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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE CINEMA, RÁDIO E TELEVISÃO
PROJETO TRAPÉZIO,
uma narrativa interativa
para a TV Digital Brasileira
Marilia Fredini Alves
São Paulo, 2011
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel no
Curso Superior do Audiovisual sob a orientação do Prof. Dr. Almir Antonio Rosa
1
Apresentação
O desafio de fazer um filme interativo, baseada em pouco repertório e
na certeza de que meu Trabalho de Conclusão de Curso deveria ser, antes de mais nada, uma
proposta de abertura e expansão, mais do que uma simples conclusão, foi o que me motivou
na época e é o que norteia ainda hoje minha pesquisa.
A partir da proposta de interatividade, busquei questionar a própria
criação audiovisual e seus objetivos estéticos e comerciais, com a crescente demanda de
conteúdo para a internet e para a TV Digital Interativa, esta ainda em fase de experimentação.
Questionar de que maneira nós, futuros profissionais desse mercado, podemos trabalhar as
novas tecnologias de maneira a agregar valores estéticos, artísticos e conceituais à uma área
que hoje em dia ainda é pouco explorada em âmbito acadêmico.
O Projeto Trapézio nasce, portanto, dessa tentativa de propor uma
narrativa de suspense como um potencial conteúdo interativo. Como o próprio nome diz, é
um projeto, pois esta é uma discussão que apenas se inicia, e as possibilidades de
interatividade são tantas quanto as incertezas sobre sua aplicabilidade e usabilidade,
principalmente em obras ficcionais. Acredito que este estudo aponta caminhos interessantes
para se repensar a criação audiovisual tendo em vista os novos suportes disponíveis e as
possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias.
2
Sumário
1. Introdução 04
2. Interatividade e Hipermídia 06
3. A TV Digital Interativa 12
4. O Projeto Trapézio 18
4.1 O processo de criação
4.1.1 Da ideia ao roteiro 19
4.1.2 A Direção 30
4.2 Pós-produção
4.2.1 A Montagem 40
4.2.2 (Re)pensando os pontos de interatividade 42
4.3. O Design e o Design de Interação 49
4.4 O trabalho com o ginga
4.4.1 O Ginga-NCL 53
4.4.2 A estrutura do Projeto Trapézio 61
4.4.3 Dificuldades e Soluções 69
O Composer 69
O “Arquivo invisível” 70
Focus Index 70
MOV X GIFs Animados 71
Testando no Set Top Box 72
4.4.4 Testes de Usabilidade 73
5. Conclusão 76
6. Bibliografia 78
7. Anexos
Roteiros
Tabelas de Links
Códigos NCL
3
1. Introdução
A ideia para o trabalho de conclusão de curso é algo que já vem nos
preocupando desde o final do terceiro ano de faculdade. Ainda sem nada que me inspirasse,
comecei a reler antigos trabalhos didáticos e me deparei com uma radionovela que havia
escrito para a disciplina optativa de Roteiro de Rádio, durante o segundo ano de curso. O
suspense de inspiração Noir, tinha basicamente a mesma trama do Projeto Trapézio, com a
diferença de que a radionovela era conduzida por um detetive que ia ao circo investigar a
morte do trapezista. Este era apenas o morto, e não um personagem. O que era uma sinopse de
radionovela poderia ser um bom roteiro para o trabalho de conclusão de curso e o mais
esperado seria fazer disso um curta. Porém, a própria estrutura episódica da narrativa de
radionovela me fez pensar que seria interessante explorar um formato ou um meio diverso do
habitual curta-metragem.
Nessa época, eu era estagiaria da TV USP, vivenciando uma
experiencia audiovisual muito diversa daquela experimentada ao longo do curso. Na TV USP
ajudei a desenvolver um novo programa, o Walk Talk Show, onde um aluno, estagiário da TV
USP, fazia às vezes de repórter e caminhava pelo campus, entrevistando quem encontrasse
pela frente. Como câmera e co-editora, além de co-criadora, pude ver o nosso projeto se
transformar no carro chefe da programação da TV, que passou a ser mais conhecida pela
comunidade uspiana, da qual recebíamos vários comentários e sugestões de lugares para
visitar na USP, via e-mail e redes sociais. A abrangência do meio televisivo, aliado à
dinamicidade da internet, na relação com o publico, me fizeram repensar o papel da televisão
e das novas mídias em nossa sociedade, e no pouco contato que tive com isso ao longo do
meu percurso acadêmico.
A estrutura episódica da narrativa que eu tinha em mãos e seu caráter
psicológico, ligado à multiplicidade de pontos de vista, foram elementos essenciais para o
surgimento da ideia de um filme interativo, alimentado pelas referências vistas na disciplina
de Mídias Interativas, ministrada pelo professor Almir Almas, que, por conta dessa disciplina
4
e por sua trajetória ligada à televisão e videoarte, convidei para ser meu orientador nesse
projeto, uma vez que certamente ele poderia ajudar mais na pesquisa e no desenvolvimento do
projeto do que um professor mais ligado à área de narrativas clássicas. Minha ideia era
justamente expandir conceitos, de forma a abranger as diversas possibilidades estéticas que
surgem com o desenvolvimento das mídias e tecnologias digitais. Expandir o video e a
televisão para a internet, usar a interatividade como nova ferramenta dramatúrgica, questionar
a narrativa e a estagnação estética e conceitual da produção audiovisual brasileira nos dias de
hoje.
Não pretendo, portanto, com esta monografia, fazer uma análise
aprofundada do uso da linguagem cinematográfica, enquanto diretora do projeto, nem me ater
a questões técnicas e estilísticas como enquadramento ou ritmo da narrativa. Tais questões
serão devidamente tratadas no que se refere às especificidades requeridas pelo uso da nova
ferramenta e da linguagem interativa, que propõe novos desafios à poética audiovisual.
Assim nasce o Projeto Trapézio, uma proposta de ficção interativa,
com o objetivo de testar, por um lado, as possibilidades estéticas oferecidas por uma estrutura
não-linear de narrativa e fruição da obra, e, por outro, a interface brasileira de interatividade
para TV Digital, o middleware Ginga, gerando um dos primeiros estudos de usabilidade e
aplicabilidade do mesmo em termos de linguagem audiovisual e o primeiro a usar essa
tecnologia no Curso Superior do Audiovisual.
5
2. Interatividade e Hipermidia
“Uma obra de arte interativa é um espaço latente e
suscetível de todos os prolongamentos sonoros, visuais e textuais. O cenário
programado pode se modificar em tempo real ou em função da resposta dos
operadores. A interatividade não é somente uma comodidade técnica e
funcional; ela implica física, psicológica e sensivelmente o espectador em
uma prática de transformação”
JULIO PLAZA
Interatividade é o termo mais comum para descrever a comunicação humana
contemporânea. Propagada por entusiastas da tecnologia, pela publicidade e pelos meios de
comunicação de massa que buscam “inovar”, a interatividade parece ser o grande bem que as
intermediações tecnológicas nos trouxeram ao final do século XX e começo de século XXI.
Mas a história mostra que, antigamente mediada por palavras, hoje por softwares, a interação
é o fenômeno essencial e primordial da comunicação humana.
Para que ocorra um processo comunicativo, faz-se necessário que os
interlocutores estejam inseridos em um mesmo contexto de enunciação (Manetti, 2008), onde
eles se alternam no papel de enunciador. Manetti (2008, p.16) ainda sustenta que
“ a função da comunicação é ligada à palavra, que é a
atualização deste dado natural que é a linguagem (…) é somente na
linguagem e mediante a linguagem que o homem pode constituir-se
como sujeito”.
A constituição do sujeito e, portanto da subjetividade, através da linguagem
também se apresenta nas teorias cognitivas de TOMASELLO (2008) sobre as origens da
comunicação humana, onde princípios como “common background” e “shared
6
intentionallity” são base do processo comunicativo na medida em que, respectivamente: os
sujeitos participantes tem um mesmo contexto psico/social e espaço/temporal; e condividem,
através de uma forte concepção de “nós”, uma mesma intenção, ou seja, “eu e você estamos
empenhados no mesmo assunto”.
O contexto exerce, portanto, papel fundamental no processo comunicativo e
no jogo de significados que nele se projetam. Segundo LEVY (1993),
“o sentido emerge e se constrói no contexto, é sempre local,
datado, transitório. A cada instante, um novo comentário, uma nova
interpretação, um novo desenvolvimento podem modificar o sentido
que havíamos dado a uma proposição (por exemplo) quando ela foi
emitida (…) Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em
minha mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos,
mas também de imagens, sons, odores, lembranças (...)”
Essa mutabilidade da interpretação relaciona-se com o amplo espectro de
signos, símbolos e significantes que são trazidos pela memória dos interlocutores ao ato
comunicativo, trazendo-nos, assim, ao hipertexto, cujas origens, segundo SANTAELLA
(2007),
“estão ligadas a essa analogia com o funcionamento da
memória e podem ser encontradas nos trabalhos dos precursores Paul
Otlet, Vannevar Bush, Douglas Engelbert e Ted Nelson. Foram esses
pesquisadores que começaram a desenvolver os primeiros suportes
para a ideia de um arquitexto, quer dizer, “um meio de acesso à
informação através de vínculos associativos que unem um determinado
assunto a outro sem a existência de uma hierarquia entre os tópicos.”
A respeito do célebre artigo do matemático Vannevar Bush “As we may
think?”, LEVY (1993) expõe as raízes do hipertexto e o protótipo idealizado pelo cientista em
1945, o Memex.
“Ora, diz Vannevar Bush, a mente humana não funciona dessa
7
forma, mas sim através de associações. Ela pula de uma
representação para outra ao longo de rede intrincada, desenha trilhas
que se bifurcam, tece uma trama infinitamente mais complicada do que
os bancos de dados de hoje ou o sistema de informação de fichas
perfuradas de 1945.”
Reconhecendo não ser possível reconstruir o processo reticular onde se
constrói a inteligência, Bush, ainda nas palavras de LEVY (1993) propõe que nos inspiremos
nesse processo e, assim, introduz a ideia do Memex, dispositivo que nunca chegou a ser
construído mas de cujo conceito derivou a terminologia “hipertexto”, cunhada por Teodor
Nelson em 1974. Sobre o Memex, LEVY (1993) escreve:
“Antes de mais nada, seria preciso criar um imenso reservatório
multimídia de documentos, abrangendo ao mesmo tempo imagens,
sons e textos. Certos dispositivos periféricos facilitariam a integração
rápida de novas informações (…) O acesso às informações seria feito
através de uma tela de televisão munida de alto-falantes. (…) Uma vez
estabelecida a conexão, cada vez que determinado item fosse
visualizado, todos os outros que tivessem sido ligados a ele poderiam
ser instantaneamente recuperados.”
E SANTAELLA (2007) complementa:
“(...) deixou a ideia de um sistema pessoal de extensão da
memória, que permitiria que seu usuário pudesse selecionar e
armazenar caminhos associativos.”
O hipertexto, portanto, trabalha com informações modulares, um conjunto
multimídia de acesso não-linear. Obviamente vemos essa estrutura “profetizada” em meados
do século passado, como algo indissociável de nossa forma de vida contemporânea, na figura,
principalmente, da internet.
Uma vez que tais módulos informacionais são cada vez mais constituídos
8
não apenas por textos, mas por imagens, sons, vídeos etc, podemos chamar esse complexo de
hipermídia, conforme define PLAZA:
“A hipermídia, pois, é uma forma combinatória e interativa da
multimídia, onde o processo de leitura é designado pela metáfora de
“navegação” dentro de um mar de textos polifônicos que se justapõem,
tangenciam e dialogam entre eles. Abertura, complexidade,
imprevisibilidade e multiplicidade são alguns dos aspectos
relacionados à hipermídia. A partir do momento em que o usuário pode
interagir com o texto de forma subjetiva, existe a possibilidade de
formar sua própria teia de associações, atingindo a construção do
pensamento interdisciplinar.”
Na relação comunicativa com estruturas hipermidiáticas vemos não só a
mímese do nosso próprio fluxo cognitivo, mas, por conta dela, nossa busca e interpretação
dos dados se torna mais rica, pois é constantemente alimentada por novas leituras,
provenientes das sobreposições dos signos exibidos.
Mas se agora falamos de dados, de fluxo de informação, de navegação livre
por módulos, temos que problematizar o papel e a função do autor nesse panorama. Se o autor
usa de seu estilo para expressar sua subjetividade, onde ele se coloca na criação de uma obra
hipermidiática e interativa? Qual a relação que ele deve estabelecer com seu receptor se, por
um lado deve convidá-lo à participação e construção da obra, mas por outro deve ainda deixar
marcas de seu estilo e controlar a obra que, de maneira ou outra é fruto principal de sua
subjetividade, antes de deixá-la ser fruto da subjetividade de outrem?
A discussão sobre a morte do autor é de longa data e não pretendo
desenvolvê-la aqui, mas penso que cabem ainda algumas reflexões a respeito, na medida em
que o Projeto Trapézio busca se inserir justamente nesse contexto, trazendo uma narrativa
interativa, permeando meios onde o autor é tão ou mais importante que a obra, como o cinema
e a televisão. Numa narrativa interativa, ou em geral, numa obra de arte hipermidiática,
segundo PLAZA,
“(...) todos somos produtores-consumidores; ou seja, está indo
9
solenemente por água abaixo a velha e renitente distinção entre quem
faz e quem frui. Na chamada “textualidade interativa”, o que é operativo
é a poética da obra aberta em campo eletrônico digital. Para Risério, o
que está em questão é todo o eixo autor-obra-receptor, não a
dissolução do “autor”. O autor providencia o espaço, a cartografia, mas
cabe ao usuário traçar o seu percurso. Nada autoriza a dizer
(parodiando McLuhan) que, assim como Gutemberg nos transformou a
todos em leitores e a fotocopiadora nos converteu em editores, o
computador pessoal está fazendo com que todos sejamos autores.”
Não é uma navegação indiscriminada entre dados e informações, mas um
complexo de elementos previamente pensados e interligados, situando, portanto, o Projeto
Trapézio num ponto de equilíbrio entre o cinema de narrativa clássica e as tão teorizadas
formas de narrativas interativas, onde as definições de espectador e autor estariam em cheque.
Neste meio-termo de linguagem no qual nos inserimos, cabe ainda a definição de ECO (1968)
“ A obra em movimento, em suma, é a possibilidade de uma
multiplicidade de intervenções pessoais, mas não é convite amorfo à
intervenção indiscriminada: é o convite não necessário nem univoco à
intervenção orientada, a nos inserirmos livremente num mundo que,
contudo, é sempre aquele desejado pelo autor.”
Ou ainda, a respeito do processo interpretativo de tais obras:
“os signos aparecem ligados por uma necessidade que apela a
hábitos enraizados na sensibilidade do receptor (…) torna-se lhe,
portanto, impossível isolar as referencias e deve colher a complexa
replica que lhe é imposta pela expressão. Isso faz com que o
significado do processo de compreensão nos deixe, ao mesmo tempo,
satisfeitos e insatisfeitos por sua própria variedade. Dai voltamos à
mensagem, já enriquecidos desta vez por um esquema de significações
complexas que inevitavelmente puseram em jogo nossa memória das
10
experiências passadas; a segunda recepção será, portanto, enriquecida
por uma série de lembranças despertadas, que passam a interagir com
os significados colhidos no segundo contato; significados que, por sua
vez, já de inicio serão diferentes dos que foram realizados no primeiro
contato, pois a complexidade do estimulo terá permitido
automaticamente que a nova recepção se dê segundo uma perspectiva
diferente, segundo uma nova hierarquia de estímulos. O receptor,
voltando novamente sua atenção para o complexo de estímulos, terá
posto desta vez em primeiro plano signos que, antes, havia
considerado numa perspectiva subalterna e vice-versa. No ato
transativo em que se compõem a bagagem de lembranças despertadas
e o sistema de significados que emergiu da segunda fase, junto com o
sistema de significados que emergiu da primeira (...), eis que toma
forma um mais rico significado da expressão originaria. E quanto mais a
compreensão se complica, tanto mais a mensagem originária – tal
como é, constituída pela matéria que a realiza – em vez de gasta,
aparece renovada, pronta para “leituras” mais aprofundadas.”
O que chamamos hoje de interatividade é, portanto, a síntese de uma
série de conceitos e sistemas desenhados pela evolução tecnológica e com bases sólidas no
desenvolvimento do nosso próprio processo cognitivo. As interfaces hipermidiáticas são
diversas e hoje podemos encontrar narrativas em livros, celulares, salas de cinema ou, objeto
desse trabalho, na televisão, que ganha novos contornos com a digitalização, trazendo o
acesso não-linear a informações e uma nova maneira de ver, pensar e fazer televisão.
11
3. A TV Digital Brasileira
O Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), hoje ISDB-Tb, é fruto
das pesquisas brasileiras, iniciadas ainda nos anos 90, e que testaram os três principais
sistemas existentes (americano, europeu e japonês) e acrescentaram suas inovações. A partir
dessas pesquisas, realizou-se acordo com o Japão, o que deu a base para a tecnologia que hoje
é a base da TV Digital Interativa Brasileira (TVDI). O nosso sistema, ISDB-Tb, apresenta,
entre várias mudanças, uma inovação primordial em relação àquele japonês: o uso do MPEG4
e o middleware Ginga, que permite a interatividade na TV Digital. As transmissões digitais no
Brasil iniciaram-se em 2007, na cidade de São Paulo, e à esta época, uma grande parte dos
programas na televisão brasileira já eram captados em HD, embora a transmissão ainda não
fosse. A transmissão em alta definição de som e imagem é uma das características mais
enaltecidas pelas emissoras, porém a principal inovação é, de fato, a interatividade, que vêm
com o Ginga. Desenvolvido por pesquisadores brasileiros, o Ginga é, segundo palavras de um
de seus criadores, SOARES (2009)
“... é a camada de software localizada entre as aplicações
(programas de uso final) e o sistema operacional. Seu objetivo é
oferecer às aplicações suporte necessário para seu rápido e fácil
desenvolvimento, além de esconder os detalhes das camadas
inferiores (…) Esse papel confere à definição de “middleware
brasileiro” grande relevo, pois, na prática é ele quem regulará as
relações entre as duas indústrias de fundamental importância no país:
a de produção de conteúdos e a de fabricação de aparelhos
receptores.”
Ou seja, é o que permite a leitura, dentro do Set Top Box (STB) (ou no caso
de aparelhos de televisão que já venham com o Ginga “embarcados”) das aplicações
interativas, ou não, enviadas pelas emissoras. Sendo seu subsistema “lógico” o Ginga-NCL,
que processa os documentos NCL, uma linguagem declarativa de “cola” entre objetos de
12
mídia. Definirei melhor essa parte técnica na seção desta monografia dedicada à exposição da
etapa de programação do Projeto Trapézio. Por enquanto cabe ressaltar a importância
tecnológica e política do desenvolvimento do Ginga, uma vez que a linguagem Ginga-NCL
foi escolhida como padrão ITU-T para serviços de IPTV, ainda segundo Luis Fernando
Soares, em entrevista ao Portal Terra Magazine em 15 de agosto de 2011.
“Vale ressaltar que até hoje o ambiente Ginga-NCL é o único
ambiente de middleware padrão para todas as plataformas IPTV, TV a
cabo, TV broadband (TV conectada) e TV terrestre (TV aberta). Mesmo
dentro do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), é o único padrão
para todas as plataformas (receptores fixos, móveis e portáteis). (…) O
Ginga teve uma repercussão muito grande internacionalmente.
Principalmente no mundo científico. Foi quando a gente teve
reconhecimento, quando a linguagem NCL foi escolhida como padrão
para IPTV, a primeira vez que o País tem um padrão na área da
tecnologia da informação e comunicação. Teve também repercussão no
sentido de que a utilização da interatividade com a inclusão social seria
muito importante e se começou a falar muito na TV interativa. Isso
nunca iludiu a nós, pesquisadores. A gente sabia que não é assim de
uma hora para outra que você transforma uma tecnologia em produto.”
De 2007 a hoje, a TV Digital Brasileira, em termos de serviços, caminhou
pouco. A transmissão em HD já está consolidada, apesar de ainda não hegemônica, pois trocar
todo o parque de equipamentos analógicos para os digitais requer um investimento muito
grande das emissoras, de uma lado, e dos telespectadores, de outro. Mas a alta definição está
longe de ser a principal vantagem do ISDB-Tb. A interatividade, essa sim, é sua principal
inovação, como vimos, mas para que chegue às casas dos telespectadores, três quesitos
fundamentais devem ser preenchidos: a existência de um aparelho com Ginga (seja TV ou
STB), um produto interativo que possa ser acessado e um canal de retorno. As emissoras
dizem que não investem em interatividade por não ter aparelhos no mercado. Os fabricantes
não produzem aparelhos pois não tem conteúdo. E o governo se ausenta ao não manter
políticas públicas de subsídio à caixas conversoras, e no incentivo à pesquisa e
13
desenvolvimento de conteúdo, isso sem falar na falta de pesquisa em soluções para um canal
de retorno em larga escala e de baixo custo.
Hoje, o panorama da produção audiovisual interativa para a TV
Digital ainda é pequeno e insatisfatório no sentido da qualidade da interatividade disponível, e
aplicados a formatos específicos e consolidados, como veremos a seguir.
- Esportes (TV Globo/ Copa 2010 e Brasileirão 2011): A interatividade contempla
informações sobre o campeonato ou números da partida. Não encontrei exemplos de seleção
de ângulos de câmera.
- Jornal da Band (Band/2011): Notícias e informações sobre os apresentadores.
- O Aprendiz (Rede Record/2011): Biografia dos participantes, galeria de fotos e descrição
das tarefas.
14
Fig. 1a Aplicativo Interativo Copa/2010 Fig.1b Aplicativo Interativo Brasileirão/2011
Fig.3 Aplicativo Interativo 'O Aprendiz 2011'
Fig.2 Conteúdo interativo do Jornal da Band.
- Portal de Interatividade (SBT): O SBT criou um padrão geral de interatividade, chamado de
Portal. O vídeo é redimensionado e o conteúdo interativo é mostrado. Exibe notícias, grade de
programação, enquetes e promoções.
- Novelas (TVGlobo e Rede Record/2011): Em ambas observa-se o mesmo tipo de conteúdo
interativo: apresentação dos personagens e da trama, e resumo de capítulos. Conteúdo
aplicado sobre o vídeo.
15
Fig.4 Portal de Interatividade SBT
Fig.6 Conteúdos interativos em 'Sansão e Dalila' (Record)
Fig.5 Conteúdos interativos em 'Insensato Coração' (Globo)
Segundo ANGELUCI (2011), tais exemplos de aplicativos são
característicos de um “Estágio de Adornamento” da interatividade.
“O que fica bastante perceptível é que, apesar dos aplicativos
ainda serem versões-teste, ainda mimetizam muito do que já é
realizado com sucesso no ambiente de PC ligado à internet ou
dispositivos móveis. Da mesma forma que a televisão analógica levou
alguns anos para identificar sua própria linguagem, separada das
práticas do rádio, o mesmo parece acontecer com os conteúdos dos
aplicativos para TV Digital. No entanto, observa-se que aplicações
existentes se resumem a trazer conteúdos adicionais, síncronos ou não
à programação, que possuem pouca relevância ao conteúdo
audiovisual da programação. Restringem-se a enfeitar a tela da
audiência com uma aplicação de interface até em certa medida bem
feita, porém nota-se a preocupação de que ela não “atrapalhe” ou
dificulte a visualização do conteúdo principal, seja ele informativo, seja
ele publicitário.”
