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Tema 1
A importância, características e história da investigação
qualitativa
• Saber identificar as principais características, potencialidades e limitações da
investigação qualitativa.
• Conhecer as aplicações e finalidades da investigação qualitativa;
• Reconhecer a importância, interesse e utilidade da investigação qualitativa no
âmbito da pesquisa social;
Introdução:
A investigação qualitativa ajusta-se com as Ciências Sociais e com a Psicologia. É
dotada de vários métodos, dos quais com premissas diferentes e com objetivos
diferentes também, pois cada método tem uma ideia específica para o seu objetivo.
Os métodos qualitativos estão assentes no processo de investigação, e irei explicá-
los e descrevê-los nesta mesma visão.
A investigação qualitativa é importante para o estudo das relações sociais, uma vez
que, existe diversidade dos ambientes, dos estilos e modos de vida, e subculturas. A
velocidade a que o mundo está a evoluir faz acelerar também a mudança social, e
consequentemente, acelera a diversidade dos universos de vida. Como tal, os cientistas
deparam-se com novos contextos sociais e novas perspetivas, sendo necessário
alterarem o modo das suas pesquisas convencionais para pesquisas mais sensitivas, de
forma a abordarem diretamente âmbitos sociais que pretendem estudar.
Limitações:
A investigação social empírica, durante muito tempo, baseou-se em inquéritos
padronizados com o objetivo de analisar e relatar a frequência e distribuição dos
fenómenos sociais na população, como por exemplo, certas atitudes repetitivas das
pessoas. Ou seja, estes procedimentos padronizados da investigação quantitativa eram
pouco pormenorizados para se estabelecer relações entre os objetos e os problemas.
Contudo, BonB e Hartmann “propuseram a crescente desmitificação da Ciência, dos seus
métodos e das suas descobertas.” (Flick, 2005: 3) dizendo que em Ciências Sociais, as
descobertas da investigação social tiveram pouco impacto nos contextos da política e do
quotidiano, exatamente por a investigação não ser transferida para a prática política e
institucional como seria o esperado. Assim, a Ciência deixou de realizar as “verdades
absolutas”, porque começou a oferecer interpretações limitadas, maiores que as teorias
diárias e podem ser utilizadas na prática.
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Estas limitações tornou os resultados das Ciências Sociais pouco compreendidos
e utilizados no dia-a-dia, porque o cumprimento da metodologia, as pesquisas e os
resultados estavam quase sempre distantes dos problemas e preocupações diárias.
Assim como, as análises práticas da investigação, a maioria das ideias de investigação,
não podiam ser cumpridas. Portanto, a investigação e os seus resultados são
absolutamente influenciados pelos interesses sociais e culturais dos que nela participam,
pois, todos estes fatores têm influência na formação das questões da investigação, como
também na interpretação das relações e dados.
Por fim, a desmitificação de BonB e Hartmann tem consequências no
conhecimento que as Ciências Sociais e a Psicologia podem atingir, restando a
possibilidade de afirmações relacionadas com as situações e sujeitos, “que têm de ser
estabelecidas por um conceito de conhecimento sociologicamente articulado” (Flick,
2005: 4), porque as afirmações entre situações e sujeitos é um objetivo atingível com a
investigação qualitativa.
Principais características:
As principais características da investigação qualitativa são as seguintes:
A correta escolha de métodos e teorias apropriadas é uma das características,
uma vez que, é importante escolher os métodos e teorias que podem ser estudadas
empiricamente. Para Bortz, a possibilidade de os métodos disponíveis poderem ser
utilizados para estudo é um dos critérios que determina o objetivo da investigação. Bortz
apresentou várias soluções para uma correta escolha de métodos e teorias, enunciando
que se todos os estudos empíricos fossem planeados com o modelo das relações causa
e efeito, todos os objetos complexos teriam de ser excluídos. A investigação só consegue
realçar o que já está no modelo da realidade subjacente, logo tem que se incluir as
condições do contexto de pesquisa quantitativa complexa. Uma outra solução vinda da
investigação qualitativa é a adoção de métodos abertos ajustáveis à complexidade do
objeto estudado, integrado no seu contexto quotidiano, sendo este o fator
determinante da escolha do método.
Os métodos são caracterizados pelos seus objetos de estudo, de forma a
coincidirem com a diversidade da vida quotidiana. E como tal, a investigação qualitativa
tem como critérios centrais os resultados obtidos no material empírico, escolhendo os
métodos adequados ao objeto de estudo.
As perspetivas dos participantes na sua diversidade é mais uma característica
da investigação qualitativa, iniciando-se nos significados individuais e sociais do objeto,
como também na diversidade das perspetivas sobre ele, estudando os saberes e as
praticas dos participantes. Faz também a análise das interações sobre doenças mentais
e como as deve enfrentar num certo espaço. A investigação qualitativa defende que
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existe diferentes práticas e pontos de vista no campo de estudo, devido a diferentes
perspetivas dos sujeitos e como estão enquadrados na sociedade.
Outra característica da investigação é a reflexão do investigador sobre a
investigação, visto que, os métodos qualitativos vêm a interação do investigador com o
campo e seus membros como uma parte da produção do saber. Faz parte do
processo de investigação a subjetividade do investigador e dos sujeitos estudados, dado
que, as reflexões do investigador desde as ações, observações no terreno, as impressões,
sentimentos, etc., constituem o seu direito e ficam documentados no seu diário de
investigação.
A prática da investigação qualitativa e as suas análises são caracterizadas por
várias abordagens teóricas e respetivos métodos, sendo uma variedade de abordagens
e métodos na investigação qualitativa mais uma característica da mesma. Inicia-se pelas
opiniões de cada sujeito, depois estuda-se o desenvolvimento das interações, e por fim,
reconstrói-se o espaço social e o possível significado das práticas. A variedade de
perspetivas resulta de linhas de evolução diferentes na história da investigação
qualitativa e de forma sequencial.
 Compreender a história da investigação qualitativa e as tendências que no
seu domínio ganham maior expressividade na contemporaneidade.
História:
Desde o início do século XX, os métodos qualitativos têm grande tradição nas
Ciências Sociais, principalmente na Psicologia, que utiliza métodos de descrição,
compreensão e experimentais. E na Sociologia, que utiliza métodos descritivos,
biográficos e estudos de caso, orientada para a inferência, e paralelamente, com uma
perspetiva empírica e estatística.
Torna-se importante compreender a história da investigação qualitativa, e começo
por falar das críticas, nos anos 60, que caíram sobre a investigação social padronizada e
quantitativa, tornando-se novamente saliente na Sociologia americana. Estas críticas
prolongaram-se até aos anos 70 no debate científico alemão, acabando por recambiar
ao renascimento da investigação qualitativa nas Ciências Sociais e Psicologia.
Nos EUA e na Alemanha aconteceram debates pautados por diferentes fases e em
épocas distintas, que nos ajudam a perceber a história da investigação qualitativa. Foi
disponibilizado para um debate, em língua alemã, textos importantes da
Etnometodologia e do Interacionismo Simbólico, este foi motivado pela vontade de
tratar o objeto da investigação de forma ajustada à investigação quantitativa, isto é,
torna-se possível captar a vida quotidiana da população, e voltar a fazê-lo, tal e qual
como ela é. Nos anos 80, surgiram dois métodos, a entrevista narrativa de Schutze e a
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hermenêutica objetiva de Oevermann. Estas metodologias influenciaram a discussão
global dos métodos qualitativos, uma vez que, eram tão importantes como os resultados
que os permitiram obter. Ainda nos anos 80, a generalização dos resultados dos métodos
qualitativos era questionável, tal como a apresentação e transparência dos resultados.
Os debates terminaram com publicações de manuais, em língua alemã, resultantes dos
debates.
Já nos EUA, Denzin e Lincoln definiram sete momentos na investigação qualitativa. A
meio da década de 80, recai a “crise da representação” (Flick, 2005: 8) que tem um
enorme impacto na investigação qualitativa, pois transforma o processo de
apresentação do resultado e do conhecimento numa componente do processo de
investigação. Fazendo com que a investigação qualitativa se transforme num processo
de construção de versões de realidades, ou seja, o investigador interpreta uma
entrevista e apresenta-a como parte dos seus resultados produzindo uma nova versão
do conjunto. Neste contexto, é um tema central a avaliação da investigação e os seus
resultados nas interrogações metodológicas, estando ligado aos critérios alternativos na
investigação qualitativa.
Concluindo, é possível comparar as duas partes de desenvolvimento, dado que, na
Alemanha houve uma grande consolidação metodológica com uma crescente pratica de
investigação. Por outro lado, nos EUA os desenvolvimentos são caracterizados por
questionar de novo as certezas oferecidas pelos vários métodos, tendo a aplicação certa
dos procedimentos de entrevista. Desta forma, a investigação qualitativa converte-se
numa atitude específica, baseada na reflexão do investigador.
Modernidade:
A investigação qualitativa ganha maior expressividade na contemporaneidade,
porque atualmente, a maior necessidade de nos guiarmos para a investigação qualitativa
deriva dos diagnósticos mais recentes de todas as ciências, o que nos leva a crer que é
disfuncional as ciências modernas e, portanto, para a investigação funcional empírica,
nomeando quatro tendências. A primeira é o regresso à oralidade, é uma tendência para
realizar estudos empíricos, nas narrativas, na linguagem e na comunicação. Outra
tendência é a formulação de teorias e na condução de estudos empíricos, para tratar de
problemas concretos, que surgem em situações específicas. O regresso ao local, é
também uma tendência, é o reencontro com o estudo das práticas e experiências, e
modos de viver que têm enraizados. Por último, a tendência do conceito de
oportunidade, para situar os problemas estudados e propor soluções no seu contexto
histórico ou temporal.
A investigação qualitativa está direcionada para a análise de casos concretos, no
tempo e no espaço, por isso, esta investigação define caminhos para a Psicologia e para
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as Ciências Sociais, tornando-as em programas de pesquisa, mas mantendo-se sempre
fiel aos seus objetivos e atividades.
Bibliografia:
FLICK, U, 2005, Métodos Qualitativos na Investigação Científica, Lisboa, Monitor
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Tema 2
Perspectivas Teóricas da Investigação Qualitativa
• interacionismo, etnometodologia e perspetivas construtivistas;
• modelos estruturalistas;
• triangulação de perspetivas.
• Conseguir distinguir, de forma comparativa e contrastiva, os traços
característicos e as especificidades das diferentes perspetivas de investigação no
quadro da investigação qualitativa, de modo a conseguir identificar o que têm de
comum e de diferente.
A investigação qualitativa leva-nos a olhar para três perspetivas fundamentais e para
as suas especificidades, cada uma com os seus traços específicos. Ajudam-nos a perceber
a forma como os indivíduos se relacionam em diversos contextos de estudos, como as
suas experiências, ações ou intenções.
Interacionismo é a primeira perspetiva e importa o significado que os sujeitos dão às
suas atividades e seus contextos, é um processo de interação, e está direcionado para o
interacionismo simbólico. Para esta perspetiva existem hipóteses centrais, como a de
Blumer que se divide em três hipóteses: primeiro “os seres humanos agem em relação
às coisas, com base no significado que elas têm para eles…” (Flick, 2005: 18), segundo
diz que este significado sucede da interação social entre o indivíduo e os seus
conhecidos, e a terceira hipótese é que estes significados são modificados por um
processo interpretativo que os indivíduos usam para lidar com as coisas que encontram.
Portanto, a remontagem destes pontos de vista subjetivos torna-se instrumentos para
analisar as realidades sociais.
Outra hipótese central existente é o Teorema de Thomas, é um princípio
metodológico fundamental do interacionismo simbólico, e defende que quando alguém
define uma situação real, esta mesma torna-se real nos seus efeitos. Pegando nesta
hipótese, o imperativo metodológico é remontar o ponto de vista do sujeito em vários
aspetos. Primeiro vêm as teorias subjetivas de que as pessoas se servem para explicar a
si próprios o mundo, como as teorias sobre a saúde, doenças ou educação. Segundo são
as trajetórias biográficas reconstituídas do ponto de vista dos sujeitos.
Na área da Sociologia houve uma evolução para o interacionismo simbólico, onde
existem reflexões fenomenológicas, como formas de pensar, críticas feministas e
pósmodernas da ciência. Denzin divide esta perspetiva em dois aspetos, quando o
investigador quer examinar a relação problemas pessoais e as políticas criadas para
enfrentar esses problemas pessoais, ou limita a perspetiva repetidamente para os
processos estudados serem entendidos num plano biográfico e serem interpretados.
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Tal como, na área de Psicologia também teve desenvolvimento nesta perspetiva.,
surgindo as teorias subjetivas como investigação. Começando por testar as pessoas no
seu dia-a-dia afirmando que estas elaboram, como cientistas, teorias sobre o
comportamento das coisas. Pois, este tipo de investigação reconstrói teorias subjetivas,
e, portanto, foi elaborado um método específico de entrevista, que visam reconstruir as
teorias subjetivas de forma aproximada ao ponto de vista do sujeito.
O que molda a maioria da investigação qualitativa são as experiências e
acontecimentos centrados no ponto de vista dos sujeitos. A referência ao interacionismo
simbólico nas investigações sobre as teorias subjetivas está pouco explícito. No entanto,
nos estudos integracionistas, continua a ser importante o foco no significado subjetivo
dos objetos para os participantes nas interações, utilizando-se variadas formas de
entrevistas e observações participantes. Em suma, o estudo dos pontos de vista
subjetivos e as teorias do interacionismo simbólico tem um enorme destaque para a
investigação qualitativa.
A Etnometodologia é a segunda perspetiva, e parte da construção da realidade social,
pois ela questiona o modo como as pessoas criam a realidade social nos seus processos
de interação, estudando os métodos utilizados por elas para a produção da realidade
quotidiana. A etnometodologia tem interesse em saber como é o dia-a-dia das pessoas
em sociedade, de forma a construir um contexto de interação, onde as atividades são
realizadas, usando principalmente, as análises das conversas.
Heritage, em relação às análises das conversas, condensa-as em três hipóteses, e
basicamente, defende que a interação é produzida de forma ordenada e o mesmo
contexto é produzido em simultâneo com a interação e através dela. Diz também, que é
relevante numa interação social decidir pela análise dessa interação e nunca tomada a
priori como certa. Como tal, o objetivo não é saber o significado da interação e o
conteúdo para os participantes, mas sim como a interação se organiza.
A investigação etnomotodológica, na área das ciências sociais, começou a focar-se
mais nas análises formalizadas das conversas. Abriu caminho para uma nova análise
sobre os processos de trabalho, neste caso os processos de trabalho são estudados em
laboratório e estudados em vários métodos, com a finalidade de ampliar o estudo das
interações até à preocupação “com o conhecimento materializado” (Flick, 2005: 22).
A partir da análise do discurso e dos estudos de laboratório, a Psicologia Social
desenvolveu um programa chamado de “Psicologia do Discurso” (Flick, 2005: 22), e
analisa os fenómenos psicológicos pela análise do discurso sobre determinados temas,
tanto as conversas do quotidiano como os textos dos media. Este método parte dos
repertórios interpretativos utilizados pelos intervenientes num discurso para criar e
confirmar uma versão empírica da realidade. A análises etnometodológicas oferecem
descrição pormenorizada sobre as organizações das interações sociais, permitindo
estabelecer tipos de processos de conversação.
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A terceira perspetiva, é a perspetiva construtivista que pressupõe que os sistemas
culturais encaixam de certa forma na construção da realidade subjetiva e social. Esta
perspetiva faz a distinção das experiências e atividades de superfície das estruturas de
profundidade de ação. As de superfície são acessíveis ao participante, enquanto que as
estruturas de profundidade não são acessíveis à reflexão individual no dia-a-dia.
Analisar a relação do investigador e do processo de investigação com os sujeitos
entrevistados é uma descoberta do modo de funcionamento da “produção societal da
inconsciência” (Flick, 2005: 23), uma vez que, para esta análise, as normas implícitas e
explícitas da ação têm bastante importância.
A relação entre o conhecimento social implícito e o conhecimento e a ação individual
estavam confusos, porque existia influência do conhecimento social e o culturalmente
partilhado sobre experiências e ações. Assim, as normas sociais do conhecimento social
de cada assunto são estudadas, sem serem concebidas como uma realidade, usando as
entrevistas e a observação participante como métodos de estudo.
Triangulação de perspetivas
Estas três perspetivas de investigação qualitativa e respetivos fundamentos
formam uma espécie de triângulo entre elas. Ora vejamos, a primeira perspetiva começa
nos sujeitos envolvidos na situação de estudo e dos significados que essas situações têm
para eles. As interações com os outros intervenientes numa situação e o contexto são
reconstruídos a partir dos significados subjetivos.
A segunda perspetiva parte da interação no aconselhamento e estuda-se o
discurso. Portanto, os significados subjetivos dados pelos participantes têm pouco
interesse do que a forma como a conversa se organiza como consulta formal, bem como
os participantes dividem os papéis entre si.
A terceira perspetiva, questiona as normas implícitas ou inconscientes que
podem governar os atos explícitos em situações, e sobre as estruturas inconscientes que
podem gerar atividades manifestantes. Em virtude dos pontos de vista subjetivos e os
processos de interação são importantes para a reconstituição das estruturas.
Posto isto, e para além deste triângulo pode ter-se apenas uma visão do tudo isto
estudado. Cada uma destas perspetivas da investigação pode ser combinada e
complementadas umas com as outras, expande-se assim, a visão do fenómeno
estudado, como por exemplo, pela reconstituição do ponto de vista dos participantes e
pela análise seguinte do revelado nas situações partilhadas pela interação.
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Traços comuns às diferentes posições
A compreensão como princípios epistemológicos compreende os fenómenos
através do estudo do ponto de vista dos sujeitos, das normas socias e culturais e da
análise das situações em cada caso. Consoante cada corrente teórica, a metodologia
também pode conseguir esse propósito.
A reconstituição dos casos como ponto de partida permite analisar as situações
estudadas, mais ao menos de forma consciente, antes de estabelecerem comparações.
E tudo depende da perspetiva teórica adotada para o tipo de situação escolhida para
analisar.
A construção da realidade como base, uma vez que, a realidade estudada é
criada para esse efeito, pelos vários atores em cena. Aquele que é fundamental para
esta construção difere de acordo com cada posição teórica.
O texto como material empírico, é o texto base da reconstituição e da
interpretação. A importância atribuída ao texto varia conforme a teoria seguida no
estudo.
Tema 3
Construção e compreensão do texto: o texto como construção
da realidade.
Texto e realidade
Na investigação qualitativa o texto tem três finalidades: constituir os dados
essenciais em que está inserida a descoberta; é o centro da interpretação; e é o meio
fundamental da apresentação e comunicação dos resultados. Como acontece com a
hermenêutica objetiva, que assume a textualização do mundo como programa, ou
como o caso da generalidade dos métodos correntes na investigação qualitativa. Em
ambos os casos, o texto resulta da coleção de dados e de instrumento de
interpretação.
O texto substitui a realidade estudada, pois assim que o investigador recolhe
os dados e a partir dele elabora um texto, este passa a ser usado no resto do processo
como substituto da realidade a estudar. Exemplo disto, são as narrativas que se
fazem na entrevista que ficam disponíveis para a interpretação, e não as biografias.
O texto produzido desta forma torna-se a base das interpretações futuras e das
descobertas que resultam delas.
Texto como construção da realidade
É impossível reduzir a relação entre texto e realidade para uma representação
de factos dados, originando uma dupla crise de representação e de legitimidade.
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Como crise de representação, duvida-se que os investigadores sociais “apanhem”
diretamente a experiência vivida, que é criada no texto escrito pelo investigador.
Daqui surge a tal crise de representação, visto que, é problemático a ligação direta
entre o texto e a experiência.
Na crise de legitimidade, os critérios clássicos de controle são abandonados
para a investigação qualitativa ou são rejeitados na totalidade as possibilidades de
legitimar o conhecimento científico.
As diferentes variedades do construtivismo social e do construcionismo partem
da ideia de que a realidade é produzida pelos participantes, a partir da atribuição dos
objetos e dos acontecimentos. Bem como, a investigação social não pode fugir às
atribuições de significado, isto se, quiser tratar das realidades sociais. Levantando,
neste contexto, as questões: “O que é que os sujeitos sociais tomam por real, e como
o fazem?” (Flick, 2005: 31) e, portanto, os pontos de partida da investigação
passam a ser as ideias dos acontecimentos sociais, das coisas que estão no campo
social estudado, e como essas ideias comunicam ao serem partilhadas e tidas como
reais.
Segundo Goodman, a realidade é socialmente construída por várias formas de
conhecimento, e são estas formas vários “modos de construção da realidade” (Flick,
2005: 31). De acordo com Gooman e Shutz, a investigação social é uma análise
destes modos de construção da realidade e dos esforços construtivos diários dos
participantes.
Shutz distingue as construções de primeira e de segunda ordem, ele defende
que a primeira metodologia das Ciências Sociais é a exploração dos princípios gerais,
sendo por onde as pessoas organizam as suas experiências do dia-a-dia,
principalmente as do mundo social. Ele faz referência a múltiplas realidades,
organizadas em bases com os mesmos princípios que organizam a realidade do
quotidiano.
Uma das problemáticas das Ciências Sociais é de apenas encontrar o seu meio
de estudo nas versões já existentes no terreno. As inter-relações englobam diversos
processos de construção da realidade, desde as elaborações subjetivas no dia-a-dia
e das elaborações científicas pelos investigadores na interpretação dos dados e na
apresentação dos resultados.
Construção da realidade no texto: a Mimética
O termo mimético refere-se à transformação da realidade em forma simbólica.
Na investigação qualitativa pode-se estabelecer entre a construção social, e
aos textos nela utilizados, a ligação com elementos miméticos devido à transformação
da experiência em narrativa pelas pessoas estudadas; a elaboração de textos e a sua
interpretação pelos investigadores; bem como a devolução dessas interpretações aos
contextos quotidianos.
