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163
f u l l c o v e r
Os caminhos de
ferro de Bagdad
POR PEDRO CASTRO CALDAS
punhaemcausaostatusquocolonialexis‑
tente no Médio Oriente, controlado pela
Grã­‑Bretanha, tornando­‑se numa fonte
de tensão internacional nos anos imedia‑
tamente anteriores à 1ª Guerra Mundial, o
que segundo alguns historiadores poderá
ter sido uma das principais causas da
sua deflagração, cujo teatro de opera‑
ções europeu se veio a alargar ao Médio
Oriente, levando à queda e à ascensão de
novos protagonistas e a novas partilhas
territoriais nunca saradas na situação do
pós­‑guerra.
O estabelecimento de rotas de comuni‑
cação acessíveis a transporte de pessoas e
bens, iniciadas com os “descobrimentos”
portugueses para o Oriente e para o Novo
Mundo, como defendem alguns autores,
estarãonaorigemdofenómenoda“globa‑
lização” dos nossos dias, como processo
de aprofundamento internacional da
integração económica, social, cultural e
política, assente nos seguintes aspectos
básicos: comércio e transações finan‑
ceiras,movimentosdecapitaledeinvesti‑
mento, migração e movimento de pessoas
e a disseminação de conhecimento2
.
Mesmo que, à data, os desígnios das
potências imperiais, ao estabelecerem
novas vias de comunicação, fosse o de
organizareperpetuarodomíniocolonial,
em ambiente de paz de forma a tornar
mais eficiente a exploração dos domí‑
nios através da pacificação e submissão
dos povos indígenas e do fácil acesso
aos respectivos recursos naturais, subs‑
tituindo assim as ineficientes antigas
práticas de organização do comércio
desenvolvidas de “forma militar e
análogaàdaguerra,comoumaactividade
adicional do pirata e do corsário, da cara‑
vana armada, do caçador e do mercador
de espada, dos burgueses armados das
cidades, dos aventureiros e dos explo‑
radores, dos plantadores e conquista‑
dores, dos apresadores e dos traficantes de
escravos…”, é um facto que estes desíg‑
nios de eficiência tornaram imparável
a “globalização” assente nos aspectos
básicos atrás referenciados. Ora, mau
grado os efeitos perniciosos que justa‑
mente são atribuídos à “globalização”;
resultantes da perda de parte da sobe‑
rania dos Estados com o surgimento de
organizações supragovernamentais fora
do controlo democrático e dos próprios
Na sequência da entente estabelecida
entre a Alemanha Imperial e o Império
Otomano nos finais do século XIX início
do século XX e da visita em 1899 do Kaiser
Guilherme II ao “Califa dos Crentes”
o Sultão Abdul Hamid II, o Deutsche
Bank, em apoio de investidores alemães,
austríacos, suíços e de outras nacionali‑
dades, participou na criação da Sociedade
Imperial Otomana dos Caminhos de
Ferro de Bagdad, para ligação de Berlim a
Bagdad do então Império Otomano, atra‑
vessando o Império Austro­‑Húngaro, a
Roménia,aBulgária,aTurquia,aArménia
a Síria e o Iraque, no que o sindicato de
investidores que patrocinaram a inicia‑
tiva considerava vir a ser uma “grande
avenida de comércio”.1
Comesteprojecto,osalemãespretendiam
na prática aceder aos campos de petróleo
no Iraque, e através de uma ligação ao
porto de Baçorá garantirem um melhor
acesso à parte oriental do império colo‑
nial alemão, sem estarem sujeitos ao atra‑
vessamento do Canal de Suez; e o Império
Otomano desejava manter o controlo da
Arábia e expandir a sua influência através
do Mar Vermelho no Egipto que passara a
ser controlado pelos britânicos.
