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FORMAÇÃO HUMANA E DIÁLOGO: O QUE FAZER DIANTE DA CRISE DO ETHOS?
Autor: Amâncio Leandro Corrêa Pimentel
Orientadora: Maria Dulcinéa da Silva Loureiro
URCA – Universidade Regional do Cariri
Órgão fomentador: FUNCAP
RESUMO
O ser humano é ser de relações e por isso não deve se isolar, entretanto, em nosso momento
histórico estamos diante de uma crise da ética que, de acordo com a lógica do mercado, tem
tornado o individualismo mais difuso, onde o que se quer são apenas satisfações de interesses
e realizações pessoais, deixando cada vez mais de lado princípios de comunhão e
solidariedade que são fundamentais à vida em comunidade. A mudança dos valores tem
levado à coisificação do humano, onde cada TU tem se tornado um ISSO, onde as pessoas
estão perdendo sua humanidade enquanto desumanizam outras e vivendo liberdades que em
sendo destituídas de limites e princípios éticos tem se tornado licenciosidade. Acreditamos
que a educação, mais do que nunca, tem que ser humanizada e humanizadora. Os educadores
precisam ser agentes de humanização enquanto eles mesmos são humanizados.
Argumentamos que é preciso que homens e mulheres, educadores e educandos se abram uns
para com os outros e se entreguem às relações por amarem e acreditarem no humano mesmo
que isso implique em decepções e frustrações. Esse posicionamento de abertura e entrega se
constitui em uma luta pelos princípios éticos de respeito e valorização do humano. Que é a
luta pela humanização que cada vez mais temos que nos engajar.
PALAVRAS CHAVES: Coisificação. Humanização. Diálogo. Educação.
PRIMEIRAS PALAVRAS
Estar junto, em relação com outras pessoas é fundamental já que sem isso, ou seja,
vivendo isoladamente, sem a presença de outras pessoas, sem a influência da sociedade em
que estamos inseridos, provavelmente seríamos como selvagens.
Isso nos faz lembrar a história real do “Selvagem de Aveyron”, relatada por Jean Itard,
que foi médico e educador de um menino posteriormente chamado de Victor, que fora
encontrado nas florestas do sul da França na virada do século XVIII para o XIX. Vejamos
rapidamente uma descrição dos relatórios do próprio Itard acerca do menino:
Um menino de sujeira asquerosa, acometido de movimentos espasmódicos e
muitas vezes convulsivos, balançando sem descanso como certos animais no
zoológico, mordendo e arranhando os que o contrariavam, não demonstrando
nenhuma espécie de afeição pelos que o serviam; enfim, indiferente a tudo e
não dando atenção a nada. (LEITE & GALVÃO, 2000:131)
Estamos aqui diante de uma pessoa, mas, porque vivera isolada de outras pessoas
tendo como companhia apenas os animais e a natureza, não se comportava como pessoa.
Antes que alguém diga que esse menino era deficiente mental e que por isso era como era, ou
seja, como um selvagem, vale dizer que Itard conseguiu, através da educação e do contato
sistemático e constante com várias outras pessoas, ajuda-lo a se comportar como um ser
humano, com suas limitações e deficiências, mas como um ser humano. (Ibdem, 2000)
Ou seja, a relação com outras pessoas, no sentido mais raso e básico do termo,
humaniza, portanto, estar junto sempre foi algo objetivado no percurso da história humana.
Não poderíamos deixar de evidenciar o fato de que quando vamos mais fundo no
termo humanização percebemos que mesmo em sociedade existem aqueles que desumanizam
outros enquanto fazem o mesmo consigo e no decorrer do texto encaminharemos nossa
reflexão para esse sentido, entretanto, nessas primeiras palavras, o que queremos é trazer à
tona a ideia de que, se estar meramente junto já contém a sua importância, estar junto
estabelecendo relações honestas e verdadeiras de valor e reciprocidade não tem preço, pois
educa e transforma permanentemente o ser.
O TU TORNANDO-SE EM ISSO
Oliveira diz que uma palavra que se adequa bem ao nosso momento histórico é ‘crise’,
e ele fala que dentre as dimensões básicas desta crise está a crise do nosso ethos que tem
gerado mudanças de valores e “uma das manifestações desta mudança é a superação das
diferentes formas de solidariedade e comunhão para dar lugar a um individualismo mais
difuso” (1993:41). Esse individualismo é como que uma espécie de isolamento no que diz
respeito aos interesses e às realizações pessoais.
Pesando nessas mudanças de valores façamos uma rápida leitura do trecho de um livro
bíblico de poesias chamado Salmos, onde no capítulo 133 diz: “¡Mirad cuán bueno e cuán
delicioso es habitar los hermanos igualmente em uno!” (1611:917).
O texto acima diz que é bom e delicioso viverem juntas as pessoas, e não apenas
juntas, mas travando relações de entrega e reciprocidade. Será que, como Davi (autor do texto
citado), todos, com honestidade, poderiam se referir ao estar junto como ele se referiu?
Voltando a Manfredo, podemos perceber que à crise da ética, a que ele se refere, tem
levado as pessoas a deixarem de ver outras pessoas como fim tornando-as meios para que de
um modo ou de outro as primeiras alcancem seus fins egoístas, perdendo assim,
paulatinamente, o sentido ontológico que é a vida em comunidade, perdendo assim a
capacidade de ver que o fim deveria ser o humano, ocasionando numa crescente
desumanização turvando a visão de tal forma que expressões como: é “bom” e “delicioso”
viver relações verdadeiras se tornou expressões de livros de poesia que em sendo referidas à
vida real são piegas.