Ricoeur contribuiu com um prestável ponto de vista para a análise dos
processos miméticos na interpretação e elaboração dos textos das Ciências Sociais,
e dividiu-os em mimética 1, 2 e 3. Para ele, a produção de um qualquer tipo de texto
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para aquele que lê e interpreta o que tem escrito está implicado na construção da
realidade como aquele que o escreveu.
Definiu a mimética 1 como sendo a “pré-concepção da natureza da ação
humana” (Flick, 2005: 34), ou seja, está baseada numa pré-conceção da atividade
humana e dos acontecimentos naturais e sociais.
A mimética 2 é como se fosse a configuração da ação, é a transformação
mimética dos ambientes sociais ou naturais, é no fundo um processo construtivo.
A transformação mimética do texto em compreensão está presente no
processo de interpretação, e traduz a mimética 3. Esta mimética assinala o
cruzamento do mundo do texto com o mundo do ouvinte ou leitor.
Na visão de Ricoeur e, em termos de Ciências Sociais, o tratamento de textos
literários e os processos miméticos são como o cruzamento da construção e da
interpretação da experiência. Na conceção da mimética, o processo não se limita
apenas ao acesso a textos literários, mas sim antes a alongar a compreensão na sua
globalidade, e como tal, à compreensão do conceito saber.
Finalizando, a mimética aos olhos do autor é um processo de compreensão da
literatura, sem esquecer a rígida e estrita ideia de representação da realidade dada
aos textos.
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Tema 4
O papel da teoria na investigação qualitativa
• Dominar os conceitos de linearidade e circularidade no processo de investigação;
• Saber caracterizar a teoria enraizada e o seu entendimento particular sobre o
processo de investigação.
Métodos e técnicas de investigação em Ciências Sociais
Os métodos e as técnicas de investigação em Ciências Sociais são bastante vastos
e variam de autor para autor. Madaleine Grawitz (1993) define métodos como um
conjunto arranjado de operações que se realizam para atingir um ou vários objetivos, são
um conjunto de normas que selecionam e coordenam as técnicas. Estes constituem
também um plano de trabalho em função de uma determinada finalidade.
Define também as técnicas como “procedimentos operatórios rigorosos” (Carmo
e Ferreira, 2015: 155) e suscetíveis de serem aplicados nas mesmas condições, adaptados
aos fenómenos em causa e ao tipo de problema. O objetivo que o investigador quer atingir
é que dita a escolha das técnicas, que por sua vez, está ligado ao método de trabalho. Por
vezes existe confusão entre estes dois termos, no entanto a técnica representa a etapa de
operações limitadas, concretos e adaptados para uma finalidade, enquanto que o método
é uma criação intelectual que coordena várias técnicas.
A distinção entre métodos quantitativos e os métodos qualitativos reside entre
paradigmas que dizem respeito à produção do conhecimento e ao processo de
investigação, pressupõe-se existir uma ligação entre epistemologia, teoria e método.
“Cada tipo de método está, portanto, ligado a uma perspetiva paradigmática distinta e
única.” (Carmo e Ferreira, 2015: 156).
Paradigmas quantitativos e qualitativos
Reichardt e Cook (1986) defendem que um investigador para resolver melhor um
problema de pesquisa não tem que escolher obrigatoriamente um dos dois paradigmas,
pode sim escolher uma combinação de atributos pertencentes a cada um deles. Como
também não é obrigado a escolher um método quantitativo ou qualitativo, podendo sim
escolher até os dois ao mesmo tempo. No entanto, outros autores colocam como
desvantajoso utilizarem os paradigmas conjuntamente numa mesma investigação. Julia
Brannen (1992) salienta que o mais correto seria relacionar cada conjunto de dados com
a teoria que lhe está subjacente e analisar o quanto o conjunto de dados se complementam.
Reichardt e Cook (1986) mostram-nos quais as características atribuídas ao
paradigma qualitativo e ao paradigma quantitativo. Em relação ao paradigma quantitativo,
os autores englobam-no numa conceção global positivista, hipotéticodedutiva,
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particularista, orientada para os resultados e própria das Ciências Sociais, enquanto que o
paradigma qualitativo está mais inclinado para uma conceção global fenomenológica,
indutiva, estruturalista, subjetiva e orientada para a Antropologia Social. Não esquecendo
que cada tipo de método está ligado a uma perspetiva paradigmática própria.
A investigação como processo linear
O ponto de partida do investigador é o conhecimento tórico obtido na literatura ou
a partir dos resultados empíricos anteriores. Os “objetos” de investigação concretos, como
um determinado campo social, são tidos como exemplares, porque são testadas as relações
sob a forma de hipóteses.
O investigador tem como fim poder garantir a representação dos dados e resultados
obtidos, como também subdividir as relações complexas em muitas outras variadas, dando
a possibilidade do investigador medir e isolar os efeitos de cada uma.
O objeto de investigação vem primeiro que as teorias e métodos, só depois é que
são testadas e é possível perceber se são falsas ou não.
O conceito de processo de investigação na teoria enraizada
A teoria enraizada contrasta com a teoria linear.
A teoria enraizada dá primazia aos dados e ao campo de estudo, em relação ás
hipóteses teóricas. Estes são “descobertos” e, não aplicados à questão estudada, ao tratar
do campo e dos dados empíricos que nele se vão encontrar.
O objetivo não é reduzir a complexidade, mas antes aumentá-la com o contexto.
Os métodos também devem ser bem escolhidos para o estudo em questão e escolhidos de
acordo com esse critério.
Nesta teoria o investigador deve optar por uma atitude chamada de “suspensão
calculada da atenção” (Flick, 2005:43), ou seja, os investigadores, devido às suas
estruturas teóricas e aos seus receios, que tanta atenção dão aos aspetos concretos, acabam
por ficar obcecados com o sujeito estudado. Isto faz com que eles e a investigação fiquem
“longe” de algo novo.
A teoria enraizada abrange aspetos importantes, como a amostragem teórica –
estratégia gradual da amostra – aplica-se em pesquisas que usam métodos de interpretação
muito diferentes dos propostos, a codificação teórica – método de interpretação dos textos
– elabora teorias com base na análise do material empírico e é essencial, por fim a escrita
da teoria. Todos estes aspetos estão direcionados para a interpretação dos dados, como
também as decisões sobre os dados a contemplar e os métodos para esse fim, pois
baseiam-se na elaboração da teoria.
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Linearidade e circularidade do processo
Uma das características fundamentais do modelo de investigação da teoria
enraizada é a circularidade.
A circularidade traz consigo alguns problemas de investigação para avaliar a
pesquisa, principalmente na proposta de um projeto de investigação para alcançar
financiamento, e também na avaliação da investigação e dos resultados.
Ainda assim, a circularidade é uma mais valia na abordagem, porque “obriga” o
investigador a fazer uma reflexão permanente sobre o processo de investigação, e sobre a
ligação de cada um dos passos com os outros.
Outra vantagem da circularidade é a curta ligação, incluindo o tempo, entre a
coleta e a interpretação dos dados, bem como a eleição do material empírico, pois permite
ao investigador responder à questão: “em que medida as categorias, métodos e teorias
utilizadas se ajustam ao tema e aos dados?” (Flick, 2005: 44).
Métodos qualitativos
Os métodos de investigação constituem de uma forma concreta ou abstrata um
plano de trabalho em função de um determinado fim, ou seja, cada tipo de método está
ligado a uma própria perspetiva paradigmática. A escolha das técnicas está relacionada
com o método de trabalho, tudo depende do objetivo que se quer atingir. Um fator
importante a ter em conta é a distinção entre o método e a técnica. A técnica é a etapa de
operações relacionada com elementos práticos, definidos e adaptada para uma certa
finalidade, enquanto que o método é uma elaboração coordenada de um conjunto de
operações.
A distinção entre a investigação quantitativa e a investigação qualitativa diz
respeito ao conhecimento gerado e ao processo de investigação que, por sua vez,
“pressupõe existir uma correspondência entre epistemologia, teoria e método.” (Carmo e
Ferreira, 2015: 156) e, portanto, cada tipo de método tem a sua distinção que está ligado
a uma única perspetiva paradigmática. Em Ciências Sociais, a adequada utilização dos
métodos quantitativos e qualitativos nos trabalhos de investigação é sem dúvida
importante, mas também surgem, nestes dois paradigmas, os seus problemas ao longo do
desenvolvimento da investigação.
Cada investigador adere ao paradigma que melhor se adapta, pois há
investigadores que para solucionarem a sua pesquisa recorrem aos dois ou apenas a um
dos paradigmas. Enquanto outros investigadores, escolhem uma combinação de atributos
de cada um dos paradigmas, e para além disso, os investigadores podem também nem
sequer optarem unicamente pelos métodos quantitativos ou qualitativos, como podem
combinar os dois tipos de métodos.
Os investigadores Reichardt e Cook (1986) defendem uma série de características
atribuídas a cada um dos paradigmas. Estes afirmam que o paradigma quantitativo tem
uma visão positivista global, particularista, e muito dedutiva hipoteticamente para as
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Ciências Naturais. Enquanto o paradigma qualitativo tem um olhar mais fenomenológico,
estruturalista, indutivo, subjetivo e orientado para a Antropologia Social.
Características dos métodos quantitativos:
A utilização dos métodos quantitativos está ligada à investigação experimental, o
que requer a observação de fenómenos, a formulação de hipóteses para explicar esses
mesmos fenómenos, controlo de variáveis, amostragem e verificação ou rejeição da
recolha de dados. O objetivo é generalizar os resultados de uma certa população em estudo
a partir da amostra, efetuando relações de causa e efeito, e prever os fenómenos.
O investigador antes de efetuar uma investigação quantitativa deve elaborar um
plano de investigação estruturado com os devidos objetivos e procedimentos, de modo a
definir os objetivos do trabalho, a formulação de hipóteses e definição das variáveis. Os
objetivos neste tipo de investigação consistem em relacionar variáveis e fazer descrições
dos dados recolhidos. Contudo, os métodos quantitativos têm algumas limitações,
principalmente por estarem ligadas ao próprio fenómeno estudado, como por exemplo a
complexidade dos seres humanos, estímulos diferentes geram respostas diferentes nas
pessoas, muitas variáveis de estudo, a subjetividade dos investigadores, medições
indiretas e até mesmo problemas com a fiabilidade e validade dos instrumentos de
medição.
Características dos métodos qualitativos:
As principais características dos métodos qualitativos são a indutiva, em que os
investigadores fazem por analisar a informação de uma “forma indutiva” (Carmo e
Ferreira, 2015: 160), não procuram informação para verificar as hipóteses, desenvolvem
sim conceitos e chegam até aos fenómenos a partir da recolha de dados. Isto é, a teoria
inicia-se a partir dos dados que obtiveram e são inter-relacionados, tendo a designação de
“teoria fundamentada”.
Outra característica é a holística, onde os investigadores têm em conta a “realidade
global”. Ou seja, o sujeito, os grupos e as situações são vistas como um todo, sendo
estudado o passado e o presente dos indivíduos da investigação. A naturalista é outra
característica, onde a fonte direta dos dados é “natural”, nesta característica os
investigadores interagem com os sujeitos naturalmente e discretamente. Misturam-se com
eles para estudarem e compreenderem uma certa situação, controlando e minimizando os
efeitos sobre os sujeitos de investigação e avaliam-nos depois de interpretarem os dados
recolhidos. São também humanísticos, porque o investigador quando estuda os sujeitos
numa vertente qualitativa tenta conhecê-los como pessoas e experimenta o que eles
experimentam nos seus dias.
Nos métodos qualitativos os investigadores são muito sensíveis aos contextos, pois
os atos, as palavras e os gestos só podem ser compreendidos no seu contexto. Tal como o
“significado” tem grande importância, uma vez que, os investigadores tentam
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compreender os indivíduos a partir das referências desses mesmos indivíduos. Portanto,
o investigador tenta viver a realidade do indivíduo, demonstrando empatia e compreensão
pelas suas perspetivas de todos na globalidade, deixando para trás as suas convicções.
A investigação qualitativa é também “descritiva”, sendo bastante rigorosa e resulta
dos dados recolhidos, que incluem excertos de entrevistas, registos de observações,
documentos escritos, vídeos e fotografias. Deste modo, é normal que os investigadores se
interessem pelo processo de investigação, e não apenas pelos resultados que dela resulta,
sendo por isto, uma investigação com o chamado plano de investigação flexível.
O principal problema da investigação qualitativa é a objetividade do investigador,
pois este é o “instrumento” da recolha de dados, o que valida e toma como fiável os dados,
tudo depende da sua sensibilidade, conhecimento e experiência. Uma vez que, a validade
do trabalho realizado tem enorme importância para toda a informação estar de acordo com
o que os sujeitos fazem e dizem, utilizando a observação participante, a entrevista e a
análise documental como as técnicas mais utilizadas na investigação qualitativa.
Tradições teóricas em investigação qualitativa
Patton (1990) nomeou diferentes tradições teóricas, às quais correspondem
orientações metodológicas, visto que, a investigação qualitativa não é uniforme. Passo a
referir as tradições mais importantes e as práticas de investigação que lhes correspondem:
a etnografia tem a sua origem disciplinar na antropologia, a fenomenologia na filosofia, heurística
corresponde à psicologia humanística, etnometodologia tem a sua origem na sociologia, o
interacionismo simbólico na psicologia social, a psicologia ecológica corresponde à ecologia e
psicologia, a teoria sistémica tem origem na interdisciplinar, hermenêutica corresponde à
teologia, filosofia e critica literária, e por fim a qualitativa orientacional tem a sua origem
disciplinar na historia das ideias e economia política.
Combinação de métodos quantitativos e qualitativos:
A combinação dos métodos quantitativos e qualitativos numa investigação ou a
não combinação dos mesmos gerou controvérsia entre os investigadores. Patton (1990)
defende que através da triangulação o plano de investigação fica mais consistente, isto é,
combinar os métodos de estudo dos mesmos fenómenos. Denzin (1978) identificou quatro
principais tipos de triangulação, a triangulação de dados: usa-se a variedade de fontes no
mesmo estudo, a triangulação de investigadores: usa-se vários investigadores, a
triangulação de teorias: usa-se várias teorias para compreender os mesmos dados, e
a triangulação metodológica: que usa diferentes métodos para estudar um
problema. Portanto, a triangulação mostra-nos diferentes aspetos da realidade, logo, deve-
se utilizar diferentes métodos de observação da realidade.
Existem vantagens em combinar métodos, principalmente quando os trabalhos de
investigação têm múltiplos propósitos, visto que, é possível compreender melhor os
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fenómenos, da mesma maneira que a triangulação de técnicas permite alcançar resultados
seguros.
As possíveis desvantagens em combinar métodos é o custo, o tempo e as
experiências e competências do investigador, uma vez que, ele domina igualmente cada
um dos métodos de forma a poder usá-los eficazmente.
Bibliografia:
Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação:
Guia para Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta.
FLICK, U, 2005, Métodos Qualitativos na Investigação Científica, Lisboa, Monitor
Tema 6
O projeto de Investigação em Ciências Sociais
Objetivos de aprendizagem:
 Compreender a importância da gestão do tempo e da informação disponível na prática da
investigação
É necessário que o investigador para iniciar o seu projeto de investigação comece por recolher
a informação que tem disponível, adquirindo primeiramente uma atitude adequada perante o
estudo que vai desenvolver. Colocando de parte uma atitude individualista, pois quando adotam
esta atitude colocam-se de parte à comunidade cientifica e geram desconfianças que são ineficazes
para o projeto. Ineficazes porque, ficam com menos meios logo têm mais dificuldades em
alcançarem as suas metas iniciais. Portanto, o ideal será sempre o investigador adquirir mais
conhecimentos e desenvolver melhor as suas estratégias. Como por exemplo, ter curiosidade e
estar motivado para aprender com os outros, desde informadores qualificados e a população-alvo
da investigação, como também com as várias fontes de informação e realidade que o rodeia. Ter
humildade intelectual, de modo a que lhe permita obter informações pertinentes em sítios menos
habituais. E ter uma boa rede de cooperação na sua comunidade científica, desde pessoas e
instituições, para aprofundar mais o saber na área em questão.
O investigador deve também proceder à recolha preliminar de informação, de modo a facilitar-
lhe o trabalho em diversos contributos já disponíveis sobre o tema. Começando por selecionar os
elementos sobre as teorias existentes, pois nunca é demais sistematizar a informação numa boa
teoria, o que permite ao investigador gerir melhor os seus recursos e orientar as estratégias da sua
pesquisa. É importante também “o recurso a bases de dados com informação indexada sobre
monografias e artigos, (…)” (Carmo, 2015: 26), e realizar entrevistas exploratórias.
Morin (1921) denominou “nevoeiro informacional” ao conjunto de três tipos de filtros que
impedem ao investigador de ver bem a sociedade que quer estudar. O primeiro filtro é a
sobreinformação, que se traduz no excesso de informação no seu quotidiano, como revistas
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científicas, jornais, etc. o que faz com que tanta informação não permita ao cientista conhecer por
completo a literatura publicada. O segundo filtro, contrário ao primeiro, é a subinformação uma
vez que a sociedade contemporânea está rapidamente a mudar, o investigador confrontase com a
falta de informação para o seu objeto de estudo. O terceiro filtro é a pseudoinformação, isto é, o
conjunto de informação deformada ou falsa sobre a realidade social, muitas vezes emitida pelos
mass media. Em síntese, estes são uns dos maiores problemas metodológicos com que o
investigador se depara no seu processo de pesquisa, porque a seleção e gestão da informação
obriga-o a um esforço maior para minimizar os efeitos de “nevoeiro informacional”.
O tempo tem vindo a ser uma variável estratégica em qualquer processo de pesquisa, ou seja,
o nevoeiro informacional já falado determina os gastos consideráveis de tempo; o investigador já
começa a estabelecer contactos fora, como empresas, tendo-se de se adaptarem aos seus critérios
de prazos e custos; como também no encurtamento do ciclo de vida da pesquisa, para não haver
muito tempo entre o tempo da pesquisa e a publicação dessa pesquisa. Como tal, a noção de tempo
útil de pesquisa é uma condicionante importante para determinar o objeto de estudo e da
metodologia a adotar. E pode ser transformado em oportunidade pela autodisciplina em assumir
um elemento de controlo de qualidade da investigação e para acelerar os resultados.
Objetivos de aprendizagem:
 Conhecer todos os elementos necessários ao planeamento de uma investigação
Elementos para o planeamento de uma investigação
Para iniciar uma pesquisa é necessário planear a sua investigação, e a primeira tarefa do
planeamento é definir o que se quer investigar. Em Ciências Sociais, Raymond Quivy defende
que iniciar um processo de recolha de dados sem delimitar os objetos de estudo, é perder tempo e
energia que naturalmente reduz as condições objetivas para uma pesquisa com sucesso. Diz
também que o investigador deve evitar três tipos de erros: a sobreinformação; desprezar a prévia
conceção de hipóteses que são as bússolas da pesquisa; e deficiência na comunicação decorrente
da frequente imaturidade cognitiva e afetiva. Assim sendo, um bom planeamento incluí a prévia
constituição de um conjunto de perguntas, que seja possível progredir com clareza no estudo, de
modo a funcionar como posterior definição dos rumos da investigação. A definição de uma
estratégia orientada de recolha da informação também é importante, como a preocupação da
definição rigorosa e clara das intenções da investigação. Portanto, para delimitar o objeto de
estudo a seleção do campo e do tema deve ser de forte motivação ao investigador, para não
desmotivar durante a pesquisa. Como também deve delimitar o seu objeto como na definição das
suas metas.
Outro passo é definir o objetivo da pesquisa, para marcar as metas que o investigador quer
alcançar. Selttiz, Jahoda, Deutch e Cook (1967) classificaram os estudos para a pesquisa em três
tipos: estudos exploratórios – procede-se ao reconhecimento de uma certa realidade pouco
estudada e levantam-se hipóteses para perceber essa realidade; os estudos sociográficos ou
descritivos – descreve rigorosamente um dado objeto de estudo na sua estrutura e no seu
funcionamento; e os estudos verificadores de hipóteses causais – que partem das hipóteses para a
sua verificação.
Próximo passo, programar a pesquisa de forma a perceber quais as tarefas precisas para a
concretizar, devem ser bem definitas, articuladas e calendarizadas. Uma forma fácil de fazer esta
programação, é fazer uma árvore de objetivos definida e operacional em variáveis e indicadores;
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definir as técnicas de recolha dos dados (entrevistas, questionários…); como querem tratar e
interpretar os dados, sobretudo de forma qualitativa ou quantitativa; qual o
modelo de análise a utilizar; se usam gráficos, tabelas audiovisuais, etc.; e quanto tempo é
necessário para cada tarefa.
De seguida, identificar e articular os recursos necessários para o suporte da investigação, e já
Ducker (1986) definia um recurso como algo para descobrir uma dada utilidade. O investigador
ao planear a sua investigação, deve identificar os recursos que precisa para concretizar a
investigação e “inventar” soluções, ser original caso lhe surjam contratempos.
Sendo assim, deve ter em atenção e em conta as instalações onde irá realizar a pesquisa, os
equipamentos como um bom computador, câmara fotográfica, gravador, etc., vários apoios
financeiros (patrocínios), logísticos e documentalísticos, e por fim uma orientação científica
baseando-se em quem quer convidar para ser seu orientador.
Ferramentas metacognitivas para investigação
O objetivo do investigador em ter ferramentas metacognitivas é que se torna vantajoso para ele
em gerir melhor a informação e transformá-la em conhecimento, exemplos destas ferramentas são
os mapas concetuais, diagramas estruturados cognitivos como o Vê heurístico, epistemológico ou
de Gowin.
O mapa concetual, tem a forma de um diagrama bidimensional e mostra os conceitos
hierarquicamente organizados dentro de um dado campo de conhecimento, é como “uma
ferramenta de representação do conhecimento” (Carmo, 2015: 41). Segundo Buchweitz (1984),
para elaborar um mapa concetual os seguintes passos devem ser seguidos: localizar os conceitos,
catalogar os conceitos dos mais gerais para os mais específicos, distribuir os conceitos por duas
dimensões, escrever a origem da relação, fazer uma revisão e refazer o mapa, e preparar o mapa
final. O mapa concetual deve ser visto como uma representação possível de um conhecimento e
sempre a ponderar um possível ajuste.
