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cusman
Ano 3 - Nº 9
Março/2015
E MAIS: Expectativas x realidade na carreira de compliance / Dá para calcular o impacto
da corrupção no balanço? / Uma entrevista com o novo ministro da CGU
COMPLIANCE
NA AMÉRICA
LATINA
Umavisãogeraldosavançose
desafiosdaáreanumaregião
onde,comfrequência,negóciose
relacionamentoscaminhamladoalado
LEC_Anuncio_Curso(set14)_21x28cm.indd 1 18/08/14 10:43
www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 03
LEC SUMÁRIO
6. Especial
Uma visão da área de compliance em alguns dos principais
mercados da América Latina.
A primeira publicação de negócios
com foco em Compliance do Brasil
Idealizador: Daniel Sibille
Diretora: Alessandra Gonsales
Gestor de Comunicação:
Renato Paim – renato@lecnews.com
Editora LEC
Rua Martin Afonso, 150 - Belenzinho
03057-050 São Paulo – SP
contato@lecnews.com
www.lecnews.com
REDAÇÃO E EDIÇÃO
Fundador: José Luiz de Paula Jr.
Editor e Publisher: Aûani Cusma de Paula
Colaboraram nesta edição: Rafael Mendonça,
Beatriz Ces (Textos), Heloisa Barros (revisão)
e Eber Almeida (Arte)
Cusman Editora Especializada Ltda
Rua Dom Duarte Leopoldo, 678 – Cambuci
01542-000 São Paulo – SP
Fone: (11) 3392-2584
auani@cusmaneditora.com.br
14. LEC News
É nos países ricos que as
propinas mais são pagas.
30. LEC News – Anticorrupção
O governo dos EUA conseguiu
enquadrar a Alstom.
46 – PLD
Os riscos de fazer parte de uma
operação criminosa devem servir
de alerta para novos setores da
economia sobre as políticas de PLD. A revista LEC não se responsabiliza pelas
informações emitidas por terceiros.
50 – Pilares do Compliance
O bom compliance officer
é pró-negócios.
44 – LEC News – PLD
A Europa aperta o cerco contra a
lavagem de dinheiro.
18. Entrevista
O novo ministro da CGU, Valdir Simão,
fala com exclusividade à LEC.
24. Papo de Compliance
A carreira de compliance exige
muitos talentos que só podem ser
aprendidos com a vivência do dia
a dia. E os jovens profissionais
precisam aprender a lidar com isso.
21. Papo de Compliance
As tendências para ficar
de olho em 2015.
38. Legislação
O estado de Goiás criou a sua
própria legislação anticorrupção.
41. LEC News – RH
O recorrente problema das
terceirizações de mão de obra.
As oportunidades no setor de
centros de saúde estão abertas
aos estrangeiros. Será que as
empresas daqui estão propntas
para aproveitá-las?
42 – Setorial – Farma
33. Mercado
O dilema de oferecer ao mercado
e aos auditores um valor crível
para a corrupção.36. Mercado
A nova diretoria de Governança,
Risco e Conformidade da
Petrobras é superlativa.
LEC EDITORIAL
4			 	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE			 Nº 09 - Março / 2015
A beleza da profissão de compliance officer é que ela te obriga a aprender e a se
reciclar permanentemente
A
América Latina é um lugar único para os pro-
fissionais de compliance. O ambiente corpo-
rativo é permeado pelas relações pessoais de
modo que parceiros de negócios se tornam
“melhores amigos” em pouquíssimo tempo.
O calor humano das pessoas dessa região certamente con-
tribui para isso, tornando mais fácil a interação entre os
indivíduos e, no entanto, menos claras as relações de negó-
cios, em muitos casos. Não que exista maldade sempre, mas
é inegável a possibilidade de ocorrer um maior número de
deslizes quando as relações são menos estritamente profis-
sionais . Esse é apenas um dos aspectos que torna a América
Latina um campo fértil para os profissionais de compliance.
A este se somam uma tradição de governos intervencionis-
tas, estatais de grande peso na economia, falta de capacida-
de para executar as legislações já existentes e por aí vai. Na
reportagem especial desta edição da LEC, você vai poder
entender a dinâmica de alguns mercados da região e desco-
brir que muitos dos problemas e desafios que os profissio-
nais de lá enfrentam, já foram enfrentados por aqui.
