Patrick Tedesco sempre se interessou por artes visuais como forma de se relacionar com o mundo. Ele nasceu no Paraná, onde viveu até os doze anos, e sempre se expressou artisticamente desde a infância, apesar de não ter tido incentivo direto de alguém. Sua paixão pelas artes o levou a escolher a produção artística como atividade profissional.
O presente trabalho apresenta um projeto educacional que se propõe a tratar da educação estética e artística, ao abordar sua potencialidade de desenvolvimento da percepção do universo sensível individual, e do contexto sociocultural por meio da utilização da fotografia digital, construção e desconstrução de imagens. O mundo contemporâneo tem como característica uma ampla utilização da imagem, de uma forma inigualável na história, e cria um universo de exposição múltipla para a humanidade, o que aponta para a necessidade de uma educação visual que leve em conta as possibilidades e os modos de os indivíduos transformarem seus conhecimentos em arte, em outras palavras, como aprendem, criam e se desenvolvem na área. Ao abordar as manifestações artísticas como exemplos vivos da diversidade cultural e dos povos e expressão da riqueza criadora dos artistas de todos os tempos e lugares, este projeto pretende que o participante entre em contato com essas produções, para poder exercitar suas capacidades cognitivas, sensitivas, afetivas e imaginativas, organizadas em torno da aprendizagem artística e estética.
Palavras-chave: estética; percepção; cultura visual; fotografia digital.
ARTE CONTEMPORÂNEA, EXPERIÊNCIAS DE ACUMULAÇÃO NO 9° ANO DO ENSINO FUNDAMENTALProfessorPrincipiante
Dentro deste conceito artístico, queremos descobrir como a arte contemporânea tem
sido trabalhada no 9º ano da Escola Municipal Marechal Castelo Branco e,
conjuntamente com a realidade da comunidade local propor uma ação pedagógica que
dê aos alunos maior conhecimento histórico do assunto, descobrir as relações dessa
arte com o nosso cotidiano e contexto social e produzir arte que tem a ver conosco.
O presente trabalho apresenta um projeto educacional que se propõe a tratar da educação estética e artística, ao abordar sua potencialidade de desenvolvimento da percepção do universo sensível individual, e do contexto sociocultural por meio da utilização da fotografia digital, construção e desconstrução de imagens. O mundo contemporâneo tem como característica uma ampla utilização da imagem, de uma forma inigualável na história, e cria um universo de exposição múltipla para a humanidade, o que aponta para a necessidade de uma educação visual que leve em conta as possibilidades e os modos de os indivíduos transformarem seus conhecimentos em arte, em outras palavras, como aprendem, criam e se desenvolvem na área. Ao abordar as manifestações artísticas como exemplos vivos da diversidade cultural e dos povos e expressão da riqueza criadora dos artistas de todos os tempos e lugares, este projeto pretende que o participante entre em contato com essas produções, para poder exercitar suas capacidades cognitivas, sensitivas, afetivas e imaginativas, organizadas em torno da aprendizagem artística e estética.
Palavras-chave: estética; percepção; cultura visual; fotografia digital.
ARTE CONTEMPORÂNEA, EXPERIÊNCIAS DE ACUMULAÇÃO NO 9° ANO DO ENSINO FUNDAMENTALProfessorPrincipiante
Dentro deste conceito artístico, queremos descobrir como a arte contemporânea tem
sido trabalhada no 9º ano da Escola Municipal Marechal Castelo Branco e,
conjuntamente com a realidade da comunidade local propor uma ação pedagógica que
dê aos alunos maior conhecimento histórico do assunto, descobrir as relações dessa
arte com o nosso cotidiano e contexto social e produzir arte que tem a ver conosco.
O DESENHO COMO FORMA DE MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA NA PENITENCIÁRIA EVARISTO DE M...
Percurso criativo do projeto obra em derretimento
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
CENTRO DE ARTES
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTES VISUAIS
TERMINALIDADE: ENSINO E PERCURSOS POÉTICOS
PERCURSO CRIATIVO DO PROJETO
OBRA EM DERRETIMENTO
AUTOR: PATRICK TEDESCO
ORIENTADOR: JOÃO CARLOS MACHADO (CHICO MACHADO)
PELOTAS, JULHO DE 2012
1
3. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
CENTRO DE ARTES
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTES VISUAIS
TERMINALIDADE: ENSINO E PERCURSOS POÉTICOS
PERCURSO CRIATIVO DO PROJETO
OBRA EM DERRETIMENTO
Monografia submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais da Universidade
Federal de Pelotas, terminalidade Ensino e
Percursos Poéticos, para obtenção do título
de especialista, por PATRICK TEDESCO, sob
orientação do professor João Carlos Machado
(Chico Machado).
PELOTAS, JULHO DE 2012
3
5. dedico esta monografia a Beto Santos e a Luciano Mello, por
terem percebido as coisas certas, nos momentos certos, e
pela expertise de terem apoiado e conduzido este artistas até
que ele pudesse correr por conta própria.
5
7. e agora os músculos do meu rosto se movimentam em forma de sorriso e eu agradeço a quem
está colaborando com meu ato de tornar-me artista, em especial a: José Luiz Pellegrin, Neiva
Bohns, Lílian Schwanz, Guto Leite, Chico Machado (João Carlos Machado), Tainah Dadda,
Renata Requião, Norma e Anilto Tedesco.
7
9. Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-
já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um
novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um
instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa.
(Clarice Lispector, no início do livro "Água Viva")
Mas o instante-já é um pirilampo que acende e apaga, acende
e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel
em alta velocidade toca minimamente o chão. E a parte da roda
que ainda não tocou, tocará num segundo imediato que absorve
o instante presente e torna-o passado. Eu, viva e tremeluzente
como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago,
acendo e apago. Só que aquilo que capto em mim tem, quando
está sendo agora transposto em escrita, o desespero das
palavras ocuparem mais instantes que um relance de olhar. Mais
que um instante, quero o seu fluxo.
(Clarice Lispector, algumas páginas depois)
9
11. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________________________________________________13
| 1 | Primeiro memorial ____________________________________________________________19
| 2 | Segundo memorial
| 3 | Primeiro estudo teórico: o preenchimento do tempo através da criação de ficções _____25
| 4 | Segundo estudo teórico: o tempo das imagens ___________________________________31
| 5 | O projeto Obra em Derretimento: da criação ao momento atual ______________________41
| 7 | No entorno da criação ________________________________________________________63
CONCLUSÃO ___________________________________________________________________71
ANEXO I: Portifólio
11
13. INTRODUÇÃO
É difícil precisar o momento em que o projeto Obra em Derretimento tomou forma, fato é que
ele vem sendo construído ao longo de vários anos e, agora, com esta monografia de especialização,
acaba por ganhar um tratado com ares de comentário a respeito de seus processos. Operações
de soma/adição/acréscimo/sobreposição regem o meu percurso artístico, uma vez que as obras
que estou produzindo atualmente são resultado de um longo trabalho de elaboração e assimilação
de reflexões e técnicas com as quais me envolvi com o passar do tempo. Quando observo com
distanciamento o meu primeiro trabalho artístico, alguns anos depois de sua publicação, fico satisfeito
por encontrar nele construções seminais que hoje fazem parte da natureza íntima de minhas obras,
que fazem o projeto Obra em Derretimento ser como ele é. Disto resulta que sou um artista em pleno
momento de construção de um projeto artístico, cujas obras seguem determinada linha evolutiva e
cujo tema, embora nem sempre de forma consciente, diz respeito à maneira que estou encontrando
de relacionar com o mundo.
Meu primeiro trabalho artístico apresentado ao público é o livro Como analisar um raio de sol e
meu último trabalho exibido em uma exposição, considerando que estou escrevendo estas linhas em
13
14. junho de 2012, é o vídeo Obra em derretimento: narrações sobre o tempo. Evidentemente, esses
video portrait nº1. Embora eles se desenvolvam conteúdos nem sempre se apresentam de forma
através de linguagens estéticas diferentes, ambos manifesta na visualidade das minhas obras,
apresentam uma forte relação entre visualidade e porém podem ser vistos como conteúdos latentes
passagem do tempo. É, neste caso, quase um inerentes à minha produção.
contrassenso falar em obra que se desenvolve O meu projeto de conclusão de curso
em relação com a passagem do tempo, pois, sofreu várias alterações ao longo do período
cabe salientar, é praticamente impossível que em que cursei esta especialização. Inicialmente,
exista uma obra – quer seja de arte, quer seja eu pretendia estudar situações nas quais a
proveniente de qualquer outro meio da produção passagem do tempo interfere no resultado final
humana – que não esteja em intensa relação com da imagem fotográfica e, como proposta prática,
uma determinada ordem temporal. No entanto, produzir obras de arte tendo como plano de
ocorre que em meu percurso artístico costumo fundo o registro da passagem do tempo através
criar obras que encaram de frente esta questão, da fotografia. O ato fotográfico era o meu principal
a qual torna-se tema – explicitado, comentado, interesse e, sendo assim, o foco de minhas
potencializado – e ponto de partida para minhas investigações. Além do mais, eu me interessava
criações. imensamente por aprender questões técnicas,
Além desta especialização em Artes Visuais, as quais me possibilitariam alcançar resultados
sou psicólogo e curso atualmente graduação que eu esperava com a imagem fotográfica. No
em Design Digital (UFPEL) e mestrado em entanto, ao longo deste período, fui percebendo
Literatura Comparada (UFPEL). A academia tem que o meu projeto artístico não estava ligado,
me oferecido um importante acesso a artistas unicamente, à produção de imagens fotográficas,
e teóricos os quais, muitas vezes, tornam-se mas, sobretudo, à exploração de diferentes
referências para meu trabalho. O projeto Obra linguagens, provenientes, especialmente, da
em Derretimento desenvolve-se não apenas em escultura, da fotografia e da produção de vídeos.
termos práticos – com o planejamento, execução Foi então que, embora eu ainda desenvolva
e apresentação de obras visuais – mas assume produções seguindo outras linhas de raciocínio,
também uma dimensão teórico-reflexiva. Existe, resolvi me dedicar com maior exclusividade
assim, como plano de fundo, um exercício à produção de obras de arte as quais estão
de pensamento – de pesquisa, produção e relacionadas ao projeto Obra em Derretimento,
assimilação de conteúdos, conceitos e teorias – este projeto que acabou por ser resultado de uma
que acaba por integrar o resultado final de minhas confluência de diferentes linguagens estéticas.
