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Pontes
Nas terras e terras cruzadas por correntes de água,
Nos caminhos e caminhos mutilados por correntes de água,
À beira da água o homem parou a cismar:
Assim nasceram as pontes.
O ser humano, cansado de digressões penosas,
Sente gratidão pelas pontes.
Pontes que ligam terras e terras
São o amor entre rios e caminhos;
Postos de mudas onde barcos e veículos se cumprimentam,
Lugar onde se despedem os que partem e os que ficam.
                           Ai Qing, poeta chinês, (1910-1996)




                       M. C. Escher, Bond of Union, 1956
«Eu quero encantar com a mais pequena coisa, basta uma pequena borboleta         M. C. Escher, Hand with Reflecting Sphere, 1935
com pouco mais de 2 cm de diâmetro pousada num pedaço de rocha para me
fazer tentar atingir aquilo que desejo à tanto tempo, incluindo a cópia destes
pedacinhos de nada de forma tão rigorosa quanto possível apenas para
descobrir o quão grandes são.»
                   Maurits Cornelis Escher (1898-1972)
Hőlderlin
             Fantasia do Anoitecer                                                                             A Paulo Quintela
                                                               O íntimo dos deuses e das fontes,
  Frente à choupana tranquilo na sombra está sentado           Divino louco, amado de astros, amplo
    O lavrador; fumega a lareira ao homem frugal.              Amante e mago de eras e horizontes:
       Hospitaleiro soa ao caminhante na aldeia                Para tudo dizer — Hőlderlin, prumo do templo.
               Pacífica o sino da tarde.                       Tocou fímbrias de lume nas palavras,
                                                               Deu sua mão incauta às quedas:
 Talvez voltem agora também os barqueiros ao porto,            Cobrindo de semente etéreas lavras,
     Em cidades longínquas morre alegre o rumor                Teve dedos para o grão na haste das medas.
        Afanoso da feira; em tranquila ramada                  Seu destino de sangue o aparelhou
      Brilha o banquete em convívio aos amigos.                Como à nau que se afunda ou desarvora
                                                               Ébria de sal e vento.
         Para onde irei eu? Vivem os mortais                   A Terra lhe foi dura, o Mar o amou:
  De soldo e trabalho; alternando en fadiga e repouso          Por isso a gota de água clara chora
       Tudo se alegra; porque não dorme então                  Nos versos que entoou
           Nunca em meu peito o espinho?                       E neles demora
                                                               Um eterno momento.
    No céu da tarde floresce toda uma Primavera;
  Incontáveis florescem as rosas, e tranquilo aparece          Amigo que trouxeste à nossa voz
        O mundo áureo; oh! Levai-me p’ra lá,                   O seu indecifrado chamamento,
        Nuvens purpúreas! E que lá em cima                     Bem hajas de todos nós,                     Hőlderlin (1770-1843), por
                                                               Tão pobres sem o novo sentimento.           Franz Karl Hiemer, c. 1792
     Em luz e ar se dissolvam meu amor e dor! —                Pois só no rigor a fogo
      Mas, como corrido da súplica louca, foge                 Das palavras exactas e sofridas
         O encanto; faz-se escuro, e solitário                 Abre o estame de amor, pólen do Logo,
      Sob o céu, como sempre, me encontro. —                   Que é maneira de Deus com nossas vidas.

     Vem tu agora, sono suave! Demasiado cobiça                                       Vitorino Nemésio, (1901-1978), 9/9/1959
O coração; mas ao fim, juventude, também tu amorteces,
                 Sonhadora, inquieta!
          Serena e pacífica é então a velhice.                 «Quando jovem, o homem acredita estar tão próximo do seu objectivo!
                                                               De todas as ilusões criadas pela natureza para socorrer a fragilidade do
    Johann Christian Friedrich Hőlderlin (1770-1843)           nosso ser, esta é a mais bela.»
                      Tradução de Paulo Quintela (1905-1987)                Johann Christian Friedrich Hőlderlin (1770-1843)

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Pontes: O amor entre rios e caminhos

  • 1. Pontes Nas terras e terras cruzadas por correntes de água, Nos caminhos e caminhos mutilados por correntes de água, À beira da água o homem parou a cismar: Assim nasceram as pontes. O ser humano, cansado de digressões penosas, Sente gratidão pelas pontes. Pontes que ligam terras e terras São o amor entre rios e caminhos; Postos de mudas onde barcos e veículos se cumprimentam, Lugar onde se despedem os que partem e os que ficam. Ai Qing, poeta chinês, (1910-1996) M. C. Escher, Bond of Union, 1956 «Eu quero encantar com a mais pequena coisa, basta uma pequena borboleta M. C. Escher, Hand with Reflecting Sphere, 1935 com pouco mais de 2 cm de diâmetro pousada num pedaço de rocha para me fazer tentar atingir aquilo que desejo à tanto tempo, incluindo a cópia destes pedacinhos de nada de forma tão rigorosa quanto possível apenas para descobrir o quão grandes são.» Maurits Cornelis Escher (1898-1972)
  • 2. Hőlderlin Fantasia do Anoitecer A Paulo Quintela O íntimo dos deuses e das fontes, Frente à choupana tranquilo na sombra está sentado Divino louco, amado de astros, amplo O lavrador; fumega a lareira ao homem frugal. Amante e mago de eras e horizontes: Hospitaleiro soa ao caminhante na aldeia Para tudo dizer — Hőlderlin, prumo do templo. Pacífica o sino da tarde. Tocou fímbrias de lume nas palavras, Deu sua mão incauta às quedas: Talvez voltem agora também os barqueiros ao porto, Cobrindo de semente etéreas lavras, Em cidades longínquas morre alegre o rumor Teve dedos para o grão na haste das medas. Afanoso da feira; em tranquila ramada Seu destino de sangue o aparelhou Brilha o banquete em convívio aos amigos. Como à nau que se afunda ou desarvora Ébria de sal e vento. Para onde irei eu? Vivem os mortais A Terra lhe foi dura, o Mar o amou: De soldo e trabalho; alternando en fadiga e repouso Por isso a gota de água clara chora Tudo se alegra; porque não dorme então Nos versos que entoou Nunca em meu peito o espinho? E neles demora Um eterno momento. No céu da tarde floresce toda uma Primavera; Incontáveis florescem as rosas, e tranquilo aparece Amigo que trouxeste à nossa voz O mundo áureo; oh! Levai-me p’ra lá, O seu indecifrado chamamento, Nuvens purpúreas! E que lá em cima Bem hajas de todos nós, Hőlderlin (1770-1843), por Tão pobres sem o novo sentimento. Franz Karl Hiemer, c. 1792 Em luz e ar se dissolvam meu amor e dor! — Pois só no rigor a fogo Mas, como corrido da súplica louca, foge Das palavras exactas e sofridas O encanto; faz-se escuro, e solitário Abre o estame de amor, pólen do Logo, Sob o céu, como sempre, me encontro. — Que é maneira de Deus com nossas vidas. Vem tu agora, sono suave! Demasiado cobiça Vitorino Nemésio, (1901-1978), 9/9/1959 O coração; mas ao fim, juventude, também tu amorteces, Sonhadora, inquieta! Serena e pacífica é então a velhice. «Quando jovem, o homem acredita estar tão próximo do seu objectivo! De todas as ilusões criadas pela natureza para socorrer a fragilidade do Johann Christian Friedrich Hőlderlin (1770-1843) nosso ser, esta é a mais bela.» Tradução de Paulo Quintela (1905-1987) Johann Christian Friedrich Hőlderlin (1770-1843)