É importante lembrar, ainda, a que veio a TV Digital no Brasil. Mais do que
transmissão em alta definição de vídeo e áudio, mais do que resumo de episódios de novela,
ela veio com a proposta do acesso público. De acordo com o decreto 5.820 do Governo
Federal do Brasil de 30 de junho de 2006, citando ALMAS e JOLY (2009),
“ o governo brasileiro pretende que através da televisão digital
terrestre seja possível dar condições para a implementação de acesso
público para a redução da desigualdade digital.”
Tal questão é primordial na pauta do governo, prevendo acessos a serviços
do SUS, como marcar consultas, por exemplo. Essa discussão, no entanto, esbarra em
questões práticas muito importantes como o preço dos STB e a implantação dos canais de
retorno, que permitem que o usuário envie informações via TV, sendo uma interatividade real
(plena), possibilitando que o espectador seja também “exibidor”, carregando seus vídeos via
16
IPTV, por exemplo. Creio, portanto, que a questão do acesso público vai além, se referindo
também à produção de conteúdo. E isso não apenas relativo ao envio de vídeos pelo canal de
retorno.
O potencial da TV Digital está intimamente relacionado à produção de
aplicativos interativos, uma vez que a linguagem declarativa Ginga-NCL permite que usuários
com pouca instrução em programação realizem documentos NCL e produtos audiovisuais
interativos.
No Projeto Trapézio, o foco da pesquisa está justamente no trabalho com a
linguagem Ginga-NCL e a produção de uma obra audiovisual realmente interativa. A
proposta, aqui, não é apenas uma apropriação de linguagem, mas uma reflexão sobre as
possibilidades estéticas que esta oferece. Como visto nos exemplos acima, de aplicativos
interativos que as emissoras atualmente exibem, a interação é ainda superficial e local,
gerando conteúdos “extras” ao conteúdo principal.
A interatividade na TV Digital deve ser encarada como expressão dos
caminhos da hipermídia e evolução natural dos meios de comunicação, como SANTAELLA
(2007) salienta
“Piscitelli (2005, p.142) fala de três etapas no cultivo das
audiências televisivas. Uma época de canais únicos, de franjas horárias
precisas, de programas de alto consenso e homogeneização. Depois,
chegaram emissoras como a CNN e a MTV com um ritmo claro de
dispersão e compartimentação. Enfim, vieram os reality shows com um
intercâmbio cada vez mais fluido entre a tela e a sala das casas. Para
ele, a pós-televisão seria a fase interativa máxima da televisão, em cuja
tela, segundo Squirra (2005, p.84), em que hoje assistimos unicamente
a programas televisivos gerados na “cabeça da rede”, passarão a ser
visualizados as chamadas telefônicas, os e-mails, o correio de voz, as
multicâmeras, etc.”
Sendo assim, a TV Digital preconiza o desenvolvimento de novos produtos
audiovisuais e novos modelos de negócio. Foi pensando em tais aberturas que o Projeto
Trapézio se desenvolveu.
17
4. O Projeto Trapézio
O Projeto Trapézio é um filme interativo desenvolvido em linguagem Ginga-
NCL para a TV Digital Interativa Brasileira. Este protótipo foi realizado com o intuito de
testar as novas fronteiras da narrativa a partir do advento das tecnologias interativas. Através
de uma narrativa inspirada nos filmes noir, acompanhamos o ponto de vista de quatro
personagens no decadente Circo Zampano, durante as horas que precedem a morte do
Trapezista. Anão é o dono do circo, Equilibrista e Contorcionista são antigos amantes; e
Trapezista, é o novo namorado de Equilibrista, que, além de ser novo na trupe e devedor de
Anão, também não sabe do caso de Equilibrista com Contorcionista. É uma trama de
suspense, onde a interatividade aparece como ferramenta fundamental de construção
dramática, através de links entre cenas e o acesso aos conteúdos extra, testando, dessa
maneira, muitos dos recursos disponíveis na TV Digital Interativa Brasileira.
Enquanto criadora do projeto, roteirizei em parceria com meu colega de turma
Diogo Cronemberger, dirigi, sozinha, e participei ativamente da programação da
interatividade, ao lado do colega Thiago Afonso de André. Minha atuação também permeia
todo o processo de finalização do projeto, tendo editado um dos episódios e também
colaborado na edição de som. Com isso tudo, hoje vejo o quanto este projeto pode ser
chamado de “pessoal”, como exemplo de um processo de pesquisa, curiosidade e atuação
incansáveis, por muitas vezes sozinha, acreditando que aquela ingênua ideia inicial se
transformaria em um bom produto final, crítico e que contribuísse para a reflexão da poética
audiovisual nos dias atuais. Como já disse ao início desta tese, minha intenção aqui não é,
enquanto diretora, discutir enquadramento, ritmo ou atuação. Tais questões serão tratadas no
que tange as especificidades exigidas pelo formato interativo. Minha intenção é, portanto,
fazer uma apresentação do processo de criação e produção da obra, desde a ideia inicial até as
considerações sobre o desenvolvimento da interface, problemas técnicos encontrados, e
usabilidade, traçando um largo panorama sobre o desenvolvimento de um projeto de filme
interativo.
18
4.1 O Processo de Criação
4.1.1 Da ideia ao roteiro:
Pensando o formato interativo a partir da narrativa de suspense
A narrativa de suspense sempre me instigou muito como formato. Pistas falsas,
personagens complexos e roteiros que sugeriam soluções, sem dá-las, ou que as dessem, de
maneira surpreendente. Desde as aulas de história do audiovisual, onde entrei em contato com
o cinema noir, vi que era esse o gênero mais interessante do ponto de vista dramático, pois
implica em personagens e tramas mais complexos, pistas e pontos de virada bem estruturados.
Tendo filmes como O Falcão Maltes, A Dama de Shangai e Cidadão Kane como principais
referências, comecei a delinear o roteiro do Projeto Trapézio.
O gênero noir carrega características muito bem definidas sobre seu mecanismo
de funcionamento dramático, através do uso de voice over, o narrador – personagem, em 1a.
Pessoa, como em “A Dama de Shangai”, ou em 3a. Pessoa, como em “Cidado Kane”, criando,
com isso, uma narrativa de caráter psicológico e proporcionando as bases para uma estrutura
investigativa, circular, uma vez que, mesmo quando narrado em 3.a pessoa, não se tem uma
onipresença do narrador, deixando elipses na trama, que movem a narrativa baseada na
tentativa de reconstrução do enigma . Como SHATZ (1981) diz,
“Thus Kane, like many other noir classics (…) employs a circular dual-
time structure. The cinema-present investigation is set in motion by an
enigma – generally a crime but in this instance, a single word – initiating
the reconstruction of events in cinema past. The end result of this
narrative strategy is not simply to explain or demystify the enigma, but
also to set a tone of fatalism which will underscore the inexorable
destiny of the principal characters. No one, especially the detective-
observer who eventually reconstructs the past, can affect that destiny”
O caráter fatalista do gênero, também colaborava com a situação que eu
gostaria de criar, uma estrutura que fosse ao mesmo tempo aberta, por ser interativa, mas que
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também fosse fechada, por ser mais controlável do ponto de vista dramático e de produção. O
destino dos personagens noir está traçado, como sabemos desde o inicio, o que não esgota
nossa necessidade, enquanto espectadores, de vivenciar aquela história, uma vez que tantos
buracos são deixados, tantas pistas e sugestões para que se possa reconstruir a trajetória
fatídica dos personagens. São justamente os enigmas que movem a narrativa adiante, segundo
TELOTTE (1989)
“ However, with a narrative that is fully narration (about voice-
over), I would suggest, the fiction is actually “full of holes” from the
start, threatened, as our experience becomes one of constant
suspense or tension. Some films noir, for example, seem to “advance in
a rectilinear fashion”, after the pattern of most classical narratives , but
they actually describe a circular pattern, as if they represent but one
more variation in an endless round of speculations about past. And
while they might also suggest a rational effort at containing, shaping,
and controlling unsettling memories – those words and images
surfacing from the narrator's psyche – they also hint at a force of
desire, driving the psyche, in a Freudian repetition mechanism, to dwell
on the pains and pleasures of the past.”
Em “Cidadão Kane” acompanhamos tal circularidade da estrutura através da
heterogeneidade de “sub-narradores”, personagens interrogados pelo detetive, que
contribuíam, cada um através de uma história, para delinear a personalidade de Kane. Essa
multiplicidade de pontos de vista sobre um mesmo personagem, ou fato, trabalha dentro da
esfera da dupla “pista e recompensa”, na qual se baseia não somente o gênero noir, mas todo
o gênero narrativo. Com a multiplicidade de pontos de vista, aumentam-se as pistas ao mesmo
tempo que também aumenta a dúvida, através de contradições geradas por diversos
depoimentos, aumentando portanto, o numero de “buracos” a serem preenchidos para se ter
uma compreensão da trama. Quanto mais dúvida o detetive, ou o espectador, tem, mais ele se
envolve na trama a fim de resolvê-la.
Logo, percebi que o mais interessante seria trabalhar essa questão dos
múltiplos pontos de vista, como ferramenta narrativa e base para a interatividade proposta
20
pelo Projeto Trapézio. Como já dito anteriormente, eu tinha em mãos uma sinopse de
radionovela criada para a disciplina de Roteiro de Rádio, onde um detetive ia a um circo
investigar a morte do trapezista, como num clássico roteiro noir. Trabalhando sobre o mesmo
fato, a morte do Trapezista, resolvi trazer este personagem “de volta a vida” para acompanhar
em tempo cronológico os pontos de vista dos personagens da trama, mas de modo que não
houvesse nenhum tipo de onipresença dos personagens – como o Trapezista ser um narrador-
personagem vindo do além, ou a presença de um detetive. Fiz o tempo da narrativa sair de
uma reconstrução do passado, como nos filmes noir, para ser um acompanhamento do
presente dos personagens, desenvolvendo as situações em paralelo, e criando condições de
colocar, assim, o espectador no papel de detetive, que observa esses múltiplos pontos de vista
a fim de criar sua versão da história. Esse é o ponto de partida para a construção de uma
narrativa interativa, segundo MEADOWS (2002):
“ interactive narrative is, in many ways, about the proccess of
narration and its implied perspectives, but as we noticed before,
interactivity fractures the perspectives of the individual author, places
new perspectives in the hands of the readers, and accomodates a
relationship between reading and writing. In developing interactive
narrative, the plot has to accommodate a more flexible structure that
allows for multiple perspectives into multiple viewpoints, each of which
work together to assemble an overall and cohesive worldview, or
opinion.”
Estruturalmente foram desenvolvidos quatro roteiros, um para cada
personagem (Anão, Contorcionista, Equilibrista e Trapezista), com duração média de 7
minutos cada um, e que, por falta de nomenclatura mais adequada, serão daqui em diante
tratados por “episódios”. Eles foram pensados de maneira que houvessem o mesmo número
de cenas e que a curva dramática dos personagens fosse similar, ou seja, em cada episódio, as
cenas tem as mesmas funções dramáticas. Com isso foi possível construir a multiplicidade de
pontos de vista, alinhavando pontos em comum temporalmente, de modo a criar paralelismo e
diversas possibilidades de interação entre os episódios. Todos os episódios são constituídos de
7 cenas, esquematizadas temporal e espacialmente conforme a tabela:
21
A multiplicidade de pontos de vista no Projeto Trapézio foi trabalhada
a partir de pequenas mudanças em falas e ações que são comuns a dois ou mais personagens.
Como a narrativa se desenvolve paralelamente, cada ponto de vista sendo um “episódio” de
um personagem, e, portanto, a maioria das situações sendo representadas em mais de um
episódio, era óbvio que as falas e ações não poderiam ser exatamente iguais em episódios
diferentes, uma vez que cada um corresponde ao ponto de vista de um personagem. Foi,
portanto, preciso desenvolver as situações – e suas variações – de acordo com a personalidade
de cada personagem e como este enxergaria sua relação com o outro. Por exemplo:
EXEMPLO DO ROTEIRO CENA ENSAIO
ROTEIRO EQUILIBRISTA
4. INT. PICADEIRO – DIA
Equilibrista está sobre os ombros de
Contorcionista. Ensaiam.
22
Fig.7 Visão estrutural das 4 linhas narrativas
EQUILIBRISTA
Pelo menos ele sente mais ciúmes de
mim que você. Eles se desequilibram e
caem no colchão.
CONTORCIONISTA (bravo)
É. Ele também é mais rico, mais
talentoso. Ainda não consegui entender
o que você tá fazendo aqui.
EQUILIBRISTA (chorando)
Só queria conversar. Se não for com
você, vai ser com quem?
CONTORCIONISTA
Tá, tudo bem. Desculpa. Eu sei que
você tá confusa.
EQULIBRISTA
Achei que você fosse me ajudar...
Você sempre me ajudou.
CONTORCIONISTA
Acreditar nesse idiota não vai
ajudar em nada. Tenho certeza que ele
tá enganando todo mundo. Se depender do
Anão, ele toma conta daqui. Aí o circo
pega fogo.
23
EQUILIBRISTA
Ele não faria nada sem falar
comigo. Né? O circo é da minha
família... A gente namora...(pausa)
Filho-da-puta!
CONTORCIONISTA
E vai saber se nessas viagens ele
não conheceu outra equilibrista?
Equilibrista encara Contorcionista,
surpresa.
ROTEIRO CONTORCIONISTA
4. INT. PICADEIRO – DIA
Contorcionista ensaia, sozinho.Equilibrista chega e sorri.
Aproxima-se e começa a ensaiar junto com Contorcionista. Ela
anda sobre uma corda a mais ou menos um metro do chão,
equilibrando diversos objetos. Ele se contorce de várias
maneiras, os braços passando perto da corda da Equilibrista,
sem tocá-la. Às vezes ele pára em determinada posição e a
observa. Enquanto isso, conversam.
EQUILIBRISTA
O Trapezista é muito ciumento... E
ele, que vive viajando e não fala pra
onde...
CONTORCIONISTA
O que ele disse?
24
EQUILIBRISTA
Ciúmes. Mas essa história do número
solo que me irrita. A gente é uma dupla
de sucesso. A gente tem uma história.
CONTORCIONISTA
O que mais que o desgraçado disse?
EQUILIBRISTA
Desgraçado também não. Ele é um
homem bom. Às vezes fala coisas que eu
não quero ouvir, e outras que não quer
falar, mas isso é normal. Quem não tem
ciúmes?
Eles se desequilibram e caem no colchão.
EQUILIBRISTA
O problema não é o Trapezista,
ficar com ciúmes. Eu até gosto.
Contorcionista se levanta, agitado. Sua vista está um
pouco embaçada.
EQUILIBRISTA
Isso tudo vai valer a pena. Eu te
disse, lembra?
25
CONTORCIONISTA
Lembro (irônico), lembro de muita
coisa, inclusive que eu já te disse que
esse cara é um filho-da-puta e está se
dando bem às suas custas. Você se
entrega a ele a troco de nada.
Equilibrista tem lágrimas nos olhos. Começa a borrar a
maquiagem.
EQUILIBRISTA
Não gosto quando você fala assim.
CONTORCIONISTA
Mas eu falo. Te trata que nem puta.
E você gosta. Aposto que nessas viagens
aí ele arrumou foi outra mulher. E tá
te passando pra trás. Essa história do
solo é só o começo.
EQUILIBRISTA(chorando muito)
Mas você sabe que eu ainda gosto de
você.
Contorcionista se aproxima de Equilibrista e a abraça por
um tempo. Beija seu rosto, passa a mão sobre seus cabelos.
CONTORCIONISTA
Desculpe. Eu te amo.
26
Na cena do roteiro da Equilibrista vemos uma personagem que, embora
ainda manipuladora, está fragilizada pela situação e tenta obter algum conforto e apoio de
Contorcionista, a pessoa mais próxima a ela e em quem mais confia. Na cena do roteiro do
Contorcionista, vemos a mesma situação de ensaio, e a conversa se desenvolve de maneira
muito similar nos dois roteiros, com a diferença que neste roteiro, Equilibrista aparece como
uma mulher mais manipuladora e Contorcionista, mais desequilibrado, mais revoltado com
aquela mulher que, visivelmente o manipula, mas pela qual é completamente apaixonado e,
por ela, faria qualquer coisa. Sua raiva explosiva é mais um indicio de sua culpa na morte de
Trapezista. Assim como, no roteiro da Equilibrista vemos uma personagem fragilizada, que
ouvindo Contorcionista , tem sua duvida em relação à Trapezista aumentada, motivando cada
vez mais uma possível vingança.
A multiplicidade de pontos de vista vem, portanto, somar informações à
trama, de modo que o espectador-interator tenha sua curiosidade cada vez mais alimentada.
Este, percebendo que suas ações de interação o levam a novos caminhos, que somam à
compreensão geral da trama, será mais motivado a fazê-lo, num ciclo continuo de interação,
conforme MEADOWS (2002):
“The input should create output and the output should create
input. It's the interactivity cycle's abbility to add information that defines
the interactivity's quality. The response(..)should be quickly enough for
the user to have a clear sense of what change he is affecting on the
system. (…) the input should facilitate more input. And the input should
provide the user with a new capability. As this happens, the line
between stimulus and response thins. And as the line thins, the depth
of immersion increases.”
Em um primeiro momento, os pontos de interação pensados, eram baseados
em objetos, ações ou palavras específicas (como as palavras em negrito que aparecem nos
trechos de roteiro mostrados acima). No entanto, isso não se mostrou eficiente na pós-
produção (como falarei mais adiante), pelos mais variados motivos, como problemas com o
material captado ou mesmo a inadequação com as possibilidades técnicas oferecidas pela
plataforma escolhida , o middleware Ginga.
27
O projeto foi inicialmente pensado como uma narrativa interativa genérica,
não levando em conta, no processo de roteirização, que a escolha da plataforma de interação
era de fundamental importância para a definição do modo como a interatividade iria surgir no
roteiro. Mas o paralelismo criado entre os roteiros permitiu que a interatividade fosse sempre
possível, mesmo que não mais baseada em pontos tão específicos, pois a estrutura modular
destes, com as cenas pensadas como blocos de ação e temporalidade, permite a livre
navegação entre elas.
Meadows (2002, p.39) classifica as estruturas narrativas em três: nodal plot,
modulated plot e open plot, onde a primeira seria também compatível com as narrativas
lineares clássicas, dando mais suporte ao arco dramático que à interatividade e a ultima seria
uma estrutura completamente aberta, onde o interator pode navegar de maneira aleatória, o
que permite interação total, mas não suportaria uma estrutura mais controlada de narrativa.
No caso do Projeto Trapézio, podemos classifica-lo como uma
estrutura do tipo “Modulated Plots”, segundo esquema de MEADOWS:
28
Fig.10 Estrutura do tipo Modulated Plot
Fig.9 Estrutura do tipo Open Plot
Fig.8 Estrutura do tipo Nodal Plot
“modulated plots are plots that still support the dramatic arc, this
time to a lesser degree, but do not necessarily dictate the order of
events that are being followed. Transitions may be made to an earlier
point in the story and time can often be looped back on itself. This is a
challenging plot to develop because it represents a middle ground and
compromise between two trends in design. (…) modulated plots will,
ideally, provide a reader with the option to bore straight through and
avoid interaction, or to take a more leisurely route and increase the
interactivity and participation”
A compreensão final da obra se dá, portanto, diferentemente para cada
espectador, de acordo com os diferentes caminhos narrativos que este pode optar por seguir.
Como navegação em meio a uma base de dados, usando definição de Lev Manovich
(Manovich, 1998) , a narrativa interativa deve conter todas as possibilidades combinatórias de
signos (ou situações dramáticas), mas também deve propiciar significados sem o
conhecimento de todos os signos, conforme atualiza GOSCIOLA (2003)
“ o roteirista pode prever as trajetórias do usuário. Mas o autor, o
designer, enfim, o coordenador geral da obra, já previu que o usuário
poderá percorrer qualquer caminho da obra porque todas as
possibilidades de caminhos entre conteúdos estão disponíveis. Porém,
a compreensão final da obra por parte de quem a utiliza não será
resultado do conhecimento de todos os conteúdos e da experiência de
trilhar todos os links. Em geral, o usuário não toma conhecimento de
todos os conteúdos.”
O espectador do Projeto Trapézio poderá ter uma compreensão e
interpretação da história sem necessariamente ter passado por todos os caminhos narrativos
possíveis, até mesmo sem interagir em nenhum momento, assistindo a um episódio de cada
vez, como se assistisse a quatro curta-metragens. A chave do projeto – e de todas as narrativas
deste tipo – é justamente não preencher todas as lacunas, levando o espectador, uma vez que
29
tenha chegado à ultima cena de um episódio, recomeçar a vivenciar a história a partir de um
novo ponto de vista.
Os roteiros são todos dramaticamente simples, pois a complexidade e
nuances de relações são dadas pela interação com os outros pontos de vista (episódios de
outros personagens), como visto nos trechos dos roteiros de Contorcionista e Equilibrista,
exibidos acima, onde vemos situações iguais sob pontos de vista diferentes. Para criar tais
nuances, senti a necessidade de me embasar em um passado mais sólido dos personagens, de
maneira que mais elementos fossem agregados a construção dramática. Assim, escrevi as
biografias dos personagens e a história do circo, inspirada pelas narrações iniciais do filme
Amelie Poulain ou ainda o trecho inicial de Macunaima. Naturalmente vi a necessidade de
que tais textos fizessem parte da obra final, uma vez que muitas informações poderiam ser
acrescentadas ao processo interpretativo e um novo tipo de interação dentro da obra poderia
ser explorado, fazendo do Projeto Trapézio uma obra mais completa em termos de tipos de
interatividade.
Gostaria de ressaltar a principal característica desse roteiro: a de contemplar
um tipo mais dinâmico e orgânico de narrativa, na medida em que a interatividade ocorre
durante as cenas, ao invés ser uma escolha de caminhos, como em uma narrativa interativa
mais convencional, onde o fluxo de vídeo pára, esperando uma interação do espectador. A
narrativa do Projeto Trapézio, assim, vai sendo construída de forma mais fluida, sendo a
interatividade parte inerente do processo de construção e interpretação da obra.
A partir do longo processo de roteirização e concepção da estrutura básica
de uma narrativa interativa, foi necessário pensar como a Direção iria trabalhar essas diversas
questões, aliando questões estéticas e práticas na construção de um produto audiovisual
interativo.
Dadas as bases conceituais e estruturais do Projeto Trapézio, trataremos a
seguir do processo de produção e programação da obra interativa.
4.1.2 A Direção
O Projeto Trapézio é, antes de tudo, minha proposta de trabalho de
conclusão de curso em Direção, disciplina na qual me especializei, ao lado do percurso
30
formativo em Fotografia dentro do Curso Superior do Audiovisual. Minhas motivações para
realizá-lo, no entanto, partiram muito mais de uma pesquisa de linguagem aliada ao
desenvolvimento tecnológico do que de uma habitual pesquisa estética em cinematografia.
Desde a concepção da ideia, passando pelo desenvolvimento do roteiro e, posteriormente, na
finalização e programação da interatividade, meu papel foi além da direção, participando do
processo de edição de imagem e som e, principalmente, da arquitetura da programação e da
concepção do design de interação, disciplina nova e urgente em um produto audiovisual
interativo. No presente capítulo abordarei questões relativas ao processo de direção
cinematográfica em seu papel ao conduzir um filme interativo, e de que maneira tais questões
devem ser trabalhadas à luz de novas premissas tecnológicas.
A estrutura interativa da narrativa trouxe preocupações estéticas específicas.
Senti a necessidade de diferenciar visual e dramaticamente cada ponto de vista, de maneira
que ficasse claro ao espectador-interator qual ponto de vista ele estava acompanhando. Sem
tais diferenciações, a interatividade talvez fosse vista como mera interferência e confusão
narrativa, já que o fruidor não poderia estabelecer uma base cognitiva consistente para ter
claro o que suas ações implicavam narrativamente, para poder continuar a interagir com a
obra.
