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Arquitetura e narratividade
Paul Ricoeur, in: Urbanisme, n.303, nov/dez 1998, pp. 44-51.
A cidade e a arquitetura são narrativas que se conjugam no passado, presente e futuro.
Quem mais do que Paul Ricoeur, filósofo atento ao “trabalho da memória”, poderia
abrir este debate; “abrir”, isto é, nos acompanhar nesse caminho que leva a uma
clareira, como diria Heidegger. Mas a narrativa subentende a narração, a qual exige, ela
própria, a interpretação. A memória das pedras fala tanto quanto a dos textos? Paul
Ricoeur nos propõe sua leitura dessas memórias, que vivificam para sempre o passado
de nosso presente.
Como o tema que me foi atribuído é a memória, vou começar explicando como
relaciono memória e narratividade. Adoto a definição mais geral de memória – a que se
encontra em um pequeno texto de Aristóteles intitulado precisamente Da memória e da
reminiscência, e que retoma, aliás, notas, e em especial do Teeteto de Platão, sobre o
êikon, a imagem: “tornar presente a ausência”, “tornar presente o ausente”; assim
como a nota que distingue dois ausentes; o ausente que como simples irreal, que seria,
portanto, o imaginário, e o ausente-que-foi, o precedente, o anterior, o proteron. Esse
último é, para Aristóteles, a marca distintiva da memória quanto à ausência. Trata-se,
pois, de tornar presente a ausência-que-foi. Eu encontrei uma grande cumplicidade de
pensamento nos dois extremos de nossa história do Ocidente, entre os Antigos – com
essa idéia da ausência tornada presente e da anterioridade – e uma proposição de
Heidegger que me é cara, não importando minha distância de seu pensamento sobre o
“ser-para-a-morte”: a idéia que diz que devemos desdobrar nosso conceito do passado
naquilo em que ele chama de “completado” (“realizado”), o Vergangen, e o-que-foi, o
Gewissen. Ao mesmo tempo, faz-se justiça com a definição dos Antigos, pois o
anterior-feito-presente é duplamente marcado gramaticalmente: ele não é mais, mas
ele foi. E me parece que a glória da arquitetura é tornar presente não aquilo que não é
mais, mas aquilo que foi através do que não é mais.
A narratividade
O que ocorre com a narratividade? Havia-me parecido, em trabalhos de uma década
atrás, em Temps et Récit, que a memória era levada ao mesmo tempo à linguagem e a
obras pela narrativa, pelo pôr-em-narrativa. A passagem da memória à narrativa impõe-
se assim: lembrar-se, de forma privada assim como de forma pública, é declarar que
“eu estava lá”. O testemunho diz: “eu estava lá”. E esse caráter declarativo da memória
vai se inscrever nos testemunhos, nas atestações, mas também numa narrativa pela qual
eu digo aos outros o que eu vivi.
Adoto, pois, dois pressupostos em minha reflexão: por um lado, tornar presente a
anterioridade que foi e, por outro, estabelecê-la pelo discurso, mas também por uma
operação fundamental de narrativa que identifico como “configuração”.
Inicialmente, gostaria de estabelecer uma analogia, ou melhor, o que parece ser, à
primeira vista, nada mais do que uma analogia: um paralelismo estreito entre
arquitetura e narratividade, no qual a arquitetura seria para o espaço o que a narrativa é
para o tempo, a saber, uma operação “configurante”; um paralelismo entre, por um
lado, construir, portanto, edificar no espaço e, por outro, contar, criar uma intriga no
tempo.
Ao longo dessa análise eu me perguntarei se não é necessário levar a analogia muito
mais longe, até um verdadeiro entrecruzamento, um embaralhamento entre a
“configuração” arquitetural do tempo e a “configuração” narrativa do tempo. Em
outras palavras, trata-se de cruzar espaço e tempo através do construir e do contar. Tal
é o horizonte dessa investigação: embaralhar a espacialidade da narrativa e a
temporalidade do ato arquitetural pelo intercâmbio, de certa forma, entre espaço-
tempo nas duas direções. Poder-se-á assim
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encontrar, ao final, sob a condução da temporalidade do ato arquitetural, a dialética da
memória e do projeto no próprio seio dessa atividade. E mostrarei, sobretudo na última
parte de minha apresentação, quanto a narrativa projeta no futuro o passado
rememorado.
Tempo narrado e espaço construído
Voltemos ao ponto da simples analogia. Nada é evidente, pois um abismo parece
separar o projeto arquitetural inscrito na pedra, ou em qualquer outro material duro, da
narratividade literária inscrita na linguagem: um se situaria no espaço, o outro no tempo.
De um lado, a narrativa oferecida à leitura, de outro, a construção entre o céu e a terra e
oferecida à visibilidade, dada a ser vista. No início, a distância ou o “abismo lógico”
parece ser entre espaço narrado e espaço construído. Mas nós podemos
progressivamente reduzi-lo, permanecendo ainda no paralelismo, notando que o tempo
da narrativa e o espaço da arquitetura não se limitam a simples frações do tempo
universal e do espaço dos geometristas. O tempo da narrativa se estende ao ponto de
ruptura e de sutura entre o tempo físico e o tempo psíquico, esse último descrito por
Agostinho nas Confissões com “distendido”, estiramento da alma entre o que ele
chamava o presente do passado – a memória -, o presente do futuro – a espera -, e o
presente do presente – a atenção. O tempo da narrativa é, portanto, um misto desse
tempo vivido e daquele dos relógios, tempo cronológico enquadrado pelo tempo do
calendário com, atrás de si, toda a astronomia. Na base desse tempo narrativo, há esse
misto do simples instante, que é um corte no tempo universal, e do presente vivo onde
não há senão um presente: agora. Da mesma forma, o espaço construído é uma espécie
de misto entre lugares de vida que rodeiam o corpo vivo e um espaço geométrico de três
dimensões, no qual todos os pontos são lugares quaisquer. Ele também é, poder-se-ia
dizer, ao mesmo tempo talhado no espaço cartesiano, no espaço geométrico, onde todos
os pontos podem ser, graças às coordenadas cartesianas, deduzidas de outros pontos, e
lugar de vida, sítio. À semelhança do presente, que é o centro do tempo narrativo, o sítio
é o centro do espaço que se cria, que se constrói. É nesse duplo enraizamento, nessa
inscrição paralela em um tempo misto e num espaço misto que eu gostaria de me basear.
Situo toda minha análise sob as três rubricas sucessivas que percorri em Temps et Récit,
o que eu havia posto sob o título muito antigo de mimesis – portanto, de re-criação, de
representação criadora – partindo de um estágio que nomeio “prefiguração”, aquele em
que a narrativa está engajada na vida cotidiana, na conversa, ainda sem se separar dela
para produzir formas literárias. Passarei, em seguida, ao estágio de um tempo realmente
construído, de um tempo narrado, que será o segundo momento lógico: a
“configuração”. E terminarei por aquilo que chamei, na situação de leitura e de releitura,
a “refiguração”. Seguirei um movimento paralelo pelo lado do construir, para mostrar
que podemos também passar de um momento, de um estágio da “prefiguração” – que
vai ligado à idéia, ao ato de habitar – há aí uma ressonância heideggeriana (habitar e
construir) – a um segundo estágio, mais manifestadamente intervencionista, do ato de
construir, para reservar, finalmente, um terceiro estágio de “refiguração”: a releitura de
nossas cidades e de todos nossos lugares de habitação.
A “prefiguração”
A narrativa, no estágio da prefiguração, é praticada muito antes de ser posta em forma
literária, seja pela história dos historiadores, seja pela ficção literária, desde a epopéia, a
tragédia, até o romance moderno. A prefiguração é, portanto, a “intromissão” na
narrativa na vida, sob a forma da conversação ordinária. Nesse estágio, a narrativa está
realmente
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implicada em nossa própria tomada de consciência mais imediata. Hannah Arendt
propunha uma definição em a Condição do Homem Moderno que diz que: a narrativa
tem por função dizer o “quem da ação”. De fato, quando você quer se apresentar a um
amigo, você começa contando-lhe uma pequena história: “eu vivi dessa forma, eu vivi
daquela forma”, como uma maneira de se identificar, no sentido de fazer-se conhecer
como você é ou pensa ser. Em suma, o contato do viver-junto começa pelas narrativas
de vida que trocamos. Essas narrativas somente ganham sentido no intercâmbio das
memórias, das vivências e dos projetos. O paralelismo, nesse nível de pré-compreensão
entre a prática do tempo e a do espaço, é notável. Antes de realizar qualquer projeto
arquitetônico, o homem construiu porque ele habitou. A esse respeito, nada adiante se
perguntar se habitar precede o construir. Há inicialmente um construir, pode-se dizer,
que está colado à necessidade vital de habitar. É, portanto, do complexo habitar-
construir que se deve partir, pronto a se dar, mais tarde, prioridade ao construir, ao
plano da “configuração”, e, talvez de novo, ao habitar, ao plano da “refiguração”. Pois é
justamente o habitar que o projeto arquitetônico redesenha e que nós vamos reler.