14
15. A metodologia utilizada para ampliar meus provenientes do campo da escultura, da pintura,
conhecimentos em Artes Visuais e para construir da fotografia, da produção de vídeos, e, mais
uma identidade para o projeto baseia-se em um recentemente, da performance. Exploro, assim,
exercício de conhecimento que segue um caminho múltiplos meios de criação para a produção
de dentro para fora, ou seja, de compreensão dessas obras. Sou construtor, portanto, de
do mundo a partir de meu próprio percurso linguagem híbrida: escultura em derretimento que
artístico. Para tanto, no primeiro semestre desta produz um grande número de novas obras de
especialização, me dediquei ao exercício de arte; sequência de fotografias que se transforma
observar, nas criações que eu tinha produzido em vídeo; produção de vídeos que se parecem
até então, quais eram as questões/temáticas/ com fotografias, entre outras tantas variações.
conceitos que apareciam de forma recorrente Assim sendo, tenho entendido o contexto
em minhas obras. Até aquele momento, muitas desta especialização e, consequentemente, do
questões que estavam presentes em minha tecimento desta monografia, como um momento
produção apareciam de forma mais espontânea de crescimento artístico e de consolidação das
do que consciente; tratava-se, simplesmente, de idéias relacionadas ao Obra em Derretimento.
questões que me inquietavam e que acabavam Trata-se, portanto, de um período de formação
por repercutir em minhas criações visuais, muitas como artista e de envolvimento com a prática
vezes de forma inconsciente. O desenvolvimento artística como atividade profissional.
desta monografia tem sido, então, uma forma Muitos desdobramentos surgem desta
de tornar mais claro – inclusive para mim – com atitude, o que tem me levado a perceber que um
quais assuntos o projeto Obra em Derretimento artista não apenas se dedica a produzir obras de
está relacionado. arte para apresentar em exposições. É importante
Hoje em dia costumo dizer que o que eu que ele se dedique também, por exemplo, a um
crio pertence ao rol de objetos que possuem trabalho de divulgação de suas produções e de
um plano sincrético de significação. Explico: formação de público, ou seja, fazer com que as
desde minhas primeiras construções poéticas obras cheguem ao conhecimento das pessoas,
produzo obras que interagem através de pontos incentivando, de alguma forma, o interesse
de intersecção entre diferentes códigos. Não delas em relação às suas produções. Estou
há uma linguagem única, mas justaposições de explorando inúmeras maneiras para satisfazer
linguagens. Isso acontece com todas as obras esta necessidade, entre elas está a publicação
que constituem o Obra em Derretimento: para e divulgação de informações sobre meus
produzí-las, me utilizo de processos de produção trabalhos na internet, a concessão de entrevistas
15
16. para a imprensa, a conversa com o público e o capítulo 4, intitulado, "Segundo estudo teórico:
apresentação de minhas reflexões em seminários o tempo das imagens", é uma reflexão, de caráter
e palestras acadêmicas. É um exercício complexo mais específico que a do capítulo anterior,
de tornar-se artista que, geralmente, não está sobre como a passagem do tempo aparece em
incluído nisto que as pessoas imaginam ser aquilo diferentes linguagens, interferindo na visualidade
que o artista faz. dos resultados finais, com especial atenção às
Tendo em vista estas considerações iniciais, imagens fotográficas.
dividi esta monografia em seis capílutos os quais Constituindo os dois últimos pares de
estão dispostos aos pares: os dois primeiros capítulos desta monografia, o capítulo 5 é uma
se caracterizam por ser memoriais, o terceiro descrição comentada sobre meu percurso
e o quarto contituem duas reflexões teóricas artístico e o sexto apresenta situações, para além
e o quinto e sexto falam, especificamente, da produção de obras, as quais fazem parte
sobre o desenvolvimento do projeto Obra em de minha atividade artística profissional. Para
Derretimento. finalizar, apresento em anexo, como parte do
Assim, o primeiro memorial apresenta uma desenvolvimento desta monografia, meu portifolio
breve retrospectiva, de caráter bastante pessoal, com trabalhos que elaborei desde 2009 até hoje.
sobre os caminhos que me levaram a escolher a
produção artística como atividade profissional; já
o segundo memorial apresenta uma retrospectiva
sobre a criação do projeto Obra em Derretimento,
oferencendo ao leitor uma idéia geral sobre a
visualidade e o contexto conceitual das obras
que o compõem.
Por sua vez, o capítulo número 3, intitulado
"primeiro estudo teórico: o preenchimento do
tempo através da criação de ficções", é uma
reflexão teórica a respeito de como os artistas
lidam com a questão da passagem do tempo e
como seus efeitos repercutem em suas criações;
escrever este capítulo contribuiu, especialmente,
para eu melhor entender motivos que levam os
artistas a produzir artísticamente. Na sequência,
16
19. PRIMEIRO MEMORIAL
Na ocasião da exposição “Arte Sul Contemporânea”, que ocorreu durante os meses de julho e
agosto de 2012, a curadora Neiva Bohns enviou para os artistas expositores um lista de perguntas
a serem respondidas por eles com o objetivo de criar um panorama sobre o perfil de cada um. A
questão número 1 deste questionário, perguntava, justamente, qual foi o momento em que o artísta
começou a se interessar por Artes Visuais. Resolvi, então, utilizar a minha resposta para esta pergunta
como uma breve apresentação de meu percurso pessoal até me tornar artista. A seguir, apresento,
então, a resposta à pergunta de Bohns.
Neiva Bohns - Quando começou seu interesse por artes visuais? Você foi incentivado por
alguém?
Sou artista desde sempre. Isso tem a ver com a forma que encontrei para me relacionar com o
mundo. Tive uma infância feliz em um lugar estranho/desconhecido à maioria dos gaúchos, porém,
não muito distante daqui. Nasci em Pato Branco, no Paraná, e viví até meus doze anos em Clevelândia,
19
20. no mesmo estado. Visitava com frequência a então, passamos mais de um mês procurando
casa de minha avó, em Xaxim – SC, e costumava por ele (o Pito); não tendo tido sucesso na
passar as férias de verão em Pelotas e Pedro busca e já tendo adquirido alguma experiência,
Osório - RS, visitando a casa de parentes e a resolvemos criar um clube especializado em
xácara de meu avô. Eu era moleque ao melhor procurar cachorros desaparecidos (nunca
estilo de moleques do interior: ia para a escola tivemos nenhum cliente, no entanto, pois não era
de manhã e passava a tarde me divertindo na comum que cachorros desaparecessem em uma
rua e nos pátios gigantes das casas de meus cidade tão pequena).
amigos: jogando bola, andando de bicicleta, Quando eu viajava para a casa de minha
brincando de carrinho, construindo castelos de avó, em Xaxim, eu ficava imaginando como
areia, projetando casas nas árvores e carrinhos fora a infância de meu pai naquele lugar. Xaxim
de rolimã (que, na minha cabeça, deveriam ter até é uma cidade de colonização italiana. Meu pai,
motor à gasolina). durante sua adolescência, foi projetista de filmes
Quando eu era pequeno, nunca cheguei no cinema da cidade. Na casa da minha avó, eu
perto de imaginar que um dia seria artista, quero tinha acesso a muitas coisas antigas: brinquedos
dizer, que eu trabalharia com arte. Eu queria ser, na de meus tios, fotografias em preto e branco de
verdade, engenheiro mecânico, pois, como meu imigrantes italianos, imagens dos caminhões GMC
maior sonho era ter uma fábrica de automóveis e Internacional do meu avô (ele era caminheiro),
quando me tornasse adulto, um dia, meu pai entre muitas outras maravilhas. Lembro também
disse que para fazer carros era preciso cursar das estórias: do vendedor de enciclopédias que
Engenharia Mecânica. Lembro que inclusive deixou duas filhas pequenas na casa de minha
criei um clubinho de desenho de projetos de avó e nunca mais voltou para buscar, da festa
automóveis que possuía sede no porão da Loja que fizeram na cidade quando uma mulher
Caçula, a loja dos pais de um grande amigo de desgostosa se casou e foi morar em outro lugar,
infância. da tensão que existia entre índios tupi-guaranis e
A época de criar clubinhos foi divertida. os imigrantes italianos que ocuparam suas terras.
Inventávamos clubinhos para tudo. Todos tinham Como os filmes da década de 50 e 60 que eu
objetivos importantíssimos: procurar fantasmas assistia na TV eram sempre em preto e branco,
nos porões, incomodar as meninas da vizinhança, a memória que eu tinha em relação à infância de
fazer oposição a clubinhos concorrentes. Lembro meu pai também não possuía cores, e eu ficava
de quando nos unimos para uma causa social: imaginando como era viver aquela infância em
o cachorro de um amigo tinha fugido de casa e, preto e branco.
20
21. Porque eu estou comentando isso tudo? que era arte contemporânea e apenas tinha ido
Apenas para dizer que eu tive uma infância ao teatro para assistir a apresentações de natal
inventiva, carregada de imaginação, de de corais de igreja e a uma peça de teatro tão ruim
percepção apurada e de sonhos hiperbólicos. que nem vale a pena citar o nome. Foi o Luciano
Até meus 17 anos, mesmo depois que me Mello que me apresentou ao maravilhoso mundo
mudei para Pelotas (aos 12), nunca tive contato da música brasileira – Caetano Veloso, Milton
próximo com nenhum artista, ou seja, nunca tive Nascimento, Gal Costa, Ney Lisboa, Vitor Ramil
contato com ninguém que se dedicasse à arte – e internacional – Phillip Glass, Laurie Anderson,
como profissão. Para mim, artistas eram aquelas Lou Reed, Nick Cave –. Foi também através
pessoas (foi isso que eu aprendi na escola) que da porta aberta por ele que conheci a obra de
pintavam quadros ou que faziam esculturas e que, escritores tais como Clarice Lispector, Fernando
na maioria das vezes, já tinham morrido, como Pessoa, Sérgio Sant´Anna, Valêncio Xavier, Jack
Leonardo, Donatello, Rafael e Michelangelo. Kerouac entre muitos outros.