Este projecto, encarado miticamente
como um meio de levar o conhecimento
e as modernidades tecnológicas e cientí‑
ficas ocidentais ao “berço da civilização”,
→ Pedro Castro Caldas nasceu em
Lisboa em 1950 e licenciou-se em
Engenharia Mecânica no Instituto
Superior Técnico em Lisboa tendo
recebido formação complementar
de “project management” na Suíça.
Exerceu funções de “project
manager” na Divisão de Energia da
Mague, até ingressar em 1987 na
indústria seguradora na área dos
riscos de engenharia, assumindo
funções de Direcção Técnica nas
áreas de seguro e resseguro Não-Vida
sucessivamente na Companhia de
Seguros Tranquilidade, na Mútua
Seguradora da Indústria Alemã HDI e
a partir de 1993 até 2013 na Ocidental
Seguros e noutras parcerias de
Seguros do Millennium bcp, onde no
período de 1994 a 2004 foi membro
do Risk Management Group, do grupo
segurador pan-europeu EUREKO.
Coordenou e participou em vários
projectos de seguro e resseguro de
grandes riscos de engenharia em
regime de parcerias público privadas
e outros entre os quais com principal
destaque o projecto de construção e
exploração da rede do Metro do Porto,
tendo até 2013 coordenado várias
Comissões Técnicas na Associação
Portuguesa de Seguros. A partir de
2013 tem-se dedicado ao estudo e à
consultoria de gestão de risco.
164
M D S  m a g a z i n e
IlustraçãoporCarlosPinheiro
165
f u l l c o v e r
Estados, dela resultou os “mais fracos”
terem passado a ter acesso facilitado, ao
conhecimento através das novas tecno‑
logias de informação e à livre circulação,
sem que os “mais fortes”, em o querendo,
tenham a possibilidade de o impedir
com recurso a novos “muros” cada vez de
menor eficácia e de mais difícil aceitação.
Duma forma geral a geografia humana
das várias regiões e continentes e em
particular da Europa, resulta de uma
miscigenação de culturas e de etnias em
consequência de invasões e migrações
imparáveis ao longo dos séculos. Sem ser
necessário no caso europeu retroceder às
invasões bárbaras fundadoras de novas
Nações nascidas nas ruínas do Império
Romano, ou às diásporas resultantes das
perseguições religiosas, na história mais
recente,osantigosEstadosimperiaisapar
de terem promovido as suas emigrações
para o exterior, absorveram no seu inte‑
rior e no interior dos seus domínios, vagas
deimigrações,criandoemambasassitua‑
ções novas comunidades geradoras de
oportunidades de progresso da humani‑
dade baseado na disseminação do conhe‑
cimento mútuo dos povos e do comércio
associado à paz, sem prejuízo de por vezes
eclodirem aqui e ali “ajustamentos” mais
ou menos circunscritos e mais ou menos
violentos, motivados por antagonismos
étnicos e religiosos e de disputa de inte‑
resses comerciais e territoriais, resul‑
tando em confrontos, perseguições e no
limite em genocídios e na guerra.
Na actualidade, como que em movi‑
mento inverso do recente passado colo‑
nial, chegam às portas da Europa ondas
migratórias geradoras de tensões, que
muitos vêem como uma ameaça à paz
e à segurança, por ironia da história, no
caso dos imigrantes vindos do Médio
Oriente, percorrendo cem anos depois
o mesmo trajecto que o “caminho­‑de­
‑ferro de Bagdad” com destino a Berlim,
que à data, é certo, foi construído com o
desígnio unilateral do Reich alemão de
acesso às colónias e às matérias primas –
o que tanto incomodou o status quo
do império britânico que sentindo­‑se
ameaçado levou à guerra − mas também
pensado miticamente como um meio
de levar o “conhecimento ocidental” ao
“berço da civilização”.
