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Pró-Reitoria de Graduação
Escola de Direito
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DEMISSÃO A BEM DO
SERVIÇO PÚBLICO NO ÂMBITO FEDERAL
Autora: Jocasta da Silva Dias
Orientadora: Profª. Esp. Dark’ Ane Mendes Teixeira
Brasília - DF
2016
JOCASTA DA SILVA DIAS
DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DEMISSÃO A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO
NO ÂMBITO FEDERAL
Monografia apresentada ao curso de
graduação em direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do Título de Bacharel em
Direito.
Orientadora: Prof.ª Esp. Dark’ Ane
Mendes Teixeira
Brasília,DF
2016
Brasília
2016
Monografia de autoria de Jocasta da Silva Dias, intitulada DA
(IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DEMISSÃO A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO NO
ÂMBITO FEDERAL, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em 22 de junho de 2016,
defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_________________________________________________
Prof. Esp. Dark´Ane Mendes Teixeira
Orientadora
Direito – UCB
_________________________________________________
Prof. Esp. Gleidson Bomfim da Cruz
Direito – UCB
_________________________________________________
Prof. Esp. Jane de Oliveira Rabelo de Almeida
Direito – UCB
Brasília,DF
2016
Dedico à minha família, amigos e
professores pelo apoio prestado na
realização deste trabalho.
.
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente aos meus pais, que sempre estiveram ao meu lado me
orientando e apoiando em todas as ocasiões, e me ajudaram a alcançar mais essa
grande conquista; a minha orientadora, pela dedicação e correções; aos colegas,
pelas sugestões e ajuda com a bibliografia; aos amigos conquistados ao longo
dessa jornada, em especial à Francinete Souza, fiel companheira no decorrer de
todo o curso e, finalmente, aos funcionários da biblioteca pelo suporte em todas as
pesquisas, em especial à Ariane.
"Coloque a lealdade e a confiança
acima de qualquer coisa; não te alies
aos moralmente inferiores; não receies
corrigir teus erros."
Confúcio
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABREVIATURAS
AgR.
Art.
Eg.
Inc.
Agravo Regimental
Artigo
Egrégio
Inciso
Min.
Nº
P.
Rel.
Ministro
Número
Página
Relator
SIGLAS
ADC
ADI
ADO
ADPF
AI
CF
CGU
CLT
CP
DF
DJe
EC
HC
MP
MS
PAD
PGR
RE
STJ
STF
TRF
Ação Direta de Constitucionalidade
Ação Direta de Inconstitucionalidade
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
Agravo de Instrumento
Constituição Federal
Controladoria Geral da União
Consolidação das Leis do Trabalho
Código Penal
Distrito Federal
Diário de Justiça eletrônico
Emenda Constitucional
Habeas Corpus
Ministério Público
Mandado de Segurança
Processo Administrativo Disciplinar
Procurador Geral da República
Recurso Extraordinário
Superior Tribunal de Justiça
Supremo Tribunal Federal
Tribunal Regional Federal
RESUMO
Referência: Dias, Jocasta da Silva. Da (In)Constitucionalidade da Demissão a Bem
do Serviço Público no Âmbito Federal. 37 folhas. Monografia (Graduação em Direito)
– Escola de Humanidade e Direito. Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2016.
Este trabalho de conclusão de curso tem por escopo demonstrar a
inconstitucionalidade da sanção administrativa de demissão qualificada prevista no
art. 137, parágrafo único, da Lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990. Mais
conhecida por demissão a bem do serviço público, essa penalidade veda o retorno,
em definitivo, ao serviço público federal do servidor que foi demitido em razão de
alguma das hipóteses do parágrafo único do referido artigo, gerando assim um
impedimento permanente. A Constituição da República Federativa do Brasil prevê
expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito, bem como a vedação de imposição
de penas de caráter perpétuo. Enquadrada, então, pela doutrina na classificação de
pena restritiva de direitos, deve-se estender à demissão a garantia constitucional de
proibição de penas com caráter permanente, considerando também a aplicação dos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade quando da aplicação dessa
penalidade.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Servidor Público. Demissão. Pena Perpétua.
Incidência. Inconstitucionalidade.
ABSTRACT
This work of course completion is scope to demonstrate the unconstitutionality of the
administrative penalty of dismissal qualified as provided for in art. 137, sole
paragraph, of Law Nº. 8,112 of December 11, 1990. Most well known for the
resignation of public service, this penalty prohibits the return, ultimately, the federal
public service of the server that was dismissed because of some of the assumptions
of the sole paragraph of that article, thus generating permanent impediment. The
Constitution of the Federative Republic of Brazil expressly provides for the principle
of human dignity as a cornerstone of a democratic state, as well as the sealing of
imposing penalties perpetuity. Framed, then the doctrine of classification penalty
restricting rights, should extend to the dismissal of the constitutional guarantee
prohibiting pens with permanent, also considering the application of the principles of
proportionality and reasonableness when applying this fee.
Keywords: Administrative Law. Government employee. Dismissal. Life sentence.
Incidence. Unconstitutionality.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................11
2 PENALIDADE DE DEMISSÃO ........................................................................13
2.1 PREVISÃO LEGAL...........................................................................................15
2.2 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DA DEMISSÃO QUALIFICADA........................17
2.2.1 Crimes contra a Administração Pública....................................................17
2.2.2 Improbidade Administrativa .......................................................................18
2.2.3 Aplicação Irregular de Dinheiro Público ...................................................20
2.2.4 Lesão aos Cofres Públicos e Dilapidação do Patrimônio Nacional........21
2.2.5 Corrupção ....................................................................................................21
3 APLICAÇÃO E FINALIDADE DA PENA DE DEMISSÃO...............................23
4 INTERPRETAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL...........................26
5 CONCLUSÃO ..................................................................................................33
REFERÊNCIAS.........................................................................................................35
11
1 INTRODUÇÃO
Sabe-se que hoje os servidores públicos federais representam uma parcela
considerável de agentes públicos, e exercem determinadas funções extremamente
necessárias para a manutenção das atividades da União.
Para que haja o controle desses servidores a Lei nº 8.112/90 prevê
penalidades passíveis de serem aplicadas ao servidor, quando do cometimento de
algum ato ilícito, desde que haja prévia averiguação da referida infração
administrativa através de um Processo Administrativo Disciplinar – PAD –,
observando, sempre, os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Dentre essas penalidades administrativas, temos previstas no art. 132 da
referida lei a pena de demissão que traz no art. 137 duas formas: uma é a demissão
simples que restringe o retorno ao serviço público federal do ex-servidor pelo
período de 5 (cinco) anos.
A outra forma é a demissão qualificada, que traz como consequência o
impedimento definitivo de nova investidura em cargo público federal do ex-servidor
que tenha sido demitido em quaisquer das hipóteses previstas em seu parágrafo
único, conhecida por “demissão a bem do serviço público”.
Acontece que, em virtude desse impedimento de caráter permanente contido
no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90, temos uma evidente afronta à
vedação constitucional de aplicação de penas de caráter perpétuo existente no
Brasil, no instante em que não é ofertada ao ex-servidor nova oportunidade de
investidura em cargo ou função pública, sendo renegado para sempre do serviço
público federal.
Ponderando, então, o que dispõe a Carta Magna em relação aos direitos e
garantias fundamentais, aos seus princípios e a finalidade da pena no direito
brasileiro, não seria a penalidade de demissão a bem do serviço público eivada de
inconstitucionalidade? Uma vez que veda em caráter definitivo o retorno do ex-
servidor ao quadro de servidores da Administração Pública Federal.
Esse tema, além de ser o objeto de nosso interesse, já foi alvo de provocação
ao Supremo Tribunal Federal – STF – mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade
– ADI –, tendo como justificativa a presença de manifesto caráter perpétuo da
12
penalidade de demissão a bem do serviço público, entretanto seu mérito não foi
julgado até a presente data.
No primeiro capítulo, dissertaremos a respeito da penalidade de demissão
demonstrando as possibilidades previstas em lei para sua imposição, bem como
suas hipóteses de aplicação observando, ainda, os pertinentes princípios
constitucionais e penais para a correta aplicação desta sanção.
No segundo capítulo, iniciaremos o debate a respeito das finalidades que as
penas administrativas desempenham no ordenamento jurídico brasileiro, bem como
sua correta aplicação.
No terceiro capítulo, enfim, constata-se que a penalidade administrativa, bem
como qualquer outra pena do nosso ordenamento jurídico, deve ser aplicada com
observância de todos os requisitos legais, exercendo sempre sua finalidade
retributiva, preventiva e ressocializadora.
Para analisar a presente problemática, adotamos a técnica de pesquisa
bibliográfica através de averiguação doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema
em questão, com o emprego do método dedutivo-qualitativo para se chegar a uma
conclusão.
13
2 PENALIDADE DE DEMISSÃO
A penalidade da demissão está prevista no art. 127, inciso III, da Lei nº
8.112/90 e, sob a ótica de Marinela, F. (2015, p. 650), “trata-se do desligamento do
servidor do cargo que ocupa em razão da prática de uma infração funcional grave, é
pena”. Podendo ser aplicada nas seguintes situações:
1) como uma penalidade decorrente da prática de infração disciplinar
apurada em um devido PAD em que lhe seja assegurada ampla defesa, ou ainda
2) por motivo de insuficiência de desempenho declarada em avaliação
periódica de desempenho, na forma a ser devidamente regulamentada por Lei
Complementar [art. 41, da CF/88].
Conforme os ensinamentos de Rocha (1999, p. 452), temos que:
A demissão é um ato da Administração Pública de natureza vinculada. Nem
pode a entidade administrativa demitir quando quiser, nem pode deixar de
demitir quando se figurar a hipótese legal determinante de tal
comportamento.
Conhecida como expulsão do serviço público, a demissão é aplicável pelo
Presidente da República, pelos Presidentes das Casas Legislativas, dos Tribunais
Federais e pelo Procurador Geral da República – PGR, de acordo com a esfera a
que o servidor esteja submetido, quando da ocorrência de quaisquer das infrações
graves arroladas no art. 132 do Estatuto.
Diante dessa situação Marinela, F. (2015, p. 650), lembra que ao servidor é
garantido o contraditório e a ampla defesa.
Ressaltamos, aqui, o teor do enunciado de súmula nº 21 do Supremo Tribunal
Federal – STF –: “funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem
demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua
capacidade”. Nesse sentido:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ADMINISTRATIVO. EXONERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO.
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA
DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE
NEGA PROVIMENTO. 1. Para a exoneração de servidor público, ainda que
em estágio probatório, é imprescindível a observância do devido processo
legal com as garantias a ele inerentes. Precedentes. 2. Impossibilidade de
reexame de provas em recurso extraordinário: incidência da Súmula 279 do
Supremo Tribunal Federal. (BRASIL. STF, 2009).
14
A EC nº 19/1998 institui a possibilidade de o servidor estável ser desligado em
virtude de insuficiência no desempenho de suas funções, desde que devidamente
comprovada em avaliação funcional e mediante o competente processo
administrativo, assegurada a ampla defesa para evitar arbitrariedades. (CARVALHO
FILHO, 2015, p.705).
De acordo com a doutrina de Mello (2014, p. 330), a medida disciplinar para
as faltas sancionáveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade
e destituição de cargo ou função prescreve em 5 (cinco) anos a contar da data em
que a infração foi conhecida, sendo que se a infração for também enquadrada como
crime, devem ser aplicados os prazos prescricionais previstos na lei penal.
Rocha (1999, p. 452) ensina:
Demissão, no sistema brasileiro, é pena. Logo, somente pode ocorrer
quando houver previsão legal da falta autorizativa de tal decisão e quando
ela for apurada em processo administrativo disciplinar no qual se conclua
por aquela exclusão.
A pena de demissão, de acordo com os ensinamentos de Marinela, F. (2015,
p. 650), pode ser convertida em pena de cassação ou de destituição.
A primeira situação verifica-se caso o servidor tenha cometido uma infração
grave enquanto exercia sua função pública e se aposentou ou entrou em
disponibilidade, em outras palavras, a pena de demissão que lhe seria imposta se
estivesse na ativa será transformada em pena de cassação de aposentadoria ou de
disponibilidade, conforme o caso, disciplinada no art. 127 da Lei nº 8.112/901.
(MARINELA F, 2015, p. 650).
Já se o servidor ocupar um cargo em comissão ou função de confiança e
também praticar uma infração grave, a penalidade de demissão será transformada
em destituição de cargo em comissão ou função comissionada, previstas como
penalidades disciplinares no mesmo art. 127 da Lei nº 8.112/90. (MARINELA F,
2015, p. 650).
Dessa forma, percebe-se que a penalidade de demissão se aplica aos casos
expressamente previstos em lei, com a devida observância aos princípios
constitucionais aplicáveis ao caso concreto, estejam eles explícitos ou implícitos.
1 Art. 127. São penalidades disciplinares: I – advertência; II – suspensão; III – demissão; IV –
cassação de aposentadoria ou disponibilidade; V – destituição de cargo em comissão; VI –
destituição de função comissionada.
15
Os princípios são como a base de uma construção, pois oferecem o devido
suporte para todo o ordenamento jurídico. (ATALIBA, 2001 citado por VITTA, 2003,
p. 69).
Ferraz e Dallari (2002 citado por VITTA, 2003, p. 69-70) ensinam:
Os princípios são normas dotadas de positividade, pois determinam
condutas obrigatórias, ou impedem a adoção de comportamentos com eles
incompatíveis. Além disso, são vetores interpretativos, porque servem para
orientar a correta interpretação das normas isoladas.
