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2   Reflexos da Privatização
Reflexos da Privatização   3
Editorial



                                Um jogo de cartas marcadas
        C
                 omo parte das comemorações dos 75 anos                    Foram criadas diversas empresas estatais nas áreas de
                 do Sindicato dos Engenheiros no Estado                    transportes, cinema e até hotelaria. Nessa época, o go-
                 do Paraná, apresentamos este caderno                      verno brasileiro passa a fazer uso político das empresas,
    especial “Reflexos da Privatização”. O objetivo des-                   entregando cargos técnicos a aliados, subvertendo o con-
    sa publicação é apresentar um panorama do proces-                      ceito original das estatais. Em 1979, o governo do general
    so de privatização no Brasil, que surgiu com força no                  João Baptista Figueiredo (1979-1985) lança o Programa
    governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992)                        Nacional de Desburocratização, com objetivo de privatizar
    que instituiu o Programa Nacional de Desestatização                    algumas dessas empresas. No entanto, é no início do
    (PND) e implementado com mais vigor após a cria-                       governo Collor e sua política neoliberal que esse processo
    ção do Conselho Nacional de Desestatização, já no                      se intensifica. O conceito de Estado Mínimo é adotado,
    governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).                      com o objetivo de facilitar a administração e “enxugar” a
        As principais empresas estatais brasileiras surgiram               máquina pública. Dessa forma, o governo brasileiro colo-
    durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-                    ca a venda suas principais empresas, sob o argumento
    1945). Antes disso, durante o período imperial, foram cri-             que eram deficitárias. Mas a primeira estatal privatizada
    ados o Banco do Brasil S/A, o Banco do Estado de São                   em seu governo, a siderúrgica mineira Usiminas, era uma
    Paulo S/A, o Banco Mineiro da Produção e o Banco de                    das mais lucrativas. Mesmo com grandes manifestações
    Crédito da Borracha. Mas foi com o início da industriali-              populares, até o fim do tumultuado governo de apenas
    zação no país que surgiram as grandes estatais brasileiras             dois anos, 18 grandes estatais foram entregues a iniciativa
    como o Instituto de Resseguros do Brasil, a Companhia                  privada, especialmente siderúrgicas e petroquímicas.
                                                                                No governo seguinte, de Fernando Henrique Cardoso
    Vale do Rio Doce, a Companhia Nacional de Álcalis, a
                                                                           (1995-2002), o desmanche do estado brasileiro atinge seu
    Companhia Hidroelétrica do São Francisco e a Fábrica
                                                                           ápice. Com a criação do Conselho Nacional de
    Nacional de Motores S/A. Elas tinham como objetivo a
                                                                           Desestatização, foram vendidas empresas estratégicas,
    transformação da economia brasileiras de agrária para
                                                                           como a companhia de minério Vale do Rio Doce, a
    industrial, num processo de substituição de importações.
                                                                           Telebrás, que detinha o monopólio das telecomunicações
    No seu segundo governo (1951-1954) criou a Petrobrás
                                                                           e a Eletropaulo, uma das maiores distribuidoras de ener-
    para atuar prioritariamente nas áreas de exploração, pro-              gia elétrica do mundo. Além de vender empresas funda-
    dução, refino, comercialização e transporte de petróleo e              mentais para o desenvolvimento do país, o governo finan-
    seus derivados, no Brasil e no exterior.                               ciou com recursos públicos ou aceitou títulos de crédito
        Com a chegada dos militares ao poder (1964-1985) o                 com retorno duvidoso em boa parte das privatizações,
    processo de estatização do país ampliou-se indevidamente,              num verdadeiro jogo de cartas marcadas. Dessa forma, o
    sob o meu ponto de vista, para setores não estratégicos.               governo agiu com um Robin Hood às avessas, tirando o
                                                    Senge-PR Comunicação
                                                                           patrimônio do povo brasileiro para entregá-lo a preços
                                                                           irrisórios a grupos econômicos nacionais e estrangeiros.
                                                                                Passados quase 20 anos do início do processo de
                                                                           privatização do país, quando o Brasil começa a retomar
                                                                           um processo de crescimento vigoroso, o faz novamente
                                                                           com uma forte inserção do investimento público, motivo
                                                                           pelo qual consideramos oportuno oferecer essa reflexão.
                                                                                 Valter Fanini - Diretor Presidente do Senge-PR




                                                                           Publicação comemorativa aos 75 anos do Sindicato dos Engenheiros no Estado do
                                                                           Paraná (Senge-PR). Edição única.
                                                                           Editor responsável Felipe A. Pasqualini (Reg. Prof. 3.804 PR)
                                                                           Textos e reportagens Pedro Carrano
                                                                           Design, infográficos e diagramação Alexsandro Teixeira Ribeiro
                                                                           Fale conosco comunica@senge-pr.org.br
                                                                           Artigos assinados são de responsabilidade dos autores. O Senge-PR permite a
                                                                           reprodução do conteúdo deste jornal, desde que a fonte seja citada.
    FANINI: governo FHC marca ápice do desmanche do estado brasileiro      Fotolitos/impressão Reproset    Tiragem 5 mil exemplares


4   Reflexos da Privatização
Reportagem
LOREM IPSUM DOLOR


                               Anos 1990: a apropriação
                                 das empresas públicas
 Economia brasileira descreve um longo caminho do desenvolvimentismo
dos anos 1930 a 1980, até a aplicação da política neoliberal, com ataques
    ao mundo do trabalho, perda de direitos conquistados, privatização do
       capital controlado pelo Estado são alguns marcos do novo período.




   E
             ra o retorno, adaptado às novas realida      ou perecer, e a indústria perde seu papel específico
            des, do velho capitalismo liberal. Entre 1930 de liderança do processo de desenvolvimento” (1).
            e 1975, várias concessões haviam sido feitas, De acordo com o ritmo mundial, a produção brasilei-
em muitos países, para atender às necessidades do sistema ra teve queda no ritmo de crescimento, impossibilita-
atingido pela Crise de 1929 e pela subseqüente Grande     da de repetir os números do modelo anterior. Entre
Depressão, da década de 30. Logo após a Segunda Guerra,
                                                          1950 e 1973, a taxa de crescimento do PIB nacional
os países capitalistas precisavam recuperar suas economi-
as. Precisavam garantir sua vitória contra a expansão do
                                                          estava em torno de 4,7%, número que passa a 2,8%
comunismo e contra as lutas de libertação que aconteciam  na década de 1990 (veja dados abaixo). “Ao contrá-
em todas as antigas colônias. Nos países capitalistas, a rio do que diz o discurso hegemônico, o período em
pressão do movimento operário conquista, “na marra”,      que se aceleram a revolução técnico-científica e a
vários direitos. Nos anos 80, as em-                                           globalização (1973-1990) coin-
presas, para garantir seus lucros,                                             cide com uma nítida contração
precisavam recuperar o terreno per-       Entre as décadas de                  no ritmo de crescimento da eco-
dido com essas concessões. Precisa-       1930 a 1980, o Brasil                nomia e do comércio mundiais,
vam retirar dos trabalhadores o má-
ximo de conquistas possíveis, de acor-   viveu um processo de em relação ao período imedia-
do com Vito Giannoti.                    industrialização, base- tamente anterior” (2).
                                                                                   Estradas, portos, linhas fér-
    Definição de “mercado”: Capi-
tal monetário concentrado nas mãos
                                            ado no modelo de                   reas, linhas de transmissão de
de pequeno número de operadores,         substituição de impor- energia e telefônicas são leiloa-
de acordo com François Chesnais.            tações (MSI), que o                dos, ao lado de insumos e re-
                                                                             cursos energéticos. Uma infra-
                                         urbaniza e retira da                estrutura completa é apropria-
Entre as décadas de 1930 a 1980,
o Brasil viveu um processo de             condição de país                   da por grupos privados, a partir
industrialização, baseado no mo-         baseado exclusiva-                  do excedente concentrado até
delo de substituição de importa-       mente na agricultura, aquele momento no Estado. O
ções (MSI), que o urbaniza e re-                                             discurso característico do
tira da condição de país baseado
                                        e que tem como re-                   neoliberalismo - o Estado míni-
exclusivamente na agricultura, e       sultado a criação de                  mo reduzido aos investimentos
que tem como resultado a cria-             uma indústria de                  essenciais – não encobre o fato
ção de uma indústria de base e                                               de a privatização ter contado
                                       base e infra-estrutura.               com o apoio do próprio Estado.
infraestrutura. Ainda que depen-
dente, a industrialização deixou                                             A ferramenta para isso foi o
como saldo setores modernos em todas as regiões,      Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
articulados com mercados globais. Embora o Estado Social (BNDES), usado na formatação e no
brasileiro não tenha realizado neste período reformas gerenciamento das privatizações.
estruturais e não reverteu a concentração de renda        O economista Fábio Bueno, da organização Con-
no país, situação que veio a se aprofundar.           sulta Popular, identifica uma mudança no papel histó-
     Na década de 1990, a imagem do crescimento rico do Estado ao longo do século vinte. “Após um
planejado pelo Estado é rompida e dá lugar a uma período que vai da Primeira Guerra Mundial e da
outra percepção: “As oscilações de mercado pas- Revolução Russa até meados da década de 1960, a
sam a definir praticamente sozinhas as atividades ou organização da sociedade pelo livre mercado foi vis-
setores produtivos que irão se desenvolver, estagnar ta como responsável pelas grandes mazelas do pe-
                                                                                       Reflexos da Privatização    5
Reportagem

    ríodo, inclusive dentro do próprio mundo capitalista. Daí
    a atuação estatal como organizadora de várias dimen-
    sões da sociedade. Com o passar do tempo, ocorre
    uma mudança importante de correlação de forças den-
    tro da burguesia internacional, com ascendência da-
    quelas frações internacionalizadas pelas finanças, que
    acabam por inverter o ponto de vista na segunda me-
    tade do século vinte: as mazelas e dificuldades enfren-
    tadas após a década de 1960 passam a ser atribuídas
    justamente à falta de liberdade dos mercados!”, analisa.
         A expansão das corporações e transnacionais,
    iniciada na década de 1970, é uma das determinantes
    na implantação do neoliberalismo, quando passam a
    ser responsáveis por um terço da produção do mun-
    do. Estas empresas definem a especialização entre
    países e servem de base para o formato atual do ca-
    pitalismo financeiro, devido à sua capacidade de di-
    fusão a partir do desenvolvimento da tecnologia e da
    telemática. No Brasil, as empresas estatais apropria-
    das pelo capital transnacional (a exemplo da Vale,
    Petrobrás, etc) passam a ter um forte controle do                  DELFIN: processo de financeirização da economia vem desde 1970
    capital financeiro, planejadas de acordo com meca-                 transnacionais e o jogo do mercado de ações. “As
    nismos próprios (fundos de pensão, etc) e decisão na               grandes empresas tenderam a obter fundos direta-
    mesa dos acionistas.                                               mente no livre mercado, passando assim a depender
        Nos anos 1990, o Estado recebe investimentos                   menos dos empréstimos bancários, (...) o que signifi-
    externos diretos e, como conseqüência, aumenta sua                 ca que o mercado passa a controlar os empréstimos,
    dívida. Aumentam também as remessas enviadas das                   por meio de títulos e derivativos, não mais apenas por
    corporações para suas matrizes. “As remessas de                    meio dos bancos. A capacidade produtiva mundial
    lucros e dividendos de empresas estrangeiras para                  sofre um deslocamento produtivo. O mais importan-
    suas matrizes dão dois grandes saltos, em 1992 e 1996,             te, que é a necessidade básica dos trabalhadores, não
    tornando-se nos últimos anos muito acentuadas. Em                  é atendida” (4).
    1997, elas apresentaram crescimento de 69% em                          É o economista Delfim Netto quem explica o pro-
    relação a 1996 e de 217% em relação a 1993, ano                    cesso de financeirização da economia, iniciado nos
    imediatamente anterior ao início do Plano Real” (3).               anos 1970. “No fim dos anos 70 do século, o sistema
        Os mecanismos financeiros tornam-se mais com-                  bancário americano foi submetido a um enorme
    plexos e envolvem agentes como investidores,                       estresse, criado pelos petrodólares, pela maior liber-
                                                      Agência Brasil
                                                                       dade de movimento de capitais, pelas ‘inovações’ fi-
                                                                       nanceiras e, principalmente, pela maior flexibilidade
                                                                       do sistema bancário inglês. Iniciou-se, então, a
                                                                       desregulação do sistema (...) Eliminou-se o monopó-
                                                                       lio dos bancos comerciais nos depósitos sacáveis com
                                                                       cheques, acabou-se com a separação entre bancos
                                                                       comerciais e de investimentos, estabeleceu-se a eli-
                                                                       minação progressiva dos controles das taxas de ju-
                                                                       ros”, descreve (5).
                                                                           Desregulamentação, privatização e liberalização.
                                                                       Esta é a síntese usada pelo economista francês
                                                                       François Chesnais, considerado o principal teórico hoje
                                                                       sobre o capitalismo financeiro. Não importa a pala-
                                                                       vra que usemos para entender o neoliberalismo, em
                                                                       todo o continente, dos indígenas mexicanos ao movi-
                                                                       mento social e sindical brasileiro, de Seattle a Cara-
                                                                       cas, é produzida uma percepção de que o
                                                                       neoliberalismo se lança como guerra contra a própria
                                                                       humanidade (6) e contra o sentido daquilo que é pú-
    O BNDES foi ferramenta usada em auxílio das privatizações          blico e deveria ser de todos.