A partir de conversas com o fotógrafo, Paulo Serpa, definimos que cada
personagem teria uma cor característica para que a mudança de ponto de vista no momento da
interação fosse rapidamente percebida, mesmo porque haveria a possibilidade da interação se
dar entre situações iguais em episódios de personagens diferentes, como no exemplo de
roteiro apresentado anteriormente. Já no material bruto captado, esse tratamento de cor
(captado com temperaturas de cor diferentes e com o uso de gelatinas de correção e de efeito)
realmente se mostrou um facilitador para diferenciar os pontos de vista . Com a correção de
cor na pós produção, ficou claro que essa opção estética serviria como ferramenta de
compreensão dramática para qualquer suporte interativo escolhido.
Também foi definido que os enquadramentos seriam diferentes, bem como o
posicionamento dos atores, em situações iguais de episódios diferentes. Criando assim, uma
mesma situação de diálogo, mas com claras mudanças de ponto de vista. Tudo isso aliado às
nuances de fala e ações dadas nos roteiros.
31
A decupagem das cenas foi feita pensando em um esquema básico de
masters : geral, plano médio e plano próximo. Por conta do grande volume de material que
teríamos que captar e o tempo reduzido, tal esquema se mostrava mais adequado, mesmo que
apontasse para um menor rigor estético. A locação do trailer, de dimensões muito reduzidas,
também nos obrigou a mudar alguns enquadramentos, geralmente menos eficientes do que os
pensados durante a decupagem inicial do roteiro.
32
Fig.12 Ep. Equilibrista - Cor Rosa.
Personagens afastados, diálogo frio.
Fig.13 Ep. Anão - Cor Amarela.
Personagem sozinho no enquadramento,
em contraplongè
Fig.14 Ep. Trapezista - Cor Azul.
Enquadramento enfatiza força de
Trapezista sobre Anão
Fig.11 Ep. Contorcionista - Cor Verde.
Personagens próximos, cúmplices
Fig.15 Decupagem previa PC
com personagens e fots Fig.16 Plano Sequência previa Fotos e Maleta no mesmo enquadramento
Fig.17 PC com personagens não enquadra
fotos
Fig.18 Plano da maleta
A decupagem previa grande destaque aos objetos “maleta” e “fotos”, ambos
dispostos sob a bancada de Equilibrista, em seu trailer. Porém como se pode observar, o
espaço da locação era muito limitado, deixando as fotos e a maleta escondidas atrás de
Trapezista. Só podemos vê-las nos planos detalhe, que no entanto não configuram uma
alternativa tão eficiente visualmente. Com a trilha sonora, pontuamos falas e cortes, de
maneira a destacar elementos visuais com elementos sonoros, como foi o caso do diálogo
mostrado acima, do episódio do Trapezista.
Ainda foi preciso pensar em enquadramentos diferentes dentro do trailer,
pois tínhamos que construir três cenários diferentes na mesma locação, o trailer da
Equilibrista, o do Contorcionista e o do Anão. Mesmo por conta das limitações espaciais,
filmar em locação foi certamente melhor do que reconstruir um trailer em estúdio que, apesar
de poder proporcionar um set mais espaçoso e silencioso, seria inverossímil.
O plano de filmagem era baseado principalmente nas cenas de situações
iguais de episódios diferentes que, mesmo com pequenas mudanças, tinham basicamente os
mesmos set-ups, por exemplo os diálogos entre Anão e Contorcionista sob os dois pontos de
vista (Scenes 2A e 2C da tabela a seguir).
33
Fig.19 Trailer de Equilibrista Fig.20 Trailer de Contorcionista
Fig.21 Trailer de Anão
Apesar de set-ups de câmera parecidos, havia mudança na luz e na arte,
além de diálogos diferentes, para caracterizar a diferença de ponto de vista. Porém essa
redução da decupagem aos masters, por conta de locações pequenas e do ritmo corrido de
gravações (aproximadamente 28 páginas de roteiro filmadas em 7 dias) gerou muita
dificuldade durante a edição, principalmente pela insuficiência de planos detalhe que eram
importantes no roteiro, onde eram previstas interações, como “caixa de fósforo” e maleta,
como exemplificado anteriormente com relação ao episódio do Trapezista.
A partir dessa questão, soluções foram vislumbradas na pós-produção que,
inclusive, conferiram maior sentido ao produto final. Por questões técnicas, a interatividade
deveria ser baseada em situações dramáticas e falas (baseada no tempo), e não mais em
objetos, como também previa o roteiro, e isso certamente conferiu maior unidade e sentido às
indagações sobre narrativa interativa propostas desde o início dos trabalhos. Falarei mais
sobre isso adiante.
O esquema de filmar em masters também favorecia a atuação, uma vez que
as cenas eram gravadas por inteiro. Isso foi importante pois, como a atuação previa mudanças
de tom em situações iguais, de episódios diferentes, como um diálogo entre Equilibrista e
Trapezista, nos seus respectivos episódios (como no plano de filmagem anterior, Scenes 2E e
2T), dificultaria muito o trabalho do ator se, além de controlar as nuances da interpretação,
ele ainda tivesse que fazer isso fora da ordem cronológica, como normalmente ocorrem as
gravações.
34
Fig.22 Trecho do Plano de Filmagem
No processo de ensaio com os atores, o produtor de casting Danilo Gambini
foi de grande contribuição para o início dos trabalhos, trazendo como primeiro exercício as
cenas que se repetiam em episódios diferentes, sem deixar isso claro aos atores. Estes também
recebiam indicações diferentes sobre a personalidade do seu personagem e sua relação com o
outro. A cena que se seguia era uma improvisação baseada na mescla de ações e reações,
diferentemente interpretadas pelos atores. Dessa maneira foi possível evidenciar aos atores
que estes não interpretariam um único personagem, mas um personagem multifacetado, com
comportamentos diferentes para cada ponto de vista dos outros personagens. Tais mudanças
ficam claras em situações de forte embate entre eles, como nas conversas entre Equilibrista e
Contorcionista e na briga entre Trapezista e Contorcionista.
No episódio de Contorcionista, Equilibrista está próxima a ele, cúmplice e
sorridente. Já no episódio de Equilibrista, ela está afastada e demonstra certa frieza e
isolamento. Com isso, sob ponto de vista de Contorcionista, eles são amantes e sua história
com Trapezista é um empecilho, ao passo que sob o ponto de vista de Equilibrista,
Contorcionista não importa, ela está mais preocupada com Trapezista (e sua dúvida em
relação ao comportamento deste é o que a levaria a querer se vingar). Já nas duas imagens que
se seguem, vemos Contorcionista na cena em que confronta Trapezista. Sob seu próprio ponto
de vista, ele está acuado, com postura arquejada e mãos presas. Já sob o ponto de vista de
35
Fig. 23 Ep. Contorcionista. Amantes e
cúmplices.
Fig.24 Ep. Equilibrista. Relação fria entre o
casal
Fig.25 Ep. Contorcionista. Personagem na
defensiva
Fig.26 Ep. Trapezista. Contorcionista ataca.
Trapezista, Contorcionista representa uma ameaça, encarando-o física e verbalmente. Da
mesma maneira, seguiram-se as interpretações de todos os personagens em seus respectivos
episódios e nos outros, de acordo com suas relações, sempre criando nuances mas mantendo
sua história fundamental clara. Anão controla o circo, Contorcionista ama Equilibrista,
Equilibrista quer se dar bem; Trapezista, por sua vez, é envolto em mistério, ficando claras as
suas motivações apenas em seu próprio episódio: ele quer tirar o Anão da história, ficando ele
encarregado do circo, além de casar com Equilibrista. Foi importante a construção de
Trapezista como esse personagem outsider e misteriosos, sobre o qual não podemos fixar uma
opinião ou delinear traços mais claros de suas motivações; assim, é aumenta-se o suspense e
abrem-se as portas para uma interpretação mais aberta e até mesmo polêmica sobre seu papel
de vítima ou algoz.
A cena final da história condensa todas as tensões desenhadas ao longo dos
episódios, e foi a mais complexa – e completa- em termos de direção, pois além das questões
estéticas já mencionadas ao longo deste capítulo, foi o momento em que a decupagem da
ação, no sentido mais clássico de cinematografia, foi extremamente importante. É o ápice da
história e do suspense narrativo; é onde todos os elementos tinham que ser arranjados para
aumentar o mistério, ao invés de solucioná-lo. Na cena final (que também é a primeira
imagem de cada episódio), vemos o desfecho da trama: o Trapezista caído no picadeiro. A
premissa narrativa (ao longo do filme e também a premissa para a interatividade) é, portanto,
baseada na pergunta: “o que levou a isso?”.
Ao longo dos quatro capítulos, acompanhamos algumas das motivações dos
personagens para quererem matar Trapezista – e também, sob o ponto de vista deste, do
porque ele se vingar da trupe. Em cada episódio vemos elementos diferentes que podem ter
sido a causa do assassinato o que, num geral, evidencia o caráter de obra aberta buscado pelo
roteiro, uma vez que tais elementos trazem mais riqueza de interpretação sem,
necessariamente, levarem a solução do mistério.
O primeiro elemento a ser considerado na dinâmica desta cena final, é o
personagem do “Homem Estranho”, que aparece em todos os episódios. Sob o ponto de vista
de Equilibrista, assistimos o personagem Homem Estranho conversando com Trapezista,
enquanto que nos outros três episódios vemos que tal personagem, já sentado na platéia,
empunha uma arma. A construção espacial da ação foi essencial para a verossimilhança do
desfecho da história, possibilitando a ambiguidade de interpretação sobre causas e vítimas.
36
A planta-baixa refere-se a decupagem do episódio do Trapezista. Nela,
podemos ver a localização espacial de cada personagem na ação. Anão é representado pelo
círculo amarelado à direita, Trapezista pelo círculo azul ao centro, ao lado de Equilibrista, em
Rosa. Contorcionista está na parte superior, representado pelo círculo verde, próximo de onde
estaria o personagem Homem Estranho, quando sentado na platéia, representado por um
círculo preto.
A partir dessa dinâmica espacial, foi possível construir diversas relações.
Como a locação era muito grande (o picadeiro de um circo) e a figuração era
proporcionalmente pequena, optei por uma decupagem clássica, baseada em planos médios,
reforçando as relações pela direção de olhar, planos e contraplanos, que se mostraram muito
eficientes na construção espacial e do clímax da ação. Assim, foi possível construir as
seguintes situações:
1. Trapezista contatou Homem Estranho para matar Anão ou Equilibrista
37
Fig.27 Planta baixa da cena final
Fig.28 Ep. Trapezista - "Homem
Estranho" e Trapezista se cumprimentam
Fig.29 - Ep.Equilibrista - Ela vê Homem
Estranho e Trapezista
2. Anão também contatou Homem Estranho para matar Trapezista
3. Contorcionista, ao ver Homem Estranho com uma arma, intercepta-o, podendo ter causado
tanto a morte de Trapezista, como também o tiro sofrido por Equilibrista.
4. Equilibrista coloca veneno na água que dá para Trapezista:
5. Anão vê Homem com a arma e apaga luz.
38
Fig.30 Ep.Anão - Ele vê Homem
Estranho chegando
Fig.31 Ep.Anão - Anão gesticula
para Homem Estranho
Fig.32 Ep.Anão - Homem
Estranho acena para Anão e
Contorcionista vê
Fig.33 Ep.Contocionista - Ele "ataca" Homem
Estranho
Fig.34 Ep. Equilibrista - Ela coloca algo na
água
Fig.35 Ep.Equilibrista - Ela entrega água
à Trapezista
Fig.36 Ep.Anão - Ele vê Homem Estranho
com a arma
Fig.37 Ep. Anão - Ele desliga o quadro de
luz
6. Equilibrista vê graxa na escada que leva ao trapézio e Contorcionista tem graxa nas mãos.
Todos os elementos contribuem para o enriquecimento dos pontos de vista,
arquitetando um conjunto complexo de informações que o espectador só poderá atingir se
interagir.
A intenção com esta cena final, portanto, é a de instigar o espectador a
assistir novamente a história para entender o que aconteceu, uma vez que, por exemplo,
assistindo ao final de Equilibrista, não vemos o Homem com a arma e nem a relação deste
com Anão. E somente no final do Anão vemos Equilibrista ensanguentada, com um anel nas
mãos. Com tantos elementos de mistério a mais, isso é ainda um convite àqueles que não
interagiram durante o filme a assistirem novamente a história e tentar interagir, já que isso
sugere uma maior compreensão dessa trama.
A interatividade aparece como condutora da construção dramática, atuando
como comentário ou contraponto às ações anteriores à interação. Tal desenho de
interatividade ficou absolutamente claro para mim durante o processo de montagem, onde
vimos que a justaposição de diálogos sob dois pontos de vista trazia uma enorme gama de
interpretações diferentes a respeito dos personagens e da história. A função da direção foi,
portanto, construir esse universo complexo de modo a engendrar o maior número possível de
nuances dramáticas e visuais para que o espectador fosse envolvido cada vez mais na história
e que isso o levasse a interagir.
39
Fig.38 Ep.Equilibrista - Ela vê graxa na
escada
Fig.39 Ep. Equilibrista. Ela olha para
Contorcionista
Fig.40 Ep.Equilibrista - Ela vê
Contorcionista limpando as mãos
Fig.41 Ep. Contorcionista - Ele limpa as
mãos
4.2 Pós-produção
4.2.1 Montagem
A ideia de ter um montador diferente para cada personagem surgiu após as
filmagens visando distribuir o trabalho, pois era muito material, e carregar ainda mais na
diferenciação entre os “episódios” dos quatro personagens. Convidei, para isso, os alunos da
turma de 2004, Nina Senra, Thiago Ozelami e Maria Claudia Chapini, que acabou fazendo
deste projeto seu TCC em montagem. O quarto editor ainda era Maria Fernanda Camargo, da
minha turma, ao inicio do processo de montagem. Porém, por conta de seu tempo restrito para
se dedicar à montagem, o episódio do Contorcionista começou a ser montado também por
Arrigo Araújo, produtor do projeto, mas por conta de sua ida à Berlim, eu assumi a montagem
do episódio do Contorcionista ao final do processo.
O início dos trabalhos foi demorado, até chegarmos a uma organização do
material que facilitasse a comunicação entre os editores. Todos deveriam ter todo o material
bruto do filme, organizados da mesma maneira. Assim era possível apenas nos enviarmos os
projetos de Final Cut , por e-mail, para que conseguíssemos assistir aos cortes uns dos outros,
sem termos necessariamente que nos reunirmos fisicamente para isso.
Os episódios foram montados como quatro curta-metragens, cada editor
ficando responsável por um personagem, o que se mostrou extremamente enriquecedor no
trabalho da multiplicidade dos pontos de vista. Fazíamos reuniões quinzenais, assistindo a
todos os episódios e as conversas que se seguiam era extremamente proveitosas, pois cada vez
mais ficavam claras as intenções e motivações de cada personagem, “defendidos” por seu
editor, e a construção da multiplicidade de pontos de vista se deu de forma muito orgânica.
A visão de um episódio enriquecia a de outro e, assim, pudemos inclusive
suprimir algumas falas, como num processo normal de edição, onde o roteiro é retrabalhado.
Porém, neste caso, não poderíamos mudar as cenas de lugar, pois elas estavam ligadas
temporalmente, restringindo o trabalho do montador, já que a interatividade prevista baseava-
se nesse paralelismo temporal e na estrutura das cenas. A única exceção que fizemos quanto à
40
mudanças na estrutura foi no episódio da Equilibrista, o que não causou nenhum problema
estrutural-temporal com os outros episódios mas conferiu maior sentido a trajetória desta
personagem. No roteiro, Equilibrista discutia com Contorcionista em uma cena; na seguinte,
Anão aludia à sua briga falando que a tinha visto chorando, e na próxima a víamos chorando,
sendo este seu ponto de virada dramático, após discussão com Contorcionista e conversa com
Anão. Porém ficava estranho Anão mencionar seu choro sem que o tivéssemos visto,
principalmente porque ela choraria logo depois. Neste caso, uma elipse tão habitual (ela teria
chorado depois da briga com Contorcionista e voltaria a chorar depois da conversa com Anão)
não funcionava, causando um estranhamento temporal. Assim, invertemos as cenas 5 e 6 do
episódio da Equilibrista sem prejuízo para a estrutura temporal geral do projeto.
O trabalho maior foi sempre o de ressaltar características e informações que
se viam em um episódio e que não seriam vistas em outro. E o formato interativo foi de fato
tomando mais consistência ao longo do processo de edição, pois eram visíveis as nuances de
pontos de vista e a história era cada vez mais assimilada pelos editores.
A interatividade esteve sempre norteando a edição, e lembro de situações
em que percebíamos que cortar uma fala de uma cena enriqueceria o mesmo diálogo na
mesma cena, em outro episódio. Fomos lapidando os episódios, de modo a chegar numa
duração e ritmo satisfatórios e também com uma quantidade de “lacunas” ou links possíveis.
Foi certamente durante o processo de montagem que a estrutura interativa
foi de fato surgindo e se desenhando, mesmo porque, como sabemos, o material filmado é
sempre muito diferente do que está previsto no roteiro e, neste caso, uma situação que, a
princípio, parecia limitadora, dada a estrutura rígida que tínhamos em mãos, se mostrou
também muito didática. Primeiro porque nos fez assistir e reassistir o material, deixando-nos
a certeza de que a questão do paralelismo temporal estava bem estruturada e era claramente
em que deveríamos nos basear para a criação da interação. Segundo porque ficou óbvio que
uma narrativa interativa deve ser a priori escrita e pensada a partir da linguagem em que será
programada (neste caso em Ginga-NCL Lua), uma vez que esta é determinante, como
veremos mais para frente.Vale ressaltar que os episódios foram montados como se fossem
quatro curta-metragens pois deveriam fruir como tal, já que a possibilidade não-interação por
parte do espectador deve sempre ser levada em conta. Portanto, mesmo sem interação dentro
da narrativa, o espectador pode fruir uma obra completa.
Uma vez finalizado o processo de edição dos episódios, começamos, eu e os
41
demais editores, a repensar quais os links possíveis entre um episodio e outro, uma vez que
falas apontadas no roteiro como propícias a interação caíram e outros links foram visualizados
por nós. Cada editor trouxe anotações específicas de seu episódio e, cruzando as informações
e opiniões de todos, determinamos as interações.
4.2.2 (Re)pensando os pontos de interatividade
A opção de desenvolver o projeto para TV Digital Interativa foi sempre uma
possibilidade, mas a definição por esse meio foi tomada apenas ao longo da etapa de edição
dos vídeos. Era de extrema importância para a edição saber o que era possível e o que não era,
como, por exemplo, o som de uma cena invadir a outra.
Durante o processo de montagem eu ainda estava estudando as
possibilidades de linguagem, e a principio queria ter feito a programação em JAVA, para a
internet, onde, usando o mouse, o interator poderia descobrir a interatividade na tela, de forma
muito intuitiva. Essa dinâmica funcionava para as situações em que a interatividade foi
pensada para aparecer nos objetos, mas por questões narrativas achamos que tais links não
seriam fortes o suficiente e tão pouco começou a montagem, abandonei a ideia de interagir
através dos objetos, mantendo a temporalidade paralela como grande link entre os
personagens.
Com a definição da linguagem de programação como sendo Ginga - NCL,
toda a interatividade foi repensada, pois agora tínhamos um meio concreto para orientar e
ditar o modo como a narrativa interativa seria construída. Nesse processo, foi de suma
importância a contribuição do orientador, Prof. Dr. Almir Almas, cujos estudos sobre TV
Digital e colaboração no desenvolvimento do middleware Ginga trouxe ao projeto a solidez
necessária para a concretização da interatividade. Como eu não tinha conhecimento algum de
programação e da linguagem NCL, e do que esta poderia me oferecer, foi a partir da
orientação do Prof. Almir que pude começar a visualizar e trabalhar, ainda na montagem, a
interatividade.
A primeira questão a ser considerada foi a divisão dos quatro episódios em
cenas. Tal requisito se deu ao fato de que a linguagem Ginga-NCL, que trabalha com objetos
de mídia, somente permitiria a criação da interatividade se tivéssemos as mídias
independentes umas das outras, demandando, inclusive, a criação de tantas mídias quantos
42
fossem os pontos de entrada de interação (conforme explicarei detalhadamente adiante).
A partir disso, algumas questões cruciais foram levantadas:
Como seria a transição de uma cena para a outra, se o episódio seria
composto de várias mídias e não de uma mídia única ?
Poderíamos determinar um ponto de saída, ou seja, um ponto
específico de interatividade ou teríamos que esperar o fim de cada cena?
A primeira preocupação dos editores foi justamente pelo conflito entre a
linguagem cinematográfica e a adaptação para um novo formato, que requeria modificações
técnicas em detrimento de “regras” estéticas. Estas, pressupõem a intersecção entre os sons
das cenas adjacentes, falas e trilhas que permeiam o fim de uma cena e avançam sobre a
próxima, servindo não só como transição suave mas até como comentário, o que aconteceu
num dos primeiros cortes do episódio do Trapezista, por exemplo. Porém, transição das cenas
no Projeto Trapézio, dentro de um mesmo episódio, ou seja, seguindo o fluxo narrativo
normal, deveria ser em corte seco e de modo que o som, tanto o som direto quanto trilha
sonora, não invadisse as cenas adjacentes, pois cada cena deveria constituir um arquivo de
vídeo independente, a transição ficando sob responsabilidade da programação, e não mais do
fluxo narrativo.
Com relação à segunda questão, ela surgiu justamente por conta das
restrições técnicas levantadas acima. Se era necessário separar os episódios em cena, quer
dizer que a interatividade só seria acionada ao fim do arquivo?
Não. Explico: Foi necessário dividir os episódios em cenas e links de
entrada de interatividade porque a linguagem Ginga-NCL permite o controle de saída dos
vídeos, mas não o de entrada. Determinar o tempo (timecode) em que o programa deveria
validar se houve interação ou não para abortar o vídeo que estava sendo exibido e iniciar o
próximo, é possível. Mas não é possível dizer ao programa: “exiba a mídia X a partir do
timecode 01:22”, por exemplo. Por isso a subdivisão das cenas em tantos arquivos quantos
fossem os links de entrada de interações. Falarei mais sobre isso adiante, na seção reservada à
programação.
Uma vez esclarecidas essas questões para os montadores, e já com os
episódios de cada personagem montados, pedi ao grupo que fizessem uma lista de potenciais
links (pontos de interatividade) dentro de cada episódio. A partir dessa lista, fizemos uma
reunião e chegamos a um primeiro esboço de links, baseados somente nas falas. Foi uma
43
decisão importante, uma vez que era necessária uma unidade estética para guiar o espectador
dentro da obra. Se a interatividade fosse feita hora baseada numa fala, hora baseada num
objeto, essa unidade se perderia. E vimos que fazia muito mais sentido que os links fossem
baseados em situações dramáticas, já que o projeto é uma narrativa e não um conjunto
aleatório de vídeos interativos. A interatividade é, portanto, parte integrante da construção
dramática da narrativa. E foi articulada para ser sempre um comentário, um contraponto, algo
que leve a narrativa adiante, trazendo mais informações ou aumentando o mistério da trama.
Vou exemplificar através do diagrama e da tabela abaixo. A tabela completa das interações
pode ser vista nos Anexos desta tese.