Martin Buber, um filósofo que escreveu sobre relações e diálogo, nos ajuda em nossa
reflexão já que a nosso ver ele tocou em pontos contundentes com considerável sentido. No
seu livro EU e TU, obra a que recorreremos algumas vezes na extensão do presente texto, ele
nos diz:
Cada TU em nosso mundo deve-se tornar um ISSO. Por mais exclusiva que
tenha sido a sua presença na relação imediata, tão logo esta tenha deixado de
atuar ou tenha sido impregnada por meios, o TU se torna objeto entre
objetos, talvez o mais nobre, mas ainda um deles, submetido à medida e à
limitação. (2001:20)
Ao pensar no texto supracitado lembramo-nos automaticamente de quando Paulo
Freire, nas primeiras palavras de sua Pedagogia da Autonomia, nos fala de sua defesa da ética
e em um dado momento deixa claro que a ética que ele defende não é a da lógica do mercado,
mas a da vocação humana de ser mais, falar de relações humanas é falar de ética, já que
relações implicam em comportamentos e atitudes de uns para com os outros. Quando Freire
quer deixar claro que ele nada tem com a lógica do mercado nos remete a pensar em tal
lógica. A mesma tem como alvo e como fim o lucro e para tal faz de qualquer Tu um Isso se
disso depender o alcance de seus alvos-fins.
A rapidez com que Tu se torna Isso, mesmo que a relação imediata tenha sido intensa
e verdadeira, é grande quando se coloca em questão a possibilidade ou impossibilidade de
alcançar outros fins. Aquele que outrora havia sido revelado a mim como quem reforça a
minha humanidade agora se tornou algo a ser medido, julgado e desqualificado... Ou
qualificado, mas, mesmo quando “aprovado” o fato de ter sido medido já fez com que minha
visão dele fosse a de um Isso, como disse Buber, talvez até o mais nobre dos objetos, mas um
objeto, uma coisa.
E aqui estamos diante do que a nosso ver contribui tragicamente para que a visão do
homem sobre o homem seja distorcida. Os fins, que nos desumanizam por não serem os
próprios homens, são sedutores e a força com que a mídia os difunde é tão massivamente
eficiente e seu alcance tão extenso e persuasivo que fez e faz com que o homem se conforme
com o mundo do Isso e veja o humano como “algo a ser experimentado e a ser utilizado”
(BUBER, 2001:47) e “em lugar de acolhê-lo serve-se dele” (Idem).
Complementando ainda essa reflexão acerca da distorção da visão do homem sobre o
homem vale levar em consideração o uso que Buber faz das palavras: Pessoa e Egótico onde
dentre outras designações que ele dá para cada uma delas pensemos na seguinte. “A pessoa
comtempla-se o seu si-mesmo, enquanto que o egótico ocupa-se com o seu ‘meu’: minha
espécie, minha raça, meu agir, meu gênio.” (BUBER, 2001:75) Ou seja, o egótico se preocupa
com o que possui e não com o que é e em nome de possuir faz o que for preciso tornando-se
assim menos Pessoa no sentido estrito da palavra.
Não poderíamos concluir esse tópico sem, contudo, deixar de dizer que ninguém é
puramente Pessoa ou puramente Egótico, ou seja, todos temos inclinações menores ou
maiores para as duas formas de ser na vida, isso justamente por sermos humanos inacabados,
Buber diz que “cada um vive no seio de um duplo Eu” (Ibdem, 2001:76) há homens,
entretanto, cuja inclinação para o Egótico é determinante enquanto que alguns tem uma
determinante inclinação para a dimensão de Pessoa.
EU EM TU E VICE-VERSA
“O EU se realiza na relação com o TU... toda vida atual é encontro” (BUBER,
2001:13), portanto, ao não me posicionar de forma a valorizar a relação com o humano eu
acabo por entrar em uma via que desemboca em não realização do ser no âmbito da vocação
ontológica que é a de ser mais onde ser mais é necessariamente ser COM e nunca ser SÓ.
Estar COM é estar em diálogo e este “se impõe como caminho pelo qual os homens
ganham significação enquanto homens” (FREIRE, 1980:93), “só na comunidade com os
outros é que cada indivíduo encontra os mecanismos para desenvolver suas faculdades em
todos os aspectos” e Marx continua “só na coletividade, portanto, que a liberdade pessoal se
torna possível.” (2007:112).
Portanto, humanidade, liberdade, significação, emancipação, enfim, realização do
humano depende de que entendamos “que o ser humano está, desde sempre, na relação com o
outro”, Kronbauer prosseguindo diz, “o sujeito é sempre relação, a conquista da condição de
sujeito, finalidade da conscientização, é sempre relativa a outros sujeitos do mundo-
linguagem comum.” (2002:275)
Percebemos que o ser é quando está sendo em comunidade, nas relações verdadeiras e
recíprocas que travam, entretanto, vale pensar nesse momento de nossa reflexão sobre a
distorção da visão que o homem passou a ter do homem, o que poderia também ser chamado
de desumanização que progressivamente o homem vai “vivendo”.
Partindo daqui acreditamos ser possível pensar na dificuldade em que as pessoas tem
de se verem nos outros, de perceberem que os seres humanos são revelados quando entram
em relação com outras pessoas. E isso porque há um pouco de cada pessoa nas outras já que
não há quem seja virtuoso por natureza. Freire diz: “Como posso dialogar se me admito como
um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros ‘isto’ em quem não
reconheço outros eu?” (1980:95)
Eu está em Tu atuando sobre ele e vice-versa, relação é reciprocidade. Não nos
construímos sozinhos, vivemos em um fluxo de reciprocidade, onde a necessidade que temos
para nos formar é a de admitir-nos numa dialética universal, onde quando menos nos
apercebemos estamos mudando pela influência e atuação do outro que carrega em si um
pouco do Eu.