Nestes mapas é importante clarificar conceitos, desempacotar conhecimento complexo e conceber
um campo semântico. Clarificar conceitos tem como propósito entender a diferença entre
conceitos numa determinada pesquisa, como por exemplo em exclusão social. De seguida deve-
se mencionar sinónimos do dito conceito em pesquisa, ou seja, integrar o campo semântico do
conceito, e seguidamente objetivar os seus significados, de modo a estimular a formulação de
diversas hipóteses relacionando cada significado a cada variável. E desta forma, a construção de
um mapa concetual faz crescer a imaginação sociológica do investigador, de modo a ajudá-lo a
construir outras hipóteses e teorias. Outra função do mapa é desempacotar conhecimento
complexo, ou seja, é possível fazer uma análise mais clara e rigorosa de documentos de várias
origens. Permite também clarificar os textos densos, de modo a salientar as palavras-chaves do
pensamento do autor. Como tal, o investigador sempre que precisar de conceber um conjunto de
conceitos bem articulados entre si, ou formar um campo semântico, pode recorrer à construção do
mapa concetual.
Para além dos mapas concetuais, o investigador pode recorrer a diagramas sistémicos como outra
ferramenta metacognitiva. Estes diagramas permitem diferenciar vários níveis complementares
aos conceitos em pesquisa, sugerindo uma estrutura analítica que possibilita analisar melhor todos
os conceitos importantes para a investigação.
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Outra ferramenta metacognitiva representa o fluxograma, este descreve um processo em forma
retangular ou oval com setas para definir a direção e a sequência.
Gowin (1981) concedeu o chamado Vê heurístico, Vê epistemológico ou Vê de Gowin e pretende
representar qualquer campo de conhecimentos, uma vez que, ele “vê a investigação científica
como uma maneira de gerar estruturas de significados, (…)” (Carmo, 2015: 53). Para Gowin um
campo de conhecimento integra duas partes específicas: o domínio concetual – teorias, princípios
e conceitos; e o domínio metodológico – registos, dados, e assuntos de conhecimento e de valor.
O Vê heurístico deve conter o seu objeto de estudo, onde o investigador identifica o seu objeto de
estudo observável. É composto também pela questão chave, onde deve definir com clareza varias
perguntas que identifiquem o objeto da pesquisa. A conceção do Mundo e da Vida também faz
parte para identificar e discutir as conceções que o investigador tem que possam vir a afetar
investigação. As teorias que irão fundamentar a investigação, tal como os modelos de observação
que poderão ser adotados. Os conceitos, que servirão para identificar os conceitos principais a
utilizar. Conceber registos de informação, como fichas bibliográficas e de leitura. As
transformações que define as estratégias de recolha e podem dividir-se em estratégias de recolha
de dados, de tratamento de dados e de análise de dados. Os resultados são fundamentais, para
identificar os resultados esperados para obter a forma de questão respondida. E por fim, o valor
acrescentado que identifica o valor que acresce à pesquisa que se fez, para o desenvolvimento da
teoria.
Bibliografia:
Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação: Guia para
Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta.
Tema 7
A Pesquisa Documental
 Compreender o papel da pesquisa documental no âmbito do processo de investigação
A importância de uma pesquisa documental adequada visa selecionar, tratar e interpretar
a informação existente em suportes estáveis, como áudios, vídeos e informo, de modo a extrair
dela algum sentido. Por outro lado, tem como objetivo executar essas mesmas operações de fontes
indiretas. Portanto, num processo de investigação para se atingir os objetivos, o investigador
necessita de recolher todas as informações anteriores, introduzir-lhe algum valor acrescentado e
passá-las para a comunidade científica a fim de que os outros investigadores possam desempenhar
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o mesmo papel no futuro. Deste modo, “a pesquisa documental assume-se como passagem de
testemunho” (Carmo, 2015: 59), ou seja, os investigadores que já investigaram o mesmo terreno,
terão que passar para as mãos dos próximos investigadores a investigação que fizeram nesse
mesmo terreno. Como tal, estudar o que outros investigadores pesquisaram não deve ser
interpretado como erudição académica, mas sim apenas uma boa gestão de informação
indispensável a quem queira acrescentar valor à produção científica já existente sem ter medo de
estudar o que já está estudado. Este valor acrescentado terá suportes sólidos quando for concedido
e testado.
 Saber identificar os diferentes tipos de documentos, as respetivas potencialidades e
condicionantes, onde os procurar e como os trabalhar
Documentos escritos
Para encontrar informação escrita pertinente o investigador deve dirigir-se a locais físicos
ou funcionais, como as bibliotecas e arquivos, bibliografias, enciclopédias e dicionários, livros e
revistas específicos, e ficheiros scripto e base de dados em formato digital.
As bibliotecas e os arquivos públicos e privados são os primeiros locais de pesquisa dos
investigadores, aqui deve-se respeitar o princípio da economia do tempo procedendo a uma prévia
seleção de centros de documentação, isto é, escolher bibliotecas e arquivos conceituados.
Primeira triagem
O investigador não devo começar a sua pesquisa de consulta com “gula livresca” (Carmo,
2015: 61), deve sim primeiramente selecionar conjuntos de documentos até chegar ao numero de
documentos que considere manuseável, porque se saltar este passo, arrisca-se a perder tempo em
documentos que não lhe serão úteis para a pesquisa e negligenciando outros documentos
importantes para ele.
Para facilitar este processo o investigador pode consultar bibliografias já publicadas, ou
consultar enciclopédias, uma vez que, os assuntos já se encontram resumidos e até contêm
bibliografia adicional. Se eventualmente o investigador consultar uma base de dados, o ideal é
que a mesma seja previamente preparada para não perder tempo em critério de seleção no
momento da recolha de dados. Neste sentido, ele deve com antecedência pensar como irá proceder
na sua pesquisa, se se organiza por autores, por datas ou títulos, por palavras-chaves de forma a
reduzir o tempo de pesquisa no local e tornando-a mais eficaz.
Quando se tem muita informação, ou seja, a sobreinformação, o investigador deve evitar
cair no desnorteamento, portanto neste caso, o investigador fará uma investigação segura entre a
muita informação que possui, ou então corre o risco de se perder no nevoeiro informacional.
A prévia seleção de revistas especializadas, ajuda o investigador a fazer cruzamento de
informação, pois o investigador consegue selecionar rapidamente monografias e artigos no tema
da sua pesquisa. No trabalho exploratório sobre documentos relevantes, é também útil consultar
documentalistas, isto é, consultar os informadores qualificados, como os bibliotecários ou
arquivistas, para mais uma vez não perder tempo e ganhar tempo de qualidade.
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Por fim, o investigador não pode esquecer a literatura cinzenta, esta é constituída por um
conjunto de muitos relatórios de pesquisa, elaborados pelas faculdades em graduações e pós-
graduações, não publicadas, mas validadas por júris qualificados e que desempenham o mesmo
papel que as revistas de especialidades. São uma boa prática em assuntos de investigação,
nomeadamente os relatórios de pós-doutoramento, teses ou dissertações de mestrados.
Exploração do texto
A exploração do texto, consiste em explorar o que se pesquisou na primeira triagem. Esta
operação deve ter em atenção o reduzido tempo disponível para realizar a pesquisa, ou seja,
economizar a leitura, o que não quer dizer que esta gestão de tempo venha a reduzir a criatividade
do investigador, apenas a vem “aguçar”, desde que o investigador se coloque sempre a serviço do
processo de investigação.
Para explorar textos existem algumas estratégias, tais como: observar atentamente o título
da unidade de informação, visto que fornece elementos importantes sobre o seu conteúdo. O nome
do autor, que fornece indicação sobre a qualidade do trabalho. A data e o local das edições, pois
é importante para se ter uma noção de espácio-temporal. O nome do editor, bem como a
contracapa dos livros. Analisar bem o índice, para ter ideia sobre a estruturação do trabalho, e por
último depois de ler as introduções e as conclusões dos livros, o investigador deve selecionar os
capítulos ou partes importantes dos livros que quer estudar.
Registo de dados
Criar um bom sistema de registo de dados também é bastante importante numa pesquisa.
Atualmente, praticamente todo o investigador guarda e desenvolve os seus trabalhos de estudo
informaticamente. O sistema de registo de dados é um instrumento de trabalho que o investigador
deve personalizar, como as suas fichas bibliográficas, porque há sempre elementos informativos
que as fichas contêm que funcionam como uma espécie de cartão de cidadão dos documentos. As
monografias, os artigos de revista e obras coletivas, são tipos de documentos com fichas
bibliográficas e cada documento destes tem a sua forma específica para ser representada.
As fichas de leitura já são fruto do trabalho do investigador, elas contêm o resumo do que
o investigador já leu, citam passagens importantes e têm anotações de ideias sobre reflexões do
texto. Resumir é uma tarefa complexa, “é um ato de seleção da informação pertinente e só dessa.”
(Carmo, 2015: 70), porque necessita de gerir o melhor possível o tempo disponível, facilita fazê-
lo logo num processador de texto, como o Word no computador, para se fazer apenas numa só
vez o registo da informação, como também no futuro utilizar logo como texto definitivo. A fichas
de leitura devem ter uma boa organização espacial, e pode ser de várias formas de modo a
preencher os requisitos da pesquisa. Podem ser em formato de texto corrido, como podem reservar
espaços para cada tipo de informação, como por exemplo a identificação da obra, para
comentários pessoas ou para até mesmo citações de outros autores.
Sistemas de classificação
Um bom sistema de classificação sobre uma informação é quando tem um maior volume
de informação, o que permite aos sistemas descritores um trabalho mais produtivo. Os sistemas
descritores sucederam a partir de um conjunto diverso de sistemas que usam palavras chave para
descrever sinteticamente um dado documento.
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Documentos oficiais
Os documentos oficiais podem-se classificar em dois grupos, as publicações oficiais e os
documentos não publicados. O Diário da República é um ótimo exemplo de uma publicação
oficial, pois o investigador ao desenvolver a sua pesquisa documental deve ter sempre em conta a
primeira, segunda e terceira série. Já os documentos não publicados recolhem informação a partir
de fontes oficiais não publicadas, logo dificulta o processo de pesquisa, uma vez que, os acessos
aos arquivos públicos são condicionados. Logo, o investigador deve previamente levar consigo
uma credencial para justificar a sua investigação.
Estatísticas
As estatísticas são ótimas fontes de informação, no entanto têm as suas potencialidades e
limitações. A potencialidades das estatísticas é que são elementos muito bons para mostrarem
grandes tendências na área demográfica, social, económica e cultural, como os Censos e as
Estatísticas Especiais. Elas também nos dão de uma forma económica informações que nos
permitem ter visões de vários conjuntos de certos fenómenos sociais complexos. Já as suas
limitações passam por serem estatísticas concebidas por pessoas, logo têm maior taxa de erro. São
também estatísticas conseguidas não para ter clara a realidade, mas para justificarem
interpretações prévias sobre a mesma realidade. Portanto, a postura do investigador perante os
dados estatísticos deve ser de muita constante atenção crítica. Como também, dever ter em atenção
que quem concede as estatísticas não tem os mesmos interesses que o investigador, logo não têm
os mesmos critérios de classificação para as pesquisas. Resumidamente, o investigador deve
escolher fontes estatísticas credíveis, deve refletir criticamente sobre os indicadores que lhes são
apresentados, e utilizar “a imaginação sociológica para tirar partido das estatísticas, (…)” (Carmo,
2015: 75), ou seja, cruzar a informação recolhida para ter boas fontes de informação documental.
Documentos pessoais
Autobiografias, correspondências, diários, e outros documentos pessoais, são ótimos
recursos ao serviço do investigador. Duas grandes vantagens deste tipo de documentos é a
possibilidade de ter acesso a informações únicas que não se encontram noutras fontes, dando um
maior entendimento sobre a realidade social. Bem como, dar voz a quem não a tem, como em
muitos casos de pessoas na sociedade por todo o Mundo. Exemplo disto, são as autobiografias de
emigrantes, refugiados, prostitutas, etc. que têm nas suas mentes um mar de informação que só
eles podem contar devido às suas experiências de vida. Têm também as suas limitações, como nos
mostra o estudo de Lewis, como tal é importante ter em conta que, as expressões subjetivas dos
atores sociais são limitadas pelos estereótipos e ideologias dos autores, valem os testemunhos de
quem viveu a realidade, pois não a retratam com objetividade, mas sim com respeito. Também
nem sempre constituem documentos sociográficos, são antes documentos de autojustificações
fundamentados pelos comportamentos dos autores. Por vezes é difícil provar a sua veracidade,
como também a análise quantitativa destes documentos por ser bastante trabalhoso.
Princípios orientadores
Existem procedimentos para se tirar partido do valor dos documentos pessoais sem correr
riscos, então recomenda-se ao investigador verificar sempre os factos, cruzando informação vinda
de documentos pessoais vindos de outras fontes documentais ou vivas. Proceder também a uma
rigorosa crítica externa, e fazer uma crítica interna comparando o texto com a realidade conhecida,
para apurar a verdade. Portanto, toda a informação fornecida pelos documentos pessoais vinda de
fontes valiosas para a investigação, tem de ser combinada com a informação proveniente de outras
fontes.
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Documentos escritos difundidos
Exemplos de documentos escritos difundidos são os jornais, publicações, cartazes,
panfletos e documentos escritos de natureza diversa são boas fontes de informação. Ainda assim,
estes documentos escritos têm diferentes motivações de publicação. No caso do jornal, o
investigador quando o investiga quer recolher informações sobre um dado fenómeno social, quer
salientar o conteúdo da informação difundida, e quer também revelar o tipo de impacto que certa
informação difundida causou.
O investigador deve ter em conta o impacto de uma unidade de informação, deve ter noção
de algumas variáveis, como o nome do referido jornal que fornece informações sobre o controlo
a que está sujeito, a data da difusão que permite avaliar a importância dada pela opinião da
sociedade à informação difundida, comparando os relatos de acontecimentos ocorridos na mesma
altura. A página em que a unidade de informação é colocada indica ao investigador o seu impacto,
bem como o lugar que a unidade de informação ocupa na página, a grandeza do título constitui
um indicador de bastante importância, visto que existe sempre muita competição entre várias
unidades de informação relativamente à atenção do leitor, e se o texto tem concordância ou não
com o título. Avaliar o grau de impacto que uma unidade de informação tem no público é de igual
modo importante, desde as ilustrações que acompanham a notícia, a tipografia do texto, a sua
estrutura, a sua origem, e a seleção de informação.
Documentos não escritos
Sendo o objeto uma criação vinda da cultura das pessoas, em determinadas investigações
como as antropológicas, existe a necessidade de recolha e análise, pois é através do estudo dos
objetos que se reconstrói a estrutura e funcionamento de certo agregado social.
Os investigadores devem ter especial atenção ao objeto observado com importância para
o estudo, ele deve ser bem analisado e catalogado. Para se tornar mais fácil pode-se fazer uma
ficha técnica de leitura que inclua a descrição, a localização no espaço e no tempo, e a
funcionalidade. Note-se que o mesmo objeto pode assumir diferentes funções em culturas
diferentes.
Bibliografia:
Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação: Guia para
Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta.
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Tema 9
As entrevistas e as dinâmicas de grupo (pp.112-138)
 Saber identificar as diferentes categorias de inquéritos, conhecer a forma como se
elaboram, como se aplicam e quando.
Os inquéritos em Ciências Sociais são usados para recolher informação sistematizada no
terreno em estudo, e de possíveis dados que possam vir a ser comparados. Eles podem ser
diferenciados segundo o seu grau de diretividade das perguntas, e segundo a presença ou
ausência do investigador no ato da inquirição. A junção destas duas variáveis dá origem a
quatro tipos de inquéritos, são eles: A - Entrevista pouco estruturada; B - Entrevista
estruturada; C - Questionário pouco estruturado; e D - Questionário estruturado. Estes
mesmo inquéritos, tanto os realizados por entrevistas como por questionários podem ter
graus de estruturação diferentes.
Na chamada fase exploratória da pesquisa, é conveniente inquirir informadores
qualificados, isto é, questionar a população em questão que poderá a ser útil para descrever
o grupo de o seu modo de vida. Contudo, o inquérito também deve no início ser pouco
estruturado, porque o investigador não deve condicionar excessivamente os seus
respondentes com inquéritos demasiados estruturados. Desta forma, a grande distinção entre
um inquérito por entrevista e o inquérito por questionário é que o primeiro faz-se
presencialmente, e o segundo pode ser feito à distância.
Inquéritos por entrevista
Nesta técnica por entrevista, a questão-chave é a interação direta. Aplicando a janela de
Jahari, o investigador quando vai começar uma entrevista partilha, por norma, pouca informação
com o entrevistado (área livre pequena), sabe pouco sobre ele (grande área cega do entrevistador
e secreta do entrevistado) encontrando-se o entrevistado na mesma situação (extensa área cega
própria e secreta de quem o vai entrevistar). No geral, e sendo o objetivo de qualquer entrevista,
é abrir a área livre dos dois interlocutores, e por consequência, reduzir a área secreta do
entrevistado e a área cega do entrevistador. Para tal, é necessário reduzir a área secreta aplicando
a regra da reciprocidade, esta regra tão fundamental nas relações humanas, em que se deve
cumprir com três vertentes, começando pela apresentação do investigador, depois pela
apresentação do problema da pesquisa, e por fim, pela explicação do papel pedido ao
entrevistado. O entrevistador ao abrir a sua área secreta fornece ao entrevistado dados que lhe
permitem perceber a importância como fornecedor de informação e a sua utilidade para a
investigação em curso, como também lhe dá confiança e entendimento para colaborar. Neste
caso, ao ser uma situação de interação direta ou até presencial, deve-se gerir três tipos de
problemas ao mesmo tempo, como a influência do entrevistador no entrevistado, as diferenças
que possam existir entre eles (idade, género, culturas e sociais), e a sobreposição de canais de
comunicação.
No inquérito por entrevista, regra geral existe sempre diferenças entre os dois
interlocutores nas suas comunicações, porque o entrevistador possui um estatuto diferente do
entrevistado, quer inibindo este último a colaborar por desconfiança, quer levando-o a responder
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às questões conforme o entrevistador quer que o entrevistado responda. Esta diferença aumenta
quando o entrevistador induz as respostas do entrevistado “com formas enfáticas de perguntar
ou com modos de excluir respostas possíveis.” (Carmo, 2015: 117). As diferenças culturais entre
estes dois interlocutores também afetam a comunicação, pois podem surgir certas perguntas que
em determinadas culturas sejam quase como um atentado à sua privacidade, ou caso o
entrevistador coloque questões que estão fora do conhecimento do entrevistado, este pode
responder fora do que corresponde à realidade, causando resultados desastrosos na investigação.
A sobreposição de canais de comunicação acaba por ser também outro problema nestas
interações diretas, quando o entrevistador coloca uma pergunta, ela pode ser formulada em
várias entoações que revelam a expetativa do entrevistador quanto à resposta. Deste modo, o
investigador tem que dar atenção à forma como faz as questões e como as enquadra em termos
neutros, visto que o seu conteúdo específico deve ter uma estratégia formal a adotar com a
estruturação do guião.
Nem sempre é uma boa opção recorrer a inquéritos por entrevista. As situações mais
recomendáveis para o fazer é quando as respostas às questões do investigador não se encontram
nos documentos ou as que há não são fidedignas, como também nas situações que o investigador
deseja ganhar tempo e poupar energias e para isso recorre a informadores qualificados ou aos
líderes da população-alvo que pretende investigar. Nestas duas situações, é importante ficar com
a noção de que o investigador ao optar por uma forma de informação, estará a rejeitar outras que
até podem ser igualmente importantes, ou seja, o investigador não deve funcionar apenas como
“uma caixa de ressonância dos seus informadores” (Carmo, 2015: 119), pois estes podem ter
uma perceção mais seletiva do que é útil ao investigador.
Tipos de entrevistas
As entrevistas moldam-se às diversas formas e objetivos que os investigadores pretendem
atingir. Elas podem assumir várias estruturas e estratégias, como é o caso mais clássico proposto
por Madeleine Grawitz em que se baseia na forma de classificar o máximo e o mínimo de
liberdade dada ao entrevistado e o grau de profundidade da informação obtida. Para tal, a
tipologia de Grawitz apresenta seis tipos de entrevista divididas por três grupos: as entrevistas
dominantemente informais, as mistas, e as dominantemente formais. As tipo 1 - entrevistas
clínicas são usadas em contextos terapêuticos, e dão a liberdade total ao entrevistado nas suas
respostas, como uma grande quantidade de informações que são partilhadas. As tipo 2 –
entrevista em profundidade são mais usadas em situações de aconselhamento vocacional, e têm
também grande liberdade no diálogo e profundidade na abordagem temática pelo entrevistado.
As tipo 3 – entrevista livre, e as tipo 4 – entrevista centrada são ambas de grau intermédio de
informalidade, são utilizadas em estudos exploratórios e diferenciam-se nas temáticas
especificas em que são tratadas. Com características dominantemente formais são as tipo 5 –
entrevista com perguntas abertas e as tipo 6 – entrevista com perguntas fechadas, utilizadas em
situações de sondagens feitas a populações de grandes dimensões, onde o grau de liberdade do
respondente é reduzido, como também a profundidade da informação obtida.
Estes seis tipos de entrevistas diferenciam-se no número de perguntas, na sua ordem, na
sua forma, na focagem dominante, no grau de interação entre o entrevistador e o entrevistado, e
na facilidade de análise das respostas.
Antes de se realizar uma entrevista, deve-se definir os objetivos planeando a explicação
dos mesmos, construir um guião de entrevista, escolher os entrevistados, preparar as pessoas
que serão entrevistadas marcando a data, hora e local, e preparar de forma técnica os
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entrevistados. Nesta primeira fase, o guião da entrevista tem que ter um encadeamento nas
questões adequadas ao objetivo, tal como na escolha dos futuros entrevistados. Na preparação
dos entrevistados deve-se informar os mesmos sobre os resultados que se pretende esperar da
entrevista, explicitar também os motivos por serem os escolhidos, informá-los sobre o tempo da
duração da entrevista e combinar a data, hora e local para realizá-la.