Certos autores marcados pela psicanálise vêem no “envolvimento” a origem do ato
arquitetural e no “englobamento”, a função original do espaço arquitetônico: paraíso
perdido. Do berço ao quarto, ao bairro, à cidade, poder-se-ia seguir o cordão umbilical
rompido pelo arrancamento que é o nascimento. Mas é apenas a nostalgia que impediria
de viver. Aberturas e distâncias romperam o charme, desde o instante do acesso ao ar
livre, e é com esse ar livre que se deve negociar a partir de agora. No entanto, não se
abandona o nível vital e, nesse sentido, pré-arquitetural que caracteriza o habitar-
construir como estando marcado pelo mundo da vida – o Lebenswelt – por uma
diversidade de operações que exigem o artifício arquitetural: proteger o habitat com um
teto, delimita-lo com paredes, regular as relações entre o dentro e o fora com um jogo de
aberturas e fechaduras, significar com uma entrada a transposição dos limites, esboçar
com uma especialização das partes do habitat, em superfície e em elevação, a
designação dos distintos lugares de vida, portanto, de atividades diferenciadas da vida
cotidiana, e em primeiro lugar o ritmo da vigília e do sono com um tratamento
apropriado, embora sumário, do jogo de sombra e luz. Isso não é tudo. Ainda não se
sublinhou em nada as operações do construir que cercam o ato de permanecer, de parar
e de se fixar, que os próprios nômades não ignoram, ato de ser vivo já nascido, longe da
matriz e em busca de um sítio ao ar livre. Ainda não foram nomeadas as operações de
circulação, de ir e vir, que exigem realizações complementares às que visam fixar o
abrigo: o caminho, a estrada, a rua, a praça também contêm construir, na medida em que
os atos que eles guiam fazem parte e eles também do ato de habitar. Habitar implica
ritmos de paradas e de movimentos, de fixação e de deslocamentos. O lugar não é
somente a cavidade onde se fixar, como o definia Aristóteles (a superfície interior do
envelope), mas também o intervalo a percorrer. A cidade é o primeiro envelope dessa
dialética do abrigo e do deslocamento. Vê-se, assim, nascer simultaneamente a demanda
de arquitetura e a demanda de urbanismo, pois a casa e a cidade soam contemporâneas
no habitar-construir primordial. Assim, como o espaço interior da residência tende a se
diferenciar, o espaço exterior do ir-e-vir tende a se especializar em função das
atividades sociais diferenciadas; nesse sentido, um estado “natural” do homem não pode
ser encontrado: está sempre sobre a linha de fratura e de sutura da natureza e da cultura
que o homem considerado “primitivo” se deixa encontrar. O que ocorre com o
paralelismo entre narratividade e arquitetura, nesse plano da prefiguração? Quais sinais
de referência da narrativa preliterária ao espaço habitado se pode discernir?
Inicialmente, toda história de vida se desenrola em um espaço de vida. A inscrição da
ação no curso das coisas consiste em marcar o espaço com eventos que
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afetam a disposição espacial das coisas. Em seguida, e principalmente, a narrativa de
conversação não se limita a uma troca de memórias, mas é co-extensiva a percursos de
lugar em lugar. Invocou-se, anteriormente, a Proust: a igreja de Combray e´, de algum
modo, o monumento de memória. O que Hannah Arendt chamava “espaço público de
aparição” não é apenas o espaço metafórico de palavras trocadas, mas o espaço material
e terreno. Inversamente, sela ele espaço de fixação ou espaço de circulação, o espaço
construído consiste em um sistema de gestos, de ritos para as interações maiores da
vida. Os lugares são locais onde algo se passa, onde algo chega, onde mudanças
temporais seguem trajetos efetivos ao longo dos intervalos que separam e ligam os
lugares. Guardei em mente a idéia de chronotope, construída por Bakhtin, com o topos –
o lugar, o sítio e, chronos, o tempo. Com isso, eu gostaria de mostrar que aquilo que se
constrói em minha exposição e em nossa história é justamente esse espaço-tempo
contado e construído. A idéia desenvolvida por Evelina Calvi em seu ensaio Tempo e
Progetto: L’Architettura comme narrazione é a que adotei aqui.
A configuração
O segundo estágio da narrativa, que chamo de configuração, é aquele em que o ato de
contar liberta-se do contexto da vida cotidiana e invade a esfera da literatura. Há
inicialmente uma inscrição pela escrita, depois pela técnica narrativa. Vamos ver qual
libertação corresponde, pelo lado de construir, a essa elevação da narrativa da vida
cotidiana ao nível da literatura. Mas eu me deterei, em primeiro lugar, nos traços
principais da narrativa literária, cujo equivalente procurarei. Retive três idéias, que
constituem, aliás, uma progressão no ato de contar. A primeira, que eu havia situado no
centro de uma análise precedente, é a colocação-em-intriga (aquilo que Aristóteles
nomeou como mythos, onde o aspecto ordenado é mais acentuado que o aspecto
fabuloso). Ela consiste em fazer uma história com eventos, portanto em reunir em uma
trama – em italiano se usa uma palavra muito correta: intreccio, a trança. Essa trança,
essa intriga, permite não apenas reunir eventos, mas também aspectos da ação e, em
particular, maneiras de produzi-la, com causas, motivos para agir e também acasos. É
Paul Veyne quem, em sua descrição da história, reúne essas três noções: causa, motivo
ou razão, e acaso. Tudo isso está contido no ato de fazer-narrativa. Trata-se, portanto, de
transformações reguladas. De fato, pode-se dizer que uma narrativa vai transformar uma
situação inicial em uma situação final através de episódios. Ocorre aí uma dialética –
cujo paralelismo interessante com o construir veremos em breve – entre a
descontinuidade de algo que acontece de repente e a continuidade da história que se
segue através dessa descontinuidade. Adotei, então, a idéia da relação entre
concordância-discordância. Toda narrativa contém uma espécie de concordância-
discordância, a narrativa moderna acentuando talvez a discordância às custas da
concordância, mas sempre no interior de uma certa unidade – seja unicamente o fato de
haver uma primeira e uma última página no romance, mesmo que ele seja tão
desconstruído quanto o romance moderno; sempre há uma primeira e uma última
palavra. Segunda idéia depois da colocação-em-intriga: a inteligibilidade, a conquista da
inteligibilidade, pois as narrativas de vida são naturalmente confusas. Retive as análises
de um juiz alemão constatando, quando confrontado a clientes, a acusadores, a
acusados, o caráter inextricável das histórias. Ele havia dado ao seu livro o título de
Embaralhados nas histórias, que meu amigo Jean Gresch traduziu por Enrolados nas
histórias. A narratividade é, pois, uma tentativa de esclarecimento do inextricável; está
aí toda a função dos modos narrativos, dos tipos de intriga. Como resultado, tudo o que
será relativo ao procedimento, ao artifício do contado, é objeto da narratologia. Essa
ciência da narrativa só é possível na medida me que é realizado um primeiro trabalho
reflexivo sobre o que acontece, sobre os eventos, pela colocação-em-intriga, mas
também pelos arquétipos que são os modelos narrativos. A terceira idéia que retenho é a
de intertextualidade. A literatura
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consiste justamente em pôr lado a lado, em confrontar textos que são distintos uns dos
outros, mas que mantêm relações que podem ser muito complicadas com o tempo – de
influências, entre outras, mas também de distanciamento -, em uma genealogia da
escrita assim como na contemporaneidade. Sobre as prateleiras de uma biblioteca, o
mais chamativo na classificação por ordem alfabética é o caráter gritante da vizinhança
de dois livros. Veremos que a cidade é freqüentemente dessa natureza: de uma grande
intertextualidade, que pode às vezes tornar-se um grito de oposição. Penso que é sobre
essa intertextualidade que se estabelece todo tipo de operações cada vez mais
sofisticadas na narrativa moderna. a introdução do que se chama as tropes – ou seja, as
figuras de estilo, a ironia, o insignificante, a provocação e, portanto, a possibilidade não
apenas de construir, mas de desconstruir – é, mo limite, um tipo de uso puramente
lúdico da linguagem que se celebra a si mesma, distante das coisas. Em especial, o novo
romance, espécie de laboratório de experimentação, ao se afastar – talvez demais – das
constantes reputadas da narrativa, foi exploratório. Para resumir, o ato de configuração
possui uma tripla estrutura: de um lado, a colocação-em-intriga, que chamei de “síntese
do heterogêneo”; de outro, a inteligibilidade, a tentativa de esclarecer o inextricável; por
último, a confrontação de diversas narrativas, lado a lado, contra ou umas depois das
outras, ou seja, intertextualidade. Essa “configuração” do tempo pela narrativa literária é
um bom guia para interpretar a “configuração” do espaço pelo projeto arquitetônico.