6   Reflexos da Privatização
Reportagem


                                                                              aconteceu com o setor dos trabalhadores mineiros ingle-
Taxas médias anuais de crescimento do                                         ses. “Se os países subdesenvolvidos não conseguem pa-
produto e das exportações mundiais                                            gar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus
 Ano                   PIB                  Exportações (%)                   territórios e suas fábricas”, afirmava Tatcher. Neste con-
 1870 - 1913           2,7                      3,5                           texto, um país como o México, em 1995, sofre a queda de
                                                                              5% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto os salários
 1913 - 1937           1,8                         1,3
                                                                              caíram em 55%. Falar deste país não se trata de uma
 1950 - 1973           4,7                         7,2                        casualidade, o primeiro da América Latina a decretar a
 1973 - 1990           2,8                         3,9                        moratória da dívida pública, ainda no ano de 1982, que se
                       Fonte: A Opção Brasileira, editora Contraponto, 1998   alastraria aos países vizinhos, uma vez que o tema da
                                                                              dívida é uma das principais justificativas do pensamento
 Distribuição de renda no Brasil
                                                                              neoliberal para a privatização e venda do patrimônio público.
 Acesso das classes à renda nacional
                       1960             1970                1980                                           Dívida pública e
 20% mais pobres        3,9                3,4                 2,8                                     venda do patrimônio
 50% mais pobres       17,4              14,9                12,6
 1% mais ricos         11,9              14,7                16,9                  As condições para a implantação do modelo neoliberal
                       Fonte: A Opção Brasileira, editora Contraponto, 1998   já eram dadas no próprio final do ciclo do modelo de subs-
                                                                              tituição de importações (MSI), a partir do endividamento
      Implantação do neoliberalismo                                           do Estado. Com isso, o mecanismo do pagamento da dí-
                                                                              vida foi o que amarrou e justificou a venda de empresas
                  na América Latina                                           estatais. Isto porque, no final da década de 1970, o capita-
                                                                              lismo brasileiro se viu enredado em empréstimos interna-
    Na sua raiz, o neoliberalismo é o resgate do ideário de                   cionais, uma forma de sustentar a implantação da indús-
completa não-intervenção do Estado e auto-organização                         tria de bens intermediários, levada à frente pelo II Plano
do mercado, baseado nas ideias de Frederich Von Hayek,                        Nacional de Desenvolvimento, lançado pelo governo Geisel,
autor de O Caminho da Servidão, e Milton Friedman (da                         em 1974, já no declínio do “Milagre Brasileiro”. “Seduzi-
escola de Chicago), entre outros. Estes pensadores não                        dos pelo endividamento ‘fácil’ nos anos 1970, (os gover-
tinham eco nos anos 1950, uma vez que o capitalismo no                        nos) enfrentaram crises da dívida nos anos 1980 e, ao se
pós-guerra passava por um longo período de expansão,                          verem sem recursos para o pagamento da dívida, são
financiado justamente pela intervenção estatal, crescimento                   ‘socorridos’ pelo FMI e levados a aceitar as condições
que duraria até o “Choque do Petróleo”, de 1973 (ocasio-                      impostas pelos credores”, descrevem Rodrigo Vieira de
nado pela disputa entre países produtores e consumidores                      Ávila e Maria Lúcia Fatorelli, daAuditoria Cidadã da Dívida.
do recurso energético).                                                            O neoliberalismo e suas determinações não estão
    Na América Latina, o primeiro laboratório neoliberal                      engessadas na década de 90. Este modelo econômico
foi o Chile, durante a ditadura militar. O economista e                       se desenvolve e ainda hoje com conseqüências. Dados
diretor do Sindicato dos Bancários de Curitiba e Região,                      de 2009 apontam que a dívida pública (soma das dívidas
Pablo Diaz, analisa: “Os ‘Chicago Boys’, sob o comando                        interna e externa do setor público) atinge o patamar de
do Friedman, vieram para o país de Pinochet, onde fize-                       R$ 1,497 trilhões (sendo R$ 96,97 bilhões de dívida
ram a primeira grande experiência neoliberal. Foi o balão                     externa e os restantes R$ 1,4 trilhões de interna), o que
de ensaio do neoliberalismo. Ficou comprovado que o li-                       corresponde a 47,6% do PIB e eleva em R$ 104 bilhões
beralismo de mercado não era igual à democracia, ca-                          o patamar de endividamento registrado em 2008 (7).
bendo muito bem em um Estado autoritário combinado                            O montante de recursos pode ser comparado com o
ao liberalismo econômico. O liberalismo não precisava de                      que concretamente é investido em setores tais como
democracia”, comenta. À época, Pinochet lograria con-                         Saúde e Educação, como revela o gráfico na página 6,
ter a inflação, porém ao preço de 60% da população chi-                       elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida, sobre o
lena subalimentada e a falência de mais de 2 mil empre-                       orçamento do governo (2006) e o destino dos recursos.
sas. A participação da indústria chilena no PIB baixou de
30% para 20%, de acordo com análise de Diaz. Hoje,
economistas de Chicago estão retornando ao governo do                                               Derrotas populares
país, a partir da eleição de Sebastián Piñera.                                                  e no mundo do trabalho
     Em 1979, o liberalismo é aplicado na Inglaterra sob
comando da primeira-ministra, Margareth Tatcher. O                               Para a população da América Latina, o Consenso
modelo pregava, além do esvaziamento do Estado, a                             de Washington (1989) caracterizou-se por alguns ele-
financeirização da dívida pública dos países do então cha-                    mentos comuns, entre eles: o investimento e o mer-
mado Terceiro Mundo e o combate aos sindicatos, como                          cado aberto para as corporações, o vínculo das moe-
                                                                                                               Reflexos da Privatização       7
Reportagem

                                                 Orçamento e destino de recursos da União (2006)


3,17%


9,5%


9,51%


15,38%


25,73%


36,7%
        Lazer, energia, comunicações, comércio e serviço, indústria, organização agrária,                Outros encargos especiais (principalmente
        agricultura, tecnologia, saneamento e gestão ambiental                                           transferência a estados e municípios)
        Habitação, urbanismo, direitos da cidadania, cultura, educação, trabalho e saúde.                 Previdência Social

        Legislativa, judiciária, essencial à justiça, administração, defesa nacional, segurança          Juros e amortizações da dívida
        pública, relações exteriores e assistência social.

    das latino-americanas com o dólar, e a redefinição da                            mos pela crise da dívida, pelo re-estabelecimento da demo-
    propriedade intelectual como uma das formas de as                                cracia representativa e pela elaboração de uma Constitui-
    transnacionais ampliarem e estenderem o seu con-                                 ção, processos que desembocaram em uma disputa de pro-
    trole sob os mercados (8).                                                       jeto na eleição em 1989, entre o abandonado projeto demo-
         O neoliberalismo se impôs a partir de derrotas popula-                      crático popular de Lula e o neoliberalismo de Collor. Ou
    res na década de 1980. No Brasil, esta década se traduziu                        seja, impunha-se a mudança para o Brasil, mas não neces-
    em cinco greves gerais dos trabalhadores, cujo projeto polí-                     sariamente a neoliberal, que vingou por derrotar a alternati-
    tico conheceu a derrota nas eleições de 1989. Na opinião                         va posta então, em que pese não ser claro os desdobra-
    de Bueno, a implantação do modelo neoliberal responde a                          mentos de uma derrota de Collor em 1989”, comenta.
    uma derrota a partir de dois projetos em disputa. “Passa-                             Os trabalhadores sofreram ataques contra seus di-
                                                                                     reitos e a força de trabalho teve o valor depreciado. “No
        Pontos do Consenso de Washington                                             começo da década, com a recessão de 1981/83, tentou-
                                                                                     se aplicar novas tecnologias que desempregavam força
        Disciplina Fiscal                                                            de trabalho. Elas intensificavam e homogeneizavam o
        Corte de subsídios e aumento de gastos em educação e saúde                   processo de trabalho. Estas transformações buscavam
        Reforma Tributária e aumento da carga e base tributária                      pressionar o mercado de trabalho, desqualificando a for-
        Taxa de juros deve ser positiva e determinada pelo mercado
                                                                                     ça de trabalho (simplificando suas tarefas e diminuindo
                                                                                     seu preço). Dessa forma, as mudanças tecnológicas
        Taxa de câmbio deve ser determinada pelo mercado
                                                                                     visualizavam uma precarização das relações de traba-
        Comércio deve ser liberalizado e voltado para o exterior                     lho, aumentavam o ritmo e a jornada de trabalho e dimi-
        Não deve haver restrições ao investimento direto                             nuíam o valor da força de trabalho”, descreve o econo-
        Empresas estatais devem ser privatizadas                                     mista brasileiro Venâncio de Oliveira.
                                                                                         Temos, então, a imagem usada pelo economista
        Atividades econômicas devem ser desregulamentadas
                                                                                     Win Dierckxsens, na qual o “bolo” crescido no perío-
        Prover melhores garantias aos direitos de propriedade                        do desenvolvimentista precisava agora ser fatiado.

8      Reflexos da Privatização
Neoliberalismo



                   Período neoliberal: a
       economia dita a falta de soberania
      Economista aponta esvaziamento ideológico, hegemonia do capital
    financeiro e perda de soberania política sobre os rumos do país como
                       principais elementos da política no neoliberalismo.




   O
             neoliberalismo produziu um elogio ao in-      cos. Por trás dos bastidores, a venda das estatais,
             dividualismo, caracterizando-se como um       segundo o governo, serviria para atrair dólares, redu-
             projeto com grande capacidade para cap-       zindo a dívida do Brasil com o resto do mundo e ‘sal-
turar a subjetividade das pessoas. “Auto-ajuda e mer-      vando’ o real. O dinheiro arrecadado com a venda
cado. Ele destrói o senso de coletivo e implanta o         serviria ainda para reduzir também a dívida interna –
individualismo, as pessoas não reconhecem mais o           dívida que nunca chegou a ser quitada (10). De acor-
espaço público como algo público”, define o econo-         do com o mecanismo do “fluxo de caixa desconta-
mista Pablo Diaz, diretor do Sindicato dos Bancários       do”, as empresas foram avaliadas por preços de mer-
de Curitiba e Região.                                      cado, sem levar em conta o patrimônio, o capital cons-
    Houve um esvaziamento das decisões políticas e         tante e a logística dos grupos estatais.
perda de margem de ação. “Dentro da lógica                     A infra-estrutura brasileira foi colocada à venda:
neoliberal, melhor ter um Estado enxuto e eficiente,       Vale do Rio Doce, Eletrobrás, Petrobras e Telebrás,
que promovesse a segurança, que é a repressão. Ao          Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foram leiloadas,
Estado define-se este papel, educação básica e ren-        a partir de manipulação de preços, que elevou o in-
das compensatórias, omitindo-se de políticas públi-        vestimento estatal em um primeiro momento, para
cas. Passa a valorizar o político administrativo e não     em um segundo instante vendê-las com um preço
a política social, o que cabe dentro do discurso de        inferior ao seu patrimônio. Apenas no governo FHC,
maximização dos resultados. A população acredita           entre 1997 e 2002, 133 empresas passaram ao con-
nisso, pois não consegue fazer o vínculo, por exem-        trole de grupos privados, 78 delas ligadas à produção
plo, entre aumento da violência e fim do Estado soci-      e não-financeiras (IBGE). De 1993 a 1997, 300 em-
al”, comenta.                                              presas brasileiras compradas por estrangeiros. O
                                                           surgimento das agências reguladoras é a síntese de
                 Brasil: o neoliberalismo                  uma transição do Estado. De planejador, passaria a
                                                                                                              SEEB Curitiba

                      aplicado à exaustão
     Ainda era 1993. O atacante Romário prometia o
título mundial da Copa do Mundo para o povo brasileiro,
depois de duas décadas sem vitórias e uma classifica-
ção apertada nas eliminatórias. Surgiu aos olhos de to-
dos como o salvador que a nação necessitava. Outra
grande promessa com a qual uma geração inteira de
brasileiros se deparou, mas não chegou a ver o resulta-
do final: a venda das estatais brasileiras representaria
maior investimento nos setores essenciais (Saúde, Edu-
cação, etc), uma maior qualidade e melhores preços no
acesso da população ao mundo dos serviços, a partir de
maior competitividade entre as empresas.
     O atacante brasileiro cumpriu sua promessa e a
seleção ergueu a taça da Copa. O Plano Real e o
início do governo FHC tiveram apelo parecido no
imaginário popular. Mas o movimento concreto da
política econômica brasileira foi percebido por pou-       PABLO Diaz: neoliberalismo destrói o senso de coletivo

                                                                                             Reflexos da Privatização         9
Neoliberalismo

                                                             Honduras, 2006. A América Central e países como El Salvador,
                                                             Guatemala, Nicarágua sofreram com a luta armada, nos anos 1980, e a
                                                             aplicação do livre comércio, abandono do campo e migração de
                                                             mão de obra. A resistência do movimento popular em
                                                             Honduras, após o golpe contra o presidente Manoel
                                                             Zelaya, é um primeiro marco de mobilização popular de
                                                             resistência contra o modelo neoliberal.



                                                                                                                                      Venezuela, 1989. O episódio
                                                                                                                                      do “Caracazo”, levante dos
México, 1994. O país viveu duas fraudes                                                                                               marginalizados da capital (Ca-
eleitorais, em 1988 e 2006, nas quais venceu                                                                                          racas), durou cerca de 3 meses
a fração conservadora do país. No dia primei-                                                                                         e deixou saldo de mais de 3 mil
ro de janeiro de 1994, a implantação do Tra-                                                                                          mortos, durante o governo do
tado de Livre Comércio (TL-Cam), com Ca-                                                                                              presidente Carlos Andrés Perez.
nadá e EUA, produziu uma rebelião, do esta-                                                                                           Em 1992, uma tentativa frustra-
do de Chiapas para o México todo, devi-                                                                                               da de rebelião militar, coman-
do ao termo do Tratado que ameaça                                                                                                     dada pelo então coronel Hugo
a propriedade comunal indígena.                                                                                                       Chávez, abre a possibilidade de
                                                                                                                                      uma ruptura no sistema de
                                                                                                                                      poder vene-zuelano
                                                                                                                                      para um governo po-
      Equador, 2000 a 2005. Três presidentes foram                                                                                    pular.
      depostos em cinco anos, sob a palavra de ordem
      de “Que se vayan todos”. O último deles, Lúcio
      Gutiérrez, elegeu-se com uma proposta naciona-
      lista e vinculada ao movimento indígena, mas ape-
                    nas aprofundou as relações com os
                     Estados Unidos e teve de refugiar-
                     se na embaixada brasileira.

                                                                                                                                Bolívia, 2003 e 2005. O presiden-
                                                                                                                                te Sanchez de Losada, responsá-
         Peru, 1994. O governo Fujimori, apesar do contro-                                                                      vel pela morte de 67 lutadores so-
         le inflacionário, aumentou a pobreza de menos de                                                                       ciais, em 2003, no episódio conhe-
         30% para mais de 60% da população de cerca                                                                             cido como “Guerra do Gás”, refu-
         de 23 milhões de pessoas. O presidente che-                                                                            giou-se nos Estados Unidos, após
         ga ao terceiro mandato, é acusado de                                                                                   uma crise institucional. Em
         corrupção e refugiado pela sua condi-                                                                                  2005, o vice Carlos Mesa
         ção de estrangeiro.                                                                                                    chegou a renunciar de-
                                                                                                                                vido à pressão do mo-
                                                                                                                                vimento social.


                Argentina, 2001. O processo de privatização argentino desem-
                pregou 350 mil trabalhadores e a atividade privada ou-
                tros 200 mil, resultado da política de Menem. O
                governo posterior seguiu o mesmo rigor neoliberal
                de Menem. A crise econômica de 2001 na qual o
                país emerge derruba cinco presidentes.




                        Presidentes neoliberais e o
                   descontentamento da população                      FONTE: E se o capitalismo acabasse?, de Luiz Carlos Correa Soares, janeiro de 2001, editora do autor


             10        Reflexos da Privatização
Neoliberalismo

ser um fiscalizador neste período. “Houve uma reversão
de todo o Estado moderno, em primeiro lugar foi colocado
                                                                                Atuação do BNDES nas privatizações*
o econômico, e depois o governo faria a política com o                                            Receita         Dívidas               Resultado da
                                                                                Programa         de Venda       Transferidas            Desestatização
que sobrar”, comenta o economista Pablo Diaz.
     Na prática, o Banco Nacional de Desenvolvimen-                             Estadual         27.948,8         6.750,2                  34.699,0
to Econômico e Social (BNDES), por meio do Pro-                                 PND              30.824,2         9.201,4                  40.025,6
grama Nacional de Desestatização (PND), financiou                               Telecom          29.049,5         2.125,0                  31.174,5
as transnacionais que dominaram os setores estraté-
                                                                                Resultado        87.822,5         18.076,6                 105.899,1
gicos do parque industrial brasileiro.                                        * Em US$ milhões              Fonte: A Opção Brasileira, editora Contraponto, 1998
    Os primeiros setores leiloados pelo PND concentram-
se nos ramos siderúrgico, elétrico, de mineração,                                         O BNDES e os investimentos
petroquímico, ferroviário e de fertilizantes. O PND foi leva-                                      nas privatizações
do a cabo com energia pelo presidente FHC, quem inseriu
em suas Cartas de Intenção ao FMI a privatização da pre-
                                                                                  O investimento do BNDES na privatização da Light
vidência, de bancos estaduais e empresas elétricas (11).
                                                                              foi de R$ 730 bilhões, em 1998 (após o apagão do Rio de
Decreto presidencial desta época inviabilizou o empréstimo
                                                                              Janeiro). Na privatização da Companhia Siderúrgica Na-
do BNDES para empresas públicas, impossibilitando o pró-
                                                                              cional (CSN): R$ 1,1 bilhão para execução de um plano
prio sentido do banco desde a fundação, em 1952. “O
                                                                              de expansão de cinco anos. Investiu R$ 4,7 bilhões na
BNDES recebe 40 bilhões de dólares do Fundo Monetário
                                                                              Açominas, antes de privatizá-la. Já na Petrobras (1997),
Internacional (FMI), pega o dinheiro que era para promo-
                                                                              uma articulação com pouco mais de 20 sócios, investe
ver o ‘crescimento’, e empresta subsidiado para a compra
                                                                              R$ 140 milhões e conta com R$ 60 milhões do BNDES,
das companhias por estrangeiros”, comenta Diaz.
                                                                              uma sociedade (Sociedade de Propósito Especial) para
                                                                              captar no mercado internacional R$ 1,3 bi (justamente o
                                     Cronologia do                            valor do investimento de R$ 1 bi previsto no orçamento do
                              Programa Nacional de                            Estado, cortado em 99), e essa jogada resultou num aporte
                              Desestatização (PND)                            de R$ 1,5 bi para negócio com previsão de faturamento
                                                                              de R$ 5 bilhões em médio prazo.
    1993-1994 - Eliminação da discriminação contra in-                                                                                     Referências
vestidores estrangeiros, permitindo sua participação em até                   1.A Opção Brasileira, ed. Contraponto (1998). BENJAMIN, Cesar (org).
                                                                              2.Idem.
100% do capital votante das empresas a serem alienadas.                       3.Idem 1 e 2.
    1997 - Junto à venda de 68 empresas produtivas                            4.(COSTAS, Lapavitsas, o capitalismo financiarizado,
federais, intensificam-se as privatizações de âmbito                          tradução livre).
                                                                              5.Jornal Valor Econômico, fevereiro de 2010.
estadual, com a venda de 40 empresas estaduais.                               6.Subcomandante Insurgente MARCOS, Don D. de La Lacandona.
    2002 - O Programa concentra-se em outros se-                              7.GENNARI, Emílio. Base de dados para a análise de conjuntura de 2010.
                                                                              8.CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital.
tores, não mais o setor siderúrgico, como no início                           9.O Brasil Privatizado. BIONDI, Aloysio.
dos anos 1980. O setor elétrico, hidrelétricas, portos,                       10.Auditoria Cidadã da Dívida.
malhas fluviais passam a constar nas licitações.                              11.Idem.


