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34
Partidas, chegadas e muitas histórias sem fronteiras
Pontos de encontro
N
asceu na Extremadura,
em 1972, mas
considera-se
valenciano. Foi ali, mais
precisamente em
Denia, entre Valência
e Alicante, que se fixou
aos 14 anos e que,
desde 1981, altura em que abriu o restaurante
em nome próprio, tem vindo a fazer história
– num tempo quase recorde chegou às três
estrelas Michelin, tendo sido dos poucos em
Espanha que, no guia de 2013, conseguiram
tamanha distinção. Mas nada aconteceu
do dia para a noite. São vinte anos de muito
trabalho e de uma boa gestão de imagem
– Quique é presença assídua nos principais
festivais de gastronomia, é tu-cá-tu-lá com
os chefs mais mediáticos, tem boa pinta e faz
uso das redes sociais como o Facebook
ou o Instagram para promover os seus
restaurantes (além do de Denia, possui
outros três, sob a marca Daco&Co, em
Valência) e dar a espreitar, em doses
calculadas, cenas do seu quotidiano como as
brincadeiras com os filhos e o jogging matinal.
Para os críticos, ele está entre os grandes
chefs espanhóis que, com o seu vanguardis-
mo, catapultaram Espanha ao Olimpo. Falam
de uma cozinha ecológica de lavra própria,
plena de texturas, sabores e aromas, inclusive
através do recurso a plantas subvalorizadas,
que nos fazem saborear, com uso de todos os
sentidos, a paisagem da Costa Blanca. Não é
uma cozinha de produto puro e duro; é uma
cozinha de artesão, muito visual, com uma
componente naturalista quase de fábula
(daí pratos emblemáticos como bruma,
bosque ou galinha dos ovos de ouro). Ah,
e uma precisão estética que raia a arte.
Por ocasião da nossa reportagem em Valência
[ver nesta mesma edição], recebeu a Volta ao
Mundo, a poucos dias de abrir a temporada de
2013 em Denia. Por isso fez as honras em El
Poblet, o mais recente projeto, onde faz ques-
tão de não cozinhar. Mas faz-se presente, fala
com os clientes, tira fotografias e senta-se à
mesa, como fez connosco por duas horas.
E deixa o aviso: «Como cozinheiro de van-
guarda, prefiro não me colocar um limite.»
Estamos à mesa de El Poblet, um restauran-
te que já existia mas que, desde outubro de
2012, reabriu com uma nova imagem e uma
cozinha que revisita os pratos que fizeram
história nos últimos vinte anos. É um teaser
para o três estrelas de Denia?
Já que recuperámos o nome de El Poblet,
tratámos também de recuperar uma série
de pratos de alta-cozinha que as pessoas
associam a mim. Por isso mesmo, na carta,
os pratos «históricos» trazem a indicação
da data – e há pratos desde 1980, como as
gambas rojas de Denia hervidas y frías, embora
já tenhamos começado a incorporar pratos
que apresentámos na temporada de 2012 em
Denia. Mas a ideia é que haja sempre uma
mudança e que possamos ir incorporando
pratos novos. Esta é a segunda carta [à data
da entrevista] que fazemos desde que abri-
mos, mas haverá quatro mudanças ao ano.
A mudança de estação manda. E há pratos
mais experimentais, que na cozinha de Denia
têm perfeito cabimento, mas que aqui têm
de ser testados porque não sabemos como
as pessoas vão reagir.
“
”
NÃO ME COLOCO
UM LIMITEQUIQUE DACOSTA
Volta ao Mundo abril 2013
Três estrelas Michelin, vários outros prémios e um carisma muito particular fazem Quique Dacosta,
o homem e o restaurante (na verdade são quatro), valer por si só uma viagem até Denia, a meio
caminho entre Alicante e Valência, na Costa Blanca espanhola.
35
É essa a grande diferença entre quem vai
a Denia e quem vem a El Poblet?
