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Saberes de Prudência nas
Profissões da Construção Civil*
Nova contribuição da Psicologia do Trabalho à análise
da prevenção de acidentes na Construção Civil
DAMIEN CRU
Delegado de Segurança no Setor da
Construção Civil e Obras Públicas
Centro Hospitalar d'Orsay, França
CHRISTOPHE DEJOURS
Médico do Trabalho, Psiquiatra e
Psicanalista - Centro Hospitalar d'Orsay, França
O comportamento paradoxal em termos de segurança do trabalho registrado entre os operários da construção civil, que
leva esses trabalhadores a criarem situações de desafio ao perigo, é aqui encarado como uma rejeição à prevenção vinda
do exterior, proposta por especialistas, como um conjunto de medidas técnicas dirigidas a operários supostamente ig-
norantes, inconscientes dos riscos e perigos inerentes à sua atividade.
Analisando o fenômeno sob a ótica da psicopatologia do trabalho, os autores questionam as medidas de prevenção
atualmente preconizadas e atribuem esse comportamento por parte dos trabalhadores à necessidade de suportar o medo,
criando, com essa atitude desafiadora, "ideologias defensivas de profissão" e visando, através disso, inverter a relação
dos trabalhadores com o perigo real do trabalho.
Tradução: Leda Leal Ferreira
*NT. - Saberes - tradução do francês "savoir-faire".
Tradução do artigo: Les Savoir-Faire de Prudence dans les Métiers du Batiment, publicado em Les Cahiers Médico-Sociaux, Genève, 1983, 27eme
année, no
3, pp.
239-247. Autorizada a reprodução
Introdução
O objetivo deste artigo é avançar a investigação sobre
os acidentes de trabalho e a prevenção no setor da Cons-
trução Civil, segundo os caminhos sugeridos pelas pes-
quisas destes últimos anos em Psicopatologia do Traba-
lho(1)
.
As publicações sobre a psicopatologia do medo no se-
tor da Construção mostraram que, para suportar esse
medo, os operários elaboram coletivamente "ideologias
defensivas de profissão", que visam a inverter a relação
dos trabalhadores com o perigo real do trabalho.
Comportamentos paradoxais de rejeição a medidas de
segurança puderam, assim, ser interpretados como ver-
dadeiros desafios lançados ao perigo pela coletividade
operária, a fim de afastar, por uma operação simbólica, a
vivência de angústia que seria incompatível com o pros-
seguimento da tarefa. Se avançamos nessa hipótese, toda
a concepção oficial da prevenção poderia ser questio-
nada. A prevenção é atualmente proposta como um con-
junto de medidas técnicas, concebidas por especialistas,
a serem inculcadas, do exterior, a operários suposta-
mente ignorantes, ou até inconscientes.
Veremos que esta concepção está intimamente ligada
à evolução moderna da organização do trabalho no setor
da Construção, que pretende ser capaz de prever e con-
trolar cada etapa do trabalho, até os detalhes dos gestos e
modos operatórios de cada operário.
A observação mostra que, na realidade, a improvisação
ocupa sempre um papel importante e que a prevenção
idealmente decidida é substituída, então, por uma se-
gurança feita "de qualquer jeito"
A resistência operária às medidas de prevenção preco-
nizadas atualmente poderia resultar da constatação im-
plícita deste fracasso, por parte dos operários. A coletivi-
dade operária preferiria, então, renunciar à prevenção
vinda do exterior e continuar apoiando-se na prevenção
espontânea nascida dos saberes das profissões e das tra-
dições operárias do setor da Construção. Assim, po-
deriam observar saberes de prudência que se exercem
em sistemas de auto-regulação do coletivo de trabalho e de
auto-regulação dos ritmos e dos modos operatórios indivi-
duais. Trata-se, assim, de um confronto entre uma organiza-
ção espontânea do trabalho,feita pelos operários e uma or-
ganização imposta do exterior pelos engenheiros, con-
fronto no qual se desenvolve um conflito fundamental entre
duas concepções de segurança.
A prevenção hoje no setor da Construção
Nas concepções habituais do trabalho, desde o século
XIX, nenhuma menção particular era feita à prevenção,
com raras exceções. Apenas em alguns canteiros de
obras da Construção Civil, medidas precisas tinham sido
estudadas e colocadas em funcionamento; a construção
da Torre Eiffel, sem nenhum acidente mortal, é até hoje ci-
tada pelo seu valor exemplar. Mas na maioria dos outros
canteiros de obras trabalhava-se sem que, aparente-
mente, nenhuma atenção fosse dada especificamente à
segurança.
Pouco a pouco, porém, "o espírito da segurança" foi
sendo desenvolvido pela administração, fora das empre-
sas. Discursos e publicações multiplicaram-se, principal-
mente por parte dos serviços do Ministério, da Organização
Internacional do Trabalho'2
', de grupos de empregadores e
de sindicatos operários.
A criação, na época da Liberação (1945-47), de organi-
zações especializadas, exteriores às empresas e aos esta-
belecimentos de ensino, como o Instituto Nacional de Se-
gurança (INS)(3)
, o Organismo Profissional de Prevenção da
Construção Civil e Obras Públicas (OPPBTP)(4)
, a integra-
ção da prevenção à Previdência Social ratificam esta con-
cepção da prevenção. Leis são votadas. O INS é responsá-
vel pela pesquisa, o serviço de prevenção das Caixas Re-
gionais de Seguro-Doença (CRAM) e a OPPBTP, além de
sua missão de conselho e de controle, intervém nos cantei-
ros de obras e nos locais de aprendizagem para ensinar
aos trabalhadores as regras elementares de segurança
(uso de equipamentos de proteção individual, andaimes
etc).
Estes modos de intervenção, conferências, publica-
ções, filmes etc. dirigem-se à razão, ao bom-senso de
cada um. O objetivo explícito é o de convencer cada indi-
víduo a aplicar estas regras para o seu próprio bem, por
sua família, pela coletividade. A mola constantemente ex-
plorada passa pela culpabilização. O princípio de base
desta pedagogia é a repetição.
Assim, cristalizou-se uma separação entre uma nova
segurança vinda do exterior e o trabalho.
As formulações modernas sobre a prevenção surgidas
nos últimos 15 anos continuam acentuando esta dico¬
tomia.
Argumentando sobre os parcos resultados dos méto-
dos precedentes e a favor das transformações tecnológi-
cas (pré-fabricação, mecanização), o ideal do "preven-
cionista" se anuncia como a vontade de reduzir o máximo
oossível o "fator humano", por uma organização do traba-
lho mais estrita. É o que se chama de "prevenção inte-
grada".
