOAmeaçAs à Liberdade De ExpressãO
AmeaçAs à Liberdade De ExpressãOIsabella Ferreira
 

Semelhante a Jornalismo para além do diploma (20)

Judiciário e opinião pública
Judiciário e opinião públicaJudiciário e opinião pública
Judiciário e opinião pública
 
A defesa do blog
A defesa do blogA defesa do blog
A defesa do blog
 
04.03 modernas tendencias do dto penal busato-recj-04.03-07
04.03 modernas tendencias do dto penal busato-recj-04.03-0704.03 modernas tendencias do dto penal busato-recj-04.03-07
04.03 modernas tendencias do dto penal busato-recj-04.03-07
 
Pedido de entrevista a Lula do site DCM
Pedido de entrevista a Lula do site DCMPedido de entrevista a Lula do site DCM
Pedido de entrevista a Lula do site DCM
 
Imprensa e padrões de padronização
Imprensa e padrões de padronizaçãoImprensa e padrões de padronização
Imprensa e padrões de padronização
 
Relatório da CPMI sobre os jornalistas
Relatório da CPMI sobre os jornalistasRelatório da CPMI sobre os jornalistas
Relatório da CPMI sobre os jornalistas
 
Meios alternativos de_solu%c3%a7%c3%a3o_de_conflitos
Meios alternativos de_solu%c3%a7%c3%a3o_de_conflitosMeios alternativos de_solu%c3%a7%c3%a3o_de_conflitos
Meios alternativos de_solu%c3%a7%c3%a3o_de_conflitos
 
Meios conflitos
Meios conflitosMeios conflitos
Meios conflitos
 
Cartilha deficiencia
Cartilha deficienciaCartilha deficiencia
Cartilha deficiencia
 
Intervozes caminhos para a luta pelo direito à comunicação no brasil
Intervozes   caminhos para a luta pelo direito à comunicação no brasilIntervozes   caminhos para a luta pelo direito à comunicação no brasil
Intervozes caminhos para a luta pelo direito à comunicação no brasil
 
Mini curso thais - direitos humanos-comunicacao
Mini curso   thais - direitos humanos-comunicacaoMini curso   thais - direitos humanos-comunicacao
Mini curso thais - direitos humanos-comunicacao
 
Liberdade de expressão e assessoria de imprensa –
Liberdade de expressão e assessoria de imprensa –Liberdade de expressão e assessoria de imprensa –
Liberdade de expressão e assessoria de imprensa –
 
Jornalismo Digital - iNFODIGIT@L Press PPM UMC 2008
Jornalismo Digital - iNFODIGIT@L Press PPM UMC 2008Jornalismo Digital - iNFODIGIT@L Press PPM UMC 2008
Jornalismo Digital - iNFODIGIT@L Press PPM UMC 2008
 
ESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃO
ESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃOESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃO
ESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃO
 
Ficha limpa comentada
Ficha limpa comentadaFicha limpa comentada
Ficha limpa comentada
 
Ensaio sobre atual crise política do Brasil e os efeitos da mídia.
Ensaio sobre atual crise política do Brasil e os efeitos da mídia.Ensaio sobre atual crise política do Brasil e os efeitos da mídia.
Ensaio sobre atual crise política do Brasil e os efeitos da mídia.
 
A sociedade ocupa a tv
A sociedade ocupa a tvA sociedade ocupa a tv
A sociedade ocupa a tv
 
Exerc2 aula3
Exerc2 aula3Exerc2 aula3
Exerc2 aula3
 
Principios editoriais-das-organizacoes-globo
Principios editoriais-das-organizacoes-globoPrincipios editoriais-das-organizacoes-globo
Principios editoriais-das-organizacoes-globo
 
AmeaçAs à Liberdade De ExpressãO
AmeaçAs à Liberdade De ExpressãOAmeaçAs à Liberdade De ExpressãO
AmeaçAs à Liberdade De ExpressãO
 

Mais de Túlio Madson Galvão

Notas sobre a pandemia perspectivas para o fim de um mundo - tulio madson g...
Notas sobre a pandemia   perspectivas para o fim de um mundo - tulio madson g...Notas sobre a pandemia   perspectivas para o fim de um mundo - tulio madson g...
Notas sobre a pandemia perspectivas para o fim de um mundo - tulio madson g...Túlio Madson Galvão
 
A Gaia Ciência: lições para o ensino de filosofia - Túlio Madson Galvão
A Gaia Ciência: lições para o ensino de filosofia - Túlio Madson GalvãoA Gaia Ciência: lições para o ensino de filosofia - Túlio Madson Galvão
A Gaia Ciência: lições para o ensino de filosofia - Túlio Madson GalvãoTúlio Madson Galvão
 
Mídias independentes e a Ética do Discurso
Mídias independentes e a Ética do DiscursoMídias independentes e a Ética do Discurso
Mídias independentes e a Ética do DiscursoTúlio Madson Galvão
 
Bairro Neópolis : vida e morte de uma utopia
Bairro Neópolis : vida e morte de uma utopia Bairro Neópolis : vida e morte de uma utopia
Bairro Neópolis : vida e morte de uma utopia Túlio Madson Galvão
 

Mais de Túlio Madson Galvão (11)

Notas sobre a pandemia perspectivas para o fim de um mundo - tulio madson g...
Notas sobre a pandemia   perspectivas para o fim de um mundo - tulio madson g...Notas sobre a pandemia   perspectivas para o fim de um mundo - tulio madson g...
Notas sobre a pandemia perspectivas para o fim de um mundo - tulio madson g...
 