Cabe aqui uma explicação sobre a nomenclatura dos arquivos, para que se
possa compreender melhor o diagrama (Fig.42) e a tabela (Fig.43) que seguem. Eles foram
nomeados seguindo o padrão: Nº da cena/Episodio/Link de entrada da cena. Por exemplo: 1A
é a cena 1 do episódio do Anão, e 1A1 é a cena 1 do episódio do Anão a partir do seu primeiro
link de entrada (depois do seu inicio normal), assim como a 1A2 é a partir do segundo link de
entrada. Abaixo temos um diagrama que mostra a estrutura geral do projeto. As linhas
horizontais encabeçadas por 1A, 1C, 1E e 1T referem-se aos quatro episódios, em seu fluxo
normal. As chaves que saem das linhas horizontais indicam para que cena está sendo feita a
interação, ou seja, os pontos de saída da mídia. As linhas vermelhas representam os pontos de
entrada, por exemplo, ao longo da cena 1A vemos dois traços vermelhos: o primeiro
representa 1A1 e o segundo 1A2. Assim, quem começa assistindo por 1C, por exemplo, e
escolhe interagir para o Anão, vai assistir a cena 1A1, que tem início a partir do timecode
00:09;05 (em relação ao início natural, 1A)
44
Fig.42 Estrutura das cenas e interações.
Onde cada linha horizontal iniciada pelo numero 1 refere-se a um
“episódio” de um personagem, totalizando quatro episódios lineares, mas com inúmeros
desdobramentos. Como se pode observar, o espectador pode seguir o episodio linearmente
passando da cena 01 à cena 02 e assim por diante. As bifurcações mostradas indicam para
qual cena o espectador será direcionado caso interaja, e os traços vermelhos indicam que ali
são pontos de entrada de interações vindas de uma cena externa. Com o presente diagrama
também é possível observar a maneira como a interatividade foi pensada, baseada em links
que fazem sentido narrativo.
Agora, à luz do diagrama acima, podemos entender a tabela abaixo, onde a
interatividade está indicada não só por timecodes mas, principalmente, por pontos dramáticos.
Na cena 1T, vemos um link de saída (LINK OUT) para a cena 07E_01, no
momento em que Trapezista abre a maleta, ou seja, se o espectador optar por interagir
previamente, quando chegar no momento “maleta aberta”, a cena 01T deixa de ser exibida e
então vemos a cena 07E, a partir do ponto de entrada 01, que não corresponde ao início
normal da cena, mas sim ao momento em que Equilibrista abre a maleta de Trapezista, como
podemos ver abaixo em LINK IN , em azul 01T_OUT_01.
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Fig.43 Links IN e OUT do Ep. Trapezista
Nesse exemplo de interação dado, podemos observar uma possibilidade
interessante, que é uma “armadilha” para o espectador ao mesmo tempo que serve como
gancho dramático, concentrando toda a ação dramática no objeto Maleta, alvo de grande parte
do mistério da trama. Levando o espectador da cena 01T, onde ele apenas viu o personagem
caído no chão e chegando ao circo; e, com a interação, corta para Equilibrista abrindo a
mesma maleta, a luz apaga, ouve-se o tiro e vemos Trapezista caído novamente, sob outro
ponto de vista. A maleta, ao mesmo tempo que serve como “armadilha” interativa (pois mal
começa o filme, ele já termina), reforça o mistério envolvendo Trapezista, Equilibrista e a
Maleta, servindo quase como uma sinopse do filme e, com certeza, levando o espectador a
recomeçar a assistir a história. Assim como em outros momentos, falas mencionando a mesma
maleta são pontos de interatividade (2E_OUT_01 para 03T_01) reforçando sua importância
na trama, que na verdade funciona quase como o objeto vazio dos filmes noir, como o falcão,
de O Falcão Maltês, onde a trama se move ao redor de um objeto que não tem importância
nenhuma na verdade, ele é apenas um pressuposto para entrar num submundo de crimes,
dentro de uma sociedade corrupta. Sinto que é necessário aqui um esclarecimento:
anteriormente eu havia dito que a interação não seria mais baseada em um objeto, porém a
maleta é, de fato, um objeto dramático e não apenas elemento visual como “cigarro”, “caixa
de fósforos” ou “câmera” que aparecem em negrito nos roteiros indicando pontos de
interação. Interação essa que, inicialmente, seria acionada através de um ícone overlay dos
46
Fig.44 Links IN e OUT do Ep. Equilibtista
objetos na tela, se fossemos utilizar outra linguagem de programação, como o JAVA ou
FLASH. Mas, como eu disse, e vale reforçar, essa restrição do Ginga-NCL (que não nos
permitiria a criação dos ícones de tal maneira, em overlay, e que fosse eficiente) nos levou a
optar por pontos de interação baseados em situações dramáticas, ou seja, ancoradas em um
timecode, que possibilita a programação dos ícones e dos pontos de saída das mídias. Assim,
ganhamos muito em construção dramática, possibilitando situações como a da maleta descrita
acima e outras, de grande importância para o desenvolvimento da narrativa interativa.
Um exemplo de interação como ferramenta dramática, é na cena 02T, onde
Trapezista e Equilibrista discutem. Equilibrista questiona Trapezista sobre seu número solo,
enfatizando com a fala “Você não confia mais em mim”, ao que, quando acionada a interação,
o espectador é transportada à cena 01E_01 onde vemos Equilibrista e Contorcionista na
cama, seminus, planejando sobre quando ela deveria terminar o namoro com Trapezista. Aqui
vemos uma das muitas interações neste sentido, de comentário, levando o espectador a criar
um panorama muito mais amplo sobre a trama, onde Equilibrista deixa de ser vítima de
traição (pois Trapezista anuncia que não vai mais se apresentar com ela, e sim em um número
solo) e passa a ser traidora, já que está na cama com outro homem.
Estamos falando, portanto, de um conceito de narrativa não-linear elevado à
sua máxima potência, onde o fluxo: início, desenvolvimento, clímax e solução é composto por
módulos, que são reconstruídos pelo espectador. Se, no início do cinema, Griffith surgiu com
a montagem paralela, quebrando a linearidade narrativa em busca de uma forma mais rica de
contar uma história; e Eisenstein e Pudovkin falaram sobre a justaposição de planos, gerando,
através de conflito, a formação de um terceiro conceito mais complexo, a interatividade hoje
vem para retomar e ampliar tais conceitos dentro da narrativa. Esta, não é mais produto da
montagem centrada na figura do montador e do diretor cinematográfico, mas cada vez mais
está colocada nas mãos do espectador, que pode operar diversos módulos de mídia
independentes, de modo a recriar a narrativa sob vários pontos de vista, agregando
significados a cada interação, a cada justaposição de elementos de mídia, que comentam uns
aos outros e complementam a compreensão da narrativa.
É nesse momento de reflexão estética que se inserem as problemáticas
relativas a essa nova etapa que se apresenta na produção de uma obra audiovisual, agora
interativa. O trabalho de reflexão realizado pela direção e durante a montagem tem que ter em
vista os fatores de transformação dessa narrativa composta por arquivos de vídeo em um
47
sistema de dados, justamente como levantou MANOVICH (1998), sobre a navegação dentro
de um sistema simbólico de representação, e resume ALMAS (2009), no que se refere a essa
nova etapa de finalização, que compreende outros procedimentos, cada vez mais algorítmicos.
“A etapa de acabamento do produto que se realiza na finalização
ganha novos contornos, pois toda a produção de vídeo e áudio tem de
ser agora transformada em dados para conversar com um sistema
cibernético construído para gerar e possibilitar a interatividade. Nesse
novo arranjo, além das questões de engenharia de software, já citadas
acima, processos e procedimentos de engenharia de sistema (…)
deverão conviver com procedimentos tradicionais de pós produção
audiovisual. O que se entrega como produto final vai além de imagem e
som (…). Entregam-se dados empacotados, organizados e integrados.
Nesse aspecto, a pós-produção terá de falar de middleware, de
aplicativos e de sistemas cibernéticos. Quer dizer, a pós produção será
o momento de integração de todo o sistema interativo.”
Sendo assim, trataremos daqui por diante do processo referente a essa
nova etapa de finalização, desde o design thinking até a programação final do produto.
48
4.3 O Design e o Design da Interação
Ao longo do projeto, uma disciplina foi ganhando importância cada vez
maior, tanto que vejo necessária a sua discussão nessa monografia. Falo do design, no qual se
destaca o design da interação, ou seja, do desenho das interfaces, dos ícones, da disposição
dos elementos de mídia e interação na tela e o planejamento da ação do usuário e como este
interpreta os elementos visuais que lhe são mostrados. De mero coadjuvante, parte da
finalização de produtos audiovisuais (no desenvolvimento de letterings e opening titles), o
designer ganha cada vez mais importância dentro da cadeia de produtos interativos.
O design de interfaces interativas vem se desenvolvendo largamente ao longo
dos últimos anos e o que se observa é uma crescente facilidade das pessoas em manusear
recursos interativos. Se num primeiro momento a interface deveria ser invisível, hoje ela é
parte inerente do processo comunicativo, e mais, objeto de desejo, como demonstra
MANOVICH (2006). Dado isso, podemos pensar que a interatividade não é mais “estranha”,
ela é já esperada e talvez por isso mesmo, seja possível pensar uma narrativa interativa como
um produto possível, uma vez que a presença de ícones numa tela, justapostos a outros
elementos audiovisuais é cada mais gerenciável pelos espectadores e usuários. Pouco tempo
atrás ainda era difícil pensar a interatividade na TV como algo plausível, que os espectadores
saberiam usufruir. Hoje, é uma realidade.
Regra geral, a interface deve ser clara e amigável, uma vez que a interação é
a ferramenta para a fruição da obra, e não um fim em si mesma. A própria pré-disposição dos
botões coloridos que vemos nos controles remotos atualmente já indicam uma interface que
abrange navegações mais simples, com apenas um toque, como colocar legenda em
programas televisivos, por exemplo, e com a qual a maioria dos telespectadores já está
habituada.
A linguagem Ginga-NCL também prevê o uso dos botões coloridos, setas
direcionais e botão “OK”, como se observam na maioria dos controles remotos que oferecem
interação, todos esse relativos às operadoras de televisão a cabo.
49
Por ser uma obra audiovisual experimental, foi necessária a criação de uma
introdução explicativa para que o espectador saiba como irá funcionar a interatividade -
através do uso dos botões “OK” e coloridos, e das setas direcionais - e seja instigado a acioná-
la. Nesse vídeo “menu inicial”, além do tutorial de usabilidade temos uma breve sinopse da
história, tudo isso contado pelo Trapezista, construindo, assim, desde o princípio, uma
unidade estética que deixa o usuário mais confortável diante da interface, uma vez que já
familiarizado com seus elementos visuais e dramáticos (Fig.47).
50
Fig. 47 - Menu Inicial explica a interação nos botões
coloridos
Fig. 45 A tela inicial do emulador do Ginga, com as
instruções de correspondêcias dos botões Fig.46 O Set Top Box e o controle remoto
Foram criados “botões” auto-explicativos, formados por uma animação e o
nome do personagem para onde será feita a interação (Fig.50), e sua seleção aciona um ícone
de “TEMPO”, indicando ao espectador-interator que sua ação teve um resultado (Fig.51).
Cabe aqui falar sobre a escolha do formato, pois relaciona-se intimamente com
o design da interação. Como sabemos, uma das principais inovações da TV Digital é a
transmissão de vídeo em alta definição. A captação dos vídeos do Projeto Trapézio foi feita
em HD 1280X720 pixels, mas a finalização e programação em Ginga levou em consideração
o formato 4X3, padrão NTSC. Em primeiro lugar, isso se deve ao fato de que, inicialmente, a
máquina virtual onde rodava a aplicação só trabalhava com formatos standart 640X480 (hoje
ela já suporta a resolução 1280 X 720 pixels). Isso foi interessante, pois nos levou a deslocar a
área de vídeo para cima, dividindo a chamada “região de tela” em duas, uma atribuída ao
51
Fig. 48 - Historia do Circo e botões para biografias dos
personagens
Fig.49 - Página 1 da Ficha Técnica
Fig.50 - Icones de interação durante uma cena Fig.51 - Após interação, aparece ícone de
"tempo"
vídeo (em formato widescreen) e outra aos ícones, ocupando a região abaixo do video,
totalizando, assim, uma configuração de tela 4X3. Tal disposição também foi mantida para a
exibição do conteúdo extra “história do circo” e as “biografias dos personagens”, uma vez que
neste caso os ícones indicam qual biografia se quer acessar. Aqui, a navegação é pensada de
maneira intuitiva, e as setas direcionais do controle remoto, para esquerda e direita navegam
pelos personagens, possibilitando a escolha da biografia que se quer acessar , enquanto as
setas verticais fazem o “scroll” do texto apresentado. Os ´Icones coloridos exibidos na parte
superior da tela indicam ao espectador outras possibilidades de interação, que deve ser feita
através do botão colorido (ver Fig. 48.).
Pensar a disposição de ícones na tela e a maneira como as informações irão
aparecer é primordial, e deve ser feita logo no início do processo de concepção da obra. Neste
caso, a aprendizagem se deu por tentativa e erro, esbarrando inúmeras vezes em limitações da
linguagem escolhida, que não suporta arquivos .gif animados nem .mov em alpha, o que nos
fez testar muitas vezes os ícones dos personagens. A melhor opção para a programação seria
usar um arquivo .gif animado, uma vez que para usar o arquivo .mov teríamos que programar
um loop em tal arquivo, enquanto esse não tivesse sido selecionado, ao passo que o arquivo
.gif necessitaria de uma programação muito mais simples, porque única.
O design de interação é fundamental nesse processo, na medida em que a
estrutura do código determina o desenvolvimento de ícones e vice-versa. No caso dos
conteúdos extra isso fica claro, já que foi preciso pensar que o espectador sairia do filme para
acessar o conteúdo extra através do botão colorido. No contexto extra, as setas seriam usadas
para navegar pelas biografias e não poderiam ser usadas para outra função; o espectador
poderia acessar um conteúdo extra e voltar ao filme, ou navegar entre vários conteúdos extra
através dos botões coloridos, portanto, não sobravam alternativas de botão para fazer o
espectador voltar ao contexto “filme” a não ser apertando o mesmo botão colorido do
conteúdo visualizado. Para que isso ficasse claro, foi necessário inserir na parte superior de
cada texto, os ícones coloridos explicativos, indicando o que acontece caso o espectador
aperte cada um dos botões coloridos . Ao mesmo tempo, tal decisão implicou necessariamente
na estruturação da programação em nós de contexto, que serão pausados e resumidos quando
acionados os botões coloridos, que explicarei logo a seguir.
O design de interação vem, portanto, unindo produção de conteúdo e
programação, sendo a ponte fundamental entre estética, usabilidade e desenvolvimento.
52
4.4 O trabalho com o Ginga
4.4.1 O Ginga-NCL
O desenvolvimento do aplicativo do Projeto Trapézio foi feito em parceria
com o colega Thiago Afonso de André, que já tinha prévio conhecimento em linguagens de
programação, e sob orientação do Prof. Dr. Almir Almas, orientador deste projeto, que
inicialmente nos ensinou os procedimentos de programação com o Ginga-NCL e o uso das
ferramentas Composer e Eclipse; e colaboração do Prof. Dr. Valdecir Becker, que nos instruiu
e esclareceu dúvidas sobre a linguagem Ginga-NCL.
Penso que cabe aqui uma introdução teórica de conceitos fundamentais do
Sistema Brasileiro de Televisão Digital, constituído de normas e definições que padronizam o
desenvolvimento e a transmissão de aplicações interativas para a TV Digital Brasileira,
através do Ginga, middleware padrão brasileiro que está presente nas caixas conversoras (set
top boxes) e aparelhos televisivos e possibilita a tão esperada interatividade na TV Digital.
Com o início das transmissões digitais de televisão em 2007, passa-se a transmitir através das
mesmas ondas eletromagnéticas dados, que são agrupados, codificados e, posteriormente,
decodificados nos receptores, gerando fluxos de vídeo e áudio e ainda um fluxo de dados.
Para a interatividade ocorrer é preciso haver, portanto, um middleware instalado nesse
receptor.
Para explicar melhor o assunto, farei uso de literatura conceituada sobre o
tema, expondo, nas próximas páginas uma colagem de definições sobre o Ginga e a
linguagem NCL, visando o embasamento do leitor para compreender os relatos de
desenvolvimento do Projeto Trapézio.
Segundo SOARES (2009),
“Middleware é a camada de software localizada entre as
aplicações (programa de uso final) e o sistema operacional. Seu
53
objetivo é oferecer às aplicações suporte necessário para seu rápido e
fácil desenvolvimento, além de esconder os detalhes das camadas
inferiores, bem como a heterogeneidade entre os diferentes sistemas
operacionais e hardwares, definindo, para os que produzem conteúdo,
uma visão única do aparelho.”
De acordo com o portal Ginga.org:
“Ginga® é o nome do Middleware Aberto do Sistema Nipo-
Brasileiro de TV Digital (ISDB-TB) e Recomendação ITU-T para
serviços IPTV. Ginga é constituído por um conjunto de tecnologias
padronizadas e inovações brasileiras que o tornam a especificação de
middleware mais avançada. O middleware aberto Ginga é subdividido
em dois subsistemas principais interligados, que permitem o
desenvolvimento de aplicações seguindo dois paradigmas de
programação diferentes. Esses dois subsistemas são chamados de
Ginga-NCL (para aplicações declarativas NCL) e Ginga-IMP (para
aplicações seguindo uma linguagem imperativa).”
O Ginga-NCL é obrigatório, enquanto a parte procedural é optativa. Hoje, a
parte procedural é o Ginga J (JAVA) e foi implantado após uma longa discussão sobre
royalties, discussão essa que não se aplica ao Ginga-NCL, que é software livre. Sobre
linguagens declarativas e procedurais, SOARES (2009) esclarece:
“Uma aplicação declarativa é aquela em que sua entidade
“inicial” é do tipo “conteúdo declarativo”. Analogamente, uma aplicação
procedural é aquela em que sua entidade “inicial” é do tipo “conteúdo
procedural”. Um conteúdo declarativo é baseado (especificado) em
uma linguagem declarativa, isto é, em uma linguagem que enfatiza a
descrição declarativa do problema ao invés de sua decomposição
numa implementação algorítmica. (…) Nas linguagens declarativas, o
programador fornece apenas o conjunto de tarefas a serem realizadas,
54
não estando preocupado com os detalhes de como o executor da
linguagem realmente implementará essas tarefas.. Linguagens
declarativas resultam em uma declaração do resultado desejado, e,
portanto, normalmente não necessitam de tantas linhas de código para
definir uma certa tarefa. Entre as linguagens declarativas mais comuns
estão a NCL (Nested Context Language), SMIL e XHTML.”
O Ginga opera com dois sistemas: Ginga-NCL (declarativo) e Ginga-J
(JAVA, ou seja, procedural). O Projeto Trapézio foi realizado em Ginga-NCL, exemplificando
uma das grandes questões levantadas pelas normas do SBTVD, o acesso público não só no
que concerne as questões de conectividade e inclusão digital, mas, principalmente, o acesso
público à produção de conteúdo audiovisual e aplicações interativas. Segundo as palavras do
próprio Luiz Fernando Soares, o “pai do Ginga”, em recente entrevista ao Portal Terra
Magazine em 15 de agosto de 2011,
“Foi com esse enfoque que a NCL foi projetada: uma linguagem
simples e fácil de ser usada por não especialistas. Uma linguagem
simples, a ponto de permitir receptores de baixo custo sem, no entanto,
perder sua expressividade, sem limitar em nada a criatividade. Uma
linguagem simples, mas muito mais expressiva do que todas as outras
linguagens declarativas usadas em qualquer middleware para TV digital
existente até os dias de hoje. Também com essa concepção, foram
criadas as bibliotecas NCLua. Lua é hoje a linguagem mais usada no
mundo na área de jogos e entretenimento, mas parte de nossa indústria
de conteúdos parece ainda ignorar isso.”
Aplicações multimídia, interativas ou não, trabalham com objetos de mídia,
sincronizados espaço e temporalmente, servindo como linguagem de “cola” entre os diversos
elementos de mídia, que permite a definição de seus sincronismos, segundo Normas ABNT
NBR 15606-2:2007:
55
“Um documento NCL apenas define como os objetos de mídia
são estruturados e relacionados no tempo e espaço. Como uma
linguagem de cola, ela não restringe ou prescreve os tipos de conteúdo
dos objetos de mídia. Nesse sentido, pode-se ter objetos de imagem
(GIF, JPEG etc.), de vídeo (MPEG, MOV etc.), de áudio (MP3, WMA
etc.), de texto (TXT, PDF etc.), de execução (Xlet, Lua etc.), entre
outros, como objetos de mídia NCL. Quais objetos de mídia são
suportados depende dos exibidores de mídia que estão acoplados ao
formatador NCL (exibidor NCL). Um desses exibidores é o
decodificador/exibidor MPEG-4, normalmente implementado em
hardware no receptor de televisão digital. Dessa forma, o vídeo e o
áudio MPEG-4 principal são tratados como todos os demais objetos de
mídia que podem estar relacionados utilizando NCL.
Durante a exibição do conteúdo de objetos de mídia são
gerados vários eventos. Alguns exemplos são a apresentação de parte
do conteúdo de um objeto de mídia, a seleção de parte do conteúdo de
um objeto etc. Os eventos podem gerar ações sobre outros objetos de
mídia, como iniciar ou terminar suas apresentações.”
Para falar sobre a estrutura de funcionamento da linguagem, tomemos a
explicação de HERWEG FILHO (2009):
“NCM, Nested Context Model, é um modelo conceitual para
representação e manipulação de documentos hipermídia que podem
ser aninhados formando estruturas contextualizadas. É neste modelo
que a linguagem NCL, Nested Context Language, se baseia.
NCM é fundamentada no conceito de nodos e links, onde os
nodos representam toda a informação e os links representam a relação
entre os nodos, ou a maneira como a informação está organizada,
formando, assim, estruturas que podem ser representadas por grafos.
Os nodos, aqui também chamados de “nós”, e links, também
chamados de “elos”, são as entidades base do modelo.
56
Existem dois tipos de nós:
– Content Node (nó de conteúdo) ou media node (nó de
mídia): Este tipo está associado a um elemento de mídia ou conteúdo,
seja o elemento um arquivo de imagem, texto ou até mesmo um
fragmento de outra linguagem Lua ou Java.
– Composite node (nó de composição) ou context node
(nó de contexto): Um nó de composição contém um conjunto de nós,
que podem conter tanto nós de mídia como outros nós de contexto,
recursivamente, formando, assim, estruturas aninhadas com vários
níveis de contexto.
Na figura, pode-se observar o aninhamento de nós. Cada
capítulo e seção representam um nó de informação, sendo que o
capítulo representa um nó de contexto e a seção nós de conteúdo. As
seções estão aninhadas nos capítulos, tornando visível a diferença
entre os tipos de nós. Também seria possível que o nó representado o
capítulo 2 estivesse inserido no nó que representa o capítulo 1,
formando o aninhamento de nós de contexto.
Para estabelecer o relacionamento entre nós, é necessária a
criação de elos que são agrupados nas bases de elos pertencentes aos
nós de composições, os elos estão representados pelas ligações entre
os nós. Como veremos adiante, um elo faz referência a um conector
hipermídia e a um conjunto de associações, denominados na
linguagem de binds.
57
Fig.52 Aninhamento de nós
O relacionamento entre as partes internas do conteúdo de um
nó é feito através de pontos de interface, que podem ser uma âncora
ou uma porta.
A Fig. 52 acima apresenta esses dois importantes conceitos:
– Port (Portas): São pontos de interface de um contexto,
não são usadas em nós de conteúdo. Servem de acesso ao conteúdo
de um contexto, especificando um mapeamento para um ponto de
interface de um dos nós internos do contexto. Na figura estão
representadas pelos círculos na borda dos nós de contexto (capítulos).