Contudo, contrariamente aos que se
sentem ameaçados no seu status quo, os
mais esclarecidos, em Berlim e noutros
lugares, são levados a identificar este
trânsito percorrido através dos “novos
caminhos­‑de­‑ferro de Bagdad”, desta
feita não como trajecto para envio expe‑
dito de colonos e garantir o acesso fácil
aos recursos naturais, mas como um
processo de retorno facilitador de novas
oportunidades de intercâmbio multi‑
lateral dos povos; quer através de um
possível contributo demográfico e produ‑
tivo desta massa humana afluente porta‑
dora de esperança e do “conhecimento
ocidental”, assim concorrendo para
o progresso dos Estados acolhedores;
quer no prospectivo fomento das rela‑
ções culturais e de comércio interna‑
cional após o desejável regresso a casa
destes imigrantes, num possível futuro
de pacificação e reconstrução das zonas
de guerra que estiveram na origem dos
movimentos migratórios, no pressu‑
posto que o progresso se conquista na
capacidade de superação das dificul‑
dades ou dito de outra forma é na acer‑
tada avaliação das forças e das fraquezas
que se constroem as oportunidades e se
reduzem as ameaças. •
1	 Com o mesmo desígnio de acesso expedito aos
domínios coloniais, os britânicos projectaram uma
linha de caminho­‑de­‑ferro de ligação do Cabo ao
Cairo para unificar as suas possessões africanas,
facilitar a governabilidade, permitir que o exército se
movesse rapidamente para pontos críticos, ajudando
na colonização e incentivando o comércio.
2	 In AL­‑RHODAN, Nayef R.F, STOUDMANN, Gérard –
Definitions of Globalization: a comprehensive overview
and a proposed definition.
Fontes Bibliográficas
JASTROW, Morris – The War and the Bagdad Railway:
the story of Asia Minor and its relation to the present
conflict. [S.l]: Lippincott, 1918.
MCMURRAY, Jonathan S. – Distant ties : Germany, the
Ottoman empire, and the construction of the Baghdad
railway. Westport, Conn.: Praeger, 2001. ISBN
0275970639
POLANYI, Karl – A grande transformação: as origens
políticas e económicas do nosso tempo. Lisboa:
Edições 70, 2012. ISBN 978­‑972­‑44­‑1660­‑1.
O autor do texto não escreve ao abrigo do novo
Acordo Ortográfico.

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  • 1. 163 f u l l c o v e r Os caminhos de ferro de Bagdad POR PEDRO CASTRO CALDAS punhaemcausaostatusquocolonialexis‑ tente no Médio Oriente, controlado pela Grã­‑Bretanha, tornando­‑se numa fonte de tensão internacional nos anos imedia‑ tamente anteriores à 1ª Guerra Mundial, o que segundo alguns historiadores poderá ter sido uma das principais causas da sua deflagração, cujo teatro de opera‑ ções europeu se veio a alargar ao Médio Oriente, levando à queda e à ascensão de novos protagonistas e a novas partilhas territoriais nunca saradas na situação do pós­‑guerra. O estabelecimento de rotas de comuni‑ cação acessíveis a transporte de pessoas e bens, iniciadas com os “descobrimentos” portugueses para o Oriente e para o Novo Mundo, como defendem alguns autores, estarãonaorigemdofenómenoda“globa‑ lização” dos nossos dias, como processo de aprofundamento internacional da integração económica, social, cultural e política, assente nos seguintes aspectos básicos: comércio e transações finan‑ ceiras,movimentosdecapitaledeinvesti‑ mento, migração e movimento de pessoas e a disseminação de conhecimento2 . Mesmo que, à data, os desígnios das potências imperiais, ao estabelecerem novas vias de comunicação, fosse o