Durante a entrevista deve-se explicar quem somos e o que queremos, obter e manter a
confiança, saber escutar, dar tempo ao entrevistado para ganhar confiança com o entrevistador,
manter a diplomacia sabendo escutar, utilizar perguntas adequadas para o foco da entrevista,
enquadrar as perguntas melindrosas e evitar perguntas indutoras, isto é, as questões delicadas
devem ser feitas cuidadosamente para se enquadrarem nas perguntas preparatórias.
Depois da entrevista, é importante registar as observações sobre o comportamento verbal
e não verbal do entrevistado, bem como registar o ambiente em que a mesma decorreu, estes
registos vão demostrar a autenticidade das respostas obtidas e o grau de liberdade para as
respostas que foram dadas.
Inquéritos por questionário
Nos inquéritos por questionário, o investigador e os inquiridos não interagem
presencialmente. Desta forma, o problema –chave é a interação indireta que faz parte da
elaboração e administração do inquérito por questionário, e, portanto, deve-se ter o cuidado a
ser posto na formulação das perguntas e a forma harmoniosa para contactar com os inquiridos.
Na formulação destas perguntas, uma vez que não há forma de esclarecer as dúvidas no
momento da inquirição, as perguntas devem ser muito bem organizadas, por temáticas e as
questões mais difíceis e mais sensíveis ficarão para o fim. Os questionários têm vários tipos de
perguntas, como as perguntas de identificação, as de informação, as perguntas de descanso ou
de preparação que servem para introduzir uma pausa e mudar o assunto, e as perguntas de
controlo. Contactar de forma mediatizada com os inquiridos necessita de cautela por parte do
investigador, no que toca aos canais de comunicação selecionados, às recusas em responder às
perguntas, e ao esforço para manter a fiabilidade.
Existe muita diversidade de canais de comunicação, os questionários podem ser enviados
pelo correio, e por seu turno o portador acaba por ter também um papel de agente realizador de
entrevista estruturada. Podem também serem enviados por círculos burocráticos ou por via
telemática, sendo este último pouco indicado, visto que esta via não é acessível para toda a
população.
Os inquéritos por questionário costumam ter elevado número de não-respostas, estas
advêm de algumas condicionantes, tais como a natureza da pesquisa, pois se a sua utilidade for
evidente para o inquirido, o número de respostas aumenta. O tipo de inquirido, onde os que têm
mais habilitações académicas tendem a responder mais. O sistema de perguntas, ou seja, quanto
mais simples as perguntas forem, maior será a probabilidade de aumentar as respostas.
Instruções claras e acessíveis, idêntico à variável anterior, quanto mais fáceis e claras forem as
instruções, maior número de respostas. Por último, a estratégia de reforço, isto é, dar uma
segunda oportunidade aos não-respondentes de o fazerem, o que por norma aumenta o número
de respostas. No geral, a tecnologia em realizar os inquéritos por questionário é fiável, desde de
que se respeitem os métodos quanto à sua conceção, a seleção dos inquiridos e a administração
no terreno. Contudo, as questões objetivas são mais fiáveis que as questões subjetivas.
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Os inquéritos por questionário também têm a sua natureza prática, ou seja, são
constituídos pela fase preliminar, que tem a ver com a construção dessas perguntas e com a
apresentação do questionário. O número de questões a introduzir devem ser “Q.B.”, isto é, deve
ser um número adequado à pesquisa e não mais do que é suposto. Tanto quanto possível, devem
ser também perguntas fechadas, onde o respondente tenha um número limitado de respostas
típicas que possa escolher. E para isto existem regras: o número de respostas-tipo não deve ser
excedido nem limitado; as instruções sobre o modo de responder a cada pergunta devem ser
claras e precisas; e a resposta correspondente à sua escolha à resposta-tipo deve ser mutuamente
exclusivas. As questões devem ser compreensíveis para os respondentes, em que o seu
significado seja percebido. Não ambíguas, ou seja, a resposta não pode ser ambígua ou ter uma
leitura subjetiva. Evitar indiscrições gratuitas, isto é, o investigador não deve recorrer a
perguntas melindrosas ou indiscretas à população inquirida. Construir perguntas de controlo,
para verificar a verdade em outras questões insertas noutra parte do questionário. Elaborar
perguntas que abranjam todos os pontos da problemática a inquirir, e que possam ser colocadas
em formato de “escala de atitudes” (Carmo, 2015: 132), para que o investigador consiga medir
as atitudes e opiniões do inquirido. As escalas mais usadas costumam ser a Escala de Likert,
esta consiste em cinco indicadores que o inquirido pode optar (concordo totalmente, concordo,
sem opinião, discordo, discordo totalmente), e os diferenciais semânticos que consistem em
vários pares de antónimos separados por uma linha dividia em 7 ou 5 partes.
Ainda dentro da fase preliminar existe a fase da apresentação do questionário, que tem
uma quota parte da responsabilidade do êxito ou não de um inquérito por questionário. É
importante não esquecer a apresentação do investigador, a apresentação do tema de forma clara
e simples. As instruções para a realização do inquérito devem ser também curtas, precisas e
claras, e quando enviados pelo correio devem seguir num envelope selado. A formatação gráfica
do mesmo deve ser igualmente clara e acessível para o público-alvo, e de preferência sem
gralhas e erros ortográficos. Em síntese, o formulário de um inquérito por questionário deve ser
claro e rigoroso na apresentação para o respondente.
Durante o decorrer dos questionários, é importante que o investigador verifique se todas
as questões são compreendidas pelos inquiridos, se as respostas opcionais às perguntas abertas
cobrem as respostas possíveis, se não há perguntas desnecessárias nem ficam a faltar, e se os
inquiridos não acham o questionário muito longo e maçador. Depois deve-se aplicar o
questionário numa pequena amostra da população, e de seguida proceder a alguns ajustes se
necessário, e enviar para os destinatários.
A fase subsequente, é composta por uma primeira leitura por parte do investigador, para
verificar a fiabilidade das respostas e descortinar as que resultam de perguntas abertas.
Seguidamente, pode enviar para o tratamento e análise dos dados tanto por formato informático
como manualmente.
Concluindo, tanto o inquérito por entrevista como o inquérito por questionário têm os
seus prós e contras. Os prós dos inquéritos por entrevista devem-se à sua flexibilidade quanto
ao tempo de duração e adaptação, e permite observar o entrevistado e retirar informações mais
íntimas. E dos inquéritos por questionário os seus prós tem a ver com a sistematização, maior
simplicidade de análise, maior rapidez na recolha e análise de dados e baratos. Os contras dos
inquéritos por entrevista baseiam-se na necessidade de maior especificação do investigador,
mais dispendiosos no custo e no tempo. Quanto aos inquéritos por questionário estes têm
dificuldades de conceção, não se aplicam a toda a população, e apresentam taxa elevada de não-
resposta.
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Bibliografia:
Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação: Guia para
Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta.
Tema 10
Do texto à teoria: Análise e interpretação – a análise de conteúdo
Análise de conteúdo, segundo Berelson (1952) é “uma técnica de investigação que permite
fazer uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo (…)” (Berelson, citado por
Carmo, 2015: 220). Quando se diz objetiva é, porque deve ser feita de acordo com certas regras,
obedece a instruções precisas para que diferentes investigadores trabalhem sobre o mesmo
conteúdo e possam obter os mesmos resultados. É uma análise de conteúdo sistemática, porque
todo o conteúdo deve ser ordenado e colocado em categorias escolhidas previamente em função
dos objetivos que o investigador quer alcançar. E quantitativa, porque é feito um cálculo sobre os
elementos considerados significativos.
Já na visão de Bardin (1977), a análise de conteúdo não deve ser apenas usada para
descrever o conteúdo da mensagem, porque a sua finalidade é a inferência de conhecimento
relativo às condições de produção, com a ajuda dos indicadores quantitativos ou não. Logo, se a
descrição constitui a primeira etapa de realização numa análise de conteúdo, e se a interpretação
é a última etapa, então a inferência é o procedimento intermédio, que permite a passagem, clara e
controlada, de uma à outra. É possível também fazer inferência sobre a origem da mensagem, e
até sobre o próprio destinatário da comunicação. Bardin defende que esta técnica de pesquisa pode
ser considerada como articulação entre o texto (descrito e analisado em relação a certos elementos
característicos), e os fatores que determinam essas características (constituindo a especificidade
da análise de conteúdo).
A análise de conteúdo pode ser aplicada em diversos domínios, como por exemplo em
suportes escritos, como os artigos de jornais e revistas, documentos formais, diários, em questões
abertas de inquéritos por questionário, em imagens de Instagram ou fotografias, e em sons.
Tipo de análise de conteúdo
Madeleine Grawitz (1993) fez a distinção dos vários tipos de análise de conteúdo, começando
pela análise de exploração e análise de verificação, que corresponde à distinção entre a análise de
documentos e tem a finalidade de verificar uma hipótese, com o objetivo bem definido que conduz
à quantificação dos resultados, e com a finalidade absoluta de explorar. Uma análise quantitativa
Página 30 de 34
que não tem hipóteses previamente definidas não conduz a resultados apreciáveis. Porém, uma
análise fortemente sistematizada apresenta inconvenientes, pois pode ser deixada fora do campo
de estudo elementos essenciais que não foram previstos.
A distinção entre a análise quantitativa e a análise qualitativa, é que a primeira é o que aparece
com mais frequência, sendo o número de vezes o critério utilizado, enquanto que a análise
qualitativa o que importa é a novidade, isto é, o interesse, o valor de um tema.
Entre uma análise direta e uma análise indireta, dando o exemplo entre dois programas eleitorais,
é que uma análise de conteúdo direta pode incluir unicamente a comparação entre o número de
vezes que determinados temas, símbolos ou palavras-chaves referentes a essa política apareceram
nesses programas, daí a análise quantitativa estar ligada a uma forma direta. Enquanto que a
análise indireta está mais ligada à análise de tipo qualitativo, e por isto é que por vezes a partir de
uma análise quantitativa indireta, por inferência, se pode chegar a conclusões sobre o que não foi
dito ou escrito propositadamente.
Etapas para a prática de análise de conteúdo
Deve começar-se pela definição dos objetivos e do quadro de referência teórico. Seguidamente,
pela constituição de um corpus em que o investigador deve escolher os documentos que vão ser
sujeitos a análise. Esta escolha pode ser feita em duas formas: determinada a priori ou os
documentos podem escolhidos consoante os objetivos da investigação. Assim, esta escolha
também deve seguir algumas regras, como a exaustividade que considera todos os elementos de
um conjunto; a representatividade, devendo a parte selecionada ser representativa do conjunto dos
documentos; a homogeneidade, ou seja, os documentos não devem apresentar muita singularidade
em relação aos critérios de escolha; e a pertinência, isto é, “os documentos escolhidos devem ser
adequados como fontes de informação para corresponder ao objeto da análise que sobre eles irá
recair.” (Bardin, citado por Carmo, 2015: 224). Depois, deve-se definir as categorias, que podem
ser definidas a priori ou a posteriori, e são, segundo Grawitz, “rubricas significativas, em função
das quais o conteúdo será classificado e eventualmente quantificado”. A priori foram formuladas
hipóteses e o investigador vai verificá-las, tendo já definido as categorias de análise. Uma vez que
a análise de conteúdo deteta as categorias estabelecidas ou não nos documentos que constituem o
corpus. A posteriori as categorias não são definidas antecipadamente, e é designado por
“procedimento exploratório”. A escolha das categorias é bastante importante para a análise de
conteúdo, devem ter as seguintes características: exaustivas, significa que todo o conteúdo que se
classificou deve ser incluído nas categorias consideradas, sendo possível também não considerar
alguns aspetos do conteúdo; exclusivas, ou seja, os mesmos elementos devem apenas pertencer a
uma categoria e não a várias; objetivas, as características da cada categoria devem ser explicitadas
sem ambiguidade e de forma clara; pertinentes, devendo não estarem muito relacionadas com os
objetivos e com o conteúdo que está a ser classificado. E, portanto, as categorias devem surgir de
duas formas, a partir do documento em análise e de um conhecimento geral do domínio a que diz
respeito. A categorização apresenta também problemas pelos quais os investigadores têm que
passar, e o mais comum incide sobre a possibilidade de definir um conjunto de aspetos da
realidade, de forma a facilitar a análise de conteúdo. Desta forma, enumero alguns aspetos que
constituem objetos de análise: a matéria, a direção da comunicação, os valores (favoráveis, neutros
ou desfavoráveis), os meios, os atores, e a origem.
Outra etapa é a definição das unidades de análise, são elas três tipos de unidades: a unidade
de registo, é o segmento de conteúdo necessário para se poder proceder à análise, colocando-o
numa categoria. Esta escolha depende dos objetivos estabelecidos e do quadro teórico orientador
Página 31 de 34
da investigação, podem dividir-se também em unidades formais sendo palavras, frases,
personagens, etc., e em unidades semânticas em que as mais comuns é o tema, uma unidade de
registo mais utilizada. Outro tipo de unidade é a unidade de contexto, que constitui o segmento
mais longo de conteúdo que o investigador considera ser uma unidade de registo, e assegura a
fidelidade e a validade da análise. E por fim, a unidade de enumeração é a unidade que procede à
quantificação. Estas estão ligadas ao tempo e ou espaço, devem ser escolhidas com cuidado e
indicarem os critérios que a orientaram. A etapa da quantificação é uma técnica que evolui muito
e é aplicada ao campo das Ciências Sociais como no uso do próprio computador, não sendo
obrigatórias. E por fim, a etapa da interpretação dos resultados, que para além da descrição da
análise de conteúdo, compreende também o objetivo de estudo. Assegura a validade da previsão
e permite fazer o cruzamento com os resultados obtidos por outras técnicas.
Fidelidade e validade
A fidelidade corresponde ao problema de garantir que diferentes codificadores cheguem
a resultados parecidos, e ao mesmo tempo codificados ao longo do trabalho de forma igual aos
critérios de codificação, quer sejam desenvolvidos por um investigador (fidelidade intra-
codificador) ou por uma equipa (fidelidade inter-codificadora). Para isto, é necessário que o
investigador explique ao pormenor os critérios de codificação usados e que sejam aplicados com
muito rigor. Já a validade compreende o que o investigador pretende medir, pois uma análise de
conteúdo só será válida, quando a descrição do conteúdo tem significado para o problema em
questão. E como tal, é importante que todas as etapas que fizeram parte do processo de análise
sejam corretamente executadas.
Página 32 de 34
Tema 11
Sobre as relações entre métodos qualitativos e quantitativos
Unidade 7 – Métodos Quantitativos e Métodos Qualitativos (resumo feito no tópico
5).
Relações entre a investigação quantitativa e qualitativa (Flick)
Os métodos qualitativos foram desenvolvidos no âmbito de uma crítica dos métodos e
estratégias de investigação quantitativa. A combinação das duas estratégias originou uma
perspetiva que é praticada e discutida de várias formas, onde a relação entre a investigação
qualitativa e a quantitativa é estabelecida em diferentes patamares: epistemológico e metodológico
– salienta a incompatibilidade da investigação qualitativa e da quantitativa no alcance das metas
e objetivos. Está associado a opiniões teóricas diferentes, como o positivismo / construtivismo ou
pós-positivismo. Outros patamares passam pela integração numa pesquisa entre dados e métodos
qualitativos e quantitativos; métodos de pesquisa simultaneamente qualitativos e quantitativos;
ligação das descobertas das pesquisas quantitativas e qualitativas; generalização dos resultados; e
avaliação da qualidade da investigação tanto na aplicação de critérios quantitativos como
qualitativos. Importa definir as áreas de aplicação, separando as estratégias de investigação, mas
ao mesmo tempo lado a lado, dependendo do assunto e da questão da investigação. Ambos os
métodos qualitativos e quantitativos devem entrar no território do outro para uma pesquisa mais
eficaz.
Existe também o domínio da investigação quantitativa sobre a qualitativa, isto é,
frequentemente são utilizados argumentos como a representatividade da amostra para comprovar
de que só os dados quantitativos conduzem a resultados, deixando os dados qualitativos apenas
numa visão ilustrativa. Existindo também a superioridade da investigação qualitativa sobre a
quantitativa, segundo Oevermenn (1979), os métodos quantitativos são apenas um “atalho
económico da investigação, no processo de geração de dados” (Flick, 2005:269), pois os métodos
qualitativos podem passar sem a utilização dos métodos quantitativos, já o contrário não é bem
possível, porque os métodos quantitativos precisam dos métodos qualitativos para explicar as
relações descobertas. Cicourel (1981) defende que os métodos qualitativos respondem a questões
micro-sociológicas, e os métodos quantitativos a questões macro-sociológicas.
Articular a investigação quantitativa e qualitativa num plano de pesquisa
Num plano de pesquisa de um estudo é possível articular os métodos qualitativos e
quantitativos. Miles e Huberman (1994) esboçam quatro tipos de planos de pesquisa para as duas
abordagens num só plano. No primeiro plano as duas estratégias funcionam em paralelo. No
segundo plano é a observação continuada do terreno proporciona a base para a relação entre as
várias curvas da pesquisa. O terceiro plano começa com o método qualitativo, seguido de um
questionário antes dos resultados dos dois passos serem estabelecidos numa segunda fase
qualitativa. Por fim, num quarto plano o estudo de campo acrescenta profundidade aos resultados,
Página 33 de 34
de uma “apanhado” feito no primeiro passo, seguido de uma intervenção experimental no terreno
para se testar os resultados dos dois primeiros passos.
Para um certo estudo são feitas várias abordagens, tanto qualitativas como quantitativas
em fases diferentes do processo de pesquisa, tornando-se necessário sequenciar a investigação.
Barton e Lazarsfeld (1955) sugeriram que se usasse a investigação qualitativa para formar
hipóteses que seriam, posteriormente, testadas por uma abordagem quantitativa. No pensamento
mais lógico dos autores, a pesquisa qualitativa e a quantitativa estão em partes diferentes do
processo de investigação.
A triangulação da investigação qualitativa com a quantitativa significa a combinação de
vários métodos qualitativos, como também a combinação de ambos os métodos. Neste caso, as
perspetivas diferentes metodológicas complementam-se durante um qualquer estudo. Os
diferentes métodos, ainda assim se mantêm autónomos, mas funcionando lado a lado, tendo em
comum o assunto estudado. A desvantagem desta combinação de métodos é que não existe um
nível para se aplicar a triangulação. A triangulação da investigação qualitativa e da quantitativa
podem centrar-se apenas num caso, ou seja, as pessoas são entrevistadas e preenchem um
questionário, as suas respostas são agregadas e relacionadas com outos questionários na análise.
A articulação pode também ser conseguida a partir dos dados, as respostas das entrevistas são
analisadas e comparadas, desenvolvendo-se uma tipologia, depois são conjugadas e comparadas
a distribuição das respostas do questionário e a tipologia é elaborada.
Combinar dados quantitativa e qualitativa
A combinação dos dados pode ser orientada para a transformação dos dados qualitativos
em dados quantitativos e vice-versa. Existe tentativas em transformar implicitamente os dados
qualitativos em dados quase quantitativos (entrevistas abertas ou narrativas). Hopf (1982) critica
a tentativa de investigadores qualitativos converterem o seu povo com argumentos baseados na
lógica quantitativa, em vez de procurarem uma interpretação e uma apresentação dos resultados
fundamentados teoricamente. A transformação inversa é mais difícil, isto é, transformar os dados
quantitativos em dados qualitativos. Os dados dos questionários quase que não têm revelação do
contexto de cada resposta, e só pode ser conseguido pelo uso explicito de métodos extra, como
entrevistas complementares a uma amostra. Se ao analisar a frequência de algumas respostas nas
entrevistas podem surgiu novas intuições relativamente a essas entrevistas, a explicação para
certos padrões de resposta surge com frequência nos questionários, logo exige a introdução de
novos tipos de dados.
Combinar métodos quantitativa e qualitativa
Muitos questionários incluem perguntas abertas ou escrita livre, o que é definido como
investigação qualitativa. Contudo, quase nenhum procedimento metodológico da investigação
qualitativa é aplicado nestas perguntas, e portanto, isto não é uma combinação explicita das duas
formas de investigação, mas sim uma tentativa para algo novo. Muitos autores descreveram
procedimentos para combinar os métodos qualitativos com os métodos quantitativos, mas apesar
das muitas tentativas, é certo que continua pouco claro a relação entre a classificação e a
interpretação, tal como a análise de dados integradores do quantitativo e qualitativo.
Página 34 de 34
Articular resultados quantitativa e qualitativa
Normalmente articulam-se os resultados da investigação qualitativa e quantitativa no
mesmo projeto ou até em projetos diferentes, separadamente ou em simultâneo. Como exemplo
disto é a combinação de resultados de um inquérito e de um estudo por entrevista. Desta
combinação podem surgir três tipos de resultados: a convergência dos resultados qualitativos e
dos resultados quantitativos, que apoiam as mesmas conclusões; os dois resultados mostram
aspetos diferentes de um problema, mas complementam-se e conduzem a um quadro mais
completo; e os resultados qualitativos e quantitativos divergem ou são contraditórios. E portanto,
combinar as investigações visa um conhecimento mais alargado e completo, qualquer dos três
resultados é útil.
Avaliação e generalização da investigação
Combinar implicitamente a investigação qualitativa e a quantitativa é notada na aplicação
do modelo da investigação quantitativa à investigação qualitativa. Outra combinação implícita da
investigação qualitativa e quantitativa é aplicar os critérios de qualidade de uma à outra, sem se
ter em conta que estes critérios não se ajustam à investigação qualitativa e às suas práticas. Quanto
à generalização da investigação qualitativa, encontra-se muitas vezes uma terceira forma de
combinação implícita da investigação qualitativa e quantitativa. Exemplo disto é generalizar
resultados de um estudo a partir de um número limitado de entrevistas de uma sondagem, isto é
também uma forma de generalização.
Adequação dos métodos como ponto de referência
A investigação qualitativa e quantitativa originou debates orientados para a parte
epistemológica e filosófica, deslocando-se aos poucos para questões práticas da investigação.