Muito mais do que um simples paralelismo entre dois atos poéticos, trata-se de uma
exibição da dimensão temporal e narrativa do projeto arquitetônico. No horizonte dessa
investigação encontra-se, como sugerido acima, a manifestação de um espaço-tempo no
qual intercambiam-se os valores narrativos e arquiteturais. Para a clareza dialética,
conservei a progressão da análise precedente, desde o primeiro nível do fazer-narrativo
pela intriga até o nível reflexivo de sua celebração do logos, do ato poético no lúdico,
passando pelos níveis da intertextualidade e da racionalidade narratológica. Ao longo
desse eixo vertical, veremos o paralelismo se estreitar, a ponto de se tornar legitimo
falar de narratividade arquitetural. No primeiro nível, o do fazer arquitetural, portanto
paralelo à colocação-em-intriga, a característica principal do ato “configurador”, a
saber, a síntese temporal do heterogêneo, tem seu equivalente naquilo que eu proporia
chamar de uma síntese espacial do heterogêneo. Observou-se que a plasticidade da
construção compõe diversas variáveis relativamente independentes: as células de
espaço, as formas massas, as superfícies limites. O projeto arquitetônico visa, assim, a
criar objetos em que esses diversos aspectos encontram uma unidade suficiente. Ele não
vai até a idéia de concordância discordante, que não tem sua réplica nas regularidades
irregulares que fazem, de algum modo, hesitar a ordem. Uma obra arquitetônica é, dessa
forma, uma mensagem polifônica oferecida a uma leitura ao mesmo tempo englobadora
e analítica. O mesmo vale para a colocação-em-intriga que, como vimos, não reúne
apenas eventos, mas também pontos de vista, a título de causa, de motivos e de acasos.
A colocação-em-intriga estava assim a caminho de sua transposição do tempo ao espaço
pela produção de uma quase-simultaneidade de seus componentes. A reciprocidade
entre o todo e a parte e a circularidade hermenêutica da interpretação que dela resultava
tem sua contrapartida exata nas implicações mútuas dos componentes da arquitetura.
Por outro lado, a narrativa fornece sua temporalidade exemplar ao ato de construir, de
configurar o espaço. Significa pouco dizer que operação de construir leva tempo. Deve-
se acrescentar que cada prédio novo apresenta em sua construção (ao mesmo tempo ato
e resultado do ato) a memória petrificada do edifício se construindo. O espaço
construído é tempo condensado. Essa incorporação do tempo ao espaço torna-se ainda
mais manifesta se considerarmos o trabalho simultâneo de “configuração” do ato de
construir e aquele do ato de habitar: as funções de habitação são continuamente
“inventadas”, nos dois sentidos da palavra
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(encontrar e criar), ao mesmo tempo que as operações de construção inscritas na
plasticidade do espaço arquitetônico. Pode-se dizer que, ao mesmo tempo, modelam-se
o ato de habitar e a construção resultantes do ato de construir. A referência de umas às
outras das funções de habitação e das formações construtivas consiste em um
movimento e em uma cadeia de movimentos da inteligência arquitetural investida na
mobilidade do olhar que percorre a obra. Da narrativa ao edifício, é a mesma intenção
de coerência discordante que habita a inteligência do narrador e a do construtor, a qual –
diremos mais adiante – recorda a do leitor de signos inscritos. Segundo paralelo no nível
da “configuração”: o que eu havia chamado a inteligibilidade, a passagem do
inextricável ao compreensível. É a mesma inscrição que transporta o ato “configurador”
da narrativa em direção ao espaço, a inscrição em um objeto que dura em virtude de sua
coesão, de sua coerência (narrativa, arquitetural). Se é a escrita que confere duração à
coisa literária, é a dureza do material que garante a duração da coisa construída.
Duração, dureza: essa assonância foi muitas vezes percebida e comentada. A partir daí
pode-se passar a um segundo nível, já reflexivo, para se ter a medida da vitória
provisória sobre o efêmero, marcada pelo ato de edificar. No primeiro nível de
reflexividade, temporalidade concerne a história da composição arquitetônica.
Entretanto, eu não vou falar aqui da história escrita sobre arquitetura, mas da
historicidade que o fato de que cada novo edifício surja em meio a prédios já
construídos, que apresentam o mesmo caráter de sedimentação que o “espaço” literário,
confere ao ato “configurativo”. Assim como a narrativa tem seu equivalente no edifício,
o fenômeno da intertextualidade tem o seu na rede dos edifícios que há estão aí que
contextualizam o novo edifício. A historicidade própria dessa contextualização deve ser,
uma vez mais, bem distinguida de uma história científica retrospectiva. Trata-se da
historicidade do próprio ato de inscrever um novo prédio em um espaço já construído
que coincide amplamente com o fenômeno da cidade, a qual revela um ato
“configurador” relativamente distinto segundo a diferenciação entre arquitetura e
urbanismo. É no interior desse ato de inscrição que se dá a relação entre inovação e
tradição. Assim como escritor escreve “depois”, “de acordo” ou “contra”, cada
arquitetura se determina em relação a uma tradição estabelecida. E, na medida que o
contexto construído guarda em si o traço de todas as histórias de vida que forjaram o ato
de habitar dos outros citadinos de outrora, o novo “configurador” projeta novas
maneiras de habitar que virão se inserir no emaranhado dessas histórias de vidas já
realizadas. Uma nova dimensão é, assim, dada à luta contra o efêmero: ela não está mais
contida em cada edifício, mas entre suas relações. Pois é necessário falar de destruir e
de reconstruir. Não foi apenas por ódio que se destruíram símbolos de uma cultura, mas
também por negligencia, por desprezo ou desconhecimento, para substituir o que deixou
de agradar por aquilo que o novo gosto sugere ou impõe. Mas também se reparou,
conservou e reconstruiu piamente, às vezes de forma idêntica, principalmente na Europa
do Leste, após as grandes destruições das guerras do século XX – penso em Dresden. O
efêmero não está apenas na natureza, ao que a arte superpõe sua duração e dureza; ele
está também na violência da história, e ameaça a partir do interior o projeto
arquitetônico tomado em sua dimensão “histórica” própria, especialmente o final deste
terrível século XX, com todas suas ruínas que estão para ser integradas à história em
andamento – aliás, encontram-se belas reflexões de Heidegger, antes da Segunda Guerra
Mundial, sobre a ruína, na linha do romantismo alemão. Outras reflexões feitas sobre o
modo menor por alguns intérpretes do projeto arquitetônico, aproximando-se das idéias
de traço, de resíduo, de ruína, podem se autorizar quanto ao espetáculo da, precariedade
nova, oferecido a todos os olhos, o qual a história acrescenta à vulnerabilidade comum a
todas as coisas desse mundo. No nível mais alto de reflexividade ao qual passamos
agora – aquele em que eu havia conduzido a narrativa em direção ao lúdico -, a
arquitetura apresenta um nível de teorização absolutamente comparável àquele em que,
quanto à narrativa, a racionalidade se transforma em jogo razoável. Pode-se até mesmo
dizer que a composição arquitetônica jamais deixou de estimular a especulação, a
história intervindo agora no nível dos valores formais que opõem
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um estilo a outro. O que dá a esses conflitos de escola um contorno particularmente
dramático é o fato de a teorização não dizer respeito unicamente ao ato de construir,
mas também a sua relação presumida com o ato de habitar e com as necessidades
supostamente responsáveis por este último. Pode-se, assim, fazer duas leituras
diferentes das doutrinas em competição. Primeira leitura: as preocupações formais
prevalecendo em tal estilo, de tal escola, estão próximas do estruturalismo em
narratologia, portanto do formalismo. O risco, então, é que as preocupações ideológicas
do construtor sejam mais importantes que as expectativas e as necessidades derivadas
do ato de habitar. É principalmente na “configuração” da Cidade que se pode ler,
através de seu espaço organizado de um modo representativo, a história sedimentada
das formas culturais. A monumentalidade assume, então, sua significação etimológica
maior, que aproxima monumento de documento. Ora, essa primeira leitura não se limita
à interpretação das “configurações” sedimentadas do passado. Ela se projeta também no
futuro da arte de construir, naquilo que merece precisamente o título de projeto
arquitetônico. É assim que, em um passado ainda recente, do qual os construtores atuais
se esforçam em se afastar, os membros da escola de Bauhaus, os fiéis a Mies van der
Rohe, os de Le Corbusier pensaram sua arte de construtores em ligação com os valores
de civilização aos quais eles aderiam, em função do lugar que eles conferiam a sua arte
dentro da história da cultura. Segunda leitura: o formalismo conceitual encontra seu
limite nas representações dos teóricos quanto às necessidades das populações. De certa
forma, essa preocupação jamais esteve ausente; mas, em um passado ainda próximo,
eram apenas consideradas as expectativas de uma categoria de habitantes (príncipes,
dignitários religiosos e depois os grandes burgueses) e as necessidades de visibilidade
gloriosa das instituições dominantes. A época contemporânea é marcada pela atenção às
massas humanas, à multidão que tem acesso, elas também ou por sua vez, à visibilidade,
mas sob o signo da dignidade do que sob o da glória; mas não se deve concluir que essa
abordagem do projeto arquitetônico é menos ideológica que a precedente, na medida em
que é muito freqüentemente a representação que os “competentes” têm da necessidade
de habitar de tais massas que direciona a especulação sobre o destino da arquitetura – e,
infelizmente, as grandes torres são o sinal disso. Isso explica a reação em sentido
inverso daqueles que preconizam um retorno à arquitetura pura, desligada de toda
sociologia e de toda psicologia social, ou seja, de toda ideologia. Encontramo-nos,
então, diante de uma reivindicação perfeitamente comparável àquela que os teóricos do
novo romance fizeram – na celebração da linguagem – para sua própria glória, tendo as
“palavras” se dissociado sem volta das “coisas” e a representação dando lugar ao jogo.
