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Edição Especial
@sentiralhosvedros
ISSN:
2975-8394
Edição Especial
Edição Especial
A revista digital "Sentir Alhos Vedros" pretende dar a conhecer a toda a população em geral o que de bom
existe, se faz e há na freguesia de Alhos Vedros.
Temos como objectivo dinamizar e aumentar a economia local, aproximando pequenos negócios,
comerciantes em nome individual e empresas da população Alhosvedrense.
Pretendemos conciliar passado e presente e traçar um futuro próspero para a freguesia de Alhos Vedros e
para as suas gentes.
Somos a plataforma que ajudará a freguesia de Alhos Vedros a dar-se a conhecer a todo o nosso país e
quiçá, dar a conhecer Alhos Vedros a nível europeu e/ou mundial.
O projecto "Sentir Alhos Vedros" é um projecto apartidário, independente, sem cores políticas associadas, e
que pretende trabalhar com todos e para todos os Alhosvedrenses.
A todos os que pretendem descredibilizar este projecto e os seus membros efectivos, informamos que a
equipa Sentir Alhos Vedros continuará a trabalhar em prol de toda a freguesia de Alhos Vedros, em prol das
suas gentes e em prol de um futuro promissor para todos.
Estamos e estaremos sempre a trabalhar por e para Alhos Vedros!
Se tem um negócio na freguesia de Alhos Vedros (negócio físico e/ou online) e/ou outras informações
sobre a freguesia que queira partilhar e divulgar, se pretende contribuir com sugestões para a
melhoria contínua da revista "Sentir Alhos Vedros", contacte-nos via e-mail para
geral@sentiralhosvedros.pt.
PERIODICIDADE: Mensal | ANO: 3.º | EDIÇÃO: Especial 2.º Aniversário
CONTACTO: geral@sentiralhosvedros.pt
TÍTULO: Sentir Alhos Vedros
EDIÇÃO, COORDENAÇÃO DE EDIÇÃO, REDACÇÃO E FOTOGRAFIA:
Ana Cristina Rosado
Fábio Silvano
Irina Cardoso
Paulo Sérgio Pereira
Rosa Paula Marques
No mês que assinala o 2.º aniversário do projecto Sentir Alhos Vedros e assinala
também o lançamento do novo layout da revista, decidimos viajar pelos editoriais das
25 edições anteriores, relembrando e agradecendo a todos os que até hoje deram o seu
contributo para elevar o nome de Alhos Vedros.
Sentir Alhos Vedros
EDITORIAL
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Edição Especial
Edição 1/2022 - Equipa Sentir Alhos Vedros
"(...) Bem-vindo/a ao boletim Sentir Alhos Vedros!
O boletim Sentir Alhos Vedros pretende alavancar o
desenvolvimento da freguesia de Alhos Vedros e que
esse desenvolvimento contribua para melhorar as
condições de vida, habitabilidade, emprego, saúde e
segurança de todos os Alhosvedrenses.
Sentir Alhos Vedros é ter orgulho no nosso passado,
respeitar o nosso presente e traçar um futuro de
sucesso para a terra que tanto amamos.
Sentir Alhos Vedros é honrar as nossas raízes,
dignificando o nome desta freguesia e
impulsionando o seu crescimento! (...)"
Edição 2/2022 - Maria Celeste Cantante
"(...) A celebração do Dia da Mulher remete-nos para o
enaltecimento e o seu contrário, para a celeridade e o
anonimato, para a magnificência e para a
insignificância, mas sobretudo para a necessidade de
lembrar ao mundo a sua importância na família, em
todos os actos da vida social, em todas as lutas por
uma igualdade, ainda hoje negada pela burka que a
oculta e lhe retira o direito de existir e por tantos
outros actos de segregação, que, de tão comuns,
passam, quantas vezes despercebidos, numa
sociedade que afirma defender os direitos do
Homem. Por que não os direitos do ser humano?
Uma tradição enraizada numa mentalidade de
liderança e superioridade masculinas, ao longo de
séculos, tem relegado para segundo plano a
importância do papel da mulher em todos os actos
da vida social, económica, política, nas artes. A
supremacia masculina exibe-se, ainda nos dias de
hoje, com a naturalidade dos seres superiores.
Desde as sufragistas à actualidade, que a luta da
mulher pela igualdade de direitos tem sido uma
constante e muito se tem evoluído nesse sentido. De
facto, a mulher, nomeadamente no mundo
ocidental, adquiriu patamares jamais imaginados
pelas subjugadas mulheres puritanas, pelas escravas
dos campos de algodão nos Estados Unidos da
América, de séculos atrás, pelas donas de casa da
família tradicional dos, ainda muito lembrados e
recentes, tempos salazaristas.
Edição Especial
Pág. 5
Porém, o caminho é longo, e muito está por alcançar.
Sabemos que a História da Humanidade é feita de
avanços e recuos e não basta evoluir na ciência e na
tecnologia. É urgente uma transformação maior,
sobretudo nas mentalidades. Embora as mulheres
estejam conscientes de que podem celebrar, com
alegria, os progressos alcançados, assistem, por vezes
indefesas, ao recrudescimento da violência sobre as
mulheres, ainda no namoro, ao seu assassinato
frequente no seio das famílias, à negação camuflada,
da igualdade de acesso a carreiras profissionais,
políticas e económicas, à violação das mulheres em
tempos de guerra, à barbárie da morte por
apedrejamento.
É com estupefação que se observa, que a mulher
continua a ser vítima de exploração sexual. A capa de
revista colorida de moda, de insignificantes
acontecimentos da alta sociedade, aprimora-se na
exposição, por vezes indecorosa, da mulher que se
expõe para deleite. É tão constante, que já nem
damos por isso, mas está lá. Todavia, é cheia de
glamour, disfarçada de uma beleza que não enaltece
o ser feminino com direito a direitos de dignidade.
Em tempos de guerra é usada nas fábricas de
material de guerra, é gestora familiar, mãe e pai,
enfermeira e médica, voluntária na Cruz Vermelha.
Meritórias todas estas tarefas a enobrecem, mas
quando é que a sociedade estará preparada para o
entendimento da existência da mulher na sociedade,
enquanto parte integrante e igual?
Tal como na paz e na guerra, nunca o ser humano
pode baixar os braços e deixar-se embalar pelo que
adquiriu. Há sempre que estar alerta e preparar-se
para o ressurgimento do lado negro do ser humano.
Assim, a mulher não deve ser incauta e estar atenta
às sirenes que, sem que se espere, gritam o medo e
recomendam a protecção no bunker.
É urgente que as sirenes toquem, sim, para
recordarem à mulher que o seu lugar de igualdade
não se conquista no bunker, mas cá fora, no dia a dia,
nas batalhas, aparentemente, mais insignificantes da
vida. Quando se poderá afirmar com convicção, que
a mulheconstitui, de facto a outra metade da
Humanidade? (...)"
Porém, celebre-se cada dia, como se fosse o primeiro
da sua inteira liberdade, da sua individualização
consciente, da sua individualidade permanente.
Edição 3/2022 - Maria das Dores Nascimento
"(...) Recuemos ao ano de 1972.
Nesse ano aconteceu a primeira cimeira sobre o
ambiente, na Suécia.
Não foi atribuído prémio nobel da paz.
A guerra colonial dizimava os jovens portugueses e
massacrava os povos africanos, a ditadura de Marcelo
Caetano abatia-se sobre o país, o analfabetismo
dominava e o lápis azul da censura amordaçava as
opiniões.
E em Alhos Vedros nasceu a Feira do Livro.
Os homens sonharam e a obra nasceu.
Uma geração carregada de irreverência, coragem e
vontades de mudança, sob o teto da Academia
Musical e Recreativa 8 de Janeiro de Alhos Vedros,
sonhou.
Sonhou em fazer dos livros uma festa, uma
celebração, um ato de coragem e de desafio. E os
livros saíram à rua.
No local onde se viria a instalar o parque infantil 25 de
Abril, na avenida Humberto Delgado, nesses tempos
Marechal Carmona, aconteceu a festa.
Calcorrear Lisboa, contactar incrédulas editoras,
trazer e devolver os livros, calcular preços e fazer os
descontos. Montar e desmontar as bancas coloridas,
usadas em mercados de rua, com folhos no topo,
perante uma animada e curiosa multidão de gente,
gente sedenta de conhecimento, num país fechado
sobre si próprio, com o obscurantismo como
presente e futuro. Muitos, ansiosos pela leitura dos
clássicos, pela posse de gramáticas e dicionários
expostos em lugar de destaque, por literatura
temática. Outros, requisitando à boca fechada as
publicações proibidas, clandestinamente guardadas
e aguardando atrás das bancas.
Leonel Coelho, José Augusto, Edgar, Sequeira, José
da Palma, Zé Nando, Estreia, João Carvalho, Cordeiro,
Adelaide, Júlio, eu própria, com os meus tenros 12
anos, e outros, rapazes e raparigas, com a felicidade e
a esperança instaladas nos sentidos, assumiram
Edição Especial
Pág. 6
aquela corajosa responsabilidade, que foi o embrião
de algo maior, algo que nascera para intervir, para
medrar, para vingar, para continuar.
Num estrado de madeira tosco, atuou o rancho das
Arroteias, abrilhantando de música, ritmos e alegria
um acontecimento improvável e corajoso. Foi
magnífico.
No ano seguinte, aconteceu a segunda feira do Livro.
Alhos Vedros foi visitada pelo ilustre músico,
compositor, maestro e professor Fernando Lopes
Graça, acompanhado pelo coro que
primorosamente dirigia e que maravilhosamente
interpretou o cancioneiro português, de que recordo
emocionada, parte da belíssima canção:
à sombra do rio nascem
violetas ao comprido
já me vieram dizer
que querias casar comigo
Fernando Lopes Graça, entrevistado pelo jornal
Notícias da Amadora, uns dias depois, a propósito da
Feira do Livro de Alhos Vedros, disse: “Isto é heroico”.
E foi.
E a Feira continuou ininterruptamente, ano após ano,
até à 48a edição. Passou por vários locais, mas foi no
Largo do Coreto que mais se impôs. A pandemia
adiou duas edições. Estes dois últimos anos de
insuportáveis solidões, de desumanos
distanciamentos e de doenças sorrateiras, foram
trágicos para três dos mais empenhados obreiros da
Feira do Livro, ano após ano. Maria Celina Baltazar,
Manuel Figueira Carvalho e Leonel Eusébio Coelho, a
quem muitos chamam o pai da Feira do Livro. Esta
referência tem tanto de justa como de indispensável,
pois honrar a memória dos bons que partem é o
mínimo exigível aos que ficam. Continuar a obra é o
que nos move e moverá.
A “nossa Feira do Livro” envolve a comunidade,
crianças e jovens, alguns do ténis de mesa e da
ginástica, outros da vizinhança, que têm sido os fiéis
vendedores, arrumadores incansáveis, em gerações
renovadas. Comem a sandes e bebem o sumo,
lanche que se tornou tradição, riem e brincam,
correm e divertem-se. As rifas alimentam a feira, os
prémios são oferecidos pelos comerciantes amigos e
pelos artistas amantes destas iniciativas. O saudoso e
querido Toninho oferecia um avio, a florista Mena um
arranjo, o Nelson e o Assalto ao Tacho duas ou três
refeições, o Tó dá pão para os lanches dos
colaboradores. Do doutor Sampaio, do Barão e Costa
e da Refrigue, há sempre um contributo monetário.
O Luís Delgado, a Celeste, o Kira, o Vítor Moinhos, o
Luís Guerreio, o Tapadinhas, a Amália, a Ilda, a Sandra,
o José Augusto, o Paulo Nogueira e tantos outros,
oferecem arte. A cabeleireira Sandra, serviços. O
Coviran, sumos e condutos. A população compra rifas
e muitos outros, ao longo dos anos, têm apoiado em
atos, palavras e presença, palestras, colóquios e
debates. O poder local tem ajudado com verbas,
logística e alguma propaganda. E a quermesse
também contribui.
As exposições integradas na Feira do Livro já
mostraram artes e ofícios, pintura e fotografia,
trabalhos em pão, livros, autores e escultura,
instalações, vida e obra de Zeca Afonso e objetos de
estimação.
Já passaram pela Feira oleiros e latoeiros, cesteiros,
teares e artesanato, palhaços e dramatizações,
atividade circense e passatempos, circuito ciclista e
troféu Tiago Faquinha.
Exibiu-se folclore, cante alentejano, jazz, rock, baladas,
canto lírico e popular, música de intervenção fado e
rap, teatro, coros, ballet, ginástica, dança
contemporânea, de salão e de fusão, marchas e as
Batucadeiras de Cabo Verde, instrumentistas e
bandas, escolas de música e cinema.
Estiveram presentes com os seus livros, simpatia e
autógrafos, Aurora Rodrigues, Fernando Cardoso,
Beatriz Costa, Ana Nunes, que nos visitaram de fora, e
acima de tudo os autores locais, a prata da casa, que
é ouro. Leonel Coelho, Manuel João Croca, Luís Carlos
Santos, Maria das Dores Nascimento, Rafael Augusto,
José Miguel Oliveira, Celeste Cantante, Luís Filipe
Gomes, Hélder Martins, Fernando Reis, António
Tapadinhas, Tomás Gavino Coelho, Carlos Vardasca, e
peço perdão se alguém não foi nomeado. Este ouro
de que falo merece sair do guarda-joias, ter superior
Edição Especial
Pág. 7
visibilidade e ser olhado como uma valia de que o
concelho se deve orgulhar, que o poder local deve
abraçar, mostrar e incentivar, como investimento na
cultura, na literacia e na escrita. Esperemos que se
mude o rumo.
Atrevo-me a concluir que a inusitada quantidade de
autores na freguesia de Alhos Vedros e arredores tem
certamente uma relação com esta chama que se
renova a cada ano, insistindo na leitura, na palavra, na
escrita.
Durante muitos anos, a Feira do Livro era o espaço e o
tempo em que os leitores e amantes dos livros os
adquiriam, se encontravam, conversavam,
tertuliavam, se é que me é permitida esta palavra,
talvez inventada. Que alternativas tinham?
Praticamente nenhumas. Nesses tempos, as editoras
precisavam das feiras de livro locais. Eram parceiras,
eram amigas. Enviavam os catálogos, e permitiam
que escolhêssemos os livros. Nos últimos tempos, as
editoras desinteressaram-se da divulgação do livro
como uma missão, abandonando estas louváveis
iniciativas locais. Não se aplica a esta relação
comercial a regra de fidelização. Infelizmente.
Por essas e por outras, principalmente por outras, há
que mudar um pouco o paradigma. Há que apostar
mais na divulgação dos autores locais, nos autores
independentes ou não, naqueles que escrevem sobre
aquilo que entendem, livremente, e que amam os
livros e as palavras.
Há muitos anos atrás, adquiri, numa das edições da
Feira do Livro, De Profundis, Valsa Lenta, de José
Cardoso Pires, e li-o todo nessa mesma noite. Trata-se
de uma magnífica descrição sobre um grave
problema de saúde do autor, que ele descreve com a
excelência a que o seu nome nos habituou.
Deslumbrei-me tanto que, ao terminar o livro, fiz uma
promessa aos meus botões: “Se alguma vez tiver um
problema de saúde grave, comprometo-me a
escrever sobre isso”.
E fui posta à prova com um maldito cancro da
mama, de que resultou o livro Inimigo do Peito. Mais
tarde, escrevi e publiquei a História do Touro Azul,
infantil. E, na 48a Feira do Livro, lancei um romance: O
homem que tinha medo de que ninguém fosse ao
seu funeral. Na 49a feira do livro, que terá lugar este
ano de 24 a 26 de junho no FAVO, apresentarei o livro
Maria Celina. Não fora a Feira do Livro, quem sabe se
os meus pensamentos se aconchegariam nas
páginas que os têm acolhido. Já agora, aproveito
para divulgar que Luís Carlos dos Santos apresentará
ao publico o seu último livro, Daqui até já, na próxima
Feira do Livro. E talvez não fiquemos por aqui.
Para finalizar, acrescento que a Feira do Livro de
Alhos Vedros foi distinguida pela Região de Turismo
da Costa Azul no ano de 2007.
Alguém escreveu num jornal como título: “Esta é
uma feira de afetos onde o livro é um amigo”. Vem e
traz outro amigo também. (...)"
Edição 4/2022 - Helder Martins
"(...) Quando o Fábio Silvano, do Boletim Digital “Sentir
Alhos Vedros”, me contactou no sentido de falar um
pouco sobre o que é a literatura para mim ou do
meu percurso como escritor; tudo isto envolto por
um papel de embrulho que é a nossa vila,
imediatamente o que trouxe em lembrança foi o de
uma antiga tarefa escolar. Creio que no 8o ou 9o ano,
não o posso precisar, mas recordo que foi um projeto
que falava sobre o Foral de Alhos Vedros, atribuído
por D. Manuel, realizado para o agora atual
Agrupamento de Escolas José Afonso.
E vejo-me perdido nos pensamentos desta memória,
límpida como se o fosse hoje, que foi um trabalho
onde sinto ter conhecido o meu primeiro contacto
com a “inspiração”. A maneira como a escola explora
a nossa capacidade de síntese; a nossa forma de
construir um novo texto por palavras nossas; o zelo
que nos compele a questionar e a esclarecer; tudo
isso gerava em mim um agrado sobre os textos que
ia formando, enquanto explorava a história de Alhos
Vedros, quase que num mesmo sentimento poético
como aquele que trago aqui hoje para este Boletim
Digital. Mas claro, éramos miúdos naqueles tempos,
e os livros eram uma obrigação e eu sei que não os
procurava.
Sem o saber, ou alguma vez ter equacionado uma
reta direta para o mundo da literatura, algo existia lá.
Sem reconhecer os sinais, como a facilidade que era
Edição Especial
Pág. 8
para mim em ultrapassar as metas escolares no
âmbito das línguas, lembro-me que andava em
esquiva a escritas cujos temas pouco interesse
despertava em mim. Mas sei que uma história
pairava, na altura, na minha mente. Borrões, claro;
pacientes do meu próprio crescimento para
ganharem forma e também para que eu descobrisse
o fator que me levaria à leitura.
E é isso que trago aqui hoje ao Boletim Digital; para
além de um percurso, explorar o que nos inspira.
Porém, e primeiramente, apresentações são devidas.
O meu nome é Helder Martins, filho da terra de Alhos
Vedros. Nascido a 10 de Março de 1986, no vizinho
Barreiro e durante muitos anos residente no Bairro
Gouveia.
Mesmo hoje, já criado, ainda a laborar no concelho da
Moita.
Em paralelo à saga do que são as minhas crónicas
editadas, a minha pessoal jornada teve início na
Escola Primária do Bairro Gouveia. Ainda que trinta
anos, bem distantes agora, recordo da professora o
louvor pela letra “q” bem traçada na folha do caderno.
Mas somos miúdos e a época trazia na altura a saga
do Dragon Ball.
Ultrapassado esse arranque que nos projeta para as
horas que aprendemos a ver ou as contas que
começamos a decifrar, mantive o meu percurso
dentro do ensino de Alhos Vedros, saltando para o
que conhecia na altura como a Escola EB 2,3 José
Afonso. Lá, a literatura torna-se então mais real e mais
poética. Como a escrita de Gil Vicente, com o Auto da
Barca do Inferno, recriada numa peça teatral em aula,
onde recordo o papel de Judeu por mim
interpretado.
Porém, e em franqueza, os temas abordados pouco
favoreciam o meu interesse pela leitura,
nomeadamente quando no foco da poesia, a qual
trazendo o meu próprio calcanhar de Aquiles. Mas, os
resultados lá eram conseguidos e as metas
ultrapassadas, sobressaindo-me nas suas provas
escritas e na facilidade em reter o importante dos
temas abordados. Contudo, para mim, tudo ainda era
visto num sentimento de obrigação, até que
apareceu Ulisses, de Maria Alberta Meneres. E aí,
pretendo deixar a minha primeira mensagem para
um bom leitor: descobrir o(s) tema(s) que o identifica.
Naquele tempo, não sei se seriam dos jogos de
computador (RPG’S) que atraíam pela sua raiz
medieval e aventureira ou se dos ares de Alhos
Vedros com o histórico do seu passado ou das suas
lendas, como a do poço mourisco, mas a literatura
focada no fantástico passou a trazer em mim um
desejo em pegar nos livros, pela primeira vez, a gosto.
Mesmo hoje, lembro a primeira obra que li de
“empreitada”: “O ciclo do Graal: Nascimento do rei
Artur” de Jean Markale.
E, então, desde aí a literatura passou a acompanhar-
me pela minha vida projetada para o ramo laboral.
Recordo obras como a “Trilogia de Bartimaeus” de
Jonathan Stroud ou “Lobo Branco” de David
Gemmel. E até mesmo da saga do Harry Potter,
entre tantos. Todas elas construíram o meu caráter,
fortaleceram a minha imaginação e enriqueceram o
meu vocabulário e companheiras das minhas
múltiplas profissões, que exigiam longas deslocações
pelos transportes públicos. E aí remato com uma
segunda mensagem para um bom leitor: descobrir o
conforto para uma boa e inspirada leitura. Porque
refiro isto? Porque, no meu caso, apenas e só, era
capaz de ler/escrever se inspirado pelo exterior do
que são as pessoas e ares do mundo à minha volta.
Começou então a curiosidade em trazer para o papel
as formas de uma história que
sempre me acompanhara; e perceber, nas
competências e formações adquiridas pelo ensino, e
até mesmo pela minha experiência no kickboxing,
como seriam os contornos das minhas personagens
traduzidas em palavas. Na altura, cinco anos antes da
data de lançamento do meu primeiro livro a 24 de
Novembro de 2013, recriei na íntegra toda a obra a
papel e caneta. Claro que apercebi-me mais tarde
que para enviar estes originais, os mesmos seriam
necessários em digital, e todo o livro foi novamente
filtrado para o computador, criando assim no ecrã à
minha frente: O TEMPLO DE BORKUDAN.
Certo que tudo era apenas um hobbie, um escape e
ao mesmo tempo uma necessidade para o meu
bem-estar psicológico, mas as pessoas certas
Edição Especial
Pág. 9
alimentaram a minha curiosidade em saber se esta
história poderia ser mais. Começa então aquele
nervoso miudinho, naquilo que não sabemos se será
bem correspondido.
Pegamos naquele ficheiro, salvaguardado nos seus
direitos de autor, e percorremos editoras e mais
algumas para onde enviamos o nosso trabalho.
Até que, quase sempre quando não esperamos, as
primeiras respostas surgem e a excitação traduz o
sentimento em ver-se reconhecido. Ainda que
algumas editoras declinassem por se tratar de um
nicho de mercado, no seu todo o interesse pela
história em si era valorizada, percebendo-se nela a
componente humana que retendo expor nesta
literatura de ficção. Assinei então pela editora
CHIADO BOOKS, e com eles até hoje, editando outros
dois volumes das CRÓNICAS DE TELLARGYA, sendo
eles: “AASA DA CONSEQUÊNCIA”, publicado a 31 de
Julho de 2016 e “GRILHETAS DA APATIA”, o meu mais
recente livro, lançado a 28 de Novembro de 2021.
Uma saga - que irei sintetizar no final deste boletim –
que conta com uma escrita rica nas suas metáforas e
alegorias; trabalhada em muito no gerúndio, mas
capaz de agradar até aqueles que reticentes da
leitura de ficção. Isto npela capacidade em explorar
não uma história de heróis, mas sim de personagens
iguais a como quem as lê, nas suas virtudes, erros e
sonhos.
Mas esta é a parte fácil. A de trabalhar e estudar a
capa certa; a de reverificar possíveis erros; a
composição da sinopse ou mesmo da foto de autor; o
ir a reuniões de estratégias de promoções e preparar
e organizar o lançamento que nos projeta. O difícil é
quando transformamos um hobbie num
compromisso.
Compromisso para quem leu e espera pela
continuação; compromisso para mim, como autor,
que acredita no melhor destas CRÓNICAS DE
TELLARGYA; um compromisso melhor explicado
pelas antigas palavras de JOSÉ SARAMAGO, quando
na minha presença na 47a FEIRA DO LIVRO DO
FUNCHAL, que dizem: “ser escritor não é apenas
escrever livros, é muito mais uma atitude perante a
vida, uma exigência e uma intervenção.”