Wilson (1982) defende o relacionamento das duas tradições metodológicas, isto é, “As abordagens
qualitativas e quantitativas (…) deve antes de mais basear-se na natureza do problema a estudar”
(Flick, 2005: 274). A integração destes dois métodos está limitada ao nível do plano de pesquisa,
e por outro lado, continua a existir diferenças nos dois processos de investigação, e
consequentemente, a discussão na combinação das duas estratégias também continua. No entanto,
existem algumas “questões-guias” para avaliar a combinação da investigação qualitativa e
quantitativa, estas permitem responder às questões e desenvolver modelos pragmáticos e
refletidos sobre a investigação qualitativa e quantitativa.
Bibliografia:
Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação:
Guia para Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta.
FLICK, U, 2005, Métodos Qualitativos na Investigação Científica, Lisboa, Monitor

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Pesquisa qualitativa no contexto da Educação no Brasil
 

Métodos Qualitativos

  • 1. Página 1 de 34 Tema 1 A importância, características e história da investigação qualitativa • Saber identificar as principais características, potencialidades e limitações da investigação qualitativa. • Conhecer as aplicações e finalidades da investigação qualitativa; • Reconhecer a importância, interesse e utilidade da investigação qualitativa no âmbito da pesquisa social; Introdução: A investigação qualitativa ajusta-se com as Ciências Sociais e com a Psicologia. É dotada de vários métodos, dos quais com premissas diferentes e com objetivos diferentes também, pois cada método tem uma ideia específica para o seu objetivo. Os métodos qualitativos estão assentes no processo de investigação, e irei explicá- los e descrevê-los nesta mesma visão. A investigação qualitativa é importante para o estudo das relações sociais, uma vez que, existe diversidade dos ambientes, dos estilos e modos de vida, e subculturas. A velocidade a que o mundo está a evoluir faz acelerar também a mudança social, e consequentemente, acelera a diversidade dos universos de vida. Como tal, os cientistas deparam-se com novos contextos sociais e novas perspetivas, sendo necessário alterarem o modo das suas pesquisas convencionais para pesquisas mais sensitivas, de forma a abordarem diretamente âmbitos sociais que pretendem estudar. Limitações: A investigação social empírica, durante muito tempo, baseou-se em inquéritos padronizados com o objetivo de analisar e relatar a frequência e distribuição dos fenómenos sociais na população, como por exemplo, certas atitudes repetitivas das pessoas. Ou seja, estes procedimentos padronizados da investigação quantitativa eram pouco pormenorizados para se estabelecer relações entre os objetos e os problemas. Contudo, BonB e Hartmann “propuseram a crescente desmitificação da Ciência, dos seus métodos e das suas descobertas.” (Flick, 2005: 3) dizendo que em Ciências Sociais, as descobertas da investigação social tiveram pouco impacto nos contextos da política e do quotidiano, exatamente por a investigação não ser transferida para a prática política e institucional como seria o esperado. Assim, a Ciência deixou de realizar as “verdades absolutas”, porque começou a oferecer interpretações limitadas, maiores que as teorias diárias e podem ser utilizadas na prática.
  • 2. Página 2 de 34 Estas limitações tornou os resultados das Ciências Sociais pouco compreendidos e utilizados no dia-a-dia, porque o cumprimento da metodologia, as pesquisas e os resultados estavam quase sempre distantes dos problemas e preocupações diárias. Assim como, as análises práticas da investigação, a maioria das ideias de investigação, não podiam ser cumpridas. Portanto, a investigação e os seus resultados são absolutamente influenciados pelos interesses sociais e culturais dos que nela participam, pois, todos estes fatores têm influência na formação das questões da investigação, como também na interpretação das relações e dados. Por fim, a desmitificação de BonB e Hartmann tem consequências no conhecimento que as Ciências Sociais e a Psicologia podem atingir, restando a possibilidade de afirmações relacionadas com as situações e sujeitos, “que têm de ser estabelecidas por um conceito de conhecimento sociologicamente articulado” (Flick, 2005: 4), porque as afirmações entre situações e sujeitos é um objetivo atingível com a investigação qualitativa. Principais características: As principais características da investigação qualitativa são as seguintes: A correta escolha de métodos e teorias apropriadas é uma das características, uma vez que, é importante escolher os métodos e teorias que podem ser estudadas empiricamente. Para Bortz, a possibilidade de os métodos disponíveis poderem ser utilizados para estudo é um dos critérios que determina o objetivo da investigação. Bortz apresentou várias soluções para uma correta escolha de métodos e teorias, enunciando que se todos os estudos empíricos fossem planeados com o modelo das relações causa e efeito, todos os objetos complexos teriam de ser excluídos. A investigação só consegue realçar o que já está no modelo da realidade subjacente, logo tem que se incluir as condições do contexto de pesquisa quantitativa complexa. Uma outra solução vinda da investigação qualitativa é a adoção de métodos abertos ajustáveis à complexidade do objeto estudado, integrado no seu contexto quotidiano, sendo este o fator determinante da escolha do método. Os métodos são caracterizados pelos seus objetos de estudo, de forma a coincidirem com a diversidade da vida quotidiana. E como tal, a investigação qualitativa tem como critérios centrais os resultados obtidos no material empírico, escolhendo os métodos adequados ao objeto de estudo. As perspetivas dos participantes na sua diversidade é mais uma característica da investigação qualitativa, iniciando-se nos significados individuais e sociais do objeto, como também na diversidade das perspetivas sobre ele, estudando os saberes e as praticas dos participantes. Faz também a análise das interações sobre doenças mentais e como as deve enfrentar num certo espaço. A investigação qualitativa defende que
  • 3. Página 3 de 34 existe diferentes práticas e pontos de vista no campo de estudo, devido a diferentes perspetivas dos sujeitos e como estão enquadrados na sociedade. Outra característica da investigação é a reflexão do investigador sobre a investigação, visto que, os métodos qualitativos vêm a interação do investigador com o campo e seus membros como uma parte da produção do saber. Faz parte do processo de investigação a subjetividade do investigador e dos sujeitos estudados, dado que, as reflexões do investigador desde as ações, observações no terreno, as impressões, sentimentos, etc., constituem o seu direito e ficam documentados no seu diário de investigação. A prática da investigação qualitativa e as suas análises são caracterizadas por várias abordagens teóricas e respetivos métodos, sendo uma variedade de abordagens e métodos na investigação qualitativa mais uma característica da mesma. Inicia-se pelas opiniões de cada sujeito, depois estuda-se o desenvolvimento das interações, e por fim, reconstrói-se o espaço social e o possível significado das práticas. A variedade de perspetivas resulta de linhas de evolução diferentes na história da investigação qualitativa e de forma sequencial.  Compreender a história da investigação qualitativa e as tendências que no seu domínio ganham maior expressividade na contemporaneidade. História: Desde o início do século XX, os métodos qualitativos têm grande tradição nas Ciências Sociais, principalmente na Psicologia, que utiliza métodos de descrição, compreensão e experimentais. E na Sociologia, que utiliza métodos descritivos, biográficos e estudos de caso, orientada para a inferência, e paralelamente, com uma perspetiva empírica e estatística. Torna-se importante compreender a história da investigação qualitativa, e começo por falar das críticas, nos anos 60, que caíram sobre a investigação social padronizada e quantitativa, tornando-se novamente saliente na Sociologia americana. Estas críticas prolongaram-se até aos anos 70 no debate científico alemão, acabando por recambiar ao renascimento da investigação qualitativa nas Ciências Sociais e Psicologia. Nos EUA e na Alemanha aconteceram debates pautados por diferentes fases e em épocas distintas, que nos ajudam a perceber a história da investigação qualitativa. Foi disponibilizado para um debate, em língua alemã, textos importantes da Etnometodologia e do Interacionismo Simbólico, este foi motivado pela vontade de tratar o objeto da investigação de forma ajustada à investigação quantitativa, isto é, torna-se possível captar a vida quotidiana da população, e voltar a fazê-lo, tal e qual como ela é. Nos anos 80, surgiram dois métodos, a entrevista narrativa de Schutze e a
  • 4. Página 4 de 34 hermenêutica objetiva de Oevermann. Estas metodologias influenciaram a discussão global dos métodos qualitativos, uma vez que, eram tão importantes como os resultados que os permitiram obter. Ainda nos anos 80, a generalização dos resultados dos métodos qualitativos era questionável, tal como a apresentação e transparência dos resultados. Os debates terminaram com publicações de manuais, em língua alemã, resultantes dos debates. Já nos EUA, Denzin e Lincoln definiram sete momentos na investigação qualitativa. A meio da década de 80, recai a “crise da representação” (Flick, 2005: 8) que tem um enorme impacto na investigação qualitativa, pois transforma o processo de apresentação do resultado e do conhecimento numa componente do processo de investigação. Fazendo com que a investigação qualitativa se transforme num processo de construção de versões de realidades, ou seja, o investigador interpreta uma entrevista e apresenta-a como parte dos seus resultados produzindo uma nova versão do conjunto. Neste contexto, é um tema central a avaliação da investigação e os seus resultados nas interrogações metodológicas, estando ligado aos critérios alternativos na investigação qualitativa. Concluindo, é possível comparar as duas partes de desenvolvimento, dado que, na Alemanha houve uma grande consolidação metodológica com uma crescente pratica de investigação. Por outro lado, nos EUA os desenvolvimentos são caracterizados por questionar de novo as certezas oferecidas pelos vários métodos, tendo a aplicação certa dos procedimentos de entrevista. Desta forma, a investigação qualitativa converte-se numa atitude específica, baseada na reflexão do investigador. Modernidade: A investigação qualitativa ganha maior expressividade na contemporaneidade, porque atualmente, a maior necessidade de nos guiarmos para a investigação qualitativa deriva dos diagnósticos mais recentes de todas as ciências, o que nos leva a crer que é disfuncional as ciências modernas e, portanto, para a investigação funcional empírica, nomeando quatro tendências. A primeira é o regresso à oralidade, é uma tendência para realizar estudos empíricos, nas narrativas, na linguagem e na comunicação. Outra tendência é a formulação de teorias e na condução de estudos empíricos, para tratar de problemas concretos, que surgem em situações específicas. O regresso ao local, é também uma tendência, é o reencontro com o estudo das práticas e experiências, e modos de viver que têm enraizados. Por último, a tendência do conceito de oportunidade, para situar os problemas estudados e propor soluções no seu contexto histórico ou temporal. A investigação qualitativa está direcionada para a análise de casos concretos, no tempo e no espaço, por isso, esta investigação define caminhos para a Psicologia e para
  • 5. Página 5 de 34 as Ciências Sociais, tornando-as em programas de pesquisa, mas mantendo-se sempre fiel aos seus objetivos e atividades. Bibliografia: FLICK, U, 2005, Métodos Qualitativos na Investigação Científica, Lisboa, Monitor
  • 6. Página 6 de 34 Tema 2 Perspectivas Teóricas da Investigação Qualitativa • interacionismo, etnometodologia e perspetivas construtivistas; • modelos estruturalistas; • triangulação de perspetivas. • Conseguir distinguir, de forma comparativa e contrastiva, os traços característicos e as especificidades das diferentes perspetivas de investigação no quadro da investigação qualitativa, de modo a conseguir identificar o que têm de comum e de diferente. A investigação qualitativa leva-nos a olhar para três perspetivas fundamentais e para as suas especificidades, cada uma com os seus traços específicos. Ajudam-nos a perceber a forma como os indivíduos se relacionam em diversos contextos de estudos, como as suas experiências, ações ou intenções. Interacionismo é a primeira perspetiva e importa o significado que os sujeitos dão às suas atividades e seus contextos, é um processo de interação, e está direcionado para o interacionismo simbólico. Para esta perspetiva existem hipóteses centrais, como a de Blumer que se divide em três hipóteses: primeiro “os seres humanos agem em relação às coisas, com base no significado que elas têm para eles…” (Flick, 2005: 18), segundo diz que este significado sucede da interação social entre o indivíduo e os seus conhecidos, e a terceira hipótese é que estes significados são modificados por um processo interpretativo que os indivíduos usam para lidar com as coisas que encontram. Portanto, a remontagem destes pontos de vista subjetivos torna-se instrumentos para analisar as realidades sociais. Outra hipótese central existente é o Teorema de Thomas, é um princípio metodológico fundamental do interacionismo simbólico, e defende que quando alguém define uma situação real, esta mesma torna-se real nos seus efeitos. Pegando nesta hipótese, o imperativo metodológico é remontar o ponto de vista do sujeito em vários aspetos. Primeiro vêm as teorias subjetivas de que as pessoas se servem para explicar a si próprios o mundo, como as teorias sobre a saúde, doenças ou educação. Segundo são as trajetórias biográficas reconstituídas do ponto de vista dos sujeitos. Na área da Sociologia houve uma evolução para o interacionismo simbólico, onde existem reflexões fenomenológicas, como formas de pensar, críticas feministas e pósmodernas da ciência. Denzin divide esta perspetiva em dois aspetos, quando o investigador quer examinar a relação problemas pessoais e as políticas criadas para enfrentar esses problemas pessoais, ou limita a perspetiva repetidamente para os processos estudados serem entendidos num plano biográfico e serem interpretados.
  • 7. Página 7 de 34 Tal como, na área de Psicologia também teve desenvolvimento nesta perspetiva., surgindo as teorias subjetivas como investigação. Começando por testar as pessoas no seu dia-a-dia afirmando que estas elaboram, como cientistas, teorias sobre o comportamento das coisas. Pois, este tipo de investigação reconstrói teorias subjetivas, e, portanto, foi elaborado um método específico de entrevista, que visam reconstruir as teorias subjetivas de forma aproximada ao ponto de vista do sujeito. O que molda a maioria da investigação qualitativa são as experiências e acontecimentos centrados no ponto de vista dos sujeitos. A referência ao interacionismo simbólico nas investigações sobre as teorias subjetivas está pouco explícito. No entanto, nos estudos integracionistas, continua a ser importante o foco no significado subjetivo dos objetos para os participantes nas interações, utilizando-se variadas formas de entrevistas e observações participantes. Em suma, o estudo dos pontos de vista subjetivos e as teorias do interacionismo simbólico tem um enorme destaque para a investigação qualitativa. A Etnometodologia é a segunda perspetiva, e parte da construção da realidade social, pois ela questiona o modo como as pessoas criam a realidade social nos seus processos de interação, estudando os métodos utilizados por elas para a produção da realidade quotidiana. A etnometodologia tem interesse em saber como é o dia-a-dia das pessoas em sociedade, de forma a construir um contexto de interação, onde as atividades são realizadas, usando principalmente, as análises das conversas. Heritage, em relação às análises das conversas, condensa-as em três hipóteses, e basicamente, defende que a interação é produzida de forma ordenada e o mesmo contexto é produzido em simultâneo com a interação e através dela. Diz também, que é relevante numa interação social decidir pela análise dessa interação e nunca tomada a priori como certa. Como tal, o objetivo não é saber o significado da interação e o conteúdo para os participantes, mas sim como a interação se organiza. A investigação etnomotodológica, na área das ciências sociais, começou a focar-se mais nas análises formalizadas das conversas. Abriu caminho para uma nova análise sobre os processos de trabalho, neste caso os processos de trabalho são estudados em laboratório e estudados em vários métodos, com a finalidade de ampliar o estudo das interações até à preocupação “com o conhecimento materializado” (Flick, 2005: 22). A partir da análise do discurso e dos estudos de laboratório, a Psicologia Social desenvolveu um programa chamado de “Psicologia do Discurso” (Flick, 2005: 22), e analisa os fenómenos psicológicos pela análise do discurso sobre determinados temas, tanto as conversas do quotidiano como os textos dos media. Este método parte dos repertórios interpretativos utilizados pelos intervenientes num discurso para criar e confirmar uma versão empírica da realidade. A análises etnometodológicas oferecem descrição pormenorizada sobre as organizações das interações sociais, permitindo estabelecer tipos de processos de conversação.
  • 8. Página 8 de 34 A terceira perspetiva, é a perspetiva construtivista que pressupõe que os sistemas culturais encaixam de certa forma na construção da realidade subjetiva e social. Esta perspetiva faz a distinção das experiências e atividades de superfície das estruturas de profundidade de ação. As de superfície são acessíveis ao participante, enquanto que as estruturas de profundidade não são acessíveis à reflexão individual no dia-a-dia. Analisar a relação do investigador e do processo de investigação com os sujeitos entrevistados é uma descoberta do modo de funcionamento da “produção societal da inconsciência” (Flick, 2005: 23), uma vez que, para esta análise, as normas implícitas e explícitas da ação têm bastante importância. A relação entre o conhecimento social implícito e o conhecimento e a ação individual estavam confusos, porque existia influência do conhecimento social e o culturalmente partilhado sobre experiências e ações. Assim, as normas sociais do conhecimento social de cada assunto são estudadas, sem serem concebidas como uma realidade, usando as entrevistas e a observação participante como métodos de estudo. Triangulação de perspetivas Estas três perspetivas de investigação qualitativa e respetivos fundamentos formam uma espécie de triângulo entre elas. Ora vejamos, a primeira perspetiva começa nos sujeitos envolvidos na situação de estudo e dos significados que essas situações têm para eles. As interações com os outros intervenientes numa situação e o contexto são reconstruídos a partir dos significados subjetivos. A segunda perspetiva parte da interação no aconselhamento e estuda-se o discurso. Portanto, os significados subjetivos dados pelos participantes têm pouco interesse do que a forma como a conversa se organiza como consulta formal, bem como os participantes dividem os papéis entre si. A terceira perspetiva, questiona as normas implícitas ou inconscientes que podem governar os atos explícitos em situações, e sobre as estruturas inconscientes que podem gerar atividades manifestantes. Em virtude dos pontos de vista subjetivos e os processos de interação são importantes para a reconstituição das estruturas. Posto isto, e para além deste triângulo pode ter-se apenas uma visão do tudo isto estudado. Cada uma destas perspetivas da investigação pode ser combinada e complementadas umas com as outras, expande-se assim, a visão do fenómeno estudado, como por exemplo, pela reconstituição do ponto de vista dos participantes e pela análise seguinte do revelado nas situações partilhadas pela interação.
  • 9. Página 9 de 34 Traços comuns às diferentes posições A compreensão como princípios epistemológicos compreende os fenómenos através do estudo do ponto de vista dos sujeitos, das normas socias e culturais e da análise das situações em cada caso. Consoante cada corrente teórica, a metodologia também pode conseguir esse propósito. A reconstituição dos casos como ponto de partida permite analisar as situações estudadas, mais ao menos de forma consciente, antes de estabelecerem comparações. E tudo depende da perspetiva teórica adotada para o tipo de situação escolhida para analisar. A construção da realidade como base, uma vez que, a realidade estudada é criada para esse efeito, pelos vários atores em cena. Aquele que é fundamental para esta construção difere de acordo com cada posição teórica. O texto como material empírico, é o texto base da reconstituição e da interpretação. A importância atribuída ao texto varia conforme a teoria seguida no estudo. Tema 3 Construção e compreensão do texto: o texto como construção da realidade. Texto e realidade Na investigação qualitativa o texto tem três finalidades: constituir os dados essenciais em que está inserida a descoberta; é o centro da interpretação; e é o meio fundamental da apresentação e comunicação dos resultados. Como acontece com a hermenêutica objetiva, que assume a textualização do mundo como programa, ou como o caso da generalidade dos métodos correntes na investigação qualitativa. Em ambos os casos, o texto resulta da coleção de dados e de instrumento de interpretação. O texto substitui a realidade estudada, pois assim que o investigador recolhe os dados e a partir dele elabora um texto, este passa a ser usado no resto do processo como substituto da realidade a estudar. Exemplo disto, são as narrativas que se fazem na entrevista que ficam disponíveis para a interpretação, e não as biografias. O texto produzido desta forma torna-se a base das interpretações futuras e das descobertas que resultam delas. Texto como construção da realidade É impossível reduzir a relação entre texto e realidade para uma representação de factos dados, originando uma dupla crise de representação e de legitimidade.
  • 10. Página 10 de 34 Como crise de representação, duvida-se que os investigadores sociais “apanhem” diretamente a experiência vivida, que é criada no texto escrito pelo investigador. Daqui surge a tal crise de representação, visto que, é problemático a ligação direta entre o texto e a experiência. Na crise de legitimidade, os critérios clássicos de controle são abandonados para a investigação qualitativa ou são rejeitados na totalidade as possibilidades de legitimar o conhecimento científico. As diferentes variedades do construtivismo social e do construcionismo partem da ideia de que a realidade é produzida pelos participantes, a partir da atribuição dos objetos e dos acontecimentos. Bem como, a investigação social não pode fugir às atribuições de significado, isto se, quiser tratar das realidades sociais. Levantando, neste contexto, as questões: “O que é que os sujeitos sociais tomam por real, e como o fazem?” (Flick, 2005: 31) e, portanto, os pontos de partida da investigação passam a ser as ideias dos acontecimentos sociais, das coisas que estão no campo social estudado, e como essas ideias comunicam ao serem partilhadas e tidas como reais. Segundo Goodman, a realidade é socialmente construída por várias formas de conhecimento, e são estas formas vários “modos de construção da realidade” (Flick, 2005: 31). De acordo com Gooman e Shutz, a investigação social é uma análise destes modos de construção da realidade e dos esforços construtivos diários dos participantes. Shutz distingue as construções de primeira e de segunda ordem, ele defende que a primeira metodologia das Ciências Sociais é a exploração dos princípios gerais, sendo por onde as pessoas organizam as suas experiências do dia-a-dia, principalmente as do mundo social. Ele faz referência a múltiplas realidades, organizadas em bases com os mesmos princípios que organizam a realidade do quotidiano. Uma das problemáticas das Ciências Sociais é de apenas encontrar o seu meio de estudo nas versões já existentes no terreno. As inter-relações englobam diversos processos de construção da realidade, desde as elaborações subjetivas no dia-a-dia e das elaborações científicas pelos investigadores na interpretação dos dados e na apresentação dos resultados. Construção da realidade no texto: a Mimética O termo mimético refere-se à transformação da realidade em forma simbólica. Na investigação qualitativa pode-se estabelecer entre a construção social, e aos textos nela utilizados, a ligação com elementos miméticos devido à transformação da experiência em narrativa pelas pessoas estudadas; a elaboração de textos e a sua interpretação pelos investigadores; bem como a devolução dessas interpretações aos contextos quotidianos. Ricoeur contribuiu com um prestável ponto de vista para a análise dos processos miméticos na interpretação e elaboração dos textos das Ciências Sociais, e dividiu-os em mimética 1, 2 e 3. Para ele, a produção de um qualquer tipo de texto
  • 11. Página 11 de 34 para aquele que lê e interpreta o que tem escrito está implicado na construção da realidade como aquele que o escreveu. Definiu a mimética 1 como sendo a “pré-concepção da natureza da ação humana” (Flick, 2005: 34), ou seja, está baseada numa pré-conceção da atividade humana e dos acontecimentos naturais e sociais. A mimética 2 é como se fosse a configuração da ação, é a transformação mimética dos ambientes sociais ou naturais, é no fundo um processo construtivo. A transformação mimética do texto em compreensão está presente no processo de interpretação, e traduz a mimética 3. Esta mimética assinala o cruzamento do mundo do texto com o mundo do ouvinte ou leitor. Na visão de Ricoeur e, em termos de Ciências Sociais, o tratamento de textos literários e os processos miméticos são como o cruzamento da construção e da interpretação da experiência. Na conceção da mimética, o processo não se limita apenas ao acesso a textos literários, mas sim antes a alongar a compreensão na sua globalidade, e como tal, à compreensão do conceito saber. Finalizando, a mimética aos olhos do autor é um processo de compreensão da literatura, sem esquecer a rígida e estrita ideia de representação da realidade dada aos textos.
