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Manoel Por Manoel Manoel de Barros
Eu tenho um ermo enorme dentro do olho.  Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui.
Acho que o que faço agora é o que não pude  fazer na infância.  Faço outro tipo de peraltagem.  Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho  para catar goiaba.
Em vez de peraltagem eu  fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto.  Que lata era navio.  Que sabugo era  um serzinho  mal resolvido e igual a um  filhote de gafanhoto. Mas não havia vizinho.
Cresci brincando no chão, entre formigas.  De uma infância livre e sem comparamentos.  Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação.
Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore.  Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas.
Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina.  É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão na natureza e comunhão com ela.
Manoel de Barros Era o menino e os bichinhos.  Era o menino e o sol.  O menino e o rio.  Era o menino e as árvores.
Tinha um ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal: construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem.  Nequinho, como era chamado carinhosamente pelos familiares,  cresceu brincando no terreiro em frente à casa, pé no chão, entre os currais e as coisas "desimportantes" que marcariam sua obra para sempre.  "Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno.“ ( Manoel de Barros) Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em  19 de dezembro de 1916.
"Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira".  (Manoel de Barros) Parabéns ao   mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Parabéns , pelos seus 95 anos de idade! Christina Meirelles Neves

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Manoel de Barros - Manoel por Manoel

  • 1. Manoel Por Manoel Manoel de Barros
  • 2. Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui.
  • 3. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba.
  • 4. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto. Mas não havia vizinho.
  • 5. Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação.
  • 6. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas.
  • 7. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão na natureza e comunhão com ela.
  • 8. Manoel de Barros Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores.
  • 9. Tinha um ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal: construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem. Nequinho, como era chamado carinhosamente pelos familiares,  cresceu brincando no terreiro em frente à casa, pé no chão, entre os currais e as coisas "desimportantes" que marcariam sua obra para sempre. "Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno.“ ( Manoel de Barros) Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916.
  • 10. "Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira". (Manoel de Barros) Parabéns ao mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Parabéns , pelos seus 95 anos de idade! Christina Meirelles Neves