Quando li tal passagem foi como que um reflexo do
que tem sido o meu percurso como escritor; um
resumo do que implica esta arte: o isolamento
necessário, por vezes as quebras de inspiração, a
própria dúvida, o procurar, em paralelo à nossa vida
profissional, uma forma de persistir no que se
acredita, pois para lá das fotografias, o confronto
interior é maior do que aquele que as minhas
personagens enfrentam.
E como contornar o que por vezes nos questiona?
Em resposta, lembro maior satisfação ao regressar à
Escola EB 2,3 José Afonso e partilhar as minhas
conquistas.
O agrado de professores que me reconheciam e
felicitavam pelos feitos, abrindo-me portas para uma
das minhas missões que era o de chegar aos mais
novos, revelando-lhes a importância da leitura e da
escrita. É prazenteiro ser ouvido, não só por mim a
narrar uma nova realidade, mas escutado por turmas
de alunos, tal como eu onde no passado estive
também, curiosos pelo tema em si e pelo percurso
de alguém que da escola se projetou.
Alhos Vedros, terra de um passado que certamente
fomentou o épico da minha fantasia, sempre me
facultou o melhor das suas gentes. Ainda hoje,
lembro a minha entrada pela Junta de Freguesia, no
meu primeiro livro, perguntando o que eu poderia
fazer para partilhar este trabalho. Refletiu-se com a
participação nas suas Feiras do Livro.
43a Feira do Livro de Alhos Vedros e tenho em
memória estar, lado a lado, com Leonel Coelho,
lutador e grande escritor, e o mesmo que em
curiosidade abriu os meus livros numa leitura em
diagonal dizendo-me, enquanto aguardamos por
leitores curiosos: “isto é de profissional”. Mesmo mais
tarde, numa nova oportunidade, na 46a Feira do
Livro de Alhos Vedros, com Dores Nascimento, numa
entrevista à luz do luar onde me foi permitido falar
um pouco mais do meu trabalho.
A verdade é que o percurso é de luta. Temos de
procurar chegar mais longe; procurar espaços num
Portugal inteiro e ter a disposição de alcançar
aqueles que ainda hoje não conhecem o nome
Helder Martins, escritor das Crónicas de Tellargya.
Edição Especial
Pág. 10
E o apoio é importante. A surpresa e o
reconhecimento, como a do convite para este
Boletim, para que eu hoje pudesse lembrar, quem
sou em nostalgia, “recarregam baterias”.
AS CRÓNICAS DE TELLARGYA
O TEMPLO DE BORKUDAN,Vol. 1
Esta saga conta a história de um jovem mago, Helzar
Tharmin, resignado com a sua vida estagnada na
aldeia de Surdave, sentindo-se subvalorizado. No seu
caminho, cruza passagem com um pequeno dragão,
Drinus, sem qualquer memória do seu passado.
Porém, numa noite marcada por más escolhas, o
rapaz vê a sua aldeia atacada por uma figura que o
identifica como a reencarnação de um deus antigo.
Instigando-o a lutar, o vilão da história rapta-lhe a
irmã e destrói toda a aldeia; lançando então aí o início
de uma demanda. Helzar tem agora um dever em
mãos, ao mesmo tempo que conhece Tellargya pela
primeira vez, no verdadeiro sentido da exigência;
enfrentando pelo caminho desafios que o superam
por aquilo que nunca esperara ou ambicionara.
A ASA DA CONSEQUÊNCIA,VOL. 2
Regressado de o Templo de Borkudan, Helzar e
Drinus contam agora com um novo companheiro de
viagem. Com um novo destino traçado, o mago
enfrenta agora os imprevistos da vida, com agora as
consequências das suas decisões, em que a cada
uma se vê cada vez mais afastado do seu objetivo
inicial; ainda que por elas, cruzando passagem com
uma bela jovem. Em paralelo a esta história, uma
nova personagem, Jllanu, põe em marcha um
ressentimento antigo para com a sua vida bastarda. E
mesmo dos túneis de Tellargya, um anão irrompe
focado para um castigo a todos que da superfície.
GRILHETAS DAAPATIA,VOL. 3
Com todos os companheiros do seu grupo raptados
por figuras arcanas misteriosas, Helzar vê-se
confrontado com o novo percalço. Dividido entre a
necessidade do resgate dos seus amigos, a
tenacidade falta-lhe com o encontro de uma nova
vida, mais confortável, e agora bem mais desejada.
Cruzados os mares pela primeira vez, Jllanu põe em
marcha o seu desígnio e Tellargya enfrenta agora os
tremores que assolam cada um dos seus habitantes.
Com o papel do herói agora em suspenso, uma nova
personagem insurge para essa responsabilidade, e
com ela a verdade na ponta da sua espada. (...)"
Edição 5/2022 - Tânia Alves
"(...) Este mês comemora-se o Dia Mundial da Criança,
celebrado no dia 1 de Junho.
No nosso país comemoramos este dia mimando as
nossas crianças com presentes, passeios,
experiências fantásticas e com tudo aquilo que
achamos que as fazem felizes. No entanto, este dia
não surgiu apenas para oferecermos presentes aos
nossos filhos, sobrinhos e amigos.
Este dia é uma data muito importante para toda a
comunidade mundial. Começou a celebrar-se na
década de cinquenta, num cenário pós Guerra (II
Guerra Mundial), por parte da ONU, que tinha como
objectivo alertar e sensibilizar toda a população para
os problemas e dificuldades que muitas crianças
enfrentavam, sem que tivessem acesso a cuidados
básicos como o amor, segurança e saúde
(dificuldades essas, que infelizmente ainda nos dias
de hoje se verificam). Defendiam o princípio de que
todas as crianças têm direitos que devem e
merecem ser respeitados.
Desta forma a ONU e a Federação Democrática
Internacional das Mulheres criaram a tão proclamada
mas nem sempre cumprida ou seguida Declaração
Universal dos Direitos das Crianças. Esta declaração é
composta por dez princípios que devem ser seguidos
para que as crianças vivam em paz:
1 - Todas as crianças têm direito à vida e à liberdade;
2 - Todas as crianças devem ser protegidas da
violência doméstica, do tráfico humano e do trabalho
infantil;
3 - Todas as crianças são iguais e têm os mesmos
direitos, não importa a sua cor, sexo, religião, origem
social e nacionalidade;
4 - Todas as crianças devem ser protegidas pela
família e pela sociedade;
Edição Especial
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5 - Todas as crianças têm direito a um nome e
nacionalidade;
6 - Todas as crianças têm direito a alimentação,
habitação e atendimento médico;
7 - As crianças portadoras de dificuldades especiais,
físicas e mentais, têm o direito a educação e cuidados
especiais;
8 - Todas as crianças têm direito ao amor, à
segurança e à compreensão dos pais e da sociedade;
9 - Todas as crianças têm direito à educação, que
deve ser gratuita e obrigatória. E têm direito a
brincarem;
10 - Todas as crianças têm direito de não serem
violentadas verbalmente ou serem agredidas por
pais, avós, familiares e pela sociedade.
Nunca nos devemos esquecer que já todos fomos
criança e que essa criança continua dentro de nós. Há
dias em que essa criança pode estar mais
adormecida mas há outros dias em que essa criança
salta cá para fora e só nos apetece brincar, rir e
descomplicar a vida e perceber como ela pode ser
simples.
Como educadora de infância, considero também
indispensável reflectirmos naquilo que é ser criança,
na sua verdadeira essência.
Assim, ser criança é ser livre, é poder rir à gargalhada
até a barriga doer, é brincar, correr e saltar e levar a
vida de forma simples e espontânea. É ser
verdadeiramente feliz!
Cabe-nos a nós, enquanto pais, cuidadores, avós, tios,
educadores, professores, etc., transmitir-lhes
exemplos, princípios e valores que lhes permitam
viver e crescer de forma harmoniosa e que entendam
o quanto são importantes a tolerância, a humildade e
o respeito.
Também nos cabe a nós proporcionar-lhes vivências,
experiências e ambientes que as deixem ser
genuinamente felizes e que sejam capazes de tirar
um maior partido da vida.
Em jeito de conclusão, deixo-vos aqui um elucidativo
poema de Dorothy Law Nolte:
As Crianças Aprendem o que Vivem
“Se as crianças vivem com críticas, aprendem a
condenar.
Se as crianças vivem com hostilidade, aprendem a
ser agressivas.
Se as crianças vivem com medo, aprendem a ser
apreensivas.
Se as crianças vivem com pena, aprendem a sentir
pena de si próprias.
Se as crianças vivem com o ridículo, aprendem a ser
tímidas.
Se as crianças vivem com inveja, aprendem a ser
invejosas.
Se as crianças vivem com vergonha, aprendem a
sentir-se culpadas.
Se as crianças vivem com encorajamento, aprendem
a ser confiantes.
Se as crianças vivem com tolerância, aprendem a ser
pacientes.
Se as crianças vivem com elogios, aprendem a
apreciar.
Se as crianças vivem com aceitação, aprendem a
amar.
Se as crianças vivem com aprovação, aprendem a
gostar de si próprias.
Se as crianças vivem com reconhecimento,
aprendem que é bom ter um objectivo.
Se as crianças vivem com partilha, aprendem a ser
generosas.
Se as crianças vivem com honestidade, aprendem a
ser verdadeiras.
Se as crianças vivem com justiça, aprendem a ser
justas.
Se as crianças vivem com amabilidade e
consideração, aprendem o que é respeito.
Se as crianças vivem com segurança, aprendem a
confiar em si próprias e naqueles que as rodeiam.
Se as crianças vivem com amizade, aprendem que o
mundo é um lugar bom para se viver.“ (...)"
Edição 6/2022 - Francisco José Noronha dos
Santos
"(...) Escrever sobre Alhos Vedros é um júbilo e um
repto!
Na margem esquerda do Tejo, na Barra-a-Barra e no
Rosário foram encontrados vestígios da presença de
comunidades do neolítico.
Edição Especial
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No devir das eras, a estas terras estuarinas acorreram
as mais variadas gentes, em busca de pouso seguro.
Tal amálgama de povos e de culturas forjou uma
salutar miscigenação, qual coluna vertebral destas
populações ribeirinhas.
Das cerradas brenhas brotaram terras aráveis, e do
rio, ora manso, ora alteroso, granjearam o sustento e a
subsistência.
No século XIII da era cristã, Alhos Vedros é um
aglomerado de habitações edificadas em torno do
seu templo religioso.
Alhos Vedros «terra franca» escreveu alguém.
Franca porque sem muralhas que tolhessem os
passos a quem dela se abeirasse a rogar acolhida;
terra de gente franca, solícita, laboriosa...
Nos séculos subsequentes, a localização geográfica, a
amenidade do clima, os recursos naturais atraíram
Nobres e Plebeus.
Alhos Vedros está intimamente encrustada na
História Nacional.
Em Alhos Vedros, no mês de julho de 1415, o Rei João,
o primeiro de nome, transmitiu aos membros do
Conselho Régio a decisão definitiva de materializar a
abalada da frota para a conquista de Ceuta.
Nos séculos seguintes, os Alhosvedrenses
cooperaram ativamente na empresa marítima
portuguesa. Mas o seu hercúleo labor também se
verificou na agricultura, na pesca e na navegação
fluviais, na salicultura...
No dealbar século XX, o incremento da indústria
corticeira e da indústria de confecções são marcos
identitários da personalidade expedita deste povo
ribeirinho.
Ser Alhosvedrense é um regozijo, um privilégio!
Oxalá cada um de nós, Alhosvedrense, se esforce por
dignificar os nossos valorosos antepassados,
incontestáveis Heróis locais e nacionais!
Para mim, é uma honra ser natural desta vetusta
«terra da borda d’água».
Alhos Vedros e a sua História merecem ser
divulgadas a nível nacional!
Qual tem de ser o papel, o esforço e a obrigação das
Autoridades Locais e de cada um dos
Alhosvedrenses?
Meditemos, organizemo-nos e exijamos aquilo a que
Alhos Vedros tem direito. (...)"
Edição 7/2022 - Carlos Vardasca
"(...) O meu nome é Carlos Vardasca, tenho 72 anos e
nasci em 1949 na freguesia do Socorro em Lisboa.
Desde muito cedo e devido à extrema pobreza dos
meus pais, com apenas quatro anos de idade fui
internado no Colégio Nuno Álvares Pereira em
Lisboa, e mais tarde, com 13 anos, na Fragata D.
Fernando II e Glória, onde sobrevivi a um violento
incêndio que deflagrou a bordo em 3 de Abril de
1963.
Eram instituições do Estado, onde permaneci vários
anos ficando desde muito cedo privado de afectos e
do aconchego familiar, o que contribuiu para moldar
um pouco a minha personalidade, embora em datas
festivas (nem sempre) fosse passar férias a Santarém
onde os meus pais viviam.
Desde muito cedo me interessei pela leitura, dado
que apenas com doze anos, e com as moedas que as
minhas vizinhas me davam quando lhes fazia alguns
recados, investia esses trocos na compra do jornal “O
SÉCULO” que na altura custava 1 escudo,
inicialmente para recortar as tiras de Banda
Desenhada que geralmente vinham na última
página.
Mais tarde, com 14 anos de idade e por influência dos
meus amigos que também frequentavam o Cine
Clube de Santarém, começei a interessar-me por
assuntos mais sérios, lendo livros e notícias sobre
assuntos de ordem social e política, mais
concretamente sobre a guerra de Vietname, a guerra
colonial que passei a contestar, e sobre os
acontecimentos donMaio de 68 que ocorreram em
França.
Foi com esses amigos que iniciei muito cedo a minha
discussão que versava assuntos de ordem política e,
por sua influência e por acreditar nos valores que
defendiam, comunguei e partilhei com eles a crítica
ao regime do Estado Novo, embora naquela altura
eu não estivesse ligado ou associado a alguma
formação política, apesar de a PIDE pensar que
quem frequentava o Cine Clube de Santarém se
Edição Especial
Pág. 13
movia pelas vias da contestação e por isso exercia
naquela instituição cultural uma vigilância apertada.
Apesar da descrição anterior e dos valores que já
defendia, em 24 de Janeiro de 1971 fui, embora
contrariado, mobilizado para participar na guerra
colonial para Moçambique, de onde por pouco
pensei que não regressava, por ter sido ferido em
combate numa emboscada desencadeada pela
FRELIMO em 3 de Janeiro de 1972.
Esclareço que, embora tivesse participado numa
guerra que sempre condenei, fui convidado para
desertar por duas vezes antes de embarcar no navio
NIASSA, não o tendo concretizado com receio que a
PIDE exercesse represálias sobre os meus pais como
já vinha sendo prática daquela polícia política.
Quando regressei da guerra colonial em 6 de Março
de 1973 e porque os meus pais se tinham mudado
para Alhos Vedros, vim morar para esta vila onde me
integrei e acabei por ficar aqui até aos dias de hoje,
onde arranjei novos amigos e com eles mais tarde
partilhei preocupações que me ajudaram a abrir
novos horizontes com os quais me tornei solidário,
criando novas amizades que ainda hoje perduram.
Como já não tinha muito entusiasmo em voltar ao
meu primeiro emprego na Marinha Mercante onde
entrei com apenas 17 anos de idade, em 1973 fui
trabalhar para uma fábrica de automóveis em
Setúbal e aí, como operário metalúrgico, fui
reforçando a minha consciência política a exemplo
do que já vinha fazendo em Santarém, tendo eu
corrido o risco, apesar de estar lá apenas há um mês,
de ser despedido, por terem descoberto que fora eu
o autor da afixação na parede da fábrica de um cartaz
que denunciava o golpe de Estado no Chile liderado
por Augusto Pinochet, com o derrube do governo de
Unidade Popular chefiado por Salvador Allende em
1973, que foi assassinado durante esse conflito.
Como o processo disciplinar com vista ao meu
despedimento durou alguns meses a ser elaborado e
a ser decidido, a intenção de me despedirem não se
concretizou por que entretanto deu-se 25 de Abril
em 1974 e meu processo disciplinar acabou por ser
arquivado, o que causou alguma irritação na direcção
da fábrica por não ter concretizado aquele objectivo.
Na primeira Comissão de Trabalhadores em que
participei, propus a criação de uma Comissão de
Extinção da PIDE/DGS na fábrica devido à
desconfiança que recaia sobre dois operários.
Apesar de ter conseguido documentos que
confirmavam a sua ligação àquela polícia política, a
sua extinção não se concretizou devido ao golpe do
25 de Novembro que inviabilizou a conclusão desse
processo, tendo eu anteriormente participado
activamente no PREC (Processo Revolucionário em
Curso) como militante da UDP (União Democrática
Popular) com várias intervenções políticas,
nomeadamente percorrendo com outros amigos as
ruas da Alhos Vedros vendendo o jornal
“REPÚBLICA” em sua solidariedade, para que o
mesmo não fosse tomado por outras forças políticas
alheias aos princípios que norteavam aquele jornal
em defesa da luta dos trabalhadores.
Durante vários anos fui eleito membro de Comissões
de Trabalhadores e de Delegados Sindicais da
empresa onde trabalhava, e nessa condição propus
numa delas que se estabelecesse um intercâmbio
entre a fábrica e a Reforma Agrária, nomeadamente
com as Cooperativas agrícolas, com o objectivo de
escoar os seus produtos agrícolas devido às
dificuldades por que passavam.
Por outo lado e nesse período, propus também que
se realizasse um facto inédito, com a deslocação à
fábrica da orquestra do maestro José Atalaya, que
realizou um concerto memorável que foi do agrado
de todos os operários que assistiram com grande
entusiasmo, ao contrário do que alguns mais
conservadores diziam que não ia resultar por ser
“música para ricos”.
Aos quarenta anos de idade decidi voltar a estudar e,
beneficiando do estatuto de trabalhador estudante
conclui o 12o ano e entrei para a universidade no
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
(ISCSP) no curso de Sociologia do Trabalho.
Em 1986 fui um dos fundadores da CACAV. Círculo de
Animação Cultural de Alhos Vedros, sendo autor do
seu símbolo, participação que fui exercendo em
paralelo com a minha actividade na fábrica como
Controlador de Qualidade e os estudos na
universidade.
Edição Especial
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Na direcção daquela associação cultural tive, até aos
dias de hoje uma participação regular, fazendo parte
dos seus órgãos sociais desde a sua fundação, onde
tem sido desenvolvida uma actividade cultural
permanente e regular, com actividades
diversificadas, desde o debate realizado na Escola
José Afonso de denuncia do Massacre de Santa Cruz
em Timor-Leste em 12 de Novembro de 1991, entre
tantas iniciativas efectuadas ao longo dos anos, que
trouxeram à nossa vila personalidades várias e tão
distintas como Agostinho da Silva e António Vitorino
de Almeida entre outros, assim como o Coral Alius
Vetus, o coral Luiza Tody e o Coro da Casa da Achada.
Foi através da CACAV que participei em iniciativas de
âmbito cultural e partilhei a preocupação desta
associação pelo Meio Ambiente, com a criação do
grupo “ECOS da TERRA”, assim como pelo
Património Histórico e Cultural de Alhos Vedros,
como foi, entre outras, a realização das primeiras
Comemorações do Foral de Alhos Vedros em 1987,
muito antes de o poder local se ter lembrado disso; as
Noites de Lua Cheia e o mais recente concerto de
Tributo a José Mário Branco a propósito do 36o
aniversário da CACAV em 2022, iniciativas que ao
longo de vários anos têm granjeado a simpatia e a
participação das populações de Alhos Vedros e do
concelho em geral.
Por me sentir um pouco irrequieto, o que não me
permitia estar muito tempo “inactivo mas fazer mais
qualquer coisa”, em 15 de Março de 2001, numa
Assembleia de Pais e Encarregados de Educação da
Escola Básica no 1 de Alhos Vedros, participei numa
lista que foi eleita para os corpos sociais da respectiva
Associação para os anos 2001/2002 onde, propus que
fosse editado um boletim informativo de nome
“INTERVIR” que visava propor melhorias e outras
intervenções a efectuar no recinto escolar.
“INTERVIR” era um boletim gratuito e distribuído
mensalmente a todos os pais e encarregados de
educação, cuja distribuição que era gratuita, só foi
possível graças às cópias que eram tiradas de forma
quase “clandestina” na fábrica onde trabalhava, e a
sua publicação visava informa-los da actividade da
nossa associação e medidas a tomar para melhoria
do espaço escolar.
Fazendo jus ao meu interesse pela leitura e pela
escrita que já vinha desde os tempos da minha tenra
juventude, fui colaborador assíduo do jornal “O RIO”
dirigido por Brito Apolónia, contribuindo
quinzenalmente com artigos de opinião até à sua
extinção, ao mesmo tempo que nas eleições
autárquicas de 2001 fui eleito nas listas do Bloco de
Esquerda para um mandato para a Assembleia de
Freguesia de Alhos Vedros, mandato renovado em
eleições autárquicas seguintes no ano de 2005.
No campo da literatura, em 2012 editei o meu
primeiro livro com o título “Do Tejo ao Rovuma”,
apresentado pelo professor António Ventura
no Núcleo Cultural José Afonso (Biblioteca Municipal
de Alhos Vedros), livro que retrata a história da minha
Companhia na guerra colonial (1971-1973) e em
homenagem aos meus companheiros que
tombaram em combate naquela guerra de má
memória, para onde também fui enviado “sem jeito
nem prosa”.
Em 2015 voltei a editar um novo livro com o título
“Fardados de Lama”, apresentado pelo Tenente
Coronel Mário Tomé e pelo tradutor meu amigo de
infância José Colaço Barreiros (na mesma Biblioteca
Municipal), sessão moderada por Joaquim
Raminhos, romance autobiográfico que descreve e
minha vivência desde a infância até ao ano de 1987,
escrito com base e inspirado num poema de minha
autoria em 19 de Dezembro de 1969 com o título,
“Andei por aí”, onde se reflete uma parte da minha
infância e juventude repleta de ausência dos afectos
que já referi anteriormente, mas também por
alguma rebeldia e contestação acumulada pelos
acontecimentos de Maio de 68 em França.
Andei por aí
Nasci.
Olhei à minha volta e
Senti-me parido de ninguém.
Gritei para dentro de mim e não me ouvi.
Tentei abraçar alguém que era vento e nada senti.
Corri, andei à procura, tudo era vazio
E mergulhei no nada.
Tudo parecia sorrir,
Edição Especial
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Mas nada para mim sabia a quem.
Andei por aí,
Por aí andei.
A par do gosto e do amor que sentia pela escrita, a
música também foi uma das áreas a que dei corpo,
ao participar durante alguns anos no coro “ALIUS
VETUS da colectividade a “Velhinha”, onde participei
até que a minha entrada no ensino superior me
impossibilitou de cumprir com a assiduidade
desejada.
Sempre atento e com a preocupação em transmitir
aos outros a minha visão do mundo e o meu
pensamento sobre as questões sociais e políticas que
iam surgindo no meu dia-a-dia, em 2017 decido
editar novo livro com o título “Tempos Inquietos”
apresentado pelo ex-director do jornal “O RIO” Brito
Apolónia, livro onde “desfilam” artigos de opinião por
mim escritos de 1989 a 2016.
Esta obra foi editada também com base numa de
compilação de artigos de opinião escritos para o
jornal “O RIO”, a par de outros que descrevem
acontecimentos de ordem social e política, nacional e
internacional, que fui registando durante o mesmo
período.
O interesse pela escrita e aproveitando o período de
algum recolhimento que foi transversal a todo o país,
“dei corda aos dedos” e praticamente tenho
concluídos mais dois livros que muito entusiasmo
me deram escrever, cuja apresentação só será
possível quando as condições o permitirem.
O primeiro é um romance autobiográfico que vem
no seguimento de outro que escrevi anteriormente e
que considero, em parte, a sua continuação, pois
reconheço que algo ficou por dizer em “Fardados de
Lama”.
Esse romance tem como título “Uma Lua Ancorada
no Cais” e nele conclui o que em “Fardados de Lama”
me pareceu ter findado abruptamente, ao ponto de
algumas pessoas que o leram terem ficado curiosas,
pois o seu final indiciava que algo mais havia para
dizer devido à expectativa e ao interesse que ficou a
pairar no ar com o seu final tão inesperado.
O seguinte livro, este sim já concluído, tem como
título “Regressámos Todos Tão diferentes” e é mais
uma incursão ao período da guerra colonial.
Regressei a este tema porque verifiquei que sobre o
assunto havia muito para dar conhecer daquilo que
fui escrevendo durante o conflito colonial, mais
concretamente sobre os momentos vividos em
Moçambique, no Planalto dos Macondes, província
da Cabo Delgado na fronteira com a Tanzânia.