  Dez principais países beneficiários do Prograna Nacional de Desestatização (PND)
      País                                   PND                  Estaduais         Tele- comunicações                          Total
 Estados Unidos                      4.31            15,1       6.024     21,6       3.692           12,8              14.034              16,5
 Espanha                            3.606            12,6       4.027     14,4       5.042           17,5              12.675              14,9
 Portugal                             1               0,0        658       2,4       4.224           14,7               4.882               5,7
 Itália                               -                -         143       0,6       2.479            8,6               2.621               3,1
 Chile                                -                -        1.006      3,6         -                -               1.006               1,2
 Bélgica                             880              3,1         -         -          -                -                880                1,0
 Inglaterra                           2               0,0        692       2,5        21              0,1                715               0,8
 Canadá                              21               0,1         -         -         671             2,3                692               0,8
 Suécia                               -                -          -         -         599             2,1                599               0,7
 França                              479                 1,7     196      0,7          10            0,0                 686                0,8
 Participação Estrangeira          11.210            36,4      13.654     48,9       17.270          59,4              42.134              48,0
 Total                            30.824,2           100       27.948,8   100      29.049.5          100             87.822,5               100
- US$ milhões - % Atualizado em: 31/12/02 FONTE: BNDES


                                                                                                                         Reflexos da Privatização                  11
Opinião



                                         Regulação e desregulação
           “As agências têm servido também como espaços para compadrio e
        nepotismo, além de se tornarem “raposas cuidando dos galinheiros”. Há
       exceções? Talvez sim, mas é difícil dizer onde e quando”, afirma no artigo
                abaixo o ex-presidente do Senge-PR, Luis Carlos Correa Soares.




        R
                  egulação é um sistema ou processo de con ça está nas respectivas dimensões de espaço-tempo:
                  trole; regulamentação é um conjunto de a ética é tão abrangente no espaço e permanente no
                  instrumentos e mecanismos pelos quais é tempo quanto seja possível estabelecer; a moral, ao
     exercido um determinado siste-                                             contrário, é restrita quanto à
     ma ou processo de regulação.            No Brasil neoliberal               ambiência e/ou à temporalidade.
     Ambos devem ser norteados por                                                  A quem cabe regular? No
     princípios éticos, morais e demo-           o princípio da                 contexto econômico e financei-
     cráticos, orientados para os inte-         divinização do                  ro internacional as chamadas
     resses da nação, como um todo.            mercado, o falso                 agências de fomento (tipo o
         Os sistemas de controle dos                                            FMI, o BID, o Bird) - ao esta-
                                            mito do Estado míni-
     Estados nacionais da Era Moder-                                            belecerem regras comporta-
     na não poderiam prescindir de            mo, o crescimento                 mentais para os países periféri-
     modernos sistemas e processos de            da dívida e o                  cos e carentes de recursos para
     regulação, sob os princípios acima.         aceleramento                   sustentação das suas economi-
     Entretanto, aprofundou-se o fosso                                          as, permanentemente abaladas
     entre os sistemas de regulação ide-
                                              da nossa trajetória               pelo processo sanguessuga do
     ais e os possíveis. A explicação é     para a subserviência                capital -, nada mais são do que
     simples mas deve ser precedida de        se aprofundaram                   agências internacionais de
     conceitos muito claros.                   de forma efetiva                 regulação desses países. Acres-
         De modo conciso pode-se                                                çam-se os acordos multilaterais
     conceituar ética e moral como                e desastrosa.                 (tipo OMC,AMI, a nati-mortaAlca
     conjuntos de princípios nortea-                                            etc), onde normalmente prevale-
     dores e referenciais para os usos, costumes e inter- cem os interesses dos países centrais do capitalismo.
     relações dos indivíduos e das sociedades. Todavia,        No Brasil neoliberal o princípio da divinização do
     ética e moral não se confundem. A principal diferen- mercado, o falso mito do Estado mínimo, o cresci-
                                                                                                   Senge-PR Comunicação




     SENGE-PR: luta contínua contra agências reguladoras.


12   Reflexos da Privatização
Opinião

mento da dívida e o aceleramento da nossa trajetória
para a subserviência se aprofundaram de forma efeti-
                                                             Agência reguladoras em quatro pontos
va e desastrosa. Um dos instrumentos essenciais para              1 - os processos de regulação e de regulamentação de-
esse processo, além das privatizações – tema de capa          vem ser norteados por princípios éticos, morais e democráti-
desta Revista - tem sido a desregulamentação proce-           cos, considerando os interesses da nação.
dida em setores estratégicos essenciais, mediante a               2 - um Estado fraco não detém condições de autonomia
retirada de controles do âmbito do Estado brasileiro.         para regular setores básicos no rumo do interesse social.
Mesmo que tais controles fossem frágeis, eram muito               3 - a estruturação da nação brasileira (território, povo,
melhores do que tudo o que foi inventado depois.              autonomia e Estado) foi sempre fragmentada e sofreu imensos
    Para simulacro de regulação por meio das “agên-           descompassos, produzindo um país economicamente forte mas
cias reguladoras que pouco ou nada regulam” e, com            socialmente injusto.
o processo privatizante já em estágio avançado, foi ela-          4 - no Brasil, em grande medida, as agências reguladoras
borada a Lei 9.986/2000 para definir as regras de fun-        operam sob influências políticas, burocracias, clientelismos e
cionamento dessas agências. Além de débeis e ten-             com parafernálias jurídicas absurdas e inúteis.
denciosas, as regras foram aplicadas de modo tardio.
    Atualmente, existem nove agências: Anvisa (vigi-         rias e suficientes para estabelecer marcos regulatórios
lância sanitária), ANS (saúde), ANA (águas), Aneel           efetivos em setores-chave e estratégicos.
(energia Elétrica), Anatel (telecomunicações), ANTT              Poderíamos encerrar este texto com um dito po-
(transportes terrestres), Antaq (transportes aquaviários),   pular que, de forma publicável, diz mais ou menos
Ancine (cinema).                                             assim: “quanto mais a gente se abaixa, mais as coisas
    Algumas agências incorporaram estruturas de de-          aparecem...”. Porém preferimos usar uma parte da
partamentos e secretarias de ministérios extintos. To-       poesia “Quem morre?”, de Pablo Neruda.
das têm funcionários cedidos por empresas privadas e
órgãos governamentais. Ou funcionários temporários,                  “Morre lentamente quem se transforma
contratados por intermédio de organismos internacio-                         em escravo do hábito,
                                                                  repetindo todos os dias os mesmos trajetos.
nais ou por processo seletivo simplificado e admissões
                                                                       Morre lentamente quem abandona
com durações pré-determinadas. Além dos cargos de                        um projeto antes de iniciá-lo,
livre indicação. Indicação de quem? Ora, pois...                não pergunta sobre um assunto que desconhece
    Em resumo, as agências têm servido também como                   ou não responde quando lhe indagam
espaços para compadrio e nepotismo, além de se tor-                           sobre algo que sabe.
narem “raposas cuidando dos galinheiros”. Há exce-               Evitemos a morte em doses suaves, recordando
ções? Talvez sim, mas é difícil dizer onde, quando e em                      sempre que estar vivo
que circunstâncias, porque o processo e o sistema es-                 exige um esforço muito maior que o
tão viciados desde a origem e os fundamentos.                               simples fato de respirar.
    Além disso, vem sendo criado um imenso e caóti-                  Somente a perseverança fará com que
co processo legisferante que tem produzido tanto a            conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.”
                                                                                                            Senge-PR Comunicação
glória dos juristas – dado o novo filão de atuação pro-
fissional - como também o seu desespero, dadas as
mutações quase diárias nos regulamentos emitidos.
E bem assim, o desespero dos usuários porque
inexistem condições para se conhecer com profundi-
dade e amplitude o emaranhado normativo que está
sendo gerado continuamente. É inevitável perguntar:
qual é a real utilidade dessa parafernália?
    O Estado mínimo neoliberal, quando abdicou de
exercer, ele mesmo, as atividades produtivas e de
serviços, deveria ao menos executar funções regula-
doras, de modo direto, com eficiência e eficácia, na
direção dos interesses da população em geral.
    Todavia, claro está que essa não era e nunca será
a ideia predominante, bem ao contrário, tanto na con-
juntura mundial como brasileira. Os Estados prisio-
neiros de interesses específicos de grupos e grupelhos,
sem independência e soberania, com princípios
fundantes tais como “tudo ao mercado” e “obediên-
cia cega a contratos”, não detém condições necessá-          SOARES: agências têm sido espaços para compadrio e nepotismo


                                                                                                 Reflexos da Privatização          13
Internacional



                                             Mundo de uma nota só
     Durante o período neoliberal, hegemonia estadunidense é mantida pelo
        controle da indústria de armas, ideologia e pela emissão de moeda.
                 Nação substitui a produção pela emissão de moedas, pelo
                               endividamento e aumento do déficit público.




        A
                  partir da década de 1990, o mundo passa               Enquanto todos os demais países participantes da
                 a ser controlado por uma nação Segunda Guerra haviam tido perdas sensíveis, a ren-
                 hegemônica. Isto se dá no plano político e da nacional aumentara nos EUA de 91 bilhões de
     militar, econômico e cultural. Os                                                    dólares em 1939, para 211 bi-
     EUA lançam mão da superiori- O discurso do liberalismo lhões em 1945. Ao final de 1945,
     dade militar para controlar o                                                        os EUA detinham 50% da ri-
     acesso aos mercados, em nome                  é aplicado para além- queza, mas somente 6% da po-
     da manutenção de taxas de lu-                 mar, uma vez que Esta- pulação mundial. No plano mili-
     cro em franca queda desde a                     dos Unidos e Europa                  tar, os gastos da elite desse país
     década de 1970.
                                                  persistem no protecionis- com armamentos superam, com
         Armas, palavra, dinheiro. A                                                      folga, a soma dos gastos reali-
     imagem usada pelo cientista po-              mo dentro de suas fron- zados pelos outros 14 países que
     lítico Emir Sader (foto) explica                teiras, sobretudo nos                integram a lista dos 15 mais bem
     a base do poderio dos Estados                   setores de produção                  armados do mundo (1).
     Unidos. No plano econômico, os                                                           Hoje em dia, apesar do
     EUA passam a controlar a emis-
                                                    agrícola, enquanto o                  surgimento do grupo dos BRIC
     são do dinheiro mundial sem obe- receituário aplicado era                            (Brasil, Rússia, Índia, China),
     diência a nenhuma regra, ao                  a venda do patrimônio esta hegemonia mantém-se no
     romperem unilateralmente o Tra-                  público e abertura                  plano militar, embora a Rússia
     tado de Bretton Woods. A moe-                                                        se mantenha como a segunda
     da passa a circular dissociada                      dos mercados.                    potência nuclear. “Um gasto
     dos circuitos produtivos reais, na                                                   militar em ascenso em uma base
     busca pela valorização do capital no menor período econômica em declive não pode ser sustentado, como
     de tempo possível, num mundo onde a regulação dramaticamente mostrou o colapso do bloco soviéti-
     financeira foi destruída.                                      co”, analisa o economista holandês, radicado na
                                                                    América Central, Win Dierckxsens (2).
                                                                        O país do norte define-se como uma nação im-
                                                                    portadora, sendo que 10% de seu consumo industri-
                                                                    al depende de bens cujos custos de importação não
                                                                    são cobertos pelas exportações. Hoje, a dívida pú-
                                                                    blica dos Estados Unidos chega a ser 350% maior
                                                                    que a produção industrial. A produção é descentra-
                                                                    lizada para outras nações, e a dívida interna no país
                                                                    é maior que o Produto Interno Bruto (PIB). Os EUA
                                                                    absorvem parte da produção do crescente mercado
                                                                    chinês. Ao mesmo tempo se endividam.
                                                                        A China é o principal credor dos Estados Unidos
                                                                    – sendo que o Brasil é o quarto comprador de Títu-
                                                                    los do Tesouro Americano. Em 2009, o governo dos
                                                                    EUA amarga um déficit público de um trilhão e 414
                                                                    bilhões de dólares e, para 2010, a previsão é de que,
                                                                    apesar de uma eventual redução dos gastos públi-
                                                                    cos não relacionados à segurança, a dívida se man-
                                                                    tenha em altos patamares (3).
     EMIR: armas, palavra e dinheiro: símbolos da hegemonia dos EUA     Nos debates políticos sobre o período neoliberal,

14   Reflexos da Privatização
Internacional

     expressões como “transnacionais”, corporações e                                                da Amazônia, onde está concentrado 60% do esto-
     financeirização da economia tornam-se correntes                                                que genético do planeta.
     em nosso vocabulário. Trata-se do domínio mundial
     destes grandes conglomerados, expansão que lança                                                                                                                     Referências
     a base para a livre circulação de moeda.                                                       1. Consulta Popular. Imperialismo, o principal inimigo da humanida-
         O poder das corporações transnacionais se tra-                                             de, cartilha número 19, 2007.
                                                                                                    2. Dierckxsens, Win. El movimiento social ante la crisis del capitalis-
     duz da seguinte forma: dentre as 50 principais                                                 mo;América Latina hacia uma alternativa, in Imperialismo, Resistencia
     corporações hoje, 66% são de propriedade                                                       y Nueva Izquierda. RR Editores, El Salvador.
     estadunidense e, entre as 20 maiores, 70% são de                                               3. Gennari, Emílio. Base de dados para análise de conjuntura de 2010.
     propriedade do país do Norte (veja box).
         O discurso do liberalismo é aplicado para além-
     mar, uma vez que Estados Unidos e Europa persis-                                                 Corporações e Economia
     tem no protecionismo dentro de suas fronteiras, so-
                                                                                                      Transnacionais, nos anos 2000. 35% do PIB mundial.
     bretudo nos setores de produção agrícola, enquanto
                                                                                                          - Representam um poder de 5, 35 trilhão de dólares.
     o receituário aplicado era a venda do patrimônio pú-                                                 - 1990. 100 grupos, responsáveis por um terço do Investimento
     blico e abertura dos mercados. A Área de Livre                                                   Externo Direto (IED), 3,2 trilhões de dólares em ativos, com o comércio
     Comércio das Américas (Alca) – não assinada com                                                  aumentando entre Europa, Japão e EUA (de 13 para 17%); UNCTNC
     a totalidade dos países americanos devido a mani-                                                    - Nos EUA, US$ 1,9 trilhão, dívida das famílias e empresas
     festações e plebiscitos populares – deu lugar aos                                                (crédito ao consumidor, leasing)
     Tratados de Livre Comércio (TLC), assinados em                                                   Papel das corporações na economia mundial
     cada país, junto aos corredores regionais e áreas de                                                 - 50 principais corporações hoje, 66% são de propriedade
     livre comércio, como o IIRSA (confira na próxima                                                 estadunidense;
                                                                                                          - Entre as 20 maiores, 70% são de propriedade do país do Norte.
     matéria). Se em dado período histórico o objetivo
     era dividir para reinar, agora passou a ser integrar                                             Participação das 200 maiores corporações no PIB mundial:
     para subordinar todos a uma mesma política. Hoje,                                                     - 17% em 1965
                                                                                                          - 35% no final dos anos 1990.
     um dos objetivos prioritários é o controle dos recur-                                           Fonte: UNCTAD, citado em Chesnais, Mundialização do capital, 1996
     sos naturais. Um dos alvos o controle do território                                                   - PETRAS, James. DIERCKXSENS, Win, 2004 - PETRAS, James



                                                                                                                                                Linha do Tempo


                                                  1945. O dólar é adotado como                                                                                           1974-1975. Companhi-
1914. A econo-                                                                                                    1971.
                                                  moeda padrão no mundo intei-                                                                                           as multinacionais buscam
                                                                                                                  Mercado-
mia é lastreada                                   ro, a partir dos tratados de                                                                                           saída para queda crescen-
                                                                                                                  ria moeda desaparece
no padrão-ouro, que cumpria pa-                   Breton Woods. Inicia-se o perí-                                                                                        te da taxa de lucros. Au-
                                                                                                                  com o desmantelamento
pel de meio de pagamento, equi-                   odo de acúmulo do capitalismo, apro-                                                                                   mento da dívida externa
                                                                                                                  do sistema Bretton
valente geral e entesouramento.                   funda-se o Estado de Bem-Estar Soci-                                                                                   dos Estados da América do
                                                                                                                  Woods, substituída por
                                                  al na Europa e EUA, e o desenvolvi-                                                                                    Sul e África.
                                                                                                                  moeda de crédito.
                                                  mentismo na América Latina.