  • 12. Página 12 de 34 Tema 4 O papel da teoria na investigação qualitativa • Dominar os conceitos de linearidade e circularidade no processo de investigação; • Saber caracterizar a teoria enraizada e o seu entendimento particular sobre o processo de investigação. Métodos e técnicas de investigação em Ciências Sociais Os métodos e as técnicas de investigação em Ciências Sociais são bastante vastos e variam de autor para autor. Madaleine Grawitz (1993) define métodos como um conjunto arranjado de operações que se realizam para atingir um ou vários objetivos, são um conjunto de normas que selecionam e coordenam as técnicas. Estes constituem também um plano de trabalho em função de uma determinada finalidade. Define também as técnicas como “procedimentos operatórios rigorosos” (Carmo e Ferreira, 2015: 155) e suscetíveis de serem aplicados nas mesmas condições, adaptados aos fenómenos em causa e ao tipo de problema. O objetivo que o investigador quer atingir é que dita a escolha das técnicas, que por sua vez, está ligado ao método de trabalho. Por vezes existe confusão entre estes dois termos, no entanto a técnica representa a etapa de operações limitadas, concretos e adaptados para uma finalidade, enquanto que o método é uma criação intelectual que coordena várias técnicas. A distinção entre métodos quantitativos e os métodos qualitativos reside entre paradigmas que dizem respeito à produção do conhecimento e ao processo de investigação, pressupõe-se existir uma ligação entre epistemologia, teoria e método. “Cada tipo de método está, portanto, ligado a uma perspetiva paradigmática distinta e única.” (Carmo e Ferreira, 2015: 156). Paradigmas quantitativos e qualitativos Reichardt e Cook (1986) defendem que um investigador para resolver melhor um problema de pesquisa não tem que escolher obrigatoriamente um dos dois paradigmas, pode sim escolher uma combinação de atributos pertencentes a cada um deles. Como também não é obrigado a escolher um método quantitativo ou qualitativo, podendo sim escolher até os dois ao mesmo tempo. No entanto, outros autores colocam como desvantajoso utilizarem os paradigmas conjuntamente numa mesma investigação. Julia Brannen (1992) salienta que o mais correto seria relacionar cada conjunto de dados com a teoria que lhe está subjacente e analisar o quanto o conjunto de dados se complementam. Reichardt e Cook (1986) mostram-nos quais as características atribuídas ao paradigma qualitativo e ao paradigma quantitativo. Em relação ao paradigma quantitativo, os autores englobam-no numa conceção global positivista, hipotéticodedutiva,
  • 13. Página 13 de 34 particularista, orientada para os resultados e própria das Ciências Sociais, enquanto que o paradigma qualitativo está mais inclinado para uma conceção global fenomenológica, indutiva, estruturalista, subjetiva e orientada para a Antropologia Social. Não esquecendo que cada tipo de método está ligado a uma perspetiva paradigmática própria. A investigação como processo linear O ponto de partida do investigador é o conhecimento tórico obtido na literatura ou a partir dos resultados empíricos anteriores. Os “objetos” de investigação concretos, como um determinado campo social, são tidos como exemplares, porque são testadas as relações sob a forma de hipóteses. O investigador tem como fim poder garantir a representação dos dados e resultados obtidos, como também subdividir as relações complexas em muitas outras variadas, dando a possibilidade do investigador medir e isolar os efeitos de cada uma. O objeto de investigação vem primeiro que as teorias e métodos, só depois é que são testadas e é possível perceber se são falsas ou não. O conceito de processo de investigação na teoria enraizada A teoria enraizada contrasta com a teoria linear. A teoria enraizada dá primazia aos dados e ao campo de estudo, em relação ás hipóteses teóricas. Estes são “descobertos” e, não aplicados à questão estudada, ao tratar do campo e dos dados empíricos que nele se vão encontrar. O objetivo não é reduzir a complexidade, mas antes aumentá-la com o contexto. Os métodos também devem ser bem escolhidos para o estudo em questão e escolhidos de acordo com esse critério. Nesta teoria o investigador deve optar por uma atitude chamada de “suspensão calculada da atenção” (Flick, 2005:43), ou seja, os investigadores, devido às suas estruturas teóricas e aos seus receios, que tanta atenção dão aos aspetos concretos, acabam por ficar obcecados com o sujeito estudado. Isto faz com que eles e a investigação fiquem “longe” de algo novo. A teoria enraizada abrange aspetos importantes, como a amostragem teórica – estratégia gradual da amostra – aplica-se em pesquisas que usam métodos de interpretação muito diferentes dos propostos, a codificação teórica – método de interpretação dos textos – elabora teorias com base na análise do material empírico e é essencial, por fim a escrita da teoria. Todos estes aspetos estão direcionados para a interpretação dos dados, como também as decisões sobre os dados a contemplar e os métodos para esse fim, pois baseiam-se na elaboração da teoria.
  • 14. Página 14 de 34 Linearidade e circularidade do processo Uma das características fundamentais do modelo de investigação da teoria enraizada é a circularidade. A circularidade traz consigo alguns problemas de investigação para avaliar a pesquisa, principalmente na proposta de um projeto de investigação para alcançar financiamento, e também na avaliação da investigação e dos resultados. Ainda assim, a circularidade é uma mais valia na abordagem, porque “obriga” o investigador a fazer uma reflexão permanente sobre o processo de investigação, e sobre a ligação de cada um dos passos com os outros. Outra vantagem da circularidade é a curta ligação, incluindo o tempo, entre a coleta e a interpretação dos dados, bem como a eleição do material empírico, pois permite ao investigador responder à questão: “em que medida as categorias, métodos e teorias utilizadas se ajustam ao tema e aos dados?” (Flick, 2005: 44). Métodos qualitativos Os métodos de investigação constituem de uma forma concreta ou abstrata um plano de trabalho em função de um determinado fim, ou seja, cada tipo de método está ligado a uma própria perspetiva paradigmática. A escolha das técnicas está relacionada com o método de trabalho, tudo depende do objetivo que se quer atingir. Um fator importante a ter em conta é a distinção entre o método e a técnica. A técnica é a etapa de operações relacionada com elementos práticos, definidos e adaptada para uma certa finalidade, enquanto que o método é uma elaboração coordenada de um conjunto de operações. A distinção entre a investigação quantitativa e a investigação qualitativa diz respeito ao conhecimento gerado e ao processo de investigação que, por sua vez, “pressupõe existir uma correspondência entre epistemologia, teoria e método.” (Carmo e Ferreira, 2015: 156) e, portanto, cada tipo de método tem a sua distinção que está ligado a uma única perspetiva paradigmática. Em Ciências Sociais, a adequada utilização dos métodos quantitativos e qualitativos nos trabalhos de investigação é sem dúvida importante, mas também surgem, nestes dois paradigmas, os seus problemas ao longo do desenvolvimento da investigação. Cada investigador adere ao paradigma que melhor se adapta, pois há investigadores que para solucionarem a sua pesquisa recorrem aos dois ou apenas a um dos paradigmas. Enquanto outros investigadores, escolhem uma combinação de atributos de cada um dos paradigmas, e para além disso, os investigadores podem também nem sequer optarem unicamente pelos métodos quantitativos ou qualitativos, como podem combinar os dois tipos de métodos. Os investigadores Reichardt e Cook (1986) defendem uma série de características atribuídas a cada um dos paradigmas. Estes afirmam que o paradigma quantitativo tem uma visão positivista global, particularista, e muito dedutiva hipoteticamente para as
  • 15. Página 15 de 34 Ciências Naturais. Enquanto o paradigma qualitativo tem um olhar mais fenomenológico, estruturalista, indutivo, subjetivo e orientado para a Antropologia Social. Características dos métodos quantitativos: A utilização dos métodos quantitativos está ligada à investigação experimental, o que requer a observação de fenómenos, a formulação de hipóteses para explicar esses mesmos fenómenos, controlo de variáveis, amostragem e verificação ou rejeição da recolha de dados. O objetivo é generalizar os resultados de uma certa população em estudo a partir da amostra, efetuando relações de causa e efeito, e prever os fenómenos. O investigador antes de efetuar uma investigação quantitativa deve elaborar um plano de investigação estruturado com os devidos objetivos e procedimentos, de modo a definir os objetivos do trabalho, a formulação de hipóteses e definição das variáveis. Os objetivos neste tipo de investigação consistem em relacionar variáveis e fazer descrições dos dados recolhidos. Contudo, os métodos quantitativos têm algumas limitações, principalmente por estarem ligadas ao próprio fenómeno estudado, como por exemplo a complexidade dos seres humanos, estímulos diferentes geram respostas diferentes nas pessoas, muitas variáveis de estudo, a subjetividade dos investigadores, medições indiretas e até mesmo problemas com a fiabilidade e validade dos instrumentos de medição. Características dos métodos qualitativos: As principais características dos métodos qualitativos são a indutiva, em que os investigadores fazem por analisar a informação de uma “forma indutiva” (Carmo e Ferreira, 2015: 160), não procuram informação para verificar as hipóteses, desenvolvem sim conceitos e chegam até aos fenómenos a partir da recolha de dados. Isto é, a teoria inicia-se a partir dos dados que obtiveram e são inter-relacionados, tendo a designação de “teoria fundamentada”. Outra característica é a holística, onde os investigadores têm em conta a “realidade global”. Ou seja, o sujeito, os grupos e as situações são vistas como um todo, sendo estudado o passado e o presente dos indivíduos da investigação. A naturalista é outra característica, onde a fonte direta dos dados é “natural”, nesta característica os investigadores interagem com os sujeitos naturalmente e discretamente. Misturam-se com eles para estudarem e compreenderem uma certa situação, controlando e minimizando os efeitos sobre os sujeitos de investigação e avaliam-nos depois de interpretarem os dados recolhidos. São também humanísticos, porque o investigador quando estuda os sujeitos numa vertente qualitativa tenta conhecê-los como pessoas e experimenta o que eles experimentam nos seus dias. Nos métodos qualitativos os investigadores são muito sensíveis aos contextos, pois os atos, as palavras e os gestos só podem ser compreendidos no seu contexto. Tal como o “significado” tem grande importância, uma vez que, os investigadores tentam
  • 16. Página 16 de 34 compreender os indivíduos a partir das referências desses mesmos indivíduos. Portanto, o investigador tenta viver a realidade do indivíduo, demonstrando empatia e compreensão pelas suas perspetivas de todos na globalidade, deixando para trás as suas convicções. A investigação qualitativa é também “descritiva”, sendo bastante rigorosa e resulta dos dados recolhidos, que incluem excertos de entrevistas, registos de observações, documentos escritos, vídeos e fotografias. Deste modo, é normal que os investigadores se interessem pelo processo de investigação, e não apenas pelos resultados que dela resulta, sendo por isto, uma investigação com o chamado plano de investigação flexível. O principal problema da investigação qualitativa é a objetividade do investigador, pois este é o “instrumento” da recolha de dados, o que valida e toma como fiável os dados, tudo depende da sua sensibilidade, conhecimento e experiência. Uma vez que, a validade do trabalho realizado tem enorme importância para toda a informação estar de acordo com o que os sujeitos fazem e dizem, utilizando a observação participante, a entrevista e a análise documental como as técnicas mais utilizadas na investigação qualitativa. Tradições teóricas em investigação qualitativa Patton (1990) nomeou diferentes tradições teóricas, às quais correspondem orientações metodológicas, visto que, a investigação qualitativa não é uniforme. Passo a referir as tradições mais importantes e as práticas de investigação que lhes correspondem: a etnografia tem a sua origem disciplinar na antropologia, a fenomenologia na filosofia, heurística corresponde à psicologia humanística, etnometodologia tem a sua origem na sociologia, o interacionismo simbólico na psicologia social, a psicologia ecológica corresponde à ecologia e psicologia, a teoria sistémica tem origem na interdisciplinar, hermenêutica corresponde à teologia, filosofia e critica literária, e por fim a qualitativa orientacional tem a sua origem disciplinar na historia das ideias e economia política. Combinação de métodos quantitativos e qualitativos: A combinação dos métodos quantitativos e qualitativos numa investigação ou a não combinação dos mesmos gerou controvérsia entre os investigadores. Patton (1990) defende que através da triangulação o plano de investigação fica mais consistente, isto é, combinar os métodos de estudo dos mesmos fenómenos. Denzin (1978) identificou quatro principais tipos de triangulação, a triangulação de dados: usa-se a variedade de fontes no mesmo estudo, a triangulação de investigadores: usa-se vários investigadores, a triangulação de teorias: usa-se várias teorias para compreender os mesmos dados, e a triangulação metodológica: que usa diferentes métodos para estudar um problema. Portanto, a triangulação mostra-nos diferentes aspetos da realidade, logo, deve- se utilizar diferentes métodos de observação da realidade. Existem vantagens em combinar métodos, principalmente quando os trabalhos de investigação têm múltiplos propósitos, visto que, é possível compreender melhor os
  • 17. Página 17 de 34 fenómenos, da mesma maneira que a triangulação de técnicas permite alcançar resultados seguros. As possíveis desvantagens em combinar métodos é o custo, o tempo e as experiências e competências do investigador, uma vez que, ele domina igualmente cada um dos métodos de forma a poder usá-los eficazmente. Bibliografia: Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação: Guia para Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta. FLICK, U, 2005, Métodos Qualitativos na Investigação Científica, Lisboa, Monitor Tema 6 O projeto de Investigação em Ciências Sociais Objetivos de aprendizagem:  Compreender a importância da gestão do tempo e da informação disponível na prática da investigação É necessário que o investigador para iniciar o seu projeto de investigação comece por recolher a informação que tem disponível, adquirindo primeiramente uma atitude adequada perante o estudo que vai desenvolver. Colocando de parte uma atitude individualista, pois quando adotam esta atitude colocam-se de parte à comunidade cientifica e geram desconfianças que são ineficazes para o projeto. Ineficazes porque, ficam com menos meios logo têm mais dificuldades em alcançarem as suas metas iniciais. Portanto, o ideal será sempre o investigador adquirir mais conhecimentos e desenvolver melhor as suas estratégias. Como por exemplo, ter curiosidade e estar motivado para aprender com os outros, desde informadores qualificados e a população-alvo da investigação, como também com as várias fontes de informação e realidade que o rodeia. Ter humildade intelectual, de modo a que lhe permita obter informações pertinentes em sítios menos habituais. E ter uma boa rede de cooperação na sua comunidade científica, desde pessoas e instituições, para aprofundar mais o saber na área em questão. O investigador deve também proceder à recolha preliminar de informação, de modo a facilitar- lhe o trabalho em diversos contributos já disponíveis sobre o tema. Começando por selecionar os elementos sobre as teorias existentes, pois nunca é demais sistematizar a informação numa boa teoria, o que permite ao investigador gerir melhor os seus recursos e orientar as estratégias da sua pesquisa. É importante também “o recurso a bases de dados com informação indexada sobre monografias e artigos, (…)” (Carmo, 2015: 26), e realizar entrevistas exploratórias. Morin (1921) denominou “nevoeiro informacional” ao conjunto de três tipos de filtros que impedem ao investigador de ver bem a sociedade que quer estudar. O primeiro filtro é a sobreinformação, que se traduz no excesso de informação no seu quotidiano, como revistas
  • 18. Página 18 de 34 científicas, jornais, etc. o que faz com que tanta informação não permita ao cientista conhecer por completo a literatura publicada. O segundo filtro, contrário ao primeiro, é a subinformação uma vez que a sociedade contemporânea está rapidamente a mudar, o investigador confrontase com a falta de informação para o seu objeto de estudo. O terceiro filtro é a pseudoinformação, isto é, o conjunto de informação deformada ou falsa sobre a realidade social, muitas vezes emitida pelos mass media. Em síntese, estes são uns dos maiores problemas metodológicos com que o investigador se depara no seu processo de pesquisa, porque a seleção e gestão da informação obriga-o a um esforço maior para minimizar os efeitos de “nevoeiro informacional”. O tempo tem vindo a ser uma variável estratégica em qualquer processo de pesquisa, ou seja, o nevoeiro informacional já falado determina os gastos consideráveis de tempo; o investigador já começa a estabelecer contactos fora, como empresas, tendo-se de se adaptarem aos seus critérios de prazos e custos; como também no encurtamento do ciclo de vida da pesquisa, para não haver muito tempo entre o tempo da pesquisa e a publicação dessa pesquisa. Como tal, a noção de tempo útil de pesquisa é uma condicionante importante para determinar o objeto de estudo e da metodologia a adotar. E pode ser transformado em oportunidade pela autodisciplina em assumir um elemento de controlo de qualidade da investigação e para acelerar os resultados. Objetivos de aprendizagem:  Conhecer todos os elementos necessários ao planeamento de uma investigação Elementos para o planeamento de uma investigação Para iniciar uma pesquisa é necessário planear a sua investigação, e a primeira tarefa do planeamento é definir o que se quer investigar. Em Ciências Sociais, Raymond Quivy defende que iniciar um processo de recolha de dados sem delimitar os objetos de estudo, é perder tempo e energia que naturalmente reduz as condições objetivas para uma pesquisa com sucesso. Diz também que o investigador deve evitar três tipos de erros: a sobreinformação; desprezar a prévia conceção de hipóteses que são as bússolas da pesquisa; e deficiência na comunicação decorrente da frequente imaturidade cognitiva e afetiva. Assim sendo, um bom planeamento incluí a prévia constituição de um conjunto de perguntas, que seja possível progredir com clareza no estudo, de modo a funcionar como posterior definição dos rumos da investigação. A definição de uma estratégia orientada de recolha da informação também é importante, como a preocupação da definição rigorosa e clara das intenções da investigação. Portanto, para delimitar o objeto de estudo a seleção do campo e do tema deve ser de forte motivação ao investigador, para não desmotivar durante a pesquisa. Como também deve delimitar o seu objeto como na definição das suas metas. Outro passo é definir o objetivo da pesquisa, para marcar as metas que o investigador quer alcançar. Selttiz, Jahoda, Deutch e Cook (1967) classificaram os estudos para a pesquisa em três tipos: estudos exploratórios – procede-se ao reconhecimento de uma certa realidade pouco estudada e levantam-se hipóteses para perceber essa realidade; os estudos sociográficos ou descritivos – descreve rigorosamente um dado objeto de estudo na sua estrutura e no seu funcionamento; e os estudos verificadores de hipóteses causais – que partem das hipóteses para a sua verificação. Próximo passo, programar a pesquisa de forma a perceber quais as tarefas precisas para a concretizar, devem ser bem definitas, articuladas e calendarizadas. Uma forma fácil de fazer esta programação, é fazer uma árvore de objetivos definida e operacional em variáveis e indicadores;
  • 19. Página 19 de 34 definir as técnicas de recolha dos dados (entrevistas, questionários…); como querem tratar e interpretar os dados, sobretudo de forma qualitativa ou quantitativa; qual o modelo de análise a utilizar; se usam gráficos, tabelas audiovisuais, etc.; e quanto tempo é necessário para cada tarefa. De seguida, identificar e articular os recursos necessários para o suporte da investigação, e já Ducker (1986) definia um recurso como algo para descobrir uma dada utilidade. O investigador ao planear a sua investigação, deve identificar os recursos que precisa para concretizar a investigação e “inventar” soluções, ser original caso lhe surjam contratempos. Sendo assim, deve ter em atenção e em conta as instalações onde irá realizar a pesquisa, os equipamentos como um bom computador, câmara fotográfica, gravador, etc., vários apoios financeiros (patrocínios), logísticos e documentalísticos, e por fim uma orientação científica baseando-se em quem quer convidar para ser seu orientador. Ferramentas metacognitivas para investigação O objetivo do investigador em ter ferramentas metacognitivas é que se torna vantajoso para ele em gerir melhor a informação e transformá-la em conhecimento, exemplos destas ferramentas são os mapas concetuais, diagramas estruturados cognitivos como o Vê heurístico, epistemológico ou de Gowin. O mapa concetual, tem a forma de um diagrama bidimensional e mostra os conceitos hierarquicamente organizados dentro de um dado campo de conhecimento, é como “uma ferramenta de representação do conhecimento” (Carmo, 2015: 41). Segundo Buchweitz (1984), para elaborar um mapa concetual os seguintes passos devem ser seguidos: localizar os conceitos, catalogar os conceitos dos mais gerais para os mais específicos, distribuir os conceitos por duas dimensões, escrever a origem da relação, fazer uma revisão e refazer o mapa, e preparar o mapa final. O mapa concetual deve ser visto como uma representação possível de um conhecimento e sempre a ponderar um possível ajuste. Nestes mapas é importante clarificar conceitos, desempacotar conhecimento complexo e conceber um campo semântico. Clarificar conceitos tem como propósito entender a diferença entre conceitos numa determinada pesquisa, como por exemplo em exclusão social. De seguida deve- se mencionar sinónimos do dito conceito em pesquisa, ou seja, integrar o campo semântico do conceito, e seguidamente objetivar os seus significados, de modo a estimular a formulação de diversas hipóteses relacionando cada significado a cada variável. E desta forma, a construção de um mapa concetual faz crescer a imaginação sociológica do investigador, de modo a ajudá-lo a construir outras hipóteses e teorias. Outra função do mapa é desempacotar conhecimento complexo, ou seja, é possível fazer uma análise mais clara e rigorosa de documentos de várias origens. Permite também clarificar os textos densos, de modo a salientar as palavras-chaves do pensamento do autor. Como tal, o investigador sempre que precisar de conceber um conjunto de conceitos bem articulados entre si, ou formar um campo semântico, pode recorrer à construção do mapa concetual. Para além dos mapas concetuais, o investigador pode recorrer a diagramas sistémicos como outra ferramenta metacognitiva. Estes diagramas permitem diferenciar vários níveis complementares aos conceitos em pesquisa, sugerindo uma estrutura analítica que possibilita analisar melhor todos os conceitos importantes para a investigação.