Podem ser subdivididos em explícitos ou implícitos, à medida que estejam ou
não previstos expressamente na Carta Magna.
Os princípios constitucionais explícitos ou expressos são aqueles que se
encontram positivados na CF de 1988. Entre os princípios mais relevantes para o
tema objeto do nosso estudo estão: a dignidade da pessoa humana que é um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme prevê explicitamente o art.
1º, inc. III, da Carta Maior de 19882.
Outro princípio expressivo para o tema em questão é o da presunção de
inocência, que se encontra positivado no art. 5º, inc. LVII, da CF, in verbis: “ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”.
Já os princípios constitucionais implícitos, ou não expressos, são aqueles
consequentes da análise dos próprios preceitos constitucionais, dentre os quais
podemos citar os mais pertinentes à problemática aqui apresentada, sendo: o
princípio da proporcionalidade, da razoabilidade, da supremacia da Constituição e o
da supremacia do interesse público.
2.1 PREVISÃO LEGAL
Como já vimos, o inc. III do art. 127 da Lei nº 8.112/90 elenca como uma das
penalidades disciplinares possíveis a sanção de demissão.
2 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III –
a dignidade da pessoa humana.
16
Esta penalidade administrativa será aplicada nas situações legalmente
estabelecidas, após o devido processo legal, não podendo ser utilizada livremente
pelo administrador público como forma de retaliação de seu servidor. Normatiza o
artigo 132 do mesmo diploma legal:
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I – crime contra a administração pública;
II – abandono de cargo;
III – inassiduidade habitual;
IV – improbidade administrativa;
V – incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI – insubordinação grave em serviço;
VII – ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima
defesa própria ou de outrem;
VIII – aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX – revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X – lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI – corrupção;
XII – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII – transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.
A demissão se apresenta sob dois aspectos, conforme disciplina o artigo 137,
caput e seu parágrafo único do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União.
O caput do artigo prevê que após decorridos cinco anos da aplicação da
sanção de demissão, possa ocorrer nova investidura em cargo público federal do ex-
servidor [a chamada demissão simples] mediante, é claro, nova aprovação em
concurso público ou nomeação para cargo de confiança, in verbis:
Art. 137. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por
infringência do art. 117, incisos IX e XI, incompatibiliza o ex‑ servidor para
nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.
Já o parágrafo único prescreve a determinação de que o ex-servidor não
poderá mais retornar ao serviço público federal em definitivo [demissão qualificada],
a chamada “demissão a bem do serviço público”, que se aplica quando da
constatação de violação ao disposto nos incisos I, IV, VIII, X e XI desse artigo, os
quais serão detalhados a seguir:
17
2.2 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DA DEMISSÃO QUALIFICADA
As situações descritas abaixo estão elencadas no parágrafo único do art. 137
da Lei nº 8.112/90 como circunstâncias que vedam o retorno ao serviço público
federal do servidor demitido ou destituído de seu cargo, in verbis:
Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor
que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do
art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.
Tais hipóteses de demissão mais gravosas ao servidor serão estudadas com
mais detalhes, a seguir.
2.2.1 Crimes contra a Administração Pública
Esses crimes estão elencados no capítulo I do título XI do Código Penal,
compreendendo do artigo 312 ao 327 desse diploma legal.
Os artigos acima disciplinam sobre os crimes praticados por funcionário
público contra a Administração como o Peculato, a inserção de dados falsos em
sistema de informações, o extravio, sonegação ou inutilização de livro ou
documento, a concussão, a prevaricação, a violação de sigilo funcional, dentre
outros.
Quando o servidor público comete quaisquer destas condutas está sujeito a
aplicação por parte da Administração da pena de demissão prevista no inc. I, do art.
132 da Lei nº 8.112/90, bem como seu efeito de exclusão permanente do quadro de
servidores federais, caracterizador da demissão qualificada.
Mattos (2012, p. 739) entende que seria mais plausível que se aguardasse a
conclusão do processo penal quando os fatos se relacionarem com crimes contra a
Administração Pública para, então, dar prosseguimento e finalizar o processo
administrativo.
No entanto, não é este o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que
reconhece a possibilidade de os processos administrativos e penais ocorrerem de
forma simultânea e independente, em decorrência da autonomia das instâncias. Não
sendo necessária, assim, a conclusão do processo penal para a aplicação da
penalidade de demissão na esfera administrativa. Vejamos:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO:
DEMISSÃO. ILÍCITO ADMINISTRATIVO E ILÍCITO PENAL. INSTÂNCIA
18
ADMINISTRATIVA: AUTONOMIA. PRESCRIÇÃO: Lei 8.112/90, art. 142. I. -
Ilícito administrativo que constitui, também, ilícito penal: o ato de demissão,
após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da
ação penal instaurada contra o servidor por crime contra a administração
pública, tendo em vista a autonomia das instâncias. II. - Precedente do STF:
MS 23.401-DF, Velloso, Plenário. III. - Na hipótese de a infração disciplinar
constituir também crime, os prazos de prescrição previstos na lei penal têm
aplicação: Lei 8.112/90, art. 142, § 2º. Inocorrência de prescrição, no caso.
IV. - Alegação de flagrante preparado: alegação impertinente no
procedimento administrativo. V. - Mandado de segurança indeferido.
(BRASIL. STF, 2002).
Por outro lado, em que pese reconhecermos a independência entre os
Poderes Executivo e Judiciário em suas atribuições tem-se que quando o fato não
existir ou for negada sua autoria a decisão proferida em sede do processo penal
repercutirá no processo administrativo. Assim entende o STF:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. AUTONOMIA E
INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA.
EXCEÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO INEXISTENTE. INSUFICIÊNCIA
DE PROVAS. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Sentença
proferida em processo penal poderá servir de prova em processos
administrativos apenas se a decisão concluir pela não ocorrência material
do fato ou pela negativa de autoria. Exceção ao princípio da independência
e autonomia das instâncias administrativa e penal. 2. Decisão judicial em
sede penal incapaz de gerar direito líquido e certo de impedir o TCU de
proceder à tomada de contas. 3. Questões controvertidas a exigir dilação
probatória não são suscetíveis de análise em mandado de segurança.
Segurança denegada. (BRASIL. STF, 2001).
Ocorre que há, de acordo com os ensinamentos de Mattos (2012, p. 740),
uma prática reiterada por parte da Administração Pública de aplicação de pena de
demissão indiscriminadamente.
Desta forma, ressalta o autor, só resta ao servidor acatar a decisão
administrativa que lhe impôs penalidade de demissão e aguardar a finalização do
procedimento penal para, se for o caso, solicitar uma revisão administrativa ou
ingressar judicialmente com pedido de reintegração.
2.2.2 Improbidade Administrativa
É o ato lesivo, imoral, praticado pelo servidor contra a Administração pública,
por meio de uma conduta consciente e dolosa, comissiva ou omissiva. (MATTOS,
2010, p. 31).
Segundo o consagrado jurista do Direito do Trabalho, Antônio Lamarca (2002,
citado por Mattos (2010, p.31), é importante que aja a devida e necessária
ponderação: “ …logo , ‘improbidade’ é ‘falta de probidade’; mau caráter;
19
desonestidade; maldade; perversidade (…) juridicamente, porém, o sentido deve ser
menos amplo. A não ser assim, o prosseguimento de todo e qualquer vínculo
empregatício ficaria sempre na dependência do bom caráter, da honradez e da
‘bondade’ (contrário da perversidade) do trabalhador: uma empresa de grandes
proporções deveria manter em seus quadros milhares de obreiros honestos, bons,
de bom caráter, o que seria o mais completo absurdo”.
A própria Carta Magna dispôs no §4º de seu art. 37 a previsão de uma lei
específica que regulasse sobre todos os assuntos pertinentes à improbidade
administrativa, in verbis:
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos
direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e
o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem
prejuízo da ação penal cabível.
A improbidade administrativa foi então disciplinada pela Lei nº 8.429/92 e por
ser específica em relação à matéria deve-se entender essa hipótese de demissão
em estudo com moderação. (MATTOS, 2010, p.27)
De acordo com Mattos (2012, p. 745) essa lei revogou tacitamente o inc. IV,
do art. 132, da Lei nº 8.112/90 por conta de a primeira ser “responsável pela
aplicação, verificação, processamento e apenamento dos casos de improbidade
administrativa, em conformidade com o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código
Civil”3.
Isso sob o argumento de que lei posterior revoga a anterior quando regule
inteiramente a matéria, ou seja, a passagem do referido inc. IV possui um
enquadramento vago e genérico, não devendo, portanto, ser aplicado pela
Administração.
Desta forma, a competência seria privativa do Poder Judiciário. Esse é o
entendimento da Corte Suprema deste país:
EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR
PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER
DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.
PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do
DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do
cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade
da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92
e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está
autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica
3 Art. 2º, § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
20
válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos
administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados"
estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle
jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos
princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar,
no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n.
8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do
indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo
não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra
parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas
coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades
previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa
do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito
administrativo, caberia representação ao Ministério Público para
ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão.
Recurso ordinário provido. (BRASIL. STF, 2004).
Assim, essa penalidade só poderá ser aplicada se provier da própria sentença
judicial de condenação do servidor público. Sendo o Ministério Público – MP – titular
dessa ação é ele quem deve requerer que seja imposta ao servidor essa penalidade,
proibida sua aplicação pela Administração Pública.
2.2.3 Aplicação Irregular de Dinheiro Público
O servidor público responsável que aplicar de forma irregular dinheiros
públicos estará sujeito à pena de demissão prevista no inc. VIII do art. 132, do
Estatuto dos Servidores, bem como, assim como todas as outras hipóteses de
demissão qualificada, ao impedimento de voltar a compor o quadro de servidores da
Administração Pública Federal.
Mattos (2012, p. 809) define a aplicação irregular como “aquela feita em
prejuízo ao erário e contrário ao estabelecido em lei ou no regulamento”. Completa
ainda que mesmo que o servidor ou terceiro não se beneficie em virtude da
aplicação irregular, o fato de envolver dinheiro público, pertencente a toda
sociedade, causa repulsa aos cidadãos.
Para Rigolin (2012, p. 325) a simples destinação indevida a verba pública por
meio de servidor que a tinha sob sua guarda, ou seja, era o responsável, constitui ao
mesmo tempo crime e infração administrativa, sendo esta última punível com a
penalidade de demissão qualificada.
21
2.2.4 Lesão aos Cofres Públicos e Dilapidação do Patrimônio Nacional
Quase finalizando as hipóteses que ensejam a demissão qualificada temos o
inc. X, do art. 132, da Lei nº 8.112/90, que cuida da infração administrativa de lesão
aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional.
O conceito lato sensu de patrimônio nacional para Diniz, P. (2012, p. 437)
inclui todos os recursos financeiros dos cofres públicos. O autor ressalta também
que a Fazenda Pública Federal Estadual e Municipal fazem parte integrante de um
todo, desta forma danos que ocorram a qualquer um deles constituem lesão ao
Patrimônio Nacional.
Mattos (2012, p. 810) ensina, porém, que o conceito de patrimônio nacional
deve ser entendido de maneira ampla no sentido de abranger todo o conjunto de
bens que constituem o patrimônio da União, Estados, DF e Municípios e não
somente os recursos financeiros como defende Diniz, P. (2006, p. 437). Destaca
Mattos (2006, p. 811):
não abrange o presente dispositivo legal somente a lesão aos cofres
públicos, com a dilapidação de dinheiros, tendo em vista que o patrimônio
(bens) também se insere no contexto sub oculis, onde o servidor público
possui o dever de mantê-los intactos e bem administrados, como se fossem
de sua propriedade.
Como exemplos dessa infração citados por Mattos (2012, p. 812) temos a má
administração e a perda de material e o seu desvio, dentre vários outros
comportamentos inadequados cometidos por servidor. Acrescenta ainda que “o
servidor público é obrigado a não permitir que ocorra a lesão aos cofres públicos,
bem como a todos os valores patrimoniais dos entes públicos”.
2.2.5 Corrupção
Este, por fim, como última hipótese de demissão qualificada, temos o inc. XI
do art. 132, da Lei nº 8.112/90 que estabelece como infração disciplinar a corrupção
passiva, prevista no art. 317 do CP:
Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem
ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de
ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
22
§ 2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com
infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
É salutar que a Administração Pública, ou o MP no âmbito do processo
criminal, demonstre que a obtenção de vantagem indevida em razão da função
exercida se deu em virtude de solicitação ou exigência do próprio servidor público,
conforme argumenta Mattos (2012, p. 815):
[...] na apuração do crime de corrupção passiva para que se evite injustiças,
é necessário que haja prova inequívoca que o funcionário público exigiu,
solicitou uma vantagem financeira, em razão do seu cargo ou ofício. Este
liame do ato de ofício (omissivo ou comissivo) com o recebimento da
vantagem financeira ou de prestígio é necessário, pois do contrário faltará
um dos elementos objetivos do presente tipo.
23
3 APLICAÇÃO E FINALIDADE DA PENA DE DEMISSÃO
Na aplicação da penalidade de demissão deverão ser observados os
requisitos do art. 128 da Lei nº 8.112/904, como a natureza e gravidade da infração,
os danos causados por ela ao serviço público, as circunstâncias agravantes ou
atenuantes e os antecedentes funcionais.