Diante disso vale dizer que até as divergências conflitivas que inevitavelmente surgem
entre as pessoas, que logicamente tem suas diferenças, por não serem totalmente Eu, são bases
para que haja mudança e formação do ser. Nesse momento saudável de tensão o Eu vê outras
possibilidades de ser, mantendo suas especificidades e características, mas sendo
transformado no que precisa o que é genuinamente uma peculiaridade do ser humano, a
construção permanente de si, a mudança.
ACREDITAR NA RELAÇÃO VERDADEIRA: ACREDITAR NO HUMANO
“Se o diálogo é o encontro dos homens para Ser Mais, não pode fazer-se na
desesperança.” (FREIRE, 1980:97) Como acreditar sem esperança? Seria incoerente dizer que
acreditamos no homem sem ter a esperança de que dali possa brotar honestidade e verdade,
não me refiro aqui à verdade absoluta, mas a verdade como sinceridade, verdade de
sentimentos e de intenções. Verdade essa, sem a qual uma relação verdadeira e recíproca é
inviabilizada.
Por outro lado há os que dizem ter esperança, mas não tem coragem de acreditar,
talvez por já terem acreditado demais e terem se decepcionado ou talvez por nunca terem
acreditado por conta da educação que receberam no decorrer das vidas e aqui se coloca a
necessidade de nos determos um pouco.
Acima tocamos no ponto da lógica do mercado que visa a aquisição, e poderíamos
dizer que tal aquisição mesmo que não seja somente de bens materiais torna o adquirido em
objeto, em Isso, em coisa. De acordo com essa lógica obter e fazer uso do obtido é o que se
quer, sempre com um fim egoísta.
Adolescentes vão às discotecas, tomados pela lógica do mercado, sem se aperceberem
disso, para competirem sobre quem beija mais meninas numa noite. A princípio, poder-se-ia
dizer que o alvo são as meninas, mas não, o alvo é a satisfação da sede de adquirir... De ter...
Enfim de possuir. O que menos percebem é que ao se acostumar com a aquisição desenfreada,
esquecem se si mesmos, esquecem de ser e se desumanizam cada vez mais.
O exemplo acima citado é para que pensemos que a lógica do mercado que também é
neo liberal tem se espalhado sem que percebamos e “necrosado” a humanidade na medida
que, sem perceber, é acolhida pelas pessoas.
E aqui estamos diante da questão colocada acima. Muitos têm esperança que a
humanidade mude, mas foram e são educados para se conformar com o mundo do Isso e do
servir-se do Isso o que é antagônico ao acreditar no humano. A esperança sem a crença se
torna em falsa esperança, já que é vazia de sentido e significado.
Vale dizer nesse momento que ao escrever esse texto o fazemos porque, com
sinceridade e honestidade, temos esperança e acreditamos no humano. Admitimos então a
possibilidade real do estabelecimento de relações verdadeiras de reciprocidade. Portanto, ao
admitir isso surgem diante de nós implicações dentre as quais estão a de nos abrir e nos
entregar às relações. Que será assunto do próximo momento da presente reflexão.
ABRIR-SE E ENTREGAR-SE: IMPLICAÇÕES DE ACREDITAR E TER ESPERANÇA
NO HUMANO
“Posso até perder alguma coisa materialmente por ter sido coerente. Pouco importa.”
(FREIRE, 2000:45) O texto citado está em um contexto onde Freire falava de fazer o certo e
trazia a questão da coerência entre o dizer e o fazer. Ele coloca a coerência do dizer e fazer o
certo como um sinal de “inteireza do nosso ser” (Idem), entretanto, o que ele disse pensando
nos moldes da ética capitalista seria um anacronismo, mais do que isso, seria uma “burrice”.
Ter prejuízos em nome de fazer o certo? “Quem em sã consciência faria isso?” É o que muitos
diriam.
Acreditamos ser certo se abrir e se entregar ao humano, já que isso humaniza, mesmo
que isso implique em riscos, riscos de decepção, de frustração, de ser enganado, etc. “O risco
é um ingrediente necessário à mobilidade, sem a qual não há cultura nem história” (Ibidem,
2000:30).
Quanto valeria a nossa humanidade se realizando?
Quanto valeria vivermos com significado?
Entretanto, muitos passariam por qualquer coisa e se arriscariam ao máximo para
obterem mais dinheiro, mais bens materiais, enfim, para satisfazem seu ser egoísta que anda
na contramão da humanização.
É preciso tocar e se deixar tocar, já que Eu atua em Tu e Tu em Eu, e com isso correr
não só o risco de decepções e frustrações, mas de mudar, de ser transformado, de desfrutar da
vida. “Seria uma contradição se, inconcluso, e consciente da inconclusão, o ser humano,
histórico, não se tornasse um ser de busca” (FREIRE, 2000:120) e se Eu está também em Tu,
boa parte de minha busca e do que encontro nesta está em Tu, na relação que, como já foi
dito, é troca, é reciprocidade, é dialética.
Acerca desse tocar e se deixar tocar vale dizer que a ausência de preconceito é
fundamental, não podemos permitir que os atributos estéticos ou materiais de uma pessoa
sejam critérios para o início de uma relação, certa vez o mestre Jesus junto a um leproso
tocou-o num gesto de carinho, mesmo que isso parecesse um absurdo para a época e para a
multidão que por ali estava, ele não se importava.
Jesus tinha compromisso com os homens e, como homens, precisamos ter esse
compromisso uns com os outros, sem o qual a abertura e a entrega de que estamos falando é
inviabilizada. Tal compromisso é efetivado pelo amor à humanidade que é um ato de valentia
e “porque é um ato de coragem e nunca de medo, o amor é [o próprio] compromisso”
(FREIRE, 1980:94) de que falamos.
“Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o
diálogo” (Idem) que é o “lugar” onde os homens se encontram para liberdade, para a
concretização das relações, para a reciprocidade, para a mudança de si e para a pronúncia do
mundo e da vida.