Desse modo, narratividade e arquitetura seguem rumos históricos semelhantes.
A “refiguração”
Terminarei com algumas reflexões sobre o que, em minhas categorias literárias, chamei
de “refiguração”, e da qual eu gostaria de mostrar o paralelo pelo lado da arquitetura.
Com esse terceiro componente (que é leitura, pelo lado da narrativa), a aproximação
entre a narrativa e a arquitetura se torna mais estreito, até o ponto em que o tempo
contado e o espaço construído intercambiam seus significados. Tomemos primeiro o
partido da narrativa. Deve-se dizer que ele não conclui seu trajeto no interior do texto,
mas em seu vis-à-vis: o leitor, esse protagonista esquecido do estruturalismo. É a
estética da recepção, instaurada por H. R. Jauss e a escola de Constance, que devemos
esse deslocamento de acentuação da escrita para a leitura. A negação de
referencialidade pelos teóricos instruídos por Sausurre encontra-se, assim, compensado
pelo reconhecimento da dialética entre escrita e leitura, pois se trata, sim, de dialética:
retomado e assumido no ato de ler, o texto desenvolve sua capacidade de iluminar ou de
esclarecer a vida do leitor; ele tem, ao mesmo tempo, o poder de descobrir, de revelar.
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o escondido, o não-dito de uma vida subtraída a exame socrático, mas também aquele
de transformar a interpretação banal que faz o leitor segundo a inclinação do dia-a-dia.
Revelar (em um sentido de verdade ao qual Heidegger nos tornou sensíveis), mas
também transformar, eis o que traz o texto fora de si próprio. Mas essa dialética possui
duas entradas: pois o leitor vem ao texto com suas expectativas próprias, e essas
expectativas são afrontadas, confrontadas às proposições de sentido do texto na leitura,
qual pode percorrer todas as fases, desde a recepção passiva, ou mesmo cativa (madame
Bovary, leitora de romances ruins!), até a leitura reticente, hostil, colérica, vizinha da
rejeição escandalizada, passando pela leitura ativamente cúmplice. Gostaria de dizer que
é a favor dessa leitura agonística que a própria intertextualidade é encarada como um
grande desafio: o que era um problema de posicionamento em relação aos seus pares,
para o criador torna-se um problema de leitura plural, polêmica, para o amador. Vê-se
desde já qual abertura se apresenta pelo lado do possível, na compreensão de si. Com
relação ao construído, encontramos, ao mesmo tempo, a possibilidade de ler e reler
nossos lugares de vida a partir de nossa maneira de habitar. Direi imediatamente que a
força do modelo de leitura é grande para reavaliar o ato de habitar. Sob o título de
“prefiguração”, habitar e construir ficaram empatados, sem que se possa dizer qual
precede ao outro. Sob o título de “configuração”, é o ato de construir que teve vantagem
sob forma de projeto arquitetônico, ao qual se pode criticar de ser inclinado a não
reconhecer as necessidades dos habitantes ou a projetar essas necessidades acima de
suas cabeças. A partir de agora se deve falar do habitar como resposta ou, até mesmo,
como contestação, ao construir, sobre o modelo do ato agonístico de leitura, pois não
basta que um projeto arquitetônico seja bem pensado, ou mesmo tido como racional,
para que ele sela compreendido e aceito. Todos os planejadores deveriam aprender que
um abismo pode separar as regras de racionalidade de um projeto – aliás, isso vale para
toda a política – das regras de recepção por um público. Deve-se, portanto, aprender a
considerar o ato de habitar como um centro não apenas de necessidades, mas também de
expectativas. E a mesma gama de respostas que podem ser percorridas daqui a pouco:
da recepção passiva, indiferente, sofrida, indiferente à recepção hostil e indignada –
mesmo a da torre Eiffel, a sua época! Habitar como réplica de construir. E da mesma
forma que a recepção do texto literário inaugura o experimento de uma leitura plural, de
uma acolhida paciente feita à intertextualidade, também o habitar receptivo e ativo
implica uma releitura atenta do ambiente urbano, uma nova reaprendizagem contínua da
sobreposição dos estilos e, portanto, também das histórias de vida das quais todos os
edifícios e monumentos carregam traços. Fazer com que esses traços não sejam apenas
resíduos, mas testemunhos reatualizados do passado que não é mais, mas que foi, fazer
com que o ter-sido do passado seja salvo a despeito de seu não-ser-mais; isto é o que
pode a “pedra” que dura. Enfim, diria que o que reconstruímos é a idéia, que se tornou
banal, de “lugar de memória”, mas como composição pensada, refletida, do espaço e do
tempo. Trata-se, na verdade, de memórias de épocas diferentes que são recapituladas e
mantidas em reserva nos lugares onde elas estão inscritas. E esses lugares de memória
exigem um trabalho de memória, no sentido em que Freud opõe tal trabalho à repetição
obsessiva, a qual chama compulsão de repetição, onde a leitura plural do passado é
aniquilada e o equivalente espacial da intertextualidade é tornado impossível. O mesmo
ocorre tanto com a coisa construída quanto com a literária. Nos dois casos há
competição entre os dois tipos de memória. Para a memória-repetição, nada vale mais
do que o conhecido; o novo é odioso. Para a memória-reconstrução, o novo deve ser
acolhido com curiosidade e com o cuidado de reorganizar o antigo a fim de dar espaço a
esse novo. Trata-se, nada menos, de desfamiliarizar o familiar e de familiarizar o não-
familiar. É com essa leitura plural de nossas cidades que gostaria de terminar, mas não
sem antes ter dito que o trabalho de memória – prefiro, de longe, a expressão “trabalho
de memória” à “dever
9
de memória”, pois não vejo por que a memória seria um dever, enquanto que o trabalho
de memória é uma exigência de vida – não é possível sem um trabalho de luto. Fiz
alusão às grandes ruínas da Europa da metade do século; não são simplesmente
monumentos perdidos, nem mesmo vidas perdidas, são também épocas; e o que está
perdido é o modo de compreender de outrora. É necessário, portanto, fazer o luto da
compreensão total e admitir que há o inextricável na leitura de nossas cidades. Elas
alternam a glória e a humilhação, a vida e a morte, os eventos fundadores mais violentos
e a doçura de viver. É essa grande recapitulação que realizamos ao fazer sua leitura.
