1. O Pinta: cidadão natalense
Túlio Madson Galvão1
O problema da expulsão dos pintas do Midway Mall é apenas um sintoma de um
problema ainda maior: temos vergonha de nos assumir como uma cidade de pintas;
Natal, a cidade da aparência, tem vergonha da aparência de seu cidadão mais típico.
Pode-se argumentar, até com certa razão, que os indivíduos rotulados como pinta
estavam se enfrentando dentro do Shopping e prejudicando o direito dos que lá estavam
de aproveitar o seu lazer familiar dominical. Não entraremos no mérito da questão, o
objetivo aqui é ir além do ocorrido, a intenção é refletir sobre o que é isso: ser pinta.
O termo pinta ainda carece de um estudo etimológico, na ausência deste, podemos
explorar algumas possibilidades. Talvez, o termo tenha surgido para designar aqueles
que tem estilo, ou seja, que tem pinta – no sentido de “boa pinta”, charmoso. Outra
hipótese é que o termo tivesse inicialmente caráter pejorativo, podendo designar aqueles
que ao se vestirem com determinadas marcas passam a ter apenas a pinta – a pose, a
aparência – de estarem “bem arrumados” quando na verdade não estão. Entretanto, há
quem afirme que o termo surgiu devido a uma tatuagem que simula um sinal, uma pinta,
no rosto, usado antigamente por maloqueiros para se identificar. Ou quem sabe, o termo
tenha surgido para designar aquele que tem pinta – ou seja, jeito – de malandro,
maloqueiro, devido ao andar, vestimentas e tudo mais. Fato é que o termo permite
muitas possibilidades, quantas a imaginação puder inventar, poderíamos ocupar todo o
texto com elas. O dicionário Aurélio, por exemplo, possui quatro definições para
“pinta”, nenhuma delas se encaixa nos casos acima.
O Pinta é o único personagem tipicamente natalense. Sua vestimenta comumente
identificável – bermuda de praia, camiseta folgada, boné – é perfeitamente adaptada ao
clima de uma cidade quente e praieira. A cidade migrou em direção a Parnamirim, longe
do mar, transformando dunas em conjuntos habitacionais. Dentro dos conjuntos
habitacionais e das casas muradas nos bairros nobres, criou-se uma geração sem contato
com a rua, consequentemente, sem uma identidade natalense. Identidade esta que não
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2. foi perdida, se preserva na Natal antiga, que margeia o Potengi, no outro lado da ponte,
nas praias que não figuram nos cartões postais, além daqueles que vivenciaram a cidade
para além de seu bairro ou condomínio.
O Pinta é essencialmente um antiplayboy. Arrisco-me a dizer que o Pinta é uma
invenção playboyniana para caracterizar tudo aquilo que ele renega e exclui. Não era
raro encontrar, no final da década de 90 e início do nosso século, playboys que iam para
o Vila Folia, ou qualquer outro local da moda, apenas para “quebrar os pinta”.
Ser pinta é um conceito mutável, já que está em construção. Na minha adolescência,
pinta era também o alternativo. O “boy” com bermuda da Cyclone era tão pinta quanto
o de camisa de banda. De modo que o adjetivo “pinta” era utilizado para descrever
pejorativamente os que não seguiam o padrão, que não possuíam o estilo pasteurizado e
padronizado da típica classe média natalense, dos apartamentos e conjuntos
habitacionais. A criação de uma famoso perfil no Twitter (@pintanatalense) contribuiu
para que o termo fosse visto de modo menos pejorativo, contribuindo para a formação
de um certo “orgulho pinta” e a consolidação do personagem com os estereótipos já
fixados na mente do natalense. Dando certa identidade ao pinta.
Pinta é aquele que vive a cidade, a conhece, portanto, não teme andar na rua, sua
malícia é antes de tudo uma proteção; ele veste-se para a cidade, sua praia, seu clima, na
cidade está em casa; sua identidade ainda está em construção, mas confunde-se
visceralmente com uma identidade natalense – que também está sendo construída.
Nossa identidade não está no telejornal, nos programas de TV, nos artistas, nos
intelectuais, nos políticos, ou na internet. Nossa identidade está nas ruas. Nas ruas está o
Pinta Natalense.
Por isso, o Pinta é patrimônio cultural da cidade, todos aqueles que se “criaram” nas
ruas de Natal, nos espaços públicos, nos “rolés”, independente de classe, tem um pouco
de pinta dentro de si. São eles os legítimos cidadãos natalenses.
Publicado originalmente na Carta Potiguar em 18/12/2013:
http://www.cartapotiguar.com.br/2013/12/18/o-pinta-cidadao-natalense/