O modelo de referência seria aquele da grande indús-
tria mecânica. A prevenção consistiria em introduzir, a
partir do estudo dos modos operatórios e da escolha dos
materiais, os procedimentos de segurança destinados
aos trabalhadores.
Em função da obra a se construir, do material e da ex-
periência anterior da empresa, o diretor dos trabalhos (ou
o escritório de engenharia de produção) seleciona, a par-
tir de uma série de procedimentos e de materiais de se-
gurança propostos e preparados por organismos espe-
cializados, o que lhe parece ser mais conveniente.
Em seguida, o diretor dos trabalhos redige os modos de
emprego, às vezes até um Plano de Higiene e Se-
gurança (PHS), que as chefias dos canteiros de obras se
esforçarão por respeitar(5,6)
. Para assegurar o cumpri-
mento das regras contidas nos PHS, são organizadas
campanhas de informação e de propaganda. A lei de 6 de
dezembro de 1976(7)
e seus decretos de aplicação tornam
obrigatórias, entre outras coisas, a redação de um PHS
para os canteiros de obras de mais de 12 milhões de fran-
cos franceses e a formação em segurança (de todo traba-
lhador recém-chegado, à cada mudança de função etc).
Ainda não foi feito um balanço detalhado dos efeitos prá-
ticos desta lei. Podemos assinalar, porém, que:
1) os Comitês Particulares Interempresas de Higiene e Se-
gurança (CPIHS) não desempenham quase nuncao pa-
pel de observação e diálogo com todas as partes - con¬
tramestres, representantes das direções das empresas,
representantes de trabalhadores, representantes dos
organismos especializados e médicos do trabalho;
2) a redação e a harmonização dos PHS de um mesmo
canteiro de obras não são jamais realizadas antes do
início dos trabalhos;
3) na maioria dos casos, são os representantes das
CRAM ou da OPPBTP que dirigem a estrutura de coor-
denação interempresas (Colégio Interempresas de
Higiene e Segurança).
Isto porque o protocolo previsto pela lei choca-se
com múltiplos obstáculos, ao nível dos contramestres
e dos organizadores do trabalho, em que dominam
geralmente considerações de ordem econômica e co-
mercial.
As empresas que conseguem um mercado e es-
peram ampliá-lo estão mal colocadas para exigir que
o mestre-de-obras respeite as obrigações de viabili-
dades do terreno (água potável, evacuação de águas
usadas, rede de esgotos). Freqüentemente não só as
diversas redes não são feitas, como a ordem de ser-
viço para iniciar os trabalhos é dada pelo mestre-de-
obras, mesmo quando faltam os projetos das empre-
sas de grandes obras.
Assim, em um canteiro de obras no sul de Paris,
quatro guindastes são instalados de uma só vez para
apenas trinta e cinco operários, o que é claramente
desproporcional. O chefe dos trabalhos é, então, con-
denado a concentrar seus esforços sobre a rentabili-
zação do material, em detrimento da organização do
trabalho. Ele diz "80% do que faço é comercial, 20%
é técnico". Isto mostra como é difícil elaborar um PHS
preciso... e útil.
Em uma outra situação que se pode combinar com
a precedente, o planejamento imperativo e a exigüi¬
dade dos prazos não permite nenhum jogo, nenhuma
flexibilidade na organização do trabalho. Bastam dias
de intempéries ou um atraso no fornecimento de ma-
terial (falha do fornecedor, greve do transportador...)
para que o modo operatório torne-se caduco: o que
estava previsto não pode ser realizado e a improvisão
comanda. É o caso, por exemplo, de uma obra de ins-
talação de uma caldeira para o aquecimento urbane
que se inicia com seis meses de atraso por razões ad-
ministrativas, mas que deve, impreterivelmente, ter-
minar no outono, para poder funcionar no início do in-
verno. É, ainda, o que ocorre freqüentemente na cons-
trução de supermercados, onde, meses antes da
abertura, começa a campanha publicitária, anun-
ciando o dia e a hora da inauguração.
Todos estes pontos mostram a extrema dependên-
cia da indústria da construção em relação a seus cli-
entes: a cada vez, a obra é única, o terreno é escolhi-
do pelo cliente (com todas as suas dificuldades de
acesso e de vizinhança etc), os tempos são decididos
pelo mestre-de-obras, o mercado é difícil de se obter.
Compreende-se bem que nestas condições até as
preparações mais minuciosas não escapam às im-
provisações de última hora.
Depois dos artigos elogiosos sobre as medidas de
segurança promulgadas para a restauração da Torre
Eiffel em 1982 que apareceram nas revistas
especializadas(8,9)
, é com reserva que se pode esperar
os relatórios das operações efetivamente realizadas.
Neste universo da Construção, caracterizado por
uma grande divisão entre as funções (mestre-de-
obras, empresas de grandes estruturas, vários tipos
de empreitadas), a segurança aparece freqüente-
mente desarticulada. A segurança, a tão duras penas
integrada no projeto de Construção, separa-se dele,
na prática, no momento da execução.
Além dos obstáculos técnicos e comerciais, as resis-
tências operárias
Este protocolo esbarra igualmente nas resistências
operárias, talvez mais difíceis de se compreender. Os tra-
balhadores respeitam mal as regras, relutam em usar os
equipamentos de proteção individual.
Para controlar este obstáculo, os "prevencionistas" pre-
gam atualmente a redução das iniciativas operárias, atra-
vés de uma organização do trabalho mais rígida (reforço
do peso da hierarquia) e de uma maior precisão nas previ-
sões.
Esta redução permanece muito teórica. Mesmo quando
não há incidentes importantes, a iniciativa de cada um
permanece indispensável ao bom andamento dos cantei-
ros de obras. Pedir mais aos trabalhadores em matéria de
segurança, ao mesmo tempo em que se retira deles o do-
mínio sobre seu trabalho, é bem contraditório.
Porém os "prevencionistas" tentam ainda, e cada vez
mais, convencer os trabalhadores a respeitar as regras e
as ordens da hierarquia, utilizando-se da publicidade, de
cartazes, de campanhas etc. Fazem apelo à "formação em
segurança".
Sempre nesta mesma perspectiva, imputam-se os fra-
cassos às modalidades destes diversos métodos: di-
ferencia-se a propaganda, multiplica-se o uso de audiovi-
suais, criam-se serviços especializados, organizam-se
estágios de "formação de formadores". Nunca a se-
gurança foi tão exterior e estranha ao trabalho concreto
como nestas diversas modalidades de formação.