de organizareperpetuarodomíniocolonial, em ambiente de paz de forma a tornar mais eficiente a exploração dos domí‑ nios através da pacificação e submissão dos povos indígenas e do fácil acesso aos respectivos recursos naturais, subs‑ tituindo assim as ineficientes antigas práticas de organização do comércio desenvolvidas de “forma militar e análogaàdaguerra,comoumaactividade adicional do pirata e do corsário, da cara‑ vana armada, do caçador e do mercador de espada, dos burgueses armados das cidades, dos aventureiros e dos explo‑ radores, dos plantadores e conquista‑ dores, dos apresadores e dos traficantes de escravos…”, é um facto que estes desíg‑ nios de eficiência tornaram imparável a “globalização” assente nos aspectos básicos atrás referenciados. Ora, mau grado os efeitos perniciosos que justa‑ mente são atribuídos à “globalização”; resultantes da perda de parte da sobe‑ rania dos Estados com o surgimento de organizações supragovernamentais fora do controlo democrático e dos próprios Na sequência da entente estabelecida entre a Alemanha Imperial e o Império Otomano nos finais do século XIX início do século XX e da visita em 1899 do Kaiser Guilherme II ao “Califa dos Crentes” o Sultão Abdul Hamid II, o Deutsche Bank, em apoio de investidores alemães, austríacos, suíços e de outras nacionali‑ dades, participou na criação da Sociedade Imperial Otomana dos Caminhos de Ferro de Bagdad, para ligação de Berlim a Bagdad do então Império Otomano, atra‑ vessando o Império Austro­‑Húngaro, a Roménia,aBulgária,aTurquia,aArménia a Síria e o Iraque, no que o sindicato de investidores que patrocinaram a inicia‑ tiva considerava vir a ser uma “grande avenida de comércio”.1 Comesteprojecto,osalemãespretendiam na prática aceder aos campos de petróleo no Iraque, e através de uma ligação ao porto de Baçorá garantirem um melhor acesso à parte oriental do império colo‑ nial alemão, sem estarem sujeitos ao atra‑ vessamento do Canal de Suez; e o Império Otomano desejava manter o controlo da Arábia e expandir a sua influência através do Mar Vermelho no Egipto que passara a ser controlado pelos britânicos. Este projecto, encarado miticamente como um meio de levar o conhecimento e as modernidades tecnológicas e cientí‑ ficas ocidentais ao “berço da civilização”, → Pedro Castro Caldas nasceu em Lisboa em 1950 e licenciou-se em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico em Lisboa tendo recebido formação complementar de “project management” na Suíça. Exerceu funções de “project manager” na Divisão de Energia da Mague, até ingressar em 1987 na indústria seguradora na área dos riscos de engenharia, assumindo funções de Direcção Técnica nas áreas de seguro e resseguro Não-Vida sucessivamente na Companhia de Seguros Tranquilidade, na Mútua Seguradora da Indústria Alemã HDI e a partir de 1993 até 2013 na Ocidental Seguros e noutras parcerias de Seguros do Millennium bcp, onde no período de 1994 a 2004 foi membro do Risk Management Group, do grupo segurador pan-europeu EUREKO. Coordenou e participou em vários projectos de seguro e resseguro de grandes riscos de engenharia em regime de parcerias público privadas e outros entre os quais com principal destaque o projecto de construção e exploração da rede do Metro do Porto, tendo até 2013 coordenado várias Comissões Técnicas na Associação Portuguesa de Seguros. A partir de 2013 tem-se dedicado ao estudo e à consultoria de gestão de risco.