São negócios distintos; não só El Poblet, mas
também o Vuelve Carolina e o Mercatbar.
Mas encontro muitos clientes do Denia nestes
meus outros restaurantes; agora, é claro
que estes são mais abrangentes, até porque
em Denia só recebemos de cada vez um
máximo de 35 pessoas. A predisposição
também muda. Aqui, estamos na cidade
e, sobretudo ao almoço, há muitos clientes
que vêm em negócios, com mais pressa.
Mas a proposta do El Poblet também
é gastronómica…
… e poderá funcionar como uma primeira
abordagem à sua cozinha, não?
Claro. O modelo do Vuelve Carolina e do
Mercatbar é mais jovial, mais informal, mas
se pensarmos na parte didática, está muito
bem porque no Mercatbar o que as pes­soas
comem são as tapas tradicionais, no Vuelve
Carolina já há uma componente de moder-
nidade e de criatividade na forma como se
apresentam os pratos e aqui, no El Poblet,
mais ainda. Complementam-se. O de Denia
está afastado do centro, mas o bom para
quem vem de fora é que numa só viagem,
com passagem por Valência, pode conhecer
várias abordagens da minha cozinha.
Valência tem um grande apego às suas
raízes gastronómicas, mas serão os teus
restaurantes um destino em si mesmo?
Valência tem muitos restaurantes, mas
tirando um outro [Ricard Camarena] com uma
«DENIA É UM DESTINO POR
SI SÓ E ATRAI MUITA GENTE
NÃO SÓ POR CONTA DAS
ESTRELAS – QUE SÃO MUITO
IMPORTANTES PARA NÓS –
MAS PORQUE NOS ASSOCIAM
A INOVAÇÃO, A VANGUARDA.»
Volta ao Mundo abril 2013
Entrevista Quique Dacosta
36
«MAIS DE CINQUENTA
POR CENTO DA MINHA
CLIENTELA VEM DE FORA DA
COMUNIDADE VALENCIANA
E SABE QUEM SOU, O QUE
FAÇO, O NOME DA MINHA
MÃE, DO MEU CÃO. AS
PESSOAS PREPARAM-SE.»
a pensar num universo de milhares de pes­soas,
por isso, meço por mim o tempo que leva a
degustar um prato e o que gosto de comer.»]
E quais as consequências das três estrelas?
O meu projeto em Denia tem muita
repercussão nacional e internacional, mas
comer no Denia custa duzentos euros
e a economia em Espanha está como está.
Isso faz que haja cada vez mais clientes de
fora, mas este é um projeto de dimensão
internacional e se em Espanha já levamos
vinte anos, fora de portas, sobretudo fora
da Europa, é ainda um produto novo.
E à parte das estrelas, há agora a lista anual
dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo
publicada pela revista britânica Restaurant…
O bom desta lista é que não há um critério
único [Quique Dacosta ascendeu à 40.ª posição
em 2012]. É um projeto muito interessante
e dinâmico. As estrelas Michelin trazem um
tipo de clientela diferente, ao passo que a
dos 50 Melhores é, porventura, mais aberta à
experimentação. Não que os clientes Michelin
sejam mais conservadores, até porque cada
um deles é um mundo, mas há maior impre-
visibilidade nos 50 Melhores. Não existem
listas perfeitas, mas esta tem o mérito de
espelhar mais o sentir das pessoas.
Mas essa imprevisibilidade não é perigosa
quando está tanto em jogo? O risco de estar
no topo da lista e a seguir poder baixar vinte
posições sem maiores explicações?
Eu gosto muito da lista e levo-a muito a
sério, porque quem vota [jornalistas da área,
empresários da restauração, chefs e gourmets
repartidos por 26 regiões mundiais] é gente
muito séria, que viaja, que visita, que se
esforça. Claro, há erros, mas mesmo para
nós, que trabalhamos para sermos o número
um, num universo tão grande de bons restau-
rantes, estar em 40.º lugar é um privilégio.