Paradoxalmente - e nesta perspectiva não poderia ser
de outro modo - a segurança é apenas acessória na for-
mação de aprendizes e técnicos da Construção.
Continua-se a operar por ondas, por repetição dos mes-
mos princípios, sem que os resultados sejam jamais con-
clusivos.
As fontes das resistências operárias
Além das resistências operárias produzidas pela divi-
são segurança/trabalho na organização moderna do tra-
balho, as pesquisas em Psicopatologia do Trabalho su-
gerem que as resistências resultam não apenas de um au-
mento da carga de trabalho ocasionado petos numerosos
procedimentos de segurança, mas de hábitos, atitudes e
comportamentos paradoxais que se articulam em siste-
mas coerentes. Longe de serem absurdos, estes sistemas
visam controlar o medo engendrado pelos perigos do tra-
balho: são as "ideologias defensivas de profissão"(10)
.
Além destas investigações, a Psicopatologia do Traba-
lho revela que a coletividade operária possui um conheci-
mento real do perigo e que a maioria dos comportamen-
tos, mesmo quando parecem estranhos, tem uma finali-
dade e uma legitimidade solidamente fundadas, em rela-
ção com a realidade concreta do trabalho.
O saber dos operários é maior do que freqüentemente
se crê. Nesta perspectiva, formulamos a hipótese, radical-
mente oposta aos discursos habituais sobre a prevenção,
segundo a qual os trabalhadores conhecem implicita-
mente, e em profundidade, os perigos de seu trabalho e
que provavelmente se defendem espontaneamente (isto
é, de um modo não perceptível pela organização do tra-
balho) não somente contra o medo (papel das ideologias
defensivas da profissão), mas também contra os próprios
riscos; e defendem-se concretamente, com a ajuda de
procedimentos específicos eficazes, no decorrer do tra-
balho.
Estes procedimentos, estas estratégias, estes saberes
de prudência são parte integrante do saber operário e são
dele indissociáveis. Uma parte é consciente; uma outra,
adquirida na arte da profissão, nas tradições, nos costu-
mes e hábitos, é inconsciente.
Uma pesquisa feita entre os talhadores de pedra é
bastante demonstrativa do que acabamos de dizer. Esta
profissão, com tudo o que contém de saberes de prudên-
cia é atualmente vítima de um desmantelamento progres-
sivo pela organização moderna do trabalho, como acon-
tece com várias outras. É uma profissão que requer co-
nhecimentos tanto em geometria (importância do "traço")
quanto em talho propriamente dito e em "bardagem"
(ação de deslocar os blocos de pedra). Apresenta a parti-
cularidade de ter sido alcançada mais tardiamente que
outras pelas reestruturações e as mudanças tecnológi-
cas. Assim, possui a singularidade de oferecer, simulta-
neamente, facetas diferentes, em função dos tipos de or-
ganização do trabalho existentes nas diversas empresas.
Algumas destas empresas tentaram levar bastante
longe a organização, no sentido da divisão precisa das
tarefas: no escritório fazem-se cálculos e desenhos, to-
mam-se notas; na oficina talham-se as pedras; no canteiro
de obras, colocam-se as pedras. Mesmo neste caso, esta
repartição é incoerente e mesmo que, por exemplo, os
colocadores não desenhem mais, devem, apesar disto,
saber interpretar os desenhos e esquemas.
Ao contrário, em outras empresas, particularmente na
restauração de monumentos históricos, conserva-se o há-
bito de deixar à equipe que trabalha no canteiro de obras
a responsabilidade do conjunto das operações e a esco-
lha do modo operatório. Este último é, então, o resultado
de um consenso complexo onde intervêm a coesão da
equipe e o saber adquirido e experimentado por uns e ou-
tros. O valor do chefe reside menos na sua posição hierár-
quica que na sua aptidão em deixar emergir soluções e
proposições por parte do coletivo de trabalho.
É preciso ter seguido de perto este tipo de canteiro de
obras para compreender como a flexibilidade da reparti-
ção das tarefas, longe de ser sinônimo de descaso ou de
anarquia é, ao contrário, geradora de trabalho bem feito,
de correção rápida dos erros, de modificação dos modos
operatórios mais penosos ou mais arriscados, tanto para
os homens como para as pedras. Assim, tal colega, sem
que isto seja explicitamente formulado, é "reconhecido"
como o mais apto a dirigir as operações de posicionamento
das pedras, tanto pelo chefe como pelos outros. Um se-
gundo é melhor em montar os andaimes, outro em cortar
etc. Todos podem participar de todas as tarefas, porém
cada um ocupará um lugar particular na equipe. Esponta-
neamente, as preferências individuais e as competências
específicas harmonizam-se. Trata-se de uma verdadeira
auto-regulação do grupo.
Esta repartição de tarefas não se faz sem choques e até
conflitos; mas se poderia mostrar como um conflito decla-
rado encontra, em geral, uma solução favorável a todos,
ao contrário da oposição bloqueada que acontece nas
obras onde a chefia controla muito e conhece pouco; a
vingança do colega que deixa o chefe se exasperar por
uma dificuldade técnica sem dizer uma palavra, toma
aqui todo seu sentido. Mas se deve reconhecer que é ape-
nas uma pequena compensação, com um valor mínimo
em relação à importância do objetivo visado pela nova or-
ganização do trabalho. Assim, os gritos que se ouvem em
um canteiro de obras, os xingamentos, as raivas, não são
forçosamente sinal de ineficácia.
Esta repartição tradicional de tarefas está em perigo
pela evolução destes dez ou quinze últimos anos, com um
confisco crescente da arte do traçado pelos técnicos de
escritório e uma maior polivalência manual exigida no
canteiro de obras, onde o talhador de pedra, além dos ofí-
cios tradicionais (polidor de pedra, carregador, serrador,
talhador)* deve também ser pedreiro e marmorista. Neste
caso, a polivalência faz-se em detrimento das profissões.
A antiga repartição das tarefas que ainda sobrevive a
estas mudanças permite uma melhor harmonização das
pessoas no grupo (por exemplo, para serrar com um "pas-
se partout" - grande serra com duas alças - é preciso en-
tender-se com o colega de serviço); permite também a
cada um uma boa repartição de seus esforços durante a
jornada ou a semana.