  • 2. 164 M D S  m a g a z i n e IlustraçãoporCarlosPinheiro
  • 3. 165 f u l l c o v e r Estados, dela resultou os “mais fracos” terem passado a ter acesso facilitado, ao conhecimento através das novas tecno‑ logias de informação e à livre circulação, sem que os “mais fortes”, em o querendo, tenham a possibilidade de o impedir com recurso a novos “muros” cada vez de menor eficácia e de mais difícil aceitação. Duma forma geral a geografia humana das várias regiões e continentes e em particular da Europa, resulta de uma miscigenação de culturas e de etnias em consequência de invasões e migrações imparáveis ao longo dos séculos. Sem ser necessário no caso europeu retroceder às invasões bárbaras fundadoras de novas Nações nascidas nas ruínas do Império Romano, ou às diásporas resultantes das perseguições religiosas, na história mais recente,osantigosEstadosimperiaisapar de terem promovido as suas emigrações para o exterior, absorveram no seu inte‑ rior e no interior dos seus domínios, vagas deimigrações,criandoemambasassitua‑ ções novas comunidades geradoras de oportunidades de progresso da humani‑ dade baseado na disseminação do conhe‑ cimento mútuo dos povos e do comércio associado à paz, sem prejuízo de por vezes eclodirem aqui e ali “ajustamentos” mais ou menos circunscritos e mais ou menos violentos, motivados por antagonismos étnicos e religiosos e de disputa de inte‑ resses comerciais e territoriais, resul‑ tando em confrontos, perseguições e no limite em genocídios e na guerra. Na actualidade, como que em movi‑ mento inverso do recente passado colo‑ nial, chegam às portas da Europa ondas migratórias geradoras de tensões, que muitos vêem como uma ameaça à paz e à segurança, por ironia da história, no caso dos imigrantes vindos do Médio Oriente, percorrendo cem anos depois o mesmo trajecto que o “caminho­‑de­ ‑ferro de Bagdad” com destino a Berlim, que à data, é certo, foi construído com o desígnio unilateral do Reich alemão de acesso às colónias e às matérias primas – o que tanto incomodou o status quo do império britânico que sentindo­‑se ameaçado levou à guerra − mas também pensado miticamente como um meio de levar o “conhecimento ocidental” ao “berço da civilização”. Contudo, contrariamente aos que se sentem ameaçados no seu status quo, os mais esclarecidos, em Berlim e noutros lugares, são levados a identificar este trânsito percorrido através dos “novos caminhos­‑de­‑ferro de Bagdad”, desta feita não como trajecto para envio expe‑ dito de colonos e garantir o acesso fácil aos recursos naturais, mas como um processo de retorno facilitador de novas oportunidades de intercâmbio multi‑ lateral dos povos; quer através de um possível contributo demográfico e produ‑ tivo desta massa humana afluente porta‑ dora de esperança e do “conhecimento ocidental”, assim concorrendo para o progresso dos Estados acolhedores; quer no prospectivo fomento das rela‑ ções culturais e de comércio interna‑ cional após o desejável regresso a casa destes imigrantes, num possível futuro de pacificação e reconstrução das zonas de guerra que estiveram na origem dos movimentos migratórios, no pressu‑ posto que o progresso se conquista na capacidade de superação das dificul‑ dades ou dito de outra forma é na acer‑ tada avaliação das forças e das fraquezas que se constroem as oportunidades e se reduzem as ameaças. • 1 Com o mesmo desígnio de acesso expedito aos domínios coloniais, os britânicos projectaram uma linha de caminho­‑de­‑ferro de ligação do Cabo ao Cairo para unificar as suas possessões africanas, facilitar a governabilidade, permitir que o exército se movesse rapidamente para pontos críticos, ajudando na colonização e incentivando o comércio. 2 In AL­‑RHODAN, Nayef R.F, STOUDMANN, Gérard – Definitions of Globalization: a comprehensive overview and a proposed definition. Fontes Bibliográficas JASTROW, Morris – The War and the Bagdad Railway: the story of Asia Minor and its relation to the present conflict. [S.l]: Lippincott, 1918. MCMURRAY, Jonathan S. – Distant ties : Germany, the Ottoman empire, and the construction of the Baghdad railway. Westport, Conn.: Praeger, 2001. ISBN 0275970639 POLANYI, Karl – A grande transformação: as origens políticas e económicas do nosso tempo. Lisboa: Edições 70, 2012. ISBN 978­‑972­‑44­‑1660­‑1. O autor do texto não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.