Deixo uma última palavra a um pensador que admiro profundamente, Walter Benjamin.
Em Paris, capital do século XX, ele escreve que: ”o flâneur procura um refúgio em meio
à multidão. A multidão é o véu através do qual a cidade familiar se transforma em
fantasmagoria”. Sejamos os flâneurs dos lugares da memória

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Arquitetura, narrativa e memória

  • 1. 1 Arquitetura e narratividade Paul Ricoeur, in: Urbanisme, n.303, nov/dez 1998, pp. 44-51. A cidade e a arquitetura são narrativas que se conjugam no passado, presente e futuro. Quem mais do que Paul Ricoeur, filósofo atento ao “trabalho da memória”, poderia abrir este debate; “abrir”, isto é, nos acompanhar nesse caminho que leva a uma clareira, como diria Heidegger. Mas a narrativa subentende a narração, a qual exige, ela própria, a interpretação. A memória das pedras fala tanto quanto a dos textos? Paul Ricoeur nos propõe sua leitura dessas memórias, que vivificam para sempre o passado de nosso presente. Como o tema que me foi atribuído é a memória, vou começar explicando como relaciono memória e narratividade. Adoto a definição mais geral de memória – a que se encontra em um pequeno texto de Aristóteles intitulado precisamente Da memória e da reminiscência, e que retoma, aliás, notas, e em especial do Teeteto de Platão, sobre o êikon, a imagem: “tornar presente a ausência”, “tornar presente o ausente”; assim como a nota que distingue dois ausentes; o ausente que como simples irreal, que seria, portanto, o imaginário, e o ausente-que-foi, o precedente, o anterior, o proteron. Esse último é, para Aristóteles, a marca distintiva da memória quanto à ausência. Trata-se, pois, de tornar presente a ausência-que-foi. Eu encontrei uma grande cumplicidade de pensamento nos dois extremos de nossa história do Ocidente, entre os Antigos – com essa idéia da ausência tornada presente e da anterioridade – e uma proposição de Heidegger que me é cara, não importando minha distância de seu pensamento sobre o “ser-para-a-morte”: a idéia que diz que devemos desdobrar nosso conceito do passado naquilo em que ele chama de “completado” (“realizado”), o Vergangen, e o-que-foi, o Gewissen. Ao mesmo tempo, faz-se justiça com a definição dos Antigos, pois o anterior-feito-presente é duplamente marcado gramaticalmente: ele não é mais, mas ele foi. E me parece que a glória da arquitetura é tornar presente não aquilo que não é mais, mas aquilo que foi através do que não é mais. A narratividade O que ocorre com a narratividade? Havia-me parecido, em trabalhos de uma década atrás, em Temps et Récit, que a memória era levada ao mesmo tempo à linguagem e a obras pela narrativa, pelo pôr-em-narrativa. A passagem da memória à narrativa impõe- se assim: lembrar-se, de forma privada assim como de forma pública, é declarar que “eu estava lá”. O testemunho diz: “eu estava lá”. E esse caráter declarativo da memória vai se inscrever nos testemunhos, nas atestações, mas também numa narrativa pela qual eu digo aos outros o que eu vivi.
  • 2. Adoto, pois, dois pressupostos em minha reflexão: por um lado, tornar presente a anterioridade que foi e, por outro, estabelecê-la pelo discurso, mas também por uma operação fundamental de narrativa que identifico como “configuração”. Inicialmente, gostaria de estabelecer uma analogia, ou melhor, o que parece ser, à primeira vista, nada mais do que uma analogia: um paralelismo estreito entre arquitetura e narratividade, no qual a arquitetura seria para o espaço o que a narrativa é para o tempo, a saber, uma operação “configurante”; um paralelismo entre, por um lado, construir, portanto, edificar no espaço e, por outro, contar, criar uma intriga no tempo. Ao longo dessa análise eu me perguntarei se não é necessário levar a analogia muito mais longe, até um verdadeiro entrecruzamento, um embaralhamento entre a “configuração” arquitetural do tempo e a “configuração” narrativa do tempo. Em outras palavras, trata-se de cruzar espaço e tempo através do construir e do contar. Tal é o horizonte dessa investigação: embaralhar a espacialidade da narrativa e a temporalidade do ato arquitetural pelo intercâmbio, de certa forma, entre espaço- tempo nas duas direções. Poder-se-á assim 2 encontrar, ao final, sob a condução da temporalidade do ato arquitetural, a dialética da memória e do projeto no próprio seio dessa atividade. E mostrarei, sobretudo na última parte de minha apresentação, quanto a narrativa projeta no futuro o passado rememorado. Tempo narrado e espaço construído Voltemos ao ponto da simples analogia. Nada é evidente, pois um abismo parece separar o projeto arquitetural inscrito na pedra, ou em qualquer outro material duro, da narratividade literária inscrita na linguagem: um se situaria no espaço, o outro no tempo. De um lado, a narrativa oferecida à leitura, de outro, a construção entre o céu e a terra e oferecida à visibilidade, dada a ser vista. No início, a distância ou o “abismo lógico” parece ser entre espaço narrado e espaço construído. Mas nós podemos progressivamente reduzi-lo, permanecendo ainda no paralelismo, notando que o tempo da narrativa e o espaço da arquitetura não se limitam a simples frações do tempo universal e do espaço dos geometristas. O tempo da narrativa se estende ao ponto de ruptura e de sutura entre o tempo físico e o tempo psíquico, esse último descrito por Agostinho nas Confissões com “distendido”, estiramento da alma entre o que ele chamava o presente do passado – a memória -, o presente do futuro – a espera -, e o presente do presente – a atenção. O tempo da narrativa é, portanto, um misto desse tempo vivido e daquele dos relógios, tempo cronológico enquadrado pelo tempo do calendário com, atrás de si, toda a astronomia. Na base desse tempo narrativo, há esse misto do simples instante, que é um corte no tempo universal, e do presente vivo onde não há senão um presente: agora. Da mesma forma, o espaço construído é uma espécie de misto entre lugares de vida que rodeiam o corpo vivo e um espaço geométrico de três dimensões, no qual todos os pontos são lugares quaisquer. Ele também é, poder-se-ia dizer, ao mesmo tempo talhado no espaço cartesiano, no espaço geométrico, onde todos os pontos podem ser, graças às coordenadas cartesianas, deduzidas de outros pontos, e
  • 3. lugar de vida, sítio. À semelhança do presente, que é o centro do tempo narrativo, o sítio é o centro do espaço que se cria, que se constrói. É nesse duplo enraizamento, nessa inscrição paralela em um tempo misto e num espaço misto que eu gostaria de me basear. Situo toda minha análise sob as três rubricas sucessivas que percorri em Temps et Récit, o que eu havia posto sob o título muito antigo de mimesis – portanto, de re-criação, de representação criadora – partindo de um estágio que nomeio “prefiguração”, aquele em que a narrativa está engajada na vida cotidiana, na conversa, ainda sem se separar dela para produzir formas literárias. Passarei, em seguida, ao estágio de um tempo realmente construído, de um tempo narrado, que será o segundo momento lógico: a “configuração”. E terminarei por aquilo que chamei, na situação de leitura e de releitura, a “refiguração”. Seguirei um movimento paralelo pelo lado do construir, para mostrar que podemos também passar de um momento, de um estágio da “prefiguração” – que vai ligado à idéia, ao ato de habitar – há aí uma ressonância heideggeriana (habitar e construir) – a um segundo estágio, mais manifestadamente intervencionista, do ato de construir, para reservar, finalmente, um terceiro estágio de “refiguração”: a releitura de nossas cidades e de todos nossos lugares de habitação. A “prefiguração” A narrativa, no estágio da prefiguração, é praticada muito antes de ser posta em forma literária, seja pela história dos historiadores, seja pela ficção literária, desde a epopéia, a tragédia, até o romance moderno. A prefiguração é, portanto, a “intromissão” na narrativa na vida, sob a forma da conversação ordinária. Nesse estágio, a narrativa está realmente 3 implicada em nossa própria tomada de consciência mais imediata. Hannah Arendt propunha uma definição em a Condição do Homem Moderno que diz que: a narrativa tem por função dizer o “quem da ação”. De fato, quando você quer se apresentar a um amigo, você começa contando-lhe uma pequena história: “eu vivi dessa forma, eu vivi daquela forma”, como uma maneira de se identificar, no sentido de fazer-se conhecer como você é ou pensa ser. Em suma, o contato do viver-junto começa pelas narrativas de vida que trocamos. Essas narrativas somente ganham sentido no intercâmbio das memórias, das vivências e dos projetos. O paralelismo, nesse nível de pré-compreensão entre a prática do tempo e a do espaço, é notável. Antes de realizar qualquer projeto arquitetônico, o homem construiu porque ele habitou. A esse respeito, nada adiante se perguntar se habitar precede o construir. Há inicialmente um construir, pode-se dizer, que está colado à necessidade vital de habitar. É, portanto, do complexo habitar- construir que se deve partir, pronto a se dar, mais tarde, prioridade ao construir, ao plano da “configuração”, e, talvez de novo, ao habitar, ao plano da “refiguração”. Pois é justamente o habitar que o projeto arquitetônico redesenha e que nós vamos reler. Certos autores marcados pela psicanálise vêem no “envolvimento” a origem do ato arquitetural e no “englobamento”, a função original do espaço arquitetônico: paraíso perdido. Do berço ao quarto, ao bairro, à cidade, poder-se-ia seguir o cordão umbilical