Durante esse período e quando regressava aos
aquartelamentos fui alinhavando alguns
apontamentos no meu caderno diário de tudo o que
fui observando durante as operações em que
participei, ou registando fotos batidas pela minha
“MIRANDA”, máquina fotográfica de fabrico japonês
que me acompanhava sempre que me deslocava
para o mato, ao ponto do comandante da
companhia me ter dito um dia: - Oh nosso soldado! -
Você pensa que está em Hollywood ou quê?
Para sua irritação, não dei grande importância a este
tipo de observações que este oficial era hábito fazer
sobre a minha pessoa e o meu pensamento, ao
ponto de me alcunhar de “maoista”, continuei a
registar apontamentos fotográficos que hoje os vejo
com muita satisfação estampados nas páginas de
“Do Tejo ao Rovuma” e em “Regressámos Todos Tão
Diferentes”, este último que em breve estará à
disposição de quem se interessar por este género de
leitura.
Actualmente tenho como “profissão” a de reformado,
condição onde me sinto extremamente feliz, porque
ainda hoje recordo a frase que disse ao engenheiro,
responsável pelo sector do controlo de qualidade
onde eu trabalhava na minha despedida da fábrica,
quando ele me perguntou:
- Então Carlos Vardasca! – O que é vai fazer agora que
se vai reformar?
Ao que eu lhe respondi sem hesitações:
- “Agora, vou fazer tudo aquilo que não tive tempo de
fazer quando trabalhava para os outros”.
Abraçamo-nos e disse-me:
- Gostei muito de trabalhar consigo, e espero que
continue fiel aos seus princípios e valores que sempre
Edição Especial
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o vi defender.
Para meu espanto, foi ao seu gabinete e ofereceu-me
uma pequena placa com a efigie de Che Guevara
gravada em madeira, que me trouxera numa das
suas férias à ilha de Cuba.
Finalmente, concluo este meu “Pedaço do meu
sentir” que é mais do que elucidativo e um
testemunho daquilo que vos dei a conhecer de mim,
para que cada um que o vai ler possa fazer o seu juízo
de valor, que eu não fico nada preocupado com
aquilo que legitimamente possam pensar.
Por agora, tenho dito. (...)"
Edição 8/2022 - Manuel João Croca
"(...) “Eu acho que, para toda a gente, o que é
necessário haver num país é os três S: S número um,
sustento; S número dois, saber; S número três, saúde.
Só a seguir ao sustento é que vem o saber.”
Professor Agostinho da Silva
1. O primeiro S: Sustento.
Para que uma sociedade seja livre, educada e
democrática deve reger-se por princípios e valores
que respeitem e dignifiquem a comunidade na sua
pluralidade e diversidade.
Nesse sentido, e considerando que a quase
totalidade da população se sustenta do rendimento
do trabalho, a todos deverá ser assegurado esse
direito. Se não for garantido a todos e a todas a
possibilidade de ganhar o seu sustento como será
possível viver condignamente e com liberdade para
fazer escolhas e construir o seu destino?
Deveremos por isso abordar o trabalho na
perspectiva de um direito e não de uma mera
possibilidade geradora de conflitos, por via de uma
competição desenfreada e tantas vezes sem regras
onde prolifera o tráfico de influências ou, para sermos
mais directos, o cancro das chamadas “cunhas”. E
porque uma sociedade democrática não se erege
apenas na vertente política – a possibilidade de
regularmente sermos chamados a eleger os nossos
representantes – , antes se afirma, também, nas
vertentes social e económica importa considerar o
seguinte:
- Sendo que todas as ocupações são socialmente
necessárias, deverá ser assegurado a cada
trabalhador(a) um salário que lhe garanta a
possibilidade de viver com dignidade.
Para isso será preciso fazer contas, as contas
necessárias e certas.
As contas que importam a cada e a todos, as contas
que possibilitem o acesso a uma habitação digna, à
saúde, à educação, à cultura e ao lazer.
Será esta a forma mais justa de chegarmos ao valor
mínimo a pagar como rendimento do trabalho. Só
assim será possível assegurar uma mais justa
distribuição da riqueza criada, ao invés do que agora
se verifica e em que 5% da população mundial
detém mais de 90% da riqueza criada no planeta.
Garantir o primeiro S é fundamental para poder
garantir os seguintes pois só depois do sustento estar
assegurado haverá disponibilidade e motivação para
tudo o resto. Sem o sustento garantido toda a nossa
atenção (e preocupação) será canibalizada por esse
problema que é o que infelizmente acontece a
milhões de portugueses que, não obstante estarem
numa situação de pleno emprego, vivem no limiar
da pobreza. A desvalorização do factor trabalho é
uma chaga que importa corrigir e eliminar.
2. O segundo S: Saber.
A construção do edifício social em que queremos
viver é tarefa de toda a comunidade e, por isso
mesmo, ninguém pode ser isentado de tal
responsabilidade.
Uma comunidade culta e informada estará, pois,
muito melhor apetrechada para alcançar tal
propósito com sucesso, considerando-se aqui
sucesso o conseguimento de uma sociedade justa,
livre e democrática.
Aceder ao “Saber” implica uma atitude activa e
reflexiva permanente por parte de cada um e de
todos enquanto receptores/emissores de
conhecimentos.
A aquisição de conhecimentos, de “Saberes”, começa
desde logo na família, depois na escola, depois uns
Edição Especial
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com os outros, nas colectividades e associações, nas
artes, ... enfim, em toda a comunidade no geral.
E, por isso mesmo, será mais correcto falarmos de
“Saberes” tendo em conta a diversidade das suas
naturezas e dos seus interlocutores.
Daí, também, falar do papel receptor/emissor que
todos temos, visto que, se para isso estivermos
disponíveis, com todos poderemos aprender
qualquer coisa e, concerteza, também teremos algo
para ensinar.
Parece-me, no entanto, inquestionável, no processo
educativo de aquisição de conhecimentos, o papel
primordial e insubstituível da escolaridade e de tudo
o que a envolve.
Falar da escola pública é, desde logo, falar de
Professores e de Alunos, de Pessoal Auxiliar e de
Conselhos Directivos, de Planos Curriculares e de
Edifícios, de Ministério, de Ministro e de Estado (tudo
com maiúsculas porque são muito importantes).
É um universo complexo como todos os que
envolvem pessoas. Muitas pessoas. Com histórias,
percursos, circunstâncias e contextos diferentes.
Pessoais e sociais.
Não sou, obviamente, especialista na matéria, já
decorreram várias décadas desde que cumpri a
escolaridade e mesmo a dos filhos já ocorreram há
quase uma década. No entanto, como a educação
(ou a falta dela) é um factor estruturante de qualquer
sociedade, é um universo que me interessa e que
procuro compreender na sua grande complexidade.
Tenho vários amigos e amigas professores ou ligados
ao processo educativo e conversamos
frequentemente (quer dizer eu escuto,
fundamentalmente) sobre o assunto.
Alguns amigos (e conterrâneos) têm até obra
publicada nesse domínio como são os casos de Luís
Carlos Rodrigues dos Santos e a sua tese de
doutoramento “Agostinho da Silva: Filosofia e
Espiritualidade, Educação e Pedagogia” e José
Miguel Oliveira com a obra “Dar aulas é fácil.Difícil é
ser professor! Manual em 7 lições ”, obras que para
mim foram (são) bastante enriquecedoras e que me
permito vivamente recomendar.
Lendo e ouvindo e escutando (que não são a mesma
coisa) aprende-se muito e alarga-se
substancialmente o universo das problemáticas em
equação.
Há quem pense que ser professor é “apenas” debitar
um programa curricular superiormente definido e
programado e, provavelmente, há professores que
tenderão a ser “apenas” isso, embora, depois, o
enfrentar da(s) realidade(s) os obrigue a ser muitas
outras coisas.
A reflexão e prática pedagógicas têm evoluído. Têm
surgido novos pensadores, novas correntes dentro
do universo educacional como, por exemplo, a
denominada “Escola Nova” e é nesses contextos que
tomamos conhecimento e percebemos (por
aproximação) da imensa complexidade da
actividade docente.
Na escola desembocam todos os problemas sociais
de que a comunidade padece. Famílias
desestruturadas, separações, divórcios, desemprego,
carências financeiras, violência doméstica, iliteracia,
toxicodependência, violações, delinquências várias,
enfim, tudo aquilo que inferniza e destrói vidas, tudo
aquilo que corrói os alicerces de uma sociedade que
se deseja equilibrada.
Para os receber e para os ensinar.
Para com eles, educandos, construir uma equipa.
Com papéis e funções diferentes como em qualquer
equipa mas, ainda assim, uma equipa.
Tudo isto entra dentro de uma sala de aula.
Turmas sobrelotadas muito para além do que seria
desejável e recomendável. Salas de aula
frequentemente mal equipadas e desconfortáveis.
Aí estão os professores para os receber.
Esse é o objectivo e a sua persecução é o factor mais
determinante para o sucesso (ou o insucesso) da
missão.
E são professores tantas vezes deslocados centenas
de quilómetros da sua área de residência. Afastados
do convívio das suas famílias e sem quaisquer ajudas
de custo para fazer face às despesas de
deslocalização, delapidando um salário que tem
vindo a ser minguado progressivamente.
Edição Especial
Pág. 18
Professores desinseridos do meio, desconhecendo os
seus contextos e as suas circunstâncias.
Professores.
Homens e mulheres de quem se esperam resultados
e sucesso “numa das grandes, mais desafiantes e
ainda nobres tarefas que se pode colocar a um ser
humano: educar crianças e jovens para que possam
um dia contribuir para a melhoria da sociedade em
que vivemos, afirmando-se como sujeitos críticos e
proactivos, agentes transformadores, capazes de
(re)pensar e de agir sobre o presente com vista ao
progresso e à melhoria do mundo. E, tudo isto
enquanto se fornecem ferramentas, técnicas e
conhecimentos, enquanto se treinam
comportamentos e reforçam atitudes, enquanto se
proporcionam aprendizagens e se desocultam
caminhos para a felicidade.“1
Neste contexto, o professor acaba por se assumir
como transmissor de conhecimentos, pedagogo,
psicólogo, sociólogo,... e até “aprendiz de feiticeiro”,
não sendo por isso estranho considerar-se a
actividade docente uma profissão de desgaste
rápido.
Professores. Uma tão nobre missão que tem vindo a
ser progressivamente desvalorizada (e por isso
iremos - já estamos - a pagar um preço elevado),
traduzindo-se em:
- “pouco reconhecimento social, numa crescente
pressão dos encarregados de educação, ataques à
imagem da classe na comunicação social, onde
germinam opiniões pseudo-especializadas de (não)
especialistas sobre a educação e a vida nas escolas,
categorizações e generalizações abusivas;
Diminuição dos direitos e das condições laborais;
aumento da precariedade e da incerteza; cortes
salariais; alterações ao nível da protecção e segurança
social; aumento do tempo de trabalho e da idade de
reforma.”2
Professores. E cada vez há menos. Podem brandir
gráficos e estatísticas, números e orçamentos que,
neste como em muitos outros casos, a percepção
não engana: cada vez há menos professores, mais
mal pagos e com menos condições.
Este tema é tão importante e pertinente que
apetece organizar um ciclo de conferências sobre o
assunto onde pudessem ser ouvidos todos os
participantes do processo educativo: professores,
alunos, auxiliares, gestores, encarregados de
educação, representantes do ministério, ...
Pensando bem nesta ideia é isso mesmo que irei
propor na Associação que integro, a Cacav.
***
Recentemente procedeu o Ministério da Educação a
uma descentralização de competências para as
Autarquias Locais. As escolas ficam sob
responsabilidade das autarquias. O processo é
recente e carece de mais algum tempo para se
poder tirar conclusões mas o que já se vai ouvindo
por aí é que «descentralizaram responsabilidades
mas não os recursos necessários».
Vamos ficar atentos.
1 José Miguel Oliveira, “Dar aulas é fácil. Difícil é ser
professor!”, pág. 10;
2 ibidem, pág. 125
3. O terceiro S: Saúde.
Uma das maiores conquistas do 25 de Abril foi a
criação de um Serviço Nacional de Saúde
tendencialmente gratuito para todos.
É uma conquista de elevado alcance, garante que a
ninguém será negada assistência médica por falta de
meios. Muito à frente de outros países apresentados
como modelos de desenvolvimento onde, neste
domínio da saúde (e também noutros), campeia a
barbárie. É o garante de que a assistência na saúde é
um direito e não um negócio como ficou
exuberantemente provado neste período de
pandemia do covid que grassou no mundo.
Exuberantemente provados os propósitos quer do
SNS quer dos grupos privados da saúde. Só não vê
quem não quiser ver.
Todos os serviços que são indispensáveis e públicos,
tendencialmente gratuitos portanto, têm vindo a ser
sujeitos a uma pressão cada vez maior por parte dos
privados.
Edição Especial
Pág. 19
Tal situação tem sido particularmente evidente no
domínio da saúde (embora também se verifique no
domínio da educação) e tem vindo a provocar um
evidente desgaste no SNS e nos seus profissionais.
Os motivos repetem-se: faltam profissionais e faltam
meios.
Faltam médicos, enfermeiros, técnicos de
diagnóstico, pessoal auxiliar, ...
Consequência do arrastar de tal situação, é o facto de
os profissionais do SNS serem chamados, cada vez
mais, a trabalho extraordinário.
Tratando-se de profissões sujeitas a enorme
responsabilidade e elevado desgaste, e porque as
capacidades humanas não são ilimitadas, os serviços
estão a entrar em ruptura um pouco por todo o país.
Os serviços de obstetrícia claudicaram um pouco por
todo o lado com consequências dramáticas, nalguns
casos, como todos sabemos.
As listas de espera para consultas externas e
intervenções cirúrgicas continuam a crescer e a
dilatar.
Nos centros de saúde assiste-se à ignomínia de os
utentes terem de ir de madrugada para as filas de
espera na esperança, frequentemente frustrada, de
conseguirem uma consulta.
Faltam médicos de família. Só na freguesia de Alhos
Vedros há mais de 5.000 utentes sem médico de
família.
A ministra Marta Temido, que estoicamente
enfrentou a crise pandémica, demitiu-se. Não é de
admirar, todos temos limites. E no entanto, todos
sabemos que a culpa da situação não é da ministra. A
culpa é de quem enfia a cabeça na areia e não vê
porque não quer ver.
O SNS tem falta de meios e de profissionais. Tem falta
de um plano de carreiras para os seus profissionais
que seja aliciante e os fidelize em exclusividade.
Mas também aqui os que exercem o poder brandem
mapas, gráficos e relatórios, extrapolam números
tentando-nos convencer de que está tudo bem
quando a nossa percepção não engana e nos
evidencia que não está, não se conseguindo
responder às necessidades. Não porque os
profissionais sejam maus, antes pelo contrário, é por
serem insuficientes.
E também os profissionais de saúde têm vindo a ser
desvalorizados.
Quer ao nível das condições salariais que são
insuficientes quer ao nível de um plano de carreiras
que seja aliciante e motivador.
Estamos em situação preocupante em áreas
sensíveis da sociedade.
Trabalho, Educação, Saúde. E não falamos de Justiça
porque o tema não é aqui tratado.
Está mais do que na hora de arrepiar caminho. Já
ontem era tarde!
***
E já que falamos de saúde convém atentar no
seguinte:
O planeta Terra é um organismo vivo e também ele
está doente, muito doente. Precisamos tratar dele
até porque, como se sabe, não há Planeta B.
Só alguns dados:
Desde que as Nações Unidas reconheceram a
existência de alterações climáticas, nos anos 70, as
emissões mundiais praticamente duplicaram.
Os últimos cinco anos foram os mais quentes desde
que há registos, mas o compromisso de redução das
emissões poluentes nos acordos climáticos
internacionais ficou por cumprir. Por este caminho –
e apesar dos discursos bem intencionados – todas as
metas para limitar o aumento da temperatura
ficarão por atingir nos próximos anos, empurrando o
planeta para a catástrofe. Mas muita gente,
sobretudo as gerações mais jovens, já percebeu a
dimensão do problema e sai às ruas em todo o
mundo para exigir acção urgente dos governos. Não
bastam promessas e acordos no papel. É preciso
descarbonizar a economia agora e não ficar à espera
de 2050, porque nessa altura já será tarde de mais.
A luta em defesa do planeta e do seu equilíbrio é para
já e para agora e é uma luta de todos, diária e
permanente, onde devemos tentar pôr em prática a
máxima de “pensar global, agir local”.
Significa isto que sem perder de vista o fenómeno à
sua escala global devemos procurar acudir ao que
Edição Especial
Pág. 20
nos é mais próximo já que há muito por fazer.
Devemos começar, desde logo, por alterar os nossos
próprios hábitos dando especial atenção ao
consumismo supérfluo, ao reciclar dos lixos
domésticos, ao restringir a utilização automóvel ao
indispensável, ao moderar o consumo da água e
outros procedimentos diários que, no seu conjunto,
podem ajudar qualquer coisinha na luta maior que é
necessário travar. Por todos, já que ninguém está
isento nem se deve demitir.
Creio que estaremos de acordo ao considerar que
vale a pena pensar nisto. E, depois, tentar agir em
conformidade. (...)"
Edição 9/2022 - Maria Gabriel Filipe
"(...) Escolha o comércio tradicional e surpreenda-se
com as pequenas histórias da Vila ou dos bairros, de
quem lá vive e trabalha.
As lojas, sejam antigas ou mais recentes, fazem parte
da identidade da terra, da rotina diária. Têm a
vantagem de ter um atendimento personalizado, em
que se pode confiar e fazem qualquer pessoa sentir-
se em casa. Muitas têm uma história que se identifica
no mobiliário ou na decoração e foram passando
pelo tempo graças à paixão dos seus proprietários.
Escolher o comércio tradicional para fazer compras é
também uma forma de contribuir para salvaguardar
este património e fazer parte da história local.
Em cafés antigos, bares, relojoarias, talhos, lojas de
tecidos ou roupa, retrosarias onde se encontram
peças únicas, há muitas histórias a descobrir.
Não podemos esquecer que, em situações de maior
dificuldade, era no pequeno comércio que se
socorriam todos aqueles que necessitavam de
crédito para alimentarem as suas casas, vestirem os
seus filhos, levantarem as reformas que chegavam
por vales de correio, etc.
Hoje, é o pequeno comércio, aquele que deu alma e
vida às suas terras, que mais sente as vicissitudes da
atual situação.
Vamos ajudar o comércio local e dezenas de
famílias que dele dependem.
A sensação de entrar na mercearia ao pé de casa e
receber um “Bom dia, Gabriela” ou no café da
esquina ou ao fundo da rua e ouvir “Então, o que vai
ser? É o costume?” é uma sensação única, comum
nos nossos bairros ou na Vila. Este é o comércio local
na sua mais profunda identidade – recheado de
relacionamentos de proximidade e atendimento
personalizado.
Quando a pandemia chegou e apanhou todos
desprevenidos, as pessoas mudaram a forma de
estar, socializar e viver.
As compras no comércio local, especialmente nas
lojas de comida, aumentaram, seja pela proximidade
e conveniência das lojas – as pessoas estiveram mais
tempo em casa e evitavam fazer grandes
deslocações.
O comércio local é uma atividade bastante
representativa da nossa economia. Das lojas
familiares que passam o seu legado de geração em
geração, às novas tendências que vão dando mais
vida à localidade, estas lojas lutam pela sua
sobrevivência em tempos de consumismo de
massas e contra as grandes superfícies.
Numa altura em que o on-line passa a ser crucial
para a sobrevivência de qualquer empresa, loja ou
atividade, é importante perceber, para além dos
apoios económicos, como este sector de atividade
pode vingar nos dias de hoje. Uma das respostas
pode passar pelo contar histórias: a história da loja, as
memórias da terra, as peripécias de uma atividade
familiar.
Não deixar que o comércio local desabe perante a
incerteza económica é crucial para a nossa economia
porque são geradoras de postos de trabalho, pela
autonomia da Câmara Municipal, através do
cumprimento das obrigações fiscais, e por manter o
dinheiro a circular.
Comprar local é a forma mais fácil e a mais imediata
de apoiar. Procurar farmácias, padarias, talhos,
mercearias, cafés, cabeleireiros, etc. nas redondezas.
Trocar as grandes redes pelos pequenos
comerciantes, pode ajudar a dar um pequeno fôlego
Edição Especial
Pág. 21
às finanças de um pequeno comerciante, para além
de ter um efeito multiplicador de emprego.
Se comprarmos numa loja, esta terá que contratar
um contabilista local, por exemplo, o proprietário e
seus funcionários podem ir a restaurantes locais e a
outras lojas próximas.
Todos nós conhecemos alguém que tem uma loja de
roupa, um café, um restaurante, um bar, um
cabeleireiro. Tornarmo-nos cliente desse alguém e
incentivarmos outros a serem clientes, tornamo-nos
responsáveis por garantir uma receita mensal que
permite o funcionamento do negócio.
Só há vantagens em ajudar o comércio local.
- O período de pandemia mostrou fragilidade do
comércio local. Agora é importante ajudar estes
negócios e manter as suas lojas. A melhor forma de
fazer é trocar o hipermercado pela compra local.
- As lojas de rua são pequenas e acolhedoras, são
perto das nossas casas e não precisamos de
transporte para lá chegar.
- Temos atendimento personalizado. O dono da
padaria já sabe o que queremos, o café recebe-nos
com o pedido de sempre, etc.
- Em regra geral, a qualidade dos produtos no
comércio local, supera em muito os da produção em
massa, disponíveis nos hipermercados.
O comércio local pode ser descoberto ao
explorarmos as lojas que rodeiam a nossa casa, mas
também em alternativas digitais, como aplicações e
plataformas on-line.
A existência de políticas públicas dirigidas ao apoio a
estas atividades económicas, criadoras de emprego,
é hoje uma excelente oportunidade de valorização
de recursos.
Ao Município e respectivas Freguesias compete dar
apoio e incentivo à proteção dos estabelecimentos,
integrando em programas de apoio ao comércio
tradicional. (...)"
Edição 10/2022 - João Paulo de Sousa da Silva
Gaspar
"(...) Quando recebi o simpático convite do Fábio
Silvano para escrever o Editorial da Revista Sentir
Alhos Vedros, projeto incrível de louvar que
acompanho, pensei de imediato se sabia que tema
iria abordar, pensei nos mais de 20 anos de pesquisa
genealógica sobre as gentes de Alhos Vedros, desde
o Séc. XVI até ao Séc. XX, contar as suas incríveis
histórias de vida, de como as suas vidas fazem parte
dos dias de hoje, de como se fez o “caminho de
Ferro” no Sec. XIX , dos que arrotearam campos, dos
que construíram marinhas , dos que faziam sal , dos
que construíram monumentos que nos chegam aos
dias de hoje e de que obra iremos deixar para ser
avaliada daqui a 100 anos? Como vamos ser
conhecidos?
Estas e outras questões inquietam-me e como tal
seria um belo Editorial.
Mas dias depois mudei de ideias e pensei em falar
sobre Arquitetura civil na nossa Freguesia,
mostrando ao olhar mais desatento a beleza de
edifícios que urge preservar antes que sejam
reduzidos a nada e Alhos Vedros continue a ficar
mais pobre, mas esse levantamento e o das Árvores
Monumentais demorará mais algum tempo a ficar
completo, e a seu tempo poderá ter interesse de ser
partilhado.
Então numa crise de criatividade, mas seguro que a
honra de escrever um editorial não deverá ficar
reduzido a uma promoção narcísica como tantos
outros, compreendi que o editorial deverá ser sobre o
facto que nos une a todos e nos distingue dos
demais que é “Ser Alhosvedrense”!
Ser de Alhos Vedros é um privilégio e uma angústia,
privilégio por crescermos numa Vila com tanta
historia e tanto passado que desde crianças que
somos intensos, envolvidos na sociedade... e uma
angústia porque a queremos mais e melhor e a
temos visto definhar como uma bela senhora de
outrora que fora abandonada a um canto para
morrer.
Relembro vários momentos da minha vida com a
maior ternura e saudade, os Carnavais da Velhinha
em que grande parte da comunidade se envolvia, de
pessoas extraordinárias tais como é exemplo o Vítor
Cabral, a Dona Edite, a Fatinha, a Dona Luisinha, da
Edição Especial
Pág. 22
Paula Panoias, do Cláudio Neves, da Vanessa
Lavrador, Torcato a Vitália e os filhos, o Vladimir de
Sousa, a mulher e os filhos e tantos outros que
fizeram os melhores Carnavais da vida de tantos de
nós! Os bailes da Velhinha , a cave e as suas tertúlias ,
percorrer os corredores e andares da nossa Velhinha
nesses tempo, fazia-me imaginar ao encontrar uns
instrumentos da Banda, como teria sido Alhos
Vedros e a Velhinha no tempo do meu avô Joaquim
de Sousa o Barrote e do seu pai António Pedro de
Sousa, ambos músicos da Banda da Velhinha? Como
seriam as tardes de Domingo com a banda no
coreto, ou a grafonola na janela da Velhinha a dar
música todos os Domingos para o jardim em frente?