De acordo com Vitta (2003, p. 65) se o sujeito infringir o mandamento
normativo, o servidor encarregado de apurar a infração deverá iniciar o
procedimento administrativo e, uma vez provada a conduta ilícita, deverá impor-lhe a
penalidade.
Porém, conforme o mesmo autor, isso não retira a possibilidade do exercício
de faculdades discricionárias por parte do agente público na escolha da pena e de
sua quantificação, no caso concreto, devendo sempre ser observados os limites
legais. Ferreira (2001, citado por Vitta, 2003, p. 25) defende igualmente:
Visto ser a sanção administrativa uma das manifestações concretas do
exercício da função administrativa, enquanto dever-poder, importante notar,
desde logo, que a aplicação de uma sanção por um agente público não
consiste em uma mera faculdade, mas sim em inolvidável vinculação.
Para Mattos (2012, p. 816), o processo administrativo tem por escopo
investigar o que realmente ocorreu, sendo vedada a aplicação de punição ao
servidor senão quando ficar comprovado que realmente cometeu a infração
disciplinar da qual é acusado, ou seja, houve a violação de deveres e proibições.
Com relação aos antecedentes funcionais Mattos (2012, p. 816) entende que
não possuem grande relevância, pois o que realmente importa é o nexo de
causalidade existente entre o desempenho da função e a infração do fato em
processo de investigação.
Com posicionamento divergente, Rigolin (2012, p. 318) ensina que os
antecedentes funcionais devem sim ser considerados como atenuantes se forem
bons ou, por outro lado, como agravantes se a ficha do servidor for eivada de
situações comprometedoras de maus antecedentes, de um histórico de delitos
praticados anteriormente à infração da qual se discute a dosimetria.
4 Art. 128. na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração
cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou
atenuantes e os antecedentes funcionais.
24
Observa-se, na aplicação da pena de demissão, a impossibilidade de
considerar a existência de algum processo criminal em andamento como maus
antecedentes, haja vista que ainda não ocorreu o transito em julgado da sentença
penal condenatória. Neste sentido temos o seguinte julgado do STF:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PACIENTE
CONDENADO POR CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA
NULIDADE NA DOSIMETRIA DA PENA. Impossibilidade de considerar-se
como maus antecedentes a existência de processos criminais pendentes de
julgamento, com o consequente aumento da pena-base. Recurso
parcialmente provido para, mantida a condenação, determinar que nova
decisão seja proferida, com a observância dos parâmetros legais.
(BRASIL. STF, 2003a).
Imperioso ressaltar que, conforme Mattos (2012, p. 777), quando a
administração pública infligir uma sanção ao servidor o ato “obrigatoriamente deverá
conter o fundamento legal e a causa da penalidade, sob pena de nulidade”.
Destarte, como ressalta Mattos (2012, p. 777), somente após a análise de
todos os requisitos apresentados acima é que o administrador público poderá
enquadrar o servidor investigado em algum tipo penal previsto no Estatuto dos
Servidores Públicos Civis da União e ter, assim, subsídios para a aplicação da
penalidade adequada ao caso concreto.
A finalidade das penas, não é importunar e atormentar um indivíduo e sim
impedir que pratique novas condutas delituosas, gerando mais danos aos seus
compatriotas e desaconselhar outras pessoas de fazer algo semelhante, sempre em
busca da tão esperada justiça. Beccaria (2005, p. 35) argumenta:
Não lhe é imposta somente como um meio de defesa social, senão também,
e muito principalmente, como um castigo devido a todo culpado; não é
considerada um remédio contra o crime, mas uma punição merecida, em
vista do mal que voluntariamente fez. Ela é aplicada, não em nome da
conservação da sociedade, mas para a satisfação da justiça.
Freitas (1999, p. 121) argumenta que a maioria dos princípios que rege o
Direito Penal está, em consequência disto, também presente no Direito
Administrativo Disciplinar, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o
da humanidade, o da presunção de inocência, o da individualização da pena, o da
proporcionalidade, assim como a proibição da reformatio in pejus e a regra do non
bis in idem.
25
Assim, as regras processuais visam, além de tornar possível a concretização
da apuração de infrações disciplinares, o estabelecimento de um procedimento
administrativo amparado pelo devido processo legal, e sempre observando os
princípios do contraditório e da ampla defesa assegurados ao servidor que possui
alguma conduta em apuração. Freitas (1999, p. 121) exemplifica:
São exemplos de matéria processual no Direito Administrativo Disciplinar as
regras que estabelecem o procedimento mais adequado para a apuração
das faltas disciplinares (sindicância ou processo administrativo), o
estabelecimento de prazos para conclusão dos trabalhos da sindicância,
regras sobre a condução do processo, entre outros.
Desta forma, a sanção disciplinar regularmente prevista em lei deve funcionar,
nas palavras de Pinho (2011, p. 17), para “prevenir ostensivamente a ocorrência do
ilícito e, acaso configurada, para reprimir a conduta irregular”. Portanto, o objetivo da
penalidade administrativa é manter e retomar o regular e eficiente funcionamento da
Administração Pública Federal.
A pena, para Greco (2012, p. 2), é o instrumento de coerção de que se vale o
Direito Penal para a proteção de bens, valores e interesses mais significativos da
sociedade.
Em relação à pena, Beccaria (2013, p. 56) argumenta:
O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos
aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo. É, pois,
necessário selecionar quais penas e quais os modos de aplica-las, de tal
modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e
mais duradoura no espírito dos homens, e menos tormentosa no corpo do
réu.
Sobre o tema, Gasparini (2012, p.1109) se pronuncia:
A sanção disciplinar tem duas funções básicas: uma preventiva, outra
repressiva. A primeira induz o servidor a precaver-se para não transgredir
as regras disciplinares e funcionais a que está sujeito. Pela segunda, em
razão da sanção sofrida pelo servidor, restaura-se o equilíbrio funcional
abalado com a transgressão.
Destaca-se, aqui, que a principal finalidade da pena, segundo Bitencourt
(2012, p. 159), moldura-se na prevenção geral positiva limitadora, onde “a finalidade
preventiva seria alcançada através de uma mensagem dirigida a toda a coletividade
social”.
26
4 INTERPRETAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Em regra, a lei incompatível com a CF deve ser banida do universo jurídico
desde a sua publicação e, sob a ótica de Barroso (2015, p. 37), torna-se nula desde
o momento em que passou a produzir efeitos jurídicos. Porém, em respeito à
segurança jurídica, a decisão que declara a inconstitucionalidade pode optar em
modular os efeitos da decisão, de modo que a inconstitucionalidade passe a incidir a
partir de momento diverso, conforme dispõe o art. 27 da Lei nº 9.868-99, in verbis:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo
em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só
tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que
venha a ser fixado.
Existem dois sistemas de controle. Pelo sistema difuso, qualquer juiz ou
tribunal pode declarar uma lei inconstitucional, sendo certo que a declaração de
inconstitucionalidade por tribunal requer a manifestação da maioria de seus
membros ou do órgão especial. (BARROSO, 2015, p. 69)
O referido controle difuso é exercido em um caso concreto, como questão
incidental ao mérito, valendo a decisão apenas para as partes envolvidas, salvo se,
nessa hipótese, a lei for suspensa por decisão do Senado Federal, usando a
faculdade do art. 52, inc. X, da Carta Magna.
Por outro lado, o controle também pode ser exercido de forma concentrada
pelo STF, hipótese em que a inconstitucionalidade será analisada em tese, onde a
decisão valerá para todos, com eficácia erga omnes, por intermédio de ADI, ADI
Interventiva, ADC, ADO e ADPF. Referindo-se aos meios de controle, Mendes
(2012, p. 278) destaca:
Todos esses processos são dotados de perfil objetivo e destinam-se à
proteção da ordem constitucional como um todo. As decisões neles
proferidas, porém, podem repercutir sobre posições individuais,
especialmente no que concerne à constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de atos normativos que afetem direitos subjetivos. Daí
a importância que podem assumir no sistema de proteção judicial.
Nessa esteira, é a supremacia da Carta Magna que impede a legislação
infraconstitucional de afrontar os preceitos constitucionais, sujeitando-a ao controle
27
jurisdicional mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade, como ocorreu com
relação a pena de demissão “a bem do serviço público”, no momento em que o
então Procurador-Geral da República Cláudio Fonteles, ajuizou a ADI n.º 2975 em
29 de agosto de 20035, requerendo que seja declarada a inconstitucionalidade do
parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90.
Como argumentos favoráveis a inconstitucionalidade desse dispositivo temos
que a Constituição da República Federativa do Brasil preceitua que todos são iguais
perante a lei e terão garantidos o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade [art. 5º, caput], assegurando-se ainda, dentre outras, a
não aplicação de pena de caráter perpétuo6, seja a pena no âmbito que for: civil,
administrativo ou criminal.
Hungria (1956-1995, citado por Vitta, 2003, p.34) nos trás importante reflexão
sobre a semelhança entre as penas na esfera criminal e na administrativa:
Se nada existe de substancialmente diverso entre ilícito administrativo e
ilícito penal, é de negar-se igualmente que haja uma pena administrativa
essencialmente distinta da pena criminal. Há também uma fundamental
identidade entre uma e outra, posto que pena, seja de um lado, o mal
infligido por lei como consequência de um ilícito e, por outro lado, um meio
de intimidação ou coação psicológica na prevenção contra o ilícito. São
espécies do mesmo genus. Seria esforço vão procurar distinguir, como
coisas essencialmente heterogêneas, a multa administrativa e a multa do
direito penal. Dir-se-á que só esta é conversível em prisão; mas isto
representa maior gravidade e não diversidade de fundo. E se há sanções
em direito administrativo que o direito penal desconhece (embora nada
impediria que as adotasse), nem por isso deixam de ter as penas
administrativas, o mesmo caráter de contragolpe do ilícito, à semelhança
das penas criminais [...].
No entendimento do então PGR, a pena de demissão a bem do serviço
público configura-se numa espécie de pena de interdição de direitos, não podendo
ser esta aplicada de maneira definitiva, haja vista que o próprio legislador penal
evidenciou preocupação no cumprimento desse preceito constitucional ao
estabelecer a pena restritiva de direitos de interdição por período determinado7,
reafirmando o preceito de não imposição de penalidade perpétua. Vejamos:
Dentre as modalidades de penas passíveis de serem impostas no
ordenamento jurídico brasileiro, elencadas na alínea “e” do inciso XLVI do
art. 5º da Constituição Federal inclui-se a pena de suspensão ou interdição
de direitos. Resta inquestionável que a proibição de retorno ao serviço
5 Sem nenhum andamento no STF desde maio de 2008.
6 Art. 5º, inc. XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos
do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.
7 Art. 43 do CP. As penas restritivas de direitos são: V – interdição temporária de direitos.
28
público, prevista no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90, constitui-
se em pena de interdição de direitos, devendo, portanto, obedecer ao
comando de perpetuidade das penas. (BRASIL. STF, 2003b).
Podemos destacar ainda, que o Código Penal prevê a aplicação de pena por
no máximo 30 anos, sendo vedada, como já mencionado anteriormente, a imposição
de penalidade permanente inclusive no âmbito do Direito Administrativo, para
Mendes (2012, p. 346) “a proibição de pena perpétua repercute em outras relações
fora da esfera propriamente penal [...]”.
Importante salientar que o próprio Pretório Excelso já se manifestou sobre
essa vedação de penas que inabilitem de forma definitiva, ou seja, perpétua o
exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras no
seguinte acórdão:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E
PROCESSUAL CIVIL. PENA DE INABILITAÇÃO PERMANENTE PARA O
EXERCÍCIO DE CARGOS DE ADMINISTRAÇÃO OU GERÊNCIA DE
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. INADMISSIBILIDADE: ART. 5, XLVI, "e",
XLVII, "b", E § 2, DA C.F. REPRESENTAÇÃO DA UNIÃO, PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE PARA INTERPOSIÇÃO DO R.E.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. À época da interposição do R.E., o
Ministério Público federal ainda representava a União em Juízo e nos
Tribunais. Ademais, em se tratando de Mandado de Segurança, o Ministério
Público oficia no processo (art. 10 da Lei nº 1.533, de 31.12.51), e poderia
recorrer, até, como "custos legis". Rejeita-se, pois, a preliminar suscitada
nas contra-razões, no sentido de que lhe faltaria legitimidade para a
interposição. 2. No mérito, é de se manter o aresto, no ponto em que
afastou o caráter permanente da pena de inabilitação imposta aos
impetrantes, ora recorridos, em face do que dispõem o art. 5, XLVI, "e",
XLVII, "b", e § 2 da C.F. 3. Não é caso, porém, de se anular a imposição de
qualquer sanção, como resulta dos termos do pedido inicial e do próprio
julgado que assim o deferiu. 4. Na verdade, o Mandado de Segurança é de
ser deferido, apenas para se afastar o caráter permanente da pena de
inabilitação, devendo, então, o Conselho Monetário Nacional prosseguir no
julgamento do pedido de revisão, convertendo-a em inabilitação temporária
ou noutra, menos grave, que lhe parecer adequada. 5. Nesses termos, o
R.E. é conhecido, em parte, e, nessa parte, provido. 10
(BRASIL. STF, 1998).
Segundo os ensinamentos de Rigolin (2012, p. 337), a disposição do
parágrafo único do art 137 da Lei nº 8.112/90 é tão severa que chega a ser
inconstitucional, já que veda em caráter definitivo o retorno do ex-servidor ao serviço
público federal, caracterizando, assim, a incidência de penalidade perpétua, a qual é
inadmissível no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposição do art. 5º, inc.