  • 20. Página 20 de 34 Outra ferramenta metacognitiva representa o fluxograma, este descreve um processo em forma retangular ou oval com setas para definir a direção e a sequência. Gowin (1981) concedeu o chamado Vê heurístico, Vê epistemológico ou Vê de Gowin e pretende representar qualquer campo de conhecimentos, uma vez que, ele “vê a investigação científica como uma maneira de gerar estruturas de significados, (…)” (Carmo, 2015: 53). Para Gowin um campo de conhecimento integra duas partes específicas: o domínio concetual – teorias, princípios e conceitos; e o domínio metodológico – registos, dados, e assuntos de conhecimento e de valor. O Vê heurístico deve conter o seu objeto de estudo, onde o investigador identifica o seu objeto de estudo observável. É composto também pela questão chave, onde deve definir com clareza varias perguntas que identifiquem o objeto da pesquisa. A conceção do Mundo e da Vida também faz parte para identificar e discutir as conceções que o investigador tem que possam vir a afetar investigação. As teorias que irão fundamentar a investigação, tal como os modelos de observação que poderão ser adotados. Os conceitos, que servirão para identificar os conceitos principais a utilizar. Conceber registos de informação, como fichas bibliográficas e de leitura. As transformações que define as estratégias de recolha e podem dividir-se em estratégias de recolha de dados, de tratamento de dados e de análise de dados. Os resultados são fundamentais, para identificar os resultados esperados para obter a forma de questão respondida. E por fim, o valor acrescentado que identifica o valor que acresce à pesquisa que se fez, para o desenvolvimento da teoria. Bibliografia: Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação: Guia para Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta. Tema 7 A Pesquisa Documental  Compreender o papel da pesquisa documental no âmbito do processo de investigação A importância de uma pesquisa documental adequada visa selecionar, tratar e interpretar a informação existente em suportes estáveis, como áudios, vídeos e informo, de modo a extrair dela algum sentido. Por outro lado, tem como objetivo executar essas mesmas operações de fontes indiretas. Portanto, num processo de investigação para se atingir os objetivos, o investigador necessita de recolher todas as informações anteriores, introduzir-lhe algum valor acrescentado e passá-las para a comunidade científica a fim de que os outros investigadores possam desempenhar
  • 21. Página 21 de 34 o mesmo papel no futuro. Deste modo, “a pesquisa documental assume-se como passagem de testemunho” (Carmo, 2015: 59), ou seja, os investigadores que já investigaram o mesmo terreno, terão que passar para as mãos dos próximos investigadores a investigação que fizeram nesse mesmo terreno. Como tal, estudar o que outros investigadores pesquisaram não deve ser interpretado como erudição académica, mas sim apenas uma boa gestão de informação indispensável a quem queira acrescentar valor à produção científica já existente sem ter medo de estudar o que já está estudado. Este valor acrescentado terá suportes sólidos quando for concedido e testado.  Saber identificar os diferentes tipos de documentos, as respetivas potencialidades e condicionantes, onde os procurar e como os trabalhar Documentos escritos Para encontrar informação escrita pertinente o investigador deve dirigir-se a locais físicos ou funcionais, como as bibliotecas e arquivos, bibliografias, enciclopédias e dicionários, livros e revistas específicos, e ficheiros scripto e base de dados em formato digital. As bibliotecas e os arquivos públicos e privados são os primeiros locais de pesquisa dos investigadores, aqui deve-se respeitar o princípio da economia do tempo procedendo a uma prévia seleção de centros de documentação, isto é, escolher bibliotecas e arquivos conceituados. Primeira triagem O investigador não devo começar a sua pesquisa de consulta com “gula livresca” (Carmo, 2015: 61), deve sim primeiramente selecionar conjuntos de documentos até chegar ao numero de documentos que considere manuseável, porque se saltar este passo, arrisca-se a perder tempo em documentos que não lhe serão úteis para a pesquisa e negligenciando outros documentos importantes para ele. Para facilitar este processo o investigador pode consultar bibliografias já publicadas, ou consultar enciclopédias, uma vez que, os assuntos já se encontram resumidos e até contêm bibliografia adicional. Se eventualmente o investigador consultar uma base de dados, o ideal é que a mesma seja previamente preparada para não perder tempo em critério de seleção no momento da recolha de dados. Neste sentido, ele deve com antecedência pensar como irá proceder na sua pesquisa, se se organiza por autores, por datas ou títulos, por palavras-chaves de forma a reduzir o tempo de pesquisa no local e tornando-a mais eficaz. Quando se tem muita informação, ou seja, a sobreinformação, o investigador deve evitar cair no desnorteamento, portanto neste caso, o investigador fará uma investigação segura entre a muita informação que possui, ou então corre o risco de se perder no nevoeiro informacional. A prévia seleção de revistas especializadas, ajuda o investigador a fazer cruzamento de informação, pois o investigador consegue selecionar rapidamente monografias e artigos no tema da sua pesquisa. No trabalho exploratório sobre documentos relevantes, é também útil consultar documentalistas, isto é, consultar os informadores qualificados, como os bibliotecários ou arquivistas, para mais uma vez não perder tempo e ganhar tempo de qualidade.
  • 22. Página 22 de 34 Por fim, o investigador não pode esquecer a literatura cinzenta, esta é constituída por um conjunto de muitos relatórios de pesquisa, elaborados pelas faculdades em graduações e pós- graduações, não publicadas, mas validadas por júris qualificados e que desempenham o mesmo papel que as revistas de especialidades. São uma boa prática em assuntos de investigação, nomeadamente os relatórios de pós-doutoramento, teses ou dissertações de mestrados. Exploração do texto A exploração do texto, consiste em explorar o que se pesquisou na primeira triagem. Esta operação deve ter em atenção o reduzido tempo disponível para realizar a pesquisa, ou seja, economizar a leitura, o que não quer dizer que esta gestão de tempo venha a reduzir a criatividade do investigador, apenas a vem “aguçar”, desde que o investigador se coloque sempre a serviço do processo de investigação. Para explorar textos existem algumas estratégias, tais como: observar atentamente o título da unidade de informação, visto que fornece elementos importantes sobre o seu conteúdo. O nome do autor, que fornece indicação sobre a qualidade do trabalho. A data e o local das edições, pois é importante para se ter uma noção de espácio-temporal. O nome do editor, bem como a contracapa dos livros. Analisar bem o índice, para ter ideia sobre a estruturação do trabalho, e por último depois de ler as introduções e as conclusões dos livros, o investigador deve selecionar os capítulos ou partes importantes dos livros que quer estudar. Registo de dados Criar um bom sistema de registo de dados também é bastante importante numa pesquisa. Atualmente, praticamente todo o investigador guarda e desenvolve os seus trabalhos de estudo informaticamente. O sistema de registo de dados é um instrumento de trabalho que o investigador deve personalizar, como as suas fichas bibliográficas, porque há sempre elementos informativos que as fichas contêm que funcionam como uma espécie de cartão de cidadão dos documentos. As monografias, os artigos de revista e obras coletivas, são tipos de documentos com fichas bibliográficas e cada documento destes tem a sua forma específica para ser representada. As fichas de leitura já são fruto do trabalho do investigador, elas contêm o resumo do que o investigador já leu, citam passagens importantes e têm anotações de ideias sobre reflexões do texto. Resumir é uma tarefa complexa, “é um ato de seleção da informação pertinente e só dessa.” (Carmo, 2015: 70), porque necessita de gerir o melhor possível o tempo disponível, facilita fazê- lo logo num processador de texto, como o Word no computador, para se fazer apenas numa só vez o registo da informação, como também no futuro utilizar logo como texto definitivo. A fichas de leitura devem ter uma boa organização espacial, e pode ser de várias formas de modo a preencher os requisitos da pesquisa. Podem ser em formato de texto corrido, como podem reservar espaços para cada tipo de informação, como por exemplo a identificação da obra, para comentários pessoas ou para até mesmo citações de outros autores. Sistemas de classificação Um bom sistema de classificação sobre uma informação é quando tem um maior volume de informação, o que permite aos sistemas descritores um trabalho mais produtivo. Os sistemas descritores sucederam a partir de um conjunto diverso de sistemas que usam palavras chave para descrever sinteticamente um dado documento.
  • 23. Página 23 de 34 Documentos oficiais Os documentos oficiais podem-se classificar em dois grupos, as publicações oficiais e os documentos não publicados. O Diário da República é um ótimo exemplo de uma publicação oficial, pois o investigador ao desenvolver a sua pesquisa documental deve ter sempre em conta a primeira, segunda e terceira série. Já os documentos não publicados recolhem informação a partir de fontes oficiais não publicadas, logo dificulta o processo de pesquisa, uma vez que, os acessos aos arquivos públicos são condicionados. Logo, o investigador deve previamente levar consigo uma credencial para justificar a sua investigação. Estatísticas As estatísticas são ótimas fontes de informação, no entanto têm as suas potencialidades e limitações. A potencialidades das estatísticas é que são elementos muito bons para mostrarem grandes tendências na área demográfica, social, económica e cultural, como os Censos e as Estatísticas Especiais. Elas também nos dão de uma forma económica informações que nos permitem ter visões de vários conjuntos de certos fenómenos sociais complexos. Já as suas limitações passam por serem estatísticas concebidas por pessoas, logo têm maior taxa de erro. São também estatísticas conseguidas não para ter clara a realidade, mas para justificarem interpretações prévias sobre a mesma realidade. Portanto, a postura do investigador perante os dados estatísticos deve ser de muita constante atenção crítica. Como também, dever ter em atenção que quem concede as estatísticas não tem os mesmos interesses que o investigador, logo não têm os mesmos critérios de classificação para as pesquisas. Resumidamente, o investigador deve escolher fontes estatísticas credíveis, deve refletir criticamente sobre os indicadores que lhes são apresentados, e utilizar “a imaginação sociológica para tirar partido das estatísticas, (…)” (Carmo, 2015: 75), ou seja, cruzar a informação recolhida para ter boas fontes de informação documental. Documentos pessoais Autobiografias, correspondências, diários, e outros documentos pessoais, são ótimos recursos ao serviço do investigador. Duas grandes vantagens deste tipo de documentos é a possibilidade de ter acesso a informações únicas que não se encontram noutras fontes, dando um maior entendimento sobre a realidade social. Bem como, dar voz a quem não a tem, como em muitos casos de pessoas na sociedade por todo o Mundo. Exemplo disto, são as autobiografias de emigrantes, refugiados, prostitutas, etc. que têm nas suas mentes um mar de informação que só eles podem contar devido às suas experiências de vida. Têm também as suas limitações, como nos mostra o estudo de Lewis, como tal é importante ter em conta que, as expressões subjetivas dos atores sociais são limitadas pelos estereótipos e ideologias dos autores, valem os testemunhos de quem viveu a realidade, pois não a retratam com objetividade, mas sim com respeito. Também nem sempre constituem documentos sociográficos, são antes documentos de autojustificações fundamentados pelos comportamentos dos autores. Por vezes é difícil provar a sua veracidade, como também a análise quantitativa destes documentos por ser bastante trabalhoso. Princípios orientadores Existem procedimentos para se tirar partido do valor dos documentos pessoais sem correr riscos, então recomenda-se ao investigador verificar sempre os factos, cruzando informação vinda de documentos pessoais vindos de outras fontes documentais ou vivas. Proceder também a uma rigorosa crítica externa, e fazer uma crítica interna comparando o texto com a realidade conhecida, para apurar a verdade. Portanto, toda a informação fornecida pelos documentos pessoais vinda de fontes valiosas para a investigação, tem de ser combinada com a informação proveniente de outras fontes.
  • 24. Página 24 de 34 Documentos escritos difundidos Exemplos de documentos escritos difundidos são os jornais, publicações, cartazes, panfletos e documentos escritos de natureza diversa são boas fontes de informação. Ainda assim, estes documentos escritos têm diferentes motivações de publicação. No caso do jornal, o investigador quando o investiga quer recolher informações sobre um dado fenómeno social, quer salientar o conteúdo da informação difundida, e quer também revelar o tipo de impacto que certa informação difundida causou. O investigador deve ter em conta o impacto de uma unidade de informação, deve ter noção de algumas variáveis, como o nome do referido jornal que fornece informações sobre o controlo a que está sujeito, a data da difusão que permite avaliar a importância dada pela opinião da sociedade à informação difundida, comparando os relatos de acontecimentos ocorridos na mesma altura. A página em que a unidade de informação é colocada indica ao investigador o seu impacto, bem como o lugar que a unidade de informação ocupa na página, a grandeza do título constitui um indicador de bastante importância, visto que existe sempre muita competição entre várias unidades de informação relativamente à atenção do leitor, e se o texto tem concordância ou não com o título. Avaliar o grau de impacto que uma unidade de informação tem no público é de igual modo importante, desde as ilustrações que acompanham a notícia, a tipografia do texto, a sua estrutura, a sua origem, e a seleção de informação. Documentos não escritos Sendo o objeto uma criação vinda da cultura das pessoas, em determinadas investigações como as antropológicas, existe a necessidade de recolha e análise, pois é através do estudo dos objetos que se reconstrói a estrutura e funcionamento de certo agregado social. Os investigadores devem ter especial atenção ao objeto observado com importância para o estudo, ele deve ser bem analisado e catalogado. Para se tornar mais fácil pode-se fazer uma ficha técnica de leitura que inclua a descrição, a localização no espaço e no tempo, e a funcionalidade. Note-se que o mesmo objeto pode assumir diferentes funções em culturas diferentes. Bibliografia: Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação: Guia para Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta.
  • 25. Página 25 de 34 Tema 9 As entrevistas e as dinâmicas de grupo (pp.112-138)  Saber identificar as diferentes categorias de inquéritos, conhecer a forma como se elaboram, como se aplicam e quando. Os inquéritos em Ciências Sociais são usados para recolher informação sistematizada no terreno em estudo, e de possíveis dados que possam vir a ser comparados. Eles podem ser diferenciados segundo o seu grau de diretividade das perguntas, e segundo a presença ou ausência do investigador no ato da inquirição. A junção destas duas variáveis dá origem a quatro tipos de inquéritos, são eles: A - Entrevista pouco estruturada; B - Entrevista estruturada; C - Questionário pouco estruturado; e D - Questionário estruturado. Estes mesmo inquéritos, tanto os realizados por entrevistas como por questionários podem ter graus de estruturação diferentes. Na chamada fase exploratória da pesquisa, é conveniente inquirir informadores qualificados, isto é, questionar a população em questão que poderá a ser útil para descrever o grupo de o seu modo de vida. Contudo, o inquérito também deve no início ser pouco estruturado, porque o investigador não deve condicionar excessivamente os seus respondentes com inquéritos demasiados estruturados. Desta forma, a grande distinção entre um inquérito por entrevista e o inquérito por questionário é que o primeiro faz-se presencialmente, e o segundo pode ser feito à distância. Inquéritos por entrevista Nesta técnica por entrevista, a questão-chave é a interação direta. Aplicando a janela de Jahari, o investigador quando vai começar uma entrevista partilha, por norma, pouca informação com o entrevistado (área livre pequena), sabe pouco sobre ele (grande área cega do entrevistador e secreta do entrevistado) encontrando-se o entrevistado na mesma situação (extensa área cega própria e secreta de quem o vai entrevistar). No geral, e sendo o objetivo de qualquer entrevista, é abrir a área livre dos dois interlocutores, e por consequência, reduzir a área secreta do entrevistado e a área cega do entrevistador. Para tal, é necessário reduzir a área secreta aplicando a regra da reciprocidade, esta regra tão fundamental nas relações humanas, em que se deve cumprir com três vertentes, começando pela apresentação do investigador, depois pela apresentação do problema da pesquisa, e por fim, pela explicação do papel pedido ao entrevistado. O entrevistador ao abrir a sua área secreta fornece ao entrevistado dados que lhe permitem perceber a importância como fornecedor de informação e a sua utilidade para a investigação em curso, como também lhe dá confiança e entendimento para colaborar. Neste caso, ao ser uma situação de interação direta ou até presencial, deve-se gerir três tipos de problemas ao mesmo tempo, como a influência do entrevistador no entrevistado, as diferenças que possam existir entre eles (idade, género, culturas e sociais), e a sobreposição de canais de comunicação. No inquérito por entrevista, regra geral existe sempre diferenças entre os dois interlocutores nas suas comunicações, porque o entrevistador possui um estatuto diferente do entrevistado, quer inibindo este último a colaborar por desconfiança, quer levando-o a responder
  • 26. Página 26 de 34 às questões conforme o entrevistador quer que o entrevistado responda. Esta diferença aumenta quando o entrevistador induz as respostas do entrevistado “com formas enfáticas de perguntar ou com modos de excluir respostas possíveis.” (Carmo, 2015: 117). As diferenças culturais entre estes dois interlocutores também afetam a comunicação, pois podem surgir certas perguntas que em determinadas culturas sejam quase como um atentado à sua privacidade, ou caso o entrevistador coloque questões que estão fora do conhecimento do entrevistado, este pode responder fora do que corresponde à realidade, causando resultados desastrosos na investigação. A sobreposição de canais de comunicação acaba por ser também outro problema nestas interações diretas, quando o entrevistador coloca uma pergunta, ela pode ser formulada em várias entoações que revelam a expetativa do entrevistador quanto à resposta. Deste modo, o investigador tem que dar atenção à forma como faz as questões e como as enquadra em termos neutros, visto que o seu conteúdo específico deve ter uma estratégia formal a adotar com a estruturação do guião. Nem sempre é uma boa opção recorrer a inquéritos por entrevista. As situações mais recomendáveis para o fazer é quando as respostas às questões do investigador não se encontram nos documentos ou as que há não são fidedignas, como também nas situações que o investigador deseja ganhar tempo e poupar energias e para isso recorre a informadores qualificados ou aos líderes da população-alvo que pretende investigar. Nestas duas situações, é importante ficar com a noção de que o investigador ao optar por uma forma de informação, estará a rejeitar outras que até podem ser igualmente importantes, ou seja, o investigador não deve funcionar apenas como “uma caixa de ressonância dos seus informadores” (Carmo, 2015: 119), pois estes podem ter uma perceção mais seletiva do que é útil ao investigador. Tipos de entrevistas As entrevistas moldam-se às diversas formas e objetivos que os investigadores pretendem atingir. Elas podem assumir várias estruturas e estratégias, como é o caso mais clássico proposto por Madeleine Grawitz em que se baseia na forma de classificar o máximo e o mínimo de liberdade dada ao entrevistado e o grau de profundidade da informação obtida. Para tal, a tipologia de Grawitz apresenta seis tipos de entrevista divididas por três grupos: as entrevistas dominantemente informais, as mistas, e as dominantemente formais. As tipo 1 - entrevistas clínicas são usadas em contextos terapêuticos, e dão a liberdade total ao entrevistado nas suas respostas, como uma grande quantidade de informações que são partilhadas. As tipo 2 – entrevista em profundidade são mais usadas em situações de aconselhamento vocacional, e têm também grande liberdade no diálogo e profundidade na abordagem temática pelo entrevistado. As tipo 3 – entrevista livre, e as tipo 4 – entrevista centrada são ambas de grau intermédio de informalidade, são utilizadas em estudos exploratórios e diferenciam-se nas temáticas especificas em que são tratadas. Com características dominantemente formais são as tipo 5 – entrevista com perguntas abertas e as tipo 6 – entrevista com perguntas fechadas, utilizadas em situações de sondagens feitas a populações de grandes dimensões, onde o grau de liberdade do respondente é reduzido, como também a profundidade da informação obtida. Estes seis tipos de entrevistas diferenciam-se no número de perguntas, na sua ordem, na sua forma, na focagem dominante, no grau de interação entre o entrevistador e o entrevistado, e na facilidade de análise das respostas. Antes de se realizar uma entrevista, deve-se definir os objetivos planeando a explicação dos mesmos, construir um guião de entrevista, escolher os entrevistados, preparar as pessoas que serão entrevistadas marcando a data, hora e local, e preparar de forma técnica os
  • 27. Página 27 de 34 entrevistados. Nesta primeira fase, o guião da entrevista tem que ter um encadeamento nas questões adequadas ao objetivo, tal como na escolha dos futuros entrevistados. Na preparação dos entrevistados deve-se informar os mesmos sobre os resultados que se pretende esperar da entrevista, explicitar também os motivos por serem os escolhidos, informá-los sobre o tempo da duração da entrevista e combinar a data, hora e local para realizá-la. Durante a entrevista deve-se explicar quem somos e o que queremos, obter e manter a confiança, saber escutar, dar tempo ao entrevistado para ganhar confiança com o entrevistador, manter a diplomacia sabendo escutar, utilizar perguntas adequadas para o foco da entrevista, enquadrar as perguntas melindrosas e evitar perguntas indutoras, isto é, as questões delicadas devem ser feitas cuidadosamente para se enquadrarem nas perguntas preparatórias. Depois da entrevista, é importante registar as observações sobre o comportamento verbal e não verbal do entrevistado, bem como registar o ambiente em que a mesma decorreu, estes registos vão demostrar a autenticidade das respostas obtidas e o grau de liberdade para as respostas que foram dadas. Inquéritos por questionário Nos inquéritos por questionário, o investigador e os inquiridos não interagem presencialmente. Desta forma, o problema –chave é a interação indireta que faz parte da elaboração e administração do inquérito por questionário, e, portanto, deve-se ter o cuidado a ser posto na formulação das perguntas e a forma harmoniosa para contactar com os inquiridos. Na formulação destas perguntas, uma vez que não há forma de esclarecer as dúvidas no momento da inquirição, as perguntas devem ser muito bem organizadas, por temáticas e as questões mais difíceis e mais sensíveis ficarão para o fim. Os questionários têm vários tipos de perguntas, como as perguntas de identificação, as de informação, as perguntas de descanso ou de preparação que servem para introduzir uma pausa e mudar o assunto, e as perguntas de controlo. Contactar de forma mediatizada com os inquiridos necessita de cautela por parte do investigador, no que toca aos canais de comunicação selecionados, às recusas em responder às perguntas, e ao esforço para manter a fiabilidade. Existe muita diversidade de canais de comunicação, os questionários podem ser enviados pelo correio, e por seu turno o portador acaba por ter também um papel de agente realizador de entrevista estruturada. Podem também serem enviados por círculos burocráticos ou por via telemática, sendo este último pouco indicado, visto que esta via não é acessível para toda a população. Os inquéritos por questionário costumam ter elevado número de não-respostas, estas advêm de algumas condicionantes, tais como a natureza da pesquisa, pois se a sua utilidade for evidente para o inquirido, o número de respostas aumenta. O tipo de inquirido, onde os que têm mais habilitações académicas tendem a responder mais. O sistema de perguntas, ou seja, quanto mais simples as perguntas forem, maior será a probabilidade de aumentar as respostas. Instruções claras e acessíveis, idêntico à variável anterior, quanto mais fáceis e claras forem as instruções, maior número de respostas. Por último, a estratégia de reforço, isto é, dar uma segunda oportunidade aos não-respondentes de o fazerem, o que por norma aumenta o número de respostas. No geral, a tecnologia em realizar os inquéritos por questionário é fiável, desde de que se respeitem os métodos quanto à sua conceção, a seleção dos inquiridos e a administração no terreno. Contudo, as questões objetivas são mais fiáveis que as questões subjetivas.