Tudo depende do trabalho em curso, da "boa forma" de
cada pessoa. Um interrompe um trabalho de precisão no
meio da tarde para retomá-lo apenas na manhã seguinte;
ele aproveitará este tempo para preparar uma outra tarefa,
para arrumar seu local de trabalho ou para dar uma ajude
a um colega, interrogá-lo; assim, talvez, descubra um erro
ou um perigo, para si, para os outros. Aqui, o tempo
aparentemente perdido não é estéril para a segurança.
* NT: Os termos utilizados em francês foram, pela ordem:
"ravaleur, bardeur, scieur e tailleur".
Outras vezes, porque o trabalho "não anda", porque já
se esfolou várias vezes no mesmo lugar, porque os cole-
gas estão desagradáveis este dia, porque não se ousou
pedir qualquer coisa ao patrão, em resumo, porque al-
guma coisa não vai bem e porque se sente irritado, ao in-
vés de quebrar a pedra na qual se trabalha há vários dias
e ao invés de, assim, arriscar um ferimento, descem-se os
andaimes e deixa-se o canteiro de obras; vai-se procurar
uma outra ferramenta, afiar aquela que se estava usando,
ou arrumar a caixa de ferramentas, enfim, fazer outra coi-
sa. Vê-se que a "vadiagem" está longe de ser um tempo
vazio, improdutivo ou inútil. Ela contribui de fato para a au¬
to-regulação da carga de trabalho e a prevenção de aci-
dentes ou ferimentos
Deve-se acrescentar que, mesmo fora destas situações
de irritabilidade, a afiação das ferramentas representa fre-
qüentemente um tempo de recuperação. O colega toma
consciência de que se força muito: afiar seu instrumento
será um modo espontâneo de economizar o esforço, mas
será também a ocasião de descarregar imediatamente o
excesso de tensão interior.
Todos os operários não agem do mesmo modo. Os mo-
dos de auto-regulação são variados e personalizados,
mas não podemos detalhá-los aqui. Pode-se pensar, legi-
timamente, que estes procedimentos espontâneos te-
nham um poder protetor sobre a saúde e a segurança.
Ao contrário, outros operários (os jovens?) têm constan-
temente os olhos fixos no instrumento em ação. Observam
a ferramenta e não sabem observar-se a si mesmos. Sua
fadiga resulta freqüentemente de uma má posição em re-
lação ao trabalho: muito baixa para polir uma cornija, por
exemplo, ou demasiado alta. Eles não pensam em colo-
car os andaimes numa altura adequada, não sabem que é
justificável e que ninguém os criticará por isto; pelo con-
trário, mostrarão que dominam sua profissão. Assim, for-
çam-se muito e somente quando se vêem esgotados dei-
xam o posto de trabalho, reclamando dos olhares dos ou-
tros (e do chefe), querendo mostrar uma segurança... que
não têm.
Assim se caracterizam entre os jovens atitudes que se
parecem com aquelas que se induzem hoje entre todos,
com a progressão da moderna organização do trabalho.
Lombalgias, dores e acidentes testemunham aqui a im-
portância, para a saúde e a segurança, dos saberes de
prudência, incorporados na experiência profissional e
nas profissões.
O ritmo e a harmonia dos gestos são difíceis de se ensi-
nar. Os conselhos são sempre parciais e difíceis de for-
mular. Nada poderia substituir o que cada um aprende,
por exemplo, daqueles com quem gosta de trabalhar. A
complexidade deste aprendizado do ritmo e da harmonia
dos gestos, indispensáveis a um trabalho de qualidade,
implica ao mesmo tempo a segurança dos trabalhadores.
Não podemos desenvolver aqui os outros aspectos
destas ligações entre segurança e profissão. A título de
indicação, mencionamos apenas que estes saberes de
prudência se articulam muito precisamente com os outros
saberes e com a linguagem da profissão, que deles são in-
dissociáveis. O estudo de seu modo de transmissão, na
prática, junto da coletividade operária, leva-nos a insistir so-
bre um ponto: a desqualificação, o desaparecimento das
profissões, a vontade de não se deixar formarem novas pro-
fissões alteram tanto os conhecimentos e as regras da arte,
como os procedimentos espontâneos contra os acidentes.
Conclusão
Esta análise dos saberes de prudência sugere uma crí-
tica ao conteúdo e aos modos de aprendizado defendidos
atualmente em matéria de prevenção no setor da Constru-
ção. Parece que, em numerosos casos, eles não se in-
serem na continuidade, nem na lógica da prudência
operária espontânea. Podem mesmo estar em contradi-
ção aguda com a prudência operária da profissão.
Assim se compreenderá melhor por que as campanhas
de prevenção são muitas vezes tão mal recebidas: não se
trata, por parte dos operários, nem de má vontade, nem de
inconsciência, mas de uma conduta que, por difícil que
seja a se explicitar, tem uma racionalidade e uma legitimi-
dade fundada na eficácia de uma experiência que a cole-
tividade operária forjou e transmitiu, de geração a gera-
ção, no curso da história.
Prudence Know-Hows in Civil
Construction
The paradoxical behavior of Civil Construction workers
towards occupational safety, which leads them to run a
risk is here considered as refusal to follow preventive mea-
sures, which in the opinion of experts, are technical mea-
sures addressed to workers supposed to be ignorant and
unaware of their work risks.
Under the occupational psychopathology point of view,
the present preventive measures are inadequate and the
workers behavior is explained as being a necessity to
overcome fear, generating with this challenging attitude
"occupational protective ideologies" aiming at change
workers relationship with the real occupational risk.
Referências Bibliográficas
1 - DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: es-
tudo de psicologia do trabalho. Trad. Ana Isa-
bel Paraguay e Lúcia Leal Ferreira. São Paulo.
Oboré, 1987. 163 p.
2 - A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi cri
ada pelo Tratado de Versailles (1919-1920).
3 - 0 Instituto Nacional de Segurança (INS) é atual-
mente o Instituto de Pesquisa e Segurança.
4 - 0 Organismo Profissional de Prevenção na Cons-
trução Civil e Obras Públicas foi criado pela Por-
taria Ministerial de 9 de agosto de 1947.
5 - ORGANISME PROFESSIONNEL DE PREVENTION
DU BÂTIMENT ET DES TRAVAUX PUBLICS. Pla-
nos de higiene e segurança. Paris, 1979
(OPPBTP. Editions, 207.A 79).
6 - ORGANISME PROFESSIONNEL DE PRÉVENTION
DU BÂTIMENT ET DES TRAVAUX PUBLICS. Col-
leges et comitês d'hygiene et de securité
dans les chantiers BTP. Paris, 1979. (OPPBTP.