Mas é o Top 10 o alvo mais cobiçado, não?
Sim, estar no Top 10 desta lista pode mudar-
-nos a vida. Vão existir vários epicentros
gastronómicos no mundo – Japão, Norte
da Europa, EUA, América Latina, Espanha,
Itália... – e temos de conseguir estar dentro
desses epicentros e tornarmo-nos um des-
tino. Temos de apostar na singularidade no
sentido em que aquilo que oferecemos seja
tão singular, tão bom que por si só faça que
as pessoas achem que merece a pena vir.
Mas como ser singular numa época global
em que aquilo que faz é visto à lupa, nas
redes sociais, por milhões de pessoas,
incluindo outros chefs?
estrela Michelin, que está muito bem, não
existe propriamente uma cozinha de vanguar-
da. Por isso, eu sei que o meu restaurante em
Denia é um destino por si só [neste momento,
interrompe a entrevista para, a nosso pedido,
ele mesmo proceder à escolha dos pratos que
vamos degustar]. Denia atrai muita gente, não
só por conta das estrelas – que são muito
importantes para nós –, mas porque nos
associam a inovação, a vanguarda…
E o que reservou para esta nova temporada
do Denia, já com as três estrelas?
Até março, mantivemos quase a mesma carta
e ambiente de 2012 porque, precisamente, se
criou uma grande curiosidade por causa das
estrelas e houve gente que não veio no ano
passado. Quis que essas pessoas pudessem
perceber o porquê de nos terem dado as três
estrelas. A partir de março mudámos tudo
e passou a haver apenas duas ofertas: um
menu histórico de 35 pratos que não estão na
carta de El Poblet [Universo Local, € 135 por
pessoa sem vinhos] e um outro gastronómico
em 55 tempos [Made in the Moon, € 165 por
pessoa sem vinhos] – eram quarenta no início,
mas quando vi tinha mais quinze.
E não é muito prato? Há cada vez mais vozes
que questionam menus tão longos…
Há pessoas que não têm estômago para
tanta comida, nem sequer capacidade para
assimilar tanta informação de sabores, de
vinhos… Nem é tanto uma questão de tempo,
pois temos tudo orquestrado para que a
refeição dure três horas. Agora, é claro que
há diferenças. Por regra, no dia a dia, as pes-
soas comem três pratos (entrada, principal e
sobremesa) e de repente vão comer cinquen-
ta coisas – embora algumas delas, é bom
dizê-lo, tenham o formato disto aqui [aponta
para um amuse bouche] – , mas há pessoas
que depois das cinquenta ainda pedem para
provar mais coisas do outro menu…
Afinal, as pessoas que vão ao Denia esperam
mais e não menos, certo?
Antes de virem já foram à net, já se informa-
ram. Mais de cinquenta por cento da minha
clientela vem de fora da Comunidade Valen-
ciana e sabe quem sou, o que faço, o nome da
minha mãe, do meu cão [risos]. As pessoas
preparam-se e vêm com grande abertura.
Vêm pela experiência [começamos a comer,
Quique é o mais rápido e justifica-se: «Em De-
nia, quando crio um prato, não posso estar
FOTOGRAFIASDEREINALDORODRIGUES/GLOBALIMAGENS
Volta ao Mundo abril 2013
37Volta ao Mundo abril 2013
«VÃO EXISTIR
VÁRIOS EPICENTROS
GASTRONÓMICOS. TEMOS DE
APOSTAR NA SINGULARIDADE
NO SENTIDO EM QUE AQUILO
QUE OFERECEMOS SEJA TÃO
BOM QUE POR SI SÓ FAÇA
QUE AS PESSOAS ACHEM
QUE MERECE A PENA VIR.»
