O racismo no futebol brasileiro evoluiu de formas explícitas no início do século 20, como proibir negros de entrarem em clubes, para formas mais dissimuladas atualmente. No passado, jogadores negros usavam estratégias como pó de arroz para clarear a pele devido ao preconceito. Apesar da democratização do esporte, o racismo continua presente de forma velada nos dias de hoje.
Neste capítulo apresentamos uma visão panorâmica das interpretações do Brasil do final do século XIX e começo do século XX. Vamos analisar o conjunto de intérpretes mais significativos do Brasil dos anos 1930 e sua importância no processo de consolidação da sociologia brasileira; a questão racial, entendida a partir do legado da escravidão; o debate em torno das questões do subdesenvolvimento e da dependência econômica; e, por fim, uma exposição das teses que resgatam contemporaneamente a questão da desigualdade social, especialmente a precarização do trabalho e o trabalho informal.
Afrobrasileiros e a construção da democracia na década de 1920Carlos Sant'Anna
Este artigo busca contextualizar historicamente o surgimento do conceito de democracia racial como elemento definidor da nacionalidade brasileira. Pretende-se indicar a participação dos afro-brasileiros em tal processo, em uma contraposição com as visões que os colocam como meras vítimas de uma ideologia criada pela elite branca para perpetuar a dominação racial.
Seminário do curso de História na Universidade Federal do Piauí-UFPI. Sobre a participação da população negra na política brasileira durante o início do século XX até o golpe cívil-militar de 1964, apresentado por Endrews Costa e Ruthyelle Rodrigues, tendo como referência principal o artigo do prof. Dr. Elio Chaves.
1. SALVADOR QUARTA-FEIRA 20/11/2013
FIM DE JO GO
PARA O RACISMO
ESPECIAL CONS CI ÊNCIA N EGRA
3
Do pó de arroz
ao quase silêncio
HISTÓRIA Em pouco mais de um século, racismo no futebol
brasileiro vai do explícito e oficial ao disfarçado e dissimulado
LUIZ TELES
A história do racismo no futebol
brasileiro nasce junto com a chegada do primeiro par de chuteiras, bola e livro de regras trazidos da Inglaterra pelo paulista
Charles Miller, em 18 de fevereiro de 1894.
Há 119 anos convive-se com o
preconceito étnico em suas mais
perversas formas: do explícito e
muitas vezes oficializado – em
meados do século passado – até
o naturalizado, velado ou camuflado, vigente, sobretudo, após a
década de 1970 e a conquista do
tricampeonatodaCopadoMundo
que fez de Pelé o maior jogador do
planeta.
O historiador Joel Rufino dos
Santos, em seu livro História Política do Futebol no Brasil, coloca
que o futebol desenvolve-se no
início do século passado, praticado como alta cultura por brancos, em clubes sociais. Aos ex-escravos e seus descendentes era
proibida a entrada nesses locais,
por exclusão financeira ou discriminada nos estatutos das
agremiações.
Mas futebol se joga em qualquer lugar, com qualquer tipo de
bola, e não demorou muito para
que aqueles que só podiam de
longe assistir ao jogo de grã-finos começassem a praticar o esporte com balões de bexiga de
boi ou bolas feitas com meias.
A partir da década de 1910 começaram a aparecer por todo o
Brasil times populares e seus jogadores já chamavam a atenção
de muitos. Em 1912, num dos
episódios mais emblemáticos de
conflito étnico no esporte, Carlos
Alberto, que jogava no Fluminense, ganhou o apelido de “Pó de
Arroz” (mais tarde herdado pelo
clube e que sobrevive hoje) porque o usava para clarear a pele.
Pobre e varzeano, o atleta também usava uma touca para disfarçar os cachos do cabelo.
Na década de 1920, o Vasco foi
campeão carioca com um time formado majoritariamente por negros, causando uma crise no futebol do Rio de Janeiro porque os
outros clubes “não se misturavam”. Em São Paulo, o mesmo
aconteceu com o Corinthians. Na
Bahia, nesse mesmo período, o
embate racial se repetia.
“Em Salvador, o Esporte Clube
Ypiranga acolhe artesãos, soldados, comerciários e estivadores negros, e escandaliza a alta sociedade
baiana do Corredor da Vitória, reduto dos primórdios do futebol
baiano. O resultado é uma crise
com a saída do Vitória, representante da alta burguesia, e o fim da
primeira Liga de Futebol, chamada
“Liga dos Brancos” por alusão à cor
da pele dos atletas pioneiros”, explica Paulo Leandro, doutor em comunicação e jornalista.