Aos meus 17 anos tive um primeiro contato Por motivos óbvios eu não durei muito
mais próximo com as artes. Eu estudava no na faculdade de Odontologia. Resolvi trancar a
CEFET-RS (hoje IF-Sul) e frequentei a aula de uma matrícula no segundo semestre e migrei para a
professora de Artes que me fez compreender Psicologia (UCPEL). Cheguei à Psicologia tomado
que o mundo das Artes Visuais era mais amplo por um desejo com ares ainda adolescentes de
e mais importante do que eu imaginava até compreensão disso que é a realidade. Minha ideia
então. O nome dessa professora é: Adriana inicial era extrapolar os limites da percepção e
Nepomuceno. aprender a escrever sobre as coisas. No entanto,
Aos meus 18 anos, quando tudo parecia como veio a ficar mais claro posteriormente,
andar conforme eu tinha planejado e quando eu não viria a ser através da Psicologia que eu iria
vislumbrava ter um futuro brilhante pela frente conseguir me satisfazer de forma confortável, mas
como odontólogo (sim, eu tinha sido aprovado através de uma maior aproximação, finalmente,
no vestibular para cursar Odontologia na UFPEL), com as artes, especialmente com a literatura e as
eu conheci e me tornei amigo do músico e artes visuais.
compositor Luciano Mello, que é, sem dúvidas, Quando eu estava cursando Psicologia,
um dos artistas mais incríveis que conheço em resolvi selecionar poesias e contos que eu tinha
termos de extensão e qualidade de produção. escrito durante a minha adolescência e criei o livro
Até então eu conhecia pouca música (embora Como analisar um raio de sol. Esse foi o primeiro
gostasse de Beatles e Queen), desconhecia o trabalho artístico, mas ele é resultado de minha
21
22. produção em artes antes mesmo de eu saber sabendo artista, e eu, enquanto já-sabendo
que aquilo que eu escrevia era uma produção artista. No fundo, sempre fui artista, apenas não
artística. sabia que era.
Foi também em função do Como analisar
um raio de sol que comecei a cursar a faculdade
de Design Digital, na UFPEL. Em 2008, quando eu
procurava uma forma econômica para diagramar
e publicar esse livro, resolvi cursar Design Digital
com um único objetivo: aprender a diagramar o
Como analisar um raio de sol. Nesse curso, por
conseguinte, muitos caminhos se abriram e eu,
finalmente, pude estar em contato próximo com o
mundo das criações visuais. Foi importantíssimo,
nesse período, a atitude de um professor em
especial que soube perceber com inteligência
que eu era um talvez-possível-provável artista
plástico. Seu nome é Beto Santos, ele é professor
de Iconologia e de História da Arte na UFPEL.
Minhas primeiras obras em Artes Visuais foram
criadas como resultado de uma proposta de
aula deste professor, que consistia na criação de
releituras de obras dos artistas que tinham sido
estudados ao longo de semestre acadêmico.
Essas primeiras criações em Artes Visuais já
estavam relacionadas ao que hoje chamo de
projeto Obra em Derretimento, uma vez que
escolhi, desde o início, trabalhar com o material
“gelo” para a produção de imagens.
Foi assim que a partir de meados de 2009-
2010, então, tanto eu, como as outras pessoas,
passaram a me ver como artista. Existe em minha
carreira, portanto, duas fazes: eu, enquanto não-
22
25. SEGUNDO MEMORIAL
Este segundo memorial oferece um panorama geral sobre o projeto Obra em Derretimento e
sobre as idéias que embasam sua produção. Assim como ocorre em "Memorial nº 1", resolvi apresentar
as respostas que dei a uma entrevista para introduzir um panorama sobre meu percurso de criação
relacionado às obras que compõem este projeto. O conteúdo a seguir é, portanto, transcrição literal
de minhas respostas às perguntas de Hugo Lorenzetti Neto. Esta entrevista ocorreu em função de
uma exposição que fui convidado a participar na Casa do Brasil na Bélgica, onde Netto é curador e
em que apresentei o vídeo "Obra em Derretimento nº 1".
O vídeo “obra em derretimento” na Casa do Brasil na Bélgica (entrevista)
Entrevista cedida por Patrick Tedesco ao curador Hugo Lorenzetti Netto(Casa do Brasil
na Bélgica – Bruxelas). via Facebook – em 30 de abril de 2012
25
26. Imagem e dados da obra apresentada especificamente com fotografia.
na Casa do Brasil:
“Obra em derretimento” foi teu primeiro
vídeo, então?
Bem, um pouco antes desse eu havia
produzido um pequeno curta-metragem
juntamente com alguns colegas da faculdade
de Design Digital, chamado “O homem e a bola”
(2009).
BRASIL – BRAZILIË – BRÉSIL
Obra em Derretimento nº1
Patrick Tedesco (2010)
animação stop-motion 3’ 34’’ – em loop
Por que você escolheu fazer o vídeo em
stop-motion1, e não filmado e acelerado?
Ter escolhido fazer um vídeo através da
técnica de stop-motion tem a ver com minha
trajetória como artista. Antes de produzir aquele
vídeo, no campo de artes visuais, eu trabalhava
1 Stop-motion é a técnica de captação de imagens
em sequência utilizada para a criação de animações quadro Construir esse curta serviu para que eu
a quadro. Quando um animador coloca as imagens em
sequência, para produzir um desenho animado, por exemplo, aprendesse a técnica. Logo depois, fiz o vídeo
tem-se a ilusão de que os objetos estão se movimentando. “Obra em Derretimento”. Acho que, pra você
26
27. entender melhor, eu preciso te falar sobre o meu era a de produzir esculturas de gelo feitas a partir
percurso anterior, pode ser? de moldes e fotografá-las, acompanhando seu
derretimento. Eu pretendia criar algum objeto
Pode. interessante a partir do qual eu pudesse produzir
Sou um artista jovem (tenho 25 anos), e imagens fotográficas. Talvez por isso, resolvi
estou em processo de crescimento profissional misturar água com tinta acrílica para construir
(acho que sou um artista emergente, como dizem esculturas coloridas. O primeiro ensaio que fiz
por aí). O interesse pela arte foi especialmente com essas esculturas chama-se “Gelos quentes”
influenciado por minha amizade com o músico (2009).
e compositor Luciano Mello (que é meu parceiro
de trabalho hoje em dia). Conversando com ele,
percebi que eu já tinha alguma produção, mas
que eu desconhecia que se tratava de arte.
O que você fazia?
Literatura. Eu tinha contos e poesias.
Descobri que aquilo era arte e comecei a pensar
em produzir artisticamente, desta vez de forma
oficial.
Qual é a diferença entre saber que a coisa
é arte e não saber? 2
Acho que hoje em dia eu produzo com a Em um deles eu congelei um relógio em
consciência de que é feito para um público, para um bloco de gelo para ver o que acontecia.
ser apresentado em determinado lugar. Antes, era Quis congelar o tempo, mas o relógio seguiu
algo mais pessoal, extremamente espontâneo. funcionando. A fotografia também não deixa de
Hoje sou mais rigoroso em meu trabalho. Tenho ser uma tentativa de congelamento do tempo.
um projeto maior, e a maioria das obras que eu Assim, meu trabalho é duplamente irônico,
produzo estão relacionadas com ele. porque a fotografia tenta congelar a imagem de
algo que está se descongelando.
Como é esse projeto artístico?
Comecei pela fotografia. A ideia específica 2 Fotografia da série “Gelos Quentes”(2009)
27
28. Depois de congelar o relógio, surgiu a Sim: criei uma primeira escultura (1 obra),
ideia para “Obra em derretimento”? tirei 1258 fotos (outras 1258 obras), e, por fim,
Isso. Nesse momento, descobri a produzi o vídeo (mais uma obra). O vídeo teve de
cronofotografia, que são aquelas imagens, por ser em stop-motion, porque partiu de fotografias.
exemplo, dos fotógrafos Marey e Muybridge…
que mostram sequencias de quadros de cavalos,
pessoas etc em movimento. O futurismo italiano,
o trabalho de Marcel Duchamp e o minimalismo
(Bob Wilson, Phillip Glass, Laurie Anderson)
também foram fontes de influência.
4
Respondi tua primeira questão, não é? rs
Respondeu!
3
Foi quando eu fiz esse vídeo que me dei
Como essas fontes confluíram para esse conta de que vinha trabalhando em um mesmo
vídeo que vamos mostrar na Casa do Brasil? projeto, explorando possibilidades a partir da
Quis criar uma sequência de fotografia, e modelagem com gelo, cor, fotografia, vídeo.
trabalhar com a ideia de multiplicação de obras Dei o nome a esse vídeo de “Obra em
de arte a partir de apenas uma escultura em Derretimento”, que também é o nome do projeto
derretimento. todo, que já tem muitas outras obras.
Ou seja, a sequência de obras é, de um O vídeo que vamos mostrar é um
lado, sequencia, mas cada foto é uma obra momento de síntese e preparação para mais
também? 4 Imagem contendo 16 fotografias das 1258
fotografias que compõem o conjunto
3 “the horse in motion”. Muybridge (1878) fonte:
wikipedia
28
29. projetos, portanto?
Isso. Ele é resultado de momento em que
tudo que eu pensava convergiu para uma obra
só. Por isso considero que o vídeo "Obra em
Derretimento" é, talvez, o mais importante de
minha carreira.
Em outro vídeo, intitulado “Empty”, a
escultura não se descongela completamente (na
verdade, descongela bem pouco). Então, depois
Espera, você tem um congelador de
que eu captei as imagens para criar um stop-
obras? Como é teu congelador, é que nem
motion, coloquei a escultura de volta em meu
esses de guardar sorvete?
congelador (tenho aqui em casa um congelador
Isso, que nem esses de guardar sorvete. É
de obras de arte).
um freezer horizontal, escolhi o maior que tinha
disponível no mercado. Dentro dele tem um
estoque de esculturas. Vou fazendo experiências
e colocando pra congelar, geralmente elas não
são muito grandes. Quando acho que tenho
algo interessante, retiro do congelador e produzo
imagens.
Você congela o impulso criativo, e
trabalha com ele depois!
Sim. O que mais me toca como artista é o
fundo existencial que existe. Por exemplo: assim
Em seguida, em uma exposição na qual
como o gelo, sou alguém que tem uma vida
planejei expor o vídeo criado, construí uma vídeo-
limitada. Assim como o gelo será fotografado,
instalação na qual, em frente ao vídeo, depositei
também eu procuro registrar momentos, registrá-
a escultura. Ou seja, no dia da abertura, o público
los nas minhas imagens, nos meus textos… Pode
pôde ver tanto o vídeo da escultura como a
parecer um pouco bobagem, mas como artista é
própria escultura derretendo.
isso que me move. Algo como uma tentativa (nem
sempre bem sucedida) de aproveitar ao máximo
29
30. cada instante.