– Anchor (Âncoras): São pontos de interface para nós de
mídia ou contexto representando um subjconjunto marcado de
unidades de informação do conteúdo. Os tipos de âncoras variam de
acordo com o tipo de conteúdo do nó. No caso de um nó de mídia
representado por um texto, por exemplo, uma âncora poderia ser uma
palavra, e em um nó de mídia representado por um arquivo de áudio,
poderia ser um determinado intervalo de tempo da música.
(…) De uma maneira geral, as portas e âncoras são os acessos
externos de cada nó.
Uma ideia mais aprofundada sobre os conceitos vistos até agora
e outros é visível na figura:
Ela introduz dois novos conceitos de NCM:
– Connector (Conector): Um conector representa uma
relação entre nós sem especificar quais nós fazem parte do
relacionamento. Um conector define como os nós são ativados e que
ações executam. Um conector é a peça que determina a dinâmica do
modelo. Cada conector define os papéis (roles) que os nós de origem e
de destino exercem nos elos que utilizam o conector. No Ginga-NCL, o
sincronismo é feito por mecanismos de causalidade e restrição que são
definidos nos conectores.
– Role (Papel): Eles definem condições de ativação e as
ações que devem ser realizadas com a sua ativação. O conector
exporta, através de papéis, as interfaces para que os objetos tomem
58
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Uma narrativa interativa para a TV Digital

  • 1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE CINEMA, RÁDIO E TELEVISÃO PROJETO TRAPÉZIO, uma narrativa interativa para a TV Digital Brasileira Marilia Fredini Alves São Paulo, 2011 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel no Curso Superior do Audiovisual sob a orientação do Prof. Dr. Almir Antonio Rosa 1
  • 2. Apresentação O desafio de fazer um filme interativo, baseada em pouco repertório e na certeza de que meu Trabalho de Conclusão de Curso deveria ser, antes de mais nada, uma proposta de abertura e expansão, mais do que uma simples conclusão, foi o que me motivou na época e é o que norteia ainda hoje minha pesquisa. A partir da proposta de interatividade, busquei questionar a própria criação audiovisual e seus objetivos estéticos e comerciais, com a crescente demanda de conteúdo para a internet e para a TV Digital Interativa, esta ainda em fase de experimentação. Questionar de que maneira nós, futuros profissionais desse mercado, podemos trabalhar as novas tecnologias de maneira a agregar valores estéticos, artísticos e conceituais à uma área que hoje em dia ainda é pouco explorada em âmbito acadêmico. O Projeto Trapézio nasce, portanto, dessa tentativa de propor uma narrativa de suspense como um potencial conteúdo interativo. Como o próprio nome diz, é um projeto, pois esta é uma discussão que apenas se inicia, e as possibilidades de interatividade são tantas quanto as incertezas sobre sua aplicabilidade e usabilidade, principalmente em obras ficcionais. Acredito que este estudo aponta caminhos interessantes para se repensar a criação audiovisual tendo em vista os novos suportes disponíveis e as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias. 2
  • 3. Sumário 1. Introdução 04 2. Interatividade e Hipermídia 06 3. A TV Digital Interativa 12 4. O Projeto Trapézio 18 4.1 O processo de criação 4.1.1 Da ideia ao roteiro 19 4.1.2 A Direção 30 4.2 Pós-produção 4.2.1 A Montagem 40 4.2.2 (Re)pensando os pontos de interatividade 42 4.3. O Design e o Design de Interação 49 4.4 O trabalho com o ginga 4.4.1 O Ginga-NCL 53 4.4.2 A estrutura do Projeto Trapézio 61 4.4.3 Dificuldades e Soluções 69 O Composer 69 O “Arquivo invisível” 70 Focus Index 70 MOV X GIFs Animados 71 Testando no Set Top Box 72 4.4.4 Testes de Usabilidade 73 5. Conclusão 76 6. Bibliografia 78 7. Anexos Roteiros Tabelas de Links Códigos NCL 3
  • 4. 1. Introdução A ideia para o trabalho de conclusão de curso é algo que já vem nos preocupando desde o final do terceiro ano de faculdade. Ainda sem nada que me inspirasse, comecei a reler antigos trabalhos didáticos e me deparei com uma radionovela que havia escrito para a disciplina optativa de Roteiro de Rádio, durante o segundo ano de curso. O suspense de inspiração Noir, tinha basicamente a mesma trama do Projeto Trapézio, com a diferença de que a radionovela era conduzida por um detetive que ia ao circo investigar a morte do trapezista. Este era apenas o morto, e não um personagem. O que era uma sinopse de radionovela poderia ser um bom roteiro para o trabalho de conclusão de curso e o mais esperado seria fazer disso um curta. Porém, a própria estrutura episódica da narrativa de radionovela me fez pensar que seria interessante explorar um formato ou um meio diverso do habitual curta-metragem. Nessa época, eu era estagiaria da TV USP, vivenciando uma experiencia audiovisual muito diversa daquela experimentada ao longo do curso. Na TV USP ajudei a desenvolver um novo programa, o Walk Talk Show, onde um aluno, estagiário da TV USP, fazia às vezes de repórter e caminhava pelo campus, entrevistando quem encontrasse pela frente. Como câmera e co-editora, além de co-criadora, pude ver o nosso projeto se transformar no carro chefe da programação da TV, que passou a ser mais conhecida pela comunidade uspiana, da qual recebíamos vários comentários e sugestões de lugares para visitar na USP, via e-mail e redes sociais. A abrangência do meio televisivo, aliado à dinamicidade da internet, na relação com o publico, me fizeram repensar o papel da televisão e das novas mídias em nossa sociedade, e no pouco contato que tive com isso ao longo do meu percurso acadêmico. A estrutura episódica da narrativa que eu tinha em mãos e seu caráter psicológico, ligado à multiplicidade de pontos de vista, foram elementos essenciais para o surgimento da ideia de um filme interativo, alimentado pelas referências vistas na disciplina de Mídias Interativas, ministrada pelo professor Almir Almas, que, por conta dessa disciplina 4
  • 5. e por sua trajetória ligada à televisão e videoarte, convidei para ser meu orientador nesse projeto, uma vez que certamente ele poderia ajudar mais na pesquisa e no desenvolvimento do projeto do que um professor mais ligado à área de narrativas clássicas. Minha ideia era justamente expandir conceitos, de forma a abranger as diversas possibilidades estéticas que surgem com o desenvolvimento das mídias e tecnologias digitais. Expandir o video e a televisão para a internet, usar a interatividade como nova ferramenta dramatúrgica, questionar a narrativa e a estagnação estética e conceitual da produção audiovisual brasileira nos dias de hoje. Não pretendo, portanto, com esta monografia, fazer uma análise aprofundada do uso da linguagem cinematográfica, enquanto diretora do projeto, nem me ater a questões técnicas e estilísticas como enquadramento ou ritmo da narrativa. Tais questões serão devidamente tratadas no que se refere às especificidades requeridas pelo uso da nova ferramenta e da linguagem interativa, que propõe novos desafios à poética audiovisual. Assim nasce o Projeto Trapézio, uma proposta de ficção interativa, com o objetivo de testar, por um lado, as possibilidades estéticas oferecidas por uma estrutura não-linear de narrativa e fruição da obra, e, por outro, a interface brasileira de interatividade para TV Digital, o middleware Ginga, gerando um dos primeiros estudos de usabilidade e aplicabilidade do mesmo em termos de linguagem audiovisual e o primeiro a usar essa tecnologia no Curso Superior do Audiovisual. 5
  • 6. 2. Interatividade e Hipermidia “Uma obra de arte interativa é um espaço latente e suscetível de todos os prolongamentos sonoros, visuais e textuais. O cenário programado pode se modificar em tempo real ou em função da resposta dos operadores. A interatividade não é somente uma comodidade técnica e funcional; ela implica física, psicológica e sensivelmente o espectador em uma prática de transformação” JULIO PLAZA Interatividade é o termo mais comum para descrever a comunicação humana contemporânea. Propagada por entusiastas da tecnologia, pela publicidade e pelos meios de comunicação de massa que buscam “inovar”, a interatividade parece ser o grande bem que as intermediações tecnológicas nos trouxeram ao final do século XX e começo de século XXI. Mas a história mostra que, antigamente mediada por palavras, hoje por softwares, a interação é o fenômeno essencial e primordial da comunicação humana. Para que ocorra um processo comunicativo, faz-se necessário que os interlocutores estejam inseridos em um mesmo contexto de enunciação (Manetti, 2008), onde eles se alternam no papel de enunciador. Manetti (2008, p.16) ainda sustenta que “ a função da comunicação é ligada à palavra, que é a atualização deste dado natural que é a linguagem (…) é somente na linguagem e mediante a linguagem que o homem pode constituir-se como sujeito”. A constituição do sujeito e, portanto da subjetividade, através da linguagem também se apresenta nas teorias cognitivas de TOMASELLO (2008) sobre as origens da comunicação humana, onde princípios como “common background” e “shared 6
  • 7. intentionallity” são base do processo comunicativo na medida em que, respectivamente: os sujeitos participantes tem um mesmo contexto psico/social e espaço/temporal; e condividem, através de uma forte concepção de “nós”, uma mesma intenção, ou seja, “eu e você estamos empenhados no mesmo assunto”. O contexto exerce, portanto, papel fundamental no processo comunicativo e no jogo de significados que nele se projetam. Segundo LEVY (1993), “o sentido emerge e se constrói no contexto, é sempre local, datado, transitório. A cada instante, um novo comentário, uma nova interpretação, um novo desenvolvimento podem modificar o sentido que havíamos dado a uma proposição (por exemplo) quando ela foi emitida (…) Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em minha mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos, mas também de imagens, sons, odores, lembranças (...)” Essa mutabilidade da interpretação relaciona-se com o amplo espectro de signos, símbolos e significantes que são trazidos pela memória dos interlocutores ao ato comunicativo, trazendo-nos, assim, ao hipertexto, cujas origens, segundo SANTAELLA (2007), “estão ligadas a essa analogia com o funcionamento da memória e podem ser encontradas nos trabalhos dos precursores Paul Otlet, Vannevar Bush, Douglas Engelbert e Ted Nelson. Foram esses pesquisadores que começaram a desenvolver os primeiros suportes para a ideia de um arquitexto, quer dizer, “um meio de acesso à informação através de vínculos associativos que unem um determinado assunto a outro sem a existência de uma hierarquia entre os tópicos.” A respeito do célebre artigo do matemático Vannevar Bush “As we may think?”, LEVY (1993) expõe as raízes do hipertexto e o protótipo idealizado pelo cientista em 1945, o Memex. “Ora, diz Vannevar Bush, a mente humana não funciona dessa 7
  • 8. forma, mas sim através de associações. Ela pula de uma representação para outra ao longo de rede intrincada, desenha trilhas que se bifurcam, tece uma trama infinitamente mais complicada do que os bancos de dados de hoje ou o sistema de informação de fichas perfuradas de 1945.” Reconhecendo não ser possível reconstruir o processo reticular onde se constrói a inteligência, Bush, ainda nas palavras de LEVY (1993) propõe que nos inspiremos nesse processo e, assim, introduz a ideia do Memex, dispositivo que nunca chegou a ser construído mas de cujo conceito derivou a terminologia “hipertexto”, cunhada por Teodor Nelson em 1974. Sobre o Memex, LEVY (1993) escreve: “Antes de mais nada, seria preciso criar um imenso reservatório multimídia de documentos, abrangendo ao mesmo tempo imagens, sons e textos. Certos dispositivos periféricos facilitariam a integração rápida de novas informações (…) O acesso às informações seria feito através de uma tela de televisão munida de alto-falantes. (…) Uma vez estabelecida a conexão, cada vez que determinado item fosse visualizado, todos os outros que tivessem sido ligados a ele poderiam ser instantaneamente recuperados.” E SANTAELLA (2007) complementa: “(...) deixou a ideia de um sistema pessoal de extensão da memória, que permitiria que seu usuário pudesse selecionar e armazenar caminhos associativos.” O hipertexto, portanto, trabalha com informações modulares, um conjunto multimídia de acesso não-linear. Obviamente vemos essa estrutura “profetizada” em meados do século passado, como algo indissociável de nossa forma de vida contemporânea, na figura, principalmente, da internet. Uma vez que tais módulos informacionais são cada vez mais constituídos 8
  • 9. não apenas por textos, mas por imagens, sons, vídeos etc, podemos chamar esse complexo de hipermídia, conforme define PLAZA: “A hipermídia, pois, é uma forma combinatória e interativa da multimídia, onde o processo de leitura é designado pela metáfora de “navegação” dentro de um mar de textos polifônicos que se justapõem, tangenciam e dialogam entre eles. Abertura, complexidade, imprevisibilidade e multiplicidade são alguns dos aspectos relacionados à hipermídia. A partir do momento em que o usuário pode interagir com o texto de forma subjetiva, existe a possibilidade de formar sua própria teia de associações, atingindo a construção do pensamento interdisciplinar.” Na relação comunicativa com estruturas hipermidiáticas vemos não só a mímese do nosso próprio fluxo cognitivo, mas, por conta dela, nossa busca e interpretação dos dados se torna mais rica, pois é constantemente alimentada por novas leituras, provenientes das sobreposições dos signos exibidos. Mas se agora falamos de dados, de fluxo de informação, de navegação livre por módulos, temos que problematizar o papel e a função do autor nesse panorama. Se o autor usa de seu estilo para expressar sua subjetividade, onde ele se coloca na criação de uma obra hipermidiática e interativa? Qual a relação que ele deve estabelecer com seu receptor se, por um lado deve convidá-lo à participação e construção da obra, mas por outro deve ainda deixar marcas de seu estilo e controlar a obra que, de maneira ou outra é fruto principal de sua subjetividade, antes de deixá-la ser fruto da subjetividade de outrem? A discussão sobre a morte do autor é de longa data e não pretendo desenvolvê-la aqui, mas penso que cabem ainda algumas reflexões a respeito, na medida em que o Projeto Trapézio busca se inserir justamente nesse contexto, trazendo uma narrativa interativa, permeando meios onde o autor é tão ou mais importante que a obra, como o cinema e a televisão. Numa narrativa interativa, ou em geral, numa obra de arte hipermidiática, segundo PLAZA, “(...) todos somos produtores-consumidores; ou seja, está indo 9
  • 10. solenemente por água abaixo a velha e renitente distinção entre quem faz e quem frui. Na chamada “textualidade interativa”, o que é operativo é a poética da obra aberta em campo eletrônico digital. Para Risério, o que está em questão é todo o eixo autor-obra-receptor, não a dissolução do “autor”. O autor providencia o espaço, a cartografia, mas cabe ao usuário traçar o seu percurso. Nada autoriza a dizer (parodiando McLuhan) que, assim como Gutemberg nos transformou a todos em leitores e a fotocopiadora nos converteu em editores, o computador pessoal está fazendo com que todos sejamos autores.” Não é uma navegação indiscriminada entre dados e informações, mas um complexo de elementos previamente pensados e interligados, situando, portanto, o Projeto Trapézio num ponto de equilíbrio entre o cinema de narrativa clássica e as tão teorizadas formas de narrativas interativas, onde as definições de espectador e autor estariam em cheque. Neste meio-termo de linguagem no qual nos inserimos, cabe ainda a definição de ECO (1968) “ A obra em movimento, em suma, é a possibilidade de uma multiplicidade de intervenções pessoais, mas não é convite amorfo à intervenção indiscriminada: é o convite não necessário nem univoco à intervenção orientada, a nos inserirmos livremente num mundo que, contudo, é sempre aquele desejado pelo autor.” Ou ainda, a respeito do processo interpretativo de tais obras: “os signos aparecem ligados por uma necessidade que apela a hábitos enraizados na sensibilidade do receptor (…) torna-se lhe, portanto, impossível isolar as referencias e deve colher a complexa replica que lhe é imposta pela expressão. Isso faz com que o significado do processo de compreensão nos deixe, ao mesmo tempo, satisfeitos e insatisfeitos por sua própria variedade. Dai voltamos à mensagem, já enriquecidos desta vez por um esquema de significações complexas que inevitavelmente puseram em jogo nossa memória das 10
  • 11. experiências passadas; a segunda recepção será, portanto, enriquecida por uma série de lembranças despertadas, que passam a interagir com os significados colhidos no segundo contato; significados que, por sua vez, já de inicio serão diferentes dos que foram realizados no primeiro contato, pois a complexidade do estimulo terá permitido automaticamente que a nova recepção se dê segundo uma perspectiva diferente, segundo uma nova hierarquia de estímulos. O receptor, voltando novamente sua atenção para o complexo de estímulos, terá posto desta vez em primeiro plano signos que, antes, havia considerado numa perspectiva subalterna e vice-versa. No ato transativo em que se compõem a bagagem de lembranças despertadas e o sistema de significados que emergiu da segunda fase, junto com o sistema de significados que emergiu da primeira (...), eis que toma forma um mais rico significado da expressão originaria. E quanto mais a compreensão se complica, tanto mais a mensagem originária – tal como é, constituída pela matéria que a realiza – em vez de gasta, aparece renovada, pronta para “leituras” mais aprofundadas.” O que chamamos hoje de interatividade é, portanto, a síntese de uma série de conceitos e sistemas desenhados pela evolução tecnológica e com bases sólidas no desenvolvimento do nosso próprio processo cognitivo. As interfaces hipermidiáticas são diversas e hoje podemos encontrar narrativas em livros, celulares, salas de cinema ou, objeto desse trabalho, na televisão, que ganha novos contornos com a digitalização, trazendo o acesso não-linear a informações e uma nova maneira de ver, pensar e fazer televisão. 11
  • 12. 3. A TV Digital Brasileira O Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), hoje ISDB-Tb, é fruto das pesquisas brasileiras, iniciadas ainda nos anos 90, e que testaram os três principais sistemas existentes (americano, europeu e japonês) e acrescentaram suas inovações. A partir dessas pesquisas, realizou-se acordo com o Japão, o que deu a base para a tecnologia que hoje é a base da TV Digital Interativa Brasileira (TVDI). O nosso sistema, ISDB-Tb, apresenta, entre várias mudanças, uma inovação primordial em relação àquele japonês: o uso do MPEG4 e o middleware Ginga, que permite a interatividade na TV Digital. As transmissões digitais no Brasil iniciaram-se em 2007, na cidade de São Paulo, e à esta época, uma grande parte dos programas na televisão brasileira já eram captados em HD, embora a transmissão ainda não fosse. A transmissão em alta definição de som e imagem é uma das características mais enaltecidas pelas emissoras, porém a principal inovação é, de fato, a interatividade, que vêm com o Ginga. Desenvolvido por pesquisadores brasileiros, o Ginga é, segundo palavras de um de seus criadores, SOARES (2009) “... é a camada de software localizada entre as aplicações (programas de uso final) e o sistema operacional. Seu objetivo é oferecer às aplicações suporte necessário para seu rápido e fácil desenvolvimento, além de esconder os detalhes das camadas inferiores (…) Esse papel confere à definição de “middleware brasileiro” grande relevo, pois, na prática é ele quem regulará as relações entre as duas indústrias de fundamental importância no país: a de produção de conteúdos e a de fabricação de aparelhos receptores.” Ou seja, é o que permite a leitura, dentro do Set Top Box (STB) (ou no caso de aparelhos de televisão que já venham com o Ginga “embarcados”) das aplicações interativas, ou não, enviadas pelas emissoras. Sendo seu subsistema “lógico” o Ginga-NCL, que processa os documentos NCL, uma linguagem declarativa de “cola” entre objetos de 12
  • 13. mídia. Definirei melhor essa parte técnica na seção desta monografia dedicada à exposição da etapa de programação do Projeto Trapézio. Por enquanto cabe ressaltar a importância tecnológica e política do desenvolvimento do Ginga, uma vez que a linguagem Ginga-NCL foi escolhida como padrão ITU-T para serviços de IPTV, ainda segundo Luis Fernando Soares, em entrevista ao Portal Terra Magazine em 15 de agosto de 2011. “Vale ressaltar que até hoje o ambiente Ginga-NCL é o único ambiente de middleware padrão para todas as plataformas IPTV, TV a cabo, TV broadband (TV conectada) e TV terrestre (TV aberta). Mesmo dentro do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), é o único padrão para todas as plataformas (receptores fixos, móveis e portáteis). (…) O Ginga teve uma repercussão muito grande internacionalmente. Principalmente no mundo científico. Foi quando a gente teve reconhecimento, quando a linguagem NCL foi escolhida como padrão para IPTV, a primeira vez que o País tem um padrão na área da tecnologia da informação e comunicação. Teve também repercussão no sentido de que a utilização da interatividade com a inclusão social seria muito importante e se começou a falar muito na TV interativa. Isso nunca iludiu a nós, pesquisadores. A gente sabia que não é assim de uma hora para outra que você transforma uma tecnologia em produto.” De 2007 a hoje, a TV Digital Brasileira, em termos de serviços, caminhou pouco. A transmissão em HD já está consolidada, apesar de ainda não hegemônica, pois trocar todo o parque de equipamentos analógicos para os digitais requer um investimento muito grande das emissoras, de uma lado, e dos telespectadores, de outro. Mas a alta definição está longe de ser a principal vantagem do ISDB-Tb. A interatividade, essa sim, é sua principal inovação, como vimos, mas para que chegue às casas dos telespectadores, três quesitos fundamentais devem ser preenchidos: a existência de um aparelho com Ginga (seja TV ou STB), um produto interativo que possa ser acessado e um canal de retorno. As emissoras dizem que não investem em interatividade por não ter aparelhos no mercado. Os fabricantes não produzem aparelhos pois não tem conteúdo. E o governo se ausenta ao não manter políticas públicas de subsídio à caixas conversoras, e no incentivo à pesquisa e 13
  • 14. desenvolvimento de conteúdo, isso sem falar na falta de pesquisa em soluções para um canal de retorno em larga escala e de baixo custo. Hoje, o panorama da produção audiovisual interativa para a TV Digital ainda é pequeno e insatisfatório no sentido da qualidade da interatividade disponível, e aplicados a formatos específicos e consolidados, como veremos a seguir. - Esportes (TV Globo/ Copa 2010 e Brasileirão 2011): A interatividade contempla informações sobre o campeonato ou números da partida. Não encontrei exemplos de seleção de ângulos de câmera. - Jornal da Band (Band/2011): Notícias e informações sobre os apresentadores. - O Aprendiz (Rede Record/2011): Biografia dos participantes, galeria de fotos e descrição das tarefas. 14 Fig. 1a Aplicativo Interativo Copa/2010 Fig.1b Aplicativo Interativo Brasileirão/2011 Fig.3 Aplicativo Interativo 'O Aprendiz 2011' Fig.2 Conteúdo interativo do Jornal da Band.