XLVII, “b”, da Carta Magna. O autor argumenta então, in verbis:
Neste ponto é preciso corrigir a omissão de edições anteriores, as quais,
ainda que reconhecendo a dureza do dispositivo, não alertam para a
29
inconstitucionalidade, de resto patente, do comando deste parágrafo único,
que é facilmente derrubado na justiça.
Possui o mesmo entendimento Diniz, P. (2012, p. 337 e 338), no momento em
que defende essa penalidade mais severa para os ilícitos em questão, porém
reconhece seu caráter perpétuo, portanto, inconstitucional.
Mattos (2012, p. 850), que faz uma abordagem bem ampla sobre o assunto,
defende, inclusive, a inconstitucionalidade também do caput do art. 137 da Lei nº
8.112/90 sob a fundamentação da vedação disciplinada neste artigo não estar
contemplada no rol do art. 37, inc. I, da CF: “os cargos, empregos e funções públicas
são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei,
assim como aos estrangeiros, na forma da lei”, argumenta o autor.
Ressalta ainda que os requisitos para investidura em cargo público devem se
ater aos que estão estritamente expressos no art. 5º da Lei 8.112/90, não constando
desses requisitos os antecedentes de boa ou má conduta funcional para impedir
nova investidura em cargo público federal, in verbis:
São requisitos básicos para investidura em cargo público:
I – a nacionalidade brasileira;
II – o gozo dos direitos políticos;
III – a quitação com as obrigações militares e eleitorais;
IV – o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo;
V – a idade mínima de dezoito anos;
VI – aptidão física e mental.
Portanto, Mattos (2012, p. 850) defende que essa restrição imposta pelo
caput do art. 137 é desarrazoada também pelo seguinte argumento:
[...] a pena é a cessação do vínculo público, não funcionando o direito
administrativo como ressocializador ou recuperador de infratores perante a
sociedade. Esta é a função do direito penal, que visa, na ressocialização do
criminoso o convívio com a sociedade, quando ele comete um crime punido
com a privação da liberdade.
Todavia, conforme os ensinamentos da doutrinadora Rocha (1999), cabe
individualmente à entidade política respectiva “elaborar a lei definindo os requisitos a
serem cumpridos pelos interessados aos diferentes cargos” e completa: “ para cada
um deles será legitimado um rol de exigências que terá de ser juridicamente
adequado para ser considerado constitucional”. (Grifo nosso).
Seguindo este entendimento, temos o seguinte julgado do TRF da 1ª Região
que reafirma a impossibilidade de exigir do candidato requisitos que não estejam
previstos em lei, não competindo ao edital do certame inovar nas exigências:
30
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - ENSINO SUPERIOR -
CONCURSO PÚBLICO - PROFESSOR AUXILIAR DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO MARANHÃO - ILEGALIDADE DE REQUISITOS EXIGIDOS
EM EDITAL - SENTENÇA CONFIRMADA. 1. As exigências de
acessibilidade aos cargos públicos, conforme dispõe o art. 37, I, CF/88,
serão previstas em lei. 2. Dispondo a Lei 8.112/90, em seu art. 5º, inciso IV
e § 1º, que o nível de escolaridade é requisito para investidura em cargo
público e que outras exigências só podem ser feitas mediante lei, não
poderia simples edital restringir o acesso de candidato que preenche os
requisitos legais. 3. Apelação e remessa a que se nega provimento.
(BRASIL. TRF 1ª Região, 2000).
Mattos (2012, p. 851) continua, então, sua análise do art. 137 do Estatuto dos
Servidores Públicos Civis Federais argumentando a inconstitucionalidade de seu
parágrafo único, objeto de nosso estudo, pelo fato do mesmo instituir pena de
caráter perpétuo, ou seja, em desacordo ao estipulado na Constituição.
A vedação de penalidade permanente ocorre segundo Mattos (2012, p. 851),
“porque ela é limitada no tempo, com a finalidade de punir e reconduzir o infrator ao
convívio social, em respeito às garantias constitucionais, à liberdade e à dignidade
humana”.
Diante disso, temos que o Eg. Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela
impossibilidade de pena que inabilite de forma permanente, ou seja, perpétua o
exercício de atividade profissional, tendo em vista que a vedação de penas
perpétuas prevista em nossa Constituição deve se estender também às penalidades
de suspensão e interdição de direitos capitulados no art. 5º, inc. XLVI, alínea “e”, e
não ficar adstrita somente às penas privativas de liberdade. Vejamos:
CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIRETOR DE
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PENA DE INABILITAÇÃO PERMANENTE.
IMPOSSIBILIDADE.
ART. 5., LXXVII, PAR. 2., E LXVI, LETRA E, DA CF. DEFERIMENTO.
I. OS DIREITOS E GARANTIAS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EXCLUEM OUTROS TANTOS
DECORRENTES DO REGIME E DOS PRINCIPIOS NELA ADOTADOS
(ART. 5., LXXVII, PAR.2.).
II. A VEDAÇÃO AS PENAS DE CARATER PERPETUO NÃO PODE SER
INTERPRETADA RESTRITIVAMENTE, ESTENDENDO-SE AS
PENALIDADES DE SUSPENSÃO E INTERDIÇÃO DE DIREITOS
CAPITULADOS NO INCISO LXVI, LETRA E, DO MESMO ARTIGO.
III. SEGURANÇA CONHECIDA. (BRASIL. STJ, 1991).
Mattos (2012, p. 851) assevera:
Ao ser punido, pelo crime ou pela infração cometida no serviço público
federal, o servidor estará livre para voltar ao ente público, ou por concurso
público (art. 37, II, da CF) ou através de nova nomeação para o cargo de
confiança, pois o cumprimento de uma pena apaga o seu resíduo, não se
admitindo a perpetuidade de uma sanção.
31
Ao servidor público, quando da prática de qualquer infração, é aplicada a
devida sanção, seja ela disciplinada em lei penal, administrativa ou civil, não sendo
proporcional, portanto, a vedação em definitivo de retorno do ex-servidor ao serviço
público federal, do contrário estaria sendo penalizado duas vezes e perpetuamente,
sendo isso totalmente inconcebível. (MATTOS, 2012, p. 852).
Assim, a inabilitação permanente tem, nas palavras de Mattos (2012, p. 852)
“o condão de dar término em vida ao ser humano, que mesmo tendo cometido uma
infração grave merece a chance de poder viver dignamente perante a sociedade”.
Resta claro para o autor que uma das finalidades primordiais da aplicação de
pena é a ressocialização do servidor público federal, objetivando “que ele se
recupere em um futuro próximo e possa conviver harmonicamente com a
sociedade”.
Salienta-se então, que Mattos (2012, p. 852) considera inconstitucional todo o
art. 137 da Lei nº 8.112/90, completando que “ao ser cumprida a pena, com a
demissão, está encerrada a relação jurídica do servidor com a Administração
Pública”. Portanto, somente com nova investidura, mediante nomeação, surgirá uma
outra situação jurídica desvinculada totalmente da anterior.
Por outro lado, uma doutrina minoritária entende que essa penalidade decorre
do entendimento legislativo de que o servidor público demitido “a bem do serviço
público” não possui a devida ética e moral que são exigidas por lei para nova
investidura na função pública, no momento em que afrontaram os princípios que
regem a Administração. (WEICHERT, 2006, citado por MENEZES, 2011, p. 05).
Assim argumenta Weichert (2006, citado por MENEZES, 2011, p. 05):
É pertinente observar que a proibição de ingresso no serviço público será
aplicada a um agente público que teve a oportunidade de compor os
quadros da administração, mas que não cumpriu seus deveres legais de
honestidade e fidelidade. Não se trata, pois, de presumir a incompatibilidade
do indivíduo com a função pública, mas sim de reconhecer que ele praticou
um ato concreto de lesão aos interesses que deveria resguardar. Há a
perda do direito de acesso a cargos públicos, por decorrência de conduta do
próprio agente em oportunidade anterior. (WEICHERT, 2006, citado por
MENEZES, 2011, p. 05).
Conforme Weichert (2006, citado por MENEZES, 2011, p. 06), “a
impossibilidade de retorno ao serviço público não fere a vedação constitucional de
pena de caráter perpétuo, por não configurar propriamente uma sanção”; sendo a
32
demissão a penalidade verdadeiramente imposta ao servidor público, que é aplicada
instantaneamente.
O autor defende então que “o que impede o retorno do ex-servidor é a
existência de uma causa de inaptidão ou a falta de requisito obrigatório para nova
investidura, e este será sempre definido pela lei. ” (WEICHERT, 2006, citado por
MENEZES, 2011, p. 05).
Desta forma, para a minoria, não seria inconstitucional a aplicação do
parágrafo único do art. 137 do Regime Jurídico em estudo, haja vista a não
caracterização de uma pena propriamente dita e sim o simples fato daquele ex-
servidor não atender mais aos critérios de moralidade e ética estabelecidos pela
Administração Pública para a investidura em função ou cargo públicos.
33
5 CONCLUSÃO
Por trazer consigo o respeito à dignidade da pessoa humana, a garantia
constitucional de que não serão impostas penas de caráter perpétuo configura-se
como uma das mais marcantes.
Entretanto, essa garantia Constitucional vem sendo desprezada pelo
parágrafo único do art. 137 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, que
decreta a proibição de retorno ao serviço público federal, ou seja, estabelece a
incidência de penalidade de caráter perpétuo, vedada expressamente pela CF em
seu art. 5º, inc. XLVII, “b”.
Consideramos que essa não aceitação do ex-servidor que recebeu severa
penalidade demonstra que a Administração não acredita em sua capacidade de se
arrepender e de adotar conduta diversa da anteriormente praticada.
No entanto, não defendemos aqui a impunidade do servidor público que
assumiu condutas que vão de encontro aos princípios éticos e morais da
Administração Pública, uma vez que os serviços públicos devem ser prestados por
pessoas idôneas, direito do Estado e dos cidadãos. Defendemos, sim, que lhe seja
aplicada uma penalidade, mas que esta seja por tempo determinado e que seja
proporcional.
Em vista disso, repudiamos a vedação em caráter permanente para nova
investidura, mediante novo concurso público, do ex-servidor que tenha sofrido
penalidade de demissão, tendo em vista que a vedação constitucional às penas de
caráter perpétuo deve ser interpretada de forma extensiva, alcançando, inclusive, as
penalidades administrativas, por se tratar de uma garantia prevista na Carta Magna
com efeito erga omnes.
Embora o art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal preceitue que, nos
casos em que houver lesão ou ameaça a direito subjetivo, esses atos poderão ser
objeto de apreciação pelo Poder Judiciário, tem-se que a penalidade de demissão
vem sendo aplicada de forma indiscriminada pela Administração Pública. Restando
ao servidor apenas acatar a decisão administrativa, até que esta possa ser revista
pelo judiciário, causando, até lá, prejuízos imensuráveis.
Ademais, entendemos que no momento em que a Administração impede o
retorno do ex-servidor, ela caminha em desencontro à finalidade ressocializadora da
34
pena e aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que devem ser
observados sempre que uma penalidade é decretada, bem como todos os demais
princípios explícitos e implícitos na Constituição Federal e nos diplomas legais
infraconstitucionais.
Logo, o servidor punido com a demissão qualificada carrega eternamente
esse estigma, sem justificativa aceitável, não podendo mais exercer atividade lícita
nos quadros da Administração Pública Federal.
Nesta ocasião, não há que se falar em supremacia do interesse público sobre
o particular, na medida em que esse princípio da administração pública não deve ser
compreendido de forma absoluta, e sim, examinado caso a caso, com a devida
observância de suas peculiaridades, caso contrário seria inaplicável a garantia dos
direitos individuas.
Portanto, o legislador originário não observou de forma adequada a garantia
constitucional de não imposição de penas de caráter perpétuo, assegurada ao
indivíduo, quando instituiu a pena de demissão a bem do serviço público no
ordenamento jurídico, configurando uma afronta à Magna Carta.
Partindo, então, do Princípio da Supremacia da Constituição, chegamos à
conclusão de que o parágrafo único do artigo 137 da Lei nº 8.112/90 deve ser
considerado inconstitucional, a julgar pela aplicação de penalidade perpétua ao ex-
servidor no instante em que lhe é defeso o retorno ao serviço público federal na
oportunidade de imposição da demissão a bem do serviço público.
35
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito
Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 7
ed., ver. e atual. São Paulo, SP: Saraiva, 2015.
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Tribunais, 2013. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella
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de acordo com a Lei nº 12.550, de 2012. São Paulo: Saraiva, 2012.
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Constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.
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1988. Brasília, 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em: 23 mar. 2016.
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico
dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas
federais. Brasília, 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm>. Acesso em: 23 mar. 2016.
BRASIL. Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo
no âmbito da Administração Pública Federal. Brasília, 1999. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9784.htm>. Acesso em: 14 abr. 2016.
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Estado do Maranhão. Agravado: Célio Gitahy Vaz Sardinho. Relatora: Min. Cármen
Lúcia. Brasília, 25 de agosto de 2009. Disponível em:
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Acesso em: 02 mar. 2015.
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Sakakibara . Impetrado: Presidente da República.Relator: Carlos Velloso. Brasília,
10 de abril de 2002. Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev1/files/JUS2/STF/IT/MS_23242_SP%20_10
.04.2002.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 23625 DF. Impetrante: Rodrigo Vaz de
Mello. Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Min. Maurício Corrêa.