A Gaia Ciência: lições para o ensino de filosofia - Túlio Madson Galvão
A Gaia Ciência: lições para o ensino de filosofia - Túlio Madson GalvãoA Gaia Ciência: lições para o ensino de filosofia - Túlio Madson Galvão
A Gaia Ciência: lições para o ensino de filosofia - Túlio Madson Galvão
 
Mídias independentes e a Ética do Discurso
Mídias independentes e a Ética do DiscursoMídias independentes e a Ética do Discurso
Mídias independentes e a Ética do Discurso
 
Janduí: o primeiro rei do sertão
Janduí: o primeiro rei do sertão Janduí: o primeiro rei do sertão
Janduí: o primeiro rei do sertão
 
Madrugada
MadrugadaMadrugada
Madrugada
 
O Pinta: cidadão natalense
O Pinta: cidadão natalenseO Pinta: cidadão natalense
O Pinta: cidadão natalense
 
Habitando conjuntos habitacionais
Habitando conjuntos habitacionaisHabitando conjuntos habitacionais
Habitando conjuntos habitacionais
 
Filosofia da proximidade
Filosofia da proximidadeFilosofia da proximidade
Filosofia da proximidade
 
Os mártires de Cunhaú
Os mártires de CunhaúOs mártires de Cunhaú
Os mártires de Cunhaú
 
Afinal, devemos temer a violência?
Afinal, devemos temer a violência?Afinal, devemos temer a violência?
Afinal, devemos temer a violência?
 
Bairro Neópolis : vida e morte de uma utopia
Bairro Neópolis : vida e morte de uma utopia Bairro Neópolis : vida e morte de uma utopia
Bairro Neópolis : vida e morte de uma utopia
 