Como seria o Cinema e as suas dinâmicas? Quem se
lembra das marchas populares do Bairro Gouveia e
do Saudoso Ezequiel? dos Jogos do CRI ,
da Dinossauros e antes dela a Mobil Garden, do La
Fontaine nas Arroteias, de celebrar o dia da Árvore no
destruído Parque dos Eucaliptos , nas Cavalhadas no
Xico Pires, no Baile da Pinha, tantas são as pessoas e
as memórias que não caberão num só artigo.
E como este editorial é sobre todos nós, sobre as
nossas memórias e sobre que memórias queremos
construir hoje para o amanhã, vou terminar com
uma história verídica que resume muito bem este
sentimento de comunidade e pertença que todos
devemos almejar reconstruir para a nossa amada Vila
de Alhos Vedros e devemos recordar sempre e para
não voltarmos a repetir erros do passado que, Um
Mundo de Igualdade não é feito de Pessoas Iguais
mais de pessoas com direitos iguais para serem
diferentes.
Alhos Vedros e a sua maior riqueza foi sempre a
diversidade de gentes que aqui convergiam para
criar algo único e especial. Respeitar as diferenças e a
partir dai construir algo grandioso é a lição que os
nossos antepassados nos deixaram, mas que
teimosamente não quisemos ouvir.
Aqui fica esta memória.
Esta história verídica é me contada pela minha mãe
Raquel , que ouvia o seu pai contar...
No Século XIX em Alhos Vedros, não sei precisar o
ano, fora Corregedor da Vila de Alhos Vedros, o Sr.
Eusébio António de Sousa (bisavô da minha mãe,
fora batizado em Alhos Vedros em 1820 e morava ele
mais ou menos onde é a casa do Victor Cabral), certa
noite, o foram chamar a casa, porque havia dias que
a população de Alhos Vedros andava assustada ,
eram ouvidos barulhos estranhos , vindos de outro
Mundo seguramente, no cemitério da Vila, pela noite.
O Eusébio lá rumou até ao cemitério, seguido por
um número de gente, homens e mulheres com paus
e terços, com medo, mas juntos, lá foram ver de
expulsar as almas d’outro Mundo. Chegados ao
cemitério da Vila, ficaram todos ao longe vendo o
Corregedor Eusébio entrar porta adentro destemido
e um silencio ensurdecedor reinou. Minutos depois
saíram a correr uns quantos burros assustados e
atrás deles o Corregedor a gritar: aqui têm as almas
penadas” e entre gritos de susto e gargalhadas de
alívio, ficou desvendado o mistério, eram os burros de
saltimbancos que na calada da noite pastavam no
cemitério. (...)"
Edição 11/2022 - Joaquim Raminhos
"(...) AS MEMÓRIAS QUE NOS MARCAM E FAZEM
CRESCER
Todos os povos, todas as comunidades têm as suas
memórias, que constituem referências fundamentais
da sua identidade social e cultural, que se perpetuam
no tempo, de geração em geração, constituindo um
património histórico, que contribui para
entendermos melhor o presente e perspetivarmos o
futuro.
A Vila de Alhos Vedros pela sua antiguidade e pelos
contextos vividos, caracteriza-se por uma grande
riqueza histórica, quer pela importância que foi
adquirindo na administração de um vasto território,
do então designado Concelho do Ribatejo, cujos
limites se estendiam da então aldeia Galega
(Montijo), até Coina, quer pelas vivências sociais,
económicas e culturais registadas ao longo de
séculos, que António Ventura muito bem caracteriza
na sua investigação.
Muitas das memórias de Alhos Vedros estarão ainda
Edição Especial
Pág. 23
por registar, mas muitos factos históricos têm vindo à
luz do dia, através do trabalho, de investigadores, de
antropólogos e de historiadores, como António
Gonzalez, António Ventura, José Manuel Vargas e
tantos outros, que têm dado importantes contributos
para o conhecimento e compreensão da evolução do
nosso território regional e local, sobre o património
construído, sobre as atividades aqui desenvolvidas e
sobre os modos de vida e das relações humanas que
se foram construindo ao longo dos tempos.
Sem precisarmos de nos colocar em bicos de pés,
Alhos Vedros regista nas memórias da sua história
local, muitos acontecimentos que nos orgulham e
que não podem cair no esquecimento nem no
anonimato.
É certo que fruto da evolução dos tempos, Alhos
Vedros que foi sede de concelho, deixou de o ser,
mas fica-nos a memória de alguns factos de relevo
na nossa história, como a chegada do rei D. João I a
Alhos Vedros, vindo refugiar-se dos efeitos da peste,
que alastrava pelo país e por Lisboa. A vinda dos
Infantes a Alhos Vedros, no ano de 1415, (D. Duarte, D.
Pedro e o Infante D. Henrique ), a designada “ínclita
geração”, que vieram reunir-se com o pai, a fim de
receberem a permissão para partirem para a
expansão ultramarina, que seria a epopeia dos
descobrimentos, são alguns factos que enaltecem a
história local da nossa Vila ribeirinha.
Mas as memórias de Alhos Vedros também se
estendem às gentes que aqui têm vivido, gente
simples e humilde que constituíram família e aqui
desenvolveram a sua atividade social e laboral, de
início com maior incidência na agricultura, com uma
ligação muito estreita com a vida ribeirinha, nas
atividades da pesca e da extração do sal, nas salinas
que proliferavam ao longo da nossa frente ribeirinha
do Tejo.
A extração do sal foi uma atividade de algum relevo e
que marcou muitas gerações. Com a sua mestria e
ensinamentos ancestrais, passados de geração em
geração, os homens das salinas moldavam os talhos,
preparavam a água até ao final do circuito, para
fazerem a rapação do sal, que tinha sido facultado
com a ajuda do efeito do calor do verão. No final do
verão avistavam-se ao longo da borda d ́água muitas
serras de sal, que aguardavam o seu em embarque, e
transporte através do rio para outras paragens. No
entanto, devido a conjunturas económicas e
concorrências de mercado, esta atividade foi
perdendo o seu fulgor e as últimas salinas ainda
funcionaram até à década de 80. Hoje praticamente
estão todas extintas.
Mas esta ocupação era sazonal, ocupando a mão de
obre no verão e era repartida pela atividade corticeira
que na primeira metade do Sec. XX, veio a
transformar Alhos Vedros num núcleo onde se
aglutinavam bastantes fábricas de cortiça, que
empregavam muitos residentes e constituía o
sustento de muitas famílias. A vida de Alhos Vedros
foi marcada ao longo de décadas por esta atividade.
A cortiça depois de ser retirada dos sobreiros,
principalmente nas herdades alentejanas, era aqui
trabalhada, cozida, selecionada e enfardada, para ser
comercializada e exportada. Em dias de embarque
da cortiça já trabalhada nas fábricas, as carroças e
galérias puxadas por animais, movimentavam-se nas
ruas num vai vem, em direção ao Cais de Alhos
Vedros, onde os fardos eram descarregados e
levados às costas pela força humana, para dentro das
fragatas, que seguiriam pelo rio Tejo até Lisboa.
Na segunda metade do Séc. XX, todo este
movimento industrial começou a entrar em declínio,
e as fábricas foram encerrando uma após outra,
restando hoje apenas uma em atividade plena.
Esta atividade corticeira envolveu toda a vida social
de Alhos Vedros. Logo pela manhã, ao som da buzina
da fábrica do Rolim, que ecoava por toda a Vila,
cadenciava-se o ritmo das pessoas que despertavam
para mais um dia ativo. Uns caminhavam em passo
acelerado para as fábricas, outros iam para a escola e
outros que iam ocupar os seus postos de trabalho
nalgum comércio e serviços aqui existentes.
Relembrando ainda a atividade industrial, nestas
memórias não podemos esquecer o surgimento das
fábricas de confeções, que alimentadas por capitais
do norte da Europa, vieram ocupar por algum tempo
Edição Especial
Pág. 24
o “espaço” deixado pela atividade corticeira, a Gefa, a
Bore, a Norporte e a Helly Hansen, são algumas
daquelas que ainda recordo.
Aqui se empregava mão de obra essencialmente
feminina, que logo de manhã dava vida às ruas de
Alhos Vedros, caminhando às dezenas para as
fábricas. À hora do almoço com as batas de várias
cores, passavam pelas ruas imprimindo um colorido
pouco vulgar. Mas as conjunturas económicas e
empresariais esfumaram toda esta dinâmica, e uma
após outra todas as fábricas de confeções em Alhos
Vedros encerraram. Hoje ainda restam em
escombros testemunhos de uma outra época.
A propósito de comércio, nestas memórias não
poderemos esquecer a existência da Cooperativa
Operária de Crédito e Consumo de Alhos Vedros,
fundada em 25/05/1916, cuja sede ainda está de pé,
onde a partir das 18 h. abria as suas portas, para
atender os trabalhadores que saíam aquela hora das
fábricas. Era assim naquele tempo.
Ainda me recordo do sr. Serafim que vinha à pressa
da fábrica e ia para trás do balcão com a sua bata
cinzenta, para atender os clientes (sócios).
Esta organização em cooperativa permitia fazer
frente a muitas dificuldades económicas, sentidas
por todas as famílias trabalhadoras que viviam em
Alhos Vedros.
As despesas eram feitas mediante o registo feito
numa caderneta de cada sócio, cujo saldo ia sendo
liquidado conforme as possibilidades de cada um
naquele mês.
No final do ano, quando a Cooperativa registava
alguns lucros, estes eram distribuídos pelos sócios.
Era a nossa grande superfície comercial.
O Associativismo teve sempre uma componente
muito forte aqui em Alhos Vedros, onde as
coletividades eram locais de encontro, de convívio e
de diversão, das passagens de ano, ou dos bailes da
pinha. Mas também eram polos de cultura e
aprendizagem, onde também não faltavam as
bibliotecas, nalgumas havia teatro e temos a realçar a
banda filarmónica da SFRUA. É de realçar também o
ensino do Esperanto, uma linguagem
internacionalista que permitia a comunicação de
todos os povos na mesma língua, cujo mestre Aníbal
Paula dinamizava as aulas no CRI e na SFRUA. No
entanto o regime político nunca viu com bons olhos
estes ensinamentos, considerados subversivos.
Nestas memórias é de referir o papel que muitas
Associações tiveram na resistência ao obscurantismo,
à censura e à ditadura fascista quereinou no nosso
país até ao 25 de Abril/74.
Algumas destas coletividades eram revistadas pela
PIDE (polícia política), onde por vezes apreendiam os
livros das bibliotecas, por conterem conteúdos
considerados subversivos, e algumas bibliotecas
chegaram a ser seladas.
Falando de resistência ao fascismo, Alhos Vedros
regista nas suas memórias muitas perseguições e
prisões de homens e mulheres, que apesar de todas
as dificuldades nunca baixaram os braços, contra a
repressão pela liberdade e democracia.
Não devem cair no esquecimento os cercos que a
PIDE fazia na rua da Corça, em perseguição de
ativistas da resistência, como o Germano.
Talvez a história da rua da Corsa ainda esteja por
contar.
Não poderei deixar de referir aqui um episódio,
contado pelo José Filipe, que já não está entre nós,
vivido enquanto músico da Banda da SFRUA. A fim
de se festejar o fim da Segunda Guerra Mundial, a
Banda Filarmónica saiu a tocar, em desfile pelas ruas.
Mas a festa foi interrompida por uma brutal carga
policial, motivando a dispersão de todos músicos.
Segundo nos relatou o José Filipe, conseguiu fugir
atravessando o esteiro a nado, do lado da Corsa para
o Cais de Alhos Vedros, tendo conseguido salvar o
seu clarinete, que era o instrumento com que tocava
na Banda.
Neste contexto não posso deixar de referir a atividade
da Academia M.R. 8 de Janeiro, que foi uma
referência para muitas gerações, foi uma escola social
e política, onde não faltavam as tertúlias, os colóquios,
com diversas figuras da oposição como Urbano
Tavares Rodrigues, Isabel do Carmo e tantos outros,
não esquecendo as músicas do Zé Mário Branco e do
Edição Especial
Pág. 25
Zeca Afonso que nos visitou por diversas vezes.
Ao terminar estas referências sobre memórias de
Alhos Vedros, não poderia deixar de recordar o velho
cais, onde se “guardam”, tantas histórias de vida de
figuras como o Mário da Graça, o João Mantas, o
Manuel Tavares, e tantos outros que nos deixaram
páginas da história da vida ribeirinha, que talvez
ainda estejam por escrever.
Fica-nos também a saudade dos barcos, das fragatas,
dos varinos e das canoas, que com as velas abertas ao
vento, nos acenavam para as margens dos esteiros e
do estuário.
Deixo apenas uma referência à “Pombinha” uma
canoa de Alhos Vedros, que hoje talvez ainda
pudesse estar ancorada no cais, a testemunhar
tantas viagens e aventuras vividas no nosso Tejo, mas
veio a terminar os seus dias no estaleiro do mestre
Jaime em Sarilhos Pequenos.
Agora em pleno Séc. XXI, vamos continuar a “navegar
à bolina”, olhando a linha do horizonte e levando no
farnel tantas memórias que serão o fermento para
continuar a viagem.
Estando em vésperas da inauguração das obras do
palacete dos Condes de Sampaio, que será o espaço
do Museu Municipal, talvez também tenha lugar a
ideia da criação da Casa das Memórias de Alhos
Vedros, onde possamos reunir todo um espólio
histórico que está disperso em casas particulares, em
arquivos ou bibliotecas. (...)"
Edição 12/2023 - Andreia Ramos
"(...) No passado mês de dezembro abrimos portas do
Palacete do Morgado da Casa da Cova / Condes de
Sampayo, localizado no Largo do Descarregador, em
Alhos Vedros, após a conclusão da primeira fase das
obras de reabilitação. Envolvidos por estas paredes
históricas, é-nos possível observar uma exposição da
Coleção Régia, um conjunto de pinturas do século
XVIII que retratam e representam os reis de Portugal,
da autoria do pintor e retratista Miguel António do
Amaral. Coleção essa que se encontra à guarda do
Município desde finais do século XIX, e é única no
país, sendo constituída por 26 quadros, dos quais 19
integram esta exposição e são exibidos ao grande
público pela primeira vez.
Há algo sobre a história de reis e rainhas, príncipes e
princesas, que sempre me fascinou, pelo que este
tema é-me impossível de ignorar. E esta vila, embora
muitos não o saibam, está ligada desde cedo a reis e
rainhas, príncipes e princesas.
E, portanto, por entre outros motivos, fascina-me.
Ao longo do século XV, Alhos Vedros conquistou a
reputação de ser uma povoação de ares saudáveis e
aprazíveis, funcionando como zona de veraneio para
algumas famílias nobres portuguesas. E, em 1415, na
sequência da pandemia de Peste Negra que
assolava a capital e levou à morte da própria rainha
Da Filipa de Lencastre, é em Alhos Vedros que o rei D.
João I se refugia, a pedido do seu Conselho, de forma
a afastar-se dos ambientes pestíferos da epidemia.
Após a morte da rainha, os Infantes reuniram-se duas
vezes com o seu pai, em Alhos Vedros. Foi num
desses encontros que o monarca tomou a decisão
final de dar continuidade à expedição da tomada de
Ceuta que estava já planeada desde o ano de 1412.
Enquanto os três Infantes retornaram à capital para
ultimarem os preparativos da viagem, o Rei
permaneceu na nossa vila, saindo apenas na
antevéspera da partida da armada para Ceuta, para o
Restelo, com o seu filho, D. Afonso, Conde de
Barcelos.
Este passo, tomado nesta vila, simboliza o começo da
expansão ultramarina portuguesa.
Deixo-vos assim o meu convite para, nos próximos
dias, visitarem a Coleção Régia no Palacete do
Morgado da Casa da Cova / Condes de Sampayo e
também vocês inspirarem um pouco da magia de
reis e rainhas, príncipes e princesas, que respiramos
aqui na nossa vila. (...)"
Edição 13/2023 - Cláudio Neves
"(...) O Carnaval em Alhos Vedros, já é uma tradição
que vem de há muito tempo.
Na década de 50, do século passado, era normal na
altura do Carnaval, saírem grupos de jovens e
adultos, de carroça, a brincar ao Entrudo, faziam
Edição Especial
Pág. 26
desde as Arroteias passando por Alhos Vedros,
passavam as marinhas e iam até à Baixa da Banheira.
Era muito usual nessa altura, serem surpreendidos
pelo caminho por outros que moravam nessas zonas
e lhes faziam partidas de Carnaval.
Na minha memória, tenho muito presente, ser
levado pelo meu pai nos dias de Carnaval (Domingo
ou Terça-Feira) até à zona do coreto para assistir ás
brincadeiras que existam nessa zona por essa altura,
raro era o carro que passava por essa área que não
tinha a surpresa de ficar todo encharcado, tal era a
força da água que vinha das dezenas de pessoas que
se aglomeravam por ali...
Durante os anos 80, começou então a ser organizado
pela SFRUA o Corso de Carnaval, no primeiro ano tive
o privilégio de participar, numa charrete,
devidamente trajado pelo Rancho Folclórico do
Clube das Arroteias.
Nessa altura, existia um grupo muito bonito e muito
bem organizado no Bairro Gouveia, que tinha a sua
sede no GRF, saíam do bairro até à vila para se
juntarem ao desfile de Carnaval, acabou com a morte
prematura do principal organizador (foi pena).
Foi o início da aventura para mim. Depois dessa
participação comecei a integrar o desfile de Carnaval,
e a seu tempo, fazer parte daquela organização que
muito me orgulha e onde aprendi imenso.
Foi um local onde aprendi, conheci pessoas que levo
para a vida, e que prezo para que se mantenha
sempre atual.
De há alguns anos a esta parte, como elemento do
Rancho das Arroteias, numa altura em que as
associações estavam a passar uma situação muito
difícil, pensámos em criar uma escola de samba nas
Arroteias, poderíamos desta forma revitalizar a
coletividade e trazer esta festa para o bairro. Foi então
que nasceu a ESUCA (Escola de Samba Unidos do
Clube das Arroteias). No início, a medo, criámos o
grupo de passistas, que foi crescendo e que
atualmente já tem trabalho feito e reconhecido. No
ano de 2023, apareceu a Bateria Ousada, projeto de
precursão em parceria com o grupo musical
OUSADIA, que se irão apresentar pela primeira vez no
desfile de Carnaval da ESUCA deste ano. (...)"
Edição 14/2023 - Edgar Cantante
"(...) Antes de iniciar esta breve reflexão sobre a
importância do Associativismo na nossa
comunidade, quero agradecer o convite que me foi
endereçado pelo "Sentir Alhos Vedros" para escrever
um artigo, à minha escolha, para a sua revista.
Nos tempos que correm, em que se acentua o
individualismo, o isolamento, a competição, o
fervilhar dos interesses pessoais acima dos interesses
coletivos, o aparecimento de um grupo de jovens
com esta iniciativa de fazer uma revista para dar a
conhecer e a valorizar a sua terra, assume uma
enorme importância ao contrariar aquilo que, há
muito tempo, se sente: a crise e algum declínio do
associativismo.
Neste sentido, devemos reconhecer a importância
que as coletividades e todo o movimento associativo
tiveram, antes e depois do 25 de abril, nas nossas
terras e nas nossas gentes, ao promover o convívio, a
formação cívica, a aproximação entre as pessoas, a
instrução e o recreio, a consciencialização política, a
cultura e o desporto.
Como sinal de reconhecimento e gratidão, é de toda
a justiça, destacar e homenagear as várias gerações
de dirigentes associativos que num espírito de
voluntariado, de entrega aos outros, sem ter
qualquer retribuição monetária, nas horas livres,
depois da sua atividade profissional, de alma e
coração, sempre se disponibilizaram para servir o
interesse coletivo.
Num outro plano e como consequência de todo este
importante trabalho realizado nas coletividades, é de
destacar o seu contributo para a consciencialização e
formação de muitos dos dirigentes políticos e
autárquicos no pós 25 de Abril que com esses
ensinamentos e experiência, contribuíram
decisivamente para o progresso e desenvolvimento
locais.
É preciso ter sempre presente, que a liberdade e a
democracia são como as plantas sensíveis, que
precisam de ser cuidadas e regadas regularmente,
Edição Especial
Pág. 27
caso contrário não sobrevivem. Por isso, é da maior
importância para o nosso futuro coletivo, que as
gerações mais novas tenham consciência disso e
também estejam disponíveis para participar e
colaborar, de acordo com as suas possibilidades, nas
várias iniciativas locais, nomeadamente nas reuniões
públicas autárquicas onde são discutidos e se
procuram as soluções para o problemas existentes.
A nossa Vila, em particular, que em tempos teve
importância industrial, principalmente na cortiça e
confeções, dando emprego a muita gente dos
concelhos vizinhos, em que o comércio também era
pujante e dinâmico. Como o prova, destacamos o
facto de haver, por esses tempos, três agências
bancárias e hoje não termos nenhuma.
Nos últimos tempos, a dinâmica da vila tem vindo a
decair a vários níveis, estando hoje, de certa forma,
reduzida, essencialmente a um dormitório. Por isso,
são benvindos todos os esforços e contributos
daqueles que gostam e sentem Alhos Vedros para
que, em conjunto e não com divisões descabidas e
sem sentido, possamos recolocar a nossa Vila onde
sempre deveria ter permanecido. (...)"
Edição 15/2023 - Paula Diogo
"(...) Começo por agradecer à equipa do “Sentir Alhos
Vedros” o convite que me endereçou para escrever o
editorial deste número sobre um tema à minha
escolha.
Depois de bastante reflexão e alguma angústia sobre
a decisão do tema que escolheria para este editorial,
por haverem tantos e tão pertinentes, inspirei-me no
nome desta revista, “Sentir Alhos Vedros”, e esta
pena, que é como quem diz os meus dedos, afagarão
o teclado num mote que me é querido: “Sentir a
primavera em Alhos Vedros”.
Com a chegada da primavera as temperaturas
começam a aumentar, o céu torna-se mais claro, o
sol mais radiante e os dias são maiores. Estes fatores
contribuem para que o estado de espírito das
pessoas, no geral, se torne mais alegre e positivo.
O início da primavera é, no entanto, um verdadeiro
pesadelo para alguns por causa das alergias. Com a
chegada da primavera, existe uma maior circulação
de pólenes e fungos no ambiente exterior que
induzem e acentuam os sintomas de alergias. Essas
pessoas deverão adotar comportamentos que
minimizem os efeitos da primavera nas suas alergias,
não devendo, em certos horários, realizar atividades
ao ar livre.
Para as outras pessoas é um deleite ouvir o chilrear
dos passarinhos e o sentir a reflorestação da nossa
primavera boreal através do odor dos jardins e dos
campos, do cheiro da terra e do aroma esfuziante das
flores.
A freguesia de Alhos Vedros, onde resido há cerca de
20 anos, torna-se especialmente bela durante a
época da Primavera. Como é do conhecimento de
todos a primavera caracteriza-se por ser uma época
do reflorescimento da flora terrestre. Em Alhos
Vedros existem zonas com características rurais,
ribeirinhas e urbanas. Em todas essas zonas sentimos
a presença da primavera. O verde aparece de onde
menos se espera e as flores estão por toda a parte,
até nos terrenos que parecem abandonados ou não
cultivados.
Quando caminhamos podemos observar uma flora
diversificada e encontrar espécies tais como o Alho-
bravo, o Cachapeiro-das-Traças, o Cardo-dos-Picos, o
Rosmaninho, a Salgadeira, o Espargo-bravo, o Bem-
me-quer, a Papoila-brava, entre outras. Os percursos
pedestres são uma forma maravilhosa de ver com
outros olhos a natureza e desfrutar deste meio
deslumbrante que nos rodeia, através de atalhos,
caminhos tradicionais e zonas agrícolas. Dito isto,
proponho a todos nós promover em Alhos Vedros
mais iniciativas de caminhadas organizadas,
constituindo verdadeiros produtos de turismo ativo.