Editions, 204.A 79).
7 - A lei de 6 de dezembro de 1976 define, nas opera-
ções da construção, a responsabilidade dos che-
fes de obra e empresários em matéria de higiene
e segurança.
8 - LA TOUR a Neuf. Sauvagarde des Chantiers,
Paris, (6):4-6, 1981.
9 - CURE de jouvence pour une vieille dame. Travail
& Securité, Paris, (12):576-86, Dec. 1982.
10 - DEJOURS, C. Op. cit. nota (1).

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Saberes de prudência

  • 1. Saberes de Prudência nas Profissões da Construção Civil* Nova contribuição da Psicologia do Trabalho à análise da prevenção de acidentes na Construção Civil DAMIEN CRU Delegado de Segurança no Setor da Construção Civil e Obras Públicas Centro Hospitalar d'Orsay, França CHRISTOPHE DEJOURS Médico do Trabalho, Psiquiatra e Psicanalista - Centro Hospitalar d'Orsay, França O comportamento paradoxal em termos de segurança do trabalho registrado entre os operários da construção civil, que leva esses trabalhadores a criarem situações de desafio ao perigo, é aqui encarado como uma rejeição à prevenção vinda do exterior, proposta por especialistas, como um conjunto de medidas técnicas dirigidas a operários supostamente ig- norantes, inconscientes dos riscos e perigos inerentes à sua atividade. Analisando o fenômeno sob a ótica da psicopatologia do trabalho, os autores questionam as medidas de prevenção atualmente preconizadas e atribuem esse comportamento por parte dos trabalhadores à necessidade de suportar o medo, criando, com essa atitude desafiadora, "ideologias defensivas de profissão" e visando, através disso, inverter a relação dos trabalhadores com o perigo real do trabalho. Tradução: Leda Leal Ferreira *NT. - Saberes - tradução do francês "savoir-faire". Tradução do artigo: Les Savoir-Faire de Prudence dans les Métiers du Batiment, publicado em Les Cahiers Médico-Sociaux, Genève, 1983, 27eme année, no 3, pp. 239-247. Autorizada a reprodução
  • 2. Introdução O objetivo deste artigo é avançar a investigação sobre os acidentes de trabalho e a prevenção no setor da Cons- trução Civil, segundo os caminhos sugeridos pelas pes- quisas destes últimos anos em Psicopatologia do Traba- lho(1) . As publicações sobre a psicopatologia do medo no se- tor da Construção mostraram que, para suportar esse medo, os operários elaboram coletivamente "ideologias defensivas de profissão", que visam a inverter a relação dos trabalhadores com o perigo real do trabalho. Comportamentos paradoxais de rejeição a medidas de segurança puderam, assim, ser interpretados como ver- dadeiros desafios lançados ao perigo pela coletividade operária, a fim de afastar, por uma operação simbólica, a vivência de angústia que seria incompatível com o pros- seguimento da tarefa. Se avançamos nessa hipótese, toda a concepção oficial da prevenção poderia ser questio- nada. A prevenção é atualmente proposta como um con- junto de medidas técnicas, concebidas por especialistas, a serem inculcadas, do exterior, a operários suposta- mente ignorantes, ou até inconscientes. Veremos que esta concepção está intimamente ligada à evolução moderna da organização do trabalho no setor da Construção, que pretende ser capaz de prever e con- trolar cada etapa do trabalho, até os detalhes dos gestos e modos operatórios de cada operário. A observação mostra que, na realidade, a improvisação ocupa sempre um papel importante e que a prevenção idealmente decidida é substituída, então, por uma se- gurança feita "de qualquer jeito" A resistência operária às medidas de prevenção preco- nizadas atualmente poderia resultar da constatação im- plícita deste fracasso, por parte dos operários. A coletivi- dade operária preferiria, então, renunciar à prevenção vinda do exterior e continuar apoiando-se na prevenção espontânea nascida dos saberes das profissões e das tra- dições operárias do setor da Construção. Assim, po- deriam observar saberes de prudência que se exercem em sistemas de auto-regulação do coletivo de trabalho e de auto-regulação dos ritmos e dos modos operatórios indivi- duais. Trata-se, assim, de um confronto entre uma organiza- ção espontânea do trabalho,feita pelos operários e uma or- ganização imposta do exterior pelos engenheiros, con- fronto no qual se desenvolve um conflito fundamental entre duas concepções de segurança. A prevenção hoje no setor da Construção Nas concepções habituais do trabalho, desde o século XIX, nenhuma menção particular era feita à prevenção, com raras exceções. Apenas em alguns canteiros de obras da Construção Civil, medidas precisas tinham sido estudadas e colocadas em funcionamento; a construção da Torre Eiffel, sem nenhum acidente mortal, é até hoje ci- tada pelo seu valor exemplar. Mas na maioria dos outros canteiros de obras trabalhava-se sem que, aparente- mente, nenhuma atenção fosse dada especificamente à segurança. Pouco a pouco, porém, "o espírito da segurança" foi sendo desenvolvido pela administração, fora das empre- sas. Discursos e publicações multiplicaram-se, principal- mente por parte dos serviços do Ministério, da Organização Internacional do Trabalho'2 ', de grupos de empregadores e de sindicatos operários. A criação, na época da Liberação (1945-47), de organi- zações especializadas, exteriores às empresas e aos esta- belecimentos de ensino, como o Instituto Nacional de Se- gurança (INS)(3) , o Organismo Profissional de Prevenção da Construção Civil e Obras Públicas (OPPBTP)(4) , a integra- ção da prevenção à Previdência Social ratificam esta con- cepção da prevenção. Leis são votadas. O INS é responsá- vel pela pesquisa, o serviço de prevenção das Caixas Re- gionais de Seguro-Doença (CRAM) e a OPPBTP, além de sua missão de conselho e de controle, intervém nos cantei- ros de obras e nos locais de aprendizagem para ensinar aos trabalhadores as regras elementares de segurança (uso de equipamentos de proteção individual, andaimes etc). Estes modos de intervenção, conferências, publica- ções, filmes etc. dirigem-se à razão, ao bom-senso de cada um. O objetivo explícito é o de convencer cada indi- víduo a aplicar estas regras para o seu próprio bem, por sua família, pela coletividade. A mola constantemente ex- plorada passa pela culpabilização. O princípio de base desta pedagogia é a repetição. Assim, cristalizou-se uma separação entre uma nova segurança vinda do exterior e o trabalho. As formulações modernas sobre a prevenção surgidas nos últimos 15 anos continuam acentuando esta dico¬ tomia. Argumentando sobre os parcos resultados dos méto- dos precedentes e a favor das transformações tecnológi- cas (pré-fabricação, mecanização), o ideal do "preven- cionista" se anuncia como a vontade de reduzir o máximo oossível o "fator humano", por uma organização do traba- lho mais estrita. É o que se chama de "prevenção inte- grada".