O que se passa é que depois de criar um prato
ele deixa de ser nosso [dá como exemplo
El Bosque Animado, um prato de 2007 com
releituras em muitos outros restaurantes]. Já
passou tanta gente pela minha cozinha que é
natural que tentem recriar um ou outro prato
que lhes agradou. Depois de sete ou oito anos,
um prato deixa de ser meu.
Daí a busca constante pela singularidade.
Quando em Denia, na mudança da temporada
de 2010 para 2011, passámos de um menu de
12 pratos para um de cinquenta houve quem
se interrogasse sobre o porquê de uma
mudança tão radical. Mas eu senti essa
necessidade de mudar de estilo porque não
queria que as pessoas viessem de longe
sabendo já o que se ia passar.
E isso não acaba por criar uma pressão ainda
maior?
Não vejo como uma pressão; vejo como um
estímulo. Ficaria nervoso se não encontrasse
soluções.
Por falar nisso, como é o seu processo criati-
vo e qual o papel das viagens nele?
Viajar, ver coisas, é muito importante. Mas
para mim o mais importante é ter uma ideia
e depois saber transmiti-la à equipa. A seguir,
é partir para a experimentação até chegar a
uma, a várias ou até a nenhuma conclusão.
Mas às vezes aprende-se mais com o erro
do que com o acerto. Mas quando se acerta,
o processo acabou-se. Por exemplo, um dos
meus maiores sucessos, a cubalibre de foie
gras, criada em 2001, continua a ser executa-
da da mesma maneira em 2013. Se um prato
resultou, não lhe toco, não o atualizo. n
Quique Dacosta foi entrevistado por João
Miguel Simões em fevereiro de 2013.
OS RESTAURANTES
+QUIQUE DACOSTA, DENIA
Três estrelas Michelin em 2013, só dois
menus de degustação a partir de € 135
por pessoa. Nesta temporada, até 3 de
novembro, serve almoços e jantares.
quiquedacosta.es
+EL POBLET, VALÊNCIA
Inclui na carta vários pratos «históricos»
criados por Quique em Denia, que mudam
todas as estações.
elpobletrestaurante.com
+VUELVE CAROLINA, VALÊNCIA
Um projeto de Quique e da escanção Manue-
la Romeraldo, define-se como um gastrobar
à volta das tapas com toque autoral.
vuelvecarolina.com
+MERCATBAR, VALÊNCIA
Cozinha de mercado à volta das tapas
clássicas.
mercatbar.es
LOCAL VS. GLOBAL
«Eu vivo numa região, o Mediterrâneo, com
muitos e bons produtos – a horta valencia-
na, o peixe, os mariscos. Os produtos são
necessários para executar uma ideia, senão
esta não passará de um pensamento. Tenho
um compromisso com o meu território.»
4500 CUBALIBRES/ANO
«No início, as pessoas estranharam este
prato, e não fazia parte do meu tipo de
cozinha, mas no final aderiram de tal
forma que, hoje, vendo uma média de 4500
cubalibres de foie gras por ano.» Quique
subverteu as convenções ao apresentar
o foie gras em creme com uma redução
de Coca-Cola para o doce, uma pitada de
sal para o salgado, uma porção de rúcula
para o amargo e casca de limões verdes e
maduros para o toque ácido, criando uma
simetria gustativa maravilhosa.
FESTIVAIS
«São muito importantes, mas muito duros
também.»
VANGUARDA
«No Mercatbar também faço cozinha
de vanguarda, mas como as pessoas vão ali
em busca de uma cozinha mais tradicional
por vezes nem se apercebem disso, mas
têm abertura à inovação e isso é muito
importante.»
NA PELE DE CLIENTE
Durante os meses em que o restaurante de
Denia está fechado aproveito para dar mais
atenção aos outros restaurantes, há muitas
reuniões, projetos... Tenho muito pouco
tempo para viajar, mas gosto muito de sair
para comer – gosto mais de comer do que
cozinhar. Quando vou a um restaurante só
penso em desfrutar – isto desde que fiz
uma viagem a um restaurante que é consi-
derado dos melhores do mundo e não gozei
nada porque me pus a analisar tudo. No
regresso, já no avião, arrependi-me e jurei
que daí em diante passaria a estar relaxado.