A prática de Passeios Pedestres é uma atividade de
lazer de carácter lúdico, que pode ser feita de forma
autónoma e independente. Mas, para que se torne
uma prática saudável e segura para a população
local ou visitante, é necessário definir e sinalizar trilhos
nos vários locais. Temos espaços maravilhosos na
nossa Freguesia, por onde podemos dar belos
passeios, desfrutar de paisagens paradisíacas e
Edição Especial
Pág. 28
únicas.
Puxando a brasa à minha sardinha, observemos
matemática na natureza que nos rodeia:
- O número de pétalas numa flor segue, em muitas
espécies, a sequência matemática conhecida por
Fibonacci. A sequência de Fibonacci começa com os
números 1 e 1. O número seguinte é o resultado da
soma dos dois números anteriores (1+1=2). O número
que se segue é o 3 (1+2) e depois o 5 (2+3) e assim
sucessivamente. Esta sequência está muito presente
na natureza, como por exemplo, no número de
espirais numa pinha, na pereira, na ameixeira, na
roseira, ou em sementes de um girassol.
- As simetrias nas flores são fenómenos muito
interessantes de se observar. Elas têm um eixo
central, à volta do qual as partes das flores se
repetem. Acredita-se que várias flores têm simetrias
para atrair polinizadores, como as abelhas e as
borboletas. A simetria ajuda esses animais a
identificar a posição do néctar e do pólen da flor. Se
observarem uma borboleta, constatam facilmente
que tem um eixo de simetria que divide o seu corpo
e asas em duas metades muito semelhantes entre si.
As simetrias são de facto muito comuns na natureza.
- Os flamingos, patos e gansos, tão típicos dos sapais
de Alhos Vedros, voam em V para aproveitar a
aerodinâmica do vento e poupar energia,
conseguindo assim percorrer grandes distâncias.
Quem vai à frente quebra a resistência do vento e as
aves vão-se revezando.
- As formigas fazem operações aritméticas simples
para calcular distâncias a percorrer até aos locais
onde estão os alimentos, passando seguidamente
essa informação aos restantes membros da colónia.
E poderia dar mais exemplos da matemática na
natureza.
Para terminar, sentir a primavera é de todos,
sintamos a natureza de Alhos Vedros que é para
todos. Aproveitemos esta estação do ano.
Carpe diem! (...)"
Edição 16/2023 - Elvira Freitas
"(...) Falar sobre Alhos Vedros no mês que se celebra o
Recordar Sentir Alhos Vedros, viaje pelas gentes da nossa freguesia através dos nossos editoriais
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Recordar Sentir Alhos Vedros, viaje pelas gentes da nossa freguesia através dos nossos editoriais

  • 3. Edição Especial A revista digital "Sentir Alhos Vedros" pretende dar a conhecer a toda a população em geral o que de bom existe, se faz e há na freguesia de Alhos Vedros. Temos como objectivo dinamizar e aumentar a economia local, aproximando pequenos negócios, comerciantes em nome individual e empresas da população Alhosvedrense. Pretendemos conciliar passado e presente e traçar um futuro próspero para a freguesia de Alhos Vedros e para as suas gentes. Somos a plataforma que ajudará a freguesia de Alhos Vedros a dar-se a conhecer a todo o nosso país e quiçá, dar a conhecer Alhos Vedros a nível europeu e/ou mundial. O projecto "Sentir Alhos Vedros" é um projecto apartidário, independente, sem cores políticas associadas, e que pretende trabalhar com todos e para todos os Alhosvedrenses. A todos os que pretendem descredibilizar este projecto e os seus membros efectivos, informamos que a equipa Sentir Alhos Vedros continuará a trabalhar em prol de toda a freguesia de Alhos Vedros, em prol das suas gentes e em prol de um futuro promissor para todos. Estamos e estaremos sempre a trabalhar por e para Alhos Vedros! Se tem um negócio na freguesia de Alhos Vedros (negócio físico e/ou online) e/ou outras informações sobre a freguesia que queira partilhar e divulgar, se pretende contribuir com sugestões para a melhoria contínua da revista "Sentir Alhos Vedros", contacte-nos via e-mail para geral@sentiralhosvedros.pt. PERIODICIDADE: Mensal | ANO: 3.º | EDIÇÃO: Especial 2.º Aniversário CONTACTO: geral@sentiralhosvedros.pt TÍTULO: Sentir Alhos Vedros EDIÇÃO, COORDENAÇÃO DE EDIÇÃO, REDACÇÃO E FOTOGRAFIA: Ana Cristina Rosado Fábio Silvano Irina Cardoso Paulo Sérgio Pereira Rosa Paula Marques
  • 4. No mês que assinala o 2.º aniversário do projecto Sentir Alhos Vedros e assinala também o lançamento do novo layout da revista, decidimos viajar pelos editoriais das 25 edições anteriores, relembrando e agradecendo a todos os que até hoje deram o seu contributo para elevar o nome de Alhos Vedros. Sentir Alhos Vedros EDITORIAL Pág. 4 Edição Especial
  • 5. Edição 1/2022 - Equipa Sentir Alhos Vedros "(...) Bem-vindo/a ao boletim Sentir Alhos Vedros! O boletim Sentir Alhos Vedros pretende alavancar o desenvolvimento da freguesia de Alhos Vedros e que esse desenvolvimento contribua para melhorar as condições de vida, habitabilidade, emprego, saúde e segurança de todos os Alhosvedrenses. Sentir Alhos Vedros é ter orgulho no nosso passado, respeitar o nosso presente e traçar um futuro de sucesso para a terra que tanto amamos. Sentir Alhos Vedros é honrar as nossas raízes, dignificando o nome desta freguesia e impulsionando o seu crescimento! (...)" Edição 2/2022 - Maria Celeste Cantante "(...) A celebração do Dia da Mulher remete-nos para o enaltecimento e o seu contrário, para a celeridade e o anonimato, para a magnificência e para a insignificância, mas sobretudo para a necessidade de lembrar ao mundo a sua importância na família, em todos os actos da vida social, em todas as lutas por uma igualdade, ainda hoje negada pela burka que a oculta e lhe retira o direito de existir e por tantos outros actos de segregação, que, de tão comuns, passam, quantas vezes despercebidos, numa sociedade que afirma defender os direitos do Homem. Por que não os direitos do ser humano? Uma tradição enraizada numa mentalidade de liderança e superioridade masculinas, ao longo de séculos, tem relegado para segundo plano a importância do papel da mulher em todos os actos da vida social, económica, política, nas artes. A supremacia masculina exibe-se, ainda nos dias de hoje, com a naturalidade dos seres superiores. Desde as sufragistas à actualidade, que a luta da mulher pela igualdade de direitos tem sido uma constante e muito se tem evoluído nesse sentido. De facto, a mulher, nomeadamente no mundo ocidental, adquiriu patamares jamais imaginados pelas subjugadas mulheres puritanas, pelas escravas dos campos de algodão nos Estados Unidos da América, de séculos atrás, pelas donas de casa da família tradicional dos, ainda muito lembrados e recentes, tempos salazaristas. Edição Especial Pág. 5 Porém, o caminho é longo, e muito está por alcançar. Sabemos que a História da Humanidade é feita de avanços e recuos e não basta evoluir na ciência e na tecnologia. É urgente uma transformação maior, sobretudo nas mentalidades. Embora as mulheres estejam conscientes de que podem celebrar, com alegria, os progressos alcançados, assistem, por vezes indefesas, ao recrudescimento da violência sobre as mulheres, ainda no namoro, ao seu assassinato frequente no seio das famílias, à negação camuflada, da igualdade de acesso a carreiras profissionais, políticas e económicas, à violação das mulheres em tempos de guerra, à barbárie da morte por apedrejamento. É com estupefação que se observa, que a mulher continua a ser vítima de exploração sexual. A capa de revista colorida de moda, de insignificantes acontecimentos da alta sociedade, aprimora-se na exposição, por vezes indecorosa, da mulher que se expõe para deleite. É tão constante, que já nem damos por isso, mas está lá. Todavia, é cheia de glamour, disfarçada de uma beleza que não enaltece o ser feminino com direito a direitos de dignidade. Em tempos de guerra é usada nas fábricas de material de guerra, é gestora familiar, mãe e pai, enfermeira e médica, voluntária na Cruz Vermelha. Meritórias todas estas tarefas a enobrecem, mas quando é que a sociedade estará preparada para o entendimento da existência da mulher na sociedade, enquanto parte integrante e igual? Tal como na paz e na guerra, nunca o ser humano pode baixar os braços e deixar-se embalar pelo que adquiriu. Há sempre que estar alerta e preparar-se para o ressurgimento do lado negro do ser humano. Assim, a mulher não deve ser incauta e estar atenta às sirenes que, sem que se espere, gritam o medo e recomendam a protecção no bunker. É urgente que as sirenes toquem, sim, para recordarem à mulher que o seu lugar de igualdade não se conquista no bunker, mas cá fora, no dia a dia, nas batalhas, aparentemente, mais insignificantes da vida. Quando se poderá afirmar com convicção, que a mulheconstitui, de facto a outra metade da Humanidade? (...)"
  • 6. Porém, celebre-se cada dia, como se fosse o primeiro da sua inteira liberdade, da sua individualização consciente, da sua individualidade permanente. Edição 3/2022 - Maria das Dores Nascimento "(...) Recuemos ao ano de 1972. Nesse ano aconteceu a primeira cimeira sobre o ambiente, na Suécia. Não foi atribuído prémio nobel da paz. A guerra colonial dizimava os jovens portugueses e massacrava os povos africanos, a ditadura de Marcelo Caetano abatia-se sobre o país, o analfabetismo dominava e o lápis azul da censura amordaçava as opiniões. E em Alhos Vedros nasceu a Feira do Livro. Os homens sonharam e a obra nasceu. Uma geração carregada de irreverência, coragem e vontades de mudança, sob o teto da Academia Musical e Recreativa 8 de Janeiro de Alhos Vedros, sonhou. Sonhou em fazer dos livros uma festa, uma celebração, um ato de coragem e de desafio. E os livros saíram à rua. No local onde se viria a instalar o parque infantil 25 de Abril, na avenida Humberto Delgado, nesses tempos Marechal Carmona, aconteceu a festa. Calcorrear Lisboa, contactar incrédulas editoras, trazer e devolver os livros, calcular preços e fazer os descontos. Montar e desmontar as bancas coloridas, usadas em mercados de rua, com folhos no topo, perante uma animada e curiosa multidão de gente, gente sedenta de conhecimento, num país fechado sobre si próprio, com o obscurantismo como presente e futuro. Muitos, ansiosos pela leitura dos clássicos, pela posse de gramáticas e dicionários expostos em lugar de destaque, por literatura temática. Outros, requisitando à boca fechada as publicações proibidas, clandestinamente guardadas e aguardando atrás das bancas. Leonel Coelho, José Augusto, Edgar, Sequeira, José da Palma, Zé Nando, Estreia, João Carvalho, Cordeiro, Adelaide, Júlio, eu própria, com os meus tenros 12 anos, e outros, rapazes e raparigas, com a felicidade e a esperança instaladas nos sentidos, assumiram Edição Especial Pág. 6 aquela corajosa responsabilidade, que foi o embrião de algo maior, algo que nascera para intervir, para medrar, para vingar, para continuar. Num estrado de madeira tosco, atuou o rancho das Arroteias, abrilhantando de música, ritmos e alegria um acontecimento improvável e corajoso. Foi magnífico. No ano seguinte, aconteceu a segunda feira do Livro. Alhos Vedros foi visitada pelo ilustre músico, compositor, maestro e professor Fernando Lopes Graça, acompanhado pelo coro que primorosamente dirigia e que maravilhosamente interpretou o cancioneiro português, de que recordo emocionada, parte da belíssima canção: à sombra do rio nascem violetas ao comprido já me vieram dizer que querias casar comigo Fernando Lopes Graça, entrevistado pelo jornal Notícias da Amadora, uns dias depois, a propósito da Feira do Livro de Alhos Vedros, disse: “Isto é heroico”. E foi. E a Feira continuou ininterruptamente, ano após ano, até à 48a edição. Passou por vários locais, mas foi no Largo do Coreto que mais se impôs. A pandemia adiou duas edições. Estes dois últimos anos de insuportáveis solidões, de desumanos distanciamentos e de doenças sorrateiras, foram trágicos para três dos mais empenhados obreiros da Feira do Livro, ano após ano. Maria Celina Baltazar, Manuel Figueira Carvalho e Leonel Eusébio Coelho, a quem muitos chamam o pai da Feira do Livro. Esta referência tem tanto de justa como de indispensável, pois honrar a memória dos bons que partem é o mínimo exigível aos que ficam. Continuar a obra é o que nos move e moverá. A “nossa Feira do Livro” envolve a comunidade, crianças e jovens, alguns do ténis de mesa e da ginástica, outros da vizinhança, que têm sido os fiéis vendedores, arrumadores incansáveis, em gerações renovadas. Comem a sandes e bebem o sumo, lanche que se tornou tradição, riem e brincam,
  • 7. correm e divertem-se. As rifas alimentam a feira, os prémios são oferecidos pelos comerciantes amigos e pelos artistas amantes destas iniciativas. O saudoso e querido Toninho oferecia um avio, a florista Mena um arranjo, o Nelson e o Assalto ao Tacho duas ou três refeições, o Tó dá pão para os lanches dos colaboradores. Do doutor Sampaio, do Barão e Costa e da Refrigue, há sempre um contributo monetário. O Luís Delgado, a Celeste, o Kira, o Vítor Moinhos, o Luís Guerreio, o Tapadinhas, a Amália, a Ilda, a Sandra, o José Augusto, o Paulo Nogueira e tantos outros, oferecem arte. A cabeleireira Sandra, serviços. O Coviran, sumos e condutos. A população compra rifas e muitos outros, ao longo dos anos, têm apoiado em atos, palavras e presença, palestras, colóquios e debates. O poder local tem ajudado com verbas, logística e alguma propaganda. E a quermesse também contribui. As exposições integradas na Feira do Livro já mostraram artes e ofícios, pintura e fotografia, trabalhos em pão, livros, autores e escultura, instalações, vida e obra de Zeca Afonso e objetos de estimação. Já passaram pela Feira oleiros e latoeiros, cesteiros, teares e artesanato, palhaços e dramatizações, atividade circense e passatempos, circuito ciclista e troféu Tiago Faquinha. Exibiu-se folclore, cante alentejano, jazz, rock, baladas, canto lírico e popular, música de intervenção fado e rap, teatro, coros, ballet, ginástica, dança contemporânea, de salão e de fusão, marchas e as Batucadeiras de Cabo Verde, instrumentistas e bandas, escolas de música e cinema. Estiveram presentes com os seus livros, simpatia e autógrafos, Aurora Rodrigues, Fernando Cardoso, Beatriz Costa, Ana Nunes, que nos visitaram de fora, e acima de tudo os autores locais, a prata da casa, que é ouro. Leonel Coelho, Manuel João Croca, Luís Carlos Santos, Maria das Dores Nascimento, Rafael Augusto, José Miguel Oliveira, Celeste Cantante, Luís Filipe Gomes, Hélder Martins, Fernando Reis, António Tapadinhas, Tomás Gavino Coelho, Carlos Vardasca, e peço perdão se alguém não foi nomeado. Este ouro de que falo merece sair do guarda-joias, ter superior Edição Especial Pág. 7 visibilidade e ser olhado como uma valia de que o concelho se deve orgulhar, que o poder local deve abraçar, mostrar e incentivar, como investimento na cultura, na literacia e na escrita. Esperemos que se mude o rumo. Atrevo-me a concluir que a inusitada quantidade de autores na freguesia de Alhos Vedros e arredores tem certamente uma relação com esta chama que se renova a cada ano, insistindo na leitura, na palavra, na escrita. Durante muitos anos, a Feira do Livro era o espaço e o tempo em que os leitores e amantes dos livros os adquiriam, se encontravam, conversavam, tertuliavam, se é que me é permitida esta palavra, talvez inventada. Que alternativas tinham? Praticamente nenhumas. Nesses tempos, as editoras precisavam das feiras de livro locais. Eram parceiras, eram amigas. Enviavam os catálogos, e permitiam que escolhêssemos os livros. Nos últimos tempos, as editoras desinteressaram-se da divulgação do livro como uma missão, abandonando estas louváveis iniciativas locais. Não se aplica a esta relação comercial a regra de fidelização. Infelizmente. Por essas e por outras, principalmente por outras, há que mudar um pouco o paradigma. Há que apostar mais na divulgação dos autores locais, nos autores independentes ou não, naqueles que escrevem sobre aquilo que entendem, livremente, e que amam os livros e as palavras. Há muitos anos atrás, adquiri, numa das edições da Feira do Livro, De Profundis, Valsa Lenta, de José Cardoso Pires, e li-o todo nessa mesma noite. Trata-se de uma magnífica descrição sobre um grave problema de saúde do autor, que ele descreve com a excelência a que o seu nome nos habituou. Deslumbrei-me tanto que, ao terminar o livro, fiz uma promessa aos meus botões: “Se alguma vez tiver um problema de saúde grave, comprometo-me a escrever sobre isso”. E fui posta à prova com um maldito cancro da mama, de que resultou o livro Inimigo do Peito. Mais tarde, escrevi e publiquei a História do Touro Azul, infantil. E, na 48a Feira do Livro, lancei um romance: O homem que tinha medo de que ninguém fosse ao
  • 8. seu funeral. Na 49a feira do livro, que terá lugar este ano de 24 a 26 de junho no FAVO, apresentarei o livro Maria Celina. Não fora a Feira do Livro, quem sabe se os meus pensamentos se aconchegariam nas páginas que os têm acolhido. Já agora, aproveito para divulgar que Luís Carlos dos Santos apresentará ao publico o seu último livro, Daqui até já, na próxima Feira do Livro. E talvez não fiquemos por aqui. Para finalizar, acrescento que a Feira do Livro de Alhos Vedros foi distinguida pela Região de Turismo da Costa Azul no ano de 2007. Alguém escreveu num jornal como título: “Esta é uma feira de afetos onde o livro é um amigo”. Vem e traz outro amigo também. (...)" Edição 4/2022 - Helder Martins "(...) Quando o Fábio Silvano, do Boletim Digital “Sentir Alhos Vedros”, me contactou no sentido de falar um pouco sobre o que é a literatura para mim ou do meu percurso como escritor; tudo isto envolto por um papel de embrulho que é a nossa vila, imediatamente o que trouxe em lembrança foi o de uma antiga tarefa escolar. Creio que no 8o ou 9o ano, não o posso precisar, mas recordo que foi um projeto que falava sobre o Foral de Alhos Vedros, atribuído por D. Manuel, realizado para o agora atual Agrupamento de Escolas José Afonso. E vejo-me perdido nos pensamentos desta memória, límpida como se o fosse hoje, que foi um trabalho onde sinto ter conhecido o meu primeiro contacto com a “inspiração”. A maneira como a escola explora a nossa capacidade de síntese; a nossa forma de construir um novo texto por palavras nossas; o zelo que nos compele a questionar e a esclarecer; tudo isso gerava em mim um agrado sobre os textos que ia formando, enquanto explorava a história de Alhos Vedros, quase que num mesmo sentimento poético como aquele que trago aqui hoje para este Boletim Digital. Mas claro, éramos miúdos naqueles tempos, e os livros eram uma obrigação e eu sei que não os procurava. Sem o saber, ou alguma vez ter equacionado uma reta direta para o mundo da literatura, algo existia lá. Sem reconhecer os sinais, como a facilidade que era Edição Especial Pág. 8 para mim em ultrapassar as metas escolares no âmbito das línguas, lembro-me que andava em esquiva a escritas cujos temas pouco interesse despertava em mim. Mas sei que uma história pairava, na altura, na minha mente. Borrões, claro; pacientes do meu próprio crescimento para ganharem forma e também para que eu descobrisse o fator que me levaria à leitura. E é isso que trago aqui hoje ao Boletim Digital; para além de um percurso, explorar o que nos inspira. Porém, e primeiramente, apresentações são devidas. O meu nome é Helder Martins, filho da terra de Alhos Vedros. Nascido a 10 de Março de 1986, no vizinho Barreiro e durante muitos anos residente no Bairro Gouveia. Mesmo hoje, já criado, ainda a laborar no concelho da Moita. Em paralelo à saga do que são as minhas crónicas editadas, a minha pessoal jornada teve início na Escola Primária do Bairro Gouveia. Ainda que trinta anos, bem distantes agora, recordo da professora o louvor pela letra “q” bem traçada na folha do caderno. Mas somos miúdos e a época trazia na altura a saga do Dragon Ball. Ultrapassado esse arranque que nos projeta para as horas que aprendemos a ver ou as contas que começamos a decifrar, mantive o meu percurso dentro do ensino de Alhos Vedros, saltando para o que conhecia na altura como a Escola EB 2,3 José Afonso. Lá, a literatura torna-se então mais real e mais poética. Como a escrita de Gil Vicente, com o Auto da Barca do Inferno, recriada numa peça teatral em aula, onde recordo o papel de Judeu por mim interpretado. Porém, e em franqueza, os temas abordados pouco favoreciam o meu interesse pela leitura, nomeadamente quando no foco da poesia, a qual trazendo o meu próprio calcanhar de Aquiles. Mas, os resultados lá eram conseguidos e as metas ultrapassadas, sobressaindo-me nas suas provas escritas e na facilidade em reter o importante dos temas abordados. Contudo, para mim, tudo ainda era visto num sentimento de obrigação, até que apareceu Ulisses, de Maria Alberta Meneres. E aí,
  • 9. pretendo deixar a minha primeira mensagem para um bom leitor: descobrir o(s) tema(s) que o identifica. Naquele tempo, não sei se seriam dos jogos de computador (RPG’S) que atraíam pela sua raiz medieval e aventureira ou se dos ares de Alhos Vedros com o histórico do seu passado ou das suas lendas, como a do poço mourisco, mas a literatura focada no fantástico passou a trazer em mim um desejo em pegar nos livros, pela primeira vez, a gosto. Mesmo hoje, lembro a primeira obra que li de “empreitada”: “O ciclo do Graal: Nascimento do rei Artur” de Jean Markale. E, então, desde aí a literatura passou a acompanhar- me pela minha vida projetada para o ramo laboral. Recordo obras como a “Trilogia de Bartimaeus” de Jonathan Stroud ou “Lobo Branco” de David Gemmel. E até mesmo da saga do Harry Potter, entre tantos. Todas elas construíram o meu caráter, fortaleceram a minha imaginação e enriqueceram o meu vocabulário e companheiras das minhas múltiplas profissões, que exigiam longas deslocações pelos transportes públicos. E aí remato com uma segunda mensagem para um bom leitor: descobrir o conforto para uma boa e inspirada leitura. Porque refiro isto? Porque, no meu caso, apenas e só, era capaz de ler/escrever se inspirado pelo exterior do que são as pessoas e ares do mundo à minha volta. Começou então a curiosidade em trazer para o papel as formas de uma história que sempre me acompanhara; e perceber, nas competências e formações adquiridas pelo ensino, e até mesmo pela minha experiência no kickboxing, como seriam os contornos das minhas personagens traduzidas em palavas. Na altura, cinco anos antes da data de lançamento do meu primeiro livro a 24 de Novembro de 2013, recriei na íntegra toda a obra a papel e caneta. Claro que apercebi-me mais tarde que para enviar estes originais, os mesmos seriam necessários em digital, e todo o livro foi novamente filtrado para o computador, criando assim no ecrã à minha frente: O TEMPLO DE BORKUDAN. Certo que tudo era apenas um hobbie, um escape e ao mesmo tempo uma necessidade para o meu bem-estar psicológico, mas as pessoas certas Edição Especial Pág. 9 alimentaram a minha curiosidade em saber se esta história poderia ser mais. Começa então aquele nervoso miudinho, naquilo que não sabemos se será bem correspondido. Pegamos naquele ficheiro, salvaguardado nos seus direitos de autor, e percorremos editoras e mais algumas para onde enviamos o nosso trabalho. Até que, quase sempre quando não esperamos, as primeiras respostas surgem e a excitação traduz o sentimento em ver-se reconhecido. Ainda que algumas editoras declinassem por se tratar de um nicho de mercado, no seu todo o interesse pela história em si era valorizada, percebendo-se nela a componente humana que retendo expor nesta literatura de ficção. Assinei então pela editora CHIADO BOOKS, e com eles até hoje, editando outros dois volumes das CRÓNICAS DE TELLARGYA, sendo eles: “AASA DA CONSEQUÊNCIA”, publicado a 31 de Julho de 2016 e “GRILHETAS DA APATIA”, o meu mais recente livro, lançado a 28 de Novembro de 2021. Uma saga - que irei sintetizar no final deste boletim – que conta com uma escrita rica nas suas metáforas e alegorias; trabalhada em muito no gerúndio, mas capaz de agradar até aqueles que reticentes da leitura de ficção. Isto npela capacidade em explorar não uma história de heróis, mas sim de personagens iguais a como quem as lê, nas suas virtudes, erros e sonhos. Mas esta é a parte fácil. A de trabalhar e estudar a capa certa; a de reverificar possíveis erros; a composição da sinopse ou mesmo da foto de autor; o ir a reuniões de estratégias de promoções e preparar e organizar o lançamento que nos projeta. O difícil é quando transformamos um hobbie num compromisso. Compromisso para quem leu e espera pela continuação; compromisso para mim, como autor, que acredita no melhor destas CRÓNICAS DE TELLARGYA; um compromisso melhor explicado pelas antigas palavras de JOSÉ SARAMAGO, quando na minha presença na 47a FEIRA DO LIVRO DO FUNCHAL, que dizem: “ser escritor não é apenas escrever livros, é muito mais uma atitude perante a vida, uma exigência e uma intervenção.”