    1931. No Brasil, realizada audito-
     ria da dívida externa. O período                                                                                                                                      1990. Capitais circulam com
              foi caracterizado pelo                                                                                                                                       facilidade no Brasil, atraídos
              início da industrialização.                                                                            1973. Choque dos                                      pelas altas taxas de juros, dí-
                                                                                                                        preços do petró-                                   vida pública interna
                                                                                1969. Ofensiva                             leo, controla-                                  aumenta.
                                                               do mercado especulativo con-                                dos pelos paí-
                                                               tra a libra esterlina.                                      ses integrados
                                                                                                                           a Opep.
                                                                                                                                                           1980. EUA aumentam os ju-
                                                                                                                                                           ros. O dólar, por ser moeda
                                                                                                                                                              internacional, endividou
                                                                                                                                                               ainda mais os países peri-
                                                                                                                                                                féricos.

     Fonte: Dierckxsens, Win. El movimiento social ante la crisis del capitalismo; América Latina hacia uma alternativa, in Imperialismo,
     Resistencia y Nueva Izquierda. RR Editores, El Salvador.


                                                                                                                                                      Reflexos da Privatização                   15
BNDES



             Transnacionais brasileiras, a ponte
                  entre a política ontem e hoje
        De elaborador e gestor da política de privatizações no Brasil, o BNDES passa
          a financiar a política baseada na “exportação da natureza”, incentivo ao
         agronegócio e às transnacionais brasileiras que atuam noutros países, sem-
                                        pre às avessas do interesse das populações




          A
                     criação do Programa Nacional de                        foram pagos com “moedas pobres” e títulos desvaloriza-
                   Desestatização (PND - lei 8.031/90), em                  dos. Hoje, as empresas desestatizadas, vinculadas ao ca-
                   1990, colocou a privatização na ponta-de-lan-            pital financeiro, ao lado de grupos privados nacionais, re-
     ça das reformas econômicas conduzidas pelos governos                   cebem o financiamento do banco público e passam a uma
     que se seguiram desde então. O PND concentrou esfor-                   forte ofensiva, expandindo-se noutros países. “No caso
     ços na venda de estatais produtivas, com a inclusão de                 das grandes empresas estatais, a passagem do controle
     empresas siderúrgicas, petroquímicas e demais setores                  diretamente para grandes grupos econômicos nacionais e
     responsáveis pela indústria de base nacional. Na compra                internacionais permitiu não só o aumento da presença do
     das estatais, a prioridade para o ajuste fiscal traduziu-se            capital internacional no espaço econômico nacional, mas
     no uso das chamadas “moedas de privatização”, títulos                  também que as empresas privatizadas sob controle da
     representativos da dívida pública federal. Tal caracteriza-            burguesia local ganhassem corpo e pudessem se lançar
     ção do PND pode ser encontrada no site do Banco Na-                    ao mercado internacional, na forma de multinacionais bra-
     cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),                  sileiras”, descreve o economista Fábio Bueno, da organi-
     instituição que, apesar de pública e de codinome social, foi           zação Consulta Popular.
     a gestora do programa de privatização no Brasil.                           Se as remessas para o exterior foram um dos proble-
         Trata-se de um processo levado “ao limite da respon-               mas nacionais enfrentados no período neoliberal, neste
     sabilidade”, na famigerada afirmação do presidente                     momento assistimos também ao movimento inverso, ou
     Fernando Henrique Cardoso (FHC) ao presidente do                       seja: a remessa de lucros das empresas brasileiras no
     BNDES à época, Luiz Carlos Mendonça de Barros.                         exterior: ao todo, foram US$ 641 milhões de remessas de
     Nacionalmente, o processo de privatizações foi marcado                 empresas brasileiras no estrangeiro em 2005, número que
     por irregularidades, como esta: 95% do valor das estatais              aumentou para US$ 928 milhões em 2006.
                                                     Senge-PR Comunicação
                                                                                Responsável por 20% de todo o crédito disponibilizado
                                                                            no Brasil, o orçamento do BNDES em 2010 deve che-
                                                                            gar a R$ 166 bilhões, ou cinco vezes o orçamento da
                                                                            instituição verificado em 2003, primeiro ano do governo
                                                                            Lula. O dado confirma que o BNDES é, junto com o
                                                                            Banco Central e a Petrobras, um dos três vértices do tripé
                                                                            de poder econômico no Brasil hoje. No ciclo recente de
                                                                            crise econômica mundial, o BNDES financiou ações de
                                                                            empresas que de alguma forma se vinculam à própria
                                                                            crise. Nesse período, ele financiou fusões (casos da Oi
                                                                            com a Brasil Telecom) e aquisições (casos dos frigorífi-
                                                                            cos JBS e Friboi), além da compra da Aracruz pelo grupo
                                                                            Votorantin, quando já era pública a perda que a corporação
                                                                            de papel e celulose teve no mercado. Os principais gru-
                                                                            pos que recebem investimento estão em setores concen-
                                                                            trados e voltados para a exportação: etanol, agronegócio,
                                                                            mineração, siderurgia e construção civil, com destaque
                                                                            para o grupo Odebrecht, atuante com uma vasta carteira
                                                                            de negócios em todo o continente latino-americano.
                                                                                 “Enquanto no Brasil a hegemonia dos grandes ban-
     LUTA pela reestatização da Vale, privatizada com auxílio do BNDES      cos e investidores financeiros locais e internacionais se

16    Reflexos da Privatização
BNDES

    consolidava na década de 1990 pelas mãos de Collor
    e dos tucanos, o BNDES foi direcionado para tais
                                                                      Orçamento do BNDES
    interesses. Já na década de 2000, quando o governo               Ano 1999 2000 2001 2002 2003* 2004* 2005* 2006* 2007* 2008*
    petista empreende a ascensão da fração industrial                De- 18 23 25.2 37.4 33.5 39.8 47 51.3 65 90.9
    que se internacionaliza à condição de hegemônica,                (valor em bilhões de reais) - Fonte: BNDES

    sem tocar nas frações financeiras, o BNDES passa                                                                                   Histórico
    a atuar com força nos processos de concentração e
    centralização que envolvem a fração internacionali-                  O BNDES surgiu em 1952, para financiar o Modelo de
    zada, organizando e incentivando todos os grandes                Substituição de Importações (MSI). Com a ditadura de 1964,
    processos de fusão e aquisição que presenciamos nos              torna-se o principal canal de importação de novas formas de
    últimos anos. Portanto, na condição de instrumento               gestão estatal, que àquela época apontavam a retirada do Es-
    de política econômica, o BNDES seguiu, segue e se-               tado da economia. O BNDES estabeleceu conexões com o
    guirá os ditames e interesses de quem comanda a                  Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco
    política e a economia no capitalismo dependente bra-             Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Hoje,
    sileiro”, explica Bueno.                                         apresenta tamanho semelhante aos dois.
                                                                          Na década de 1980, uma série de empresas brasilei-
                                 De onde vêm os                      ras se lançava no mercado internacional, estabelecendo
                            recursos do BNDES?                       depósitos, subsidiárias, etc. O banco público passa a fi-
                                                                     nanciar corredores de livre comércio e integração, como
       Desde 1999, observa-se um aumento constante a ta-             forma de intensificar a exploração econômica em outros
    xas crescentes no orçamento do BNDES, que recebe de              países. O BNDES desenvolve os primeiros estudos que
    basicamente quatro fontes os recursos que empresta:              em 2000 resultariam no lançamento da Iniciativa de
       - O FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), res-                Integração da Infraestrutura da Região Sulamericana
    ponsável por cerca de 50% do orçamento do Banco;                 (IIRSA), que consiste na construção de uma infraestrutura
       - Retorno dos empréstimos;                                    de comunicações, transportes e geração de energia que
       -Aportes conseguidos junto ao mercado internacional;          constitua um dinâmico sistema circulatório que permitia
       - Empréstimos do Tesouro Nacional.                            enlaçar as economias regionais ao mercado mundial.


                                                    Quadro das empresas brasileiras no mundo

                                            Canadá- trabalhadores
                                            da empresa Inco,
                                         comprada pela Vale,
                                         manifestaram-se contra as
                                         condições de trabalho na
Equador- a atua-                         produção de níquel.
ção da Petrobras
causa problemas
ambientais e crí-                     Costa Rica,
                                      Panamá,         Uruguai- o BNDES dá
ticas dos indígenas                                   suporte às empresas que
amazônicos, sendo                     Venezuela-
                                  Atuação da          desnacionalizam os
que a empresa atua                                    poucos setores dinâmicos
em outros 26                      Odebrecht em
                                  construção de       da economia local:
países do                                             agronegócio e frigorífico.
mundo.                            estradas.
                                                      Friboi e a Marfrig
                                                            controlam mais de                                                  África- o caso mais
                                                            70% da exportação                                                  recente é o da abertura do
                                                           de carne derivada do                                          escritório da Embrapa em
                                                           Uruguai.                                                      Moçambique. Seu primeiro
                                                                                                                         projeto é o desenvolvimento
   Peru- a
                                                                                                                         agrícola da região de Moatize,
   Votorantim
                                                                                                                         onde estão as minas de carvão
   (capitalizada                                                Argentina- a Camargo Corrêa                              na mira da Vale, que deverão
   pelo Banco)                                                    (“cliente” assídua dos                                 contar com recursos do
   comprou a companhia                                               financiamentos do BNDES)                            BNDES.
   mineira MinCo, que tem                                            comprou a maior fábrica de
   66% das jazidas desse que é                                 cimento do país, a Loma Negra.
   o principal produto mineral                                 Durante a crise argentina (2001),
   do país. A Gerdau comprou a                                 24% das aquisições de empresas
   SiderPeru, maior siderúrgica                                na Argentina foram feitas por
   peruana, também com                                         capitais brasileiros.
   recursos do BNDES.
                                                                                                                  (Fonte: Transnacionais Brasileiras, ed. Expressão Popular; IBASE)



                                                                                                                       Reflexos da Privatização                         17
BNDES

                                    Companhia Vale,                                                           Subavaliação das
                                   uma relação íntima                                                        riquezas minerais
          A privatização dos setores ligados à infra-estrutura          Em 1997, o governo deixa de ser o acionista ma-
     aprofunda o vínculo das unidades de produção no Brasil         joritário da Vale e o consórcio Valepar arrebata 52,3%
     com a expansão sobre mercados de outras nações. Nes-           das ações. O consórcio conta com a participação do
     ta lógica se equilibra a relação do BNDES com a                banco Bradesco. A participação do banco privado no
     mineradora Vale (nome comercial da Companhia Vale do           leilão da Vale é questionada em mais de 100 ações
     Rio Doce) e com outras transnacionais brasileiras. “Junto      populares, uma vez que o Bradesco foi ao mesmo
     com outros grandes grupos privados, a Vale integra o se-       tempo avaliador e investidor do leilão.
     leto círculo de empresas cujos projetos estão previamente           A realidade é que, como avaliador, o Bradesco já
     bem avaliados pelo Banco e que, assim, têm trâmite de          havia sido um fracasso. A Vale é a companhia síntese
     liberação de recursos acelerado. O BNDES a vê como             da subavaliação que marcou a privatização das em-
     uma companhia de boa saúde financeira e pré-aprova             presas brasileiras. Quando foi leiloada e arrebatada
     seus projetos, independentemente de suas características       pelo valor de R$ 3,3 bilhões, desconsiderou-se uma
     específicas”, descreve Carlos Tautz, do Instituto Brasi-       estrutura complexa, um capital constante formatado
     leiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).                ao longo de 53 anos, o que significa: ferrovias com 9
          Uma relação sem divulgação às claras, como denun-         mil quilômetros de extensão e dois sistemas completos
     ciam os movimentos sociais, articulados na “Plataforma         de mina-ferrovia-porto. Uma grande gama de mine-
     BNDES” (veja abaixo). a Vale é um dos principais clien-        rais foi subavaliada, tais como as reservas brasileiras
     tes do mesmo banco que gerenciou a privatização da com-        de titânio (72% das jazidas mundiais), além de calcário,
     panhia, dentro do Programa Nacional de Desestatização          dolomito, fosfato, estanho, cassiterita, granito, zinco,
     (PND). “Nos relatórios de desempenho operacional do            grafita, nada disto foi tomado em conta pelo leilão.
     Banco, os empréstimos para a construção de sistemas de         Reservas de quartzo, matéria-prima da indústria de fi-
     transporte ferroviário da mineradora são estrategicamen-       bras óticas, e nióbio (85% das reservas mundiais),
     te localizados em rubricas gerais de ‘infra-estrutura’, para   matéria-prima para a indústria aeroespacial, encontram-
     não deixar claro que a operação favorece determinado           se nas jazidas da Vale e não foram tomadas em conta.
     grupo e que este utiliza essas vias não para transporte
     público, mas exclusivamente dentro de sua própria estra-                                   Plataforma BNDES e
     tégia de logística”, de acordo com análise do Ibase.
                                                                                            crítica aos mega-projetos
                                                                        No dia 25 de novembro, os movimentos sociais e or-
                                                                    ganizações não-governamentais do Brasil, Equador e
                                                                    Bolívia, reunidos no I Encontro Sul-americano das popu-
                                                                    lações impactadas por projetos financiados pelo BNDES,
                                                                    elaboraram uma carta de repúdio ao modelo de desenvol-
                                                                    vimento adotado pelo Brasil.
                                                                        Trata-se de um esforço de articulação dos povos afe-
                                                                    tados pelos mega-projetos destinados às obras de infra-
                                                                    estrutura que privilegiam empreendimentos de
                                                                    agrocombustíveis, pecuária, eucalipto e extração mineral,
                                                                    fontes de sérios impactos sócio-ambientais.
                                                                        “Parece uma iniciativa com forte potencial de
                                                                    politização das organizações e populações em suas lutas
                                                                    específicas e convergência em lutas mais generalizantes.
                                                                    Podemos encarar o I Encontro Internacional dos Atingi-
                                                                    dos pela Vale como um desdobramento dessa sensibilização
                                                                    dos movimentos e organizações de camponeses, indíge-
                                                                    nas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, enfim, trabalha-
                                                                    dores e trabalhadoras em torno do questionamento do
                                                                    atual modelo de desenvolvimento”, comenta o advogado
                                                                    Danilo Uler, da Plataforma brasileira de direitos humanos
                                                                    econômicos sociais e ambientais (DHESCA).
                                                                    *Informações desta reportagem baseadas no livro Empresas transnacionais brasileiras
                                                                       na América Latina, um debate necessário, Editora Expressão Popular; e no Instituto
     VALE: prejuízos internos e expansão a outros países                                              brasileiro de análises sociais e econômicas (Ibase)


18   Reflexos da Privatização
Ferrovias



                            A infraestrutura fragmentada
                               em interesses particulares
As ferrovias são o exemplo mais gritante do mau aproveitamento que o período
       neoliberal fez da infraestrutura e da capacidade produtiva do país. O atual
   modelo retira das ferrovias a dinâmica de transporte de passageiros e cargas.