(o vídeo “obra em derretimento” pode ser
visualizado através do endereço http://www.
patricktedesco.com/port/videoobra.php.
Demais imagens e vídeos comentados aqui
podem estão disponíveis no site e portifolio
digital de Patrick Tedesco, em http://www.
patricktedesco.com/port/fotografia.php)
30
31. PRIMEIRO ESTUDO TEÓRICO:
O PREENCHIMENTO DO
TEMPO ATRAVÉS DA CRIAÇÃO
DE FICÇÕES
Você é um ser humano, tem que enfrentar terríveis conflitos, já porque você
é consciente e sabe de si próprio e dos outros; mas também as coisas
podem ser muito lindas, a vida é muito rica, porque você é um criador de
formas. (Fayga Ostrower)
31
32. O conteúdo desenvolvido nesta monografia a dimensão visual de minhas construções. No
segue uma estrutura base que engloba dois entanto, como será observado ao longo desta
eixos de produção: um eixo poético e um eixo monografia, meu percurso poético apresenta-se
teórico. O eixo poético consiste na produção em dimensões mais amplas do que os resultados
prática experimental de obras de arte a partir da visuais, uma vez que tanto a experimentação
exploração de linguagens visuais, com ênfase prática - com a produção de obras de arte –
criação de esculturas, fotografias e vídeos. Já o quanto a reflexão teórico-conceitual fazem parte
eixo teórico se caracteriza pela pesquisa teórica do projeto Obra em Derretimento.
e conceitual a qual contribui para delimitar e A base da discussão teórica inerente a
elucidar temáticas presentes no desenvolvimento este projeto encontra sustentação inicial em
das obras visuais. Sendo assim, o presente reflexões propostas pelo crítico literário norte-
capítulo pretende apresentar e discutir os americano Frank Kermode, especialmente em
conteúdos referentes ao eixo teórico os quais seu livro intitulado The sense of an ending. Neste
tenho me deparado ao longo do desenvolvimento livro, Kermode ensaia considerações a respeito
do projeto Obra em Derretimento. do trabalho de escritores tomando como ponto
Quando iniciei esta especialização em Artes de partida a idéia de que, através de ficções,
Visuais, me dei conta que existiam conteúdos o homem organiza e constrói sentido para sua
recorrentes em minhas criações artísticas. Em experiência de vida, forma pela qual o ele se
relação a esta percepção, é importante destacar organiza em relação ao mundo. O sentido utilizado
que a escolha e delimitação dos conteúdos por Kermode para a palavra “ficção” remete a
teóricos aqui apresentados ocorreu em função criações que “nós sabemos que não existe, mas
da observação de meu percurso de produção que nos ajudam a nos movimentar e a construir
de obras de arte. Os capítulos teóricos que sentido para o mundo” (KERMODE, 1966, p.
constituem esta monografia são configurados, 37). Trata-se, assim, de algo semelhante à nossa
então, por uma busca por clarificar (trazer maior imaginação relacionada à idéia que temos, por
entendimento sobre) conteúdos que venho exemplo, em relação à noção de eternidade ou
desenvolvimendo em minhas criações visuais. em relação à criação de números matemáticos,
Conforme comentei anteriormente, ou seja, criações que não existem em concretude
recorrer a estudos teóricos contribui com o existencial, mas que nos ajudam em nossa
enriquecimento conceitual de meu projeto. No experiência de vida. De acordo com Kermode:
momento em que minhas obras são expostas em
espaços expositivos, estou apresentando apenas
32
33. (...)faz pouca diferença se você acredita que destacar, portanto, que as noções que o homem
a idade do mundo é seis mil anos ou cinco produz sobre o princípio e sobre o fim, de certa
mil milhões de anos, se você acha que o
forma, oferecem pontos base para a construção de
tempo irá parar ou que o mundo é eterno; de
qualquer forma, há sempre uma necessidade arranjos, pedaços de entendimento, ficções que
de falar humanamente sobre a importância estão de acordo com inícios e fins, construções
da vida em relação a isto – uma necessidade que produzem significados para vidas, sendo
no momento da existência de pertencer, de
que qualquer possibilidade de existir ocorre,
estar em relação com um início e um fim.
necessariamente, no decorrer deste intervalo.
(KERMODE, 1966, p. 4)
De acordo com a perspectiva de Kermode,
ficções não ocorrem somente no caso da criação
As noções de princípio e fim são, assim, de de ficções literárias: segundo ele, ficções podem
fundamental importância para a compreensão de ser encontradas em situações bem mais simples
qualquer criação. Todos os eventos possíveis de do que imaginamos – estão em todos os lugares
acontecer estão sempre arranjados em período de – como, por exemplo, no caso do tique-taque
tempo que compreende um início e um fim, dois do relógio. É interessante a argumentação de
pontos fronteiriços que demarcam uma criação Kermode em relação a esta questão, uma vez
e uma total destruição; Kermode cita o texto da que ele compreende que entre um tique e um
Bíblia como um exemplo em que esta estrutura taque de um relógio existe um modelo elementar
encontra-se de forma bastante evidente: “A Bíblia para o que nós chamamos de enredo (plot). A
é um modelo familiar de história. Ela começa passagem do tempo é, a priori, uma ocorrência
no princípio (´No princípio criou Deus os céus e essencialmente não definida, não organizada,
a terra...`) e encerra com uma visão sobre o fim isenta de qualquer ponto chave para a criação
(´Mesmo assim, vem, Senhor Jesus`); o primeiro de sentidos. Contudo, através da criação de
livro é o Genesis, o último é o Apocalipse)” dois ruídos repetidos continuamente e de forma
(KERMODE, 1966, p. 6). Kermode comenta idêntica, tornou-se possível para o homem, então,
que a Bíblia possui uma estrutura totalmente a elaboração de uma “organização que humaniza
concordante, na qual o fim está em harmonia com o tempo”, conferindo “forma a ele” (p. 45). Por
o princípio, e na qual o meio está em harmonia conseguinte, através de invenções como o tique-
tanto com princípio quanto com o fim (1966). taque do relógio, o homem vem adquirindo
Dentre estas considerações, para o condições para organizar-se em relação ao tempo
desenvolvimento desta monografia, é importante e construir significados para a sua história.
O ruídos que o relógio produz dão origem
33
34. a dois tipos de intervalo de tempo: o primeiro é no final deste capítulo, uma vez que faz parte
o intervalo existente entre o “tique” e o “taque”; da base teórico-conceitual das criações que o
o segundo é o intervalo existente entre o “taque” constituem.
e o “tique”. O primeiro representa o tempo Apesar de ser de extrema utilidade, a
humanizado, o tempo carregado de sentido, criação do tique-taque do relógio não representa
enquanto que o segundo representa puramente um enredo muito elaborado: “Tique é um gênesis
sucessão, “tempo desorganizado do tipo que humilde, taque um apocalipse fraco; e tique-
precisamos humanizar” (KERMODE, 1966, p. 45). taque é em todo caso não muito de um enredo”
De forma a evidenciar esta diferenciação (KERMODE, 1966, p. 45). Para Kermode, enredos
entre tempo humanizado e tempo desprovido muito maiores e muito mais complicados são
de sentido, Kermode comenta a distinção entre necessários se persistirmos em buscar encontrar
o significado das palavras gregas chronos e “o que será suficiente”, ou, em outras palavras,
kairos. Para tanto, recorre à perspectiva de um sentido para o existir. Daí surge, por exemplo,
Oscar Cullmann e John Marsh, dois teólogos a criação de uma novela literária de mil páginas.
e estudiosos sobre o tempo, segundo a qual: Neste caso, na perspectiva de Kermode, o que
“chronos é ‘passagem do tempo’ ou ‘tempo de o novelista faz é transformar mera sucessividade
espera’(...), enquanto que kairos é a estação, um em experiências de amor, consciência erótica
ponto no tempo preenchido com significância, que produz um divino sentido de satisfação para
carregado com um significado derivado de sua os leitores (1966).
relação com o final.” (KERMODE, 1966, p. 47). Ora, a experiência humana é preenchida,
Através dessas abordagens apresentadas então, por ficções, que atribuem significado
por Kermode, torna-se bastante claro a e adicionam sentido ao que antes era mera
diferenciação entre duas formas de conceber a sucessão temporal. Daqui em diante, tomando
passagem do tempo: uma, de caráter qualitativo, como base a percepção de Kermode a respeito
que remete à produção de sentido; outra, do preenchimento do tempo e da produção de
de caráter quantitativo, que é pura sucessão ficções, podemos supor que, assim como ocorre
temporal. Além disso, cabe, por ora, salientar com a produção de sentido a partir do tique-taque
a importância da criação de ficções – isto que do relógio, e assim como ocorre com o efeito de
encontramos em todos os lugares – para a nossa satisfação gerado pela escrita ou leitura de uma
organização em relação ao existir. Esta noção novela, a criação de ficções através de outras
tem sido de grande importância para o projeto linguagens ou através de outros campos da
Obra em Derretimento, conforme será retomado produção humana deve fazer, portanto, sentido
34
35. semelhante. Desta forma, não estamos longe a si próprio” (OSTROWER, 2002, p. 169).
de afirmar que, por exemplo, criações relativas Ora, este objeto deveria ter uma função de,
ao campo das Artes Visuais perfazem, também, possívelmente, armazenar óleo ou água, porém,
uma busca constante do homem em preencher para muito além de sua função utilitária, ao
de significação a passagem do tempo, de entrar visualizar o jarro “vemos a face interna do artista,
em harmonia com e construir sentido para os sua alma, seu ser” (OSTROWER, 2002, p. 169).
intervalos existentes entre inícios e fins. Para Ostrower, assim, uma obra de arte diferencia-
Muitos outros estudiosos de Arte defendem se de uma mercadoria uma vez que, consciente
posição semelhante à apresentada por Kermode ou inconscientemente, ela sempre apresenta um
em relação ao motivo pelo qual o homem produz depoimento sobre o sentido de viver.