  • 10. Quando li tal passagem foi como que um reflexo do que tem sido o meu percurso como escritor; um resumo do que implica esta arte: o isolamento necessário, por vezes as quebras de inspiração, a própria dúvida, o procurar, em paralelo à nossa vida profissional, uma forma de persistir no que se acredita, pois para lá das fotografias, o confronto interior é maior do que aquele que as minhas personagens enfrentam. E como contornar o que por vezes nos questiona? Em resposta, lembro maior satisfação ao regressar à Escola EB 2,3 José Afonso e partilhar as minhas conquistas. O agrado de professores que me reconheciam e felicitavam pelos feitos, abrindo-me portas para uma das minhas missões que era o de chegar aos mais novos, revelando-lhes a importância da leitura e da escrita. É prazenteiro ser ouvido, não só por mim a narrar uma nova realidade, mas escutado por turmas de alunos, tal como eu onde no passado estive também, curiosos pelo tema em si e pelo percurso de alguém que da escola se projetou. Alhos Vedros, terra de um passado que certamente fomentou o épico da minha fantasia, sempre me facultou o melhor das suas gentes. Ainda hoje, lembro a minha entrada pela Junta de Freguesia, no meu primeiro livro, perguntando o que eu poderia fazer para partilhar este trabalho. Refletiu-se com a participação nas suas Feiras do Livro. 43a Feira do Livro de Alhos Vedros e tenho em memória estar, lado a lado, com Leonel Coelho, lutador e grande escritor, e o mesmo que em curiosidade abriu os meus livros numa leitura em diagonal dizendo-me, enquanto aguardamos por leitores curiosos: “isto é de profissional”. Mesmo mais tarde, numa nova oportunidade, na 46a Feira do Livro de Alhos Vedros, com Dores Nascimento, numa entrevista à luz do luar onde me foi permitido falar um pouco mais do meu trabalho. A verdade é que o percurso é de luta. Temos de procurar chegar mais longe; procurar espaços num Portugal inteiro e ter a disposição de alcançar aqueles que ainda hoje não conhecem o nome Helder Martins, escritor das Crónicas de Tellargya. Edição Especial Pág. 10 E o apoio é importante. A surpresa e o reconhecimento, como a do convite para este Boletim, para que eu hoje pudesse lembrar, quem sou em nostalgia, “recarregam baterias”. AS CRÓNICAS DE TELLARGYA O TEMPLO DE BORKUDAN,Vol. 1 Esta saga conta a história de um jovem mago, Helzar Tharmin, resignado com a sua vida estagnada na aldeia de Surdave, sentindo-se subvalorizado. No seu caminho, cruza passagem com um pequeno dragão, Drinus, sem qualquer memória do seu passado. Porém, numa noite marcada por más escolhas, o rapaz vê a sua aldeia atacada por uma figura que o identifica como a reencarnação de um deus antigo. Instigando-o a lutar, o vilão da história rapta-lhe a irmã e destrói toda a aldeia; lançando então aí o início de uma demanda. Helzar tem agora um dever em mãos, ao mesmo tempo que conhece Tellargya pela primeira vez, no verdadeiro sentido da exigência; enfrentando pelo caminho desafios que o superam por aquilo que nunca esperara ou ambicionara. A ASA DA CONSEQUÊNCIA,VOL. 2 Regressado de o Templo de Borkudan, Helzar e Drinus contam agora com um novo companheiro de viagem. Com um novo destino traçado, o mago enfrenta agora os imprevistos da vida, com agora as consequências das suas decisões, em que a cada uma se vê cada vez mais afastado do seu objetivo inicial; ainda que por elas, cruzando passagem com uma bela jovem. Em paralelo a esta história, uma nova personagem, Jllanu, põe em marcha um ressentimento antigo para com a sua vida bastarda. E mesmo dos túneis de Tellargya, um anão irrompe focado para um castigo a todos que da superfície. GRILHETAS DAAPATIA,VOL. 3 Com todos os companheiros do seu grupo raptados por figuras arcanas misteriosas, Helzar vê-se confrontado com o novo percalço. Dividido entre a necessidade do resgate dos seus amigos, a tenacidade falta-lhe com o encontro de uma nova
  • 11. vida, mais confortável, e agora bem mais desejada. Cruzados os mares pela primeira vez, Jllanu põe em marcha o seu desígnio e Tellargya enfrenta agora os tremores que assolam cada um dos seus habitantes. Com o papel do herói agora em suspenso, uma nova personagem insurge para essa responsabilidade, e com ela a verdade na ponta da sua espada. (...)" Edição 5/2022 - Tânia Alves "(...) Este mês comemora-se o Dia Mundial da Criança, celebrado no dia 1 de Junho. No nosso país comemoramos este dia mimando as nossas crianças com presentes, passeios, experiências fantásticas e com tudo aquilo que achamos que as fazem felizes. No entanto, este dia não surgiu apenas para oferecermos presentes aos nossos filhos, sobrinhos e amigos. Este dia é uma data muito importante para toda a comunidade mundial. Começou a celebrar-se na década de cinquenta, num cenário pós Guerra (II Guerra Mundial), por parte da ONU, que tinha como objectivo alertar e sensibilizar toda a população para os problemas e dificuldades que muitas crianças enfrentavam, sem que tivessem acesso a cuidados básicos como o amor, segurança e saúde (dificuldades essas, que infelizmente ainda nos dias de hoje se verificam). Defendiam o princípio de que todas as crianças têm direitos que devem e merecem ser respeitados. Desta forma a ONU e a Federação Democrática Internacional das Mulheres criaram a tão proclamada mas nem sempre cumprida ou seguida Declaração Universal dos Direitos das Crianças. Esta declaração é composta por dez princípios que devem ser seguidos para que as crianças vivam em paz: 1 - Todas as crianças têm direito à vida e à liberdade; 2 - Todas as crianças devem ser protegidas da violência doméstica, do tráfico humano e do trabalho infantil; 3 - Todas as crianças são iguais e têm os mesmos direitos, não importa a sua cor, sexo, religião, origem social e nacionalidade; 4 - Todas as crianças devem ser protegidas pela família e pela sociedade; Edição Especial Pág. 11 5 - Todas as crianças têm direito a um nome e nacionalidade; 6 - Todas as crianças têm direito a alimentação, habitação e atendimento médico; 7 - As crianças portadoras de dificuldades especiais, físicas e mentais, têm o direito a educação e cuidados especiais; 8 - Todas as crianças têm direito ao amor, à segurança e à compreensão dos pais e da sociedade; 9 - Todas as crianças têm direito à educação, que deve ser gratuita e obrigatória. E têm direito a brincarem; 10 - Todas as crianças têm direito de não serem violentadas verbalmente ou serem agredidas por pais, avós, familiares e pela sociedade. Nunca nos devemos esquecer que já todos fomos criança e que essa criança continua dentro de nós. Há dias em que essa criança pode estar mais adormecida mas há outros dias em que essa criança salta cá para fora e só nos apetece brincar, rir e descomplicar a vida e perceber como ela pode ser simples. Como educadora de infância, considero também indispensável reflectirmos naquilo que é ser criança, na sua verdadeira essência. Assim, ser criança é ser livre, é poder rir à gargalhada até a barriga doer, é brincar, correr e saltar e levar a vida de forma simples e espontânea. É ser verdadeiramente feliz! Cabe-nos a nós, enquanto pais, cuidadores, avós, tios, educadores, professores, etc., transmitir-lhes exemplos, princípios e valores que lhes permitam viver e crescer de forma harmoniosa e que entendam o quanto são importantes a tolerância, a humildade e o respeito. Também nos cabe a nós proporcionar-lhes vivências, experiências e ambientes que as deixem ser genuinamente felizes e que sejam capazes de tirar um maior partido da vida. Em jeito de conclusão, deixo-vos aqui um elucidativo poema de Dorothy Law Nolte: As Crianças Aprendem o que Vivem “Se as crianças vivem com críticas, aprendem a condenar.
  • 12. Se as crianças vivem com hostilidade, aprendem a ser agressivas. Se as crianças vivem com medo, aprendem a ser apreensivas. Se as crianças vivem com pena, aprendem a sentir pena de si próprias. Se as crianças vivem com o ridículo, aprendem a ser tímidas. Se as crianças vivem com inveja, aprendem a ser invejosas. Se as crianças vivem com vergonha, aprendem a sentir-se culpadas. Se as crianças vivem com encorajamento, aprendem a ser confiantes. Se as crianças vivem com tolerância, aprendem a ser pacientes. Se as crianças vivem com elogios, aprendem a apreciar. Se as crianças vivem com aceitação, aprendem a amar. Se as crianças vivem com aprovação, aprendem a gostar de si próprias. Se as crianças vivem com reconhecimento, aprendem que é bom ter um objectivo. Se as crianças vivem com partilha, aprendem a ser generosas. Se as crianças vivem com honestidade, aprendem a ser verdadeiras. Se as crianças vivem com justiça, aprendem a ser justas. Se as crianças vivem com amabilidade e consideração, aprendem o que é respeito. Se as crianças vivem com segurança, aprendem a confiar em si próprias e naqueles que as rodeiam. Se as crianças vivem com amizade, aprendem que o mundo é um lugar bom para se viver.“ (...)" Edição 6/2022 - Francisco José Noronha dos Santos "(...) Escrever sobre Alhos Vedros é um júbilo e um repto! Na margem esquerda do Tejo, na Barra-a-Barra e no Rosário foram encontrados vestígios da presença de comunidades do neolítico. Edição Especial Pág. 12 No devir das eras, a estas terras estuarinas acorreram as mais variadas gentes, em busca de pouso seguro. Tal amálgama de povos e de culturas forjou uma salutar miscigenação, qual coluna vertebral destas populações ribeirinhas. Das cerradas brenhas brotaram terras aráveis, e do rio, ora manso, ora alteroso, granjearam o sustento e a subsistência. No século XIII da era cristã, Alhos Vedros é um aglomerado de habitações edificadas em torno do seu templo religioso. Alhos Vedros «terra franca» escreveu alguém. Franca porque sem muralhas que tolhessem os passos a quem dela se abeirasse a rogar acolhida; terra de gente franca, solícita, laboriosa... Nos séculos subsequentes, a localização geográfica, a amenidade do clima, os recursos naturais atraíram Nobres e Plebeus. Alhos Vedros está intimamente encrustada na História Nacional. Em Alhos Vedros, no mês de julho de 1415, o Rei João, o primeiro de nome, transmitiu aos membros do Conselho Régio a decisão definitiva de materializar a abalada da frota para a conquista de Ceuta. Nos séculos seguintes, os Alhosvedrenses cooperaram ativamente na empresa marítima portuguesa. Mas o seu hercúleo labor também se verificou na agricultura, na pesca e na navegação fluviais, na salicultura... No dealbar século XX, o incremento da indústria corticeira e da indústria de confecções são marcos identitários da personalidade expedita deste povo ribeirinho. Ser Alhosvedrense é um regozijo, um privilégio! Oxalá cada um de nós, Alhosvedrense, se esforce por dignificar os nossos valorosos antepassados, incontestáveis Heróis locais e nacionais! Para mim, é uma honra ser natural desta vetusta «terra da borda d’água». Alhos Vedros e a sua História merecem ser divulgadas a nível nacional! Qual tem de ser o papel, o esforço e a obrigação das Autoridades Locais e de cada um dos Alhosvedrenses?
  • 13. Meditemos, organizemo-nos e exijamos aquilo a que Alhos Vedros tem direito. (...)" Edição 7/2022 - Carlos Vardasca "(...) O meu nome é Carlos Vardasca, tenho 72 anos e nasci em 1949 na freguesia do Socorro em Lisboa. Desde muito cedo e devido à extrema pobreza dos meus pais, com apenas quatro anos de idade fui internado no Colégio Nuno Álvares Pereira em Lisboa, e mais tarde, com 13 anos, na Fragata D. Fernando II e Glória, onde sobrevivi a um violento incêndio que deflagrou a bordo em 3 de Abril de 1963. Eram instituições do Estado, onde permaneci vários anos ficando desde muito cedo privado de afectos e do aconchego familiar, o que contribuiu para moldar um pouco a minha personalidade, embora em datas festivas (nem sempre) fosse passar férias a Santarém onde os meus pais viviam. Desde muito cedo me interessei pela leitura, dado que apenas com doze anos, e com as moedas que as minhas vizinhas me davam quando lhes fazia alguns recados, investia esses trocos na compra do jornal “O SÉCULO” que na altura custava 1 escudo, inicialmente para recortar as tiras de Banda Desenhada que geralmente vinham na última página. Mais tarde, com 14 anos de idade e por influência dos meus amigos que também frequentavam o Cine Clube de Santarém, começei a interessar-me por assuntos mais sérios, lendo livros e notícias sobre assuntos de ordem social e política, mais concretamente sobre a guerra de Vietname, a guerra colonial que passei a contestar, e sobre os acontecimentos donMaio de 68 que ocorreram em França. Foi com esses amigos que iniciei muito cedo a minha discussão que versava assuntos de ordem política e, por sua influência e por acreditar nos valores que defendiam, comunguei e partilhei com eles a crítica ao regime do Estado Novo, embora naquela altura eu não estivesse ligado ou associado a alguma formação política, apesar de a PIDE pensar que quem frequentava o Cine Clube de Santarém se Edição Especial Pág. 13 movia pelas vias da contestação e por isso exercia naquela instituição cultural uma vigilância apertada. Apesar da descrição anterior e dos valores que já defendia, em 24 de Janeiro de 1971 fui, embora contrariado, mobilizado para participar na guerra colonial para Moçambique, de onde por pouco pensei que não regressava, por ter sido ferido em combate numa emboscada desencadeada pela FRELIMO em 3 de Janeiro de 1972. Esclareço que, embora tivesse participado numa guerra que sempre condenei, fui convidado para desertar por duas vezes antes de embarcar no navio NIASSA, não o tendo concretizado com receio que a PIDE exercesse represálias sobre os meus pais como já vinha sendo prática daquela polícia política. Quando regressei da guerra colonial em 6 de Março de 1973 e porque os meus pais se tinham mudado para Alhos Vedros, vim morar para esta vila onde me integrei e acabei por ficar aqui até aos dias de hoje, onde arranjei novos amigos e com eles mais tarde partilhei preocupações que me ajudaram a abrir novos horizontes com os quais me tornei solidário, criando novas amizades que ainda hoje perduram. Como já não tinha muito entusiasmo em voltar ao meu primeiro emprego na Marinha Mercante onde entrei com apenas 17 anos de idade, em 1973 fui trabalhar para uma fábrica de automóveis em Setúbal e aí, como operário metalúrgico, fui reforçando a minha consciência política a exemplo do que já vinha fazendo em Santarém, tendo eu corrido o risco, apesar de estar lá apenas há um mês, de ser despedido, por terem descoberto que fora eu o autor da afixação na parede da fábrica de um cartaz que denunciava o golpe de Estado no Chile liderado por Augusto Pinochet, com o derrube do governo de Unidade Popular chefiado por Salvador Allende em 1973, que foi assassinado durante esse conflito. Como o processo disciplinar com vista ao meu despedimento durou alguns meses a ser elaborado e a ser decidido, a intenção de me despedirem não se concretizou por que entretanto deu-se 25 de Abril em 1974 e meu processo disciplinar acabou por ser arquivado, o que causou alguma irritação na direcção da fábrica por não ter concretizado aquele objectivo.
  • 14. Na primeira Comissão de Trabalhadores em que participei, propus a criação de uma Comissão de Extinção da PIDE/DGS na fábrica devido à desconfiança que recaia sobre dois operários. Apesar de ter conseguido documentos que confirmavam a sua ligação àquela polícia política, a sua extinção não se concretizou devido ao golpe do 25 de Novembro que inviabilizou a conclusão desse processo, tendo eu anteriormente participado activamente no PREC (Processo Revolucionário em Curso) como militante da UDP (União Democrática Popular) com várias intervenções políticas, nomeadamente percorrendo com outros amigos as ruas da Alhos Vedros vendendo o jornal “REPÚBLICA” em sua solidariedade, para que o mesmo não fosse tomado por outras forças políticas alheias aos princípios que norteavam aquele jornal em defesa da luta dos trabalhadores. Durante vários anos fui eleito membro de Comissões de Trabalhadores e de Delegados Sindicais da empresa onde trabalhava, e nessa condição propus numa delas que se estabelecesse um intercâmbio entre a fábrica e a Reforma Agrária, nomeadamente com as Cooperativas agrícolas, com o objectivo de escoar os seus produtos agrícolas devido às dificuldades por que passavam. Por outo lado e nesse período, propus também que se realizasse um facto inédito, com a deslocação à fábrica da orquestra do maestro José Atalaya, que realizou um concerto memorável que foi do agrado de todos os operários que assistiram com grande entusiasmo, ao contrário do que alguns mais conservadores diziam que não ia resultar por ser “música para ricos”. Aos quarenta anos de idade decidi voltar a estudar e, beneficiando do estatuto de trabalhador estudante conclui o 12o ano e entrei para a universidade no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) no curso de Sociologia do Trabalho. Em 1986 fui um dos fundadores da CACAV. Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros, sendo autor do seu símbolo, participação que fui exercendo em paralelo com a minha actividade na fábrica como Controlador de Qualidade e os estudos na universidade. Edição Especial Pág. 14 Na direcção daquela associação cultural tive, até aos dias de hoje uma participação regular, fazendo parte dos seus órgãos sociais desde a sua fundação, onde tem sido desenvolvida uma actividade cultural permanente e regular, com actividades diversificadas, desde o debate realizado na Escola José Afonso de denuncia do Massacre de Santa Cruz em Timor-Leste em 12 de Novembro de 1991, entre tantas iniciativas efectuadas ao longo dos anos, que trouxeram à nossa vila personalidades várias e tão distintas como Agostinho da Silva e António Vitorino de Almeida entre outros, assim como o Coral Alius Vetus, o coral Luiza Tody e o Coro da Casa da Achada. Foi através da CACAV que participei em iniciativas de âmbito cultural e partilhei a preocupação desta associação pelo Meio Ambiente, com a criação do grupo “ECOS da TERRA”, assim como pelo Património Histórico e Cultural de Alhos Vedros, como foi, entre outras, a realização das primeiras Comemorações do Foral de Alhos Vedros em 1987, muito antes de o poder local se ter lembrado disso; as Noites de Lua Cheia e o mais recente concerto de Tributo a José Mário Branco a propósito do 36o aniversário da CACAV em 2022, iniciativas que ao longo de vários anos têm granjeado a simpatia e a participação das populações de Alhos Vedros e do concelho em geral. Por me sentir um pouco irrequieto, o que não me permitia estar muito tempo “inactivo mas fazer mais qualquer coisa”, em 15 de Março de 2001, numa Assembleia de Pais e Encarregados de Educação da Escola Básica no 1 de Alhos Vedros, participei numa lista que foi eleita para os corpos sociais da respectiva Associação para os anos 2001/2002 onde, propus que fosse editado um boletim informativo de nome “INTERVIR” que visava propor melhorias e outras intervenções a efectuar no recinto escolar. “INTERVIR” era um boletim gratuito e distribuído mensalmente a todos os pais e encarregados de educação, cuja distribuição que era gratuita, só foi possível graças às cópias que eram tiradas de forma quase “clandestina” na fábrica onde trabalhava, e a sua publicação visava informa-los da actividade da nossa associação e medidas a tomar para melhoria do espaço escolar.
  • 15. Fazendo jus ao meu interesse pela leitura e pela escrita que já vinha desde os tempos da minha tenra juventude, fui colaborador assíduo do jornal “O RIO” dirigido por Brito Apolónia, contribuindo quinzenalmente com artigos de opinião até à sua extinção, ao mesmo tempo que nas eleições autárquicas de 2001 fui eleito nas listas do Bloco de Esquerda para um mandato para a Assembleia de Freguesia de Alhos Vedros, mandato renovado em eleições autárquicas seguintes no ano de 2005. No campo da literatura, em 2012 editei o meu primeiro livro com o título “Do Tejo ao Rovuma”, apresentado pelo professor António Ventura no Núcleo Cultural José Afonso (Biblioteca Municipal de Alhos Vedros), livro que retrata a história da minha Companhia na guerra colonial (1971-1973) e em homenagem aos meus companheiros que tombaram em combate naquela guerra de má memória, para onde também fui enviado “sem jeito nem prosa”. Em 2015 voltei a editar um novo livro com o título “Fardados de Lama”, apresentado pelo Tenente Coronel Mário Tomé e pelo tradutor meu amigo de infância José Colaço Barreiros (na mesma Biblioteca Municipal), sessão moderada por Joaquim Raminhos, romance autobiográfico que descreve e minha vivência desde a infância até ao ano de 1987, escrito com base e inspirado num poema de minha autoria em 19 de Dezembro de 1969 com o título, “Andei por aí”, onde se reflete uma parte da minha infância e juventude repleta de ausência dos afectos que já referi anteriormente, mas também por alguma rebeldia e contestação acumulada pelos acontecimentos de Maio de 68 em França. Andei por aí Nasci. Olhei à minha volta e Senti-me parido de ninguém. Gritei para dentro de mim e não me ouvi. Tentei abraçar alguém que era vento e nada senti. Corri, andei à procura, tudo era vazio E mergulhei no nada. Tudo parecia sorrir, Edição Especial Pág. 15 Mas nada para mim sabia a quem. Andei por aí, Por aí andei. A par do gosto e do amor que sentia pela escrita, a música também foi uma das áreas a que dei corpo, ao participar durante alguns anos no coro “ALIUS VETUS da colectividade a “Velhinha”, onde participei até que a minha entrada no ensino superior me impossibilitou de cumprir com a assiduidade desejada. Sempre atento e com a preocupação em transmitir aos outros a minha visão do mundo e o meu pensamento sobre as questões sociais e políticas que iam surgindo no meu dia-a-dia, em 2017 decido editar novo livro com o título “Tempos Inquietos” apresentado pelo ex-director do jornal “O RIO” Brito Apolónia, livro onde “desfilam” artigos de opinião por mim escritos de 1989 a 2016. Esta obra foi editada também com base numa de compilação de artigos de opinião escritos para o jornal “O RIO”, a par de outros que descrevem acontecimentos de ordem social e política, nacional e internacional, que fui registando durante o mesmo período. O interesse pela escrita e aproveitando o período de algum recolhimento que foi transversal a todo o país, “dei corda aos dedos” e praticamente tenho concluídos mais dois livros que muito entusiasmo me deram escrever, cuja apresentação só será possível quando as condições o permitirem. O primeiro é um romance autobiográfico que vem no seguimento de outro que escrevi anteriormente e que considero, em parte, a sua continuação, pois reconheço que algo ficou por dizer em “Fardados de Lama”. Esse romance tem como título “Uma Lua Ancorada no Cais” e nele conclui o que em “Fardados de Lama” me pareceu ter findado abruptamente, ao ponto de algumas pessoas que o leram terem ficado curiosas, pois o seu final indiciava que algo mais havia para dizer devido à expectativa e ao interesse que ficou a pairar no ar com o seu final tão inesperado.