   S
           aulo de Tarso, engenheiro civil, trabalhou du            12 bilhões de dólares.
           rante 28 anos na Rede Ferroviária Federal                     Tarso relata que assistiu a RFFSA desmontada
           (RFFSA). Antes dele, seu pai havia traba-                durante a década de 1990, devido a erros de investi-
lhado durante 39 anos. Duas trajetórias diferentes, ape-            mento (veja mais na entrevista abaixo). O engenhei-
sar de a companhia ser a mesma. O pai de Tarso                      ro civil contesta o debate hegemônico de que a
vivenciou o modelo de desenvolvimento estatal, entre os             privatização nos setores estratégicos da economia e
anos de 1950 e 1970. Viu o país passar de uma popula-               infraestrutura garantiu a entrada de novas tecnologias
ção de 90 milhões pessoas, quando 57% da população                  no país, além do que as empresas teriam atingido a efici-
vivia nas cidades, para um cenário que hoje se aprofunda.           ência apenas a partir das privatizações. Para ele, esta
Pelo censo de 1991, 75% da população reside em áreas                tese não confere. “Hoje temos uma demanda que há
urbanas. De maneira contínua, de acordo com Saulo de                quinze anos atrás não existia. Que se registre que o Bra-
Tarso, a demanda do país por infra-estrutura aumentou,              sil se abriu para o mercado mundial desde 1993, com
assim como a necessidade de investimentos em educa-                 mudanças como a banda larga, por exemplo. Não é a
ção, saúde e outros serviços.                                       privatização a mãe deste desenvolvimento, a mãe disto
    Entre 1938 e 1980, a produção industrial foi mul-               chama-se tecnologia computacional, que se desmistifique
tiplicada 27 vezes. Os governos, diante deste cená-                 este santo de barro da privatização”, coloca.
rio, precisaram investir em rodovias, portos, ferrovi-
as, energia. “O desenvolvimento era focado em es-                                                    Na contramão
tatais, com bancos de fomento em infra-estrutura, o
que gerou grande dívida externa, entre 1970 e 1980,                                            do interesse público
um endividamento brutal do Estado”, analisa Tarso.
O endividamento externo corresponde a 54 bilhões                        “Se estivermos preocupados com o futuro do pla-
de dólares em 1979, ao passo que, em 1973, eram                     neta, hoje temos que pensar na matriz de transporte,
                                                                    isto porque interfere diretamente na matriz energética
                                                                    que queremos para o nosso país”, afirma o engenhei-
                                                                    ro civil e diretor do Senge-PR, Paulo Sidnei Ferraz.
          “Desde o final dos anos 60, o governo frequente-          As ferrovias e rodovias brasileiras estão cada vez
                                                                                                                                  AEN
     mente usou as estatais para ‘segurar’ a inflação ou bene-
     ficiar certos setores da economia, geralmente por serem
     considerados ‘estratégicos’ para o país. Como assim?
     Houve períodos em que o governo evitou reajustes de
     preços e tarifas de produtos (como o aço) e serviços
     fornecidos pelas estatais, na tentativa de reduzir as pres-
     sões e controlar as taxas de inflação. Esses ‘achatamen-
     tos’ e ‘congelamentos’ foram os principais responsáveis
     por prejuízos ou baixos lucros apresentados por algu-
     mas estatais, que passavam a acumular dívidas ao longo
     dos anos – sofrendo então nova ‘sangria’, representada
     pelos juros que tinham de pagar sobre essas dívidas.
     Certo ou errado, as estatais foram usadas como arma
     contra a inflação por governos que achavam que o com-
     bate à carestia era a principal prioridade do país”, Aloysio
     Biondi, economista, autor de O Brasil privatizado.

                                                                    SAULO: Com ou sem neoliberalismo, Brasil avançaria tecnologicamente

                                                                                                        Reflexos da Privatização          19
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Reflexos das privatizações