  • 4. rompido pelo arrancamento que é o nascimento. Mas é apenas a nostalgia que impediria de viver. Aberturas e distâncias romperam o charme, desde o instante do acesso ao ar livre, e é com esse ar livre que se deve negociar a partir de agora. No entanto, não se abandona o nível vital e, nesse sentido, pré-arquitetural que caracteriza o habitar- construir como estando marcado pelo mundo da vida – o Lebenswelt – por uma diversidade de operações que exigem o artifício arquitetural: proteger o habitat com um teto, delimita-lo com paredes, regular as relações entre o dentro e o fora com um jogo de aberturas e fechaduras, significar com uma entrada a transposição dos limites, esboçar com uma especialização das partes do habitat, em superfície e em elevação, a designação dos distintos lugares de vida, portanto, de atividades diferenciadas da vida cotidiana, e em primeiro lugar o ritmo da vigília e do sono com um tratamento apropriado, embora sumário, do jogo de sombra e luz. Isso não é tudo. Ainda não se sublinhou em nada as operações do construir que cercam o ato de permanecer, de parar e de se fixar, que os próprios nômades não ignoram, ato de ser vivo já nascido, longe da matriz e em busca de um sítio ao ar livre. Ainda não foram nomeadas as operações de circulação, de ir e vir, que exigem realizações complementares às que visam fixar o abrigo: o caminho, a estrada, a rua, a praça também contêm construir, na medida em que os atos que eles guiam fazem parte e eles também do ato de habitar. Habitar implica ritmos de paradas e de movimentos, de fixação e de deslocamentos. O lugar não é somente a cavidade onde se fixar, como o definia Aristóteles (a superfície interior do envelope), mas também o intervalo a percorrer. A cidade é o primeiro envelope dessa dialética do abrigo e do deslocamento. Vê-se, assim, nascer simultaneamente a demanda de arquitetura e a demanda de urbanismo, pois a casa e a cidade soam contemporâneas no habitar-construir primordial. Assim, como o espaço interior da residência tende a se diferenciar, o espaço exterior do ir-e-vir tende a se especializar em função das atividades sociais diferenciadas; nesse sentido, um estado “natural” do homem não pode ser encontrado: está sempre sobre a linha de fratura e de sutura da natureza e da cultura que o homem considerado “primitivo” se deixa encontrar. O que ocorre com o paralelismo entre narratividade e arquitetura, nesse plano da prefiguração? Quais sinais de referência da narrativa preliterária ao espaço habitado se pode discernir? Inicialmente, toda história de vida se desenrola em um espaço de vida. A inscrição da ação no curso das coisas consiste em marcar o espaço com eventos que 4 afetam a disposição espacial das coisas. Em seguida, e principalmente, a narrativa de conversação não se limita a uma troca de memórias, mas é co-extensiva a percursos de lugar em lugar. Invocou-se, anteriormente, a Proust: a igreja de Combray e´, de algum modo, o monumento de memória. O que Hannah Arendt chamava “espaço público de aparição” não é apenas o espaço metafórico de palavras trocadas, mas o espaço material e terreno. Inversamente, sela ele espaço de fixação ou espaço de circulação, o espaço construído consiste em um sistema de gestos, de ritos para as interações maiores da vida. Os lugares são locais onde algo se passa, onde algo chega, onde mudanças temporais seguem trajetos efetivos ao longo dos intervalos que separam e ligam os
  • 5. lugares. Guardei em mente a idéia de chronotope, construída por Bakhtin, com o topos – o lugar, o sítio e, chronos, o tempo. Com isso, eu gostaria de mostrar que aquilo que se constrói em minha exposição e em nossa história é justamente esse espaço-tempo contado e construído. A idéia desenvolvida por Evelina Calvi em seu ensaio Tempo e Progetto: L’Architettura comme narrazione é a que adotei aqui. A configuração O segundo estágio da narrativa, que chamo de configuração, é aquele em que o ato de contar liberta-se do contexto da vida cotidiana e invade a esfera da literatura. Há inicialmente uma inscrição pela escrita, depois pela técnica narrativa. Vamos ver qual libertação corresponde, pelo lado de construir, a essa elevação da narrativa da vida cotidiana ao nível da literatura. Mas eu me deterei, em primeiro lugar, nos traços principais da narrativa literária, cujo equivalente procurarei. Retive três idéias, que constituem, aliás, uma progressão no ato de contar. A primeira, que eu havia situado no centro de uma análise precedente, é a colocação-em-intriga (aquilo que Aristóteles nomeou como mythos, onde o aspecto ordenado é mais acentuado que o aspecto fabuloso). Ela consiste em fazer uma história com eventos, portanto em reunir em uma trama – em italiano se usa uma palavra muito correta: intreccio, a trança. Essa trança, essa intriga, permite não apenas reunir eventos, mas também aspectos da ação e, em particular, maneiras de produzi-la, com causas, motivos para agir e também acasos. É Paul Veyne quem, em sua descrição da história, reúne essas três noções: causa, motivo ou razão, e acaso. Tudo isso está contido no ato de fazer-narrativa. Trata-se, portanto, de transformações reguladas. De fato, pode-se dizer que uma narrativa vai transformar uma situação inicial em uma situação final através de episódios. Ocorre aí uma dialética – cujo paralelismo interessante com o construir veremos em breve – entre a descontinuidade de algo que acontece de repente e a continuidade da história que se segue através dessa descontinuidade. Adotei, então, a idéia da relação entre concordância-discordância. Toda narrativa contém uma espécie de concordância- discordância, a narrativa moderna acentuando talvez a discordância às custas da concordância, mas sempre no interior de uma certa unidade – seja unicamente o fato de haver uma primeira e uma última página no romance, mesmo que ele seja tão desconstruído quanto o romance moderno; sempre há uma primeira e uma última palavra. Segunda idéia depois da colocação-em-intriga: a inteligibilidade, a conquista da inteligibilidade, pois as narrativas de vida são naturalmente confusas. Retive as análises de um juiz alemão constatando, quando confrontado a clientes, a acusadores, a acusados, o caráter inextricável das histórias. Ele havia dado ao seu livro o título de Embaralhados nas histórias, que meu amigo Jean Gresch traduziu por Enrolados nas histórias. A narratividade é, pois, uma tentativa de esclarecimento do inextricável; está aí toda a função dos modos narrativos, dos tipos de intriga. Como resultado, tudo o que será relativo ao procedimento, ao artifício do contado, é objeto da narratologia. Essa ciência da narrativa só é possível na medida me que é realizado um primeiro trabalho reflexivo sobre o que acontece, sobre os eventos, pela colocação-em-intriga, mas
  • 6. também pelos arquétipos que são os modelos narrativos. A terceira idéia que retenho é a de intertextualidade. A literatura 5 consiste justamente em pôr lado a lado, em confrontar textos que são distintos uns dos outros, mas que mantêm relações que podem ser muito complicadas com o tempo – de influências, entre outras, mas também de distanciamento -, em uma genealogia da escrita assim como na contemporaneidade. Sobre as prateleiras de uma biblioteca, o mais chamativo na classificação por ordem alfabética é o caráter gritante da vizinhança de dois livros. Veremos que a cidade é freqüentemente dessa natureza: de uma grande intertextualidade, que pode às vezes tornar-se um grito de oposição. Penso que é sobre essa intertextualidade que se estabelece todo tipo de operações cada vez mais sofisticadas na narrativa moderna. a introdução do que se chama as tropes – ou seja, as figuras de estilo, a ironia, o insignificante, a provocação e, portanto, a possibilidade não apenas de construir, mas de desconstruir – é, mo limite, um tipo de uso puramente lúdico da linguagem que se celebra a si mesma, distante das coisas. Em especial, o novo romance, espécie de laboratório de experimentação, ao se afastar – talvez demais – das constantes reputadas da narrativa, foi exploratório. Para resumir, o ato de configuração possui uma tripla estrutura: de um lado, a colocação-em-intriga, que chamei de “síntese do heterogêneo”; de outro, a inteligibilidade, a tentativa de esclarecer o inextricável; por último, a confrontação de diversas narrativas, lado a lado, contra ou umas depois das outras, ou seja, intertextualidade. Essa “configuração” do tempo pela narrativa literária é um bom guia para interpretar a “configuração” do espaço pelo projeto arquitetônico. Muito mais do que um simples paralelismo entre dois atos poéticos, trata-se de uma exibição da dimensão temporal e narrativa do projeto arquitetônico. No horizonte dessa investigação encontra-se, como sugerido acima, a manifestação de um espaço-tempo no qual intercambiam-se os valores narrativos e arquiteturais. Para a clareza dialética, conservei a progressão da análise precedente, desde o primeiro nível do fazer-narrativo pela intriga até o nível reflexivo de sua celebração do logos, do ato poético no lúdico, passando pelos níveis da intertextualidade e da racionalidade narratológica. Ao longo desse eixo vertical, veremos o paralelismo se estreitar, a ponto de se tornar legitimo falar de narratividade arquitetural. No primeiro nível, o do fazer arquitetural, portanto paralelo à colocação-em-intriga, a característica principal do ato “configurador”, a saber, a síntese temporal do heterogêneo, tem seu equivalente naquilo que eu proporia chamar de uma síntese espacial do heterogêneo. Observou-se que a plasticidade da construção compõe diversas variáveis relativamente independentes: as células de espaço, as formas massas, as superfícies limites. O projeto arquitetônico visa, assim, a criar objetos em que esses diversos aspectos encontram uma unidade suficiente. Ele não vai até a idéia de concordância discordante, que não tem sua réplica nas regularidades irregulares que fazem, de algum modo, hesitar a ordem. Uma obra arquitetônica é, dessa forma, uma mensagem polifônica oferecida a uma leitura ao mesmo tempo englobadora e analítica. O mesmo vale para a colocação-em-intriga que, como vimos, não reúne apenas eventos, mas também pontos de vista, a título de causa, de motivos e de acasos.