De algum modo, isso reforça a liderança do Brasil na área,
mas não significa dizer que somos um celeiro de “craques” do
compliance. O potencial existe e a base que está sendo criada
- com muitos jovens correndo atrás do conhecimento especia-
lizado na área - é bastante promissora. Mas a formação de um
compliance officer demanda mais. A maturidade para tomar as
decisões difíceis, algo recorrente na profissão, vem com o tem-
po, das experiências vividas no dia a dia do negócio, de muita
sola de sapato gasta e, principalmente, da convivência com
pessoas de diferentes áreas e níveis hierárquicos. Infelizmente,
são habilidades que não podem ser aprendidas na escola. É
preciso viver para adquiri-las. E é isso que os jovens profissio-
nais de compliance precisam compreender para serem bem-
-sucedidos em suas respectivas carreiras. Se focar no trabalho e
tiver humildade e paciência para aprender, em pouco tempo,
o mercado terá à disposição um profissional verdadeiramente
preparado para lidar com os desafios do compliance.
Vítima ou cúmplice?
Em tempo. Será interessante ver num futuro próximo o “em-
bate” conceitual (mas com reflexos bastante concretos) sob os
tratamentos conflitantes que serão oferecidos à Petrobras pela
Justiça brasileira e de outros países nos casos de corrupção.
As autoridades por aqui, inclusive a CGU, vêm dando a en-
tender que a empresa estatal é exclusivamente vítima de uma
quadrilha que a dilapidou por mais de 10 anos.
Mas não é certo a estatal querer posar de santa a essa altura
dos acontecimentos. A Petrobras de fato teve o seu patrimônio
lesado por um grupo de corruptos. Ninguém discute isso. O
problema é acreditar que uma empresa do seu porte – com
ações em bolsas no Brasil e nos EUA e operando num setor
historicamente complicado – não dispusesse de controles mí-
nimos para identificar esses problemas. Alguns deles, crassos.
Não são raros os que apresentam desafios à lógica e ao sen-
so comum. O superfaturamento de obras como a Refinaria
Abreu e Lima era público, notório e evidente. Só a direção da
estatal, sofrendo de cegueira voluntária, não viu.
Para começar a reverter os estragos, entre outras medidas,
a petroleira criou uma diretoria de Governança, Risco e Con-
formidade. Sua estrutura será proporcional ao tamanho do
problema: serão 362 profissionais sob o guarda-chuva da nova
área. Mas, como até um principiante na área já sabe, para o
programa de compliance dar certo, o tom tem que vir do topo.
Será que agora ele virá?
Boa leitura!
Oportunidades para
quemtemvisão
Alessandra Gonsales
Sócia-fundadora
contato@lecnews.com
EDITORIAL.indd 4 06/03/2015 16:08:17
1ddni.2oicńunA_revirD_CEL 22/08/14 08:58
6	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 Nº. 09 - Março / 2015
E
squeça a objetivida-
de norte-americana,
a frieza e a sisudez
europeia e o forma-
lismo dos asiáticos.
Na América Latina,
é sempre preciso
“quebrar o gelo” antes de entrar na
discussão de negócios propriamente
dita. Por isso, ainda que não exista
um vínculo pessoal minimamente
profundo entre as pessoas presentes,
elas querem saber como estão suas
respectivas famílias, como foi o final
de semana, o que se pensa sobre isso
ou aquilo... Em suma, nada muito
diferente do que acontece aqui no
Brasil.
Também há certa necessidade de
autoafirmação. Os latino-americanos
respeitam (ou temem) quem faz uso
da autoridade, muitas vezes con-
fundida erroneamente com firmeza,
quando muitas vezes não é nada mais
do que uma falta de educação. Certo
gosto pelo autoritarismo não chega a
ser novidade numa região na qual to-
dos os principais países sofreram com
ditaduras militares truculentas.
Mas as semelhanças não param
por aí. A intensidade das relações in-
terpessoais no ambiente de negócios,
o que por si só já configura um risco
de deixar compliance officers do he-
misfério Norte de cabelo em pé – até
que eles consigam nos entender –,
Terreno
fértilNa América Latina,
os relacionamentos
interpessoais têm uma
importância na realização
de negócios de todos
os portes e naturezas
sem igual. Por isso a
abordagem sobre o
compliance para a região
é tão única e complexa
ESPECIAL AMÉRICA LATINA
www.lecnews.com.br	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 7
se estende muitas vezes pelas esfe-
ras do poder público. E aí tudo fica
bem mais complicado. Boa parte da
economia da região está baseada em
recursos naturais como minérios e
metais, petróleo e produtos agrícolas.