Brasília, 08 de novembro de 2001. Disponível em:
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Bernardo Rosenberg. Reclamado: União. Relator: Min. Eros Grau. Brasília, 30 de
36
novembro de 2004. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=00009
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República. Requerido: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Min.
Gilmar Mendes. Brasília, 25 de agosto de 2003b. Disponível em:
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0 >. Acesso em: 31 mai. 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 154134 SP. Reclamante: União Federal.
Reclamado: Jose Roberto Lamacchia e outro. Relator: Min. Sydney Sanches.
Brasília, 15 de dezembro de 1998. Disponível em:
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maio de 2000. Disponível em:
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37
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  • 1. Pró-Reitoria de Graduação Escola de Direito Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DEMISSÃO A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO NO ÂMBITO FEDERAL Autora: Jocasta da Silva Dias Orientadora: Profª. Esp. Dark’ Ane Mendes Teixeira Brasília - DF 2016
  • 2. JOCASTA DA SILVA DIAS DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DEMISSÃO A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO NO ÂMBITO FEDERAL Monografia apresentada ao curso de graduação em direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Esp. Dark’ Ane Mendes Teixeira Brasília,DF
  • 3. 2016 Brasília 2016 Monografia de autoria de Jocasta da Silva Dias, intitulada DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA DEMISSÃO A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO NO ÂMBITO FEDERAL, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em 22 de junho de 2016, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _________________________________________________ Prof. Esp. Dark´Ane Mendes Teixeira Orientadora Direito – UCB _________________________________________________ Prof. Esp. Gleidson Bomfim da Cruz Direito – UCB _________________________________________________ Prof. Esp. Jane de Oliveira Rabelo de Almeida Direito – UCB Brasília,DF 2016
  • 4. Dedico à minha família, amigos e professores pelo apoio prestado na realização deste trabalho. .
  • 5. AGRADECIMENTO Agradeço primeiramente aos meus pais, que sempre estiveram ao meu lado me orientando e apoiando em todas as ocasiões, e me ajudaram a alcançar mais essa grande conquista; a minha orientadora, pela dedicação e correções; aos colegas, pelas sugestões e ajuda com a bibliografia; aos amigos conquistados ao longo dessa jornada, em especial à Francinete Souza, fiel companheira no decorrer de todo o curso e, finalmente, aos funcionários da biblioteca pelo suporte em todas as pesquisas, em especial à Ariane.
  • 6. "Coloque a lealdade e a confiança acima de qualquer coisa; não te alies aos moralmente inferiores; não receies corrigir teus erros." Confúcio
  • 7. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABREVIATURAS AgR. Art. Eg. Inc. Agravo Regimental Artigo Egrégio Inciso Min. Nº P. Rel. Ministro Número Página Relator SIGLAS ADC ADI ADO ADPF AI CF CGU CLT CP DF DJe EC HC MP MS PAD PGR RE STJ STF TRF Ação Direta de Constitucionalidade Ação Direta de Inconstitucionalidade Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Agravo de Instrumento Constituição Federal Controladoria Geral da União Consolidação das Leis do Trabalho Código Penal Distrito Federal Diário de Justiça eletrônico Emenda Constitucional Habeas Corpus Ministério Público Mandado de Segurança Processo Administrativo Disciplinar Procurador Geral da República Recurso Extraordinário Superior Tribunal de Justiça Supremo Tribunal Federal Tribunal Regional Federal
  • 8. RESUMO Referência: Dias, Jocasta da Silva. Da (In)Constitucionalidade da Demissão a Bem do Serviço Público no Âmbito Federal. 37 folhas. Monografia (Graduação em Direito) – Escola de Humanidade e Direito. Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2016. Este trabalho de conclusão de curso tem por escopo demonstrar a inconstitucionalidade da sanção administrativa de demissão qualificada prevista no art. 137, parágrafo único, da Lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990. Mais conhecida por demissão a bem do serviço público, essa penalidade veda o retorno, em definitivo, ao serviço público federal do servidor que foi demitido em razão de alguma das hipóteses do parágrafo único do referido artigo, gerando assim um impedimento permanente. A Constituição da República Federativa do Brasil prevê expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, bem como a vedação de imposição de penas de caráter perpétuo. Enquadrada, então, pela doutrina na classificação de pena restritiva de direitos, deve-se estender à demissão a garantia constitucional de proibição de penas com caráter permanente, considerando também a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade quando da aplicação dessa penalidade. Palavras-chave: Direito Administrativo. Servidor Público. Demissão. Pena Perpétua. Incidência. Inconstitucionalidade.
  • 9. ABSTRACT This work of course completion is scope to demonstrate the unconstitutionality of the administrative penalty of dismissal qualified as provided for in art. 137, sole paragraph, of Law Nº. 8,112 of December 11, 1990. Most well known for the resignation of public service, this penalty prohibits the return, ultimately, the federal public service of the server that was dismissed because of some of the assumptions of the sole paragraph of that article, thus generating permanent impediment. The Constitution of the Federative Republic of Brazil expressly provides for the principle of human dignity as a cornerstone of a democratic state, as well as the sealing of imposing penalties perpetuity. Framed, then the doctrine of classification penalty restricting rights, should extend to the dismissal of the constitutional guarantee prohibiting pens with permanent, also considering the application of the principles of proportionality and reasonableness when applying this fee. Keywords: Administrative Law. Government employee. Dismissal. Life sentence. Incidence. Unconstitutionality.
  • 10. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................11 2 PENALIDADE DE DEMISSÃO ........................................................................13 2.1 PREVISÃO LEGAL...........................................................................................15 2.2 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DA DEMISSÃO QUALIFICADA........................17 2.2.1 Crimes contra a Administração Pública....................................................17 2.2.2 Improbidade Administrativa .......................................................................18 2.2.3 Aplicação Irregular de Dinheiro Público ...................................................20 2.2.4 Lesão aos Cofres Públicos e Dilapidação do Patrimônio Nacional........21 2.2.5 Corrupção ....................................................................................................21 3 APLICAÇÃO E FINALIDADE DA PENA DE DEMISSÃO...............................23 4 INTERPRETAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL...........................26 5 CONCLUSÃO ..................................................................................................33 REFERÊNCIAS.........................................................................................................35
  • 11. 11 1 INTRODUÇÃO Sabe-se que hoje os servidores públicos federais representam uma parcela considerável de agentes públicos, e exercem determinadas funções extremamente necessárias para a manutenção das atividades da União. Para que haja o controle desses servidores a Lei nº 8.112/90 prevê penalidades passíveis de serem aplicadas ao servidor, quando do cometimento de algum ato ilícito, desde que haja prévia averiguação da referida infração administrativa através de um Processo Administrativo Disciplinar – PAD –, observando, sempre, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Dentre essas penalidades administrativas, temos previstas no art. 132 da referida lei a pena de demissão que traz no art. 137 duas formas: uma é a demissão simples que restringe o retorno ao serviço público federal do ex-servidor pelo período de 5 (cinco) anos. A outra forma é a demissão qualificada, que traz como consequência o impedimento definitivo de nova investidura em cargo público federal do ex-servidor que tenha sido demitido em quaisquer das hipóteses previstas em seu parágrafo único, conhecida por “demissão a bem do serviço público”. Acontece que, em virtude desse impedimento de caráter permanente contido no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90, temos uma evidente afronta à vedação constitucional de aplicação de penas de caráter perpétuo existente no Brasil, no instante em que não é ofertada ao ex-servidor nova oportunidade de investidura em cargo ou função pública, sendo renegado para sempre do serviço público federal. Ponderando, então, o que dispõe a Carta Magna em relação aos direitos e garantias fundamentais, aos seus princípios e a finalidade da pena no direito brasileiro, não seria a penalidade de demissão a bem do serviço público eivada de inconstitucionalidade? Uma vez que veda em caráter definitivo o retorno do ex- servidor ao quadro de servidores da Administração Pública Federal. Esse tema, além de ser o objeto de nosso interesse, já foi alvo de provocação ao Supremo Tribunal Federal – STF – mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI –, tendo como justificativa a presença de manifesto caráter perpétuo da
  • 12. 12 penalidade de demissão a bem do serviço público, entretanto seu mérito não foi julgado até a presente data. No primeiro capítulo, dissertaremos a respeito da penalidade de demissão demonstrando as possibilidades previstas em lei para sua imposição, bem como suas hipóteses de aplicação observando, ainda, os pertinentes princípios constitucionais e penais para a correta aplicação desta sanção. No segundo capítulo, iniciaremos o debate a respeito das finalidades que as penas administrativas desempenham no ordenamento jurídico brasileiro, bem como sua correta aplicação. No terceiro capítulo, enfim, constata-se que a penalidade administrativa, bem como qualquer outra pena do nosso ordenamento jurídico, deve ser aplicada com observância de todos os requisitos legais, exercendo sempre sua finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora. Para analisar a presente problemática, adotamos a técnica de pesquisa bibliográfica através de averiguação doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema em questão, com o emprego do método dedutivo-qualitativo para se chegar a uma conclusão.
  • 13. 13 2 PENALIDADE DE DEMISSÃO A penalidade da demissão está prevista no art. 127, inciso III, da Lei nº 8.112/90 e, sob a ótica de Marinela, F. (2015, p. 650), “trata-se do desligamento do servidor do cargo que ocupa em razão da prática de uma infração funcional grave, é pena”. Podendo ser aplicada nas seguintes situações: 1) como uma penalidade decorrente da prática de infração disciplinar apurada em um devido PAD em que lhe seja assegurada ampla defesa, ou ainda 2) por motivo de insuficiência de desempenho declarada em avaliação periódica de desempenho, na forma a ser devidamente regulamentada por Lei Complementar [art. 41, da CF/88]. Conforme os ensinamentos de Rocha (1999, p. 452), temos que: A demissão é um ato da Administração Pública de natureza vinculada. Nem pode a entidade administrativa demitir quando quiser, nem pode deixar de demitir quando se figurar a hipótese legal determinante de tal comportamento. Conhecida como expulsão do serviço público, a demissão é aplicável pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas Legislativas, dos Tribunais Federais e pelo Procurador Geral da República – PGR, de acordo com a esfera a que o servidor esteja submetido, quando da ocorrência de quaisquer das infrações graves arroladas no art. 132 do Estatuto. Diante dessa situação Marinela, F. (2015, p. 650), lembra que ao servidor é garantido o contraditório e a ampla defesa. Ressaltamos, aqui, o teor do enunciado de súmula nº 21 do Supremo Tribunal Federal – STF –: “funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade”. Nesse sentido: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. EXONERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Para a exoneração de servidor público, ainda que em estágio probatório, é imprescindível a observância do devido processo legal com as garantias a ele inerentes. Precedentes. 2. Impossibilidade de reexame de provas em recurso extraordinário: incidência da Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. (BRASIL. STF, 2009).
  • 14. 14 A EC nº 19/1998 institui a possibilidade de o servidor estável ser desligado em virtude de insuficiência no desempenho de suas funções, desde que devidamente comprovada em avaliação funcional e mediante o competente processo administrativo, assegurada a ampla defesa para evitar arbitrariedades. (CARVALHO FILHO, 2015, p.705). De acordo com a doutrina de Mello (2014, p. 330), a medida disciplinar para as faltas sancionáveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo ou função prescreve em 5 (cinco) anos a contar da data em que a infração foi conhecida, sendo que se a infração for também enquadrada como crime, devem ser aplicados os prazos prescricionais previstos na lei penal. Rocha (1999, p. 452) ensina: Demissão, no sistema brasileiro, é pena. Logo, somente pode ocorrer quando houver previsão legal da falta autorizativa de tal decisão e quando ela for apurada em processo administrativo disciplinar no qual se conclua por aquela exclusão. A pena de demissão, de acordo com os ensinamentos de Marinela, F. (2015, p. 650), pode ser convertida em pena de cassação ou de destituição. A primeira situação verifica-se caso o servidor tenha cometido uma infração grave enquanto exercia sua função pública e se aposentou ou entrou em disponibilidade, em outras palavras, a pena de demissão que lhe seria imposta se estivesse na ativa será transformada em pena de cassação de aposentadoria ou de disponibilidade, conforme o caso, disciplinada no art. 127 da Lei nº 8.112/901. (MARINELA F, 2015, p. 650). Já se o servidor ocupar um cargo em comissão ou função de confiança e também praticar uma infração grave, a penalidade de demissão será transformada em destituição de cargo em comissão ou função comissionada, previstas como penalidades disciplinares no mesmo art. 127 da Lei nº 8.112/90. (MARINELA F, 2015, p. 650). Dessa forma, percebe-se que a penalidade de demissão se aplica aos casos expressamente previstos em lei, com a devida observância aos princípios constitucionais aplicáveis ao caso concreto, estejam eles explícitos ou implícitos. 1 Art. 127. São penalidades disciplinares: I – advertência; II – suspensão; III – demissão; IV – cassação de aposentadoria ou disponibilidade; V – destituição de cargo em comissão; VI – destituição de função comissionada.