artisticamente. Nesse sentido, é particularmente De forma semelhante à perspectiva
interessante e bela a visão apresentada por Fayga apresentada por Kermode, para Ostrower as
Ostrower, em seu artigo “A construção do olhar”. escolhas tomadas pelo homem para a construção
Neste artigo, Ostrower faz referência à imagem de um objeto, mais do que uma simples produção
de um jarro do período neolítico, datando de mecânica, remetem à maneira pela qual o
aproximadamente três mil anos antes de nossa homem organiza a si próprio, modulando sua
era. Ao comentar o fato de que ainda é possível identidade a partir de suas escolhas, em pleno
reconhecer as marcas das mãos do artesão relacionamento com o mundo enquanto sujeito
no jarro e perceber o modo como seus dedos criador de formas. Produzir arte é, então, uma
moldaram a terra (OSTROWER, 2002), Ostrower das maneiras pelas quais o homem toma posse,
destaca que, a priori, para nós observadores, ordena, compreende, constrói significados para
bastaria olhar para o objeto para satisfazer nossa sua existência e transforma a realidade não
curiosidade e, assim, entender como era o dia objetiva em que se encontra, preenchendo a
a dia daqueles povos primitivos. Porém, algo existência com significações e tornando a vida
impressionante ocorre nesta situação: após mais prazerosa e memorável.
olhar para o objeto, temos vontade de revê-lo Passamos agora a explorar as reflexões
várias outras vezes. Segundo essa autora, então, de mais um teórico que estuda a relação entre
“Compreendemos de repente que, quando o tempo e a construção de ficções. Na trilogia
artesão moldou o pote, dando certas subdivisões, Tempo e Narrativa, composta pelos livros A intriga
tessituras, ornamentos ao volume bojudo e às e a narrativa histórica, A configuração do tempo
beiras finas, dando uma ordenação às formas do na narrativa de ficção e O tempo narrado, Paul
pote, no fundo ele estava dando uma ordenação Ricoeur desenvolve um amplo debate germinado
35
36. a partir da relação entre tempo e narrativas. em sua trilogia é a distinção que ele estabelece em
Sobre esse tema, o núcleo central do conjunto relação à existência de três categorias diferentes
da obra é a tese de que “o tempo se torna tempo de tempo, a saber:
humano na medida em que está articulado de
maneira narrativa” (RICOEUR, 2010, p. 9). Sendo • O tempo Fenomenológico (ou o tempo
assim, conforme destaca Hélio Salles Gentil no vivido) é o tempo subjetivo, da experiência singular
prefácio do primeiro livro, a tese fundamental é de cada um em sua relação com o mundo. Seria,
que a experiência humana do tempo se torna por exemplo, o tempo simbólico de nossas
acessível através da criação de narrativas (2010). experiências, sensações, em nosso ato de nos
Seguindo uma linha de pensamento semelhante relacionarmos com o mundo, tempo este que
às apresentadas por Kermode e Ostrower, é vivênciado de forma particular e diferente por
Ricoeur argumenta que a experiência do homem, cada indivíduo.
bem como a ação desse sobre o mundo, são • O tempo Cosmológico (ou o tempo do
sempre organizados, então, por composição mundo) é o tempo dos astros, dos movimentos
de intrigas (intriga, na terminologia de Ricoeur, celestes, que tornam possível, por exemplo
assume o mesmo sentido daquilo que outros a apreensão de significados através dos
teóricos chamam de enredo, ou seja, o esqueleto movimentos do sol ou da lua. É um tempo
da narrativa, aquilo que dá sustentação à história, externo à experiência humana, porém, que está
o desenrolar dos acontecimentos). em relação e interfere na experiência vivída do
Nesta trilogia, Ricouer comenta, fazendo tempo Fenomenológico.
referência a um pensamento de Santo Agostinho, • O tempo histórico (ou terceiro tempo)
que o entendimento a respeito da natureza pode ser também compreendido como tempo do
da passagem do tempo é algo extremamente meio e atua na “reinscrição do tempo vivido no
complexo, o que fica evidente em Agostinho tempo cósmico” (215, vol. 3). O tempo histórico
a partir da frase “que é, pois, o tempo?” e do se utiliza de conectores (que são, por exemplo,
posterior comentário “se ninguém perguntar, eu o calendário, o relógio) para a perpetuação
sei; se quiser explicar a quem me fizer a pergunta, dessa reinscrição. É um código, uma forma
já não sei”. A nossa experiência em relação à de entendimento sobre o tempo, criado pelo
compreensão sobre o tempo, é, então, carregada homem, e que, com a utilização de estratégias/
de aporéticas, ou seja, de questões insolúveis ferramentas tais como a criação de relógio,
que estão repletas de paradoxos. calendário, estações do ano, etc, contribuem
Para esta monografia, o que me interessa para a organização e o entendimento do homem
36
37. em relação à passagem do tempo. É o que torna em geral no caso da historiografia.
possível, por exemplo, o entendimento a respeito Variações imaginativas, por exemplo, podem
de questões tais como: em que época aconteceu ser frequentemente observadas em narrativas
determinado fato, quantos anos se passaram fílmicas contemporâneas, através da utilização de
depois de..., qual é a idade daquele homem etc. recursos de edição tais como uso de feedback
(trazer ao presente imagens que corresponde
Para além desta classificação, Ricoeur ao passado), de câmera lenta, de retrocesso
acrescenta ainda uma quarta forma especial da imagem, entre outros. Poderíamos ainda
de compreensão sobre a passagem do tempo. incluir nesta terminologia o caso da produção de
Ele afirma que, assim como o tempo histórico anamorfoses cronotopicas nas imagens, tal qual
se caracteriza por ser uma forma criada pelo Arlindo Machado discute no artigo "Anamorfoses
homem para harmonizar a relação entre cronotópicas ou a quarta dimensão da imagem",
tempo cosmológico e tempo fenomenológico, que será comentado no próximo capítulo desta
é possível também, através da criação de monografia.
variações imaginativas sobre o tempo, tornar Variações imaginativas sobre o tempo
o entendimento de tais aporéticas mais acessível, podem ser entendidas, então, como uma forma
sendo que esta forma está presente de maneira mais livre de falar sobre a passagem do tempo, de
característica no campo de criação de ficções. criar novos arranjos sobre o tempo os quais são
Para melhor compreender a natureza da relação viáveis apenas no campo da ficção; tornando-
entre experiência temporal e ficção, Ricoeur se, assim, um importante recurso através do
desenvolve a análise de três narrativas de ficção: qual o homem adquire condições para melhor
Mrs. Dalloway (Virgínia Woolf), A montanha mágica compreender as aporéticas do tempo e também
(Thomaz Mann) e Em busca do tempo perdido através do qual o homem adquire condições para
(Marcel Proust). Como conclusões, Ricoeur tornar possível (no campo da ficção) aquilo que
destaca que “A narrativa de ficção é mais rica não é possível ocorrer na realidade.
em informações sobre o tempo, no próprio plano
da arte de compor, que a narrativa histórica. Não Conclusão
que a narrativa histórica seja extremamente pobre
a esse respeito”, uma vez que faz uso de forma Fazendo relação com meu projeto Obra
livre das variações imaginativas e não depende em Derretimento, eu diria que minha produção
da utilização de conectores entre o mundo vivido se caracteriza, então, por ser um laboratório
e o mundo cosmológico, conforme ao que ocorre experimental de produção de variações
37
38. imaginativas sobre o tempo. O que estou
fazendo ao criar obras de arte é, portanto, a
construção de ficções compostas por enredos
que se caracterizam pela criação de variações
imaginativas sobre o tempo. Essas experiências
organizam, criam significados e acabam por alterar
nossa percepção a respeito da nossa presença
no mundo com relação ao fluxo irreversível do
tempo.
Conforme a perspectiva e Kermode sobre
a criação de ficções, trata-se de um preencher o
tempo com significados, de transformar chronos
em kairos, através da criação de Obras Visuais.
As obras produzidas no decorrer do projeto
Obra em Derretimento comentam, justamente,
a impossibilidade de reter o tempo, de torná-lo
controlável por mãos humanas. É uma tentativa
irônica, que sabe-se fadada ao fracasso desde o
início, de apropriar-se do tempo, de lutar contra a
destruição das coisas. Porém, embora não deixe
nunca de ser uma tentativa, é um ato que atinge
sucesso no momento em que cria um grande
número de registros do objeto que deixa de existir:
com isso, sua a existência breve é preenchida de
significações.
38
41. SEGUNDO ESTUDO TEÓRICO:
O TEMPO DAS IMAGENS
Em O mal-estar da civilização (1930), Freud convida o leitor à construção de uma narrativa
imagética que me interessa enormemente:
Permitam-nos agora, num voo da imaginação, supor que Roma não é uma habitação humana, mas
uma entidade psíquica, com um passado semelhantemente longo e abundante – isto é, uma entidade
onde nada do que outrora surgiu desapareceu e onde todas as fases anteriores de desenvolvimento
continuam a existir, paralelamente à última. Isso significaria que, em Roma, os palácios dos césares e
as Septizonium do Sétimo Severo ainda se estariam erguendo em sua antiga altura sobre o Palatino e o
Castelo de Santo Ângelo ainda apresentaria em suas ameias as belas estátuas que o adornavam até a
época do cerco pelos godos, e assim por diante. [...] Ao mesmo tempo, onde hoje se ergue o Coliseu,
poderíamos admirar a desaparecida casa Dourada, de Nero. Na praça do Panteão encontraríamos
não apenas o atual, tal como legado por Adriano, mas, aí mesmo, o edifício original levantado por
Agripa: na verdade, o mesmo trecho de terreno estaria sustentando a Igreja de Santa Maria sobre
Minerva e o antigo templo sobre o qual ela foi construída. E talvez o observador tivesse apenas de
mudar a direção do olhar ou a sua posição para invocar uma visão ou a outra. (FREUD, 1930/2001)
41
42. Este “voo de imaginação” busca ilustrar Algumas máquinas fotográficas, tais como
determinada característica da mente humana: câmeras de uso profissional e câmeras de
o passado encontra-se, de alguma forma, lomografia1, permitem, através do controle de
preservado em sua configuração atual. tempo de exposição, definir o tempo em que o
Experiências vivenciadas em tempos passados, filme (ou o sensor digital) ficará exposto à luz para
como, por exemplo, na infância, encontram- formar/registrar a imagem. Esse dispositivo está
se, então, vigentes no presente, apresentando- relacionado com o tempo que a câmera leva para
se como acumulação de registros, memórias, abrir e fechar o obturador. Com esse recurso é
conhecimentos etc. Assim como seria possível possível fotografar uma situação específica dentro
na construção de Freud visualizar no presente de um período de, por exemplo, trinta segundos,
diferentes construções de um tempo passado, o sem que, no entanto, a imagem final deixe de
corpo humano (incluindo a mente) é constituído ser uma imagem única. A imagem capturada
por marcas, restos, vestígios de suas experiências representa, assim, por uma lógica aditiva, tudo
passadas. Nesse sentido, é coerente afirmar que aquilo que, sendo suscetível à captura, se passou
a experiência humana em relação ao tempo é em frente à câmera em um período compreendido
transcendente, ou seja, excede a fronteira de sua entre a abertura e o fechamento de seu obturador.
vivência atual, atravessando o sujeito para algo Não é impossível, portanto, reler Freud através de
fora dele, para um passado já não mais o qual, uma simples experiência fotográfica:
no entanto, encontra-se preservado – e atuante –
em sua constituição.