E voltei lá e desfrutei imenso.»

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Courchevel 1850-Volta ao Mundo Dec 2012
 

Quique Dacosta-Volta ao Mundo April 2013

  • 1. 34 Partidas, chegadas e muitas histórias sem fronteiras Pontos de encontro N asceu na Extremadura, em 1972, mas considera-se valenciano. Foi ali, mais precisamente em Denia, entre Valência e Alicante, que se fixou aos 14 anos e que, desde 1981, altura em que abriu o restaurante em nome próprio, tem vindo a fazer história – num tempo quase recorde chegou às três estrelas Michelin, tendo sido dos poucos em Espanha que, no guia de 2013, conseguiram tamanha distinção. Mas nada aconteceu do dia para a noite. São vinte anos de muito trabalho e de uma boa gestão de imagem – Quique é presença assídua nos principais festivais de gastronomia, é tu-cá-tu-lá com os chefs mais mediáticos, tem boa pinta e faz uso das redes sociais como o Facebook ou o Instagram para promover os seus restaurantes (além do de Denia, possui outros três, sob a marca Daco&Co, em Valência) e dar a espreitar, em doses calculadas, cenas do seu quotidiano como as brincadeiras com os filhos e o jogging matinal. Para os críticos, ele está entre os grandes chefs espanhóis que, com o seu vanguardis- mo, catapultaram Espanha ao Olimpo. Falam de uma cozinha ecológica de lavra própria, plena de texturas, sabores e aromas, inclusive através do recurso a plantas subvalorizadas, que nos fazem saborear, com uso de todos os sentidos, a paisagem da Costa Blanca. Não é uma cozinha de produto puro e duro; é uma cozinha de artesão, muito visual, com uma componente naturalista quase de fábula (daí pratos emblemáticos como bruma, bosque ou galinha dos ovos de ouro). Ah, e uma precisão estética que raia a arte. Por ocasião da nossa reportagem em Valência [ver nesta mesma edição], recebeu a Volta ao Mundo, a poucos dias de abrir a temporada de 2013 em Denia. Por isso fez as honras em El Poblet, o mais recente projeto, onde faz ques- tão de não cozinhar. Mas faz-se presente, fala com os clientes, tira fotografias e senta-se à mesa, como fez connosco por duas horas. E deixa o aviso: «Como cozinheiro de van- guarda, prefiro não me colocar um limite.» Estamos à mesa de El Poblet, um restauran- te que já existia mas que, desde outubro de 2012, reabriu com uma nova imagem e uma cozinha que revisita os pratos que fizeram história nos últimos vinte anos. É um teaser para o três estrelas de Denia? Já que recuperámos o nome de El Poblet, tratámos também de recuperar uma série de pratos de alta-cozinha que as pessoas associam a mim. Por isso mesmo, na carta, os pratos «históricos» trazem a indicação da data – e há pratos desde 1980, como as gambas rojas de Denia hervidas y frías, embora já tenhamos começado a incorporar pratos que apresentámos na temporada de 2012 em Denia. Mas a ideia é que haja sempre uma mudança e que possamos ir incorporando pratos novos. Esta é a segunda carta [à data da entrevista] que fazemos desde que abri- mos, mas haverá quatro mudanças ao ano. A mudança de estação manda. E há pratos mais experimentais, que na cozinha de Denia têm perfeito cabimento, mas que aqui têm de ser testados porque não sabemos como as pessoas vão reagir. “ ” NÃO ME COLOCO UM LIMITEQUIQUE DACOSTA Volta ao Mundo abril 2013 Três estrelas Michelin, vários outros prémios e um carisma muito particular fazem Quique Dacosta, o homem e o restaurante (na verdade são quatro), valer por si só uma viagem até Denia, a meio caminho entre Alicante e Valência, na Costa Blanca espanhola.