  • 3. O modelo de referência seria aquele da grande indús- tria mecânica. A prevenção consistiria em introduzir, a partir do estudo dos modos operatórios e da escolha dos materiais, os procedimentos de segurança destinados aos trabalhadores. Em função da obra a se construir, do material e da ex- periência anterior da empresa, o diretor dos trabalhos (ou o escritório de engenharia de produção) seleciona, a par- tir de uma série de procedimentos e de materiais de se- gurança propostos e preparados por organismos espe- cializados, o que lhe parece ser mais conveniente. Em seguida, o diretor dos trabalhos redige os modos de emprego, às vezes até um Plano de Higiene e Se- gurança (PHS), que as chefias dos canteiros de obras se esforçarão por respeitar(5,6) . Para assegurar o cumpri- mento das regras contidas nos PHS, são organizadas campanhas de informação e de propaganda. A lei de 6 de dezembro de 1976(7) e seus decretos de aplicação tornam obrigatórias, entre outras coisas, a redação de um PHS para os canteiros de obras de mais de 12 milhões de fran- cos franceses e a formação em segurança (de todo traba- lhador recém-chegado, à cada mudança de função etc). Ainda não foi feito um balanço detalhado dos efeitos prá- ticos desta lei. Podemos assinalar, porém, que: 1) os Comitês Particulares Interempresas de Higiene e Se- gurança (CPIHS) não desempenham quase nuncao pa- pel de observação e diálogo com todas as partes - con¬ tramestres, representantes das direções das empresas, representantes de trabalhadores, representantes dos organismos especializados e médicos do trabalho; 2) a redação e a harmonização dos PHS de um mesmo canteiro de obras não são jamais realizadas antes do início dos trabalhos; 3) na maioria dos casos, são os representantes das CRAM ou da OPPBTP que dirigem a estrutura de coor- denação interempresas (Colégio Interempresas de Higiene e Segurança). Isto porque o protocolo previsto pela lei choca-se com múltiplos obstáculos, ao nível dos contramestres e dos organizadores do trabalho, em que dominam geralmente considerações de ordem econômica e co- mercial. As empresas que conseguem um mercado e es- peram ampliá-lo estão mal colocadas para exigir que o mestre-de-obras respeite as obrigações de viabili- dades do terreno (água potável, evacuação de águas usadas, rede de esgotos). Freqüentemente não só as diversas redes não são feitas, como a ordem de ser- viço para iniciar os trabalhos é dada pelo mestre-de- obras, mesmo quando faltam os projetos das empre- sas de grandes obras. Assim, em um canteiro de obras no sul de Paris, quatro guindastes são instalados de uma só vez para apenas trinta e cinco operários, o que é claramente desproporcional. O chefe dos trabalhos é, então, con- denado a concentrar seus esforços sobre a rentabili- zação do material, em detrimento da organização do trabalho. Ele diz "80% do que faço é comercial, 20% é técnico". Isto mostra como é difícil elaborar um PHS preciso... e útil. Em uma outra situação que se pode combinar com a precedente, o planejamento imperativo e a exigüi¬ dade dos prazos não permite nenhum jogo, nenhuma flexibilidade na organização do trabalho. Bastam dias de intempéries ou um atraso no fornecimento de ma- terial (falha do fornecedor, greve do transportador...) para que o modo operatório torne-se caduco: o que estava previsto não pode ser realizado e a improvisão comanda. É o caso, por exemplo, de uma obra de ins- talação de uma caldeira para o aquecimento urbane que se inicia com seis meses de atraso por razões ad- ministrativas, mas que deve, impreterivelmente, ter- minar no outono, para poder funcionar no início do in- verno. É, ainda, o que ocorre freqüentemente na cons- trução de supermercados, onde, meses antes da abertura, começa a campanha publicitária, anun- ciando o dia e a hora da inauguração. Todos estes pontos mostram a extrema dependên- cia da indústria da construção em relação a seus cli- entes: a cada vez, a obra é única, o terreno é escolhi- do pelo cliente (com todas as suas dificuldades de acesso e de vizinhança etc), os tempos são decididos pelo mestre-de-obras, o mercado é difícil de se obter. Compreende-se bem que nestas condições até as preparações mais minuciosas não escapam às im- provisações de última hora. Depois dos artigos elogiosos sobre as medidas de segurança promulgadas para a restauração da Torre Eiffel em 1982 que apareceram nas revistas especializadas(8,9) , é com reserva que se pode esperar os relatórios das operações efetivamente realizadas. Neste universo da Construção, caracterizado por uma grande divisão entre as funções (mestre-de- obras, empresas de grandes estruturas, vários tipos de empreitadas), a segurança aparece freqüente- mente desarticulada. A segurança, a tão duras penas integrada no projeto de Construção, separa-se dele, na prática, no momento da execução. Além dos obstáculos técnicos e comerciais, as resis- tências operárias Este protocolo esbarra igualmente nas resistências operárias, talvez mais difíceis de se compreender. Os tra- balhadores respeitam mal as regras, relutam em usar os equipamentos de proteção individual. Para controlar este obstáculo, os "prevencionistas" pre- gam atualmente a redução das iniciativas operárias, atra- vés de uma organização do trabalho mais rígida (reforço do peso da hierarquia) e de uma maior precisão nas previ- sões. Esta redução permanece muito teórica. Mesmo quando não há incidentes importantes, a iniciativa de cada um permanece indispensável ao bom andamento dos cantei- ros de obras. Pedir mais aos trabalhadores em matéria de segurança, ao mesmo tempo em que se retira deles o do- mínio sobre seu trabalho, é bem contraditório. Porém os "prevencionistas" tentam ainda, e cada vez mais, convencer os trabalhadores a respeitar as regras e as ordens da hierarquia, utilizando-se da publicidade, de cartazes, de campanhas etc. Fazem apelo à "formação em segurança". Sempre nesta mesma perspectiva, imputam-se os fra- cassos às modalidades destes diversos métodos: di- ferencia-se a propaganda, multiplica-se o uso de audiovi- suais, criam-se serviços especializados, organizam-se estágios de "formação de formadores". Nunca a se- gurança foi tão exterior e estranha ao trabalho concreto como nestas diversas modalidades de formação.