  • 7. A colocação-em-intriga estava assim a caminho de sua transposição do tempo ao espaço pela produção de uma quase-simultaneidade de seus componentes. A reciprocidade entre o todo e a parte e a circularidade hermenêutica da interpretação que dela resultava tem sua contrapartida exata nas implicações mútuas dos componentes da arquitetura. Por outro lado, a narrativa fornece sua temporalidade exemplar ao ato de construir, de configurar o espaço. Significa pouco dizer que operação de construir leva tempo. Deve- se acrescentar que cada prédio novo apresenta em sua construção (ao mesmo tempo ato e resultado do ato) a memória petrificada do edifício se construindo. O espaço construído é tempo condensado. Essa incorporação do tempo ao espaço torna-se ainda mais manifesta se considerarmos o trabalho simultâneo de “configuração” do ato de construir e aquele do ato de habitar: as funções de habitação são continuamente “inventadas”, nos dois sentidos da palavra 6 (encontrar e criar), ao mesmo tempo que as operações de construção inscritas na plasticidade do espaço arquitetônico. Pode-se dizer que, ao mesmo tempo, modelam-se o ato de habitar e a construção resultantes do ato de construir. A referência de umas às outras das funções de habitação e das formações construtivas consiste em um movimento e em uma cadeia de movimentos da inteligência arquitetural investida na mobilidade do olhar que percorre a obra. Da narrativa ao edifício, é a mesma intenção de coerência discordante que habita a inteligência do narrador e a do construtor, a qual – diremos mais adiante – recorda a do leitor de signos inscritos. Segundo paralelo no nível da “configuração”: o que eu havia chamado a inteligibilidade, a passagem do inextricável ao compreensível. É a mesma inscrição que transporta o ato “configurador” da narrativa em direção ao espaço, a inscrição em um objeto que dura em virtude de sua coesão, de sua coerência (narrativa, arquitetural). Se é a escrita que confere duração à coisa literária, é a dureza do material que garante a duração da coisa construída. Duração, dureza: essa assonância foi muitas vezes percebida e comentada. A partir daí pode-se passar a um segundo nível, já reflexivo, para se ter a medida da vitória provisória sobre o efêmero, marcada pelo ato de edificar. No primeiro nível de reflexividade, temporalidade concerne a história da composição arquitetônica. Entretanto, eu não vou falar aqui da história escrita sobre arquitetura, mas da historicidade que o fato de que cada novo edifício surja em meio a prédios já construídos, que apresentam o mesmo caráter de sedimentação que o “espaço” literário, confere ao ato “configurativo”. Assim como a narrativa tem seu equivalente no edifício, o fenômeno da intertextualidade tem o seu na rede dos edifícios que há estão aí que contextualizam o novo edifício. A historicidade própria dessa contextualização deve ser, uma vez mais, bem distinguida de uma história científica retrospectiva. Trata-se da historicidade do próprio ato de inscrever um novo prédio em um espaço já construído que coincide amplamente com o fenômeno da cidade, a qual revela um ato “configurador” relativamente distinto segundo a diferenciação entre arquitetura e urbanismo. É no interior desse ato de inscrição que se dá a relação entre inovação e tradição. Assim como escritor escreve “depois”, “de acordo” ou “contra”, cada
  • 8. arquitetura se determina em relação a uma tradição estabelecida. E, na medida que o contexto construído guarda em si o traço de todas as histórias de vida que forjaram o ato de habitar dos outros citadinos de outrora, o novo “configurador” projeta novas maneiras de habitar que virão se inserir no emaranhado dessas histórias de vidas já realizadas. Uma nova dimensão é, assim, dada à luta contra o efêmero: ela não está mais contida em cada edifício, mas entre suas relações. Pois é necessário falar de destruir e de reconstruir. Não foi apenas por ódio que se destruíram símbolos de uma cultura, mas também por negligencia, por desprezo ou desconhecimento, para substituir o que deixou de agradar por aquilo que o novo gosto sugere ou impõe. Mas também se reparou, conservou e reconstruiu piamente, às vezes de forma idêntica, principalmente na Europa do Leste, após as grandes destruições das guerras do século XX – penso em Dresden. O efêmero não está apenas na natureza, ao que a arte superpõe sua duração e dureza; ele está também na violência da história, e ameaça a partir do interior o projeto arquitetônico tomado em sua dimensão “histórica” própria, especialmente o final deste terrível século XX, com todas suas ruínas que estão para ser integradas à história em andamento – aliás, encontram-se belas reflexões de Heidegger, antes da Segunda Guerra Mundial, sobre a ruína, na linha do romantismo alemão. Outras reflexões feitas sobre o modo menor por alguns intérpretes do projeto arquitetônico, aproximando-se das idéias de traço, de resíduo, de ruína, podem se autorizar quanto ao espetáculo da, precariedade nova, oferecido a todos os olhos, o qual a história acrescenta à vulnerabilidade comum a todas as coisas desse mundo. No nível mais alto de reflexividade ao qual passamos agora – aquele em que eu havia conduzido a narrativa em direção ao lúdico -, a arquitetura apresenta um nível de teorização absolutamente comparável àquele em que, quanto à narrativa, a racionalidade se transforma em jogo razoável. Pode-se até mesmo dizer que a composição arquitetônica jamais deixou de estimular a especulação, a história intervindo agora no nível dos valores formais que opõem 7 um estilo a outro. O que dá a esses conflitos de escola um contorno particularmente dramático é o fato de a teorização não dizer respeito unicamente ao ato de construir, mas também a sua relação presumida com o ato de habitar e com as necessidades supostamente responsáveis por este último. Pode-se, assim, fazer duas leituras diferentes das doutrinas em competição. Primeira leitura: as preocupações formais prevalecendo em tal estilo, de tal escola, estão próximas do estruturalismo em narratologia, portanto do formalismo. O risco, então, é que as preocupações ideológicas do construtor sejam mais importantes que as expectativas e as necessidades derivadas do ato de habitar. É principalmente na “configuração” da Cidade que se pode ler, através de seu espaço organizado de um modo representativo, a história sedimentada das formas culturais. A monumentalidade assume, então, sua significação etimológica maior, que aproxima monumento de documento. Ora, essa primeira leitura não se limita à interpretação das “configurações” sedimentadas do passado. Ela se projeta também no futuro da arte de construir, naquilo que merece precisamente o título de projeto arquitetônico. É assim que, em um passado ainda recente, do qual os construtores atuais