  • 15. 15 Os princípios são como a base de uma construção, pois oferecem o devido suporte para todo o ordenamento jurídico. (ATALIBA, 2001 citado por VITTA, 2003, p. 69). Ferraz e Dallari (2002 citado por VITTA, 2003, p. 69-70) ensinam: Os princípios são normas dotadas de positividade, pois determinam condutas obrigatórias, ou impedem a adoção de comportamentos com eles incompatíveis. Além disso, são vetores interpretativos, porque servem para orientar a correta interpretação das normas isoladas. Podem ser subdivididos em explícitos ou implícitos, à medida que estejam ou não previstos expressamente na Carta Magna. Os princípios constitucionais explícitos ou expressos são aqueles que se encontram positivados na CF de 1988. Entre os princípios mais relevantes para o tema objeto do nosso estudo estão: a dignidade da pessoa humana que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme prevê explicitamente o art. 1º, inc. III, da Carta Maior de 19882. Outro princípio expressivo para o tema em questão é o da presunção de inocência, que se encontra positivado no art. 5º, inc. LVII, da CF, in verbis: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Já os princípios constitucionais implícitos, ou não expressos, são aqueles consequentes da análise dos próprios preceitos constitucionais, dentre os quais podemos citar os mais pertinentes à problemática aqui apresentada, sendo: o princípio da proporcionalidade, da razoabilidade, da supremacia da Constituição e o da supremacia do interesse público. 2.1 PREVISÃO LEGAL Como já vimos, o inc. III do art. 127 da Lei nº 8.112/90 elenca como uma das penalidades disciplinares possíveis a sanção de demissão. 2 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana.
  • 16. 16 Esta penalidade administrativa será aplicada nas situações legalmente estabelecidas, após o devido processo legal, não podendo ser utilizada livremente pelo administrador público como forma de retaliação de seu servidor. Normatiza o artigo 132 do mesmo diploma legal: Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: I – crime contra a administração pública; II – abandono de cargo; III – inassiduidade habitual; IV – improbidade administrativa; V – incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; VI – insubordinação grave em serviço; VII – ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; VIII – aplicação irregular de dinheiros públicos; IX – revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; X – lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; XI – corrupção; XII – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; XIII – transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117. A demissão se apresenta sob dois aspectos, conforme disciplina o artigo 137, caput e seu parágrafo único do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. O caput do artigo prevê que após decorridos cinco anos da aplicação da sanção de demissão, possa ocorrer nova investidura em cargo público federal do ex- servidor [a chamada demissão simples] mediante, é claro, nova aprovação em concurso público ou nomeação para cargo de confiança, in verbis: Art. 137. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, incisos IX e XI, incompatibiliza o ex‑ servidor para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Já o parágrafo único prescreve a determinação de que o ex-servidor não poderá mais retornar ao serviço público federal em definitivo [demissão qualificada], a chamada “demissão a bem do serviço público”, que se aplica quando da constatação de violação ao disposto nos incisos I, IV, VIII, X e XI desse artigo, os quais serão detalhados a seguir:
  • 17. 17 2.2 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DA DEMISSÃO QUALIFICADA As situações descritas abaixo estão elencadas no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90 como circunstâncias que vedam o retorno ao serviço público federal do servidor demitido ou destituído de seu cargo, in verbis: Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI. Tais hipóteses de demissão mais gravosas ao servidor serão estudadas com mais detalhes, a seguir. 2.2.1 Crimes contra a Administração Pública Esses crimes estão elencados no capítulo I do título XI do Código Penal, compreendendo do artigo 312 ao 327 desse diploma legal. Os artigos acima disciplinam sobre os crimes praticados por funcionário público contra a Administração como o Peculato, a inserção de dados falsos em sistema de informações, o extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento, a concussão, a prevaricação, a violação de sigilo funcional, dentre outros. Quando o servidor público comete quaisquer destas condutas está sujeito a aplicação por parte da Administração da pena de demissão prevista no inc. I, do art. 132 da Lei nº 8.112/90, bem como seu efeito de exclusão permanente do quadro de servidores federais, caracterizador da demissão qualificada. Mattos (2012, p. 739) entende que seria mais plausível que se aguardasse a conclusão do processo penal quando os fatos se relacionarem com crimes contra a Administração Pública para, então, dar prosseguimento e finalizar o processo administrativo. No entanto, não é este o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que reconhece a possibilidade de os processos administrativos e penais ocorrerem de forma simultânea e independente, em decorrência da autonomia das instâncias. Não sendo necessária, assim, a conclusão do processo penal para a aplicação da penalidade de demissão na esfera administrativa. Vejamos: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: DEMISSÃO. ILÍCITO ADMINISTRATIVO E ILÍCITO PENAL. INSTÂNCIA
  • 18. 18 ADMINISTRATIVA: AUTONOMIA. PRESCRIÇÃO: Lei 8.112/90, art. 142. I. - Ilícito administrativo que constitui, também, ilícito penal: o ato de demissão, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal instaurada contra o servidor por crime contra a administração pública, tendo em vista a autonomia das instâncias. II. - Precedente do STF: MS 23.401-DF, Velloso, Plenário. III. - Na hipótese de a infração disciplinar constituir também crime, os prazos de prescrição previstos na lei penal têm aplicação: Lei 8.112/90, art. 142, § 2º. Inocorrência de prescrição, no caso. IV. - Alegação de flagrante preparado: alegação impertinente no procedimento administrativo. V. - Mandado de segurança indeferido. (BRASIL. STF, 2002). Por outro lado, em que pese reconhecermos a independência entre os Poderes Executivo e Judiciário em suas atribuições tem-se que quando o fato não existir ou for negada sua autoria a decisão proferida em sede do processo penal repercutirá no processo administrativo. Assim entende o STF: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. EXCEÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO INEXISTENTE. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Sentença proferida em processo penal poderá servir de prova em processos administrativos apenas se a decisão concluir pela não ocorrência material do fato ou pela negativa de autoria. Exceção ao princípio da independência e autonomia das instâncias administrativa e penal. 2. Decisão judicial em sede penal incapaz de gerar direito líquido e certo de impedir o TCU de proceder à tomada de contas. 3. Questões controvertidas a exigir dilação probatória não são suscetíveis de análise em mandado de segurança. Segurança denegada. (BRASIL. STF, 2001). Ocorre que há, de acordo com os ensinamentos de Mattos (2012, p. 740), uma prática reiterada por parte da Administração Pública de aplicação de pena de demissão indiscriminadamente. Desta forma, ressalta o autor, só resta ao servidor acatar a decisão administrativa que lhe impôs penalidade de demissão e aguardar a finalização do procedimento penal para, se for o caso, solicitar uma revisão administrativa ou ingressar judicialmente com pedido de reintegração. 2.2.2 Improbidade Administrativa É o ato lesivo, imoral, praticado pelo servidor contra a Administração pública, por meio de uma conduta consciente e dolosa, comissiva ou omissiva. (MATTOS, 2010, p. 31). Segundo o consagrado jurista do Direito do Trabalho, Antônio Lamarca (2002, citado por Mattos (2010, p.31), é importante que aja a devida e necessária ponderação: “ …logo , ‘improbidade’ é ‘falta de probidade’; mau caráter;
  • 19. 19 desonestidade; maldade; perversidade (…) juridicamente, porém, o sentido deve ser menos amplo. A não ser assim, o prosseguimento de todo e qualquer vínculo empregatício ficaria sempre na dependência do bom caráter, da honradez e da ‘bondade’ (contrário da perversidade) do trabalhador: uma empresa de grandes proporções deveria manter em seus quadros milhares de obreiros honestos, bons, de bom caráter, o que seria o mais completo absurdo”. A própria Carta Magna dispôs no §4º de seu art. 37 a previsão de uma lei específica que regulasse sobre todos os assuntos pertinentes à improbidade administrativa, in verbis: § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. A improbidade administrativa foi então disciplinada pela Lei nº 8.429/92 e por ser específica em relação à matéria deve-se entender essa hipótese de demissão em estudo com moderação. (MATTOS, 2010, p.27) De acordo com Mattos (2012, p. 745) essa lei revogou tacitamente o inc. IV, do art. 132, da Lei nº 8.112/90 por conta de a primeira ser “responsável pela aplicação, verificação, processamento e apenamento dos casos de improbidade administrativa, em conformidade com o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil”3. Isso sob o argumento de que lei posterior revoga a anterior quando regule inteiramente a matéria, ou seja, a passagem do referido inc. IV possui um enquadramento vago e genérico, não devendo, portanto, ser aplicado pela Administração. Desta forma, a competência seria privativa do Poder Judiciário. Esse é o entendimento da Corte Suprema deste país: EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica 3 Art. 2º, § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
  • 20. 20 válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (BRASIL. STF, 2004). Assim, essa penalidade só poderá ser aplicada se provier da própria sentença judicial de condenação do servidor público. Sendo o Ministério Público – MP – titular dessa ação é ele quem deve requerer que seja imposta ao servidor essa penalidade, proibida sua aplicação pela Administração Pública. 2.2.3 Aplicação Irregular de Dinheiro Público O servidor público responsável que aplicar de forma irregular dinheiros públicos estará sujeito à pena de demissão prevista no inc. VIII do art. 132, do Estatuto dos Servidores, bem como, assim como todas as outras hipóteses de demissão qualificada, ao impedimento de voltar a compor o quadro de servidores da Administração Pública Federal. Mattos (2012, p. 809) define a aplicação irregular como “aquela feita em prejuízo ao erário e contrário ao estabelecido em lei ou no regulamento”. Completa ainda que mesmo que o servidor ou terceiro não se beneficie em virtude da aplicação irregular, o fato de envolver dinheiro público, pertencente a toda sociedade, causa repulsa aos cidadãos. Para Rigolin (2012, p. 325) a simples destinação indevida a verba pública por meio de servidor que a tinha sob sua guarda, ou seja, era o responsável, constitui ao mesmo tempo crime e infração administrativa, sendo esta última punível com a penalidade de demissão qualificada.
  • 21. 21 2.2.4 Lesão aos Cofres Públicos e Dilapidação do Patrimônio Nacional Quase finalizando as hipóteses que ensejam a demissão qualificada temos o inc. X, do art. 132, da Lei nº 8.112/90, que cuida da infração administrativa de lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional. O conceito lato sensu de patrimônio nacional para Diniz, P. (2012, p. 437) inclui todos os recursos financeiros dos cofres públicos. O autor ressalta também que a Fazenda Pública Federal Estadual e Municipal fazem parte integrante de um todo, desta forma danos que ocorram a qualquer um deles constituem lesão ao Patrimônio Nacional. Mattos (2012, p. 810) ensina, porém, que o conceito de patrimônio nacional deve ser entendido de maneira ampla no sentido de abranger todo o conjunto de bens que constituem o patrimônio da União, Estados, DF e Municípios e não somente os recursos financeiros como defende Diniz, P. (2006, p. 437). Destaca Mattos (2006, p. 811): não abrange o presente dispositivo legal somente a lesão aos cofres públicos, com a dilapidação de dinheiros, tendo em vista que o patrimônio (bens) também se insere no contexto sub oculis, onde o servidor público possui o dever de mantê-los intactos e bem administrados, como se fossem de sua propriedade. Como exemplos dessa infração citados por Mattos (2012, p. 812) temos a má administração e a perda de material e o seu desvio, dentre vários outros comportamentos inadequados cometidos por servidor. Acrescenta ainda que “o servidor público é obrigado a não permitir que ocorra a lesão aos cofres públicos, bem como a todos os valores patrimoniais dos entes públicos”. 2.2.5 Corrupção Este, por fim, como última hipótese de demissão qualificada, temos o inc. XI do art. 132, da Lei nº 8.112/90 que estabelece como infração disciplinar a corrupção passiva, prevista no art. 317 do CP: Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
  • 22. 22 § 2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. É salutar que a Administração Pública, ou o MP no âmbito do processo criminal, demonstre que a obtenção de vantagem indevida em razão da função exercida se deu em virtude de solicitação ou exigência do próprio servidor público, conforme argumenta Mattos (2012, p. 815): [...] na apuração do crime de corrupção passiva para que se evite injustiças, é necessário que haja prova inequívoca que o funcionário público exigiu, solicitou uma vantagem financeira, em razão do seu cargo ou ofício. Este liame do ato de ofício (omissivo ou comissivo) com o recebimento da vantagem financeira ou de prestígio é necessário, pois do contrário faltará um dos elementos objetivos do presente tipo.