  • 16. O seguinte livro, este sim já concluído, tem como título “Regressámos Todos Tão diferentes” e é mais uma incursão ao período da guerra colonial. Regressei a este tema porque verifiquei que sobre o assunto havia muito para dar conhecer daquilo que fui escrevendo durante o conflito colonial, mais concretamente sobre os momentos vividos em Moçambique, no Planalto dos Macondes, província da Cabo Delgado na fronteira com a Tanzânia. Durante esse período e quando regressava aos aquartelamentos fui alinhavando alguns apontamentos no meu caderno diário de tudo o que fui observando durante as operações em que participei, ou registando fotos batidas pela minha “MIRANDA”, máquina fotográfica de fabrico japonês que me acompanhava sempre que me deslocava para o mato, ao ponto do comandante da companhia me ter dito um dia: - Oh nosso soldado! - Você pensa que está em Hollywood ou quê? Para sua irritação, não dei grande importância a este tipo de observações que este oficial era hábito fazer sobre a minha pessoa e o meu pensamento, ao ponto de me alcunhar de “maoista”, continuei a registar apontamentos fotográficos que hoje os vejo com muita satisfação estampados nas páginas de “Do Tejo ao Rovuma” e em “Regressámos Todos Tão Diferentes”, este último que em breve estará à disposição de quem se interessar por este género de leitura. Actualmente tenho como “profissão” a de reformado, condição onde me sinto extremamente feliz, porque ainda hoje recordo a frase que disse ao engenheiro, responsável pelo sector do controlo de qualidade onde eu trabalhava na minha despedida da fábrica, quando ele me perguntou: - Então Carlos Vardasca! – O que é vai fazer agora que se vai reformar? Ao que eu lhe respondi sem hesitações: - “Agora, vou fazer tudo aquilo que não tive tempo de fazer quando trabalhava para os outros”. Abraçamo-nos e disse-me: - Gostei muito de trabalhar consigo, e espero que continue fiel aos seus princípios e valores que sempre Edição Especial Pág. 16 o vi defender. Para meu espanto, foi ao seu gabinete e ofereceu-me uma pequena placa com a efigie de Che Guevara gravada em madeira, que me trouxera numa das suas férias à ilha de Cuba. Finalmente, concluo este meu “Pedaço do meu sentir” que é mais do que elucidativo e um testemunho daquilo que vos dei a conhecer de mim, para que cada um que o vai ler possa fazer o seu juízo de valor, que eu não fico nada preocupado com aquilo que legitimamente possam pensar. Por agora, tenho dito. (...)" Edição 8/2022 - Manuel João Croca "(...) “Eu acho que, para toda a gente, o que é necessário haver num país é os três S: S número um, sustento; S número dois, saber; S número três, saúde. Só a seguir ao sustento é que vem o saber.” Professor Agostinho da Silva 1. O primeiro S: Sustento. Para que uma sociedade seja livre, educada e democrática deve reger-se por princípios e valores que respeitem e dignifiquem a comunidade na sua pluralidade e diversidade. Nesse sentido, e considerando que a quase totalidade da população se sustenta do rendimento do trabalho, a todos deverá ser assegurado esse direito. Se não for garantido a todos e a todas a possibilidade de ganhar o seu sustento como será possível viver condignamente e com liberdade para fazer escolhas e construir o seu destino? Deveremos por isso abordar o trabalho na perspectiva de um direito e não de uma mera possibilidade geradora de conflitos, por via de uma competição desenfreada e tantas vezes sem regras onde prolifera o tráfico de influências ou, para sermos mais directos, o cancro das chamadas “cunhas”. E porque uma sociedade democrática não se erege apenas na vertente política – a possibilidade de regularmente sermos chamados a eleger os nossos representantes – , antes se afirma, também, nas vertentes social e económica importa considerar o
  • 17. seguinte: - Sendo que todas as ocupações são socialmente necessárias, deverá ser assegurado a cada trabalhador(a) um salário que lhe garanta a possibilidade de viver com dignidade. Para isso será preciso fazer contas, as contas necessárias e certas. As contas que importam a cada e a todos, as contas que possibilitem o acesso a uma habitação digna, à saúde, à educação, à cultura e ao lazer. Será esta a forma mais justa de chegarmos ao valor mínimo a pagar como rendimento do trabalho. Só assim será possível assegurar uma mais justa distribuição da riqueza criada, ao invés do que agora se verifica e em que 5% da população mundial detém mais de 90% da riqueza criada no planeta. Garantir o primeiro S é fundamental para poder garantir os seguintes pois só depois do sustento estar assegurado haverá disponibilidade e motivação para tudo o resto. Sem o sustento garantido toda a nossa atenção (e preocupação) será canibalizada por esse problema que é o que infelizmente acontece a milhões de portugueses que, não obstante estarem numa situação de pleno emprego, vivem no limiar da pobreza. A desvalorização do factor trabalho é uma chaga que importa corrigir e eliminar. 2. O segundo S: Saber. A construção do edifício social em que queremos viver é tarefa de toda a comunidade e, por isso mesmo, ninguém pode ser isentado de tal responsabilidade. Uma comunidade culta e informada estará, pois, muito melhor apetrechada para alcançar tal propósito com sucesso, considerando-se aqui sucesso o conseguimento de uma sociedade justa, livre e democrática. Aceder ao “Saber” implica uma atitude activa e reflexiva permanente por parte de cada um e de todos enquanto receptores/emissores de conhecimentos. A aquisição de conhecimentos, de “Saberes”, começa desde logo na família, depois na escola, depois uns Edição Especial Pág. 17 com os outros, nas colectividades e associações, nas artes, ... enfim, em toda a comunidade no geral. E, por isso mesmo, será mais correcto falarmos de “Saberes” tendo em conta a diversidade das suas naturezas e dos seus interlocutores. Daí, também, falar do papel receptor/emissor que todos temos, visto que, se para isso estivermos disponíveis, com todos poderemos aprender qualquer coisa e, concerteza, também teremos algo para ensinar. Parece-me, no entanto, inquestionável, no processo educativo de aquisição de conhecimentos, o papel primordial e insubstituível da escolaridade e de tudo o que a envolve. Falar da escola pública é, desde logo, falar de Professores e de Alunos, de Pessoal Auxiliar e de Conselhos Directivos, de Planos Curriculares e de Edifícios, de Ministério, de Ministro e de Estado (tudo com maiúsculas porque são muito importantes). É um universo complexo como todos os que envolvem pessoas. Muitas pessoas. Com histórias, percursos, circunstâncias e contextos diferentes. Pessoais e sociais. Não sou, obviamente, especialista na matéria, já decorreram várias décadas desde que cumpri a escolaridade e mesmo a dos filhos já ocorreram há quase uma década. No entanto, como a educação (ou a falta dela) é um factor estruturante de qualquer sociedade, é um universo que me interessa e que procuro compreender na sua grande complexidade. Tenho vários amigos e amigas professores ou ligados ao processo educativo e conversamos frequentemente (quer dizer eu escuto, fundamentalmente) sobre o assunto. Alguns amigos (e conterrâneos) têm até obra publicada nesse domínio como são os casos de Luís Carlos Rodrigues dos Santos e a sua tese de doutoramento “Agostinho da Silva: Filosofia e Espiritualidade, Educação e Pedagogia” e José Miguel Oliveira com a obra “Dar aulas é fácil.Difícil é ser professor! Manual em 7 lições ”, obras que para mim foram (são) bastante enriquecedoras e que me permito vivamente recomendar.
  • 18. Lendo e ouvindo e escutando (que não são a mesma coisa) aprende-se muito e alarga-se substancialmente o universo das problemáticas em equação. Há quem pense que ser professor é “apenas” debitar um programa curricular superiormente definido e programado e, provavelmente, há professores que tenderão a ser “apenas” isso, embora, depois, o enfrentar da(s) realidade(s) os obrigue a ser muitas outras coisas. A reflexão e prática pedagógicas têm evoluído. Têm surgido novos pensadores, novas correntes dentro do universo educacional como, por exemplo, a denominada “Escola Nova” e é nesses contextos que tomamos conhecimento e percebemos (por aproximação) da imensa complexidade da actividade docente. Na escola desembocam todos os problemas sociais de que a comunidade padece. Famílias desestruturadas, separações, divórcios, desemprego, carências financeiras, violência doméstica, iliteracia, toxicodependência, violações, delinquências várias, enfim, tudo aquilo que inferniza e destrói vidas, tudo aquilo que corrói os alicerces de uma sociedade que se deseja equilibrada. Para os receber e para os ensinar. Para com eles, educandos, construir uma equipa. Com papéis e funções diferentes como em qualquer equipa mas, ainda assim, uma equipa. Tudo isto entra dentro de uma sala de aula. Turmas sobrelotadas muito para além do que seria desejável e recomendável. Salas de aula frequentemente mal equipadas e desconfortáveis. Aí estão os professores para os receber. Esse é o objectivo e a sua persecução é o factor mais determinante para o sucesso (ou o insucesso) da missão. E são professores tantas vezes deslocados centenas de quilómetros da sua área de residência. Afastados do convívio das suas famílias e sem quaisquer ajudas de custo para fazer face às despesas de deslocalização, delapidando um salário que tem vindo a ser minguado progressivamente. Edição Especial Pág. 18 Professores desinseridos do meio, desconhecendo os seus contextos e as suas circunstâncias. Professores. Homens e mulheres de quem se esperam resultados e sucesso “numa das grandes, mais desafiantes e ainda nobres tarefas que se pode colocar a um ser humano: educar crianças e jovens para que possam um dia contribuir para a melhoria da sociedade em que vivemos, afirmando-se como sujeitos críticos e proactivos, agentes transformadores, capazes de (re)pensar e de agir sobre o presente com vista ao progresso e à melhoria do mundo. E, tudo isto enquanto se fornecem ferramentas, técnicas e conhecimentos, enquanto se treinam comportamentos e reforçam atitudes, enquanto se proporcionam aprendizagens e se desocultam caminhos para a felicidade.“1 Neste contexto, o professor acaba por se assumir como transmissor de conhecimentos, pedagogo, psicólogo, sociólogo,... e até “aprendiz de feiticeiro”, não sendo por isso estranho considerar-se a actividade docente uma profissão de desgaste rápido. Professores. Uma tão nobre missão que tem vindo a ser progressivamente desvalorizada (e por isso iremos - já estamos - a pagar um preço elevado), traduzindo-se em: - “pouco reconhecimento social, numa crescente pressão dos encarregados de educação, ataques à imagem da classe na comunicação social, onde germinam opiniões pseudo-especializadas de (não) especialistas sobre a educação e a vida nas escolas, categorizações e generalizações abusivas; Diminuição dos direitos e das condições laborais; aumento da precariedade e da incerteza; cortes salariais; alterações ao nível da protecção e segurança social; aumento do tempo de trabalho e da idade de reforma.”2 Professores. E cada vez há menos. Podem brandir gráficos e estatísticas, números e orçamentos que, neste como em muitos outros casos, a percepção não engana: cada vez há menos professores, mais mal pagos e com menos condições.
  • 19. Este tema é tão importante e pertinente que apetece organizar um ciclo de conferências sobre o assunto onde pudessem ser ouvidos todos os participantes do processo educativo: professores, alunos, auxiliares, gestores, encarregados de educação, representantes do ministério, ... Pensando bem nesta ideia é isso mesmo que irei propor na Associação que integro, a Cacav. *** Recentemente procedeu o Ministério da Educação a uma descentralização de competências para as Autarquias Locais. As escolas ficam sob responsabilidade das autarquias. O processo é recente e carece de mais algum tempo para se poder tirar conclusões mas o que já se vai ouvindo por aí é que «descentralizaram responsabilidades mas não os recursos necessários». Vamos ficar atentos. 1 José Miguel Oliveira, “Dar aulas é fácil. Difícil é ser professor!”, pág. 10; 2 ibidem, pág. 125 3. O terceiro S: Saúde. Uma das maiores conquistas do 25 de Abril foi a criação de um Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito para todos. É uma conquista de elevado alcance, garante que a ninguém será negada assistência médica por falta de meios. Muito à frente de outros países apresentados como modelos de desenvolvimento onde, neste domínio da saúde (e também noutros), campeia a barbárie. É o garante de que a assistência na saúde é um direito e não um negócio como ficou exuberantemente provado neste período de pandemia do covid que grassou no mundo. Exuberantemente provados os propósitos quer do SNS quer dos grupos privados da saúde. Só não vê quem não quiser ver. Todos os serviços que são indispensáveis e públicos, tendencialmente gratuitos portanto, têm vindo a ser sujeitos a uma pressão cada vez maior por parte dos privados. Edição Especial Pág. 19 Tal situação tem sido particularmente evidente no domínio da saúde (embora também se verifique no domínio da educação) e tem vindo a provocar um evidente desgaste no SNS e nos seus profissionais. Os motivos repetem-se: faltam profissionais e faltam meios. Faltam médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, pessoal auxiliar, ... Consequência do arrastar de tal situação, é o facto de os profissionais do SNS serem chamados, cada vez mais, a trabalho extraordinário. Tratando-se de profissões sujeitas a enorme responsabilidade e elevado desgaste, e porque as capacidades humanas não são ilimitadas, os serviços estão a entrar em ruptura um pouco por todo o país. Os serviços de obstetrícia claudicaram um pouco por todo o lado com consequências dramáticas, nalguns casos, como todos sabemos. As listas de espera para consultas externas e intervenções cirúrgicas continuam a crescer e a dilatar. Nos centros de saúde assiste-se à ignomínia de os utentes terem de ir de madrugada para as filas de espera na esperança, frequentemente frustrada, de conseguirem uma consulta. Faltam médicos de família. Só na freguesia de Alhos Vedros há mais de 5.000 utentes sem médico de família. A ministra Marta Temido, que estoicamente enfrentou a crise pandémica, demitiu-se. Não é de admirar, todos temos limites. E no entanto, todos sabemos que a culpa da situação não é da ministra. A culpa é de quem enfia a cabeça na areia e não vê porque não quer ver. O SNS tem falta de meios e de profissionais. Tem falta de um plano de carreiras para os seus profissionais que seja aliciante e os fidelize em exclusividade. Mas também aqui os que exercem o poder brandem mapas, gráficos e relatórios, extrapolam números tentando-nos convencer de que está tudo bem quando a nossa percepção não engana e nos evidencia que não está, não se conseguindo responder às necessidades. Não porque os
  • 20. profissionais sejam maus, antes pelo contrário, é por serem insuficientes. E também os profissionais de saúde têm vindo a ser desvalorizados. Quer ao nível das condições salariais que são insuficientes quer ao nível de um plano de carreiras que seja aliciante e motivador. Estamos em situação preocupante em áreas sensíveis da sociedade. Trabalho, Educação, Saúde. E não falamos de Justiça porque o tema não é aqui tratado. Está mais do que na hora de arrepiar caminho. Já ontem era tarde! *** E já que falamos de saúde convém atentar no seguinte: O planeta Terra é um organismo vivo e também ele está doente, muito doente. Precisamos tratar dele até porque, como se sabe, não há Planeta B. Só alguns dados: Desde que as Nações Unidas reconheceram a existência de alterações climáticas, nos anos 70, as emissões mundiais praticamente duplicaram. Os últimos cinco anos foram os mais quentes desde que há registos, mas o compromisso de redução das emissões poluentes nos acordos climáticos internacionais ficou por cumprir. Por este caminho – e apesar dos discursos bem intencionados – todas as metas para limitar o aumento da temperatura ficarão por atingir nos próximos anos, empurrando o planeta para a catástrofe. Mas muita gente, sobretudo as gerações mais jovens, já percebeu a dimensão do problema e sai às ruas em todo o mundo para exigir acção urgente dos governos. Não bastam promessas e acordos no papel. É preciso descarbonizar a economia agora e não ficar à espera de 2050, porque nessa altura já será tarde de mais. A luta em defesa do planeta e do seu equilíbrio é para já e para agora e é uma luta de todos, diária e permanente, onde devemos tentar pôr em prática a máxima de “pensar global, agir local”. Significa isto que sem perder de vista o fenómeno à sua escala global devemos procurar acudir ao que Edição Especial Pág. 20 nos é mais próximo já que há muito por fazer. Devemos começar, desde logo, por alterar os nossos próprios hábitos dando especial atenção ao consumismo supérfluo, ao reciclar dos lixos domésticos, ao restringir a utilização automóvel ao indispensável, ao moderar o consumo da água e outros procedimentos diários que, no seu conjunto, podem ajudar qualquer coisinha na luta maior que é necessário travar. Por todos, já que ninguém está isento nem se deve demitir. Creio que estaremos de acordo ao considerar que vale a pena pensar nisto. E, depois, tentar agir em conformidade. (...)" Edição 9/2022 - Maria Gabriel Filipe "(...) Escolha o comércio tradicional e surpreenda-se com as pequenas histórias da Vila ou dos bairros, de quem lá vive e trabalha. As lojas, sejam antigas ou mais recentes, fazem parte da identidade da terra, da rotina diária. Têm a vantagem de ter um atendimento personalizado, em que se pode confiar e fazem qualquer pessoa sentir- se em casa. Muitas têm uma história que se identifica no mobiliário ou na decoração e foram passando pelo tempo graças à paixão dos seus proprietários. Escolher o comércio tradicional para fazer compras é também uma forma de contribuir para salvaguardar este património e fazer parte da história local. Em cafés antigos, bares, relojoarias, talhos, lojas de tecidos ou roupa, retrosarias onde se encontram peças únicas, há muitas histórias a descobrir. Não podemos esquecer que, em situações de maior dificuldade, era no pequeno comércio que se socorriam todos aqueles que necessitavam de crédito para alimentarem as suas casas, vestirem os seus filhos, levantarem as reformas que chegavam por vales de correio, etc. Hoje, é o pequeno comércio, aquele que deu alma e vida às suas terras, que mais sente as vicissitudes da atual situação. Vamos ajudar o comércio local e dezenas de
  • 21. famílias que dele dependem. A sensação de entrar na mercearia ao pé de casa e receber um “Bom dia, Gabriela” ou no café da esquina ou ao fundo da rua e ouvir “Então, o que vai ser? É o costume?” é uma sensação única, comum nos nossos bairros ou na Vila. Este é o comércio local na sua mais profunda identidade – recheado de relacionamentos de proximidade e atendimento personalizado. Quando a pandemia chegou e apanhou todos desprevenidos, as pessoas mudaram a forma de estar, socializar e viver. As compras no comércio local, especialmente nas lojas de comida, aumentaram, seja pela proximidade e conveniência das lojas – as pessoas estiveram mais tempo em casa e evitavam fazer grandes deslocações. O comércio local é uma atividade bastante representativa da nossa economia. Das lojas familiares que passam o seu legado de geração em geração, às novas tendências que vão dando mais vida à localidade, estas lojas lutam pela sua sobrevivência em tempos de consumismo de massas e contra as grandes superfícies. Numa altura em que o on-line passa a ser crucial para a sobrevivência de qualquer empresa, loja ou atividade, é importante perceber, para além dos apoios económicos, como este sector de atividade pode vingar nos dias de hoje. Uma das respostas pode passar pelo contar histórias: a história da loja, as memórias da terra, as peripécias de uma atividade familiar. Não deixar que o comércio local desabe perante a incerteza económica é crucial para a nossa economia porque são geradoras de postos de trabalho, pela autonomia da Câmara Municipal, através do cumprimento das obrigações fiscais, e por manter o dinheiro a circular. Comprar local é a forma mais fácil e a mais imediata de apoiar. Procurar farmácias, padarias, talhos, mercearias, cafés, cabeleireiros, etc. nas redondezas. Trocar as grandes redes pelos pequenos comerciantes, pode ajudar a dar um pequeno fôlego Edição Especial Pág. 21 às finanças de um pequeno comerciante, para além de ter um efeito multiplicador de emprego. Se comprarmos numa loja, esta terá que contratar um contabilista local, por exemplo, o proprietário e seus funcionários podem ir a restaurantes locais e a outras lojas próximas. Todos nós conhecemos alguém que tem uma loja de roupa, um café, um restaurante, um bar, um cabeleireiro. Tornarmo-nos cliente desse alguém e incentivarmos outros a serem clientes, tornamo-nos responsáveis por garantir uma receita mensal que permite o funcionamento do negócio. Só há vantagens em ajudar o comércio local. - O período de pandemia mostrou fragilidade do comércio local. Agora é importante ajudar estes negócios e manter as suas lojas. A melhor forma de fazer é trocar o hipermercado pela compra local. - As lojas de rua são pequenas e acolhedoras, são perto das nossas casas e não precisamos de transporte para lá chegar. - Temos atendimento personalizado. O dono da padaria já sabe o que queremos, o café recebe-nos com o pedido de sempre, etc. - Em regra geral, a qualidade dos produtos no comércio local, supera em muito os da produção em massa, disponíveis nos hipermercados. O comércio local pode ser descoberto ao explorarmos as lojas que rodeiam a nossa casa, mas também em alternativas digitais, como aplicações e plataformas on-line. A existência de políticas públicas dirigidas ao apoio a estas atividades económicas, criadoras de emprego, é hoje uma excelente oportunidade de valorização de recursos. Ao Município e respectivas Freguesias compete dar apoio e incentivo à proteção dos estabelecimentos, integrando em programas de apoio ao comércio tradicional. (...)" Edição 10/2022 - João Paulo de Sousa da Silva Gaspar "(...) Quando recebi o simpático convite do Fábio Silvano para escrever o Editorial da Revista Sentir
  • 22. Alhos Vedros, projeto incrível de louvar que acompanho, pensei de imediato se sabia que tema iria abordar, pensei nos mais de 20 anos de pesquisa genealógica sobre as gentes de Alhos Vedros, desde o Séc. XVI até ao Séc. XX, contar as suas incríveis histórias de vida, de como as suas vidas fazem parte dos dias de hoje, de como se fez o “caminho de Ferro” no Sec. XIX , dos que arrotearam campos, dos que construíram marinhas , dos que faziam sal , dos que construíram monumentos que nos chegam aos dias de hoje e de que obra iremos deixar para ser avaliada daqui a 100 anos? Como vamos ser conhecidos? Estas e outras questões inquietam-me e como tal seria um belo Editorial. Mas dias depois mudei de ideias e pensei em falar sobre Arquitetura civil na nossa Freguesia, mostrando ao olhar mais desatento a beleza de edifícios que urge preservar antes que sejam reduzidos a nada e Alhos Vedros continue a ficar mais pobre, mas esse levantamento e o das Árvores Monumentais demorará mais algum tempo a ficar completo, e a seu tempo poderá ter interesse de ser partilhado. Então numa crise de criatividade, mas seguro que a honra de escrever um editorial não deverá ficar reduzido a uma promoção narcísica como tantos outros, compreendi que o editorial deverá ser sobre o facto que nos une a todos e nos distingue dos demais que é “Ser Alhosvedrense”! Ser de Alhos Vedros é um privilégio e uma angústia, privilégio por crescermos numa Vila com tanta historia e tanto passado que desde crianças que somos intensos, envolvidos na sociedade... e uma angústia porque a queremos mais e melhor e a temos visto definhar como uma bela senhora de outrora que fora abandonada a um canto para morrer. Relembro vários momentos da minha vida com a maior ternura e saudade, os Carnavais da Velhinha em que grande parte da comunidade se envolvia, de pessoas extraordinárias tais como é exemplo o Vítor Cabral, a Dona Edite, a Fatinha, a Dona Luisinha, da Edição Especial Pág. 22 Paula Panoias, do Cláudio Neves, da Vanessa Lavrador, Torcato a Vitália e os filhos, o Vladimir de Sousa, a mulher e os filhos e tantos outros que fizeram os melhores Carnavais da vida de tantos de nós! Os bailes da Velhinha , a cave e as suas tertúlias , percorrer os corredores e andares da nossa Velhinha nesses tempo, fazia-me imaginar ao encontrar uns instrumentos da Banda, como teria sido Alhos Vedros e a Velhinha no tempo do meu avô Joaquim de Sousa o Barrote e do seu pai António Pedro de Sousa, ambos músicos da Banda da Velhinha? Como seriam as tardes de Domingo com a banda no coreto, ou a grafonola na janela da Velhinha a dar música todos os Domingos para o jardim em frente? Como seria o Cinema e as suas dinâmicas? Quem se lembra das marchas populares do Bairro Gouveia e do Saudoso Ezequiel? dos Jogos do CRI , da Dinossauros e antes dela a Mobil Garden, do La Fontaine nas Arroteias, de celebrar o dia da Árvore no destruído Parque dos Eucaliptos , nas Cavalhadas no Xico Pires, no Baile da Pinha, tantas são as pessoas e as memórias que não caberão num só artigo. E como este editorial é sobre todos nós, sobre as nossas memórias e sobre que memórias queremos construir hoje para o amanhã, vou terminar com uma história verídica que resume muito bem este sentimento de comunidade e pertença que todos devemos almejar reconstruir para a nossa amada Vila de Alhos Vedros e devemos recordar sempre e para não voltarmos a repetir erros do passado que, Um Mundo de Igualdade não é feito de Pessoas Iguais mais de pessoas com direitos iguais para serem diferentes. Alhos Vedros e a sua maior riqueza foi sempre a diversidade de gentes que aqui convergiam para criar algo único e especial. Respeitar as diferenças e a partir dai construir algo grandioso é a lição que os nossos antepassados nos deixaram, mas que teimosamente não quisemos ouvir. Aqui fica esta memória. Esta história verídica é me contada pela minha mãe Raquel , que ouvia o seu pai contar... No Século XIX em Alhos Vedros, não sei precisar o