  • 1. 2 Reflexos da Privatização
  • 3. Editorial Um jogo de cartas marcadas C omo parte das comemorações dos 75 anos Foram criadas diversas empresas estatais nas áreas de do Sindicato dos Engenheiros no Estado transportes, cinema e até hotelaria. Nessa época, o go- do Paraná, apresentamos este caderno verno brasileiro passa a fazer uso político das empresas, especial “Reflexos da Privatização”. O objetivo des- entregando cargos técnicos a aliados, subvertendo o con- sa publicação é apresentar um panorama do proces- ceito original das estatais. Em 1979, o governo do general so de privatização no Brasil, que surgiu com força no João Baptista Figueiredo (1979-1985) lança o Programa governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992) Nacional de Desburocratização, com objetivo de privatizar que instituiu o Programa Nacional de Desestatização algumas dessas empresas. No entanto, é no início do (PND) e implementado com mais vigor após a cria- governo Collor e sua política neoliberal que esse processo ção do Conselho Nacional de Desestatização, já no se intensifica. O conceito de Estado Mínimo é adotado, governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). com o objetivo de facilitar a administração e “enxugar” a As principais empresas estatais brasileiras surgiram máquina pública. Dessa forma, o governo brasileiro colo- durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930- ca a venda suas principais empresas, sob o argumento 1945). Antes disso, durante o período imperial, foram cri- que eram deficitárias. Mas a primeira estatal privatizada ados o Banco do Brasil S/A, o Banco do Estado de São em seu governo, a siderúrgica mineira Usiminas, era uma Paulo S/A, o Banco Mineiro da Produção e o Banco de das mais lucrativas. Mesmo com grandes manifestações Crédito da Borracha. Mas foi com o início da industriali- populares, até o fim do tumultuado governo de apenas zação no país que surgiram as grandes estatais brasileiras dois anos, 18 grandes estatais foram entregues a iniciativa como o Instituto de Resseguros do Brasil, a Companhia privada, especialmente siderúrgicas e petroquímicas. No governo seguinte, de Fernando Henrique Cardoso Vale do Rio Doce, a Companhia Nacional de Álcalis, a (1995-2002), o desmanche do estado brasileiro atinge seu Companhia Hidroelétrica do São Francisco e a Fábrica ápice. Com a criação do Conselho Nacional de Nacional de Motores S/A. Elas tinham como objetivo a Desestatização, foram vendidas empresas estratégicas, transformação da economia brasileiras de agrária para como a companhia de minério Vale do Rio Doce, a industrial, num processo de substituição de importações. Telebrás, que detinha o monopólio das telecomunicações No seu segundo governo (1951-1954) criou a Petrobrás e a Eletropaulo, uma das maiores distribuidoras de ener- para atuar prioritariamente nas áreas de exploração, pro- gia elétrica do mundo. Além de vender empresas funda- dução, refino, comercialização e transporte de petróleo e mentais para o desenvolvimento do país, o governo finan- seus derivados, no Brasil e no exterior. ciou com recursos públicos ou aceitou títulos de crédito Com a chegada dos militares ao poder (1964-1985) o com retorno duvidoso em boa parte das privatizações, processo de estatização do país ampliou-se indevidamente, num verdadeiro jogo de cartas marcadas. Dessa forma, o sob o meu ponto de vista, para setores não estratégicos. governo agiu com um Robin Hood às avessas, tirando o Senge-PR Comunicação patrimônio do povo brasileiro para entregá-lo a preços irrisórios a grupos econômicos nacionais e estrangeiros. Passados quase 20 anos do início do processo de privatização do país, quando o Brasil começa a retomar um processo de crescimento vigoroso, o faz novamente com uma forte inserção do investimento público, motivo pelo qual consideramos oportuno oferecer essa reflexão. Valter Fanini - Diretor Presidente do Senge-PR Publicação comemorativa aos 75 anos do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR). Edição única. Editor responsável Felipe A. Pasqualini (Reg. Prof. 3.804 PR) Textos e reportagens Pedro Carrano Design, infográficos e diagramação Alexsandro Teixeira Ribeiro Fale conosco comunica@senge-pr.org.br Artigos assinados são de responsabilidade dos autores. O Senge-PR permite a reprodução do conteúdo deste jornal, desde que a fonte seja citada. FANINI: governo FHC marca ápice do desmanche do estado brasileiro Fotolitos/impressão Reproset Tiragem 5 mil exemplares 4 Reflexos da Privatização
  • 4. Reportagem LOREM IPSUM DOLOR Anos 1990: a apropriação das empresas públicas Economia brasileira descreve um longo caminho do desenvolvimentismo dos anos 1930 a 1980, até a aplicação da política neoliberal, com ataques ao mundo do trabalho, perda de direitos conquistados, privatização do capital controlado pelo Estado são alguns marcos do novo período. E ra o retorno, adaptado às novas realida ou perecer, e a indústria perde seu papel específico des, do velho capitalismo liberal. Entre 1930 de liderança do processo de desenvolvimento” (1). e 1975, várias concessões haviam sido feitas, De acordo com o ritmo mundial, a produção brasilei- em muitos países, para atender às necessidades do sistema ra teve queda no ritmo de crescimento, impossibilita- atingido pela Crise de 1929 e pela subseqüente Grande da de repetir os números do modelo anterior. Entre Depressão, da década de 30. Logo após a Segunda Guerra, 1950 e 1973, a taxa de crescimento do PIB nacional os países capitalistas precisavam recuperar suas economi- as. Precisavam garantir sua vitória contra a expansão do estava em torno de 4,7%, número que passa a 2,8% comunismo e contra as lutas de libertação que aconteciam na década de 1990 (veja dados abaixo). “Ao contrá- em todas as antigas colônias. Nos países capitalistas, a rio do que diz o discurso hegemônico, o período em pressão do movimento operário conquista, “na marra”, que se aceleram a revolução técnico-científica e a vários direitos. Nos anos 80, as em- globalização (1973-1990) coin- presas, para garantir seus lucros, cide com uma nítida contração precisavam recuperar o terreno per- Entre as décadas de no ritmo de crescimento da eco- dido com essas concessões. Precisa- 1930 a 1980, o Brasil nomia e do comércio mundiais, vam retirar dos trabalhadores o má- ximo de conquistas possíveis, de acor- viveu um processo de em relação ao período imedia- do com Vito Giannoti. industrialização, base- tamente anterior” (2). Estradas, portos, linhas fér- Definição de “mercado”: Capi- tal monetário concentrado nas mãos ado no modelo de reas, linhas de transmissão de de pequeno número de operadores, substituição de impor- energia e telefônicas são leiloa- de acordo com François Chesnais. tações (MSI), que o dos, ao lado de insumos e re- cursos energéticos. Uma infra- urbaniza e retira da estrutura completa é apropria- Entre as décadas de 1930 a 1980, o Brasil viveu um processo de condição de país da por grupos privados, a partir industrialização, baseado no mo- baseado exclusiva- do excedente concentrado até delo de substituição de importa- mente na agricultura, aquele momento no Estado. O ções (MSI), que o urbaniza e re- discurso característico do tira da condição de país baseado e que tem como re- neoliberalismo - o Estado míni- exclusivamente na agricultura, e sultado a criação de mo reduzido aos investimentos que tem como resultado a cria- uma indústria de essenciais – não encobre o fato ção de uma indústria de base e de a privatização ter contado base e infra-estrutura. com o apoio do próprio Estado. infraestrutura. Ainda que depen- dente, a industrialização deixou A ferramenta para isso foi o como saldo setores modernos em todas as regiões, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e articulados com mercados globais. Embora o Estado Social (BNDES), usado na formatação e no brasileiro não tenha realizado neste período reformas gerenciamento das privatizações. estruturais e não reverteu a concentração de renda O economista Fábio Bueno, da organização Con- no país, situação que veio a se aprofundar. sulta Popular, identifica uma mudança no papel histó- Na década de 1990, a imagem do crescimento rico do Estado ao longo do século vinte. “Após um planejado pelo Estado é rompida e dá lugar a uma período que vai da Primeira Guerra Mundial e da outra percepção: “As oscilações de mercado pas- Revolução Russa até meados da década de 1960, a sam a definir praticamente sozinhas as atividades ou organização da sociedade pelo livre mercado foi vis- setores produtivos que irão se desenvolver, estagnar ta como responsável pelas grandes mazelas do pe- Reflexos da Privatização 5
  • 5. Reportagem ríodo, inclusive dentro do próprio mundo capitalista. Daí a atuação estatal como organizadora de várias dimen- sões da sociedade. Com o passar do tempo, ocorre uma mudança importante de correlação de forças den- tro da burguesia internacional, com ascendência da- quelas frações internacionalizadas pelas finanças, que acabam por inverter o ponto de vista na segunda me- tade do século vinte: as mazelas e dificuldades enfren- tadas após a década de 1960 passam a ser atribuídas justamente à falta de liberdade dos mercados!”, analisa. A expansão das corporações e transnacionais, iniciada na década de 1970, é uma das determinantes na implantação do neoliberalismo, quando passam a ser responsáveis por um terço da produção do mun- do. Estas empresas definem a especialização entre países e servem de base para o formato atual do ca- pitalismo financeiro, devido à sua capacidade de di- fusão a partir do desenvolvimento da tecnologia e da telemática. No Brasil, as empresas estatais apropria- das pelo capital transnacional (a exemplo da Vale, Petrobrás, etc) passam a ter um forte controle do DELFIN: processo de financeirização da economia vem desde 1970 capital financeiro, planejadas de acordo com meca- transnacionais e o jogo do mercado de ações. “As nismos próprios (fundos de pensão, etc) e decisão na grandes empresas tenderam a obter fundos direta- mesa dos acionistas. mente no livre mercado, passando assim a depender Nos anos 1990, o Estado recebe investimentos menos dos empréstimos bancários, (...) o que signifi- externos diretos e, como conseqüência, aumenta sua ca que o mercado passa a controlar os empréstimos, dívida. Aumentam também as remessas enviadas das por meio de títulos e derivativos, não mais apenas por corporações para suas matrizes. “As remessas de meio dos bancos. A capacidade produtiva mundial lucros e dividendos de empresas estrangeiras para sofre um deslocamento produtivo. O mais importan- suas matrizes dão dois grandes saltos, em 1992 e 1996, te, que é a necessidade básica dos trabalhadores, não tornando-se nos últimos anos muito acentuadas. Em é atendida” (4). 1997, elas apresentaram crescimento de 69% em É o economista Delfim Netto quem explica o pro- relação a 1996 e de 217% em relação a 1993, ano cesso de financeirização da economia, iniciado nos imediatamente anterior ao início do Plano Real” (3). anos 1970. “No fim dos anos 70 do século, o sistema Os mecanismos financeiros tornam-se mais com- bancário americano foi submetido a um enorme plexos e envolvem agentes como investidores, estresse, criado pelos petrodólares, pela maior liber- Agência Brasil dade de movimento de capitais, pelas ‘inovações’ fi- nanceiras e, principalmente, pela maior flexibilidade do sistema bancário inglês. Iniciou-se, então, a desregulação do sistema (...) Eliminou-se o monopó- lio dos bancos comerciais nos depósitos sacáveis com cheques, acabou-se com a separação entre bancos comerciais e de investimentos, estabeleceu-se a eli- minação progressiva dos controles das taxas de ju- ros”, descreve (5). Desregulamentação, privatização e liberalização. Esta é a síntese usada pelo economista francês François Chesnais, considerado o principal teórico hoje sobre o capitalismo financeiro. Não importa a pala- vra que usemos para entender o neoliberalismo, em todo o continente, dos indígenas mexicanos ao movi- mento social e sindical brasileiro, de Seattle a Cara- cas, é produzida uma percepção de que o neoliberalismo se lança como guerra contra a própria humanidade (6) e contra o sentido daquilo que é pú- O BNDES foi ferramenta usada em auxílio das privatizações blico e deveria ser de todos. 6 Reflexos da Privatização
  • 6. Reportagem aconteceu com o setor dos trabalhadores mineiros ingle- Taxas médias anuais de crescimento do ses. “Se os países subdesenvolvidos não conseguem pa- produto e das exportações mundiais gar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus Ano PIB Exportações (%) territórios e suas fábricas”, afirmava Tatcher. Neste con- 1870 - 1913 2,7 3,5 texto, um país como o México, em 1995, sofre a queda de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto os salários 1913 - 1937 1,8 1,3 caíram em 55%. Falar deste país não se trata de uma 1950 - 1973 4,7 7,2 casualidade, o primeiro da América Latina a decretar a 1973 - 1990 2,8 3,9 moratória da dívida pública, ainda no ano de 1982, que se Fonte: A Opção Brasileira, editora Contraponto, 1998 alastraria aos países vizinhos, uma vez que o tema da dívida é uma das principais justificativas do pensamento Distribuição de renda no Brasil neoliberal para a privatização e venda do patrimônio público. Acesso das classes à renda nacional 1960 1970 1980 Dívida pública e 20% mais pobres 3,9 3,4 2,8 venda do patrimônio 50% mais pobres 17,4 14,9 12,6 1% mais ricos 11,9 14,7 16,9 As condições para a implantação do modelo neoliberal Fonte: A Opção Brasileira, editora Contraponto, 1998 já eram dadas no próprio final do ciclo do modelo de subs- tituição de importações (MSI), a partir do endividamento Implantação do neoliberalismo do Estado. Com isso, o mecanismo do pagamento da dí- vida foi o que amarrou e justificou a venda de empresas na América Latina estatais. Isto porque, no final da década de 1970, o capita- lismo brasileiro se viu enredado em empréstimos interna- Na sua raiz, o neoliberalismo é o resgate do ideário de cionais, uma forma de sustentar a implantação da indús- completa não-intervenção do Estado e auto-organização tria de bens intermediários, levada à frente pelo II Plano do mercado, baseado nas ideias de Frederich Von Hayek, Nacional de Desenvolvimento, lançado pelo governo Geisel, autor de O Caminho da Servidão, e Milton Friedman (da em 1974, já no declínio do “Milagre Brasileiro”. “Seduzi- escola de Chicago), entre outros. Estes pensadores não dos pelo endividamento ‘fácil’ nos anos 1970, (os gover- tinham eco nos anos 1950, uma vez que o capitalismo no nos) enfrentaram crises da dívida nos anos 1980 e, ao se pós-guerra passava por um longo período de expansão, verem sem recursos para o pagamento da dívida, são financiado justamente pela intervenção estatal, crescimento ‘socorridos’ pelo FMI e levados a aceitar as condições que duraria até o “Choque do Petróleo”, de 1973 (ocasio- impostas pelos credores”, descrevem Rodrigo Vieira de nado pela disputa entre países produtores e consumidores Ávila e Maria Lúcia Fatorelli, daAuditoria Cidadã da Dívida. do recurso energético). O neoliberalismo e suas determinações não estão Na América Latina, o primeiro laboratório neoliberal engessadas na década de 90. Este modelo econômico foi o Chile, durante a ditadura militar. O economista e se desenvolve e ainda hoje com conseqüências. Dados diretor do Sindicato dos Bancários de Curitiba e Região, de 2009 apontam que a dívida pública (soma das dívidas Pablo Diaz, analisa: “Os ‘Chicago Boys’, sob o comando interna e externa do setor público) atinge o patamar de do Friedman, vieram para o país de Pinochet, onde fize- R$ 1,497 trilhões (sendo R$ 96,97 bilhões de dívida ram a primeira grande experiência neoliberal. Foi o balão externa e os restantes R$ 1,4 trilhões de interna), o que de ensaio do neoliberalismo. Ficou comprovado que o li- corresponde a 47,6% do PIB e eleva em R$ 104 bilhões beralismo de mercado não era igual à democracia, ca- o patamar de endividamento registrado em 2008 (7). bendo muito bem em um Estado autoritário combinado O montante de recursos pode ser comparado com o ao liberalismo econômico. O liberalismo não precisava de que concretamente é investido em setores tais como democracia”, comenta. À época, Pinochet lograria con- Saúde e Educação, como revela o gráfico na página 6, ter a inflação, porém ao preço de 60% da população chi- elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida, sobre o lena subalimentada e a falência de mais de 2 mil empre- orçamento do governo (2006) e o destino dos recursos. sas. A participação da indústria chilena no PIB baixou de 30% para 20%, de acordo com análise de Diaz. Hoje, economistas de Chicago estão retornando ao governo do Derrotas populares país, a partir da eleição de Sebastián Piñera. e no mundo do trabalho Em 1979, o liberalismo é aplicado na Inglaterra sob comando da primeira-ministra, Margareth Tatcher. O Para a população da América Latina, o Consenso modelo pregava, além do esvaziamento do Estado, a de Washington (1989) caracterizou-se por alguns ele- financeirização da dívida pública dos países do então cha- mentos comuns, entre eles: o investimento e o mer- mado Terceiro Mundo e o combate aos sindicatos, como cado aberto para as corporações, o vínculo das moe- Reflexos da Privatização 7
  • 7. Reportagem Orçamento e destino de recursos da União (2006) 3,17% 9,5% 9,51% 15,38% 25,73% 36,7% Lazer, energia, comunicações, comércio e serviço, indústria, organização agrária, Outros encargos especiais (principalmente agricultura, tecnologia, saneamento e gestão ambiental transferência a estados e municípios) Habitação, urbanismo, direitos da cidadania, cultura, educação, trabalho e saúde. Previdência Social Legislativa, judiciária, essencial à justiça, administração, defesa nacional, segurança Juros e amortizações da dívida pública, relações exteriores e assistência social. das latino-americanas com o dólar, e a redefinição da mos pela crise da dívida, pelo re-estabelecimento da demo- propriedade intelectual como uma das formas de as cracia representativa e pela elaboração de uma Constitui- transnacionais ampliarem e estenderem o seu con- ção, processos que desembocaram em uma disputa de pro- trole sob os mercados (8). jeto na eleição em 1989, entre o abandonado projeto demo- O neoliberalismo se impôs a partir de derrotas popula- crático popular de Lula e o neoliberalismo de Collor. Ou res na década de 1980. No Brasil, esta década se traduziu seja, impunha-se a mudança para o Brasil, mas não neces- em cinco greves gerais dos trabalhadores, cujo projeto polí- sariamente a neoliberal, que vingou por derrotar a alternati- tico conheceu a derrota nas eleições de 1989. Na opinião va posta então, em que pese não ser claro os desdobra- de Bueno, a implantação do modelo neoliberal responde a mentos de uma derrota de Collor em 1989”, comenta. uma derrota a partir de dois projetos em disputa. “Passa- Os trabalhadores sofreram ataques contra seus di- reitos e a força de trabalho teve o valor depreciado. “No Pontos do Consenso de Washington começo da década, com a recessão de 1981/83, tentou- se aplicar novas tecnologias que desempregavam força Disciplina Fiscal de trabalho. Elas intensificavam e homogeneizavam o Corte de subsídios e aumento de gastos em educação e saúde processo de trabalho. Estas transformações buscavam Reforma Tributária e aumento da carga e base tributária pressionar o mercado de trabalho, desqualificando a for- Taxa de juros deve ser positiva e determinada pelo mercado ça de trabalho (simplificando suas tarefas e diminuindo seu preço). Dessa forma, as mudanças tecnológicas Taxa de câmbio deve ser determinada pelo mercado visualizavam uma precarização das relações de traba- Comércio deve ser liberalizado e voltado para o exterior lho, aumentavam o ritmo e a jornada de trabalho e dimi- Não deve haver restrições ao investimento direto nuíam o valor da força de trabalho”, descreve o econo- Empresas estatais devem ser privatizadas mista brasileiro Venâncio de Oliveira. Temos, então, a imagem usada pelo economista Atividades econômicas devem ser desregulamentadas Win Dierckxsens, na qual o “bolo” crescido no perío- Prover melhores garantias aos direitos de propriedade do desenvolvimentista precisava agora ser fatiado. 8 Reflexos da Privatização