Apenas com um profundo amor aos homens posso não valorar uma pessoa pelos
atributos materiais ou estéticos que ela tenha, entretanto, entre nós parece que algumas
pessoas valem mais do que outras, parece que valem o quanto recebem no final do mês. Ou
valem pela popularidade que tenham, talvez por serem esteticamente bonitas ou por serem
esteticamente articuladas na oratória e por aí vai, não há fim para fragmentarmos uma pessoa
e tentar se aproximar dela por conta de uma parte que vale mais do que as outras, mas ao fazer
isso, saibamos, tornamos tal pessoa para nós objeto. Um Isso que pode ser como já foi dito,
quantificado e qualificado ou desqualificado, mas dificilmente contemplado como ser humano
em sua totalidade.
Portanto, diante da gravidade da coisificação do humano, acreditamos que a Educação
tem papel fundamental na formação humana das pessoas e é disso que falaremos adiante. Pois
acreditamos que na escola, um professor, que é tão gente e tão inacabado quanto qualquer
aluno, pode e deve ser agenciador de humanização.
AMIZADE, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA
Nesse ponto somos remetidos ao início do nosso texto quando falamos do Victor e de
sua selvageria por conta de vida em isolamento de outras pessoas. Kant disse que “o homem é
a única criatura que precisa ser educada” (2004:11), os animais precisam de nutrição, mas não
de educação, o homem apenas com nutrição e sem educação seria como um selvagem. Seria
como Victor. E a educação se dá no contato e nas relações que se estabelecem.
Entretanto, a educação será melhor se entendermos que o educando “deve manter com
os outros relações de amizade, e não viver sempre isoladamente.” (Ibdem, 82) veja que Kant
não apenas quer o contato, mas relação de amizade, ou seja, relação de alteridade, onde a
mesma, em sendo permanente leva o educando a crescer valorizando os princípios da
comunhão e da solidariedade.
Nesse ponto acreditamos no potencial e no dever do professor para ser ele mesmo um
ser que se abre e se entrega aos seus alunos e um intermediário do encontro entre seus alunos.
Proporcionando assim uma educação humanizada e humanizadora que tem como base o
diálogo.
Na Pedagogia da Indignação, no texto sobre o assassinato de Galdino Jesus dos
Santos, Freire coloca a questão como um “registro do todopoderosismo de liberdades, isentas
de qualquer limite, liberdades virando licenciosidade” (2000:66) onde pessoas tomadas pela
dimensão do egótico acham que podem fazer o que bem entendem com outras pessoas que a
seu ver valem menos do que elas.
Ou seja, uma liberdade que não vem intrínseca à educação, que não vem com limites,
que, enfim, não nasce com responsabilidade se torna licenciosidade o que também pode ser
chamado de tirania da liberdade que acaba por tornar a humanidade em animalidade e Kant já
dizia que “a disciplina torna a animalidade em humanidade” (2004:12).
Freire ainda vai dizer que
o fato em si de mais essa transgressão da ética nos adverte de como urge que
assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos mais fundamentais como
o do respeito à vida dos seres humanos, à vida dos animais... dos rios e das
florestas. Não creio na amorosidade entre mulheres e homens, entre os seres
humanos, se não nos tornamos capazes de amar o mundo.
Não é possível refazer esse país, democratizá-lo, humaniza-lo, torna-lo sério,
com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o
sonho, inviabilizando o amor. (Ibdem, 67)
A indignação de Freire nos mostra o quanto devemos assumir o dever e lutar pelos
princípios éticos mais importantes, como respeito à vida e à natureza e ele coloca a educação
como um “setor” que pode e deve contribuir para isso. Logo depois do texto citado acima ele
vai dizer que “a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda” (Idem), ou seja, a educação tem papel preponderante na formação humana para que
haja transformação na sociedade.
Portanto, nós, educadores ou futuros educadores levemos em consideração o fato de
que devemos ser agentes de humanização e não podemos escapar a rigorosidade dessa
responsabilidade.
ÚLTIMAS PALAVRAS
Oliveira fala de crise da ética, Paulo Freire fala de todopoderosismo ocasionado pela
liberdade dicotomizada de responsabilidade e princípios éticos e Buber fala de coisificação do
Tu, do humano. Enfim, todos estes e outros teóricos apontam a crise. Crise de princípios,
inversão de valores. Falam de desumanização.
Freire e Buber se encontram quando falam desta crise que tem como aporte a
coisificação do humano, fazendo com que o mesmo valha o quanto tem e o quanto podem dar
de retorno. Falam da fragmentação do ser humano, que o torna Isso toda vez que é medido,
qualificado o desqualificado.
O que fazer diante dessa crise?
Muitos diriam que nada pode ser feito e o diriam por que lhes falta a esperança que é
reforçada pelo amor ao humano que é compromisso.
Buber e Freire acreditam no diálogo como lugar para o encontro do EU no Outro. E,
portanto, lugar privilegiado para humanização já que o diálogo que tem como elemento
principal a palavra que em sendo verdadeira não pode ser usada como meio de manipulação e
submersão da consciência, mas, pelo contrário, meio por onde a liberdade vai se
estabelecendo e por onde a consciência vai emergindo.
E aqui podemos pensar no que fazer diante dessa crise. Como educadores temos a
possibilidade de influenciar nossos educandos, mas só o faremos na medida em que estejamos
em constante busca já que inacabados. Não podemos achar que conseguiremos êxito na
humanização de outros se não formos nós mesmos alvos constantes desta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUBER, Martin. EU e TU, 8ª ed. São Paulo: Centauro, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 39ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação. São Paulo: Unesp, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. 12º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981.
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. 4ª ed. Piracicaba: Unimep, 2004.