Jornalismo para além do diploma

  • 1. Jornalismo para além do diploma Túlio Madson Galvão1 O tema da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista voltou a entrar em pauta após a deliberação favorável do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS), em sua última reunião com a atual composição do colegiado, realizada nesta quarta-feira (06) que aprovou com um placar apertado (6 a 5) parecer favorável à obrigatoriedade do diploma para jornalistas. No último dia 02 de junho, por uma maioria de 7 votos a 5, a Comissão Temática da Liberdade de Expressão, do CCS, manifestou-se contrária à obrigatoriedade do diploma. A avaliação desse parecer será usada pelos senadores e deputados que discutirão a proposta em plenário. Em 1969, quando o regime militar governava o país, a obrigatoriedade do diploma para profissionais da imprensa foi instituído através de decreto-lei pela junta militar. O objetivo era dificultar o trabalho jornalístico, seja através de empecilhos, ou de regulamentações via Ministério do Trabalho, já que a lei exigia para o exercício da profissão um “prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social” que entre outras coisas exigia diploma de curso superior de jornalismo. Reconheçamos que a então junta militar que governava o país não era necessariamente afeita ao princípio de liberdade de expressão. Em junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) por ampla margem (8 votos contra 1) aprovou a revogação da exigência de diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista, após a ação de inconstitucionalidade interposta pelo Ministério Público Federal (MPF), por entender que a obrigação do diploma atingia a liberdade de expressão, derrogando a antiga lei. No entanto, já que o STF tem a competência para definir a constitucionalidade de uma lei, e isso já foi feito, foi proposta em agosto de 2010 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 386/2009 que visa reestabelecer a obrigatoriedade do diploma de graduação em jornalismo para o exercício da profissão, entretanto a decisão do STF 1 E-mail: tuliomadson@hotmail.com Página: facebook.com/tulio.madson.galvao
  • 2. também cita o artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica e esse pacto não poderá ser modificado via PEC. A proposta espera desde então para ser incluída na ordem do dia, após análise das comissões. Pelo texto da proposta o diploma não será exigido para aqueles que comprovarem o exercício da profissão de jornalista antes da data de promulgação, assim como para os colaboradores, sem vínculo empregatício, que produzem material especializado para algum veículo de informação. Ou seja, se você não tem o canudo você pode até dar pitaco, mas não pode receber regularmente por isso. Ou se você mora em uma comunidade carente e pretende abrir um jornal local, você terá necessariamente que “contratar” um jornalista. Desde a revogação da obrigatoriedade não houve um decréscimo na contratação de profissionais formados em jornalismo pelas universidades. A exigência do diploma não irá coibir opiniões irresponsáveis no jornalismo, além de prejudicar a excelência dos cursos de graduação que serão procurados mais pelo certificado do que pelo conteúdo. A história do jornalismo no Brasil foi construída por profissionais sem diploma de jornalismo, como Nelson Rodrigues, Paulo Francis, Millôr Fernandes, entre outros. A obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão não existe na maioria dos países democráticos, nem mesmo na França, país conhecido pelo excesso de regulação da mídia. O corporativismo das entidades representativas pretende nos tornar uma exceção no mundo democrático. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que tanto milita pela obrigatoriedade, deveria demonstrar o mesmo empenho para combater o monopólio das concessões públicas de rádio e televisão, que tanto cerceiam o trabalho jornalístico ao limitar a diversidade dos veículos de informação. Jornalismo não é ciência, a análise dos fatos não é isenta de opiniões. O que irá caracterizar um bom jornalista é a sua visão de mundo, sua habilidade com as letras, sua capacidade em analisar e transmitir os acontecimentos. Isso depende muito mais do hábito da escrita, de vivências, leituras, experiências, do que necessariamente de um certificado.
  • 3. O argumento de que a obrigatoriedade seria imprescindível para a prática de um ethos jornalístico, de um jornalismo “profissional” engajado na busca e transmissão da verdade é uma falácia. A imagem ou relato de um determinado acontecimento não é o acontecimento em si. A consideração de que o nosso mundo é feito por fatos é uma suposição. A redução do mundo aos fatos é uma invenção da modernidade. Um mundo de fatos é um mundo mecânico e artificial. Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, irá criticar o discurso de que as verdades científicas seriam isentas de juízos de valores morais, crenças, pressupostos ou convicções. Tudo o que atribuímos à realidade são interpretações, logo a própria ideia de verdade é tão somente a afirmação de um ponto de vista, de uma perspectiva, de uma interpretação da realidade, que de nenhum modo é mais “precisa” do que qualquer outra. A Verdade é uma criação, não uma descoberta. A busca pela verdade é a busca pelo socialmente aceito. É uma adequação do indivíduo aos costumes e valores morais de um povo. Aqueles que se adequam ao consenso de um grupo social, isto é, àquilo que ele convenciona como sendo verdade. Portanto, um jornalismo que busca uma suposta verdade nos fatos é um jornalismo que busca o socialmente aceito, o consenso, que não incomoda, produz mais do mesmo. Sendo assim, o que se deve levar em conta não é a veracidade ou a falsidade de um acontecimento em si mesmo, mas sim, a avaliação que se faz dele, o jornalista por mais que se esforce em tão somente relatar, na realidade avalia. A Verdade é uma consequência direta de um contrato social estabelecido através da linguagem, é uma transposição de uma categoria gramatical para o mundo. A relação existente entre o homem e o mundo se dá no âmbito da linguagem, o que chamamos de verdade é algo erigido e estruturado pela linguagem e suas leis gramaticais, principal matéria-prima do jornalista. É na linguagem portanto, nas palavras, que o jornalista deve se debruçar, não em um suposto método de apreensão da realidade, do fato, que remete a uma visão essencialista, platônica, de mundo. Tanto é que aqueles que defendem a obrigatoriedade do diploma usam como argumento a separação entre jornalismo e opinião, que não está muito distante da divisão platônica entre conhecimento (episteme) e opinião (doxa). Há poucas décadas atrás, na busca por informações, os indivíduos eram meros espectadores, sua tarefa consistia em “espectar”, isso é: assistir, observar determinado conteúdo; cabendo-lhe tão somente a escolha entre receber as informações deste ou
  • 4. daquele veículo de informação, integrante de um universo composto por meia dúzia de grandes veículos. Os indivíduos atuavam passivamente na veiculação das informações. As informações não eram compartilhadas por uma rede de pessoas, mas, destinadas a núcleos dispersos que não necessariamente interagiam entre si (casa, vizinhança, trabalho, círculos de amizade). Com isso, tínhamos indivíduos extremamente atomizados recebendo informações em separado, através da TV, jornais, revistas semanais, com pouca ou nenhuma abertura para o debate ou a participação direta do espectador no conteúdo veiculado. Hoje em dia, graças aos novos aparatos tecnológicos, a realidade é outra, cada vez mais os indivíduos participam ativamente na disseminação das informações, cada um pode ser uma mídia em potencial. A legislação precisa acompanhar essas mudanças e quebrar cada vez mais os limites entre espectadores e disseminadores de informação. A aprovação da PEC seria um retrocesso por impôr barreiras para aqueles que pretendem veicular informações e serem remunerados por isso. A graduação em Comunicação Social, quando bem cursada, possibilita os meios técnicos necessários para uma melhor análise e interpretação dos acontecimentos, mas não deve ser o único critério para o exercício do jornalismo, cuja função depende muito mais de critérios subjetivos, como os já citados, do que objetivos, como formação teórica. A PEC do diploma é uma medida meramente corporativista, sem qualquer amparo no interesse público, sua eventual aprovação trará riscos para a qualidade e a diversidade da imprensa no país. Publicado originalmente na Carta Potiguar em 06/08/2014: http://www.cartapotiguar.com.br/2014/08/06/jornalismo-para-alem-do-diploma/