O documento discute como os penteados dos jogadores de futebol refletem tendências de moda e afirmação de identidade. Os estilos black power e dread eram populares na década de 1970 como símbolo político, enquanto o "raspadinho" predominou nas décadas seguintes. Atualmente, o moicano se tornou moda influenciada por Neymar, mas alguns jogadores mantêm cabelos naturais em busca de afirmação racial.
1. SALVADOR QUARTA-FEIRA 20/11/2013
FIM DE JO GO
PARA O RACISMO
ESPECIAL CONS CI ÊNCIA N EGRA
Raul Spinassé / Ag. A TARDE
MAÍRA AZEVEDO
Cabelo revela bem
mais do que a moda
ESTILO Penteados exibem desde as tendências mais fortes para os mercados da
estética como também discurso político, afirmação e resgate de identidade
OPÇÃO PELO ESTILO
NATURAL
O ponta do Botafogo e da
Seleção Brasileira Jairzinho
aderiu ao black power nos
anos 70
Cedoc A TARDE
O atacante do
Vitória William
Henrique aderiu
ao penteado no
estilo moicano
MAESTRO DIZ QUE
SEGUIU MODA
Ídolo no Flamengo, Júnior
conta que a manutenção
do black não tinha
conotação política
Cedoc A TARDE
Nem só de dribles precisos e
gols vivem os jogadores de
futebol. Com a espetacularização do esporte, o que os
atletas vestem ou a música
que escutam tem o poder de
virar mania. Nos últimos tempos, o cabelo também se
transformou em espécie de
cartão de visita.
Se antes entre os jogadores
negros predominou o corte
baixo, com máquina um ou
zero, os fios no estilo étnico–
black e trancinhas – parecem
estar em alta.
Vagner Love, do Shandong
Luneng Taishané (China), é conhecido por colorir suas tranças
com as cores do clube que defende. Zé Roberto, do Grêmio,
aderiu ao dread. Jô, do Atlético
Mineiro, mantém uma variação do black.
Para o doutor em antropologia Jocélio Teles, no lugar de
uma possível afirmação de
identidade negra há influência de mercado. “O que pode
ser vendido, define os padrões. A estética atende essa
regra e não seria diferente no
futebol”, explica.
Agora, o penteado mais popular entre jogadores brasileiros é o “moicano”. O atacante
do Vitória, William Henrique já
o adotou. O estilo virou moda
via Neymar. Para chegar a ele,
na maioria dos casos, é preciso
recorrer a alisantes.
Empenhado em manter
múltiplas variações do penteado, Neymar, inclusive, declarou ao Estado de São Paulo, em
2010, que nunca havia sofrido
racismo “porque não sou preto”. No programa de TV de Marília Gabriela, exibido no ano
passado, definiu seu cabelo como “muito ruim”.
Black power
SOLIDARIEDADE AOS
PANTERAS NEGRAS
O corintiano Sócrates
mantinha cabelo comprido
e saudava grupo político
norte-ameriano
Masao Goto Filho/Folhapress
AFP
Stefan Wermuth/Reuters
CABELO VIRA
UNIFORME
LÍDER
DA ONDA
Vagner Love
enfeita as
tranças com as
cores do clube
que estiver
defendendo
O estilo
moicano
adotado por
Neymar requer
alisantes para
a maioria
VISUAL CONSTRUÍDO
COM MÁQUINA
Roberto Carlos manteve o
estilo “raspadinho”
durante a sua carreira
como jogador
AFP Photo/Antonio Scorza/01.05.2005
Crespos estão voltando a se impor
A tendência de jogadores adotarem seus cabelos crespos é
uma novidade dos últimos
anos. Para o antropólogo Carlos Moore, o fenômeno é resultado da globalização cada
vez mais intensa do esporte.
Segundo ele, a negação dos
cabelos crespos é mais comum
na América do Sul. “Nos países
da Europa e nos Estados Unidos, os negros fazem questão
de manter seus cabelos naturais. Nestes locais, o cabelo
crespo é associado à virilidade”, aponta Moore.