KRONBAUER, Luiz Gilberto. FIORI: A Linguagem o Pensar e a Práxis. In: PIOVESAN, A.;
EIDT, C.; GARCIA, C. B.; HEUSER, E. M. D.; FRAGA, P. D. (orgs). Filosofia e ensino em
debate. : Ed.UNIJUI, 2002.
MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martin Claret, 2007.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e Racionalidade Moderna. São Paulo: Loyola,1993.

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Trabalho para comunicação oral formação humana e diálogo o que fazer diante da crise do ethos

  • 1. FORMAÇÃO HUMANA E DIÁLOGO: O QUE FAZER DIANTE DA CRISE DO ETHOS? Autor: Amâncio Leandro Corrêa Pimentel Orientadora: Maria Dulcinéa da Silva Loureiro URCA – Universidade Regional do Cariri Órgão fomentador: FUNCAP RESUMO O ser humano é ser de relações e por isso não deve se isolar, entretanto, em nosso momento histórico estamos diante de uma crise da ética que, de acordo com a lógica do mercado, tem tornado o individualismo mais difuso, onde o que se quer são apenas satisfações de interesses e realizações pessoais, deixando cada vez mais de lado princípios de comunhão e solidariedade que são fundamentais à vida em comunidade. A mudança dos valores tem levado à coisificação do humano, onde cada TU tem se tornado um ISSO, onde as pessoas estão perdendo sua humanidade enquanto desumanizam outras e vivendo liberdades que em sendo destituídas de limites e princípios éticos tem se tornado licenciosidade. Acreditamos que a educação, mais do que nunca, tem que ser humanizada e humanizadora. Os educadores precisam ser agentes de humanização enquanto eles mesmos são humanizados. Argumentamos que é preciso que homens e mulheres, educadores e educandos se abram uns para com os outros e se entreguem às relações por amarem e acreditarem no humano mesmo que isso implique em decepções e frustrações. Esse posicionamento de abertura e entrega se constitui em uma luta pelos princípios éticos de respeito e valorização do humano. Que é a luta pela humanização que cada vez mais temos que nos engajar. PALAVRAS CHAVES: Coisificação. Humanização. Diálogo. Educação. PRIMEIRAS PALAVRAS Estar junto, em relação com outras pessoas é fundamental já que sem isso, ou seja, vivendo isoladamente, sem a presença de outras pessoas, sem a influência da sociedade em que estamos inseridos, provavelmente seríamos como selvagens.
  • 2. Isso nos faz lembrar a história real do “Selvagem de Aveyron”, relatada por Jean Itard, que foi médico e educador de um menino posteriormente chamado de Victor, que fora encontrado nas florestas do sul da França na virada do século XVIII para o XIX. Vejamos rapidamente uma descrição dos relatórios do próprio Itard acerca do menino: Um menino de sujeira asquerosa, acometido de movimentos espasmódicos e muitas vezes convulsivos, balançando sem descanso como certos animais no zoológico, mordendo e arranhando os que o contrariavam, não demonstrando nenhuma espécie de afeição pelos que o serviam; enfim, indiferente a tudo e não dando atenção a nada. (LEITE & GALVÃO, 2000:131) Estamos aqui diante de uma pessoa, mas, porque vivera isolada de outras pessoas tendo como companhia apenas os animais e a natureza, não se comportava como pessoa. Antes que alguém diga que esse menino era deficiente mental e que por isso era como era, ou seja, como um selvagem, vale dizer que Itard conseguiu, através da educação e do contato sistemático e constante com várias outras pessoas, ajuda-lo a se comportar como um ser humano, com suas limitações e deficiências, mas como um ser humano. (Ibdem, 2000) Ou seja, a relação com outras pessoas, no sentido mais raso e básico do termo, humaniza, portanto, estar junto sempre foi algo objetivado no percurso da história humana. Não poderíamos deixar de evidenciar o fato de que quando vamos mais fundo no termo humanização percebemos que mesmo em sociedade existem aqueles que desumanizam outros enquanto fazem o mesmo consigo e no decorrer do texto encaminharemos nossa reflexão para esse sentido, entretanto, nessas primeiras palavras, o que queremos é trazer à tona a ideia de que, se estar meramente junto já contém a sua importância, estar junto estabelecendo relações honestas e verdadeiras de valor e reciprocidade não tem preço, pois educa e transforma permanentemente o ser. O TU TORNANDO-SE EM ISSO Oliveira diz que uma palavra que se adequa bem ao nosso momento histórico é ‘crise’, e ele fala que dentre as dimensões básicas desta crise está a crise do nosso ethos que tem gerado mudanças de valores e “uma das manifestações desta mudança é a superação das diferentes formas de solidariedade e comunhão para dar lugar a um individualismo mais
  • 3. difuso” (1993:41). Esse individualismo é como que uma espécie de isolamento no que diz respeito aos interesses e às realizações pessoais. Pesando nessas mudanças de valores façamos uma rápida leitura do trecho de um livro bíblico de poesias chamado Salmos, onde no capítulo 133 diz: “¡Mirad cuán bueno e cuán delicioso es habitar los hermanos igualmente em uno!” (1611:917). O texto acima diz que é bom e delicioso viverem juntas as pessoas, e não apenas juntas, mas travando relações de entrega e reciprocidade. Será que, como Davi (autor do texto citado), todos, com honestidade, poderiam se referir ao estar junto como ele se referiu? Voltando a Manfredo, podemos perceber que à crise da ética, a que ele se refere, tem levado as pessoas a deixarem de ver outras pessoas como fim tornando-as meios para que de um modo ou de outro as primeiras alcancem seus fins egoístas, perdendo assim, paulatinamente, o sentido ontológico que é a vida em comunidade, perdendo assim a capacidade de ver que o fim deveria ser o humano, ocasionando numa crescente desumanização turvando