  • 23. ano, fora Corregedor da Vila de Alhos Vedros, o Sr. Eusébio António de Sousa (bisavô da minha mãe, fora batizado em Alhos Vedros em 1820 e morava ele mais ou menos onde é a casa do Victor Cabral), certa noite, o foram chamar a casa, porque havia dias que a população de Alhos Vedros andava assustada , eram ouvidos barulhos estranhos , vindos de outro Mundo seguramente, no cemitério da Vila, pela noite. O Eusébio lá rumou até ao cemitério, seguido por um número de gente, homens e mulheres com paus e terços, com medo, mas juntos, lá foram ver de expulsar as almas d’outro Mundo. Chegados ao cemitério da Vila, ficaram todos ao longe vendo o Corregedor Eusébio entrar porta adentro destemido e um silencio ensurdecedor reinou. Minutos depois saíram a correr uns quantos burros assustados e atrás deles o Corregedor a gritar: aqui têm as almas penadas” e entre gritos de susto e gargalhadas de alívio, ficou desvendado o mistério, eram os burros de saltimbancos que na calada da noite pastavam no cemitério. (...)" Edição 11/2022 - Joaquim Raminhos "(...) AS MEMÓRIAS QUE NOS MARCAM E FAZEM CRESCER Todos os povos, todas as comunidades têm as suas memórias, que constituem referências fundamentais da sua identidade social e cultural, que se perpetuam no tempo, de geração em geração, constituindo um património histórico, que contribui para entendermos melhor o presente e perspetivarmos o futuro. A Vila de Alhos Vedros pela sua antiguidade e pelos contextos vividos, caracteriza-se por uma grande riqueza histórica, quer pela importância que foi adquirindo na administração de um vasto território, do então designado Concelho do Ribatejo, cujos limites se estendiam da então aldeia Galega (Montijo), até Coina, quer pelas vivências sociais, económicas e culturais registadas ao longo de séculos, que António Ventura muito bem caracteriza na sua investigação. Muitas das memórias de Alhos Vedros estarão ainda Edição Especial Pág. 23 por registar, mas muitos factos históricos têm vindo à luz do dia, através do trabalho, de investigadores, de antropólogos e de historiadores, como António Gonzalez, António Ventura, José Manuel Vargas e tantos outros, que têm dado importantes contributos para o conhecimento e compreensão da evolução do nosso território regional e local, sobre o património construído, sobre as atividades aqui desenvolvidas e sobre os modos de vida e das relações humanas que se foram construindo ao longo dos tempos. Sem precisarmos de nos colocar em bicos de pés, Alhos Vedros regista nas memórias da sua história local, muitos acontecimentos que nos orgulham e que não podem cair no esquecimento nem no anonimato. É certo que fruto da evolução dos tempos, Alhos Vedros que foi sede de concelho, deixou de o ser, mas fica-nos a memória de alguns factos de relevo na nossa história, como a chegada do rei D. João I a Alhos Vedros, vindo refugiar-se dos efeitos da peste, que alastrava pelo país e por Lisboa. A vinda dos Infantes a Alhos Vedros, no ano de 1415, (D. Duarte, D. Pedro e o Infante D. Henrique ), a designada “ínclita geração”, que vieram reunir-se com o pai, a fim de receberem a permissão para partirem para a expansão ultramarina, que seria a epopeia dos descobrimentos, são alguns factos que enaltecem a história local da nossa Vila ribeirinha. Mas as memórias de Alhos Vedros também se estendem às gentes que aqui têm vivido, gente simples e humilde que constituíram família e aqui desenvolveram a sua atividade social e laboral, de início com maior incidência na agricultura, com uma ligação muito estreita com a vida ribeirinha, nas atividades da pesca e da extração do sal, nas salinas que proliferavam ao longo da nossa frente ribeirinha do Tejo. A extração do sal foi uma atividade de algum relevo e que marcou muitas gerações. Com a sua mestria e ensinamentos ancestrais, passados de geração em geração, os homens das salinas moldavam os talhos, preparavam a água até ao final do circuito, para fazerem a rapação do sal, que tinha sido facultado
  • 24. com a ajuda do efeito do calor do verão. No final do verão avistavam-se ao longo da borda d ́água muitas serras de sal, que aguardavam o seu em embarque, e transporte através do rio para outras paragens. No entanto, devido a conjunturas económicas e concorrências de mercado, esta atividade foi perdendo o seu fulgor e as últimas salinas ainda funcionaram até à década de 80. Hoje praticamente estão todas extintas. Mas esta ocupação era sazonal, ocupando a mão de obre no verão e era repartida pela atividade corticeira que na primeira metade do Sec. XX, veio a transformar Alhos Vedros num núcleo onde se aglutinavam bastantes fábricas de cortiça, que empregavam muitos residentes e constituía o sustento de muitas famílias. A vida de Alhos Vedros foi marcada ao longo de décadas por esta atividade. A cortiça depois de ser retirada dos sobreiros, principalmente nas herdades alentejanas, era aqui trabalhada, cozida, selecionada e enfardada, para ser comercializada e exportada. Em dias de embarque da cortiça já trabalhada nas fábricas, as carroças e galérias puxadas por animais, movimentavam-se nas ruas num vai vem, em direção ao Cais de Alhos Vedros, onde os fardos eram descarregados e levados às costas pela força humana, para dentro das fragatas, que seguiriam pelo rio Tejo até Lisboa. Na segunda metade do Séc. XX, todo este movimento industrial começou a entrar em declínio, e as fábricas foram encerrando uma após outra, restando hoje apenas uma em atividade plena. Esta atividade corticeira envolveu toda a vida social de Alhos Vedros. Logo pela manhã, ao som da buzina da fábrica do Rolim, que ecoava por toda a Vila, cadenciava-se o ritmo das pessoas que despertavam para mais um dia ativo. Uns caminhavam em passo acelerado para as fábricas, outros iam para a escola e outros que iam ocupar os seus postos de trabalho nalgum comércio e serviços aqui existentes. Relembrando ainda a atividade industrial, nestas memórias não podemos esquecer o surgimento das fábricas de confeções, que alimentadas por capitais do norte da Europa, vieram ocupar por algum tempo Edição Especial Pág. 24 o “espaço” deixado pela atividade corticeira, a Gefa, a Bore, a Norporte e a Helly Hansen, são algumas daquelas que ainda recordo. Aqui se empregava mão de obra essencialmente feminina, que logo de manhã dava vida às ruas de Alhos Vedros, caminhando às dezenas para as fábricas. À hora do almoço com as batas de várias cores, passavam pelas ruas imprimindo um colorido pouco vulgar. Mas as conjunturas económicas e empresariais esfumaram toda esta dinâmica, e uma após outra todas as fábricas de confeções em Alhos Vedros encerraram. Hoje ainda restam em escombros testemunhos de uma outra época. A propósito de comércio, nestas memórias não poderemos esquecer a existência da Cooperativa Operária de Crédito e Consumo de Alhos Vedros, fundada em 25/05/1916, cuja sede ainda está de pé, onde a partir das 18 h. abria as suas portas, para atender os trabalhadores que saíam aquela hora das fábricas. Era assim naquele tempo. Ainda me recordo do sr. Serafim que vinha à pressa da fábrica e ia para trás do balcão com a sua bata cinzenta, para atender os clientes (sócios). Esta organização em cooperativa permitia fazer frente a muitas dificuldades económicas, sentidas por todas as famílias trabalhadoras que viviam em Alhos Vedros. As despesas eram feitas mediante o registo feito numa caderneta de cada sócio, cujo saldo ia sendo liquidado conforme as possibilidades de cada um naquele mês. No final do ano, quando a Cooperativa registava alguns lucros, estes eram distribuídos pelos sócios. Era a nossa grande superfície comercial. O Associativismo teve sempre uma componente muito forte aqui em Alhos Vedros, onde as coletividades eram locais de encontro, de convívio e de diversão, das passagens de ano, ou dos bailes da pinha. Mas também eram polos de cultura e aprendizagem, onde também não faltavam as bibliotecas, nalgumas havia teatro e temos a realçar a banda filarmónica da SFRUA. É de realçar também o ensino do Esperanto, uma linguagem
  • 25. internacionalista que permitia a comunicação de todos os povos na mesma língua, cujo mestre Aníbal Paula dinamizava as aulas no CRI e na SFRUA. No entanto o regime político nunca viu com bons olhos estes ensinamentos, considerados subversivos. Nestas memórias é de referir o papel que muitas Associações tiveram na resistência ao obscurantismo, à censura e à ditadura fascista quereinou no nosso país até ao 25 de Abril/74. Algumas destas coletividades eram revistadas pela PIDE (polícia política), onde por vezes apreendiam os livros das bibliotecas, por conterem conteúdos considerados subversivos, e algumas bibliotecas chegaram a ser seladas. Falando de resistência ao fascismo, Alhos Vedros regista nas suas memórias muitas perseguições e prisões de homens e mulheres, que apesar de todas as dificuldades nunca baixaram os braços, contra a repressão pela liberdade e democracia. Não devem cair no esquecimento os cercos que a PIDE fazia na rua da Corça, em perseguição de ativistas da resistência, como o Germano. Talvez a história da rua da Corsa ainda esteja por contar. Não poderei deixar de referir aqui um episódio, contado pelo José Filipe, que já não está entre nós, vivido enquanto músico da Banda da SFRUA. A fim de se festejar o fim da Segunda Guerra Mundial, a Banda Filarmónica saiu a tocar, em desfile pelas ruas. Mas a festa foi interrompida por uma brutal carga policial, motivando a dispersão de todos músicos. Segundo nos relatou o José Filipe, conseguiu fugir atravessando o esteiro a nado, do lado da Corsa para o Cais de Alhos Vedros, tendo conseguido salvar o seu clarinete, que era o instrumento com que tocava na Banda. Neste contexto não posso deixar de referir a atividade da Academia M.R. 8 de Janeiro, que foi uma referência para muitas gerações, foi uma escola social e política, onde não faltavam as tertúlias, os colóquios, com diversas figuras da oposição como Urbano Tavares Rodrigues, Isabel do Carmo e tantos outros, não esquecendo as músicas do Zé Mário Branco e do Edição Especial Pág. 25 Zeca Afonso que nos visitou por diversas vezes. Ao terminar estas referências sobre memórias de Alhos Vedros, não poderia deixar de recordar o velho cais, onde se “guardam”, tantas histórias de vida de figuras como o Mário da Graça, o João Mantas, o Manuel Tavares, e tantos outros que nos deixaram páginas da história da vida ribeirinha, que talvez ainda estejam por escrever. Fica-nos também a saudade dos barcos, das fragatas, dos varinos e das canoas, que com as velas abertas ao vento, nos acenavam para as margens dos esteiros e do estuário. Deixo apenas uma referência à “Pombinha” uma canoa de Alhos Vedros, que hoje talvez ainda pudesse estar ancorada no cais, a testemunhar tantas viagens e aventuras vividas no nosso Tejo, mas veio a terminar os seus dias no estaleiro do mestre Jaime em Sarilhos Pequenos. Agora em pleno Séc. XXI, vamos continuar a “navegar à bolina”, olhando a linha do horizonte e levando no farnel tantas memórias que serão o fermento para continuar a viagem. Estando em vésperas da inauguração das obras do palacete dos Condes de Sampaio, que será o espaço do Museu Municipal, talvez também tenha lugar a ideia da criação da Casa das Memórias de Alhos Vedros, onde possamos reunir todo um espólio histórico que está disperso em casas particulares, em arquivos ou bibliotecas. (...)" Edição 12/2023 - Andreia Ramos "(...) No passado mês de dezembro abrimos portas do Palacete do Morgado da Casa da Cova / Condes de Sampayo, localizado no Largo do Descarregador, em Alhos Vedros, após a conclusão da primeira fase das obras de reabilitação. Envolvidos por estas paredes históricas, é-nos possível observar uma exposição da Coleção Régia, um conjunto de pinturas do século XVIII que retratam e representam os reis de Portugal, da autoria do pintor e retratista Miguel António do Amaral. Coleção essa que se encontra à guarda do Município desde finais do século XIX, e é única no país, sendo constituída por 26 quadros, dos quais 19
  • 26. integram esta exposição e são exibidos ao grande público pela primeira vez. Há algo sobre a história de reis e rainhas, príncipes e princesas, que sempre me fascinou, pelo que este tema é-me impossível de ignorar. E esta vila, embora muitos não o saibam, está ligada desde cedo a reis e rainhas, príncipes e princesas. E, portanto, por entre outros motivos, fascina-me. Ao longo do século XV, Alhos Vedros conquistou a reputação de ser uma povoação de ares saudáveis e aprazíveis, funcionando como zona de veraneio para algumas famílias nobres portuguesas. E, em 1415, na sequência da pandemia de Peste Negra que assolava a capital e levou à morte da própria rainha Da Filipa de Lencastre, é em Alhos Vedros que o rei D. João I se refugia, a pedido do seu Conselho, de forma a afastar-se dos ambientes pestíferos da epidemia. Após a morte da rainha, os Infantes reuniram-se duas vezes com o seu pai, em Alhos Vedros. Foi num desses encontros que o monarca tomou a decisão final de dar continuidade à expedição da tomada de Ceuta que estava já planeada desde o ano de 1412. Enquanto os três Infantes retornaram à capital para ultimarem os preparativos da viagem, o Rei permaneceu na nossa vila, saindo apenas na antevéspera da partida da armada para Ceuta, para o Restelo, com o seu filho, D. Afonso, Conde de Barcelos. Este passo, tomado nesta vila, simboliza o começo da expansão ultramarina portuguesa. Deixo-vos assim o meu convite para, nos próximos dias, visitarem a Coleção Régia no Palacete do Morgado da Casa da Cova / Condes de Sampayo e também vocês inspirarem um pouco da magia de reis e rainhas, príncipes e princesas, que respiramos aqui na nossa vila. (...)" Edição 13/2023 - Cláudio Neves "(...) O Carnaval em Alhos Vedros, já é uma tradição que vem de há muito tempo. Na década de 50, do século passado, era normal na altura do Carnaval, saírem grupos de jovens e adultos, de carroça, a brincar ao Entrudo, faziam Edição Especial Pág. 26 desde as Arroteias passando por Alhos Vedros, passavam as marinhas e iam até à Baixa da Banheira. Era muito usual nessa altura, serem surpreendidos pelo caminho por outros que moravam nessas zonas e lhes faziam partidas de Carnaval. Na minha memória, tenho muito presente, ser levado pelo meu pai nos dias de Carnaval (Domingo ou Terça-Feira) até à zona do coreto para assistir ás brincadeiras que existam nessa zona por essa altura, raro era o carro que passava por essa área que não tinha a surpresa de ficar todo encharcado, tal era a força da água que vinha das dezenas de pessoas que se aglomeravam por ali... Durante os anos 80, começou então a ser organizado pela SFRUA o Corso de Carnaval, no primeiro ano tive o privilégio de participar, numa charrete, devidamente trajado pelo Rancho Folclórico do Clube das Arroteias. Nessa altura, existia um grupo muito bonito e muito bem organizado no Bairro Gouveia, que tinha a sua sede no GRF, saíam do bairro até à vila para se juntarem ao desfile de Carnaval, acabou com a morte prematura do principal organizador (foi pena). Foi o início da aventura para mim. Depois dessa participação comecei a integrar o desfile de Carnaval, e a seu tempo, fazer parte daquela organização que muito me orgulha e onde aprendi imenso. Foi um local onde aprendi, conheci pessoas que levo para a vida, e que prezo para que se mantenha sempre atual. De há alguns anos a esta parte, como elemento do Rancho das Arroteias, numa altura em que as associações estavam a passar uma situação muito difícil, pensámos em criar uma escola de samba nas Arroteias, poderíamos desta forma revitalizar a coletividade e trazer esta festa para o bairro. Foi então que nasceu a ESUCA (Escola de Samba Unidos do Clube das Arroteias). No início, a medo, criámos o grupo de passistas, que foi crescendo e que atualmente já tem trabalho feito e reconhecido. No ano de 2023, apareceu a Bateria Ousada, projeto de precursão em parceria com o grupo musical OUSADIA, que se irão apresentar pela primeira vez no
  • 27. desfile de Carnaval da ESUCA deste ano. (...)" Edição 14/2023 - Edgar Cantante "(...) Antes de iniciar esta breve reflexão sobre a importância do Associativismo na nossa comunidade, quero agradecer o convite que me foi endereçado pelo "Sentir Alhos Vedros" para escrever um artigo, à minha escolha, para a sua revista. Nos tempos que correm, em que se acentua o individualismo, o isolamento, a competição, o fervilhar dos interesses pessoais acima dos interesses coletivos, o aparecimento de um grupo de jovens com esta iniciativa de fazer uma revista para dar a conhecer e a valorizar a sua terra, assume uma enorme importância ao contrariar aquilo que, há muito tempo, se sente: a crise e algum declínio do associativismo. Neste sentido, devemos reconhecer a importância que as coletividades e todo o movimento associativo tiveram, antes e depois do 25 de abril, nas nossas terras e nas nossas gentes, ao promover o convívio, a formação cívica, a aproximação entre as pessoas, a instrução e o recreio, a consciencialização política, a cultura e o desporto. Como sinal de reconhecimento e gratidão, é de toda a justiça, destacar e homenagear as várias gerações de dirigentes associativos que num espírito de voluntariado, de entrega aos outros, sem ter qualquer retribuição monetária, nas horas livres, depois da sua atividade profissional, de alma e coração, sempre se disponibilizaram para servir o interesse coletivo. Num outro plano e como consequência de todo este importante trabalho realizado nas coletividades, é de destacar o seu contributo para a consciencialização e formação de muitos dos dirigentes políticos e autárquicos no pós 25 de Abril que com esses ensinamentos e experiência, contribuíram decisivamente para o progresso e desenvolvimento locais. É preciso ter sempre presente, que a liberdade e a democracia são como as plantas sensíveis, que precisam de ser cuidadas e regadas regularmente, Edição Especial Pág. 27 caso contrário não sobrevivem. Por isso, é da maior importância para o nosso futuro coletivo, que as gerações mais novas tenham consciência disso e também estejam disponíveis para participar e colaborar, de acordo com as suas possibilidades, nas várias iniciativas locais, nomeadamente nas reuniões públicas autárquicas onde são discutidos e se procuram as soluções para o problemas existentes. A nossa Vila, em particular, que em tempos teve importância industrial, principalmente na cortiça e confeções, dando emprego a muita gente dos concelhos vizinhos, em que o comércio também era pujante e dinâmico. Como o prova, destacamos o facto de haver, por esses tempos, três agências bancárias e hoje não termos nenhuma. Nos últimos tempos, a dinâmica da vila tem vindo a decair a vários níveis, estando hoje, de certa forma, reduzida, essencialmente a um dormitório. Por isso, são benvindos todos os esforços e contributos daqueles que gostam e sentem Alhos Vedros para que, em conjunto e não com divisões descabidas e sem sentido, possamos recolocar a nossa Vila onde sempre deveria ter permanecido. (...)" Edição 15/2023 - Paula Diogo "(...) Começo por agradecer à equipa do “Sentir Alhos Vedros” o convite que me endereçou para escrever o editorial deste número sobre um tema à minha escolha. Depois de bastante reflexão e alguma angústia sobre a decisão do tema que escolheria para este editorial, por haverem tantos e tão pertinentes, inspirei-me no nome desta revista, “Sentir Alhos Vedros”, e esta pena, que é como quem diz os meus dedos, afagarão o teclado num mote que me é querido: “Sentir a primavera em Alhos Vedros”. Com a chegada da primavera as temperaturas começam a aumentar, o céu torna-se mais claro, o sol mais radiante e os dias são maiores. Estes fatores contribuem para que o estado de espírito das pessoas, no geral, se torne mais alegre e positivo. O início da primavera é, no entanto, um verdadeiro pesadelo para alguns por causa das alergias. Com a
  • 28. chegada da primavera, existe uma maior circulação de pólenes e fungos no ambiente exterior que induzem e acentuam os sintomas de alergias. Essas pessoas deverão adotar comportamentos que minimizem os efeitos da primavera nas suas alergias, não devendo, em certos horários, realizar atividades ao ar livre. Para as outras pessoas é um deleite ouvir o chilrear dos passarinhos e o sentir a reflorestação da nossa primavera boreal através do odor dos jardins e dos campos, do cheiro da terra e do aroma esfuziante das flores. A freguesia de Alhos Vedros, onde resido há cerca de 20 anos, torna-se especialmente bela durante a época da Primavera. Como é do conhecimento de todos a primavera caracteriza-se por ser uma época do reflorescimento da flora terrestre. Em Alhos Vedros existem zonas com características rurais, ribeirinhas e urbanas. Em todas essas zonas sentimos a presença da primavera. O verde aparece de onde menos se espera e as flores estão por toda a parte, até nos terrenos que parecem abandonados ou não cultivados. Quando caminhamos podemos observar uma flora diversificada e encontrar espécies tais como o Alho- bravo, o Cachapeiro-das-Traças, o Cardo-dos-Picos, o Rosmaninho, a Salgadeira, o Espargo-bravo, o Bem- me-quer, a Papoila-brava, entre outras. Os percursos pedestres são uma forma maravilhosa de ver com outros olhos a natureza e desfrutar deste meio deslumbrante que nos rodeia, através de atalhos, caminhos tradicionais e zonas agrícolas. Dito isto, proponho a todos nós promover em Alhos Vedros mais iniciativas de caminhadas organizadas, constituindo verdadeiros produtos de turismo ativo. A prática de Passeios Pedestres é uma atividade de lazer de carácter lúdico, que pode ser feita de forma autónoma e independente. Mas, para que se torne uma prática saudável e segura para a população local ou visitante, é necessário definir e sinalizar trilhos nos vários locais. Temos espaços maravilhosos na nossa Freguesia, por onde podemos dar belos passeios, desfrutar de paisagens paradisíacas e Edição Especial Pág. 28 únicas. Puxando a brasa à minha sardinha, observemos matemática na natureza que nos rodeia: - O número de pétalas numa flor segue, em muitas espécies, a sequência matemática conhecida por Fibonacci. A sequência de Fibonacci começa com os números 1 e 1. O número seguinte é o resultado da soma dos dois números anteriores (1+1=2). O número que se segue é o 3 (1+2) e depois o 5 (2+3) e assim sucessivamente. Esta sequência está muito presente na natureza, como por exemplo, no número de espirais numa pinha, na pereira, na ameixeira, na roseira, ou em sementes de um girassol. - As simetrias nas flores são fenómenos muito interessantes de se observar. Elas têm um eixo central, à volta do qual as partes das flores se repetem. Acredita-se que várias flores têm simetrias para atrair polinizadores, como as abelhas e as borboletas. A simetria ajuda esses animais a identificar a posição do néctar e do pólen da flor. Se observarem uma borboleta, constatam facilmente que tem um eixo de simetria que divide o seu corpo e asas em duas metades muito semelhantes entre si. As simetrias são de facto muito comuns na natureza. - Os flamingos, patos e gansos, tão típicos dos sapais de Alhos Vedros, voam em V para aproveitar a aerodinâmica do vento e poupar energia, conseguindo assim percorrer grandes distâncias. Quem vai à frente quebra a resistência do vento e as aves vão-se revezando. - As formigas fazem operações aritméticas simples para calcular distâncias a percorrer até aos locais onde estão os alimentos, passando seguidamente essa informação aos restantes membros da colónia. E poderia dar mais exemplos da matemática na natureza. Para terminar, sentir a primavera é de todos, sintamos a natureza de Alhos Vedros que é para todos. Aproveitemos esta estação do ano. Carpe diem! (...)" Edição 16/2023 - Elvira Freitas "(...) Falar sobre Alhos Vedros no mês que se celebra o