  • 2. 35 É essa a grande diferença entre quem vai a Denia e quem vem a El Poblet? São negócios distintos; não só El Poblet, mas também o Vuelve Carolina e o Mercatbar. Mas encontro muitos clientes do Denia nestes meus outros restaurantes; agora, é claro que estes são mais abrangentes, até porque em Denia só recebemos de cada vez um máximo de 35 pessoas. A predisposição também muda. Aqui, estamos na cidade e, sobretudo ao almoço, há muitos clientes que vêm em negócios, com mais pressa. Mas a proposta do El Poblet também é gastronómica… … e poderá funcionar como uma primeira abordagem à sua cozinha, não? Claro. O modelo do Vuelve Carolina e do Mercatbar é mais jovial, mais informal, mas se pensarmos na parte didática, está muito bem porque no Mercatbar o que as pes­soas comem são as tapas tradicionais, no Vuelve Carolina já há uma componente de moder- nidade e de criatividade na forma como se apresentam os pratos e aqui, no El Poblet, mais ainda. Complementam-se. O de Denia está afastado do centro, mas o bom para quem vem de fora é que numa só viagem, com passagem por Valência, pode conhecer várias abordagens da minha cozinha. Valência tem um grande apego às suas raízes gastronómicas, mas serão os teus restaurantes um destino em si mesmo? Valência tem muitos restaurantes, mas tirando um outro [Ricard Camarena] com uma «DENIA É UM DESTINO POR SI SÓ E ATRAI MUITA GENTE NÃO SÓ POR CONTA DAS ESTRELAS – QUE SÃO MUITO IMPORTANTES PARA NÓS – MAS PORQUE NOS ASSOCIAM A INOVAÇÃO, A VANGUARDA.» Volta ao Mundo abril 2013
  • 3. Entrevista Quique Dacosta 36 «MAIS DE CINQUENTA POR CENTO DA MINHA CLIENTELA VEM DE FORA DA COMUNIDADE VALENCIANA E SABE QUEM SOU, O QUE FAÇO, O NOME DA MINHA MÃE, DO MEU CÃO. AS PESSOAS PREPARAM-SE.» a pensar num universo de milhares de pes­soas, por isso, meço por mim o tempo que leva a degustar um prato e o que gosto de comer.»] E quais as consequências das três estrelas? O meu projeto em Denia tem muita repercussão nacional e internacional, mas comer no Denia custa duzentos euros e a economia em Espanha está como está. Isso faz que haja cada vez mais clientes de fora, mas este é um projeto de dimensão internacional e se em Espanha já levamos vinte anos, fora de portas, sobretudo fora da Europa, é ainda um produto novo. E à parte das estrelas, há agora a lista anual dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo publicada pela revista britânica Restaurant… O bom desta lista é que não há um critério único [Quique Dacosta ascendeu à 40.ª posição em 2012]. É um projeto muito interessante e dinâmico. As estrelas Michelin trazem um tipo de clientela diferente, ao passo que a dos 50 Melhores é, porventura, mais aberta à experimentação. Não que os clientes Michelin sejam mais conservadores, até porque cada um deles é um mundo, mas há maior impre- visibilidade nos 50 Melhores. Não existem listas perfeitas, mas esta tem o mérito de espelhar mais o sentir das pessoas. Mas essa imprevisibilidade não é perigosa quando está tanto em jogo? O risco de estar no topo da lista e a seguir poder baixar vinte posições sem maiores explicações? Eu gosto muito da lista e levo-a muito a sério, porque quem vota [jornalistas da área, empresários da restauração, chefs e gourmets repartidos por 26 regiões mundiais] é gente muito séria, que viaja, que visita, que se esforça. Claro, há erros, mas mesmo para nós, que trabalhamos para sermos o número um, num universo tão grande de bons restau- rantes, estar em 40.