Setores estes sempre muito regulados
pelo Estado. A soma dessa cultura de
relacionamentos pessoais, somada à
tradição estatal e intervencionista da
região, funciona como um rastilho de
pólvora. Não é à toa que tantos es-
cândalos de corrupção aconteçam na
região e que Colômbia, México, Peru
e Argentina, quatro dos cinco países
cobertos por essa matéria, alcancem
colocações péssimas no ranking de
corrupção da Transparência Interna-
cional. Todos eles estão ao redor da
100º posição. Ponto fora da curva,
o Chile está entre os 25 países me-
nos corruptos do mundo e é líder na
América Latina. Apesar de altamente
dependente do cobre, o Chile estabe-
leceu um modelo de governança eco-
nômica e administrativa, incluindo a
gestão de recursos públicos gerados
pelo metal, o que o diferencia na re-
gião. O Brasil está no meio do cami-
nho entre as duas realidades.
Outro ponto de convergência é o
fato de os países latino-americanos
aprovarem boas leis, algumas até bas-
tante sofisticadas do ponto de vista de
detalhamento e abrangência. Só que
na América Latina de maioria cristã,
o diabo vive nos detalhes e a execução
dessas leis parece ser um detalhe com
o qual os governos locais não se pre-
ocupam muito. Quando elas são san-
cionadas, surgem grandes discursos e
mobilização dos governos, e isso vem
acontecendo com mais frequência na
região. Mas, tão logo os holofotes se
apagam, a sensação é de que a nova
lei já cumpriu o seu papel, mas, na
prática, as leis acabam não sendo le-
vadas tão a sério como poderiam.
Para entender melhor o estado
atual da área de compliance em qua-
tro dos mais importantes mercados da
América Latina, LEC consultou pro-
fissionais renomados no assunto em
seus respectivos países. Nas próximas
páginas Fernando Cevallos, diretor
de Compliance da Control Risks, no
México; Hugo Sutil, gerente de Pre-
venção e Investigação de Fraudes da
EY Chile; Gabriel Cecchini, coorde-
nador do Centro para Transparência
e Governança da IAE Business Scho-
ol, de Buenos Aires, na Argentina e
Sandra Orihuela, sócia da boutique
Orihuela Abogados, com escritórios
em Lima, no Peru e Miami (EUA)
compartilham suas opiniões e visões
sobre os avanços e também os desa-
fios para a evolução do compliance
nesses mercados.
PASSEO AHUMADA, EM
SANTIAGO, NO CHILE: o país é
um ponto fora da curva no ambiente
de negócios da América Latina.
8	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 Nº. 09 - Março / 2015
ESPECIAL AMÉRICA LATINA
Foram feitos avanços importantes
na política pública de combate à
corrupção e à lavagem de dinheiro
nos países da América Latina?
Fernando Cevallos (México):
Sim, México, Colômbia e Brasil estão
amadurecendo nestes aspectos. No en-
tanto, o que está em vigor ainda é pou-
co executado na prática. Esse será um
aspecto fundamental para sabermos o
nível real de comprometimento desses
governos em relação ao combate à cor-
rupção e ao crime organizado.
Hugo Sutil (Chile): Nos últimos
anos, o Chile tem progredido nesse
aspecto com duas leis importantes,
como a Lei de Responsabilidade Cri-
minal da Pessoa Jurídica (20.393) e a
Lei 19,913, que cria a UAF (Unidade
de Análise Financeira) e altera várias
disposições relativas à lavagem de di-
nheiro.
Gabriel Cecchini (Argentina):
Em 2011, o Código Penal argentino
foi alterado para incluir a lavagem de
dinheiro nas empresas. A Argentina é
membro e participante ativo da Con-
venção das Nações Unidas sobre An-
ticorrupção, bem como da Convenção
Interamericana contra a Corrupção
(MESICIC). O país também é mem-
bro da Convenção Anticorrupção da
OCDE, embora, neste caso, sua apli-
cação tem sido limitada. A Argentina
não conta com uma legislação como
o FCPA (EUA) ou a Lei da Empresa
Limpa (Brasil) – ainda que a OCDE
tenha recomendado recentemente que
o país sancionasse uma lei neste sen-
tido. A mesma organização também
recomendou a introdução de uma le-
gislação para proteger os denuncian-
tes em casos de corrupção. Em 2012,
o governo federal criou uma unidade
especializada chamada Procelac, que
se encarrega de investigar e colaborar
em casos de lavagem de dinheiro, frau-
de e recuperação de ativos roubados.
