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Texto de Sociologia: ALIENAÇÂO

A alienação é, antes de tudo, uma forma de relação entre os homens e determinados
objetos ou coisas que lhes são exteriores. Essa forma de relação não é natural. Ela surge
em um determinado momento, no processo do desenvolvimento histórico das sociedades
humanas. Embora esse desenvolvimento seja criação e exteriorização dele próprio, o
homem é profundamente afetado pelo processo: aliena-se.
O termo alienação, originariamente – e ainda hoje – era um termo da Psiquiatria que
designava uma forma de perturbação mental, como a esquizofrenia – uma perda de
consciência ou de identidade pessoal... Do ponto de vista econômico-social, é a perda da
consciência de si, em virtude de uma situação concreta. O homem perde sua consciência
pessoal, sua identidade e personalidade, o0 que vale dizer, sua vontade é esmagada pela
consciência de outro, ou pela consciência social – a consciência do grupo. É uma forma de
para-consciência, ou seja, uma consciência particular incompleta, pela qual o homem
perde parcial ou totalmente sua capacidade de decisão. É ainda sua integração absoluta
no grupo: ele massifica, passa a pertencer à massa e não a si mesmo.
Diz-se ainda que o homem está alienado quando deixa de ser seu próprio objeto para se
tornar objeto de outro. Deixa de ser algo para si mesmo. Sua vontade é assim a vontade
do outro: ele é coisificado. Deixa de ser homem, criatura consciente e capaz de tomar
decisões, para se tornar coisa, objeto.
Com o advento da máquina, o trabalho tornou-se duplamente alienante: à maquina e ao
dono da máquina. No período em que vigorava ainda i regime de trocas, o homem, para
suprir suas necessidades elementares, devia produzir não apenas aquilo de que
necessitava, mas também as necessidades do outro, para qual ele era por sua vez o outro.
Era ao mesmo tempo sujeito e objeto. Poderíamos dizer que se tratava de uma alienação
parcial.
A introdução da máquina no sistema de produção subverteu totalmente esta situação. A
máquina tem esta particularidade: substitui com eficiência o esforço físico humano, mas
não dispensa o homem: é sempre necessário para movimentá-la, fazê-la andar
corretamente e detê-la no momento preciso.
O homem se torna parte dela, como um parafuso ou uma engrenagem. Não é o homem
que produz, é a máquina. O homem limita-se a fazê-la funcionar. O aperfeiçoamento das
máquinas, à medida que reduz o esforço físico do homem, mais reduz sua participação e,
em consequência, mais reduz sua intervenção consciente no trabalho. A máquina
moderna dispensa a inteligência e a consciência humana, e o anula como homem. Este se
torna uma peça de engrenagem cada vez mais insignificante
Nesse sistema mecanizado de produção, o homem não mais produz o que quer. Limita-se
a fazer a máquina funcionar. Ignora o destino do seu produto, que não lhe pertence e,
quase sempre, nem sabe mesmo para que serve. Recebe apenas um salário em troca da
sua força de trabalho, o qual lhe permite recuperar as energias gastas, recompor seu
organismo, para que amanhã possa novamente vende-las ao dono da máquina. Ele se
coisifica, anula-se nesse processo: é uma máquina, ou um apêndice da máquina, uma
estranha máquina cujo óleo combustível é constituído de proteínas. Não é mais um
homem com capacidade de pensar, agir, tomar decisões. É apenas uma peça de
engrenagem que, quando gasta pelo uso, pode ser substituída.
Para o dono da máquina, ele não passa disso mesmo: uma peça da máquina que deve ser
lubrificada diariamente. Não, é claro, com os mesmos cuidados, pois uma máquina custa
dinheiro enquanto o homem nada custa: se adoece ou morre,é facilmente substituído pelo
exército industrial de reserva, a percentagem fixa de desempregados em cada nação
capitalista que impede a luta dos salários.
Assim, o homem, assalariado pelas circunstâncias, não mais se pertence. Como parte da
máquina, pertence ao patrão. Sua atividade tornou-se inconsciente e irracional e tanto
mais quanto mais se aperfeiçoa a máquina: tornou-se um objeto que nem sequer
necessita pensar.
E isso vale não apenas para a fábrica mas para toda atividade humana nesse processo de
mecanização crescente que é o sistema capitalista de produção: o datilógrafo diante de
sua máquina de escrever, o contador diante de sua máquina de calcular. Num caso, como
noutro, o produto não é determinado pelo homem que trabalha mas pelo dono da máquina.
O ‘amor ao trabalho’ transforma-se numa expressão hipócrita cínica, pois nada significa e
não tem outro objetivo senão condicionar o homem, desumanizando-o, tirando-lhe a
capacidade de optar em sua vida. Como pode amar o trabalho uma pessoa que passa 8
ou 10 horas por dia apertando o mesmo pedal ou mesmo o botão, ou escrevendo ‘prezado
Sr.’ Mil vezes por dia? Nessas condições o trabalho torna-se realmente maldição, e essa
maldição, esse trabalho maldito, é obra do capital, da propriedade privada.




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