  • 4. Paradoxalmente - e nesta perspectiva não poderia ser de outro modo - a segurança é apenas acessória na for- mação de aprendizes e técnicos da Construção. Continua-se a operar por ondas, por repetição dos mes- mos princípios, sem que os resultados sejam jamais con- clusivos. As fontes das resistências operárias Além das resistências operárias produzidas pela divi- são segurança/trabalho na organização moderna do tra- balho, as pesquisas em Psicopatologia do Trabalho su- gerem que as resistências resultam não apenas de um au- mento da carga de trabalho ocasionado petos numerosos procedimentos de segurança, mas de hábitos, atitudes e comportamentos paradoxais que se articulam em siste- mas coerentes. Longe de serem absurdos, estes sistemas visam controlar o medo engendrado pelos perigos do tra- balho: são as "ideologias defensivas de profissão"(10) . Além destas investigações, a Psicopatologia do Traba- lho revela que a coletividade operária possui um conheci- mento real do perigo e que a maioria dos comportamen- tos, mesmo quando parecem estranhos, tem uma finali- dade e uma legitimidade solidamente fundadas, em rela- ção com a realidade concreta do trabalho. O saber dos operários é maior do que freqüentemente se crê. Nesta perspectiva, formulamos a hipótese, radical- mente oposta aos discursos habituais sobre a prevenção, segundo a qual os trabalhadores conhecem implicita- mente, e em profundidade, os perigos de seu trabalho e que provavelmente se defendem espontaneamente (isto é, de um modo não perceptível pela organização do tra- balho) não somente contra o medo (papel das ideologias defensivas da profissão), mas também contra os próprios riscos; e defendem-se concretamente, com a ajuda de procedimentos específicos eficazes, no decorrer do tra- balho. Estes procedimentos, estas estratégias, estes saberes de prudência são parte integrante do saber operário e são dele indissociáveis. Uma parte é consciente; uma outra, adquirida na arte da profissão, nas tradições, nos costu- mes e hábitos, é inconsciente. Uma pesquisa feita entre os talhadores de pedra é bastante demonstrativa do que acabamos de dizer. Esta profissão, com tudo o que contém de saberes de prudên- cia é atualmente vítima de um desmantelamento progres- sivo pela organização moderna do trabalho, como acon- tece com várias outras. É uma profissão que requer co- nhecimentos tanto em geometria (importância do "traço") quanto em talho propriamente dito e em "bardagem" (ação de deslocar os blocos de pedra). Apresenta a parti- cularidade de ter sido alcançada mais tardiamente que outras pelas reestruturações e as mudanças tecnológi- cas. Assim, possui a singularidade de oferecer, simulta- neamente, facetas diferentes, em função dos tipos de or- ganização do trabalho existentes nas diversas empresas. Algumas destas empresas tentaram levar bastante longe a organização, no sentido da divisão precisa das tarefas: no escritório fazem-se cálculos e desenhos, to- mam-se notas; na oficina talham-se as pedras; no canteiro de obras, colocam-se as pedras. Mesmo neste caso, esta repartição é incoerente e mesmo que, por exemplo, os colocadores não desenhem mais, devem, apesar disto, saber interpretar os desenhos e esquemas. Ao contrário, em outras empresas, particularmente na restauração de monumentos históricos, conserva-se o há- bito de deixar à equipe que trabalha no canteiro de obras a responsabilidade do conjunto das operações e a esco- lha do modo operatório. Este último é, então, o resultado de um consenso complexo onde intervêm a coesão da equipe e o saber adquirido e experimentado por uns e ou- tros. O valor do chefe reside menos na sua posição hierár- quica que na sua aptidão em deixar emergir soluções e proposições por parte do coletivo de trabalho. É preciso ter seguido de perto este tipo de canteiro de obras para compreender como a flexibilidade da reparti- ção das tarefas, longe de ser sinônimo de descaso ou de anarquia é, ao contrário, geradora de trabalho bem feito, de correção rápida dos erros, de modificação dos modos operatórios mais penosos ou mais arriscados, tanto para os homens como para as pedras. Assim, tal colega, sem que isto seja explicitamente formulado, é "reconhecido" como o mais apto a dirigir as operações de posicionamento das pedras, tanto pelo chefe como pelos outros. Um se- gundo é melhor em montar os andaimes, outro em cortar etc. Todos podem participar de todas as tarefas, porém cada um ocupará um lugar particular na equipe. Esponta- neamente, as preferências individuais e as competências específicas harmonizam-se. Trata-se de uma verdadeira auto-regulação do grupo. Esta repartição de tarefas não se faz sem choques e até conflitos; mas se poderia mostrar como um conflito decla- rado encontra, em geral, uma solução favorável a todos, ao contrário da oposição bloqueada que acontece nas obras onde a chefia controla muito e conhece pouco; a vingança do colega que deixa o chefe se exasperar por uma dificuldade técnica sem dizer uma palavra, toma aqui todo seu sentido. Mas se deve reconhecer que é ape- nas uma pequena compensação, com um valor mínimo em relação à importância do objetivo visado pela nova or- ganização do trabalho. Assim, os gritos que se ouvem em um canteiro de obras, os xingamentos, as raivas, não são forçosamente sinal de ineficácia. Esta repartição tradicional de tarefas está em perigo pela evolução destes dez ou quinze últimos anos, com um confisco crescente da arte do traçado pelos técnicos de escritório e uma maior polivalência manual exigida no canteiro de obras, onde o talhador de pedra, além dos ofí- cios tradicionais (polidor de pedra, carregador, serrador, talhador)* deve também ser pedreiro e marmorista. Neste caso, a polivalência faz-se em detrimento das profissões. A antiga repartição das tarefas que ainda sobrevive a estas mudanças permite uma melhor harmonização das pessoas no grupo (por exemplo, para serrar com um "pas- se partout" - grande serra com duas alças - é preciso en- tender-se com o colega de serviço); permite também a cada um uma boa repartição de seus esforços durante a jornada ou a semana. Tudo depende do trabalho em curso, da "boa forma" de cada pessoa. Um interrompe um trabalho de precisão no meio da tarde para retomá-lo apenas na manhã seguinte; ele aproveitará este tempo para preparar uma outra tarefa, para arrumar seu local de trabalho ou para dar uma ajude a um colega, interrogá-lo; assim, talvez, descubra um erro ou um perigo, para si, para os outros. Aqui, o tempo aparentemente perdido não é estéril para a segurança. * NT: Os termos utilizados em francês foram, pela ordem: "ravaleur, bardeur, scieur e tailleur".