  • 15. - Portal de Interatividade (SBT): O SBT criou um padrão geral de interatividade, chamado de Portal. O vídeo é redimensionado e o conteúdo interativo é mostrado. Exibe notícias, grade de programação, enquetes e promoções. - Novelas (TVGlobo e Rede Record/2011): Em ambas observa-se o mesmo tipo de conteúdo interativo: apresentação dos personagens e da trama, e resumo de capítulos. Conteúdo aplicado sobre o vídeo. 15 Fig.4 Portal de Interatividade SBT Fig.6 Conteúdos interativos em 'Sansão e Dalila' (Record) Fig.5 Conteúdos interativos em 'Insensato Coração' (Globo)
  • 16. Segundo ANGELUCI (2011), tais exemplos de aplicativos são característicos de um “Estágio de Adornamento” da interatividade. “O que fica bastante perceptível é que, apesar dos aplicativos ainda serem versões-teste, ainda mimetizam muito do que já é realizado com sucesso no ambiente de PC ligado à internet ou dispositivos móveis. Da mesma forma que a televisão analógica levou alguns anos para identificar sua própria linguagem, separada das práticas do rádio, o mesmo parece acontecer com os conteúdos dos aplicativos para TV Digital. No entanto, observa-se que aplicações existentes se resumem a trazer conteúdos adicionais, síncronos ou não à programação, que possuem pouca relevância ao conteúdo audiovisual da programação. Restringem-se a enfeitar a tela da audiência com uma aplicação de interface até em certa medida bem feita, porém nota-se a preocupação de que ela não “atrapalhe” ou dificulte a visualização do conteúdo principal, seja ele informativo, seja ele publicitário.” É importante lembrar, ainda, a que veio a TV Digital no Brasil. Mais do que transmissão em alta definição de vídeo e áudio, mais do que resumo de episódios de novela, ela veio com a proposta do acesso público. De acordo com o decreto 5.820 do Governo Federal do Brasil de 30 de junho de 2006, citando ALMAS e JOLY (2009), “ o governo brasileiro pretende que através da televisão digital terrestre seja possível dar condições para a implementação de acesso público para a redução da desigualdade digital.” Tal questão é primordial na pauta do governo, prevendo acessos a serviços do SUS, como marcar consultas, por exemplo. Essa discussão, no entanto, esbarra em questões práticas muito importantes como o preço dos STB e a implantação dos canais de retorno, que permitem que o usuário envie informações via TV, sendo uma interatividade real (plena), possibilitando que o espectador seja também “exibidor”, carregando seus vídeos via 16
  • 17. IPTV, por exemplo. Creio, portanto, que a questão do acesso público vai além, se referindo também à produção de conteúdo. E isso não apenas relativo ao envio de vídeos pelo canal de retorno. O potencial da TV Digital está intimamente relacionado à produção de aplicativos interativos, uma vez que a linguagem declarativa Ginga-NCL permite que usuários com pouca instrução em programação realizem documentos NCL e produtos audiovisuais interativos. No Projeto Trapézio, o foco da pesquisa está justamente no trabalho com a linguagem Ginga-NCL e a produção de uma obra audiovisual realmente interativa. A proposta, aqui, não é apenas uma apropriação de linguagem, mas uma reflexão sobre as possibilidades estéticas que esta oferece. Como visto nos exemplos acima, de aplicativos interativos que as emissoras atualmente exibem, a interação é ainda superficial e local, gerando conteúdos “extras” ao conteúdo principal. A interatividade na TV Digital deve ser encarada como expressão dos caminhos da hipermídia e evolução natural dos meios de comunicação, como SANTAELLA (2007) salienta “Piscitelli (2005, p.142) fala de três etapas no cultivo das audiências televisivas. Uma época de canais únicos, de franjas horárias precisas, de programas de alto consenso e homogeneização. Depois, chegaram emissoras como a CNN e a MTV com um ritmo claro de dispersão e compartimentação. Enfim, vieram os reality shows com um intercâmbio cada vez mais fluido entre a tela e a sala das casas. Para ele, a pós-televisão seria a fase interativa máxima da televisão, em cuja tela, segundo Squirra (2005, p.84), em que hoje assistimos unicamente a programas televisivos gerados na “cabeça da rede”, passarão a ser visualizados as chamadas telefônicas, os e-mails, o correio de voz, as multicâmeras, etc.” Sendo assim, a TV Digital preconiza o desenvolvimento de novos produtos audiovisuais e novos modelos de negócio. Foi pensando em tais aberturas que o Projeto Trapézio se desenvolveu. 17
  • 18. 4. O Projeto Trapézio O Projeto Trapézio é um filme interativo desenvolvido em linguagem Ginga- NCL para a TV Digital Interativa Brasileira. Este protótipo foi realizado com o intuito de testar as novas fronteiras da narrativa a partir do advento das tecnologias interativas. Através de uma narrativa inspirada nos filmes noir, acompanhamos o ponto de vista de quatro personagens no decadente Circo Zampano, durante as horas que precedem a morte do Trapezista. Anão é o dono do circo, Equilibrista e Contorcionista são antigos amantes; e Trapezista, é o novo namorado de Equilibrista, que, além de ser novo na trupe e devedor de Anão, também não sabe do caso de Equilibrista com Contorcionista. É uma trama de suspense, onde a interatividade aparece como ferramenta fundamental de construção dramática, através de links entre cenas e o acesso aos conteúdos extra, testando, dessa maneira, muitos dos recursos disponíveis na TV Digital Interativa Brasileira. Enquanto criadora do projeto, roteirizei em parceria com meu colega de turma Diogo Cronemberger, dirigi, sozinha, e participei ativamente da programação da interatividade, ao lado do colega Thiago Afonso de André. Minha atuação também permeia todo o processo de finalização do projeto, tendo editado um dos episódios e também colaborado na edição de som. Com isso tudo, hoje vejo o quanto este projeto pode ser chamado de “pessoal”, como exemplo de um processo de pesquisa, curiosidade e atuação incansáveis, por muitas vezes sozinha, acreditando que aquela ingênua ideia inicial se transformaria em um bom produto final, crítico e que contribuísse para a reflexão da poética audiovisual nos dias atuais. Como já disse ao início desta tese, minha intenção aqui não é, enquanto diretora, discutir enquadramento, ritmo ou atuação. Tais questões serão tratadas no que tange as especificidades exigidas pelo formato interativo. Minha intenção é, portanto, fazer uma apresentação do processo de criação e produção da obra, desde a ideia inicial até as considerações sobre o desenvolvimento da interface, problemas técnicos encontrados, e usabilidade, traçando um largo panorama sobre o desenvolvimento de um projeto de filme interativo. 18
  • 19. 4.1 O Processo de Criação 4.1.1 Da ideia ao roteiro: Pensando o formato interativo a partir da narrativa de suspense A narrativa de suspense sempre me instigou muito como formato. Pistas falsas, personagens complexos e roteiros que sugeriam soluções, sem dá-las, ou que as dessem, de maneira surpreendente. Desde as aulas de história do audiovisual, onde entrei em contato com o cinema noir, vi que era esse o gênero mais interessante do ponto de vista dramático, pois implica em personagens e tramas mais complexos, pistas e pontos de virada bem estruturados. Tendo filmes como O Falcão Maltes, A Dama de Shangai e Cidadão Kane como principais referências, comecei a delinear o roteiro do Projeto Trapézio. O gênero noir carrega características muito bem definidas sobre seu mecanismo de funcionamento dramático, através do uso de voice over, o narrador – personagem, em 1a. Pessoa, como em “A Dama de Shangai”, ou em 3a. Pessoa, como em “Cidado Kane”, criando, com isso, uma narrativa de caráter psicológico e proporcionando as bases para uma estrutura investigativa, circular, uma vez que, mesmo quando narrado em 3.a pessoa, não se tem uma onipresença do narrador, deixando elipses na trama, que movem a narrativa baseada na tentativa de reconstrução do enigma . Como SHATZ (1981) diz, “Thus Kane, like many other noir classics (…) employs a circular dual- time structure. The cinema-present investigation is set in motion by an enigma – generally a crime but in this instance, a single word – initiating the reconstruction of events in cinema past. The end result of this narrative strategy is not simply to explain or demystify the enigma, but also to set a tone of fatalism which will underscore the inexorable destiny of the principal characters. No one, especially the detective- observer who eventually reconstructs the past, can affect that destiny” O caráter fatalista do gênero, também colaborava com a situação que eu gostaria de criar, uma estrutura que fosse ao mesmo tempo aberta, por ser interativa, mas que 19
  • 20. também fosse fechada, por ser mais controlável do ponto de vista dramático e de produção. O destino dos personagens noir está traçado, como sabemos desde o inicio, o que não esgota nossa necessidade, enquanto espectadores, de vivenciar aquela história, uma vez que tantos buracos são deixados, tantas pistas e sugestões para que se possa reconstruir a trajetória fatídica dos personagens. São justamente os enigmas que movem a narrativa adiante, segundo TELOTTE (1989) “ However, with a narrative that is fully narration (about voice- over), I would suggest, the fiction is actually “full of holes” from the start, threatened, as our experience becomes one of constant suspense or tension. Some films noir, for example, seem to “advance in a rectilinear fashion”, after the pattern of most classical narratives , but they actually describe a circular pattern, as if they represent but one more variation in an endless round of speculations about past. And while they might also suggest a rational effort at containing, shaping, and controlling unsettling memories – those words and images surfacing from the narrator's psyche – they also hint at a force of desire, driving the psyche, in a Freudian repetition mechanism, to dwell on the pains and pleasures of the past.” Em “Cidadão Kane” acompanhamos tal circularidade da estrutura através da heterogeneidade de “sub-narradores”, personagens interrogados pelo detetive, que contribuíam, cada um através de uma história, para delinear a personalidade de Kane. Essa multiplicidade de pontos de vista sobre um mesmo personagem, ou fato, trabalha dentro da esfera da dupla “pista e recompensa”, na qual se baseia não somente o gênero noir, mas todo o gênero narrativo. Com a multiplicidade de pontos de vista, aumentam-se as pistas ao mesmo tempo que também aumenta a dúvida, através de contradições geradas por diversos depoimentos, aumentando portanto, o numero de “buracos” a serem preenchidos para se ter uma compreensão da trama. Quanto mais dúvida o detetive, ou o espectador, tem, mais ele se envolve na trama a fim de resolvê-la. Logo, percebi que o mais interessante seria trabalhar essa questão dos múltiplos pontos de vista, como ferramenta narrativa e base para a interatividade proposta 20
  • 21. pelo Projeto Trapézio. Como já dito anteriormente, eu tinha em mãos uma sinopse de radionovela criada para a disciplina de Roteiro de Rádio, onde um detetive ia a um circo investigar a morte do trapezista, como num clássico roteiro noir. Trabalhando sobre o mesmo fato, a morte do Trapezista, resolvi trazer este personagem “de volta a vida” para acompanhar em tempo cronológico os pontos de vista dos personagens da trama, mas de modo que não houvesse nenhum tipo de onipresença dos personagens – como o Trapezista ser um narrador- personagem vindo do além, ou a presença de um detetive. Fiz o tempo da narrativa sair de uma reconstrução do passado, como nos filmes noir, para ser um acompanhamento do presente dos personagens, desenvolvendo as situações em paralelo, e criando condições de colocar, assim, o espectador no papel de detetive, que observa esses múltiplos pontos de vista a fim de criar sua versão da história. Esse é o ponto de partida para a construção de uma narrativa interativa, segundo MEADOWS (2002): “ interactive narrative is, in many ways, about the proccess of narration and its implied perspectives, but as we noticed before, interactivity fractures the perspectives of the individual author, places new perspectives in the hands of the readers, and accomodates a relationship between reading and writing. In developing interactive narrative, the plot has to accommodate a more flexible structure that allows for multiple perspectives into multiple viewpoints, each of which work together to assemble an overall and cohesive worldview, or opinion.” Estruturalmente foram desenvolvidos quatro roteiros, um para cada personagem (Anão, Contorcionista, Equilibrista e Trapezista), com duração média de 7 minutos cada um, e que, por falta de nomenclatura mais adequada, serão daqui em diante tratados por “episódios”. Eles foram pensados de maneira que houvessem o mesmo número de cenas e que a curva dramática dos personagens fosse similar, ou seja, em cada episódio, as cenas tem as mesmas funções dramáticas. Com isso foi possível construir a multiplicidade de pontos de vista, alinhavando pontos em comum temporalmente, de modo a criar paralelismo e diversas possibilidades de interação entre os episódios. Todos os episódios são constituídos de 7 cenas, esquematizadas temporal e espacialmente conforme a tabela: 21
  • 22. A multiplicidade de pontos de vista no Projeto Trapézio foi trabalhada a partir de pequenas mudanças em falas e ações que são comuns a dois ou mais personagens. Como a narrativa se desenvolve paralelamente, cada ponto de vista sendo um “episódio” de um personagem, e, portanto, a maioria das situações sendo representadas em mais de um episódio, era óbvio que as falas e ações não poderiam ser exatamente iguais em episódios diferentes, uma vez que cada um corresponde ao ponto de vista de um personagem. Foi, portanto, preciso desenvolver as situações – e suas variações – de acordo com a personalidade de cada personagem e como este enxergaria sua relação com o outro. Por exemplo: EXEMPLO DO ROTEIRO CENA ENSAIO ROTEIRO EQUILIBRISTA 4. INT. PICADEIRO – DIA Equilibrista está sobre os ombros de Contorcionista. Ensaiam. 22 Fig.7 Visão estrutural das 4 linhas narrativas
  • 23. EQUILIBRISTA Pelo menos ele sente mais ciúmes de mim que você. Eles se desequilibram e caem no colchão. CONTORCIONISTA (bravo) É. Ele também é mais rico, mais talentoso. Ainda não consegui entender o que você tá fazendo aqui. EQUILIBRISTA (chorando) Só queria conversar. Se não for com você, vai ser com quem? CONTORCIONISTA Tá, tudo bem. Desculpa. Eu sei que você tá confusa. EQULIBRISTA Achei que você fosse me ajudar... Você sempre me ajudou. CONTORCIONISTA Acreditar nesse idiota não vai ajudar em nada. Tenho certeza que ele tá enganando todo mundo. Se depender do Anão, ele toma conta daqui. Aí o circo pega fogo. 23
  • 24. EQUILIBRISTA Ele não faria nada sem falar comigo. Né? O circo é da minha família... A gente namora...(pausa) Filho-da-puta! CONTORCIONISTA E vai saber se nessas viagens ele não conheceu outra equilibrista? Equilibrista encara Contorcionista, surpresa. ROTEIRO CONTORCIONISTA 4. INT. PICADEIRO – DIA Contorcionista ensaia, sozinho.Equilibrista chega e sorri. Aproxima-se e começa a ensaiar junto com Contorcionista. Ela anda sobre uma corda a mais ou menos um metro do chão, equilibrando diversos objetos. Ele se contorce de várias maneiras, os braços passando perto da corda da Equilibrista, sem tocá-la. Às vezes ele pára em determinada posição e a observa. Enquanto isso, conversam. EQUILIBRISTA O Trapezista é muito ciumento... E ele, que vive viajando e não fala pra onde... CONTORCIONISTA O que ele disse? 24
  • 25. EQUILIBRISTA Ciúmes. Mas essa história do número solo que me irrita. A gente é uma dupla de sucesso. A gente tem uma história. CONTORCIONISTA O que mais que o desgraçado disse? EQUILIBRISTA Desgraçado também não. Ele é um homem bom. Às vezes fala coisas que eu não quero ouvir, e outras que não quer falar, mas isso é normal. Quem não tem ciúmes? Eles se desequilibram e caem no colchão. EQUILIBRISTA O problema não é o Trapezista, ficar com ciúmes. Eu até gosto. Contorcionista se levanta, agitado. Sua vista está um pouco embaçada. EQUILIBRISTA Isso tudo vai valer a pena. Eu te disse, lembra? 25
  • 26. CONTORCIONISTA Lembro (irônico), lembro de muita coisa, inclusive que eu já te disse que esse cara é um filho-da-puta e está se dando bem às suas custas. Você se entrega a ele a troco de nada. Equilibrista tem lágrimas nos olhos. Começa a borrar a maquiagem. EQUILIBRISTA Não gosto quando você fala assim. CONTORCIONISTA Mas eu falo. Te trata que nem puta. E você gosta. Aposto que nessas viagens aí ele arrumou foi outra mulher. E tá te passando pra trás. Essa história do solo é só o começo. EQUILIBRISTA(chorando muito) Mas você sabe que eu ainda gosto de você. Contorcionista se aproxima de Equilibrista e a abraça por um tempo. Beija seu rosto, passa a mão sobre seus cabelos. CONTORCIONISTA Desculpe. Eu te amo. 26
  • 27. Na cena do roteiro da Equilibrista vemos uma personagem que, embora ainda manipuladora, está fragilizada pela situação e tenta obter algum conforto e apoio de Contorcionista, a pessoa mais próxima a ela e em quem mais confia. Na cena do roteiro do Contorcionista, vemos a mesma situação de ensaio, e a conversa se desenvolve de maneira muito similar nos dois roteiros, com a diferença que neste roteiro, Equilibrista aparece como uma mulher mais manipuladora e Contorcionista, mais desequilibrado, mais revoltado com aquela mulher que, visivelmente o manipula, mas pela qual é completamente apaixonado e, por ela, faria qualquer coisa. Sua raiva explosiva é mais um indicio de sua culpa na morte de Trapezista. Assim como, no roteiro da Equilibrista vemos uma personagem fragilizada, que ouvindo Contorcionista , tem sua duvida em relação à Trapezista aumentada, motivando cada vez mais uma possível vingança. A multiplicidade de pontos de vista vem, portanto, somar informações à trama, de modo que o espectador-interator tenha sua curiosidade cada vez mais alimentada. Este, percebendo que suas ações de interação o levam a novos caminhos, que somam à compreensão geral da trama, será mais motivado a fazê-lo, num ciclo continuo de interação, conforme MEADOWS (2002): “The input should create output and the output should create input. It's the interactivity cycle's abbility to add information that defines the interactivity's quality. The response(..)should be quickly enough for the user to have a clear sense of what change he is affecting on the system. (…) the input should facilitate more input. And the input should provide the user with a new capability. As this happens, the line between stimulus and response thins. And as the line thins, the depth of immersion increases.” Em um primeiro momento, os pontos de interação pensados, eram baseados em objetos, ações ou palavras específicas (como as palavras em negrito que aparecem nos trechos de roteiro mostrados acima). No entanto, isso não se mostrou eficiente na pós- produção (como falarei mais adiante), pelos mais variados motivos, como problemas com o material captado ou mesmo a inadequação com as possibilidades técnicas oferecidas pela plataforma escolhida , o middleware Ginga. 27
  • 28. O projeto foi inicialmente pensado como uma narrativa interativa genérica, não levando em conta, no processo de roteirização, que a escolha da plataforma de interação era de fundamental importância para a definição do modo como a interatividade iria surgir no roteiro. Mas o paralelismo criado entre os roteiros permitiu que a interatividade fosse sempre possível, mesmo que não mais baseada em pontos tão específicos, pois a estrutura modular destes, com as cenas pensadas como blocos de ação e temporalidade, permite a livre navegação entre elas. Meadows (2002, p.39) classifica as estruturas narrativas em três: nodal plot, modulated plot e open plot, onde a primeira seria também compatível com as narrativas lineares clássicas, dando mais suporte ao arco dramático que à interatividade e a ultima seria uma estrutura completamente aberta, onde o interator pode navegar de maneira aleatória, o que permite interação total, mas não suportaria uma estrutura mais controlada de narrativa. No caso do Projeto Trapézio, podemos classifica-lo como uma estrutura do tipo “Modulated Plots”, segundo esquema de MEADOWS: 28 Fig.10 Estrutura do tipo Modulated Plot Fig.9 Estrutura do tipo Open Plot Fig.8 Estrutura do tipo Nodal Plot
  • 29. “modulated plots are plots that still support the dramatic arc, this time to a lesser degree, but do not necessarily dictate the order of events that are being followed. Transitions may be made to an earlier point in the story and time can often be looped back on itself. This is a challenging plot to develop because it represents a middle ground and compromise between two trends in design. (…) modulated plots will, ideally, provide a reader with the option to bore straight through and avoid interaction, or to take a more leisurely route and increase the interactivity and participation” A compreensão final da obra se dá, portanto, diferentemente para cada espectador, de acordo com os diferentes caminhos narrativos que este pode optar por seguir. Como navegação em meio a uma base de dados, usando definição de Lev Manovich (Manovich, 1998) , a narrativa interativa deve conter todas as possibilidades combinatórias de signos (ou situações dramáticas), mas também deve propiciar significados sem o conhecimento de todos os signos, conforme atualiza GOSCIOLA (2003) “ o roteirista pode prever as trajetórias do usuário. Mas o autor, o designer, enfim, o coordenador geral da obra, já previu que o usuário poderá percorrer qualquer caminho da obra porque todas as possibilidades de caminhos entre conteúdos estão disponíveis. Porém, a compreensão final da obra por parte de quem a utiliza não será resultado do conhecimento de todos os conteúdos e da experiência de trilhar todos os links. Em geral, o usuário não toma conhecimento de todos os conteúdos.” O espectador do Projeto Trapézio poderá ter uma compreensão e interpretação da história sem necessariamente ter passado por todos os caminhos narrativos possíveis, até mesmo sem interagir em nenhum momento, assistindo a um episódio de cada vez, como se assistisse a quatro curta-metragens. A chave do projeto – e de todas as narrativas deste tipo – é justamente não preencher todas as lacunas, levando o espectador, uma vez que 29
  • 30. tenha chegado à ultima cena de um episódio, recomeçar a vivenciar a história a partir de um novo ponto de vista. Os roteiros são todos dramaticamente simples, pois a complexidade e nuances de relações são dadas pela interação com os outros pontos de vista (episódios de outros personagens), como visto nos trechos dos roteiros de Contorcionista e Equilibrista, exibidos acima, onde vemos situações iguais sob pontos de vista diferentes. Para criar tais nuances, senti a necessidade de me embasar em um passado mais sólido dos personagens, de maneira que mais elementos fossem agregados a construção dramática. Assim, escrevi as biografias dos personagens e a história do circo, inspirada pelas narrações iniciais do filme Amelie Poulain ou ainda o trecho inicial de Macunaima. Naturalmente vi a necessidade de que tais textos fizessem parte da obra final, uma vez que muitas informações poderiam ser acrescentadas ao processo interpretativo e um novo tipo de interação dentro da obra poderia ser explorado, fazendo do Projeto Trapézio uma obra mais completa em termos de tipos de interatividade. Gostaria de ressaltar a principal característica desse roteiro: a de contemplar um tipo mais dinâmico e orgânico de narrativa, na medida em que a interatividade ocorre durante as cenas, ao invés ser uma escolha de caminhos, como em uma narrativa interativa mais convencional, onde o fluxo de vídeo pára, esperando uma interação do espectador. A narrativa do Projeto Trapézio, assim, vai sendo construída de forma mais fluida, sendo a interatividade parte inerente do processo de construção e interpretação da obra. A partir do longo processo de roteirização e concepção da estrutura básica de uma narrativa interativa, foi necessário pensar como a Direção iria trabalhar essas diversas questões, aliando questões estéticas e práticas na construção de um produto audiovisual interativo. Dadas as bases conceituais e estruturais do Projeto Trapézio, trataremos a seguir do processo de produção e programação da obra interativa. 4.1.2 A Direção O Projeto Trapézio é, antes de tudo, minha proposta de trabalho de conclusão de curso em Direção, disciplina na qual me especializei, ao lado do percurso 30
  • 31. formativo em Fotografia dentro do Curso Superior do Audiovisual. Minhas motivações para realizá-lo, no entanto, partiram muito mais de uma pesquisa de linguagem aliada ao desenvolvimento tecnológico do que de uma habitual pesquisa estética em cinematografia. Desde a concepção da ideia, passando pelo desenvolvimento do roteiro e, posteriormente, na finalização e programação da interatividade, meu papel foi além da direção, participando do processo de edição de imagem e som e, principalmente, da arquitetura da programação e da concepção do design de interação, disciplina nova e urgente em um produto audiovisual interativo. No presente capítulo abordarei questões relativas ao processo de direção cinematográfica em seu papel ao conduzir um filme interativo, e de que maneira tais questões devem ser trabalhadas à luz de novas premissas tecnológicas. A estrutura interativa da narrativa trouxe preocupações estéticas específicas. Senti a necessidade de diferenciar visual e dramaticamente cada ponto de vista, de maneira que ficasse claro ao espectador-interator qual ponto de vista ele estava acompanhando. Sem tais diferenciações, a interatividade talvez fosse vista como mera interferência e confusão narrativa, já que o fruidor não poderia estabelecer uma base cognitiva consistente para ter claro o que suas ações implicavam narrativamente, para poder continuar a interagir com a obra. A partir de conversas com o fotógrafo, Paulo Serpa, definimos que cada personagem teria uma cor característica para que a mudança de ponto de vista no momento da interação fosse rapidamente percebida, mesmo porque haveria a possibilidade da interação se dar entre situações iguais em episódios de personagens diferentes, como no exemplo de roteiro apresentado anteriormente. Já no material bruto captado, esse tratamento de cor (captado com temperaturas de cor diferentes e com o uso de gelatinas de correção e de efeito) realmente se mostrou um facilitador para diferenciar os pontos de vista . Com a correção de cor na pós produção, ficou claro que essa opção estética serviria como ferramenta de compreensão dramática para qualquer suporte interativo escolhido. Também foi definido que os enquadramentos seriam diferentes, bem como o posicionamento dos atores, em situações iguais de episódios diferentes. Criando assim, uma mesma situação de diálogo, mas com claras mudanças de ponto de vista. Tudo isso aliado às nuances de fala e ações dadas nos roteiros. 31
  • 32. A decupagem das cenas foi feita pensando em um esquema básico de masters : geral, plano médio e plano próximo. Por conta do grande volume de material que teríamos que captar e o tempo reduzido, tal esquema se mostrava mais adequado, mesmo que apontasse para um menor rigor estético. A locação do trailer, de dimensões muito reduzidas, também nos obrigou a mudar alguns enquadramentos, geralmente menos eficientes do que os pensados durante a decupagem inicial do roteiro. 32 Fig.12 Ep. Equilibrista - Cor Rosa. Personagens afastados, diálogo frio. Fig.13 Ep. Anão - Cor Amarela. Personagem sozinho no enquadramento, em contraplongè Fig.14 Ep. Trapezista - Cor Azul. Enquadramento enfatiza força de Trapezista sobre Anão Fig.11 Ep. Contorcionista - Cor Verde. Personagens próximos, cúmplices Fig.15 Decupagem previa PC com personagens e fots Fig.16 Plano Sequência previa Fotos e Maleta no mesmo enquadramento Fig.17 PC com personagens não enquadra fotos Fig.18 Plano da maleta
  • 33. A decupagem previa grande destaque aos objetos “maleta” e “fotos”, ambos dispostos sob a bancada de Equilibrista, em seu trailer. Porém como se pode observar, o espaço da locação era muito limitado, deixando as fotos e a maleta escondidas atrás de Trapezista. Só podemos vê-las nos planos detalhe, que no entanto não configuram uma alternativa tão eficiente visualmente. Com a trilha sonora, pontuamos falas e cortes, de maneira a destacar elementos visuais com elementos sonoros, como foi o caso do diálogo mostrado acima, do episódio do Trapezista. Ainda foi preciso pensar em enquadramentos diferentes dentro do trailer, pois tínhamos que construir três cenários diferentes na mesma locação, o trailer da Equilibrista, o do Contorcionista e o do Anão. Mesmo por conta das limitações espaciais, filmar em locação foi certamente melhor do que reconstruir um trailer em estúdio que, apesar de poder proporcionar um set mais espaçoso e silencioso, seria inverossímil. O plano de filmagem era baseado principalmente nas cenas de situações iguais de episódios diferentes que, mesmo com pequenas mudanças, tinham basicamente os mesmos set-ups, por exemplo os diálogos entre Anão e Contorcionista sob os dois pontos de vista (Scenes 2A e 2C da tabela a seguir). 33 Fig.19 Trailer de Equilibrista Fig.20 Trailer de Contorcionista Fig.21 Trailer de Anão
  • 34. Apesar de set-ups de câmera parecidos, havia mudança na luz e na arte, além de diálogos diferentes, para caracterizar a diferença de ponto de vista. Porém essa redução da decupagem aos masters, por conta de locações pequenas e do ritmo corrido de gravações (aproximadamente 28 páginas de roteiro filmadas em 7 dias) gerou muita dificuldade durante a edição, principalmente pela insuficiência de planos detalhe que eram importantes no roteiro, onde eram previstas interações, como “caixa de fósforo” e maleta, como exemplificado anteriormente com relação ao episódio do Trapezista. A partir dessa questão, soluções foram vislumbradas na pós-produção que, inclusive, conferiram maior sentido ao produto final. Por questões técnicas, a interatividade deveria ser baseada em situações dramáticas e falas (baseada no tempo), e não mais em objetos, como também previa o roteiro, e isso certamente conferiu maior unidade e sentido às indagações sobre narrativa interativa propostas desde o início dos trabalhos. Falarei mais sobre isso adiante. O esquema de filmar em masters também favorecia a atuação, uma vez que as cenas eram gravadas por inteiro. Isso foi importante pois, como a atuação previa mudanças de tom em situações iguais, de episódios diferentes, como um diálogo entre Equilibrista e Trapezista, nos seus respectivos episódios (como no plano de filmagem anterior, Scenes 2E e 2T), dificultaria muito o trabalho do ator se, além de controlar as nuances da interpretação, ele ainda tivesse que fazer isso fora da ordem cronológica, como normalmente ocorrem as gravações. 34 Fig.22 Trecho do Plano de Filmagem
  • 35. No processo de ensaio com os atores, o produtor de casting Danilo Gambini foi de grande contribuição para o início dos trabalhos, trazendo como primeiro exercício as cenas que se repetiam em episódios diferentes, sem deixar isso claro aos atores. Estes também recebiam indicações diferentes sobre a personalidade do seu personagem e sua relação com o outro. A cena que se seguia era uma improvisação baseada na mescla de ações e reações, diferentemente interpretadas pelos atores. Dessa maneira foi possível evidenciar aos atores que estes não interpretariam um único personagem, mas um personagem multifacetado, com comportamentos diferentes para cada ponto de vista dos outros personagens. Tais mudanças ficam claras em situações de forte embate entre eles, como nas conversas entre Equilibrista e Contorcionista e na briga entre Trapezista e Contorcionista. No episódio de Contorcionista, Equilibrista está próxima a ele, cúmplice e sorridente. Já no episódio de Equilibrista, ela está afastada e demonstra certa frieza e isolamento. Com isso, sob ponto de vista de Contorcionista, eles são amantes e sua história com Trapezista é um empecilho, ao passo que sob o ponto de vista de Equilibrista, Contorcionista não importa, ela está mais preocupada com Trapezista (e sua dúvida em relação ao comportamento deste é o que a levaria a querer se vingar). Já nas duas imagens que se seguem, vemos Contorcionista na cena em que confronta Trapezista. Sob seu próprio ponto de vista, ele está acuado, com postura arquejada e mãos presas. Já sob o ponto de vista de 35 Fig. 23 Ep. Contorcionista. Amantes e cúmplices. Fig.24 Ep. Equilibrista. Relação fria entre o casal Fig.25 Ep. Contorcionista. Personagem na defensiva Fig.26 Ep. Trapezista. Contorcionista ataca.