º lugar é um privilégio. Mas é o Top 10 o alvo mais cobiçado, não? Sim, estar no Top 10 desta lista pode mudar- -nos a vida. Vão existir vários epicentros gastronómicos no mundo – Japão, Norte da Europa, EUA, América Latina, Espanha, Itália... – e temos de conseguir estar dentro desses epicentros e tornarmo-nos um des- tino. Temos de apostar na singularidade no sentido em que aquilo que oferecemos seja tão singular, tão bom que por si só faça que as pessoas achem que merece a pena vir. Mas como ser singular numa época global em que aquilo que faz é visto à lupa, nas redes sociais, por milhões de pessoas, incluindo outros chefs? estrela Michelin, que está muito bem, não existe propriamente uma cozinha de vanguar- da. Por isso, eu sei que o meu restaurante em Denia é um destino por si só [neste momento, interrompe a entrevista para, a nosso pedido, ele mesmo proceder à escolha dos pratos que vamos degustar]. Denia atrai muita gente, não só por conta das estrelas – que são muito importantes para nós –, mas porque nos associam a inovação, a vanguarda… E o que reservou para esta nova temporada do Denia, já com as três estrelas? Até março, mantivemos quase a mesma carta e ambiente de 2012 porque, precisamente, se criou uma grande curiosidade por causa das estrelas e houve gente que não veio no ano passado. Quis que essas pessoas pudessem perceber o porquê de nos terem dado as três estrelas. A partir de março mudámos tudo e passou a haver apenas duas ofertas: um menu histórico de 35 pratos que não estão na carta de El Poblet [Universo Local, € 135 por pessoa sem vinhos] e um outro gastronómico em 55 tempos [Made in the Moon, € 165 por pessoa sem vinhos] – eram quarenta no início, mas quando vi tinha mais quinze. E não é muito prato? Há cada vez mais vozes que questionam menus tão longos… Há pessoas que não têm estômago para tanta comida, nem sequer capacidade para assimilar tanta informação de sabores, de vinhos… Nem é tanto uma questão de tempo, pois temos tudo orquestrado para que a refeição dure três horas. Agora, é claro que há diferenças. Por regra, no dia a dia, as pes- soas comem três pratos (entrada, principal e sobremesa) e de repente vão comer cinquen- ta coisas – embora algumas delas, é bom dizê-lo, tenham o formato disto aqui [aponta para um amuse bouche] – , mas há pessoas que depois das cinquenta ainda pedem para provar mais coisas do outro menu… Afinal, as pessoas que vão ao Denia esperam mais e não menos, certo? Antes de virem já foram à net, já se informa- ram. Mais de cinquenta por cento da minha clientela vem de fora da Comunidade Valen- ciana e sabe quem sou, o que faço, o nome da minha mãe, do meu cão [risos]. As pessoas preparam-se e vêm com grande abertura. Vêm pela experiência [começamos a comer, Quique é o mais rápido e justifica-se: «Em De- nia, quando crio um prato, não posso estar FOTOGRAFIASDEREINALDORODRIGUES/GLOBALIMAGENS Volta ao Mundo abril 2013
  • 4. 