  • 5. Outras vezes, porque o trabalho "não anda", porque já se esfolou várias vezes no mesmo lugar, porque os cole- gas estão desagradáveis este dia, porque não se ousou pedir qualquer coisa ao patrão, em resumo, porque al- guma coisa não vai bem e porque se sente irritado, ao in- vés de quebrar a pedra na qual se trabalha há vários dias e ao invés de, assim, arriscar um ferimento, descem-se os andaimes e deixa-se o canteiro de obras; vai-se procurar uma outra ferramenta, afiar aquela que se estava usando, ou arrumar a caixa de ferramentas, enfim, fazer outra coi- sa. Vê-se que a "vadiagem" está longe de ser um tempo vazio, improdutivo ou inútil. Ela contribui de fato para a au¬ to-regulação da carga de trabalho e a prevenção de aci- dentes ou ferimentos Deve-se acrescentar que, mesmo fora destas situações de irritabilidade, a afiação das ferramentas representa fre- qüentemente um tempo de recuperação. O colega toma consciência de que se força muito: afiar seu instrumento será um modo espontâneo de economizar o esforço, mas será também a ocasião de descarregar imediatamente o excesso de tensão interior. Todos os operários não agem do mesmo modo. Os mo- dos de auto-regulação são variados e personalizados, mas não podemos detalhá-los aqui. Pode-se pensar, legi- timamente, que estes procedimentos espontâneos te- nham um poder protetor sobre a saúde e a segurança. Ao contrário, outros operários (os jovens?) têm constan- temente os olhos fixos no instrumento em ação. Observam a ferramenta e não sabem observar-se a si mesmos. Sua fadiga resulta freqüentemente de uma má posição em re- lação ao trabalho: muito baixa para polir uma cornija, por exemplo, ou demasiado alta. Eles não pensam em colo- car os andaimes numa altura adequada, não sabem que é justificável e que ninguém os criticará por isto; pelo con- trário, mostrarão que dominam sua profissão. Assim, for- çam-se muito e somente quando se vêem esgotados dei- xam o posto de trabalho, reclamando dos olhares dos ou- tros (e do chefe), querendo mostrar uma segurança... que não têm. Assim se caracterizam entre os jovens atitudes que se parecem com aquelas que se induzem hoje entre todos, com a progressão da moderna organização do trabalho. Lombalgias, dores e acidentes testemunham aqui a im- portância, para a saúde e a segurança, dos saberes de prudência, incorporados na experiência profissional e nas profissões. O ritmo e a harmonia dos gestos são difíceis de se ensi- nar. Os conselhos são sempre parciais e difíceis de for- mular. Nada poderia substituir o que cada um aprende, por exemplo, daqueles com quem gosta de trabalhar. A complexidade deste aprendizado do ritmo e da harmonia dos gestos, indispensáveis a um trabalho de qualidade, implica ao mesmo tempo a segurança dos trabalhadores. Não podemos desenvolver aqui os outros aspectos destas ligações entre segurança e profissão. A título de indicação, mencionamos apenas que estes saberes de prudência se articulam muito precisamente com os outros saberes e com a linguagem da profissão, que deles são in- dissociáveis. O estudo de seu modo de transmissão, na prática, junto da coletividade operária, leva-nos a insistir so- bre um ponto: a desqualificação, o desaparecimento das profissões, a vontade de não se deixar formarem novas pro- fissões alteram tanto os conhecimentos e as regras da arte, como os procedimentos espontâneos contra os acidentes. Conclusão Esta análise dos saberes de prudência sugere uma crí- tica ao conteúdo e aos modos de aprendizado defendidos atualmente em matéria de prevenção no setor da Constru- ção. Parece que, em numerosos casos, eles não se in- serem na continuidade, nem na lógica da prudência operária espontânea. Podem mesmo estar em contradi- ção aguda com a prudência operária da profissão. Assim se compreenderá melhor por que as campanhas de prevenção são muitas vezes tão mal recebidas: não se trata, por parte dos operários, nem de má vontade, nem de inconsciência, mas de uma conduta que, por difícil que seja a se explicitar, tem uma racionalidade e uma legitimi- dade fundada na eficácia de uma experiência que a cole- tividade operária forjou e transmitiu, de geração a gera- ção, no curso da história. Prudence Know-Hows in Civil Construction The paradoxical behavior of Civil Construction workers towards occupational safety, which leads them to run a risk is here considered as refusal to follow preventive mea- sures, which in the opinion of experts, are technical mea- sures addressed to workers supposed to be ignorant and unaware of their work risks. Under the occupational psychopathology point of view, the present preventive measures are inadequate and the workers behavior is explained as being a necessity to overcome fear, generating with this challenging attitude "occupational protective ideologies" aiming at change workers relationship with the real occupational risk. Referências Bibliográficas 1 - DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: es- tudo de psicologia do trabalho. Trad. Ana Isa- bel Paraguay e Lúcia Leal Ferreira. São Paulo. Oboré, 1987. 163 p. 2 - A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi cri ada pelo Tratado de Versailles (1919-1920). 3 - 0 Instituto Nacional de Segurança (INS) é atual- mente o Instituto de Pesquisa e Segurança. 4 - 0 Organismo Profissional de Prevenção na Cons- trução Civil e Obras Públicas foi criado pela Por- taria Ministerial de 9 de agosto de 1947. 5 - ORGANISME PROFESSIONNEL DE PREVENTION DU BÂTIMENT ET DES TRAVAUX PUBLICS. Pla- nos de higiene e segurança. Paris, 1979 (OPPBTP. Editions, 207.A 79). 6 - ORGANISME PROFESSIONNEL DE PRÉVENTION DU BÂTIMENT ET DES TRAVAUX PUBLICS. Col- leges et comitês d'hygiene et de securité dans les chantiers BTP. Paris, 1979. (OPPBTP. Editions, 204.A 79). 7 - A lei de 6 de dezembro de 1976 define, nas opera- ções da construção, a responsabilidade dos che- fes de obra e empresários em matéria de higiene e segurança. 8 - LA TOUR a Neuf. Sauvagarde des Chantiers, Paris, (6):4-6, 1981. 9 - CURE de jouvence pour une vieille dame. Travail & Securité, Paris, (12):576-86, Dec. 1982. 10 - DEJOURS, C. Op. cit. nota (1).