a visão de tal forma que expressões como: é “bom” e “delicioso” viver relações verdadeiras se tornou expressões de livros de poesia que em sendo referidas à vida real são piegas. Martin Buber, um filósofo que escreveu sobre relações e diálogo, nos ajuda em nossa reflexão já que a nosso ver ele tocou em pontos contundentes com considerável sentido. No seu livro EU e TU, obra a que recorreremos algumas vezes na extensão do presente texto, ele nos diz: Cada TU em nosso mundo deve-se tornar um ISSO. Por mais exclusiva que tenha sido a sua presença na relação imediata, tão logo esta tenha deixado de atuar ou tenha sido impregnada por meios, o TU se torna objeto entre objetos, talvez o mais nobre, mas ainda um deles, submetido à medida e à limitação. (2001:20) Ao pensar no texto supracitado lembramo-nos automaticamente de quando Paulo Freire, nas primeiras palavras de sua Pedagogia da Autonomia, nos fala de sua defesa da ética e em um dado momento deixa claro que a ética que ele defende não é a da lógica do mercado, mas a da vocação humana de ser mais, falar de relações humanas é falar de ética, já que relações implicam em comportamentos e atitudes de uns para com os outros. Quando Freire quer deixar claro que ele nada tem com a lógica do mercado nos remete a pensar em tal
  • 4. lógica. A mesma tem como alvo e como fim o lucro e para tal faz de qualquer Tu um Isso se disso depender o alcance de seus alvos-fins. A rapidez com que Tu se torna Isso, mesmo que a relação imediata tenha sido intensa e verdadeira, é grande quando se coloca em questão a possibilidade ou impossibilidade de alcançar outros fins. Aquele que outrora havia sido revelado a mim como quem reforça a minha humanidade agora se tornou algo a ser medido, julgado e desqualificado... Ou qualificado, mas, mesmo quando “aprovado” o fato de ter sido medido já fez com que minha visão dele fosse a de um Isso, como disse Buber, talvez até o mais nobre dos objetos, mas um objeto, uma coisa. E aqui estamos diante do que a nosso ver contribui tragicamente para que a visão do homem sobre o homem seja distorcida. Os fins, que nos desumanizam por não serem os próprios homens, são sedutores e a força com que a mídia os difunde é tão massivamente eficiente e seu alcance tão extenso e persuasivo que fez e faz com que o homem se conforme com o mundo do Isso e veja o humano como “algo a ser experimentado e a ser utilizado” (BUBER, 2001:47) e “em lugar de acolhê-lo serve-se dele” (Idem). Complementando ainda essa reflexão acerca da distorção da visão do homem sobre o homem vale levar em consideração o uso que Buber faz das palavras: Pessoa e Egótico onde dentre outras designações que ele dá para cada uma delas pensemos na seguinte. “A pessoa comtempla-se o seu si-mesmo, enquanto que o egótico ocupa-se com o seu ‘meu’: minha espécie, minha raça, meu agir, meu gênio.” (BUBER, 2001:75) Ou seja, o egótico se preocupa com o que possui e não com o que é e em nome de possuir faz o que for preciso tornando-se assim menos Pessoa no sentido estrito da palavra. Não poderíamos concluir esse tópico sem, contudo, deixar de dizer que ninguém é puramente Pessoa ou puramente Egótico, ou seja, todos temos inclinações menores ou maiores para as duas formas de ser na vida, isso justamente por sermos humanos inacabados, Buber diz que “cada um vive no seio de um duplo Eu” (Ibdem, 2001:76) há homens, entretanto, cuja inclinação para o Egótico é determinante enquanto que alguns tem uma determinante inclinação para a dimensão de Pessoa. EU EM TU E VICE-VERSA
  • 5. “O EU se realiza na relação com o TU... toda vida atual é encontro” (BUBER, 2001:13), portanto, ao não me posicionar de forma a valorizar a relação com o humano eu acabo por entrar em uma via que desemboca em não realização do ser no âmbito da vocação ontológica que é a de ser mais onde ser mais é necessariamente ser COM e nunca ser SÓ. Estar COM é estar em diálogo e este “se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens” (FREIRE, 1980:93), “só na comunidade com os outros é que cada indivíduo encontra os mecanismos para desenvolver suas faculdades em todos os aspectos” e Marx continua “só na coletividade, portanto, que a liberdade pessoal se torna possível.” (2007:112). Portanto, humanidade, liberdade, significação, emancipação, enfim, realização do humano depende de que entendamos “que o ser humano está, desde sempre, na relação com o outro”, Kronbauer prosseguindo diz, “o sujeito é sempre relação, a conquista da condição de sujeito, finalidade da conscientização, é sempre relativa a outros sujeitos do mundo- linguagem comum.” (2002:275) Percebemos que o ser é quando está sendo em comunidade, nas relações verdadeiras e recíprocas que travam, entretanto, vale pensar nesse momento de nossa reflexão sobre a distorção da visão que o homem passou a ter do homem, o que poderia também ser chamado de desumanização que progressivamente o homem vai “vivendo”. Partindo daqui acreditamos ser possível pensar na dificuldade em que as pessoas tem de se verem nos outros, de perceberem que os seres humanos são revelados quando entram em relação com outras pessoas. E isso porque há um pouco de cada pessoa nas outras já que não há quem seja virtuoso por natureza. Freire diz: “Como posso dialogar se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros ‘isto’ em quem não reconheço outros eu?” (1980:95) Eu está em Tu atuando sobre ele e vice-versa, relação é reciprocidade. Não nos construímos sozinhos, vivemos em um fluxo de reciprocidade, onde a necessidade que temos para nos formar é a de admitir-nos numa dialética universal, onde quando menos nos apercebemos estamos mudando pela influência e atuação do outro que carrega em si um pouco do Eu.