37Volta ao Mundo abril 2013 «VÃO EXISTIR VÁRIOS EPICENTROS GASTRONÓMICOS. TEMOS DE APOSTAR NA SINGULARIDADE NO SENTIDO EM QUE AQUILO QUE OFERECEMOS SEJA TÃO BOM QUE POR SI SÓ FAÇA QUE AS PESSOAS ACHEM QUE MERECE A PENA VIR.» O que se passa é que depois de criar um prato ele deixa de ser nosso [dá como exemplo El Bosque Animado, um prato de 2007 com releituras em muitos outros restaurantes]. Já passou tanta gente pela minha cozinha que é natural que tentem recriar um ou outro prato que lhes agradou. Depois de sete ou oito anos, um prato deixa de ser meu. Daí a busca constante pela singularidade. Quando em Denia, na mudança da temporada de 2010 para 2011, passámos de um menu de 12 pratos para um de cinquenta houve quem se interrogasse sobre o porquê de uma mudança tão radical. Mas eu senti essa necessidade de mudar de estilo porque não queria que as pessoas viessem de longe sabendo já o que se ia passar. E isso não acaba por criar uma pressão ainda maior? Não vejo como uma pressão; vejo como um estímulo. Ficaria nervoso se não encontrasse soluções. Por falar nisso, como é o seu processo criati- vo e qual o papel das viagens nele? Viajar, ver coisas, é muito importante. Mas para mim o mais importante é ter uma ideia e depois saber transmiti-la à equipa. A seguir, é partir para a experimentação até chegar a uma, a várias ou até a nenhuma conclusão. Mas às vezes aprende-se mais com o erro do que com o acerto. Mas quando se acerta, o processo acabou-se. Por exemplo, um dos meus maiores sucessos, a cubalibre de foie gras, criada em 2001, continua a ser executa- da da mesma maneira em 2013. Se um prato resultou, não lhe toco, não o atualizo. n Quique Dacosta foi entrevistado por João Miguel Simões em fevereiro de 2013. OS RESTAURANTES +QUIQUE DACOSTA, DENIA Três estrelas Michelin em 2013, só dois menus de degustação a partir de € 135 por pessoa. Nesta temporada, até 3 de novembro, serve almoços e jantares. quiquedacosta.es +EL POBLET, VALÊNCIA Inclui na carta vários pratos «históricos» criados por Quique em Denia, que mudam todas as estações. elpobletrestaurante.com +VUELVE CAROLINA, VALÊNCIA Um projeto de Quique e da escanção Manue- la Romeraldo, define-se como um gastrobar à volta das tapas com toque autoral. vuelvecarolina.com +MERCATBAR, VALÊNCIA Cozinha de mercado à volta das tapas clássicas. mercatbar.es LOCAL VS. GLOBAL «Eu vivo numa região, o Mediterrâneo, com muitos e bons produtos – a horta valencia- na, o peixe, os mariscos. Os produtos são necessários para executar uma ideia, senão esta não passará de um pensamento. Tenho um compromisso com o meu território.» 4500 CUBALIBRES/ANO «No início, as pessoas estranharam este prato, e não fazia parte do meu tipo de cozinha, mas no final aderiram de tal forma que, hoje, vendo uma média de 4500 cubalibres de foie gras por ano.» Quique subverteu as convenções ao apresentar o foie gras em creme com uma redução de Coca-Cola para o doce, uma pitada de sal para o salgado, uma porção de rúcula para o amargo e casca de limões verdes e maduros para o toque ácido, criando uma simetria gustativa maravilhosa. FESTIVAIS «São muito importantes, mas muito duros também.» VANGUARDA «No Mercatbar também faço cozinha de vanguarda, mas como as pessoas vão ali em busca de uma cozinha mais tradicional por vezes nem se apercebem disso, mas têm abertura à inovação e isso é muito importante.» NA PELE DE CLIENTE Durante os meses em que o restaurante de Denia está fechado aproveito para dar mais atenção aos outros restaurantes, há muitas reuniões, projetos... Tenho muito pouco tempo para viajar, mas gosto muito de sair para comer – gosto mais de comer do que cozinhar. Quando vou a um restaurante só penso em desfrutar – isto desde que fiz uma viagem a um restaurante que é consi- derado dos melhores do mundo e não gozei nada porque me pus a analisar tudo. No regresso, já no avião, arrependi-me e jurei que daí em diante passaria a estar relaxado. E voltei lá e desfrutei imenso.»