Nãoàtoa,osprimeirosídolosdo
futebol foram negros. Em São Paulo foi “El Tigre” Friedenreich, filho
de uma cozinheira negra com um
alemão, e que atuou por vários
times, inclusive na Seleção Brasileira. Na Bahia, a fama ficou com
Apolinário Santana, ou Popó, seu
apelido. Ele ajudou a fazer do Ypiranga o time mais popular do Estado à época.
A partir de 1930, o futebol se
profissionaliza e com isso minimizam-se as barreiras para a participação de negros no esporte,
já que agora poderiam começar
a receber para jogar, o que antes
era proibido em nome do “amadorismo do espírito olímpico”. Já
populares, grandes clubes têm
muitos pobres e negros nas arquibancadas e em seus elencos,
além de craques, como Fausto e
Leônidas da Silva, que torna-se
líder dos jogadores na luta pela
afirmação do profissionalismo
no futebol.
É inevitável que, ao falar sobre
a questão racial no futebol, seja
citado o livro clássico do jornalista
Mário Filho, O negro no futebol
brasileiro, publicado pela primeira vez em 1947, na carona de
autores como Gilberto Freyre e
Sérgio Buarque de Holanda, em
busca de encontrar uma identidade nacional à época.
Foi a primeira obra relevante a
levantar questões sobre a participação do negro na cultura e formação do esporte, abordando não
apenas suas contribuições, mas
também o racismo jamais dissociado daqueles primeiros 50 anos
de história do futebol no País.
Interessante notar que “a sequência dos capítulos sugere o longo e penoso processo de democratização do futebol brasileiro, cuja fixação era o objetivo do jornalistaaoescreverseuensaio”,afirma o pesquisador Marcel Diego
Tonini, autor da dissertação de
mestrado História oral de vida de
negros no futebol do Brasil.
O livro de Mário Filho apresentava quatro capítulos em
1947: “Raízes do saudosismo”;
“O campo e a pelada”; “A revolta
do preto” e “A ascensão social do
negro”, acrescidos, em 1964,
pós-derrota e condenação pública do goleiro negro Barbosa na
Copa de 1950, e com o Brasil já
bicampeão mundial graças a Pelé, Garrincha e Didi, de outras
duas seções: “A provação do preto” e “A vez do preto”.
Assunto preterido
A verdade é que o duo racismo/futebol foi por muito tempo preterido pela sociedade e por acadêmicos. Enquanto em campo (e fora
dele) o preconceito rolava forte,
sociólogos, antropólogos, comunicólogos, jornalistas e historiadores
viam o futebol e qualquer tema
relacionado ao esporte como menores. Vozes como a de Joel Rufino
dos Santos ou da pesquisadora Lú-
cia Helena Corrêa eram raras no
meio, mas essenciais para não deixar o assunto morrer.
“O racismo no Brasil continua o
mesmo, dos camarotes às gerais,
entrecartolasetorcedores.Eleapenas apurou o próprio estilo, abandonando expressões explícitas, como “negro sujo” ou “crioulo nojento”, para abrigar-se em conceitos mais modernos e menos vulgares. Mas nem por isso menos
cruéis”, destaca Corrêa em seu ensaio Racismo no futebol brasileiro,
de 1985.
Hoje, ainda que a sociedade, de
umamaneirageneralizada,nãodê
conta do grave problema enfrentado por negros no futebol (não
apenas no Brasil, mas mundialmente), é notável que a academia
eaimprensatêmoutrosolhospara
a questão. São cada vez mais frequentes textos sobre o tema.
As obras vão desde aquelas que
tratam da complexidade do futebol como um instrumento democratizador das relações entre raças,
como com José Miguel Wisnik, em
Veneno remédio: o futebol e o Brasil, ou com o antropólogo baiano
Jeferson Bacelar, em Ginga e nós:
o Jogo do lazer na Bahia, no qual
estuda o futebol de bairro e os
“babas” na vida social urbana como traço da identidade brasileira/baiana contemporânea, até
abordagens que discutem a (pouca) presença e a atuação de negros
em funções outras no futebol que
não a de jogador profissional, tais
como treinadores, árbitros, dirigentes, médicos e jornalistas.
Tentar disfarçar a
cor negra com pó
de arroz foi
estratégia usada
contra racismo
no futebol
Raul Spinassé / Ag. A TARDE