  • 9. se esforçam em se afastar, os membros da escola de Bauhaus, os fiéis a Mies van der Rohe, os de Le Corbusier pensaram sua arte de construtores em ligação com os valores de civilização aos quais eles aderiam, em função do lugar que eles conferiam a sua arte dentro da história da cultura. Segunda leitura: o formalismo conceitual encontra seu limite nas representações dos teóricos quanto às necessidades das populações. De certa forma, essa preocupação jamais esteve ausente; mas, em um passado ainda próximo, eram apenas consideradas as expectativas de uma categoria de habitantes (príncipes, dignitários religiosos e depois os grandes burgueses) e as necessidades de visibilidade gloriosa das instituições dominantes. A época contemporânea é marcada pela atenção às massas humanas, à multidão que tem acesso, elas também ou por sua vez, à visibilidade, mas sob o signo da dignidade do que sob o da glória; mas não se deve concluir que essa abordagem do projeto arquitetônico é menos ideológica que a precedente, na medida em que é muito freqüentemente a representação que os “competentes” têm da necessidade de habitar de tais massas que direciona a especulação sobre o destino da arquitetura – e, infelizmente, as grandes torres são o sinal disso. Isso explica a reação em sentido inverso daqueles que preconizam um retorno à arquitetura pura, desligada de toda sociologia e de toda psicologia social, ou seja, de toda ideologia. Encontramo-nos, então, diante de uma reivindicação perfeitamente comparável àquela que os teóricos do novo romance fizeram – na celebração da linguagem – para sua própria glória, tendo as “palavras” se dissociado sem volta das “coisas” e a representação dando lugar ao jogo. Desse modo, narratividade e arquitetura seguem rumos históricos semelhantes. A “refiguração” Terminarei com algumas reflexões sobre o que, em minhas categorias literárias, chamei de “refiguração”, e da qual eu gostaria de mostrar o paralelo pelo lado da arquitetura. Com esse terceiro componente (que é leitura, pelo lado da narrativa), a aproximação entre a narrativa e a arquitetura se torna mais estreito, até o ponto em que o tempo contado e o espaço construído intercambiam seus significados. Tomemos primeiro o partido da narrativa. Deve-se dizer que ele não conclui seu trajeto no interior do texto, mas em seu vis-à-vis: o leitor, esse protagonista esquecido do estruturalismo. É a estética da recepção, instaurada por H. R. Jauss e a escola de Constance, que devemos esse deslocamento de acentuação da escrita para a leitura. A negação de referencialidade pelos teóricos instruídos por Sausurre encontra-se, assim, compensado pelo reconhecimento da dialética entre escrita e leitura, pois se trata, sim, de dialética: retomado e assumido no ato de ler, o texto desenvolve sua capacidade de iluminar ou de esclarecer a vida do leitor; ele tem, ao mesmo tempo, o poder de descobrir, de revelar. 8 o escondido, o não-dito de uma vida subtraída a exame socrático, mas também aquele de transformar a interpretação banal que faz o leitor segundo a inclinação do dia-a-dia. Revelar (em um sentido de verdade ao qual Heidegger nos tornou sensíveis), mas também transformar, eis o que traz o texto fora de si próprio. Mas essa dialética possui duas entradas: pois o leitor vem ao texto com suas expectativas próprias, e essas
  • 10. expectativas são afrontadas, confrontadas às proposições de sentido do texto na leitura, qual pode percorrer todas as fases, desde a recepção passiva, ou mesmo cativa (madame Bovary, leitora de romances ruins!), até a leitura reticente, hostil, colérica, vizinha da rejeição escandalizada, passando pela leitura ativamente cúmplice. Gostaria de dizer que é a favor dessa leitura agonística que a própria intertextualidade é encarada como um grande desafio: o que era um problema de posicionamento em relação aos seus pares, para o criador torna-se um problema de leitura plural, polêmica, para o amador. Vê-se desde já qual abertura se apresenta pelo lado do possível, na compreensão de si. Com relação ao construído, encontramos, ao mesmo tempo, a possibilidade de ler e reler nossos lugares de vida a partir de nossa maneira de habitar. Direi imediatamente que a força do modelo de leitura é grande para reavaliar o ato de habitar. Sob o título de “prefiguração”, habitar e construir ficaram empatados, sem que se possa dizer qual precede ao outro. Sob o título de “configuração”, é o ato de construir que teve vantagem sob forma de projeto arquitetônico, ao qual se pode criticar de ser inclinado a não reconhecer as necessidades dos habitantes ou a projetar essas necessidades acima de suas cabeças. A partir de agora se deve falar do habitar como resposta ou, até mesmo, como contestação, ao construir, sobre o modelo do ato agonístico de leitura, pois não basta que um projeto arquitetônico seja bem pensado, ou mesmo tido como racional, para que ele sela compreendido e aceito. Todos os planejadores deveriam aprender que um abismo pode separar as regras de racionalidade de um projeto – aliás, isso vale para toda a política – das regras de recepção por um público. Deve-se, portanto, aprender a considerar o ato de habitar como um centro não apenas de necessidades, mas também de expectativas. E a mesma gama de respostas que podem ser percorridas daqui a pouco: da recepção passiva, indiferente, sofrida, indiferente à recepção hostil e indignada – mesmo a da torre Eiffel, a sua época! Habitar como réplica de construir. E da mesma forma que a recepção do texto literário inaugura o experimento de uma leitura plural, de uma acolhida paciente feita à intertextualidade, também o habitar receptivo e ativo implica uma releitura atenta do ambiente urbano, uma nova reaprendizagem contínua da sobreposição dos estilos e, portanto, também das histórias de vida das quais todos os edifícios e monumentos carregam traços. Fazer com que esses traços não sejam apenas resíduos, mas testemunhos reatualizados do passado que não é mais, mas que foi, fazer com que o ter-sido do passado seja salvo a despeito de seu não-ser-mais; isto é o que pode a “pedra” que dura. Enfim, diria que o que reconstruímos é a idéia, que se tornou banal, de “lugar de memória”, mas como composição pensada, refletida, do espaço e do tempo. Trata-se, na verdade, de memórias de épocas diferentes que são recapituladas e mantidas em reserva nos lugares onde elas estão inscritas. E esses lugares de memória exigem um trabalho de memória, no sentido em que Freud opõe tal trabalho à repetição obsessiva, a qual chama compulsão de repetição, onde a leitura plural do passado é aniquilada e o equivalente espacial da intertextualidade é tornado impossível. O mesmo ocorre tanto com a coisa construída quanto com a literária. Nos dois casos há competição entre os dois tipos de memória. Para a memória-repetição, nada vale mais do que o conhecido; o novo é odioso. Para a memória-reconstrução, o novo deve ser acolhido com curiosidade e com o cuidado de reorganizar o antigo a fim de dar espaço a esse novo. Trata-se, nada menos, de desfamiliarizar o familiar e de familiarizar o não-
  • 11. familiar. É com essa leitura plural de nossas cidades que gostaria de terminar, mas não sem antes ter dito que o trabalho de memória – prefiro, de longe, a expressão “trabalho de memória” à “dever 9 de memória”, pois não vejo por que a memória seria um dever, enquanto que o trabalho de memória é uma exigência de vida – não é possível sem um trabalho de luto. Fiz alusão às grandes ruínas da Europa da metade do século; não são simplesmente monumentos perdidos, nem mesmo vidas perdidas, são também épocas; e o que está perdido é o modo de compreender de outrora. É necessário, portanto, fazer o luto da compreensão total e admitir que há o inextricável na leitura de nossas cidades. Elas alternam a glória e a humilhação, a vida e a morte, os eventos fundadores mais violentos e a doçura de viver. É essa grande recapitulação que realizamos ao fazer sua leitura. Deixo uma última palavra a um pensador que admiro profundamente, Walter Benjamin. Em Paris, capital do século XX, ele escreve que: ”o flâneur procura um refúgio em meio à multidão. A multidão é o véu através do qual a cidade familiar se transforma em fantasmagoria”. Sejamos os flâneurs dos lugares da memória