  • 28. Página 28 de 34 Os inquéritos por questionário também têm a sua natureza prática, ou seja, são constituídos pela fase preliminar, que tem a ver com a construção dessas perguntas e com a apresentação do questionário. O número de questões a introduzir devem ser “Q.B.”, isto é, deve ser um número adequado à pesquisa e não mais do que é suposto. Tanto quanto possível, devem ser também perguntas fechadas, onde o respondente tenha um número limitado de respostas típicas que possa escolher. E para isto existem regras: o número de respostas-tipo não deve ser excedido nem limitado; as instruções sobre o modo de responder a cada pergunta devem ser claras e precisas; e a resposta correspondente à sua escolha à resposta-tipo deve ser mutuamente exclusivas. As questões devem ser compreensíveis para os respondentes, em que o seu significado seja percebido. Não ambíguas, ou seja, a resposta não pode ser ambígua ou ter uma leitura subjetiva. Evitar indiscrições gratuitas, isto é, o investigador não deve recorrer a perguntas melindrosas ou indiscretas à população inquirida. Construir perguntas de controlo, para verificar a verdade em outras questões insertas noutra parte do questionário. Elaborar perguntas que abranjam todos os pontos da problemática a inquirir, e que possam ser colocadas em formato de “escala de atitudes” (Carmo, 2015: 132), para que o investigador consiga medir as atitudes e opiniões do inquirido. As escalas mais usadas costumam ser a Escala de Likert, esta consiste em cinco indicadores que o inquirido pode optar (concordo totalmente, concordo, sem opinião, discordo, discordo totalmente), e os diferenciais semânticos que consistem em vários pares de antónimos separados por uma linha dividia em 7 ou 5 partes. Ainda dentro da fase preliminar existe a fase da apresentação do questionário, que tem uma quota parte da responsabilidade do êxito ou não de um inquérito por questionário. É importante não esquecer a apresentação do investigador, a apresentação do tema de forma clara e simples. As instruções para a realização do inquérito devem ser também curtas, precisas e claras, e quando enviados pelo correio devem seguir num envelope selado. A formatação gráfica do mesmo deve ser igualmente clara e acessível para o público-alvo, e de preferência sem gralhas e erros ortográficos. Em síntese, o formulário de um inquérito por questionário deve ser claro e rigoroso na apresentação para o respondente. Durante o decorrer dos questionários, é importante que o investigador verifique se todas as questões são compreendidas pelos inquiridos, se as respostas opcionais às perguntas abertas cobrem as respostas possíveis, se não há perguntas desnecessárias nem ficam a faltar, e se os inquiridos não acham o questionário muito longo e maçador. Depois deve-se aplicar o questionário numa pequena amostra da população, e de seguida proceder a alguns ajustes se necessário, e enviar para os destinatários. A fase subsequente, é composta por uma primeira leitura por parte do investigador, para verificar a fiabilidade das respostas e descortinar as que resultam de perguntas abertas. Seguidamente, pode enviar para o tratamento e análise dos dados tanto por formato informático como manualmente. Concluindo, tanto o inquérito por entrevista como o inquérito por questionário têm os seus prós e contras. Os prós dos inquéritos por entrevista devem-se à sua flexibilidade quanto ao tempo de duração e adaptação, e permite observar o entrevistado e retirar informações mais íntimas. E dos inquéritos por questionário os seus prós tem a ver com a sistematização, maior simplicidade de análise, maior rapidez na recolha e análise de dados e baratos. Os contras dos inquéritos por entrevista baseiam-se na necessidade de maior especificação do investigador, mais dispendiosos no custo e no tempo. Quanto aos inquéritos por questionário estes têm dificuldades de conceção, não se aplicam a toda a população, e apresentam taxa elevada de não- resposta.
  • 29. Página 29 de 34 Bibliografia: Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação: Guia para Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta. Tema 10 Do texto à teoria: Análise e interpretação – a análise de conteúdo Análise de conteúdo, segundo Berelson (1952) é “uma técnica de investigação que permite fazer uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo (…)” (Berelson, citado por Carmo, 2015: 220). Quando se diz objetiva é, porque deve ser feita de acordo com certas regras, obedece a instruções precisas para que diferentes investigadores trabalhem sobre o mesmo conteúdo e possam obter os mesmos resultados. É uma análise de conteúdo sistemática, porque todo o conteúdo deve ser ordenado e colocado em categorias escolhidas previamente em função dos objetivos que o investigador quer alcançar. E quantitativa, porque é feito um cálculo sobre os elementos considerados significativos. Já na visão de Bardin (1977), a análise de conteúdo não deve ser apenas usada para descrever o conteúdo da mensagem, porque a sua finalidade é a inferência de conhecimento relativo às condições de produção, com a ajuda dos indicadores quantitativos ou não. Logo, se a descrição constitui a primeira etapa de realização numa análise de conteúdo, e se a interpretação é a última etapa, então a inferência é o procedimento intermédio, que permite a passagem, clara e controlada, de uma à outra. É possível também fazer inferência sobre a origem da mensagem, e até sobre o próprio destinatário da comunicação. Bardin defende que esta técnica de pesquisa pode ser considerada como articulação entre o texto (descrito e analisado em relação a certos elementos característicos), e os fatores que determinam essas características (constituindo a especificidade da análise de conteúdo). A análise de conteúdo pode ser aplicada em diversos domínios, como por exemplo em suportes escritos, como os artigos de jornais e revistas, documentos formais, diários, em questões abertas de inquéritos por questionário, em imagens de Instagram ou fotografias, e em sons. Tipo de análise de conteúdo Madeleine Grawitz (1993) fez a distinção dos vários tipos de análise de conteúdo, começando pela análise de exploração e análise de verificação, que corresponde à distinção entre a análise de documentos e tem a finalidade de verificar uma hipótese, com o objetivo bem definido que conduz à quantificação dos resultados, e com a finalidade absoluta de explorar. Uma análise quantitativa
  • 30. Página 30 de 34 que não tem hipóteses previamente definidas não conduz a resultados apreciáveis. Porém, uma análise fortemente sistematizada apresenta inconvenientes, pois pode ser deixada fora do campo de estudo elementos essenciais que não foram previstos. A distinção entre a análise quantitativa e a análise qualitativa, é que a primeira é o que aparece com mais frequência, sendo o número de vezes o critério utilizado, enquanto que a análise qualitativa o que importa é a novidade, isto é, o interesse, o valor de um tema. Entre uma análise direta e uma análise indireta, dando o exemplo entre dois programas eleitorais, é que uma análise de conteúdo direta pode incluir unicamente a comparação entre o número de vezes que determinados temas, símbolos ou palavras-chaves referentes a essa política apareceram nesses programas, daí a análise quantitativa estar ligada a uma forma direta. Enquanto que a análise indireta está mais ligada à análise de tipo qualitativo, e por isto é que por vezes a partir de uma análise quantitativa indireta, por inferência, se pode chegar a conclusões sobre o que não foi dito ou escrito propositadamente. Etapas para a prática de análise de conteúdo Deve começar-se pela definição dos objetivos e do quadro de referência teórico. Seguidamente, pela constituição de um corpus em que o investigador deve escolher os documentos que vão ser sujeitos a análise. Esta escolha pode ser feita em duas formas: determinada a priori ou os documentos podem escolhidos consoante os objetivos da investigação. Assim, esta escolha também deve seguir algumas regras, como a exaustividade que considera todos os elementos de um conjunto; a representatividade, devendo a parte selecionada ser representativa do conjunto dos documentos; a homogeneidade, ou seja, os documentos não devem apresentar muita singularidade em relação aos critérios de escolha; e a pertinência, isto é, “os documentos escolhidos devem ser adequados como fontes de informação para corresponder ao objeto da análise que sobre eles irá recair.” (Bardin, citado por Carmo, 2015: 224). Depois, deve-se definir as categorias, que podem ser definidas a priori ou a posteriori, e são, segundo Grawitz, “rubricas significativas, em função das quais o conteúdo será classificado e eventualmente quantificado”. A priori foram formuladas hipóteses e o investigador vai verificá-las, tendo já definido as categorias de análise. Uma vez que a análise de conteúdo deteta as categorias estabelecidas ou não nos documentos que constituem o corpus. A posteriori as categorias não são definidas antecipadamente, e é designado por “procedimento exploratório”. A escolha das categorias é bastante importante para a análise de conteúdo, devem ter as seguintes características: exaustivas, significa que todo o conteúdo que se classificou deve ser incluído nas categorias consideradas, sendo possível também não considerar alguns aspetos do conteúdo; exclusivas, ou seja, os mesmos elementos devem apenas pertencer a uma categoria e não a várias; objetivas, as características da cada categoria devem ser explicitadas sem ambiguidade e de forma clara; pertinentes, devendo não estarem muito relacionadas com os objetivos e com o conteúdo que está a ser classificado. E, portanto, as categorias devem surgir de duas formas, a partir do documento em análise e de um conhecimento geral do domínio a que diz respeito. A categorização apresenta também problemas pelos quais os investigadores têm que passar, e o mais comum incide sobre a possibilidade de definir um conjunto de aspetos da realidade, de forma a facilitar a análise de conteúdo. Desta forma, enumero alguns aspetos que constituem objetos de análise: a matéria, a direção da comunicação, os valores (favoráveis, neutros ou desfavoráveis), os meios, os atores, e a origem. Outra etapa é a definição das unidades de análise, são elas três tipos de unidades: a unidade de registo, é o segmento de conteúdo necessário para se poder proceder à análise, colocando-o numa categoria. Esta escolha depende dos objetivos estabelecidos e do quadro teórico orientador
  • 31. Página 31 de 34 da investigação, podem dividir-se também em unidades formais sendo palavras, frases, personagens, etc., e em unidades semânticas em que as mais comuns é o tema, uma unidade de registo mais utilizada. Outro tipo de unidade é a unidade de contexto, que constitui o segmento mais longo de conteúdo que o investigador considera ser uma unidade de registo, e assegura a fidelidade e a validade da análise. E por fim, a unidade de enumeração é a unidade que procede à quantificação. Estas estão ligadas ao tempo e ou espaço, devem ser escolhidas com cuidado e indicarem os critérios que a orientaram. A etapa da quantificação é uma técnica que evolui muito e é aplicada ao campo das Ciências Sociais como no uso do próprio computador, não sendo obrigatórias. E por fim, a etapa da interpretação dos resultados, que para além da descrição da análise de conteúdo, compreende também o objetivo de estudo. Assegura a validade da previsão e permite fazer o cruzamento com os resultados obtidos por outras técnicas. Fidelidade e validade A fidelidade corresponde ao problema de garantir que diferentes codificadores cheguem a resultados parecidos, e ao mesmo tempo codificados ao longo do trabalho de forma igual aos critérios de codificação, quer sejam desenvolvidos por um investigador (fidelidade intra- codificador) ou por uma equipa (fidelidade inter-codificadora). Para isto, é necessário que o investigador explique ao pormenor os critérios de codificação usados e que sejam aplicados com muito rigor. Já a validade compreende o que o investigador pretende medir, pois uma análise de conteúdo só será válida, quando a descrição do conteúdo tem significado para o problema em questão. E como tal, é importante que todas as etapas que fizeram parte do processo de análise sejam corretamente executadas.
  • 32. Página 32 de 34 Tema 11 Sobre as relações entre métodos qualitativos e quantitativos Unidade 7 – Métodos Quantitativos e Métodos Qualitativos (resumo feito no tópico 5). Relações entre a investigação quantitativa e qualitativa (Flick) Os métodos qualitativos foram desenvolvidos no âmbito de uma crítica dos métodos e estratégias de investigação quantitativa. A combinação das duas estratégias originou uma perspetiva que é praticada e discutida de várias formas, onde a relação entre a investigação qualitativa e a quantitativa é estabelecida em diferentes patamares: epistemológico e metodológico – salienta a incompatibilidade da investigação qualitativa e da quantitativa no alcance das metas e objetivos. Está associado a opiniões teóricas diferentes, como o positivismo / construtivismo ou pós-positivismo. Outros patamares passam pela integração numa pesquisa entre dados e métodos qualitativos e quantitativos; métodos de pesquisa simultaneamente qualitativos e quantitativos; ligação das descobertas das pesquisas quantitativas e qualitativas; generalização dos resultados; e avaliação da qualidade da investigação tanto na aplicação de critérios quantitativos como qualitativos. Importa definir as áreas de aplicação, separando as estratégias de investigação, mas ao mesmo tempo lado a lado, dependendo do assunto e da questão da investigação. Ambos os métodos qualitativos e quantitativos devem entrar no território do outro para uma pesquisa mais eficaz. Existe também o domínio da investigação quantitativa sobre a qualitativa, isto é, frequentemente são utilizados argumentos como a representatividade da amostra para comprovar de que só os dados quantitativos conduzem a resultados, deixando os dados qualitativos apenas numa visão ilustrativa. Existindo também a superioridade da investigação qualitativa sobre a quantitativa, segundo Oevermenn (1979), os métodos quantitativos são apenas um “atalho económico da investigação, no processo de geração de dados” (Flick, 2005:269), pois os métodos qualitativos podem passar sem a utilização dos métodos quantitativos, já o contrário não é bem possível, porque os métodos quantitativos precisam dos métodos qualitativos para explicar as relações descobertas. Cicourel (1981) defende que os métodos qualitativos respondem a questões micro-sociológicas, e os métodos quantitativos a questões macro-sociológicas. Articular a investigação quantitativa e qualitativa num plano de pesquisa Num plano de pesquisa de um estudo é possível articular os métodos qualitativos e quantitativos. Miles e Huberman (1994) esboçam quatro tipos de planos de pesquisa para as duas abordagens num só plano. No primeiro plano as duas estratégias funcionam em paralelo. No segundo plano é a observação continuada do terreno proporciona a base para a relação entre as várias curvas da pesquisa. O terceiro plano começa com o método qualitativo, seguido de um questionário antes dos resultados dos dois passos serem estabelecidos numa segunda fase qualitativa. Por fim, num quarto plano o estudo de campo acrescenta profundidade aos resultados,
  • 33. Página 33 de 34 de uma “apanhado” feito no primeiro passo, seguido de uma intervenção experimental no terreno para se testar os resultados dos dois primeiros passos. Para um certo estudo são feitas várias abordagens, tanto qualitativas como quantitativas em fases diferentes do processo de pesquisa, tornando-se necessário sequenciar a investigação. Barton e Lazarsfeld (1955) sugeriram que se usasse a investigação qualitativa para formar hipóteses que seriam, posteriormente, testadas por uma abordagem quantitativa. No pensamento mais lógico dos autores, a pesquisa qualitativa e a quantitativa estão em partes diferentes do processo de investigação. A triangulação da investigação qualitativa com a quantitativa significa a combinação de vários métodos qualitativos, como também a combinação de ambos os métodos. Neste caso, as perspetivas diferentes metodológicas complementam-se durante um qualquer estudo. Os diferentes métodos, ainda assim se mantêm autónomos, mas funcionando lado a lado, tendo em comum o assunto estudado. A desvantagem desta combinação de métodos é que não existe um nível para se aplicar a triangulação. A triangulação da investigação qualitativa e da quantitativa podem centrar-se apenas num caso, ou seja, as pessoas são entrevistadas e preenchem um questionário, as suas respostas são agregadas e relacionadas com outos questionários na análise. A articulação pode também ser conseguida a partir dos dados, as respostas das entrevistas são analisadas e comparadas, desenvolvendo-se uma tipologia, depois são conjugadas e comparadas a distribuição das respostas do questionário e a tipologia é elaborada. Combinar dados quantitativa e qualitativa A combinação dos dados pode ser orientada para a transformação dos dados qualitativos em dados quantitativos e vice-versa. Existe tentativas em transformar implicitamente os dados qualitativos em dados quase quantitativos (entrevistas abertas ou narrativas). Hopf (1982) critica a tentativa de investigadores qualitativos converterem o seu povo com argumentos baseados na lógica quantitativa, em vez de procurarem uma interpretação e uma apresentação dos resultados fundamentados teoricamente. A transformação inversa é mais difícil, isto é, transformar os dados quantitativos em dados qualitativos. Os dados dos questionários quase que não têm revelação do contexto de cada resposta, e só pode ser conseguido pelo uso explicito de métodos extra, como entrevistas complementares a uma amostra. Se ao analisar a frequência de algumas respostas nas entrevistas podem surgiu novas intuições relativamente a essas entrevistas, a explicação para certos padrões de resposta surge com frequência nos questionários, logo exige a introdução de novos tipos de dados. Combinar métodos quantitativa e qualitativa Muitos questionários incluem perguntas abertas ou escrita livre, o que é definido como investigação qualitativa. Contudo, quase nenhum procedimento metodológico da investigação qualitativa é aplicado nestas perguntas, e portanto, isto não é uma combinação explicita das duas formas de investigação, mas sim uma tentativa para algo novo. Muitos autores descreveram procedimentos para combinar os métodos qualitativos com os métodos quantitativos, mas apesar das muitas tentativas, é certo que continua pouco claro a relação entre a classificação e a interpretação, tal como a análise de dados integradores do quantitativo e qualitativo.
  • 34. Página 34 de 34 Articular resultados quantitativa e qualitativa Normalmente articulam-se os resultados da investigação qualitativa e quantitativa no mesmo projeto ou até em projetos diferentes, separadamente ou em simultâneo. Como exemplo disto é a combinação de resultados de um inquérito e de um estudo por entrevista. Desta combinação podem surgir três tipos de resultados: a convergência dos resultados qualitativos e dos resultados quantitativos, que apoiam as mesmas conclusões; os dois resultados mostram aspetos diferentes de um problema, mas complementam-se e conduzem a um quadro mais completo; e os resultados qualitativos e quantitativos divergem ou são contraditórios. E portanto, combinar as investigações visa um conhecimento mais alargado e completo, qualquer dos três resultados é útil. Avaliação e generalização da investigação Combinar implicitamente a investigação qualitativa e a quantitativa é notada na aplicação do modelo da investigação quantitativa à investigação qualitativa. Outra combinação implícita da investigação qualitativa e quantitativa é aplicar os critérios de qualidade de uma à outra, sem se ter em conta que estes critérios não se ajustam à investigação qualitativa e às suas práticas. Quanto à generalização da investigação qualitativa, encontra-se muitas vezes uma terceira forma de combinação implícita da investigação qualitativa e quantitativa. Exemplo disto é generalizar resultados de um estudo a partir de um número limitado de entrevistas de uma sondagem, isto é também uma forma de generalização. Adequação dos métodos como ponto de referência A investigação qualitativa e quantitativa originou debates orientados para a parte epistemológica e filosófica, deslocando-se aos poucos para questões práticas da investigação. Wilson (1982) defende o relacionamento das duas tradições metodológicas, isto é, “As abordagens qualitativas e quantitativas (…) deve antes de mais basear-se na natureza do problema a estudar” (Flick, 2005: 274). A integração destes dois métodos está limitada ao nível do plano de pesquisa, e por outro lado, continua a existir diferenças nos dois processos de investigação, e consequentemente, a discussão na combinação das duas estratégias também continua. No entanto, existem algumas “questões-guias” para avaliar a combinação da investigação qualitativa e quantitativa, estas permitem responder às questões e desenvolver modelos pragmáticos e refletidos sobre a investigação qualitativa e quantitativa. Bibliografia: Carmo, Hermano e Manuela Malheiro Ferreira (2015), Metodologia da Investigação: Guia para Autoaprendizagem, Lisboa, Universidade Aberta. FLICK, U, 2005, Métodos Qualitativos na Investigação Científica, Lisboa, Monitor