  • 8. Neoliberalismo Período neoliberal: a economia dita a falta de soberania Economista aponta esvaziamento ideológico, hegemonia do capital financeiro e perda de soberania política sobre os rumos do país como principais elementos da política no neoliberalismo. O neoliberalismo produziu um elogio ao in- cos. Por trás dos bastidores, a venda das estatais, dividualismo, caracterizando-se como um segundo o governo, serviria para atrair dólares, redu- projeto com grande capacidade para cap- zindo a dívida do Brasil com o resto do mundo e ‘sal- turar a subjetividade das pessoas. “Auto-ajuda e mer- vando’ o real. O dinheiro arrecadado com a venda cado. Ele destrói o senso de coletivo e implanta o serviria ainda para reduzir também a dívida interna – individualismo, as pessoas não reconhecem mais o dívida que nunca chegou a ser quitada (10). De acor- espaço público como algo público”, define o econo- do com o mecanismo do “fluxo de caixa desconta- mista Pablo Diaz, diretor do Sindicato dos Bancários do”, as empresas foram avaliadas por preços de mer- de Curitiba e Região. cado, sem levar em conta o patrimônio, o capital cons- Houve um esvaziamento das decisões políticas e tante e a logística dos grupos estatais. perda de margem de ação. “Dentro da lógica A infra-estrutura brasileira foi colocada à venda: neoliberal, melhor ter um Estado enxuto e eficiente, Vale do Rio Doce, Eletrobrás, Petrobras e Telebrás, que promovesse a segurança, que é a repressão. Ao Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foram leiloadas, Estado define-se este papel, educação básica e ren- a partir de manipulação de preços, que elevou o in- das compensatórias, omitindo-se de políticas públi- vestimento estatal em um primeiro momento, para cas. Passa a valorizar o político administrativo e não em um segundo instante vendê-las com um preço a política social, o que cabe dentro do discurso de inferior ao seu patrimônio. Apenas no governo FHC, maximização dos resultados. A população acredita entre 1997 e 2002, 133 empresas passaram ao con- nisso, pois não consegue fazer o vínculo, por exem- trole de grupos privados, 78 delas ligadas à produção plo, entre aumento da violência e fim do Estado soci- e não-financeiras (IBGE). De 1993 a 1997, 300 em- al”, comenta. presas brasileiras compradas por estrangeiros. O surgimento das agências reguladoras é a síntese de Brasil: o neoliberalismo uma transição do Estado. De planejador, passaria a SEEB Curitiba aplicado à exaustão Ainda era 1993. O atacante Romário prometia o título mundial da Copa do Mundo para o povo brasileiro, depois de duas décadas sem vitórias e uma classifica- ção apertada nas eliminatórias. Surgiu aos olhos de to- dos como o salvador que a nação necessitava. Outra grande promessa com a qual uma geração inteira de brasileiros se deparou, mas não chegou a ver o resulta- do final: a venda das estatais brasileiras representaria maior investimento nos setores essenciais (Saúde, Edu- cação, etc), uma maior qualidade e melhores preços no acesso da população ao mundo dos serviços, a partir de maior competitividade entre as empresas. O atacante brasileiro cumpriu sua promessa e a seleção ergueu a taça da Copa. O Plano Real e o início do governo FHC tiveram apelo parecido no imaginário popular. Mas o movimento concreto da política econômica brasileira foi percebido por pou- PABLO Diaz: neoliberalismo destrói o senso de coletivo Reflexos da Privatização 9
  • 9. Neoliberalismo Honduras, 2006. A América Central e países como El Salvador, Guatemala, Nicarágua sofreram com a luta armada, nos anos 1980, e a aplicação do livre comércio, abandono do campo e migração de mão de obra. A resistência do movimento popular em Honduras, após o golpe contra o presidente Manoel Zelaya, é um primeiro marco de mobilização popular de resistência contra o modelo neoliberal. Venezuela, 1989. O episódio do “Caracazo”, levante dos México, 1994. O país viveu duas fraudes marginalizados da capital (Ca- eleitorais, em 1988 e 2006, nas quais venceu racas), durou cerca de 3 meses a fração conservadora do país. No dia primei- e deixou saldo de mais de 3 mil ro de janeiro de 1994, a implantação do Tra- mortos, durante o governo do tado de Livre Comércio (TL-Cam), com Ca- presidente Carlos Andrés Perez. nadá e EUA, produziu uma rebelião, do esta- Em 1992, uma tentativa frustra- do de Chiapas para o México todo, devi- da de rebelião militar, coman- do ao termo do Tratado que ameaça dada pelo então coronel Hugo a propriedade comunal indígena. Chávez, abre a possibilidade de uma ruptura no sistema de poder vene-zuelano para um governo po- Equador, 2000 a 2005. Três presidentes foram pular. depostos em cinco anos, sob a palavra de ordem de “Que se vayan todos”. O último deles, Lúcio Gutiérrez, elegeu-se com uma proposta naciona- lista e vinculada ao movimento indígena, mas ape- nas aprofundou as relações com os Estados Unidos e teve de refugiar- se na embaixada brasileira. Bolívia, 2003 e 2005. O presiden- te Sanchez de Losada, responsá- Peru, 1994. O governo Fujimori, apesar do contro- vel pela morte de 67 lutadores so- le inflacionário, aumentou a pobreza de menos de ciais, em 2003, no episódio conhe- 30% para mais de 60% da população de cerca cido como “Guerra do Gás”, refu- de 23 milhões de pessoas. O presidente che- giou-se nos Estados Unidos, após ga ao terceiro mandato, é acusado de uma crise institucional. Em corrupção e refugiado pela sua condi- 2005, o vice Carlos Mesa ção de estrangeiro. chegou a renunciar de- vido à pressão do mo- vimento social. Argentina, 2001. O processo de privatização argentino desem- pregou 350 mil trabalhadores e a atividade privada ou- tros 200 mil, resultado da política de Menem. O governo posterior seguiu o mesmo rigor neoliberal de Menem. A crise econômica de 2001 na qual o país emerge derruba cinco presidentes. Presidentes neoliberais e o descontentamento da população FONTE: E se o capitalismo acabasse?, de Luiz Carlos Correa Soares, janeiro de 2001, editora do autor 10 Reflexos da Privatização
  • 10. Neoliberalismo ser um fiscalizador neste período. “Houve uma reversão de todo o Estado moderno, em primeiro lugar foi colocado Atuação do BNDES nas privatizações* o econômico, e depois o governo faria a política com o Receita Dívidas Resultado da Programa de Venda Transferidas Desestatização que sobrar”, comenta o economista Pablo Diaz. Na prática, o Banco Nacional de Desenvolvimen- Estadual 27.948,8 6.750,2 34.699,0 to Econômico e Social (BNDES), por meio do Pro- PND 30.824,2 9.201,4 40.025,6 grama Nacional de Desestatização (PND), financiou Telecom 29.049,5 2.125,0 31.174,5 as transnacionais que dominaram os setores estraté- Resultado 87.822,5 18.076,6 105.899,1 gicos do parque industrial brasileiro. * Em US$ milhões Fonte: A Opção Brasileira, editora Contraponto, 1998 Os primeiros setores leiloados pelo PND concentram- se nos ramos siderúrgico, elétrico, de mineração, O BNDES e os investimentos petroquímico, ferroviário e de fertilizantes. O PND foi leva- nas privatizações do a cabo com energia pelo presidente FHC, quem inseriu em suas Cartas de Intenção ao FMI a privatização da pre- O investimento do BNDES na privatização da Light vidência, de bancos estaduais e empresas elétricas (11). foi de R$ 730 bilhões, em 1998 (após o apagão do Rio de Decreto presidencial desta época inviabilizou o empréstimo Janeiro). Na privatização da Companhia Siderúrgica Na- do BNDES para empresas públicas, impossibilitando o pró- cional (CSN): R$ 1,1 bilhão para execução de um plano prio sentido do banco desde a fundação, em 1952. “O de expansão de cinco anos. Investiu R$ 4,7 bilhões na BNDES recebe 40 bilhões de dólares do Fundo Monetário Açominas, antes de privatizá-la. Já na Petrobras (1997), Internacional (FMI), pega o dinheiro que era para promo- uma articulação com pouco mais de 20 sócios, investe ver o ‘crescimento’, e empresta subsidiado para a compra R$ 140 milhões e conta com R$ 60 milhões do BNDES, das companhias por estrangeiros”, comenta Diaz. uma sociedade (Sociedade de Propósito Especial) para captar no mercado internacional R$ 1,3 bi (justamente o Cronologia do valor do investimento de R$ 1 bi previsto no orçamento do Programa Nacional de Estado, cortado em 99), e essa jogada resultou num aporte Desestatização (PND) de R$ 1,5 bi para negócio com previsão de faturamento de R$ 5 bilhões em médio prazo. 1993-1994 - Eliminação da discriminação contra in- Referências vestidores estrangeiros, permitindo sua participação em até 1.A Opção Brasileira, ed. Contraponto (1998). BENJAMIN, Cesar (org). 2.Idem. 100% do capital votante das empresas a serem alienadas. 3.Idem 1 e 2. 1997 - Junto à venda de 68 empresas produtivas 4.(COSTAS, Lapavitsas, o capitalismo financiarizado, federais, intensificam-se as privatizações de âmbito tradução livre). 5.Jornal Valor Econômico, fevereiro de 2010. estadual, com a venda de 40 empresas estaduais. 6.Subcomandante Insurgente MARCOS, Don D. de La Lacandona. 2002 - O Programa concentra-se em outros se- 7.GENNARI, Emílio. Base de dados para a análise de conjuntura de 2010. 8.CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. tores, não mais o setor siderúrgico, como no início 9.O Brasil Privatizado. BIONDI, Aloysio. dos anos 1980. O setor elétrico, hidrelétricas, portos, 10.Auditoria Cidadã da Dívida. malhas fluviais passam a constar nas licitações. 11.Idem. Dez principais países beneficiários do Prograna Nacional de Desestatização (PND) País PND Estaduais Tele- comunicações Total Estados Unidos 4.31 15,1 6.024 21,6 3.692 12,8 14.034 16,5 Espanha 3.606 12,6 4.027 14,4 5.042 17,5 12.675 14,9 Portugal 1 0,0 658 2,4 4.224 14,7 4.882 5,7 Itália - - 143 0,6 2.479 8,6 2.621 3,1 Chile - - 1.006 3,6 - - 1.006 1,2 Bélgica 880 3,1 - - - - 880 1,0 Inglaterra 2 0,0 692 2,5 21 0,1 715 0,8 Canadá 21 0,1 - - 671 2,3 692 0,8 Suécia - - - - 599 2,1 599 0,7 França 479 1,7 196 0,7 10 0,0 686 0,8 Participação Estrangeira 11.210 36,4 13.654 48,9 17.270 59,4 42.134 48,0 Total 30.824,2 100 27.948,8 100 29.049.5 100 87.822,5 100 - US$ milhões - % Atualizado em: 31/12/02 FONTE: BNDES Reflexos da Privatização 11
  • 11. Opinião Regulação e desregulação “As agências têm servido também como espaços para compadrio e nepotismo, além de se tornarem “raposas cuidando dos galinheiros”. Há exceções? Talvez sim, mas é difícil dizer onde e quando”, afirma no artigo abaixo o ex-presidente do Senge-PR, Luis Carlos Correa Soares. R egulação é um sistema ou processo de con ça está nas respectivas dimensões de espaço-tempo: trole; regulamentação é um conjunto de a ética é tão abrangente no espaço e permanente no instrumentos e mecanismos pelos quais é tempo quanto seja possível estabelecer; a moral, ao exercido um determinado siste- contrário, é restrita quanto à ma ou processo de regulação. No Brasil neoliberal ambiência e/ou à temporalidade. Ambos devem ser norteados por A quem cabe regular? No princípios éticos, morais e demo- o princípio da contexto econômico e financei- cráticos, orientados para os inte- divinização do ro internacional as chamadas resses da nação, como um todo. mercado, o falso agências de fomento (tipo o Os sistemas de controle dos FMI, o BID, o Bird) - ao esta- mito do Estado míni- Estados nacionais da Era Moder- belecerem regras comporta- na não poderiam prescindir de mo, o crescimento mentais para os países periféri- modernos sistemas e processos de da dívida e o cos e carentes de recursos para regulação, sob os princípios acima. aceleramento sustentação das suas economi- Entretanto, aprofundou-se o fosso as, permanentemente abaladas entre os sistemas de regulação ide- da nossa trajetória pelo processo sanguessuga do ais e os possíveis. A explicação é para a subserviência capital -, nada mais são do que simples mas deve ser precedida de se aprofundaram agências internacionais de conceitos muito claros. de forma efetiva regulação desses países. Acres- De modo conciso pode-se çam-se os acordos multilaterais conceituar ética e moral como e desastrosa. (tipo OMC,AMI, a nati-mortaAlca conjuntos de princípios nortea- etc), onde normalmente prevale- dores e referenciais para os usos, costumes e inter- cem os interesses dos países centrais do capitalismo. relações dos indivíduos e das sociedades. Todavia, No Brasil neoliberal o princípio da divinização do ética e moral não se confundem. A principal diferen- mercado, o falso mito do Estado mínimo, o cresci- Senge-PR Comunicação SENGE-PR: luta contínua contra agências reguladoras. 12 Reflexos da Privatização
  • 12. Opinião mento da dívida e o aceleramento da nossa trajetória para a subserviência se aprofundaram de forma efeti- Agência reguladoras em quatro pontos va e desastrosa. Um dos instrumentos essenciais para 1 - os processos de regulação e de regulamentação de- esse processo, além das privatizações – tema de capa vem ser norteados por princípios éticos, morais e democráti- desta Revista - tem sido a desregulamentação proce- cos, considerando os interesses da nação. dida em setores estratégicos essenciais, mediante a 2 - um Estado fraco não detém condições de autonomia retirada de controles do âmbito do Estado brasileiro. para regular setores básicos no rumo do interesse social. Mesmo que tais controles fossem frágeis, eram muito 3 - a estruturação da nação brasileira (território, povo, melhores do que tudo o que foi inventado depois. autonomia e Estado) foi sempre fragmentada e sofreu imensos Para simulacro de regulação por meio das “agên- descompassos, produzindo um país economicamente forte mas cias reguladoras que pouco ou nada regulam” e, com socialmente injusto. o processo privatizante já em estágio avançado, foi ela- 4 - no Brasil, em grande medida, as agências reguladoras borada a Lei 9.986/2000 para definir as regras de fun- operam sob influências políticas, burocracias, clientelismos e cionamento dessas agências. Além de débeis e ten- com parafernálias jurídicas absurdas e inúteis. denciosas, as regras foram aplicadas de modo tardio. Atualmente, existem nove agências: Anvisa (vigi- rias e suficientes para estabelecer marcos regulatórios lância sanitária), ANS (saúde), ANA (águas), Aneel efetivos em setores-chave e estratégicos. (energia Elétrica), Anatel (telecomunicações), ANTT Poderíamos encerrar este texto com um dito po- (transportes terrestres), Antaq (transportes aquaviários), pular que, de forma publicável, diz mais ou menos Ancine (cinema). assim: “quanto mais a gente se abaixa, mais as coisas Algumas agências incorporaram estruturas de de- aparecem...”. Porém preferimos usar uma parte da partamentos e secretarias de ministérios extintos. To- poesia “Quem morre?”, de Pablo Neruda. das têm funcionários cedidos por empresas privadas e órgãos governamentais. Ou funcionários temporários, “Morre lentamente quem se transforma contratados por intermédio de organismos internacio- em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos. nais ou por processo seletivo simplificado e admissões Morre lentamente quem abandona com durações pré-determinadas. Além dos cargos de um projeto antes de iniciá-lo, livre indicação. Indicação de quem? Ora, pois... não pergunta sobre um assunto que desconhece Em resumo, as agências têm servido também como ou não responde quando lhe indagam espaços para compadrio e nepotismo, além de se tor- sobre algo que sabe. narem “raposas cuidando dos galinheiros”. Há exce- Evitemos a morte em doses suaves, recordando ções? Talvez sim, mas é difícil dizer onde, quando e em sempre que estar vivo que circunstâncias, porque o processo e o sistema es- exige um esforço muito maior que o tão viciados desde a origem e os fundamentos. simples fato de respirar. Além disso, vem sendo criado um imenso e caóti- Somente a perseverança fará com que co processo legisferante que tem produzido tanto a conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.” Senge-PR Comunicação glória dos juristas – dado o novo filão de atuação pro- fissional - como também o seu desespero, dadas as mutações quase diárias nos regulamentos emitidos. E bem assim, o desespero dos usuários porque inexistem condições para se conhecer com profundi- dade e amplitude o emaranhado normativo que está sendo gerado continuamente. É inevitável perguntar: qual é a real utilidade dessa parafernália? O Estado mínimo neoliberal, quando abdicou de exercer, ele mesmo, as atividades produtivas e de serviços, deveria ao menos executar funções regula- doras, de modo direto, com eficiência e eficácia, na direção dos interesses da população em geral. Todavia, claro está que essa não era e nunca será a ideia predominante, bem ao contrário, tanto na con- juntura mundial como brasileira. Os Estados prisio- neiros de interesses específicos de grupos e grupelhos, sem independência e soberania, com princípios fundantes tais como “tudo ao mercado” e “obediên- cia cega a contratos”, não detém condições necessá- SOARES: agências têm sido espaços para compadrio e nepotismo Reflexos da Privatização 13
  • 13. Internacional Mundo de uma nota só Durante o período neoliberal, hegemonia estadunidense é mantida pelo controle da indústria de armas, ideologia e pela emissão de moeda. Nação substitui a produção pela emissão de moedas, pelo endividamento e aumento do déficit público. A partir da década de 1990, o mundo passa Enquanto todos os demais países participantes da a ser controlado por uma nação Segunda Guerra haviam tido perdas sensíveis, a ren- hegemônica. Isto se dá no plano político e da nacional aumentara nos EUA de 91 bilhões de militar, econômico e cultural. Os dólares em 1939, para 211 bi- EUA lançam mão da superiori- O discurso do liberalismo lhões em 1945. Ao final de 1945, dade militar para controlar o os EUA detinham 50% da ri- acesso aos mercados, em nome é aplicado para além- queza, mas somente 6% da po- da manutenção de taxas de lu- mar, uma vez que Esta- pulação mundial. No plano mili- cro em franca queda desde a dos Unidos e Europa tar, os gastos da elite desse país década de 1970. persistem no protecionis- com armamentos superam, com Armas, palavra, dinheiro. A folga, a soma dos gastos reali- imagem usada pelo cientista po- mo dentro de suas fron- zados pelos outros 14 países que lítico Emir Sader (foto) explica teiras, sobretudo nos integram a lista dos 15 mais bem a base do poderio dos Estados setores de produção armados do mundo (1). Unidos. No plano econômico, os Hoje em dia, apesar do EUA passam a controlar a emis- agrícola, enquanto o surgimento do grupo dos BRIC são do dinheiro mundial sem obe- receituário aplicado era (Brasil, Rússia, Índia, China), diência a nenhuma regra, ao a venda do patrimônio esta hegemonia mantém-se no romperem unilateralmente o Tra- público e abertura plano militar, embora a Rússia tado de Bretton Woods. A moe- se mantenha como a segunda da passa a circular dissociada dos mercados. potência nuclear. “Um gasto dos circuitos produtivos reais, na militar em ascenso em uma base busca pela valorização do capital no menor período econômica em declive não pode ser sustentado, como de tempo possível, num mundo onde a regulação dramaticamente mostrou o colapso do bloco soviéti- financeira foi destruída. co”, analisa o economista holandês, radicado na América Central, Win Dierckxsens (2). O país do norte define-se como uma nação im- portadora, sendo que 10% de seu consumo industri- al depende de bens cujos custos de importação não são cobertos pelas exportações. Hoje, a dívida pú- blica dos Estados Unidos chega a ser 350% maior que a produção industrial. A produção é descentra- lizada para outras nações, e a dívida interna no país é maior que o Produto Interno Bruto (PIB). Os EUA absorvem parte da produção do crescente mercado chinês. Ao mesmo tempo se endividam. A China é o principal credor dos Estados Unidos – sendo que o Brasil é o quarto comprador de Títu- los do Tesouro Americano. Em 2009, o governo dos EUA amarga um déficit público de um trilhão e 414 bilhões de dólares e, para 2010, a previsão é de que, apesar de uma eventual redução dos gastos públi- cos não relacionados à segurança, a dívida se man- tenha em altos patamares (3). EMIR: armas, palavra e dinheiro: símbolos da hegemonia dos EUA Nos debates políticos sobre o período neoliberal, 14 Reflexos da Privatização