  • 23. 23 3 APLICAÇÃO E FINALIDADE DA PENA DE DEMISSÃO Na aplicação da penalidade de demissão deverão ser observados os requisitos do art. 128 da Lei nº 8.112/904, como a natureza e gravidade da infração, os danos causados por ela ao serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. De acordo com Vitta (2003, p. 65) se o sujeito infringir o mandamento normativo, o servidor encarregado de apurar a infração deverá iniciar o procedimento administrativo e, uma vez provada a conduta ilícita, deverá impor-lhe a penalidade. Porém, conforme o mesmo autor, isso não retira a possibilidade do exercício de faculdades discricionárias por parte do agente público na escolha da pena e de sua quantificação, no caso concreto, devendo sempre ser observados os limites legais. Ferreira (2001, citado por Vitta, 2003, p. 25) defende igualmente: Visto ser a sanção administrativa uma das manifestações concretas do exercício da função administrativa, enquanto dever-poder, importante notar, desde logo, que a aplicação de uma sanção por um agente público não consiste em uma mera faculdade, mas sim em inolvidável vinculação. Para Mattos (2012, p. 816), o processo administrativo tem por escopo investigar o que realmente ocorreu, sendo vedada a aplicação de punição ao servidor senão quando ficar comprovado que realmente cometeu a infração disciplinar da qual é acusado, ou seja, houve a violação de deveres e proibições. Com relação aos antecedentes funcionais Mattos (2012, p. 816) entende que não possuem grande relevância, pois o que realmente importa é o nexo de causalidade existente entre o desempenho da função e a infração do fato em processo de investigação. Com posicionamento divergente, Rigolin (2012, p. 318) ensina que os antecedentes funcionais devem sim ser considerados como atenuantes se forem bons ou, por outro lado, como agravantes se a ficha do servidor for eivada de situações comprometedoras de maus antecedentes, de um histórico de delitos praticados anteriormente à infração da qual se discute a dosimetria. 4 Art. 128. na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
  • 24. 24 Observa-se, na aplicação da pena de demissão, a impossibilidade de considerar a existência de algum processo criminal em andamento como maus antecedentes, haja vista que ainda não ocorreu o transito em julgado da sentença penal condenatória. Neste sentido temos o seguinte julgado do STF: EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO POR CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA NULIDADE NA DOSIMETRIA DA PENA. Impossibilidade de considerar-se como maus antecedentes a existência de processos criminais pendentes de julgamento, com o consequente aumento da pena-base. Recurso parcialmente provido para, mantida a condenação, determinar que nova decisão seja proferida, com a observância dos parâmetros legais. (BRASIL. STF, 2003a). Imperioso ressaltar que, conforme Mattos (2012, p. 777), quando a administração pública infligir uma sanção ao servidor o ato “obrigatoriamente deverá conter o fundamento legal e a causa da penalidade, sob pena de nulidade”. Destarte, como ressalta Mattos (2012, p. 777), somente após a análise de todos os requisitos apresentados acima é que o administrador público poderá enquadrar o servidor investigado em algum tipo penal previsto no Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União e ter, assim, subsídios para a aplicação da penalidade adequada ao caso concreto. A finalidade das penas, não é importunar e atormentar um indivíduo e sim impedir que pratique novas condutas delituosas, gerando mais danos aos seus compatriotas e desaconselhar outras pessoas de fazer algo semelhante, sempre em busca da tão esperada justiça. Beccaria (2005, p. 35) argumenta: Não lhe é imposta somente como um meio de defesa social, senão também, e muito principalmente, como um castigo devido a todo culpado; não é considerada um remédio contra o crime, mas uma punição merecida, em vista do mal que voluntariamente fez. Ela é aplicada, não em nome da conservação da sociedade, mas para a satisfação da justiça. Freitas (1999, p. 121) argumenta que a maioria dos princípios que rege o Direito Penal está, em consequência disto, também presente no Direito Administrativo Disciplinar, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o da humanidade, o da presunção de inocência, o da individualização da pena, o da proporcionalidade, assim como a proibição da reformatio in pejus e a regra do non bis in idem.
  • 25. 25 Assim, as regras processuais visam, além de tornar possível a concretização da apuração de infrações disciplinares, o estabelecimento de um procedimento administrativo amparado pelo devido processo legal, e sempre observando os princípios do contraditório e da ampla defesa assegurados ao servidor que possui alguma conduta em apuração. Freitas (1999, p. 121) exemplifica: São exemplos de matéria processual no Direito Administrativo Disciplinar as regras que estabelecem o procedimento mais adequado para a apuração das faltas disciplinares (sindicância ou processo administrativo), o estabelecimento de prazos para conclusão dos trabalhos da sindicância, regras sobre a condução do processo, entre outros. Desta forma, a sanção disciplinar regularmente prevista em lei deve funcionar, nas palavras de Pinho (2011, p. 17), para “prevenir ostensivamente a ocorrência do ilícito e, acaso configurada, para reprimir a conduta irregular”. Portanto, o objetivo da penalidade administrativa é manter e retomar o regular e eficiente funcionamento da Administração Pública Federal. A pena, para Greco (2012, p. 2), é o instrumento de coerção de que se vale o Direito Penal para a proteção de bens, valores e interesses mais significativos da sociedade. Em relação à pena, Beccaria (2013, p. 56) argumenta: O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo. É, pois, necessário selecionar quais penas e quais os modos de aplica-las, de tal modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e mais duradoura no espírito dos homens, e menos tormentosa no corpo do réu. Sobre o tema, Gasparini (2012, p.1109) se pronuncia: A sanção disciplinar tem duas funções básicas: uma preventiva, outra repressiva. A primeira induz o servidor a precaver-se para não transgredir as regras disciplinares e funcionais a que está sujeito. Pela segunda, em razão da sanção sofrida pelo servidor, restaura-se o equilíbrio funcional abalado com a transgressão. Destaca-se, aqui, que a principal finalidade da pena, segundo Bitencourt (2012, p. 159), moldura-se na prevenção geral positiva limitadora, onde “a finalidade preventiva seria alcançada através de uma mensagem dirigida a toda a coletividade social”.
  • 26. 26 4 INTERPRETAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Em regra, a lei incompatível com a CF deve ser banida do universo jurídico desde a sua publicação e, sob a ótica de Barroso (2015, p. 37), torna-se nula desde o momento em que passou a produzir efeitos jurídicos. Porém, em respeito à segurança jurídica, a decisão que declara a inconstitucionalidade pode optar em modular os efeitos da decisão, de modo que a inconstitucionalidade passe a incidir a partir de momento diverso, conforme dispõe o art. 27 da Lei nº 9.868-99, in verbis: Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Existem dois sistemas de controle. Pelo sistema difuso, qualquer juiz ou tribunal pode declarar uma lei inconstitucional, sendo certo que a declaração de inconstitucionalidade por tribunal requer a manifestação da maioria de seus membros ou do órgão especial. (BARROSO, 2015, p. 69) O referido controle difuso é exercido em um caso concreto, como questão incidental ao mérito, valendo a decisão apenas para as partes envolvidas, salvo se, nessa hipótese, a lei for suspensa por decisão do Senado Federal, usando a faculdade do art. 52, inc. X, da Carta Magna. Por outro lado, o controle também pode ser exercido de forma concentrada pelo STF, hipótese em que a inconstitucionalidade será analisada em tese, onde a decisão valerá para todos, com eficácia erga omnes, por intermédio de ADI, ADI Interventiva, ADC, ADO e ADPF. Referindo-se aos meios de controle, Mendes (2012, p. 278) destaca: Todos esses processos são dotados de perfil objetivo e destinam-se à proteção da ordem constitucional como um todo. As decisões neles proferidas, porém, podem repercutir sobre posições individuais, especialmente no que concerne à constitucionalidade ou inconstitucionalidade de atos normativos que afetem direitos subjetivos. Daí a importância que podem assumir no sistema de proteção judicial. Nessa esteira, é a supremacia da Carta Magna que impede a legislação infraconstitucional de afrontar os preceitos constitucionais, sujeitando-a ao controle
  • 27. 27 jurisdicional mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade, como ocorreu com relação a pena de demissão “a bem do serviço público”, no momento em que o então Procurador-Geral da República Cláudio Fonteles, ajuizou a ADI n.º 2975 em 29 de agosto de 20035, requerendo que seja declarada a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90. Como argumentos favoráveis a inconstitucionalidade desse dispositivo temos que a Constituição da República Federativa do Brasil preceitua que todos são iguais perante a lei e terão garantidos o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [art. 5º, caput], assegurando-se ainda, dentre outras, a não aplicação de pena de caráter perpétuo6, seja a pena no âmbito que for: civil, administrativo ou criminal. Hungria (1956-1995, citado por Vitta, 2003, p.34) nos trás importante reflexão sobre a semelhança entre as penas na esfera criminal e na administrativa: Se nada existe de substancialmente diverso entre ilícito administrativo e ilícito penal, é de negar-se igualmente que haja uma pena administrativa essencialmente distinta da pena criminal. Há também uma fundamental identidade entre uma e outra, posto que pena, seja de um lado, o mal infligido por lei como consequência de um ilícito e, por outro lado, um meio de intimidação ou coação psicológica na prevenção contra o ilícito. São espécies do mesmo genus. Seria esforço vão procurar distinguir, como coisas essencialmente heterogêneas, a multa administrativa e a multa do direito penal. Dir-se-á que só esta é conversível em prisão; mas isto representa maior gravidade e não diversidade de fundo. E se há sanções em direito administrativo que o direito penal desconhece (embora nada impediria que as adotasse), nem por isso deixam de ter as penas administrativas, o mesmo caráter de contragolpe do ilícito, à semelhança das penas criminais [...]. No entendimento do então PGR, a pena de demissão a bem do serviço público configura-se numa espécie de pena de interdição de direitos, não podendo ser esta aplicada de maneira definitiva, haja vista que o próprio legislador penal evidenciou preocupação no cumprimento desse preceito constitucional ao estabelecer a pena restritiva de direitos de interdição por período determinado7, reafirmando o preceito de não imposição de penalidade perpétua. Vejamos: Dentre as modalidades de penas passíveis de serem impostas no ordenamento jurídico brasileiro, elencadas na alínea “e” do inciso XLVI do art. 5º da Constituição Federal inclui-se a pena de suspensão ou interdição de direitos. Resta inquestionável que a proibição de retorno ao serviço 5 Sem nenhum andamento no STF desde maio de 2008. 6 Art. 5º, inc. XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. 7 Art. 43 do CP. As penas restritivas de direitos são: V – interdição temporária de direitos.
  • 28. 28 público, prevista no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90, constitui- se em pena de interdição de direitos, devendo, portanto, obedecer ao comando de perpetuidade das penas. (BRASIL. STF, 2003b). Podemos destacar ainda, que o Código Penal prevê a aplicação de pena por no máximo 30 anos, sendo vedada, como já mencionado anteriormente, a imposição de penalidade permanente inclusive no âmbito do Direito Administrativo, para Mendes (2012, p. 346) “a proibição de pena perpétua repercute em outras relações fora da esfera propriamente penal [...]”. Importante salientar que o próprio Pretório Excelso já se manifestou sobre essa vedação de penas que inabilitem de forma definitiva, ou seja, perpétua o exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras no seguinte acórdão: EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENA DE INABILITAÇÃO PERMANENTE PARA O EXERCÍCIO DE CARGOS DE ADMINISTRAÇÃO OU GERÊNCIA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. INADMISSIBILIDADE: ART. 5, XLVI, "e", XLVII, "b", E § 2, DA C.F. REPRESENTAÇÃO DA UNIÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE PARA INTERPOSIÇÃO DO R.E. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. À época da interposição do R.E., o Ministério Público federal ainda representava a União em Juízo e nos Tribunais. Ademais, em se tratando de Mandado de Segurança, o Ministério Público oficia no processo (art. 10 da Lei nº 1.533, de 31.12.51), e poderia recorrer, até, como "custos legis". Rejeita-se, pois, a preliminar suscitada nas contra-razões, no sentido de que lhe faltaria legitimidade para a interposição. 2. No mérito, é de se manter o aresto, no ponto em que afastou o caráter permanente da pena de inabilitação imposta aos impetrantes, ora recorridos, em face do que dispõem o art. 5, XLVI, "e", XLVII, "b", e § 2 da C.F. 3. Não é caso, porém, de se anular a imposição de qualquer sanção, como resulta dos termos do pedido inicial e do próprio julgado que assim o deferiu. 4. Na verdade, o Mandado de Segurança é de ser deferido, apenas para se afastar o caráter permanente da pena de inabilitação, devendo, então, o Conselho Monetário Nacional prosseguir no julgamento do pedido de revisão, convertendo-a em inabilitação temporária ou noutra, menos grave, que lhe parecer adequada. 5. Nesses termos, o R.E. é conhecido, em parte, e, nessa parte, provido. 10 (BRASIL. STF, 1998). Segundo os ensinamentos de Rigolin (2012, p. 337), a disposição do parágrafo único do art 137 da Lei nº 8.112/90 é tão severa que chega a ser inconstitucional, já que veda em caráter definitivo o retorno do ex-servidor ao serviço público federal, caracterizando, assim, a incidência de penalidade perpétua, a qual é inadmissível no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposição do art. 5º, inc. XLVII, “b”, da Carta Magna. O autor argumenta então, in verbis: Neste ponto é preciso corrigir a omissão de edições anteriores, as quais, ainda que reconhecendo a dureza do dispositivo, não alertam para a
  • 29. 29 inconstitucionalidade, de resto patente, do comando deste parágrafo único, que é facilmente derrubado na justiça. Possui o mesmo entendimento Diniz, P. (2012, p. 337 e 338), no momento em que defende essa penalidade mais severa para os ilícitos em questão, porém reconhece seu caráter perpétuo, portanto, inconstitucional. Mattos (2012, p. 850), que faz uma abordagem bem ampla sobre o assunto, defende, inclusive, a inconstitucionalidade também do caput do art. 137 da Lei nº 8.112/90 sob a fundamentação da vedação disciplinada neste artigo não estar contemplada no rol do art. 37, inc. I, da CF: “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”, argumenta o autor. Ressalta ainda que os requisitos para investidura em cargo público devem se ater aos que estão estritamente expressos no art. 5º da Lei 8.112/90, não constando desses requisitos os antecedentes de boa ou má conduta funcional para impedir nova investidura em cargo público federal, in verbis: São requisitos básicos para investidura em cargo público: I – a nacionalidade brasileira; II – o gozo dos direitos políticos; III – a quitação com as obrigações militares e eleitorais; IV – o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo; V – a idade mínima de dezoito anos; VI – aptidão física e mental. Portanto, Mattos (2012, p. 850) defende que essa restrição imposta pelo caput do art. 137 é desarrazoada também pelo seguinte argumento: [...] a pena é a cessação do vínculo público, não funcionando o direito administrativo como ressocializador ou recuperador de infratores perante a sociedade. Esta é a função do direito penal, que visa, na ressocialização do criminoso o convívio com a sociedade, quando ele comete um crime punido com a privação da liberdade. Todavia, conforme os ensinamentos da doutrinadora Rocha (1999), cabe individualmente à entidade política respectiva “elaborar a lei definindo os requisitos a serem cumpridos pelos interessados aos diferentes cargos” e completa: “ para cada um deles será legitimado um rol de exigências que terá de ser juridicamente adequado para ser considerado constitucional”. (Grifo nosso). Seguindo este entendimento, temos o seguinte julgado do TRF da 1ª Região que reafirma a impossibilidade de exigir do candidato requisitos que não estejam previstos em lei, não competindo ao edital do certame inovar nas exigências:
  • 30. 30 CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - ENSINO SUPERIOR - CONCURSO PÚBLICO - PROFESSOR AUXILIAR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO - ILEGALIDADE DE REQUISITOS EXIGIDOS EM EDITAL - SENTENÇA CONFIRMADA. 1. As exigências de acessibilidade aos cargos públicos, conforme dispõe o art. 37, I, CF/88, serão previstas em lei. 2. Dispondo a Lei 8.112/90, em seu art. 5º, inciso IV e § 1º, que o nível de escolaridade é requisito para investidura em cargo público e que outras exigências só podem ser feitas mediante lei, não poderia simples edital restringir o acesso de candidato que preenche os requisitos legais. 3. Apelação e remessa a que se nega provimento. (BRASIL. TRF 1ª Região, 2000). Mattos (2012, p. 851) continua, então, sua análise do art. 137 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis Federais argumentando a inconstitucionalidade de seu parágrafo único, objeto de nosso estudo, pelo fato do mesmo instituir pena de caráter perpétuo, ou seja, em desacordo ao estipulado na Constituição. A vedação de penalidade permanente ocorre segundo Mattos (2012, p. 851), “porque ela é limitada no tempo, com a finalidade de punir e reconduzir o infrator ao convívio social, em respeito às garantias constitucionais, à liberdade e à dignidade humana”. Diante disso, temos que o Eg. Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela impossibilidade de pena que inabilite de forma permanente, ou seja, perpétua o exercício de atividade profissional, tendo em vista que a vedação de penas perpétuas prevista em nossa Constituição deve se estender também às penalidades de suspensão e interdição de direitos capitulados no art. 5º, inc. XLVI, alínea “e”, e não ficar adstrita somente às penas privativas de liberdade. Vejamos: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIRETOR DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PENA DE INABILITAÇÃO PERMANENTE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 5., LXXVII, PAR. 2., E LXVI, LETRA E, DA CF. DEFERIMENTO. I. OS DIREITOS E GARANTIAS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EXCLUEM OUTROS TANTOS DECORRENTES DO REGIME E DOS PRINCIPIOS NELA ADOTADOS (ART. 5., LXXVII, PAR.2.). II. A VEDAÇÃO AS PENAS DE CARATER PERPETUO NÃO PODE SER INTERPRETADA RESTRITIVAMENTE, ESTENDENDO-SE AS PENALIDADES DE SUSPENSÃO E INTERDIÇÃO DE DIREITOS CAPITULADOS NO INCISO LXVI, LETRA E, DO MESMO ARTIGO. III. SEGURANÇA CONHECIDA. (BRASIL. STJ, 1991). Mattos (2012, p. 851) assevera: Ao ser punido, pelo crime ou pela infração cometida no serviço público federal, o servidor estará livre para voltar ao ente público, ou por concurso público (art. 37, II, da CF) ou através de nova nomeação para o cargo de confiança, pois o cumprimento de uma pena apaga o seu resíduo, não se admitindo a perpetuidade de uma sanção.