  • 36. Trapezista, Contorcionista representa uma ameaça, encarando-o física e verbalmente. Da mesma maneira, seguiram-se as interpretações de todos os personagens em seus respectivos episódios e nos outros, de acordo com suas relações, sempre criando nuances mas mantendo sua história fundamental clara. Anão controla o circo, Contorcionista ama Equilibrista, Equilibrista quer se dar bem; Trapezista, por sua vez, é envolto em mistério, ficando claras as suas motivações apenas em seu próprio episódio: ele quer tirar o Anão da história, ficando ele encarregado do circo, além de casar com Equilibrista. Foi importante a construção de Trapezista como esse personagem outsider e misteriosos, sobre o qual não podemos fixar uma opinião ou delinear traços mais claros de suas motivações; assim, é aumenta-se o suspense e abrem-se as portas para uma interpretação mais aberta e até mesmo polêmica sobre seu papel de vítima ou algoz. A cena final da história condensa todas as tensões desenhadas ao longo dos episódios, e foi a mais complexa – e completa- em termos de direção, pois além das questões estéticas já mencionadas ao longo deste capítulo, foi o momento em que a decupagem da ação, no sentido mais clássico de cinematografia, foi extremamente importante. É o ápice da história e do suspense narrativo; é onde todos os elementos tinham que ser arranjados para aumentar o mistério, ao invés de solucioná-lo. Na cena final (que também é a primeira imagem de cada episódio), vemos o desfecho da trama: o Trapezista caído no picadeiro. A premissa narrativa (ao longo do filme e também a premissa para a interatividade) é, portanto, baseada na pergunta: “o que levou a isso?”. Ao longo dos quatro capítulos, acompanhamos algumas das motivações dos personagens para quererem matar Trapezista – e também, sob o ponto de vista deste, do porque ele se vingar da trupe. Em cada episódio vemos elementos diferentes que podem ter sido a causa do assassinato o que, num geral, evidencia o caráter de obra aberta buscado pelo roteiro, uma vez que tais elementos trazem mais riqueza de interpretação sem, necessariamente, levarem a solução do mistério. O primeiro elemento a ser considerado na dinâmica desta cena final, é o personagem do “Homem Estranho”, que aparece em todos os episódios. Sob o ponto de vista de Equilibrista, assistimos o personagem Homem Estranho conversando com Trapezista, enquanto que nos outros três episódios vemos que tal personagem, já sentado na platéia, empunha uma arma. A construção espacial da ação foi essencial para a verossimilhança do desfecho da história, possibilitando a ambiguidade de interpretação sobre causas e vítimas. 36
  • 37. A planta-baixa refere-se a decupagem do episódio do Trapezista. Nela, podemos ver a localização espacial de cada personagem na ação. Anão é representado pelo círculo amarelado à direita, Trapezista pelo círculo azul ao centro, ao lado de Equilibrista, em Rosa. Contorcionista está na parte superior, representado pelo círculo verde, próximo de onde estaria o personagem Homem Estranho, quando sentado na platéia, representado por um círculo preto. A partir dessa dinâmica espacial, foi possível construir diversas relações. Como a locação era muito grande (o picadeiro de um circo) e a figuração era proporcionalmente pequena, optei por uma decupagem clássica, baseada em planos médios, reforçando as relações pela direção de olhar, planos e contraplanos, que se mostraram muito eficientes na construção espacial e do clímax da ação. Assim, foi possível construir as seguintes situações: 1. Trapezista contatou Homem Estranho para matar Anão ou Equilibrista 37 Fig.27 Planta baixa da cena final Fig.28 Ep. Trapezista - "Homem Estranho" e Trapezista se cumprimentam Fig.29 - Ep.Equilibrista - Ela vê Homem Estranho e Trapezista
  • 38. 2. Anão também contatou Homem Estranho para matar Trapezista 3. Contorcionista, ao ver Homem Estranho com uma arma, intercepta-o, podendo ter causado tanto a morte de Trapezista, como também o tiro sofrido por Equilibrista. 4. Equilibrista coloca veneno na água que dá para Trapezista: 5. Anão vê Homem com a arma e apaga luz. 38 Fig.30 Ep.Anão - Ele vê Homem Estranho chegando Fig.31 Ep.Anão - Anão gesticula para Homem Estranho Fig.32 Ep.Anão - Homem Estranho acena para Anão e Contorcionista vê Fig.33 Ep.Contocionista - Ele "ataca" Homem Estranho Fig.34 Ep. Equilibrista - Ela coloca algo na água Fig.35 Ep.Equilibrista - Ela entrega água à Trapezista Fig.36 Ep.Anão - Ele vê Homem Estranho com a arma Fig.37 Ep. Anão - Ele desliga o quadro de luz
  • 39. 6. Equilibrista vê graxa na escada que leva ao trapézio e Contorcionista tem graxa nas mãos. Todos os elementos contribuem para o enriquecimento dos pontos de vista, arquitetando um conjunto complexo de informações que o espectador só poderá atingir se interagir. A intenção com esta cena final, portanto, é a de instigar o espectador a assistir novamente a história para entender o que aconteceu, uma vez que, por exemplo, assistindo ao final de Equilibrista, não vemos o Homem com a arma e nem a relação deste com Anão. E somente no final do Anão vemos Equilibrista ensanguentada, com um anel nas mãos. Com tantos elementos de mistério a mais, isso é ainda um convite àqueles que não interagiram durante o filme a assistirem novamente a história e tentar interagir, já que isso sugere uma maior compreensão dessa trama. A interatividade aparece como condutora da construção dramática, atuando como comentário ou contraponto às ações anteriores à interação. Tal desenho de interatividade ficou absolutamente claro para mim durante o processo de montagem, onde vimos que a justaposição de diálogos sob dois pontos de vista trazia uma enorme gama de interpretações diferentes a respeito dos personagens e da história. A função da direção foi, portanto, construir esse universo complexo de modo a engendrar o maior número possível de nuances dramáticas e visuais para que o espectador fosse envolvido cada vez mais na história e que isso o levasse a interagir. 39 Fig.38 Ep.Equilibrista - Ela vê graxa na escada Fig.39 Ep. Equilibrista. Ela olha para Contorcionista Fig.40 Ep.Equilibrista - Ela vê Contorcionista limpando as mãos Fig.41 Ep. Contorcionista - Ele limpa as mãos
  • 40. 4.2 Pós-produção 4.2.1 Montagem A ideia de ter um montador diferente para cada personagem surgiu após as filmagens visando distribuir o trabalho, pois era muito material, e carregar ainda mais na diferenciação entre os “episódios” dos quatro personagens. Convidei, para isso, os alunos da turma de 2004, Nina Senra, Thiago Ozelami e Maria Claudia Chapini, que acabou fazendo deste projeto seu TCC em montagem. O quarto editor ainda era Maria Fernanda Camargo, da minha turma, ao inicio do processo de montagem. Porém, por conta de seu tempo restrito para se dedicar à montagem, o episódio do Contorcionista começou a ser montado também por Arrigo Araújo, produtor do projeto, mas por conta de sua ida à Berlim, eu assumi a montagem do episódio do Contorcionista ao final do processo. O início dos trabalhos foi demorado, até chegarmos a uma organização do material que facilitasse a comunicação entre os editores. Todos deveriam ter todo o material bruto do filme, organizados da mesma maneira. Assim era possível apenas nos enviarmos os projetos de Final Cut , por e-mail, para que conseguíssemos assistir aos cortes uns dos outros, sem termos necessariamente que nos reunirmos fisicamente para isso. Os episódios foram montados como quatro curta-metragens, cada editor ficando responsável por um personagem, o que se mostrou extremamente enriquecedor no trabalho da multiplicidade dos pontos de vista. Fazíamos reuniões quinzenais, assistindo a todos os episódios e as conversas que se seguiam era extremamente proveitosas, pois cada vez mais ficavam claras as intenções e motivações de cada personagem, “defendidos” por seu editor, e a construção da multiplicidade de pontos de vista se deu de forma muito orgânica. A visão de um episódio enriquecia a de outro e, assim, pudemos inclusive suprimir algumas falas, como num processo normal de edição, onde o roteiro é retrabalhado. Porém, neste caso, não poderíamos mudar as cenas de lugar, pois elas estavam ligadas temporalmente, restringindo o trabalho do montador, já que a interatividade prevista baseava- se nesse paralelismo temporal e na estrutura das cenas. A única exceção que fizemos quanto à 40
  • 41. mudanças na estrutura foi no episódio da Equilibrista, o que não causou nenhum problema estrutural-temporal com os outros episódios mas conferiu maior sentido a trajetória desta personagem. No roteiro, Equilibrista discutia com Contorcionista em uma cena; na seguinte, Anão aludia à sua briga falando que a tinha visto chorando, e na próxima a víamos chorando, sendo este seu ponto de virada dramático, após discussão com Contorcionista e conversa com Anão. Porém ficava estranho Anão mencionar seu choro sem que o tivéssemos visto, principalmente porque ela choraria logo depois. Neste caso, uma elipse tão habitual (ela teria chorado depois da briga com Contorcionista e voltaria a chorar depois da conversa com Anão) não funcionava, causando um estranhamento temporal. Assim, invertemos as cenas 5 e 6 do episódio da Equilibrista sem prejuízo para a estrutura temporal geral do projeto. O trabalho maior foi sempre o de ressaltar características e informações que se viam em um episódio e que não seriam vistas em outro. E o formato interativo foi de fato tomando mais consistência ao longo do processo de edição, pois eram visíveis as nuances de pontos de vista e a história era cada vez mais assimilada pelos editores. A interatividade esteve sempre norteando a edição, e lembro de situações em que percebíamos que cortar uma fala de uma cena enriqueceria o mesmo diálogo na mesma cena, em outro episódio. Fomos lapidando os episódios, de modo a chegar numa duração e ritmo satisfatórios e também com uma quantidade de “lacunas” ou links possíveis. Foi certamente durante o processo de montagem que a estrutura interativa foi de fato surgindo e se desenhando, mesmo porque, como sabemos, o material filmado é sempre muito diferente do que está previsto no roteiro e, neste caso, uma situação que, a princípio, parecia limitadora, dada a estrutura rígida que tínhamos em mãos, se mostrou também muito didática. Primeiro porque nos fez assistir e reassistir o material, deixando-nos a certeza de que a questão do paralelismo temporal estava bem estruturada e era claramente em que deveríamos nos basear para a criação da interação. Segundo porque ficou óbvio que uma narrativa interativa deve ser a priori escrita e pensada a partir da linguagem em que será programada (neste caso em Ginga-NCL Lua), uma vez que esta é determinante, como veremos mais para frente.Vale ressaltar que os episódios foram montados como se fossem quatro curta-metragens pois deveriam fruir como tal, já que a possibilidade não-interação por parte do espectador deve sempre ser levada em conta. Portanto, mesmo sem interação dentro da narrativa, o espectador pode fruir uma obra completa. Uma vez finalizado o processo de edição dos episódios, começamos, eu e os 41
  • 42. demais editores, a repensar quais os links possíveis entre um episodio e outro, uma vez que falas apontadas no roteiro como propícias a interação caíram e outros links foram visualizados por nós. Cada editor trouxe anotações específicas de seu episódio e, cruzando as informações e opiniões de todos, determinamos as interações. 4.2.2 (Re)pensando os pontos de interatividade A opção de desenvolver o projeto para TV Digital Interativa foi sempre uma possibilidade, mas a definição por esse meio foi tomada apenas ao longo da etapa de edição dos vídeos. Era de extrema importância para a edição saber o que era possível e o que não era, como, por exemplo, o som de uma cena invadir a outra. Durante o processo de montagem eu ainda estava estudando as possibilidades de linguagem, e a principio queria ter feito a programação em JAVA, para a internet, onde, usando o mouse, o interator poderia descobrir a interatividade na tela, de forma muito intuitiva. Essa dinâmica funcionava para as situações em que a interatividade foi pensada para aparecer nos objetos, mas por questões narrativas achamos que tais links não seriam fortes o suficiente e tão pouco começou a montagem, abandonei a ideia de interagir através dos objetos, mantendo a temporalidade paralela como grande link entre os personagens. Com a definição da linguagem de programação como sendo Ginga - NCL, toda a interatividade foi repensada, pois agora tínhamos um meio concreto para orientar e ditar o modo como a narrativa interativa seria construída. Nesse processo, foi de suma importância a contribuição do orientador, Prof. Dr. Almir Almas, cujos estudos sobre TV Digital e colaboração no desenvolvimento do middleware Ginga trouxe ao projeto a solidez necessária para a concretização da interatividade. Como eu não tinha conhecimento algum de programação e da linguagem NCL, e do que esta poderia me oferecer, foi a partir da orientação do Prof. Almir que pude começar a visualizar e trabalhar, ainda na montagem, a interatividade. A primeira questão a ser considerada foi a divisão dos quatro episódios em cenas. Tal requisito se deu ao fato de que a linguagem Ginga-NCL, que trabalha com objetos de mídia, somente permitiria a criação da interatividade se tivéssemos as mídias independentes umas das outras, demandando, inclusive, a criação de tantas mídias quantos 42
  • 43. fossem os pontos de entrada de interação (conforme explicarei detalhadamente adiante). A partir disso, algumas questões cruciais foram levantadas: Como seria a transição de uma cena para a outra, se o episódio seria composto de várias mídias e não de uma mídia única ? Poderíamos determinar um ponto de saída, ou seja, um ponto específico de interatividade ou teríamos que esperar o fim de cada cena? A primeira preocupação dos editores foi justamente pelo conflito entre a linguagem cinematográfica e a adaptação para um novo formato, que requeria modificações técnicas em detrimento de “regras” estéticas. Estas, pressupõem a intersecção entre os sons das cenas adjacentes, falas e trilhas que permeiam o fim de uma cena e avançam sobre a próxima, servindo não só como transição suave mas até como comentário, o que aconteceu num dos primeiros cortes do episódio do Trapezista, por exemplo. Porém, transição das cenas no Projeto Trapézio, dentro de um mesmo episódio, ou seja, seguindo o fluxo narrativo normal, deveria ser em corte seco e de modo que o som, tanto o som direto quanto trilha sonora, não invadisse as cenas adjacentes, pois cada cena deveria constituir um arquivo de vídeo independente, a transição ficando sob responsabilidade da programação, e não mais do fluxo narrativo. Com relação à segunda questão, ela surgiu justamente por conta das restrições técnicas levantadas acima. Se era necessário separar os episódios em cena, quer dizer que a interatividade só seria acionada ao fim do arquivo? Não. Explico: Foi necessário dividir os episódios em cenas e links de entrada de interatividade porque a linguagem Ginga-NCL permite o controle de saída dos vídeos, mas não o de entrada. Determinar o tempo (timecode) em que o programa deveria validar se houve interação ou não para abortar o vídeo que estava sendo exibido e iniciar o próximo, é possível. Mas não é possível dizer ao programa: “exiba a mídia X a partir do timecode 01:22”, por exemplo. Por isso a subdivisão das cenas em tantos arquivos quantos fossem os links de entrada de interações. Falarei mais sobre isso adiante, na seção reservada à programação. Uma vez esclarecidas essas questões para os montadores, e já com os episódios de cada personagem montados, pedi ao grupo que fizessem uma lista de potenciais links (pontos de interatividade) dentro de cada episódio. A partir dessa lista, fizemos uma reunião e chegamos a um primeiro esboço de links, baseados somente nas falas. Foi uma 43
  • 44. decisão importante, uma vez que era necessária uma unidade estética para guiar o espectador dentro da obra. Se a interatividade fosse feita hora baseada numa fala, hora baseada num objeto, essa unidade se perderia. E vimos que fazia muito mais sentido que os links fossem baseados em situações dramáticas, já que o projeto é uma narrativa e não um conjunto aleatório de vídeos interativos. A interatividade é, portanto, parte integrante da construção dramática da narrativa. E foi articulada para ser sempre um comentário, um contraponto, algo que leve a narrativa adiante, trazendo mais informações ou aumentando o mistério da trama. Vou exemplificar através do diagrama e da tabela abaixo. A tabela completa das interações pode ser vista nos Anexos desta tese. Cabe aqui uma explicação sobre a nomenclatura dos arquivos, para que se possa compreender melhor o diagrama (Fig.42) e a tabela (Fig.43) que seguem. Eles foram nomeados seguindo o padrão: Nº da cena/Episodio/Link de entrada da cena. Por exemplo: 1A é a cena 1 do episódio do Anão, e 1A1 é a cena 1 do episódio do Anão a partir do seu primeiro link de entrada (depois do seu inicio normal), assim como a 1A2 é a partir do segundo link de entrada. Abaixo temos um diagrama que mostra a estrutura geral do projeto. As linhas horizontais encabeçadas por 1A, 1C, 1E e 1T referem-se aos quatro episódios, em seu fluxo normal. As chaves que saem das linhas horizontais indicam para que cena está sendo feita a interação, ou seja, os pontos de saída da mídia. As linhas vermelhas representam os pontos de entrada, por exemplo, ao longo da cena 1A vemos dois traços vermelhos: o primeiro representa 1A1 e o segundo 1A2. Assim, quem começa assistindo por 1C, por exemplo, e escolhe interagir para o Anão, vai assistir a cena 1A1, que tem início a partir do timecode 00:09;05 (em relação ao início natural, 1A) 44 Fig.42 Estrutura das cenas e interações.