Quando comecei a estudar fotografia,
momento em que eu estava particularmente
interessado nesta reflexão proposta por Freud,
encontrei na linguagem fotográfica um meio
de pensar por imagens, buscar compreender/
transpor àquele voo de imaginação de Freud para
1 Lomografia é um tipo de fotografia produzida com câ-
a linguagem fotográfica. Foi então que percorri o meras analalógicas fabricadas com material barato e de qualida-
seguinte raciocínio: de duvidosa, porém, com uma aceitavel quantidade de ajustes
manuais. Por apresentarem “defeitos” no resultado final das ima-
gens, que, na verdade, podem ser aprecisados como distor-
ções e texturas de natureza inusitada e esteticamente interes-
sante, essas fotografias tornaram-se febre a partir de meados
da década de 1990 e, atualmente, é objeto de interesse de
muitos grupos de fotógrafos.
42
43. ser imaginada de forma sobreposta ao Coliseu,
a lâmpada fotografada também encontra-se
representada - marcada na fotografia - mesmo
tendo sido substituída, instantes depois, por um
segundo objeto. É assim também que me sinto
em relação ao meu passado, às memórias da
minha infância, às coisas que construí.
Dando continuidade, percebe-se que o
tempo de exposição influencia diretamente (e
oferece dados para reflexão sobre) o resultado
final da imagem. Esta é uma característica
inerente à própria história da fotografia e remete à
produção das primeiras imagens fotográficas: no
início, as fotografias não eram instantâneas, mas,
pelo contrário, necessitavam de um longo tempo
de duração para que a imagem fosse registrada.
De acordo com Walter Benjamin:
Esta fotografia foi tirada com um tempo de
exposição de 15 segundos a fim de representar
através da fotografia aquilo que estava sendo A fraca sensibilidade luminosa das primeiras
discutido por Freud. Ao invés de prédios históricos, chapas exigia uma longa exposição ao ar
livre. Isso por sua vez obrigava o fotógrafo
têm-se agora dois objetos simples: uma lâmpada
a colocar o modelo num lugar tão retirado
e um frasco de vidro. O procedimento utilizado como possível, onde nada pudesse perturbar
foi o seguinte: primeiro dispor um dos objetos (a a concentração necessária ao trabalho. (...) O
lâmpada) em frente à câmera e apertar o botão de próprio procedimento técnico levava o modelo
abertura do obturador previamente programado a viver não ao sabor do instante, mas dentro
dele; durante a longa exposição da pose, eles
para manter-se aberto por 15 segundos; depois
por assim dizer cresciam dentro da imagem
de aproximadamente sete segundos, substituir [...] Tudo nessas primeiras imagens era
com rapidez a lâmpada pelo segundo objeto (o organizado para durar [...] as próprias dobras
frasco de vidro), o qual deve permanecer em frente de um vestuário, nessas imagens, duram mais
à câmera até que o obturador se feche. Ao final tempo. (BENJAMIN, 1994, p. 96)
tem-se que: assim como a Casa Dourada poderia
43
44. A partir da fotografia é possível então, defende que, apesar do fato de que era necessário
como ocorre em experiências realizadas desde o um longo tempo de duração para a captura
momento do surgimento das primeiras fotografias, das primeiras imagens fotográficas, a produção
ver além do instante. É possível obter, através dessas imagens tornou-se dominantemente
da continuidade do tempo uma representação instantânea com a sua evolução técnica. Nas
que irrompe o limite tempo/instante. A imagem palavras dele: “Desde esses dias tão remotos
final transcende ao último instante registrado e, até bem recentemente, os avanços na ótica e o
portanto, é uma imagem gerada pela acumulação incremento progressivo da fotossensibilidade dos
da imagem espacial no decorrer do período em suportes (...) reduziram o tempo de exposição a
que a objetiva esteve aberta. Sendo assim, tanto frações infinitesimais do segundo” (LISSOVSKY,
a partir de reflexões teóricas como a partir de 2008, p. 33).
produções artísticas, torna-se relevante explorar o Vejamos a seguir um breve panorama sobre
fato de a fotografia captar não apenas um evento a evolução técnica pela qual a fotografia passou:
ou um acontecimento isolado em uma fração Diferentemente da experiência que temos
mínima no tempo, mas sim a possibilidade de ela hoje com a produção de fotografias, para a
concentrar em si (seja ela de mais de um objeto captura das primeiras imagens fotográficas era
ou não) uma continuidade temporal condensada, necessário um longo tempo de duração. Segundo
cuja representação é preservada na visualidade Pedro Peixoto Ferreira e Márcio Barreto, a captura
da imagem final da fotografia. da primeira fotografia, por exemplo, “exigiu um
Após esse movimento inicial, resolvi explorar tempo de exposição de pelo menos oito horas”.
de forma mais aprofundada a relação entre a
passagem do tempo e a produção de imagens,
com foco maior nas imagens fotográficas. Foi
então que conheci o livro A máquina de esperar,
de Mauricio Lissovsky, o qual percorre a história
da fotografia, colocando-a em relação com sua
busca técnica por tornar-se instantânea. Passo
agora, então, a tecer uma reflexão sobre a imagem
fotográfica ancorada na perspectiva apresentada
por Lissovsky, buscando também fazer referência
a outros teóricos e estudiosos sobre fotografia. 2
Em A máquina de esperar, Lissovsky 2 Vista da Janela em Le Gras, Joseph Niépce (1826). fonte:
http://cool.conservation-us.org/byorg/abbey/an/an26/an26-3/
44
an26-307.html
45. Os sinais da passagem do tempo estão
presentes de forma contundente nesta imagem.
Ao observa-la, somos autorizados a imaginar,
por exemplo, que a fotografia apresenta borrões,
traços de movimentos, de objetos que tenham
se movimentado em frente à objetiva durante
o tempo de captura de imagem. Para além do
visível, não seria incoerente imaginar que esta
fotografia possivelmente apresenta, portanto,
vestígios de pássaros que tenham sobrevoado o
céu durante as oito horas de captura, ou, por que
não, a imagem do próprio Niépce ao situar-se
em frente à câmera para verificar se o dispositivo
estava adequadamente posicionado. Eis que,
para além da imagem visível de forma mais ou
menos objetiva – predominantemente, o telhado
3
de uma residência – a percepção que temos sobre
uma imagem capturada através de um longo No livro A câmera clara, Barthes comenta
tempo de visualização é ampliada, tornando-se a invenção de um aparato capaz de manter o
possível observar os movimentos que ocorreram corpo imóvel durante a captura das imagens,
em frente à câmera no decorrer do tempo como de forma a tornar mais confortável o ato de ser
constitutivo de seu significado. fotografado. Segundo ele:
Em função dos longos tempos de exposição,
nos primórdios da fotografia, era comum que os para fazer os primeiros retratos (em torno
sujeitos fotografados precisassem apoiar-se uns de 1840), era preciso submeter o sujeito
nos outros, ou, então, apoiar-se em estruturas a longas poses atrás de uma vidraça em
pleno sol; tornar-se objeto, isso fazia sofre
fixas como colunas de concreto ou cadeiras, para
como uma operação cirúrgica; inventou-se
a criação de retratos. Assim ocorre, por exemplo, então um aparelho, um apoio para a cabeça,
em fotografias do fotógrafo David Octavius Hill espécie de prótese, invisível para a objetiva,
(1802–1870): que sustentava e mantinha o corpo em sua
3 fonte: http://www.edinphoto.org.uk/pp_d/pp_hill_calo-
types_of_do_hill.htm
45
46. passagem para a imobilidade.” (BARTHES, p. imagens produzidas, por outro, um esvaecimento
26) da experiência temporal. Evidentemente, não
é o caso de defender uma ou outra forma de
produção de imagens, mas de salientar que,
A captação das imagens nas chapas
se em um primeiro momento, a produção de
fotossensíveis tornou-se, no entanto, cada vez
imagens dependia, necessariamente, de sua
mais rápida. Segundo Lissovsky, tais avanços
relação com o tempo, com a evolução técnica
"deram-se aos saltos, espantosos e atordoantes.
o próprio resultado fotográfico tornou-se menos
Mergulhos repentinos que conduziram do
dependente de uma relação com ele.
insuportavelmente lento ao demorado; deste
Cabe observar que o conceito de “instante”,
ao breve e ao brevíssimo; e, ao final, ao
nesse caso, deve ser relativizado: em termos
imperceptível.” Em termos numéricos tem-se
matemáticos, sempre existe uma distância menor
que: as imagens de Niépce consumiram horas de
entre um corpo e outro, por exemplo: a distância
exposição para serem produzidas; já em 1940,
entre um copo e a mão que irá pegar esse copo
os tempos de exposição variavam entre 4,5 e
pode começar perfazendo 1 metro e depois
60 minutos; em 1951, com a criação da técnica
passar para 0,1 metro... e depois passar para
conhecida por ‘colódio úmido, a exposição foi
0,001 metro ... e assim ad infinitum. Em termos
reduzida para intervalos de 3 a 21 seguntos; em
reais ocorre que a mão acaba tocando o objeto,
1878, quando os fotógrafos passaram a dispor de
mas existe um paradoxo em termos matemáticos.
gelatina seca, os filmes passaram a ser quarenta
Conforme evidencia Arlindo Machado no artigo
vezes mais sensíveis e a fotografia alcançou a
"Anamorfoses cronotópicas ou a quarta dimensão
impressionante marca do décimo de segundo
da imagem, haveria infinitos instantes dentro de
(LISSOVSKY, 2008).
um instante e, portanto, acredito eu, a duração de
Segundo Lissovsky, “quando a técnica do
um instante não deve ser nunca desconsiderada.
instantâneo se naturaliza, fotografar torna-se a
Dando continuidade ao raciocínio que
prática de um ausentar-se do tempo, de um refluir
vem sendo apresentado, pode-se dizer que as
do tempo para fora da imagem” (LISSOVSKY,
consequências dessa evolução técnica sobre as
2008, p. 40). A evolução técnica da fotografia
formas de criação artística são enormes, gerando
reflete, então, a busca do homem pela captura
diferentes maneiras através das quais os artistas
de instantes, dos menores fragmentos de tempo
passaram a relacionar-se com o tempo. Torna-se,
possíveis. Por um lado, isto resulta em um ganho
então, esclarecedor citar alguns exemplos:
de nitidez das imagens e da objetividade das
Em meados de 1870, Eadweard J.