Talvez por este aspecto, jogadores sul-americanos estão,
em maior número do que em
outros tempos, abandonando
o estilo de manter o cabelo raspado ou alisado. “É um momento de transição”, acrescenta Moore.
Jogador do Bahia, Anderson
Talisca é adepto da tendência
de sempre adotar um visual
diferenciado.
Ele relata que já realizou várias experiências para dar um
toque especial aos seus cabelos. Mas Talisca disse ter sido
vítima de uma reação alérgica
a uma tintura.
“Não gosto de ser igual aos
outros. Por isso, eu mesmo in-
vento minha moda. Já fiz de
tudo no meu cabelo: raspei um
lado, fiz cortes. Quando decidi
pintar o cabelo de louro, o resultado ficou muito feio. Além
disso, a tinta queimou minha
cabeça”, relata o jogador.
Aproximação
O processo de raspagem dos
fios, que predominou nas décadas de 80 e 90, foi, talvez,
uma retomada da tentativa de
aproximação com o estilo dos
colegas brancos e garantia de
aceitação, efeito da difícil inserção negra no futebol.
“A aparência ajuda a deter-
minar espaço. E seguir o modelo dominante, para muitos,
parece ser a escolha mais acertada”, explica o historiador Reginaldo Dias.
No elenco da Seleção Brasileira, durante a Copa do Mundo de 1998, por exemplo, jogadores como Roberto Carlos,
Júnior Baiano, Zé Carlos, Rivaldo e Dida, adotavam o visual da cabeça raspada.
“Além da cor da pele são os
cabelos crespos que identificam a negritude de alguém.
Por isso, muitos optam em tirar
essa evidência”, diz o antropólogo Carlos Moore.
INVESTIMENTO
NA CABEÇA
O zagueiro Dante é adepto
de um vistoso cabelo
comprido e no estilo
black power
Eduardo Martins/ Ag. A TARDE
Na década de 70, a moda era
o black power, um ícone da
reafirmação da identidade negra no mundo. Jogadores como Júnior (Flamengo); Edmilson Pombinho (Bahia); Geraldo Cleofas (Flamengo)– que
morreu aos 22 anos– ; e Jairzinho (Botafogo) usavam seus
cabelos crespos naturais.
Conhecido, além do talento,
por manter posições políticas
firmes, Sócrates (1954-2011),
além da farta cabeleira, comemorava gols com os punhos
cerrados, em referência ao grupo norte-americano Panteras
Negras.
Ex-jogador do Bahia e atual
coordenador de Esporte da
Prefeitura de Salvador, Edmilson Pombinho conta que seu
estilo de cabelo tinha um propósito político.
“Representava o poder negro. Seguia uma onda que surgiu nos Estados Unidos e tomava conta de todo mundo.
Usar os cabelos naturais era
uma questão de afirmação da
nossa identidade negra”, explica o ex-jogador.
Segundo Edmilson, enquanto os jogadores brancos usavam cabelos grandes e lisos, os
negros que mantinham black
power eram criticados.
Já o ex-jogador Júnior diz
que mantinha o penteado
para seguir a moda. “Deixei
o cabelo crescer porque era
como a galera usava. Sou fruto de uma mistura danada:
mãe branca, pai mestiço e
um avô quase negro. Não
gosto muito de falar sobre
questão racial”.
Raspadinho
A ausência dos cabelos foi o
padrão predominante entre os
anos 80 e 90. Ronaldo, o Fenômeno, e Roberto Carlos foram os expoentes do “estilo
raspadinho”, como cantou a
banda Chiclete com Banana.
“O futebol é construído pela
tradição e o novo. Tal como o
drible, o cabelo traz esta possibilidade de ser imprevisível e
contestador”, avalia o psicólogo e mestre em psicologia social, Altair Paim.
Para ele, a padronização
também encontra espaço. “É o
contexto que vai impor os padrões. A questão racial acompanha o futebol desde o seu
surgimento como esporte elitista e branco até a afirmação
racial nos cabelos de nossos
jogadores”, aponta.
Modismo ou afirmação política, o cabelo já alcançou, sem
dúvida, um lugar de destaque
no universo do futebol.
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