  • 31. 31 Ao servidor público, quando da prática de qualquer infração, é aplicada a devida sanção, seja ela disciplinada em lei penal, administrativa ou civil, não sendo proporcional, portanto, a vedação em definitivo de retorno do ex-servidor ao serviço público federal, do contrário estaria sendo penalizado duas vezes e perpetuamente, sendo isso totalmente inconcebível. (MATTOS, 2012, p. 852). Assim, a inabilitação permanente tem, nas palavras de Mattos (2012, p. 852) “o condão de dar término em vida ao ser humano, que mesmo tendo cometido uma infração grave merece a chance de poder viver dignamente perante a sociedade”. Resta claro para o autor que uma das finalidades primordiais da aplicação de pena é a ressocialização do servidor público federal, objetivando “que ele se recupere em um futuro próximo e possa conviver harmonicamente com a sociedade”. Salienta-se então, que Mattos (2012, p. 852) considera inconstitucional todo o art. 137 da Lei nº 8.112/90, completando que “ao ser cumprida a pena, com a demissão, está encerrada a relação jurídica do servidor com a Administração Pública”. Portanto, somente com nova investidura, mediante nomeação, surgirá uma outra situação jurídica desvinculada totalmente da anterior. Por outro lado, uma doutrina minoritária entende que essa penalidade decorre do entendimento legislativo de que o servidor público demitido “a bem do serviço público” não possui a devida ética e moral que são exigidas por lei para nova investidura na função pública, no momento em que afrontaram os princípios que regem a Administração. (WEICHERT, 2006, citado por MENEZES, 2011, p. 05). Assim argumenta Weichert (2006, citado por MENEZES, 2011, p. 05): É pertinente observar que a proibição de ingresso no serviço público será aplicada a um agente público que teve a oportunidade de compor os quadros da administração, mas que não cumpriu seus deveres legais de honestidade e fidelidade. Não se trata, pois, de presumir a incompatibilidade do indivíduo com a função pública, mas sim de reconhecer que ele praticou um ato concreto de lesão aos interesses que deveria resguardar. Há a perda do direito de acesso a cargos públicos, por decorrência de conduta do próprio agente em oportunidade anterior. (WEICHERT, 2006, citado por MENEZES, 2011, p. 05). Conforme Weichert (2006, citado por MENEZES, 2011, p. 06), “a impossibilidade de retorno ao serviço público não fere a vedação constitucional de pena de caráter perpétuo, por não configurar propriamente uma sanção”; sendo a
  • 32. 32 demissão a penalidade verdadeiramente imposta ao servidor público, que é aplicada instantaneamente. O autor defende então que “o que impede o retorno do ex-servidor é a existência de uma causa de inaptidão ou a falta de requisito obrigatório para nova investidura, e este será sempre definido pela lei. ” (WEICHERT, 2006, citado por MENEZES, 2011, p. 05). Desta forma, para a minoria, não seria inconstitucional a aplicação do parágrafo único do art. 137 do Regime Jurídico em estudo, haja vista a não caracterização de uma pena propriamente dita e sim o simples fato daquele ex- servidor não atender mais aos critérios de moralidade e ética estabelecidos pela Administração Pública para a investidura em função ou cargo públicos.
  • 33. 33 5 CONCLUSÃO Por trazer consigo o respeito à dignidade da pessoa humana, a garantia constitucional de que não serão impostas penas de caráter perpétuo configura-se como uma das mais marcantes. Entretanto, essa garantia Constitucional vem sendo desprezada pelo parágrafo único do art. 137 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, que decreta a proibição de retorno ao serviço público federal, ou seja, estabelece a incidência de penalidade de caráter perpétuo, vedada expressamente pela CF em seu art. 5º, inc. XLVII, “b”. Consideramos que essa não aceitação do ex-servidor que recebeu severa penalidade demonstra que a Administração não acredita em sua capacidade de se arrepender e de adotar conduta diversa da anteriormente praticada. No entanto, não defendemos aqui a impunidade do servidor público que assumiu condutas que vão de encontro aos princípios éticos e morais da Administração Pública, uma vez que os serviços públicos devem ser prestados por pessoas idôneas, direito do Estado e dos cidadãos. Defendemos, sim, que lhe seja aplicada uma penalidade, mas que esta seja por tempo determinado e que seja proporcional. Em vista disso, repudiamos a vedação em caráter permanente para nova investidura, mediante novo concurso público, do ex-servidor que tenha sofrido penalidade de demissão, tendo em vista que a vedação constitucional às penas de caráter perpétuo deve ser interpretada de forma extensiva, alcançando, inclusive, as penalidades administrativas, por se tratar de uma garantia prevista na Carta Magna com efeito erga omnes. Embora o art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal preceitue que, nos casos em que houver lesão ou ameaça a direito subjetivo, esses atos poderão ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário, tem-se que a penalidade de demissão vem sendo aplicada de forma indiscriminada pela Administração Pública. Restando ao servidor apenas acatar a decisão administrativa, até que esta possa ser revista pelo judiciário, causando, até lá, prejuízos imensuráveis. Ademais, entendemos que no momento em que a Administração impede o retorno do ex-servidor, ela caminha em desencontro à finalidade ressocializadora da
  • 34. 34 pena e aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que devem ser observados sempre que uma penalidade é decretada, bem como todos os demais princípios explícitos e implícitos na Constituição Federal e nos diplomas legais infraconstitucionais. Logo, o servidor punido com a demissão qualificada carrega eternamente esse estigma, sem justificativa aceitável, não podendo mais exercer atividade lícita nos quadros da Administração Pública Federal. Nesta ocasião, não há que se falar em supremacia do interesse público sobre o particular, na medida em que esse princípio da administração pública não deve ser compreendido de forma absoluta, e sim, examinado caso a caso, com a devida observância de suas peculiaridades, caso contrário seria inaplicável a garantia dos direitos individuas. Portanto, o legislador originário não observou de forma adequada a garantia constitucional de não imposição de penas de caráter perpétuo, assegurada ao indivíduo, quando instituiu a pena de demissão a bem do serviço público no ordenamento jurídico, configurando uma afronta à Magna Carta. Partindo, então, do Princípio da Supremacia da Constituição, chegamos à conclusão de que o parágrafo único do artigo 137 da Lei nº 8.112/90 deve ser considerado inconstitucional, a julgar pela aplicação de penalidade perpétua ao ex- servidor no instante em que lhe é defeso o retorno ao serviço público federal na oportunidade de imposição da demissão a bem do serviço público.
  • 35. 35 REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 7 ed., ver. e atual. São Paulo, SP: Saraiva, 2015. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei nº 12.550, de 2012. São Paulo: Saraiva, 2012. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 23 mar. 2016. BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm>. Acesso em: 23 mar. 2016. BRASIL. Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Brasília, 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9784.htm>. Acesso em: 14 abr. 2016. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AgR. no AI nº 623.854-0 MA. Agravante: Estado do Maranhão. Agravado: Célio Gitahy Vaz Sardinho. Relatora: Min. Cármen Lúcia. Brasília, 25 de agosto de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=604770>. Acesso em: 02 mar. 2015. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 23242. Impetrante: Tomie Sato Sakakibara . Impetrado: Presidente da República.Relator: Carlos Velloso. Brasília, 10 de abril de 2002. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev1/files/JUS2/STF/IT/MS_23242_SP%20_10 .04.2002.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2015. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 23625 DF. Impetrante: Rodrigo Vaz de Mello. Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Min. Maurício Corrêa. Brasília, 08 de novembro de 2001. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=00009 7861&base=baseAcordaos>. Acesso em: 05 abr. 2015. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em MS nº 24699 DF. Reclamante: Bernardo Rosenberg. Reclamado: União. Relator: Min. Eros Grau. Brasília, 30 de
  • 36. 36 novembro de 2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=00009 3806&base=baseAcordaos>. Acesso em: 05 abr. 2015. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2975. Requerente: Procurador-Geral da República. Requerido: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, 25 de agosto de 2003b. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=215961 0 >. Acesso em: 31 mai. 2016. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 154134 SP. Reclamante: União Federal. Reclamado: Jose Roberto Lamacchia e outro. Relator: Min. Sydney Sanches. Brasília, 15 de dezembro de 1998. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=00010 8335&base=baseAcordaos>. Acesso em: 12 abr. 2015. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação em MS nº 0018052- 84.1997.4.01.0000 MA. Apelante: Universidade Federal do Maranhão. Apelada: Maria do Socorro Alves de Sousa. Relator: Juiz Amilcar Machado. Brasília, 08 de maio de 2000. Disponível em: <http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php?UF=&proc= 180528419974010000>. Acesso em: 16 abr. 2015. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. rev., ampl. e atualizada até 31-12-2014. São Paulo: Atlas, 2015. DINIZ, Paulo de Matos Ferreira. Lei nº 8.112/90 Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. 7. ed. Brasília: Saraiva, 2012. FREITAS, Izaías Dantas. A finalidade da Pena no Direito Administrativo Disciplinar. Revista de informação legislativa. Brasília a. 36 nº 141 jan/mar. 1999, p. 119-128. Disponível em <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/455>. Acesso em: 16 abr. 2016. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 20012. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8429/92. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
  • 37. 37 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31. ed. Revista e atualizada até a Emenda Constitucional 76, de 28.11.2013 São Paulo: Malheiros, 2014. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitcionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. MENEZES, Rosemeire Carvalho de. Demissão a Bem do Serviço Público: Caráter perpétuo da pena e incidência de aplicação na Polícia Civil da Bahia. 2011. 18 p. Trabalho apresentado no Curso de Especialização em Políticas e Gestão de Segurança Pública) - Universidade Federal da Bahia, Bahia, 2011. Disponível em: <http://www.servidorsalvador.com/2011/07/demissao-bem-do-servico-publico- e.html>. Acesso em: 23 set. 2012. RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. 7. ed. Revista e atualizada São Paulo: Saraiva, 2012. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. VITTA, Heraldo Garcia. A Sanção no Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003.