46
47. Muybridge e Étienne-Jules Marey desenvolveram sofrer uma ausência ainda maior do que no caso
experimentos para captar, através da fotografia, das cronofotografias, uma vez que a imagem
os movimentos de animais e pessoas. A técnica cinematográfica é gerada por uma sucessão de
intitulada “cronofotografia” consistia na criação ínfimos instantes fotográficos. O cinema acaba
de um dispositivo fotográfico que permitia a por apresentar, então, uma experiência diferente
captura de sucessivas imagens no decorrer de com o tempo: Bergson chega a afirmar que o
um curto período de tempo. Especialmente no que o cinema faz é “reproduzir artificialmente
caso das fotografias produzidas por Marey, tais o devir das coisas” (LISSOVSKY, 2008), uma
experimentos possuíam uma finalidade científica: vez que a duração não se encontra na imagem
através das cronofotografias o homem adquiriu de cada fotograma, mas a partir da “ilusão” de
condições para decifrar aspectos da realidade duração criada pelas imagens sucessivas. Não
que não eram possíveis de serem compreendidos se pode negar, no entanto, que existe, sim, uma
com a visualização do olho nu, como, por experiência da imagem em sua relação com o
exemplo, o entendimento dos movimentos tempo, porém trata-se de uma forma distinta de
realizados por um cavalo durante “a passagem relacionamento daquela encontrada nas primeiras
de um tipo de marcha para outra, por exemplo do fotografias.
galope ao trote ou do trote a andadura” (GODOY, O futurismo italiano e as experiências de
2001, p. 235). Lissovsky destaca que a produção fotógrafos que criavam imagens fotodinâmicas
de cronofotografias só tornou-se possível com o configuraram-se como um movimento contrário à
advento da tecnologia do instantâneo, podendo expulsão da experiência de duração das imagens.
ser considerada como uma expressão máxima, Os irmãos Bragaglia foram dois personagens
espantosa, com relação ao “muito rápido”. importantes desse cenário: “em suas imagens
Com isso, “libertos da duração, os fotógrafos fotodinâmicas, realizadas entre 1910 e 1912, os
acreditaram finalmente ter dominado o tempo irmãos Bragaglia procuravam distinguir-se dos
que antes os atormentava” (LISSOVSKY, 2008, cronofotógrafos”. nas palavras deles:
p. 35).
Na sequência, em 1895, os irmãos Lumière
Assim nós queremos afirmar e captar essas
criaram o Cinematógrafo, um aparelho que qualidades transcendentais do real, em seu
permitia tanto a captação de fotogramas como a deslocamento, o qual, por sua vez, desloca a
projeção dos mesmos em sequência em uma tela atmosfera; pois queremos nos esforçar para
branca. No caso do cinema, a experiência com o notar o ambiente, em todo o seu volume,
perturbado e desordenado na revolução
tempo em relação a cada fotograma acaba por
47
48. provocada pelo movimento do corpo [...] expulso das imagens fotográficas no decorrer da
(Bragaglia, apud Fabris, 2004, p. 65) evolução técnica dos aparatos de fotografia, fora,
então, “restituído à imagem na forma de afecção
do espaço” (LISSOVSKY, 2008, p. 56)
Assim, em um momento em que todos
Machado utilizou o termo "anamorfoses
buscavam explorar a produção de imagens
cronotópicas" para referir-se a esta anotação do
instantâneas, mesmo já sendo detentores da
deslocamento dos corpos nas imagens, ou seja,
capacidade de produção de imagens com um
anamorfoses cronotópicas são deformações
curto período de captação, os fotodinamistas
resultantes de uma inscrição do tempo na
optaram por produzir fotografias com longo tempo
imagem. Machado evidencia que parece existir
de exposição, tal como na imagem apresentada
uma paradoxo relacionado à esta questão, uma
a seguir:
vez que "a fotografia é normalmente encarada
como um sistema significante de suspensão do
tempo, de congelamento da imagem num instante
mínimo e único.", enquanto que "O princípio básico
do cronotopo fotográfico reside na elasticidade
do conceito de instante: considerando o tempo
como um desenrolar de eventos, a fotografia
surge como algo que se interpõe nessa
sucessão, para fixar um intervalo"(MACHADO, p.
103). Assim, a inscrição da passagem do tempo
nas imagens fotográficas é, de certa forma,
algo antagônico ao próprio desenvolvimento
4
tecnológico da fotografia, porém, isso não
impediu que os fotógrafos explorassem formas
Os irmãos Bragaglia não estavam
de reinscrição desta temporalidade perdida. No
interessados na reconstrução precisa do
lugar de capturar instantes, conforme evidenciou
movimento, o qual já tinha sido dividido e
Machado, talvez seja sempre mais adequado
analisado, mas estavam envolvidos com a idéia
afirmar que "a fotografia capta um intervalo".
de criar sensações a partir da exploração de
Mais adiante, em 1945, as fotografias do
movimentos. Com isso, o tempo, que tinha sido
fotógrafo Gjon Mili, publicadas na revista Life
4 fonte: http://midiamagia.wordpress.com/tag/
imagem-em-movimento/ em 1949, apresentam Pablo Picasso tendo em
48
49. mãos uma lanterna, construindo desenhos que torna possível através da utilização da fotografia
pressupõe o movimento da fonte de luz sobre o e de sua relação com o tempo. A fotografia de
dispositivo de registro fotográfico. Gjon Mili é, portanto, a experimentação de uma
técnica fotográfica na busca por possibilidades
de criação.
Atualmente, com o advento das câmeras
fotográficas digitais, uma forma bastante
semelhante de criação de imagens fotográfica
tem se popularizado: a técnica chamada light
painting. Esta técnica compreende o registro
de movimentos de fontes luminosas através de
fotografias de longa exposição, criando desenhos
com o que os praticantes chamam de “pincéis
de luz”, tal qual fez Picasso em 1945. Exemplo
desse tipo de criação são as produções do grupo
LICHTFAKTOR, um coletivo de jovens artistas
alemães que estão explorando o território de
expressão do light painting.
5
Conclusão
As imagens desta série compreendem a
inscrição do tempo como um dos elementos Percebe-se então que tal evolução abriu
que interferem na produção dos resultados caminho para duas formas especiaks de os
finais. As fotografias de Mili e Picasso estão, fotógrafos relacionarem-se com a passagem do
portanto, diretamente relacionadas às fotografias tempo. Por um lado, como no caso das imagens
produzidas por, por exemplo, os irmãos Bragaglia, produzidas por cronofotografias, as marcas da
mas a diferença aqui é que Mili e Picasso utilizam passagem temporal são expulsas das imagens
a mesma técnica de longa exposição para, fotográficas, as quais adquiriram a capacidade de
agora, compor desenhos com a utilização de serem instantâneas. Mesmo assim, ocorre, neste
uma lanterna. A produção desse desenho se caso, uma relação com o tempo, a qual não
pode ser observada no resultado final de cada
5 fonte: http://www.revistaleaf.com.br/
as-pinturazde-luz-de-pablo-picasso/3082/ imagem produzida, mas a partir da visualização
49
50. de sequências de imagens. Por outro lado, sequências de fotografias com intervalos de
como ocorre no caso das fotografias dos tempo muito breves das esculturas de gelo em
fotodinamistas, a passagem do tempo interfere derretimento. Atualmente, como será apresentado
no próprio resultado da imagem fotográfica, de com maiores detalhes no capítulo a seguir, tenho
forma semelhante ao que ocorria no caso das trabalhado não mais apenas com fotografias,
primeiras fotografias. mas com a produção de vídeos. Ou seja, o
Como se percebe, pode-se dizer que a estágio atual das produções do projeto Obra em
evolução técnica trouxe liberdade aos fotógrafos Derretimento compreende uma diversidade de
para escolherem diferentes formas de relacionar- formas de criação e de formas de relacionar-se
se como o tempo: em alguns casos a passagem com o tempo, entre elas a produção de vídeo e a
do tempo encontra-se inscrita nas imagens criação de fotografias em sequência.
fotográficas, em outros expulsa. A partir do
momento em que a fotografia tornou-se
instantânea, passou a ser possível, então, optar
entre produzir fotografias que apresentam maior
ou menor relação com a passagem temporal.
No decorrer deste curso de especialização,
explorei tanto a produção de fotografias com
longo tempo de exposição (tornando a passagem
do tempo inscrita nas imagens fotográficas),
como a criação de sequências de fotografias
instantâneas. É exemplo do primeiro caso, as
obras "perícolo" e "l'agile", que criei em 2010,
quando eu estava especialmente interessado
no estudo dos trabalhos dos fotodinamistas e
do futurismo italiano (apresento as imagens na
página a seguir).
As obras que pertencem ao projeto Obra
em Derretimento, por outro lado, apresentam
predominantemente aquela forma de relacionar-
se com o tempo caracterísco da produção
de cronofotografias, ou seja, de criação de
50
53. O PROJETO OBRA EM
DERRETIMENTO: DA CRIAÇÃO
AO MOMENTO ATUAL
Tendo apresentado dois breves memoriais no início desta monografia e após ter clarificado
algumas questões relacionadas à produção de obra de arte e à forma como o tempo se torna
presente em minhas criações, passo, agora, a construir uma descrição comentada sobre os principais
momentos que compõem o projeto Obra em Derretimento. Com isso, pretendo tanto articular as
idéias comentadas até aqui com o conteúdo específico de cada obra, como criar um panorama
sobre a constituição do projeto.
Para começar, eu não poderia deixar de falar sobre a minha primeira produção artística: o livro
Como analisar um raio de sol. Embora sua linguagem e materialidade seja de natureza completamente
diferente das obras que compõem o Obra em Derretimento - esta composta por gelo e fotografia,
aquela por papel e construção literária - creio ser possível identificar neste trabalho elementos seminais
os quais estão presentes ao longo de toda a minha produção artística. Tanto elementos formais como
de conteúdo foram, assim, explorados, relidos e rearranjados de diferentes maneiras ao longo do
tempo, acabando por constituir todo um universo contextual de obras inter-relacionadas. Vejamos:
Como analisar um raio de sol é um livro digital composto por contos e poesias os quais
53
54. apresentam forte relação entre palavra e imagem.