  • 6. Diante disso vale dizer que até as divergências conflitivas que inevitavelmente surgem entre as pessoas, que logicamente tem suas diferenças, por não serem totalmente Eu, são bases para que haja mudança e formação do ser. Nesse momento saudável de tensão o Eu vê outras possibilidades de ser, mantendo suas especificidades e características, mas sendo transformado no que precisa o que é genuinamente uma peculiaridade do ser humano, a construção permanente de si, a mudança. ACREDITAR NA RELAÇÃO VERDADEIRA: ACREDITAR NO HUMANO “Se o diálogo é o encontro dos homens para Ser Mais, não pode fazer-se na desesperança.” (FREIRE, 1980:97) Como acreditar sem esperança? Seria incoerente dizer que acreditamos no homem sem ter a esperança de que dali possa brotar honestidade e verdade, não me refiro aqui à verdade absoluta, mas a verdade como sinceridade, verdade de sentimentos e de intenções. Verdade essa, sem a qual uma relação verdadeira e recíproca é inviabilizada. Por outro lado há os que dizem ter esperança, mas não tem coragem de acreditar, talvez por já terem acreditado demais e terem se decepcionado ou talvez por nunca terem acreditado por conta da educação que receberam no decorrer das vidas e aqui se coloca a necessidade de nos determos um pouco. Acima tocamos no ponto da lógica do mercado que visa a aquisição, e poderíamos dizer que tal aquisição mesmo que não seja somente de bens materiais torna o adquirido em objeto, em Isso, em coisa. De acordo com essa lógica obter e fazer uso do obtido é o que se quer, sempre com um fim egoísta. Adolescentes vão às discotecas, tomados pela lógica do mercado, sem se aperceberem disso, para competirem sobre quem beija mais meninas numa noite. A princípio, poder-se-ia dizer que o alvo são as meninas, mas não, o alvo é a satisfação da sede de adquirir... De ter... Enfim de possuir. O que menos percebem é que ao se acostumar com a aquisição desenfreada, esquecem se si mesmos, esquecem de ser e se desumanizam cada vez mais.
  • 7. O exemplo acima citado é para que pensemos que a lógica do mercado que também é neo liberal tem se espalhado sem que percebamos e “necrosado” a humanidade na medida que, sem perceber, é acolhida pelas pessoas. E aqui estamos diante da questão colocada acima. Muitos têm esperança que a humanidade mude, mas foram e são educados para se conformar com o mundo do Isso e do servir-se do Isso o que é antagônico ao acreditar no humano. A esperança sem a crença se torna em falsa esperança, já que é vazia de sentido e significado. Vale dizer nesse momento que ao escrever esse texto o fazemos porque, com sinceridade e honestidade, temos esperança e acreditamos no humano. Admitimos então a possibilidade real do estabelecimento de relações verdadeiras de reciprocidade. Portanto, ao admitir isso surgem diante de nós implicações dentre as quais estão a de nos abrir e nos entregar às relações. Que será assunto do próximo momento da presente reflexão. ABRIR-SE E ENTREGAR-SE: IMPLICAÇÕES DE ACREDITAR E TER ESPERANÇA NO HUMANO “Posso até perder alguma coisa materialmente por ter sido coerente. Pouco importa.” (FREIRE, 2000:45) O texto citado está em um contexto onde Freire falava de fazer o certo e trazia a questão da coerência entre o dizer e o fazer. Ele coloca a coerência do dizer e fazer o certo como um sinal de “inteireza do nosso ser” (Idem), entretanto, o que ele disse pensando nos moldes da ética capitalista seria um anacronismo, mais do que isso, seria uma “burrice”. Ter prejuízos em nome de fazer o certo? “Quem em sã consciência faria isso?” É o que muitos diriam. Acreditamos ser certo se abrir e se entregar ao humano, já que isso humaniza, mesmo que isso implique em riscos, riscos de decepção, de frustração, de ser enganado, etc. “O risco é um ingrediente necessário à mobilidade, sem a qual não há cultura nem história” (Ibidem, 2000:30). Quanto valeria a nossa humanidade se realizando? Quanto valeria vivermos com significado?
  • 8. Entretanto, muitos passariam por qualquer coisa e se arriscariam ao máximo para obterem mais dinheiro, mais bens materiais, enfim, para satisfazem seu ser egoísta que anda na contramão da humanização. É preciso tocar e se deixar tocar, já que Eu atua em Tu e Tu em Eu, e com isso correr não só o risco de decepções e frustrações, mas de mudar, de ser transformado, de desfrutar da vida. “Seria uma contradição se, inconcluso, e consciente da inconclusão, o ser humano, histórico, não se tornasse um ser de busca” (FREIRE, 2000:120) e se Eu está também em Tu, boa parte de minha busca e do que encontro nesta está em Tu, na relação que, como já foi dito, é troca, é reciprocidade, é dialética. Acerca desse tocar e se deixar tocar vale dizer que a ausência de preconceito é fundamental, não podemos permitir que os atributos estéticos ou materiais de uma pessoa sejam critérios para o início de uma relação, certa vez o mestre Jesus junto a um leproso tocou-o num gesto de carinho, mesmo que isso parecesse um absurdo para a época e para a multidão que por ali estava, ele não se importava. Jesus tinha compromisso com os homens e, como homens, precisamos ter esse compromisso uns com os outros, sem o qual a abertura e a entrega de que estamos falando é inviabilizada. Tal compromisso é efetivado pelo amor à humanidade que é um ato de valentia e “porque é um ato de coragem e nunca de medo, o amor é [o próprio] compromisso” (FREIRE, 1980:94) de que falamos. “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo” (Idem) que é o “lugar” onde os homens se encontram para liberdade, para a concretização das relações, para a reciprocidade, para a mudança de si e para a pronúncia do mundo e da vida. Apenas com um profundo amor aos homens posso não valorar uma pessoa pelos atributos materiais ou estéticos que ela tenha, entretanto, entre nós parece que algumas pessoas valem mais do que outras, parece que valem o quanto recebem no final do mês. Ou valem pela popularidade que tenham, talvez por serem esteticamente bonitas ou por serem esteticamente articuladas na oratória e por aí vai, não há fim para fragmentarmos uma pessoa e tentar se aproximar dela por conta de uma parte que vale mais do que as outras, mas ao fazer isso, saibamos, tornamos tal pessoa para nós objeto. Um Isso que pode ser como já foi dito,