  • 14. Internacional expressões como “transnacionais”, corporações e da Amazônia, onde está concentrado 60% do esto- financeirização da economia tornam-se correntes que genético do planeta. em nosso vocabulário. Trata-se do domínio mundial destes grandes conglomerados, expansão que lança Referências a base para a livre circulação de moeda. 1. Consulta Popular. Imperialismo, o principal inimigo da humanida- O poder das corporações transnacionais se tra- de, cartilha número 19, 2007. 2. Dierckxsens, Win. El movimiento social ante la crisis del capitalis- duz da seguinte forma: dentre as 50 principais mo;América Latina hacia uma alternativa, in Imperialismo, Resistencia corporações hoje, 66% são de propriedade y Nueva Izquierda. RR Editores, El Salvador. estadunidense e, entre as 20 maiores, 70% são de 3. Gennari, Emílio. Base de dados para análise de conjuntura de 2010. propriedade do país do Norte (veja box). O discurso do liberalismo é aplicado para além- mar, uma vez que Estados Unidos e Europa persis- Corporações e Economia tem no protecionismo dentro de suas fronteiras, so- Transnacionais, nos anos 2000. 35% do PIB mundial. bretudo nos setores de produção agrícola, enquanto - Representam um poder de 5, 35 trilhão de dólares. o receituário aplicado era a venda do patrimônio pú- - 1990. 100 grupos, responsáveis por um terço do Investimento blico e abertura dos mercados. A Área de Livre Externo Direto (IED), 3,2 trilhões de dólares em ativos, com o comércio Comércio das Américas (Alca) – não assinada com aumentando entre Europa, Japão e EUA (de 13 para 17%); UNCTNC a totalidade dos países americanos devido a mani- - Nos EUA, US$ 1,9 trilhão, dívida das famílias e empresas festações e plebiscitos populares – deu lugar aos (crédito ao consumidor, leasing) Tratados de Livre Comércio (TLC), assinados em Papel das corporações na economia mundial cada país, junto aos corredores regionais e áreas de - 50 principais corporações hoje, 66% são de propriedade livre comércio, como o IIRSA (confira na próxima estadunidense; - Entre as 20 maiores, 70% são de propriedade do país do Norte. matéria). Se em dado período histórico o objetivo era dividir para reinar, agora passou a ser integrar Participação das 200 maiores corporações no PIB mundial: para subordinar todos a uma mesma política. Hoje, - 17% em 1965 - 35% no final dos anos 1990. um dos objetivos prioritários é o controle dos recur- Fonte: UNCTAD, citado em Chesnais, Mundialização do capital, 1996 sos naturais. Um dos alvos o controle do território - PETRAS, James. DIERCKXSENS, Win, 2004 - PETRAS, James Linha do Tempo 1945. O dólar é adotado como 1974-1975. Companhi- 1914. A econo- 1971. moeda padrão no mundo intei- as multinacionais buscam Mercado- mia é lastreada ro, a partir dos tratados de saída para queda crescen- ria moeda desaparece no padrão-ouro, que cumpria pa- Breton Woods. Inicia-se o perí- te da taxa de lucros. Au- com o desmantelamento pel de meio de pagamento, equi- odo de acúmulo do capitalismo, apro- mento da dívida externa do sistema Bretton valente geral e entesouramento. funda-se o Estado de Bem-Estar Soci- dos Estados da América do Woods, substituída por al na Europa e EUA, e o desenvolvi- Sul e África. moeda de crédito. mentismo na América Latina. 1931. No Brasil, realizada audito- ria da dívida externa. O período 1990. Capitais circulam com foi caracterizado pelo facilidade no Brasil, atraídos início da industrialização. 1973. Choque dos pelas altas taxas de juros, dí- preços do petró- vida pública interna 1969. Ofensiva leo, controla- aumenta. do mercado especulativo con- dos pelos paí- tra a libra esterlina. ses integrados a Opep. 1980. EUA aumentam os ju- ros. O dólar, por ser moeda internacional, endividou ainda mais os países peri- féricos. Fonte: Dierckxsens, Win. El movimiento social ante la crisis del capitalismo; América Latina hacia uma alternativa, in Imperialismo, Resistencia y Nueva Izquierda. RR Editores, El Salvador. Reflexos da Privatização 15
  • 15. BNDES Transnacionais brasileiras, a ponte entre a política ontem e hoje De elaborador e gestor da política de privatizações no Brasil, o BNDES passa a financiar a política baseada na “exportação da natureza”, incentivo ao agronegócio e às transnacionais brasileiras que atuam noutros países, sem- pre às avessas do interesse das populações A criação do Programa Nacional de foram pagos com “moedas pobres” e títulos desvaloriza- Desestatização (PND - lei 8.031/90), em dos. Hoje, as empresas desestatizadas, vinculadas ao ca- 1990, colocou a privatização na ponta-de-lan- pital financeiro, ao lado de grupos privados nacionais, re- ça das reformas econômicas conduzidas pelos governos cebem o financiamento do banco público e passam a uma que se seguiram desde então. O PND concentrou esfor- forte ofensiva, expandindo-se noutros países. “No caso ços na venda de estatais produtivas, com a inclusão de das grandes empresas estatais, a passagem do controle empresas siderúrgicas, petroquímicas e demais setores diretamente para grandes grupos econômicos nacionais e responsáveis pela indústria de base nacional. Na compra internacionais permitiu não só o aumento da presença do das estatais, a prioridade para o ajuste fiscal traduziu-se capital internacional no espaço econômico nacional, mas no uso das chamadas “moedas de privatização”, títulos também que as empresas privatizadas sob controle da representativos da dívida pública federal. Tal caracteriza- burguesia local ganhassem corpo e pudessem se lançar ção do PND pode ser encontrada no site do Banco Na- ao mercado internacional, na forma de multinacionais bra- cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sileiras”, descreve o economista Fábio Bueno, da organi- instituição que, apesar de pública e de codinome social, foi zação Consulta Popular. a gestora do programa de privatização no Brasil. Se as remessas para o exterior foram um dos proble- Trata-se de um processo levado “ao limite da respon- mas nacionais enfrentados no período neoliberal, neste sabilidade”, na famigerada afirmação do presidente momento assistimos também ao movimento inverso, ou Fernando Henrique Cardoso (FHC) ao presidente do seja: a remessa de lucros das empresas brasileiras no BNDES à época, Luiz Carlos Mendonça de Barros. exterior: ao todo, foram US$ 641 milhões de remessas de Nacionalmente, o processo de privatizações foi marcado empresas brasileiras no estrangeiro em 2005, número que por irregularidades, como esta: 95% do valor das estatais aumentou para US$ 928 milhões em 2006. Senge-PR Comunicação Responsável por 20% de todo o crédito disponibilizado no Brasil, o orçamento do BNDES em 2010 deve che- gar a R$ 166 bilhões, ou cinco vezes o orçamento da instituição verificado em 2003, primeiro ano do governo Lula. O dado confirma que o BNDES é, junto com o Banco Central e a Petrobras, um dos três vértices do tripé de poder econômico no Brasil hoje. No ciclo recente de crise econômica mundial, o BNDES financiou ações de empresas que de alguma forma se vinculam à própria crise. Nesse período, ele financiou fusões (casos da Oi com a Brasil Telecom) e aquisições (casos dos frigorífi- cos JBS e Friboi), além da compra da Aracruz pelo grupo Votorantin, quando já era pública a perda que a corporação de papel e celulose teve no mercado. Os principais gru- pos que recebem investimento estão em setores concen- trados e voltados para a exportação: etanol, agronegócio, mineração, siderurgia e construção civil, com destaque para o grupo Odebrecht, atuante com uma vasta carteira de negócios em todo o continente latino-americano. “Enquanto no Brasil a hegemonia dos grandes ban- LUTA pela reestatização da Vale, privatizada com auxílio do BNDES cos e investidores financeiros locais e internacionais se 16 Reflexos da Privatização
  • 16. BNDES consolidava na década de 1990 pelas mãos de Collor e dos tucanos, o BNDES foi direcionado para tais Orçamento do BNDES interesses. Já na década de 2000, quando o governo Ano 1999 2000 2001 2002 2003* 2004* 2005* 2006* 2007* 2008* petista empreende a ascensão da fração industrial De- 18 23 25.2 37.4 33.5 39.8 47 51.3 65 90.9 que se internacionaliza à condição de hegemônica, (valor em bilhões de reais) - Fonte: BNDES sem tocar nas frações financeiras, o BNDES passa Histórico a atuar com força nos processos de concentração e centralização que envolvem a fração internacionali- O BNDES surgiu em 1952, para financiar o Modelo de zada, organizando e incentivando todos os grandes Substituição de Importações (MSI). Com a ditadura de 1964, processos de fusão e aquisição que presenciamos nos torna-se o principal canal de importação de novas formas de últimos anos. Portanto, na condição de instrumento gestão estatal, que àquela época apontavam a retirada do Es- de política econômica, o BNDES seguiu, segue e se- tado da economia. O BNDES estabeleceu conexões com o guirá os ditames e interesses de quem comanda a Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco política e a economia no capitalismo dependente bra- Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Hoje, sileiro”, explica Bueno. apresenta tamanho semelhante aos dois. Na década de 1980, uma série de empresas brasilei- De onde vêm os ras se lançava no mercado internacional, estabelecendo recursos do BNDES? depósitos, subsidiárias, etc. O banco público passa a fi- nanciar corredores de livre comércio e integração, como Desde 1999, observa-se um aumento constante a ta- forma de intensificar a exploração econômica em outros xas crescentes no orçamento do BNDES, que recebe de países. O BNDES desenvolve os primeiros estudos que basicamente quatro fontes os recursos que empresta: em 2000 resultariam no lançamento da Iniciativa de - O FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), res- Integração da Infraestrutura da Região Sulamericana ponsável por cerca de 50% do orçamento do Banco; (IIRSA), que consiste na construção de uma infraestrutura - Retorno dos empréstimos; de comunicações, transportes e geração de energia que -Aportes conseguidos junto ao mercado internacional; constitua um dinâmico sistema circulatório que permitia - Empréstimos do Tesouro Nacional. enlaçar as economias regionais ao mercado mundial. Quadro das empresas brasileiras no mundo Canadá- trabalhadores da empresa Inco, comprada pela Vale, manifestaram-se contra as condições de trabalho na Equador- a atua- produção de níquel. ção da Petrobras causa problemas ambientais e crí- Costa Rica, Panamá, Uruguai- o BNDES dá ticas dos indígenas suporte às empresas que amazônicos, sendo Venezuela- Atuação da desnacionalizam os que a empresa atua poucos setores dinâmicos em outros 26 Odebrecht em construção de da economia local: países do agronegócio e frigorífico. mundo. estradas. Friboi e a Marfrig controlam mais de África- o caso mais 70% da exportação recente é o da abertura do de carne derivada do escritório da Embrapa em Uruguai. Moçambique. Seu primeiro projeto é o desenvolvimento Peru- a agrícola da região de Moatize, Votorantim onde estão as minas de carvão (capitalizada Argentina- a Camargo Corrêa na mira da Vale, que deverão pelo Banco) (“cliente” assídua dos contar com recursos do comprou a companhia financiamentos do BNDES) BNDES. mineira MinCo, que tem comprou a maior fábrica de 66% das jazidas desse que é cimento do país, a Loma Negra. o principal produto mineral Durante a crise argentina (2001), do país. A Gerdau comprou a 24% das aquisições de empresas SiderPeru, maior siderúrgica na Argentina foram feitas por peruana, também com capitais brasileiros. recursos do BNDES. (Fonte: Transnacionais Brasileiras, ed. Expressão Popular; IBASE) Reflexos da Privatização 17
  • 17. BNDES Companhia Vale, Subavaliação das uma relação íntima riquezas minerais A privatização dos setores ligados à infra-estrutura Em 1997, o governo deixa de ser o acionista ma- aprofunda o vínculo das unidades de produção no Brasil joritário da Vale e o consórcio Valepar arrebata 52,3% com a expansão sobre mercados de outras nações. Nes- das ações. O consórcio conta com a participação do ta lógica se equilibra a relação do BNDES com a banco Bradesco. A participação do banco privado no mineradora Vale (nome comercial da Companhia Vale do leilão da Vale é questionada em mais de 100 ações Rio Doce) e com outras transnacionais brasileiras. “Junto populares, uma vez que o Bradesco foi ao mesmo com outros grandes grupos privados, a Vale integra o se- tempo avaliador e investidor do leilão. leto círculo de empresas cujos projetos estão previamente A realidade é que, como avaliador, o Bradesco já bem avaliados pelo Banco e que, assim, têm trâmite de havia sido um fracasso. A Vale é a companhia síntese liberação de recursos acelerado. O BNDES a vê como da subavaliação que marcou a privatização das em- uma companhia de boa saúde financeira e pré-aprova presas brasileiras. Quando foi leiloada e arrebatada seus projetos, independentemente de suas características pelo valor de R$ 3,3 bilhões, desconsiderou-se uma específicas”, descreve Carlos Tautz, do Instituto Brasi- estrutura complexa, um capital constante formatado leiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). ao longo de 53 anos, o que significa: ferrovias com 9 Uma relação sem divulgação às claras, como denun- mil quilômetros de extensão e dois sistemas completos ciam os movimentos sociais, articulados na “Plataforma de mina-ferrovia-porto. Uma grande gama de mine- BNDES” (veja abaixo). a Vale é um dos principais clien- rais foi subavaliada, tais como as reservas brasileiras tes do mesmo banco que gerenciou a privatização da com- de titânio (72% das jazidas mundiais), além de calcário, panhia, dentro do Programa Nacional de Desestatização dolomito, fosfato, estanho, cassiterita, granito, zinco, (PND). “Nos relatórios de desempenho operacional do grafita, nada disto foi tomado em conta pelo leilão. Banco, os empréstimos para a construção de sistemas de Reservas de quartzo, matéria-prima da indústria de fi- transporte ferroviário da mineradora são estrategicamen- bras óticas, e nióbio (85% das reservas mundiais), te localizados em rubricas gerais de ‘infra-estrutura’, para matéria-prima para a indústria aeroespacial, encontram- não deixar claro que a operação favorece determinado se nas jazidas da Vale e não foram tomadas em conta. grupo e que este utiliza essas vias não para transporte público, mas exclusivamente dentro de sua própria estra- Plataforma BNDES e tégia de logística”, de acordo com análise do Ibase. crítica aos mega-projetos No dia 25 de novembro, os movimentos sociais e or- ganizações não-governamentais do Brasil, Equador e Bolívia, reunidos no I Encontro Sul-americano das popu- lações impactadas por projetos financiados pelo BNDES, elaboraram uma carta de repúdio ao modelo de desenvol- vimento adotado pelo Brasil. Trata-se de um esforço de articulação dos povos afe- tados pelos mega-projetos destinados às obras de infra- estrutura que privilegiam empreendimentos de agrocombustíveis, pecuária, eucalipto e extração mineral, fontes de sérios impactos sócio-ambientais. “Parece uma iniciativa com forte potencial de politização das organizações e populações em suas lutas específicas e convergência em lutas mais generalizantes. Podemos encarar o I Encontro Internacional dos Atingi- dos pela Vale como um desdobramento dessa sensibilização dos movimentos e organizações de camponeses, indíge- nas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, enfim, trabalha- dores e trabalhadoras em torno do questionamento do atual modelo de desenvolvimento”, comenta o advogado Danilo Uler, da Plataforma brasileira de direitos humanos econômicos sociais e ambientais (DHESCA). *Informações desta reportagem baseadas no livro Empresas transnacionais brasileiras na América Latina, um debate necessário, Editora Expressão Popular; e no Instituto VALE: prejuízos internos e expansão a outros países brasileiro de análises sociais e econômicas (Ibase) 18 Reflexos da Privatização
  • 18. Ferrovias A infraestrutura fragmentada em interesses particulares As ferrovias são o exemplo mais gritante do mau aproveitamento que o período neoliberal fez da infraestrutura e da capacidade produtiva do país. O atual modelo retira das ferrovias a dinâmica de transporte de passageiros e cargas. S aulo de Tarso, engenheiro civil, trabalhou du 12 bilhões de dólares. rante 28 anos na Rede Ferroviária Federal Tarso relata que assistiu a RFFSA desmontada (RFFSA). Antes dele, seu pai havia traba- durante a década de 1990, devido a erros de investi- lhado durante 39 anos. Duas trajetórias diferentes, ape- mento (veja mais na entrevista abaixo). O engenhei- sar de a companhia ser a mesma. O pai de Tarso ro civil contesta o debate hegemônico de que a vivenciou o modelo de desenvolvimento estatal, entre os privatização nos setores estratégicos da economia e anos de 1950 e 1970. Viu o país passar de uma popula- infraestrutura garantiu a entrada de novas tecnologias ção de 90 milhões pessoas, quando 57% da população no país, além do que as empresas teriam atingido a efici- vivia nas cidades, para um cenário que hoje se aprofunda. ência apenas a partir das privatizações. Para ele, esta Pelo censo de 1991, 75% da população reside em áreas tese não confere. “Hoje temos uma demanda que há urbanas. De maneira contínua, de acordo com Saulo de quinze anos atrás não existia. Que se registre que o Bra- Tarso, a demanda do país por infra-estrutura aumentou, sil se abriu para o mercado mundial desde 1993, com assim como a necessidade de investimentos em educa- mudanças como a banda larga, por exemplo. Não é a ção, saúde e outros serviços. privatização a mãe deste desenvolvimento, a mãe disto Entre 1938 e 1980, a produção industrial foi mul- chama-se tecnologia computacional, que se desmistifique tiplicada 27 vezes. Os governos, diante deste cená- este santo de barro da privatização”, coloca. rio, precisaram investir em rodovias, portos, ferrovi- as, energia. “O desenvolvimento era focado em es- Na contramão tatais, com bancos de fomento em infra-estrutura, o que gerou grande dívida externa, entre 1970 e 1980, do interesse público um endividamento brutal do Estado”, analisa Tarso. O endividamento externo corresponde a 54 bilhões “Se estivermos preocupados com o futuro do pla- de dólares em 1979, ao passo que, em 1973, eram neta, hoje temos que pensar na matriz de transporte, isto porque interfere diretamente na matriz energética que queremos para o nosso país”, afirma o engenhei- ro civil e diretor do Senge-PR, Paulo Sidnei Ferraz. “Desde o final dos anos 60, o governo frequente- As ferrovias e rodovias brasileiras estão cada vez AEN mente usou as estatais para ‘segurar’ a inflação ou bene- ficiar certos setores da economia, geralmente por serem considerados ‘estratégicos’ para o país. Como assim? Houve períodos em que o governo evitou reajustes de preços e tarifas de produtos (como o aço) e serviços fornecidos pelas estatais, na tentativa de reduzir as pres- sões e controlar as taxas de inflação. Esses ‘achatamen- tos’ e ‘congelamentos’ foram os principais responsáveis por prejuízos ou baixos lucros apresentados por algu- mas estatais, que passavam a acumular dívidas ao longo dos anos – sofrendo então nova ‘sangria’, representada pelos juros que tinham de pagar sobre essas dívidas. Certo ou errado, as estatais foram usadas como arma contra a inflação por governos que achavam que o com- bate à carestia era a principal prioridade do país”, Aloysio Biondi, economista, autor de O Brasil privatizado. SAULO: Com ou sem neoliberalismo, Brasil avançaria tecnologicamente Reflexos da Privatização 19