  • 45. Onde cada linha horizontal iniciada pelo numero 1 refere-se a um “episódio” de um personagem, totalizando quatro episódios lineares, mas com inúmeros desdobramentos. Como se pode observar, o espectador pode seguir o episodio linearmente passando da cena 01 à cena 02 e assim por diante. As bifurcações mostradas indicam para qual cena o espectador será direcionado caso interaja, e os traços vermelhos indicam que ali são pontos de entrada de interações vindas de uma cena externa. Com o presente diagrama também é possível observar a maneira como a interatividade foi pensada, baseada em links que fazem sentido narrativo. Agora, à luz do diagrama acima, podemos entender a tabela abaixo, onde a interatividade está indicada não só por timecodes mas, principalmente, por pontos dramáticos. Na cena 1T, vemos um link de saída (LINK OUT) para a cena 07E_01, no momento em que Trapezista abre a maleta, ou seja, se o espectador optar por interagir previamente, quando chegar no momento “maleta aberta”, a cena 01T deixa de ser exibida e então vemos a cena 07E, a partir do ponto de entrada 01, que não corresponde ao início normal da cena, mas sim ao momento em que Equilibrista abre a maleta de Trapezista, como podemos ver abaixo em LINK IN , em azul 01T_OUT_01. 45 Fig.43 Links IN e OUT do Ep. Trapezista
  • 46. Nesse exemplo de interação dado, podemos observar uma possibilidade interessante, que é uma “armadilha” para o espectador ao mesmo tempo que serve como gancho dramático, concentrando toda a ação dramática no objeto Maleta, alvo de grande parte do mistério da trama. Levando o espectador da cena 01T, onde ele apenas viu o personagem caído no chão e chegando ao circo; e, com a interação, corta para Equilibrista abrindo a mesma maleta, a luz apaga, ouve-se o tiro e vemos Trapezista caído novamente, sob outro ponto de vista. A maleta, ao mesmo tempo que serve como “armadilha” interativa (pois mal começa o filme, ele já termina), reforça o mistério envolvendo Trapezista, Equilibrista e a Maleta, servindo quase como uma sinopse do filme e, com certeza, levando o espectador a recomeçar a assistir a história. Assim como em outros momentos, falas mencionando a mesma maleta são pontos de interatividade (2E_OUT_01 para 03T_01) reforçando sua importância na trama, que na verdade funciona quase como o objeto vazio dos filmes noir, como o falcão, de O Falcão Maltês, onde a trama se move ao redor de um objeto que não tem importância nenhuma na verdade, ele é apenas um pressuposto para entrar num submundo de crimes, dentro de uma sociedade corrupta. Sinto que é necessário aqui um esclarecimento: anteriormente eu havia dito que a interação não seria mais baseada em um objeto, porém a maleta é, de fato, um objeto dramático e não apenas elemento visual como “cigarro”, “caixa de fósforos” ou “câmera” que aparecem em negrito nos roteiros indicando pontos de interação. Interação essa que, inicialmente, seria acionada através de um ícone overlay dos 46 Fig.44 Links IN e OUT do Ep. Equilibtista
  • 47. objetos na tela, se fossemos utilizar outra linguagem de programação, como o JAVA ou FLASH. Mas, como eu disse, e vale reforçar, essa restrição do Ginga-NCL (que não nos permitiria a criação dos ícones de tal maneira, em overlay, e que fosse eficiente) nos levou a optar por pontos de interação baseados em situações dramáticas, ou seja, ancoradas em um timecode, que possibilita a programação dos ícones e dos pontos de saída das mídias. Assim, ganhamos muito em construção dramática, possibilitando situações como a da maleta descrita acima e outras, de grande importância para o desenvolvimento da narrativa interativa. Um exemplo de interação como ferramenta dramática, é na cena 02T, onde Trapezista e Equilibrista discutem. Equilibrista questiona Trapezista sobre seu número solo, enfatizando com a fala “Você não confia mais em mim”, ao que, quando acionada a interação, o espectador é transportada à cena 01E_01 onde vemos Equilibrista e Contorcionista na cama, seminus, planejando sobre quando ela deveria terminar o namoro com Trapezista. Aqui vemos uma das muitas interações neste sentido, de comentário, levando o espectador a criar um panorama muito mais amplo sobre a trama, onde Equilibrista deixa de ser vítima de traição (pois Trapezista anuncia que não vai mais se apresentar com ela, e sim em um número solo) e passa a ser traidora, já que está na cama com outro homem. Estamos falando, portanto, de um conceito de narrativa não-linear elevado à sua máxima potência, onde o fluxo: início, desenvolvimento, clímax e solução é composto por módulos, que são reconstruídos pelo espectador. Se, no início do cinema, Griffith surgiu com a montagem paralela, quebrando a linearidade narrativa em busca de uma forma mais rica de contar uma história; e Eisenstein e Pudovkin falaram sobre a justaposição de planos, gerando, através de conflito, a formação de um terceiro conceito mais complexo, a interatividade hoje vem para retomar e ampliar tais conceitos dentro da narrativa. Esta, não é mais produto da montagem centrada na figura do montador e do diretor cinematográfico, mas cada vez mais está colocada nas mãos do espectador, que pode operar diversos módulos de mídia independentes, de modo a recriar a narrativa sob vários pontos de vista, agregando significados a cada interação, a cada justaposição de elementos de mídia, que comentam uns aos outros e complementam a compreensão da narrativa. É nesse momento de reflexão estética que se inserem as problemáticas relativas a essa nova etapa que se apresenta na produção de uma obra audiovisual, agora interativa. O trabalho de reflexão realizado pela direção e durante a montagem tem que ter em vista os fatores de transformação dessa narrativa composta por arquivos de vídeo em um 47
  • 48. sistema de dados, justamente como levantou MANOVICH (1998), sobre a navegação dentro de um sistema simbólico de representação, e resume ALMAS (2009), no que se refere a essa nova etapa de finalização, que compreende outros procedimentos, cada vez mais algorítmicos. “A etapa de acabamento do produto que se realiza na finalização ganha novos contornos, pois toda a produção de vídeo e áudio tem de ser agora transformada em dados para conversar com um sistema cibernético construído para gerar e possibilitar a interatividade. Nesse novo arranjo, além das questões de engenharia de software, já citadas acima, processos e procedimentos de engenharia de sistema (…) deverão conviver com procedimentos tradicionais de pós produção audiovisual. O que se entrega como produto final vai além de imagem e som (…). Entregam-se dados empacotados, organizados e integrados. Nesse aspecto, a pós-produção terá de falar de middleware, de aplicativos e de sistemas cibernéticos. Quer dizer, a pós produção será o momento de integração de todo o sistema interativo.” Sendo assim, trataremos daqui por diante do processo referente a essa nova etapa de finalização, desde o design thinking até a programação final do produto. 48
  • 49. 4.3 O Design e o Design da Interação Ao longo do projeto, uma disciplina foi ganhando importância cada vez maior, tanto que vejo necessária a sua discussão nessa monografia. Falo do design, no qual se destaca o design da interação, ou seja, do desenho das interfaces, dos ícones, da disposição dos elementos de mídia e interação na tela e o planejamento da ação do usuário e como este interpreta os elementos visuais que lhe são mostrados. De mero coadjuvante, parte da finalização de produtos audiovisuais (no desenvolvimento de letterings e opening titles), o designer ganha cada vez mais importância dentro da cadeia de produtos interativos. O design de interfaces interativas vem se desenvolvendo largamente ao longo dos últimos anos e o que se observa é uma crescente facilidade das pessoas em manusear recursos interativos. Se num primeiro momento a interface deveria ser invisível, hoje ela é parte inerente do processo comunicativo, e mais, objeto de desejo, como demonstra MANOVICH (2006). Dado isso, podemos pensar que a interatividade não é mais “estranha”, ela é já esperada e talvez por isso mesmo, seja possível pensar uma narrativa interativa como um produto possível, uma vez que a presença de ícones numa tela, justapostos a outros elementos audiovisuais é cada mais gerenciável pelos espectadores e usuários. Pouco tempo atrás ainda era difícil pensar a interatividade na TV como algo plausível, que os espectadores saberiam usufruir. Hoje, é uma realidade. Regra geral, a interface deve ser clara e amigável, uma vez que a interação é a ferramenta para a fruição da obra, e não um fim em si mesma. A própria pré-disposição dos botões coloridos que vemos nos controles remotos atualmente já indicam uma interface que abrange navegações mais simples, com apenas um toque, como colocar legenda em programas televisivos, por exemplo, e com a qual a maioria dos telespectadores já está habituada. A linguagem Ginga-NCL também prevê o uso dos botões coloridos, setas direcionais e botão “OK”, como se observam na maioria dos controles remotos que oferecem interação, todos esse relativos às operadoras de televisão a cabo. 49
  • 50. Por ser uma obra audiovisual experimental, foi necessária a criação de uma introdução explicativa para que o espectador saiba como irá funcionar a interatividade - através do uso dos botões “OK” e coloridos, e das setas direcionais - e seja instigado a acioná- la. Nesse vídeo “menu inicial”, além do tutorial de usabilidade temos uma breve sinopse da história, tudo isso contado pelo Trapezista, construindo, assim, desde o princípio, uma unidade estética que deixa o usuário mais confortável diante da interface, uma vez que já familiarizado com seus elementos visuais e dramáticos (Fig.47). 50 Fig. 47 - Menu Inicial explica a interação nos botões coloridos Fig. 45 A tela inicial do emulador do Ginga, com as instruções de correspondêcias dos botões Fig.46 O Set Top Box e o controle remoto
  • 51. Foram criados “botões” auto-explicativos, formados por uma animação e o nome do personagem para onde será feita a interação (Fig.50), e sua seleção aciona um ícone de “TEMPO”, indicando ao espectador-interator que sua ação teve um resultado (Fig.51). Cabe aqui falar sobre a escolha do formato, pois relaciona-se intimamente com o design da interação. Como sabemos, uma das principais inovações da TV Digital é a transmissão de vídeo em alta definição. A captação dos vídeos do Projeto Trapézio foi feita em HD 1280X720 pixels, mas a finalização e programação em Ginga levou em consideração o formato 4X3, padrão NTSC. Em primeiro lugar, isso se deve ao fato de que, inicialmente, a máquina virtual onde rodava a aplicação só trabalhava com formatos standart 640X480 (hoje ela já suporta a resolução 1280 X 720 pixels). Isso foi interessante, pois nos levou a deslocar a área de vídeo para cima, dividindo a chamada “região de tela” em duas, uma atribuída ao 51 Fig. 48 - Historia do Circo e botões para biografias dos personagens Fig.49 - Página 1 da Ficha Técnica Fig.50 - Icones de interação durante uma cena Fig.51 - Após interação, aparece ícone de "tempo"
  • 52. vídeo (em formato widescreen) e outra aos ícones, ocupando a região abaixo do video, totalizando, assim, uma configuração de tela 4X3. Tal disposição também foi mantida para a exibição do conteúdo extra “história do circo” e as “biografias dos personagens”, uma vez que neste caso os ícones indicam qual biografia se quer acessar. Aqui, a navegação é pensada de maneira intuitiva, e as setas direcionais do controle remoto, para esquerda e direita navegam pelos personagens, possibilitando a escolha da biografia que se quer acessar , enquanto as setas verticais fazem o “scroll” do texto apresentado. Os ´Icones coloridos exibidos na parte superior da tela indicam ao espectador outras possibilidades de interação, que deve ser feita através do botão colorido (ver Fig. 48.). Pensar a disposição de ícones na tela e a maneira como as informações irão aparecer é primordial, e deve ser feita logo no início do processo de concepção da obra. Neste caso, a aprendizagem se deu por tentativa e erro, esbarrando inúmeras vezes em limitações da linguagem escolhida, que não suporta arquivos .gif animados nem .mov em alpha, o que nos fez testar muitas vezes os ícones dos personagens. A melhor opção para a programação seria usar um arquivo .gif animado, uma vez que para usar o arquivo .mov teríamos que programar um loop em tal arquivo, enquanto esse não tivesse sido selecionado, ao passo que o arquivo .gif necessitaria de uma programação muito mais simples, porque única. O design de interação é fundamental nesse processo, na medida em que a estrutura do código determina o desenvolvimento de ícones e vice-versa. No caso dos conteúdos extra isso fica claro, já que foi preciso pensar que o espectador sairia do filme para acessar o conteúdo extra através do botão colorido. No contexto extra, as setas seriam usadas para navegar pelas biografias e não poderiam ser usadas para outra função; o espectador poderia acessar um conteúdo extra e voltar ao filme, ou navegar entre vários conteúdos extra através dos botões coloridos, portanto, não sobravam alternativas de botão para fazer o espectador voltar ao contexto “filme” a não ser apertando o mesmo botão colorido do conteúdo visualizado. Para que isso ficasse claro, foi necessário inserir na parte superior de cada texto, os ícones coloridos explicativos, indicando o que acontece caso o espectador aperte cada um dos botões coloridos . Ao mesmo tempo, tal decisão implicou necessariamente na estruturação da programação em nós de contexto, que serão pausados e resumidos quando acionados os botões coloridos, que explicarei logo a seguir. O design de interação vem, portanto, unindo produção de conteúdo e programação, sendo a ponte fundamental entre estética, usabilidade e desenvolvimento. 52
  • 53. 4.4 O trabalho com o Ginga 4.4.1 O Ginga-NCL O desenvolvimento do aplicativo do Projeto Trapézio foi feito em parceria com o colega Thiago Afonso de André, que já tinha prévio conhecimento em linguagens de programação, e sob orientação do Prof. Dr. Almir Almas, orientador deste projeto, que inicialmente nos ensinou os procedimentos de programação com o Ginga-NCL e o uso das ferramentas Composer e Eclipse; e colaboração do Prof. Dr. Valdecir Becker, que nos instruiu e esclareceu dúvidas sobre a linguagem Ginga-NCL. Penso que cabe aqui uma introdução teórica de conceitos fundamentais do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, constituído de normas e definições que padronizam o desenvolvimento e a transmissão de aplicações interativas para a TV Digital Brasileira, através do Ginga, middleware padrão brasileiro que está presente nas caixas conversoras (set top boxes) e aparelhos televisivos e possibilita a tão esperada interatividade na TV Digital. Com o início das transmissões digitais de televisão em 2007, passa-se a transmitir através das mesmas ondas eletromagnéticas dados, que são agrupados, codificados e, posteriormente, decodificados nos receptores, gerando fluxos de vídeo e áudio e ainda um fluxo de dados. Para a interatividade ocorrer é preciso haver, portanto, um middleware instalado nesse receptor. Para explicar melhor o assunto, farei uso de literatura conceituada sobre o tema, expondo, nas próximas páginas uma colagem de definições sobre o Ginga e a linguagem NCL, visando o embasamento do leitor para compreender os relatos de desenvolvimento do Projeto Trapézio. Segundo SOARES (2009), “Middleware é a camada de software localizada entre as aplicações (programa de uso final) e o sistema operacional. Seu 53
  • 54. objetivo é oferecer às aplicações suporte necessário para seu rápido e fácil desenvolvimento, além de esconder os detalhes das camadas inferiores, bem como a heterogeneidade entre os diferentes sistemas operacionais e hardwares, definindo, para os que produzem conteúdo, uma visão única do aparelho.” De acordo com o portal Ginga.org: “Ginga® é o nome do Middleware Aberto do Sistema Nipo- Brasileiro de TV Digital (ISDB-TB) e Recomendação ITU-T para serviços IPTV. Ginga é constituído por um conjunto de tecnologias padronizadas e inovações brasileiras que o tornam a especificação de middleware mais avançada. O middleware aberto Ginga é subdividido em dois subsistemas principais interligados, que permitem o desenvolvimento de aplicações seguindo dois paradigmas de programação diferentes. Esses dois subsistemas são chamados de Ginga-NCL (para aplicações declarativas NCL) e Ginga-IMP (para aplicações seguindo uma linguagem imperativa).” O Ginga-NCL é obrigatório, enquanto a parte procedural é optativa. Hoje, a parte procedural é o Ginga J (JAVA) e foi implantado após uma longa discussão sobre royalties, discussão essa que não se aplica ao Ginga-NCL, que é software livre. Sobre linguagens declarativas e procedurais, SOARES (2009) esclarece: “Uma aplicação declarativa é aquela em que sua entidade “inicial” é do tipo “conteúdo declarativo”. Analogamente, uma aplicação procedural é aquela em que sua entidade “inicial” é do tipo “conteúdo procedural”. Um conteúdo declarativo é baseado (especificado) em uma linguagem declarativa, isto é, em uma linguagem que enfatiza a descrição declarativa do problema ao invés de sua decomposição numa implementação algorítmica. (…) Nas linguagens declarativas, o programador fornece apenas o conjunto de tarefas a serem realizadas, 54
  • 55. não estando preocupado com os detalhes de como o executor da linguagem realmente implementará essas tarefas.. Linguagens declarativas resultam em uma declaração do resultado desejado, e, portanto, normalmente não necessitam de tantas linhas de código para definir uma certa tarefa. Entre as linguagens declarativas mais comuns estão a NCL (Nested Context Language), SMIL e XHTML.” O Ginga opera com dois sistemas: Ginga-NCL (declarativo) e Ginga-J (JAVA, ou seja, procedural). O Projeto Trapézio foi realizado em Ginga-NCL, exemplificando uma das grandes questões levantadas pelas normas do SBTVD, o acesso público não só no que concerne as questões de conectividade e inclusão digital, mas, principalmente, o acesso público à produção de conteúdo audiovisual e aplicações interativas. Segundo as palavras do próprio Luiz Fernando Soares, o “pai do Ginga”, em recente entrevista ao Portal Terra Magazine em 15 de agosto de 2011, “Foi com esse enfoque que a NCL foi projetada: uma linguagem simples e fácil de ser usada por não especialistas. Uma linguagem simples, a ponto de permitir receptores de baixo custo sem, no entanto, perder sua expressividade, sem limitar em nada a criatividade. Uma linguagem simples, mas muito mais expressiva do que todas as outras linguagens declarativas usadas em qualquer middleware para TV digital existente até os dias de hoje. Também com essa concepção, foram criadas as bibliotecas NCLua. Lua é hoje a linguagem mais usada no mundo na área de jogos e entretenimento, mas parte de nossa indústria de conteúdos parece ainda ignorar isso.” Aplicações multimídia, interativas ou não, trabalham com objetos de mídia, sincronizados espaço e temporalmente, servindo como linguagem de “cola” entre os diversos elementos de mídia, que permite a definição de seus sincronismos, segundo Normas ABNT NBR 15606-2:2007: 55
  • 56. “Um documento NCL apenas define como os objetos de mídia são estruturados e relacionados no tempo e espaço. Como uma linguagem de cola, ela não restringe ou prescreve os tipos de conteúdo dos objetos de mídia. Nesse sentido, pode-se ter objetos de imagem (GIF, JPEG etc.), de vídeo (MPEG, MOV etc.), de áudio (MP3, WMA etc.), de texto (TXT, PDF etc.), de execução (Xlet, Lua etc.), entre outros, como objetos de mídia NCL. Quais objetos de mídia são suportados depende dos exibidores de mídia que estão acoplados ao formatador NCL (exibidor NCL). Um desses exibidores é o decodificador/exibidor MPEG-4, normalmente implementado em hardware no receptor de televisão digital. Dessa forma, o vídeo e o áudio MPEG-4 principal são tratados como todos os demais objetos de mídia que podem estar relacionados utilizando NCL. Durante a exibição do conteúdo de objetos de mídia são gerados vários eventos. Alguns exemplos são a apresentação de parte do conteúdo de um objeto de mídia, a seleção de parte do conteúdo de um objeto etc. Os eventos podem gerar ações sobre outros objetos de mídia, como iniciar ou terminar suas apresentações.” Para falar sobre a estrutura de funcionamento da linguagem, tomemos a explicação de HERWEG FILHO (2009): “NCM, Nested Context Model, é um modelo conceitual para representação e manipulação de documentos hipermídia que podem ser aninhados formando estruturas contextualizadas. É neste modelo que a linguagem NCL, Nested Context Language, se baseia. NCM é fundamentada no conceito de nodos e links, onde os nodos representam toda a informação e os links representam a relação entre os nodos, ou a maneira como a informação está organizada, formando, assim, estruturas que podem ser representadas por grafos. Os nodos, aqui também chamados de “nós”, e links, também chamados de “elos”, são as entidades base do modelo. 56
  • 57. Existem dois tipos de nós: – Content Node (nó de conteúdo) ou media node (nó de mídia): Este tipo está associado a um elemento de mídia ou conteúdo, seja o elemento um arquivo de imagem, texto ou até mesmo um fragmento de outra linguagem Lua ou Java. – Composite node (nó de composição) ou context node (nó de contexto): Um nó de composição contém um conjunto de nós, que podem conter tanto nós de mídia como outros nós de contexto, recursivamente, formando, assim, estruturas aninhadas com vários níveis de contexto. Na figura, pode-se observar o aninhamento de nós. Cada capítulo e seção representam um nó de informação, sendo que o capítulo representa um nó de contexto e a seção nós de conteúdo. As seções estão aninhadas nos capítulos, tornando visível a diferença entre os tipos de nós. Também seria possível que o nó representado o capítulo 2 estivesse inserido no nó que representa o capítulo 1, formando o aninhamento de nós de contexto. Para estabelecer o relacionamento entre nós, é necessária a criação de elos que são agrupados nas bases de elos pertencentes aos nós de composições, os elos estão representados pelas ligações entre os nós. Como veremos adiante, um elo faz referência a um conector hipermídia e a um conjunto de associações, denominados na linguagem de binds. 57 Fig.52 Aninhamento de nós
  • 58. O relacionamento entre as partes internas do conteúdo de um nó é feito através de pontos de interface, que podem ser uma âncora ou uma porta. A Fig. 52 acima apresenta esses dois importantes conceitos: – Port (Portas): São pontos de interface de um contexto, não são usadas em nós de conteúdo. Servem de acesso ao conteúdo de um contexto, especificando um mapeamento para um ponto de interface de um dos nós internos do contexto. Na figura estão representadas pelos círculos na borda dos nós de contexto (capítulos). – Anchor (Âncoras): São pontos de interface para nós de mídia ou contexto representando um subjconjunto marcado de unidades de informação do conteúdo. Os tipos de âncoras variam de acordo com o tipo de conteúdo do nó. No caso de um nó de mídia representado por um texto, por exemplo, uma âncora poderia ser uma palavra, e em um nó de mídia representado por um arquivo de áudio, poderia ser um determinado intervalo de tempo da música. (…) De uma maneira geral, as portas e âncoras são os acessos externos de cada nó. Uma ideia mais aprofundada sobre os conceitos vistos até agora e outros é visível na figura: Ela introduz dois novos conceitos de NCM: – Connector (Conector): Um conector representa uma relação entre nós sem especificar quais nós fazem parte do relacionamento. Um conector define como os nós são ativados e que ações executam. Um conector é a peça que determina a dinâmica do modelo. Cada conector define os papéis (roles) que os nós de origem e de destino exercem nos elos que utilizam o conector. No Ginga-NCL, o sincronismo é feito por mecanismos de causalidade e restrição que são definidos nos conectores. – Role (Papel): Eles definem condições de ativação e as ações que devem ser realizadas com a sua ativação. O conector exporta, através de papéis, as interfaces para que os objetos tomem 58