  • 9. quantificado e qualificado ou desqualificado, mas dificilmente contemplado como ser humano em sua totalidade. Portanto, diante da gravidade da coisificação do humano, acreditamos que a Educação tem papel fundamental na formação humana das pessoas e é disso que falaremos adiante. Pois acreditamos que na escola, um professor, que é tão gente e tão inacabado quanto qualquer aluno, pode e deve ser agenciador de humanização. AMIZADE, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA Nesse ponto somos remetidos ao início do nosso texto quando falamos do Victor e de sua selvageria por conta de vida em isolamento de outras pessoas. Kant disse que “o homem é a única criatura que precisa ser educada” (2004:11), os animais precisam de nutrição, mas não de educação, o homem apenas com nutrição e sem educação seria como um selvagem. Seria como Victor. E a educação se dá no contato e nas relações que se estabelecem. Entretanto, a educação será melhor se entendermos que o educando “deve manter com os outros relações de amizade, e não viver sempre isoladamente.” (Ibdem, 82) veja que Kant não apenas quer o contato, mas relação de amizade, ou seja, relação de alteridade, onde a mesma, em sendo permanente leva o educando a crescer valorizando os princípios da comunhão e da solidariedade. Nesse ponto acreditamos no potencial e no dever do professor para ser ele mesmo um ser que se abre e se entrega aos seus alunos e um intermediário do encontro entre seus alunos. Proporcionando assim uma educação humanizada e humanizadora que tem como base o diálogo. Na Pedagogia da Indignação, no texto sobre o assassinato de Galdino Jesus dos Santos, Freire coloca a questão como um “registro do todopoderosismo de liberdades, isentas de qualquer limite, liberdades virando licenciosidade” (2000:66) onde pessoas tomadas pela dimensão do egótico acham que podem fazer o que bem entendem com outras pessoas que a seu ver valem menos do que elas.
  • 10. Ou seja, uma liberdade que não vem intrínseca à educação, que não vem com limites, que, enfim, não nasce com responsabilidade se torna licenciosidade o que também pode ser chamado de tirania da liberdade que acaba por tornar a humanidade em animalidade e Kant já dizia que “a disciplina torna a animalidade em humanidade” (2004:12). Freire ainda vai dizer que o fato em si de mais essa transgressão da ética nos adverte de como urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos mais fundamentais como o do respeito à vida dos seres humanos, à vida dos animais... dos rios e das florestas. Não creio na amorosidade entre mulheres e homens, entre os seres humanos, se não nos tornamos capazes de amar o mundo. Não é possível refazer esse país, democratizá-lo, humaniza-lo, torna-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. (Ibdem, 67) A indignação de Freire nos mostra o quanto devemos assumir o dever e lutar pelos princípios éticos mais importantes, como respeito à vida e à natureza e ele coloca a educação como um “setor” que pode e deve contribuir para isso. Logo depois do texto citado acima ele vai dizer que “a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” (Idem), ou seja, a educação tem papel preponderante na formação humana para que haja transformação na sociedade. Portanto, nós, educadores ou futuros educadores levemos em consideração o fato de que devemos ser agentes de humanização e não podemos escapar a rigorosidade dessa responsabilidade. ÚLTIMAS PALAVRAS Oliveira fala de crise da ética, Paulo Freire fala de todopoderosismo ocasionado pela liberdade dicotomizada de responsabilidade e princípios éticos e Buber fala de coisificação do Tu, do humano. Enfim, todos estes e outros teóricos apontam a crise. Crise de princípios, inversão de valores. Falam de desumanização.
  • 11. Freire e Buber se encontram quando falam desta crise que tem como aporte a coisificação do humano, fazendo com que o mesmo valha o quanto tem e o quanto podem dar de retorno. Falam da fragmentação do ser humano, que o torna Isso toda vez que é medido, qualificado o desqualificado. O que fazer diante dessa crise? Muitos diriam que nada pode ser feito e o diriam por que lhes falta a esperança que é reforçada pelo amor ao humano que é compromisso. Buber e Freire acreditam no diálogo como lugar para o encontro do EU no Outro. E, portanto, lugar privilegiado para humanização já que o diálogo que tem como elemento principal a palavra que em sendo verdadeira não pode ser usada como meio de manipulação e submersão da consciência, mas, pelo contrário, meio por onde a liberdade vai se estabelecendo e por onde a consciência vai emergindo. E aqui podemos pensar no que fazer diante dessa crise. Como educadores temos a possibilidade de influenciar nossos educandos, mas só o faremos na medida em que estejamos em constante busca já que inacabados. Não podemos achar que conseguiremos êxito na humanização de outros se não formos nós mesmos alvos constantes desta. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUBER, Martin. EU e TU, 8ª ed. São Paulo: Centauro, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 39ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação. São Paulo: Unesp, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. 12º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. 4ª ed. Piracicaba: Unimep, 2004.
  • 12. KRONBAUER, Luiz Gilberto. FIORI: A Linguagem o Pensar e a Práxis. In: PIOVESAN, A.; EIDT, C.; GARCIA, C. B.; HEUSER, E. M. D.; FRAGA, P. D. (orgs). Filosofia e ensino em debate. : Ed.UNIJUI, 2002. MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martin Claret, 2007. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e Racionalidade Moderna. São Paulo: Loyola,1993.