Os textos que o constituem foram produzidos
durante um período de minha adolescência (entre
2003 e 2005 - dos meus 16 aos meus 18 anos)
e publicados em formato de livro digital no ano de
2010, quando ingressei na faculdade de Design
Digital (UFPEL). Conforme comentei na entrevista
concedida a Lorenzetti (memorial 2), a existência
do livro Como analisar um raio de sol é fruto
de um processo extremamente espontâneo -
resultado de surtos criativos - de um garoto em
plena necessidade/desejo de relacionar-se com Vejo nesta poesia uma síntese - a mais
o mundo, tomado por uma ânsia por expressar precisa que consegui atingir - sobre a inevitável
suas idéias, por entender seus sentimentos, por passagem: dia, pouco dia, pouca noite, noite.
conhecer pessoas, por aproveitar ao máximo cada O dia que se esvaece aos poucos; a noite que
instante, por fazer a vida valer. Além disso, este chega sem pedir para entrar. O poema na parte
trabalho é, também, um processo de elaboração inferior da página e a forma arredondada de um
de perdas - de uma infância que deixava de ser, sol, prestes a despencar.
de uma morte simbólica dos pais e de uma avó Eis que encontro nela todos os principais
que faleceu - e de busca por identidade para componentes de minhas obras atuais: composição
tornar-se um adulto feliz: o artista que cria para em forma redonda, gelo em transformação que
tornar a vida mais interessante. se esvaece, forma e conteúdo que registram a
Gostaria então de apresentar e comentar passagem de um estado a outro, um nem sempre
uma das poesias que constituem este livro. Ela se desejável deixar de existir e um transformar-se.
chama pôr-do-sol: Na sequência: Gelos Quentes (2009). É
especialmente importante em minha trajetória,
pois é o primeiro trabalho que realizei no campo
específico das artes visuais e também o primeiro
que desenvolvi com a utilização do material
“gelo”. Trata-se de uma série de fotografias que
acabaram por compor um quadro que contém
cinco fotografias de uma escultura de gelo em
54
55. derretimento. A escultura, que foi produzida
através de uma mistura de água e tinta acrílica,
é um estudo que deu origem ao trabalho que
produzi na sequencia, intitulado Releituras de Dali.
Releituras de Dali é uma série de fotografias
produzidas a partir da captação de imagens de
duas esculturas de gelo, que fazem referência à
pinturas de Salvador Dali.
A primeira escultura recebe o nome de
“estudo para o congelamento da memória” e faz
referência à obra “a persistência da memória”
(DALI, 1931). É uma obra de caráter experimental
cujo processo de criação consistiu na imersão Já a segunda escultura é intitulada “Estudo
em água de um relógio de pulso digital e seu para a preservação da rosa meditativa” e faz
posterior congelamento. A água utilizada na referência à pintura “A rosa meditativa” (DALI, 1958).
escultura passou por um processo prévio de Foi produzida através da adição e congelamento
tratamento de forma a garantir que o gelo se de diversas camadas de água misturada com
mantivesse transparente e o relógio pudesse tinta acrílica de diferentes colorações. Sobre uma
ser visualizado. Detalhe: após o congelamento, das camadas, foi depositado uma rosa (flor), que
o relógio continuou funcionando e marcando o foi posteriormente submersa por outras camadas
horário correto. de água/gelo.
55
56. em stop-motion produzido a partir de imagens de
uma sequência de fotografias de uma escultura
em derretimento, vídeo que recebeu o nome de
Obra em Derretimento nº1.
Obra em Derretimento nº 1 (2010 - técnica:
esculturas de gelo e forografia digital; material:
água e tinta acrílica; duração 4' 09'') foi o primeiro
vídeo produzido a partir da captação de imagens
de esculturas em derretimento. É caracterizado
pela utilização do conceito de cronofotografia
O Homem e a Bola (2009 - nanquim - ou seja, o registro de diversas fases de um
sobre papel; fotografia em sequência e edição) movimento através de fotografias em sequência
foi primeira vídeo-animação que produzi. Foi para a captação das modificações que ocorrem
elaborada em parceria com colegas do curso ao longo do derretimento do gelo. A partir desse
de Design Digital da UFPEL e teve por objetivo experimento foram produzidos: 1259 fotografias,
a produção de uma animação utilizando 1 animação em stop-motion e 1 livro-objeto
procedimentos e visualidades semelhantes às composto por parte das fotografias.
utilizadas nas primeiras vídeo-animações. Não
considero que este trabalho pertença ao projeto
Obra em Derretimento, mas através dele exercitei
a técnica a qual utilizei para criar o primeiro vídeo
56
57. Posteriormente ao Obra em Derretimento nº
1, veio o primeiro vídeo do projeto produzido em
parceria com outro artista. Na produção do vídeo
intitulado Empty (2010 - material: água, bexiga de
aniversário), as imagens, capturadas também em
sequência, foram produzidas a partir da sonoridade
de uma música produzida pelo compositor
Luciano Mello, composta especialmente para
esse projeto. No vídeo, no entanto, a escultura não
chega a derreter completamente. O material que
sobrou da escultura foi exposto posteriormente
na abertura da exposição “Eles estão chegando”,
com curadoria de José Luiz Pellegrim. Desta
forma, além de assistir ao vídeo apresentado na
exposição, no dia da abertura, o público pôde ter
contato com a escultura utilizada para a produção
do vídeo.
Em agosto de 2010 visitei uma exposição
chamada "Video Portraits", de Robert Wilson,
que me jogou aos olhos novas idéias para
trabalhos que eu poderia realizar - e que, de fato,
vim a realizar posteriormente. Esta exposição
1
apresentava imagens em vídeo de celebridades,
Este trabalho é o marco da criação do sendo que estas imagens se pareciam com
projeto maior que recebeu o nome Obra em retratos uma vez que as imagens mostravam
Derretimento, que tem por objetivo a produção movimentos mínimos dos personagens na tela.
de um grande número de obras de arte a partir Daí, acredito eu, vem o nome, video protraits.
da criação de esculturas de gelo e o registro Em 2011, após ter elaborado/processado
intensivo das mesmas durante seu processo de novas idéias, criei, então, a primeira vídeo-
desconstrução. fotografia de meu projeto. Trata-se da produção
de um vídeo com a filmagem de todo o período
1 Imagens do livro-objeto Obra em Derretimento nº
1 (2011) que compreende o início e o fim do derretimento
57
58. 2
de uma escultura de gelo. Como esse processo, mais atento contemplar a obra quando chegar
especialmente em um dia de não muito calor, é na exposição e, posteriormente, após passar
bastante vagaroso, a obra final, intitulada Vídeo algum tempo contemplando outras obras, voltar
fotografia nº 1, possui aproximadamente 8 para vizualizar novamente a vídeo-fotografia nº 1,
horas de duração. Assim, a idéia é que, quando ele perceberá que a obra se modificou ao longo
apresentada em uma exposição, o público tenha do tempo; e, da mesma forma, poderá voltar 1
a impressão de estar olhando para uma fotografia; ou duas horas depois para visualizar mudanças
no entanto, se, por exemplo, um observador no estado da obra. O termo vídeo-fotografia
2 Obra vídeo-fotografia nº1 (2011), ao ser exposta foi criado por mim e é variação para o termo
no “Paralelo 31” (local: A SALA, Centro de Artes - UFPEL)
58
59. "video portrait", utilizado por Wilson. Isto pois 2012, executei e transmiti ao vivo pela internet
"Portrait"(retrato), embora possa ser utilizado a performance artística intitulada Ato em
para designar qualquer imagem fotográfica, é Derretimento nº 2, na abertura da exposição
mais comumente utilizado para fazer referencia à "Arte Sul Contemporânea", realizada no MAC-
imagens fotográficas de pessoas; como, então, RS (Museu de Arte Contemporânea do Rio
minha obra não apresenta imagens de pessoas, Grande do Sul), em Porto Alegre. A idéia, desta
mas de uma escultura em derretimento, escolhi vez, foi montar um set de filmagem no centro da
utilizar o termo "vídeo fotografia", mais adequado sala de exposições e produzir uma vídeo-arte a
para a situação. partir da captura de imagens de uma escultura
Considero que o processo de produção em derretimento. Tudo foi realizado diante dos
desta vídeo-fotografia sofreu também um salto olhos do público: visitantes da exposição e
qualitativo, pois foi nesse episódio que executei a internautas em qualquer lugar do mundo puderam
performance intitulada Ato em Derretimento nº1. acompanhar, participar e conversar comigo
Até a realização deste trabalho, a produção de durante seu processo de criação.
todas as obras que eu elaborara tinham ocorrido
de forma isolada, individual, uma vez que eu
costuma produzir sozinho em meu apartamento.
No entanto, a partir deste momento, resolvi
transformar meu ato criativo em um evento aberto
ao público, de exposição do ato criativo, no qual
as pessoas podem acompanhar e participar de
meu processo de feitura de uma obra de arte. Para
tanto, durante um período de aproximadamente
10 horas de duração, eu transmiti ao vivo, pela
internet (via twitcam), imagens de todo meu
processo de criação. Tanto esta vídeo-fotografia
como um registro de performance do Ato em
Derretimento nº 1 foram expostos na exposição
"Paralelo 31", que ocorreu neste ano em Pelotas
(ver portifólio para acessar link de visualização do
registro da performance no Vimeo). Este foi o último trabalho que realizei até o
Recentemente, no dia 7 de Julho de presente momento. Parte do material coletado
59
60. naquele dia já foi editado e finalizando, dando
origem ao vídeo Obra em Derretimento: ao vivo no
museu nº1. Outra parcela do material encontra-
se em processo de pós-produção.
O projeto Obra em Derretimento segue,
atualmente, em pleno desenvolvimento. A
partir de agora, como ações futuras, pretendo
dar continuidade à realização de outros "atos
em derretimento" de forma a estreitar minhas
relações com o público, bem como buscarei
explorar variações formais na constituição das
esculturas, tais como criar blocos de gelo com
diversas camadas de cores e verificar qual é o
efeito disso durante o derretimento. Creio que esta
continuidade ao projeto necessitará, ainda, de
alguns anos para desenvolvimento e elaboração
de novas técnicas e visualidades e, sendo assim,
posso concluir que tenho material criativo para
trabalhar neste projeto por um longo período de
minha vida.
60