Um portal online do governo federal
foi criado permitindo que indivíduos e
empresas possam localizar informações
úteis sobre os serviços públicos. E, por
fim, existe a Lei de Liberdade de In-
formação, uma legislação federal que
permite a visualização e a pesquisa de
dados públicos.
Sandra Orihuela (Peru): Alguns
avanços legais importantes para o com-
bate à corrupção ocorreram recente-
mente no Peru. A Lei 30.111 que intro-
duz a imposição de multas por crimes
de corrupção, a Lei 30.124, que altera a
definição penal do agente público, bem
como a Lei 30.161 e seus regulamentos
que exigem uma declaração juramenta-
da dos rendimentos, bens e renda rece-
bida pelos funcionários públicos foram
promulgadas. Além disso, várias enti-
dades governamentais uniram esforços
para identificar e fornecer informações
sobre as ações e investigações judiciais
em curso envolvendo corrupção, terro-
rismo, tráfico de drogas e outros supos-
tos crimes de candidatos políticos. Do
mesmo modo, um sistema de inscrição
online de visitantes exige que entida-
des governamentais publiquem, em
tempo real, os nomes de quem visitou
seus funcionários. São ações que con-
tribuem para aumentar a transparência
e gerar mecanismos de controle social
no país.
Talvez o avanço mais significativo no
combate à corrupção é o esforço políti-
co liderado pela Comissão Anticorrup-
ção para inserir o Peru na Convenção
da OCDE por meio de projetos legisla-
tivos que atribuam a responsabilidade
penal às empresas envolvidas em cri-
mes de suborno. Segundo as leis peru-
anas, só a pessoa física que cometeu o
crime pode ser julgada – não a empresa
–, incluindo o crime de corrupção de
um funcionário público estrangeiro.
No momento, existem dois projetos de
lei para regular a responsabilidade pe-
nal das empresas envolvidas em crimes
de suborno. O primeiro foi aprovado
pela Comissão Anticorrupção em de-
zembro de 2013 e apresentado ao Con-
gresso em 10 de setembro de 2014. Sob
o nº 3851/2014-CR, a “lei que regula
a responsabilidade criminal das empre-
sas e impõe sanções a pessoas jurídicas
em matéria de corrupção” busca alterar
parcialmente o artigo 105 do Códi-
go Penal peruano. O projeto aguarda
aprovação pela Comissão Parlamentar
Mista de Justiça e Direitos Humanos.
Um segundo projeto de lei aprovado
pela Comissão Anticorrupção foi apre-
sentado ao Congresso em 3 de dezem-
bro de 2014, sob o nº 4054/2014-PE,
“lei que regula a responsabilidade pe-
nal autônoma para pessoas jurídicas em
crimes de corrupção”. Ele visa impor
O setor privado não parece apoiar os
projetos legislativos que visam regular a
responsabilidade penal autônoma para as
empresas envolvidas especificamente em
crimes de suborno. Sandra Orihuela
www.lecnews.com.br	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 9
BOLSA DE VALORES DE BUENOS AIRES,
NAARGENTINA: falta de clareza nas regras e
o modo como elas são executadas dificultam os
planos de longo prazo nas empresas.
RANKING DE
PERCEPÇÃO DA
CORRUPÇÃO
DOING BUSINESS 2015
MEMBRO DA OCDE?
PAÍS	STATUS
Chile	Sim	
México	Sim	
Argentina	 Não. Mas é signatário da convenção de combate à corrupção	
Brasil	 Não. Mas é signatário da convenção de combate à corrupção	
Colômbia	 Não. Mas é signatário da convenção de combate à corrupção	
Peru	 Não. Está em processo de adesão ao tratado de combate à corrupção
ÍNDICE DE
DESENVOLVIMENTO
HUMANO
O indicador da ONU surge
como um contraponto
ao tamanho do PIB,
avaliando os países não
só pela sua dimensão
econômica, mas também
por indicadores de saúde,
educação, sustentabilidade,
participação e renda.
PAÍS POSIÇÃO ÍNDICE
Chile	 41º	0,822
Argentina	 49º	0,808
México	 71º	0,756
Brasil	 79º	0,744
Peru	 82º	0,737
Colômbia	 98º	0,711
PAÍS POSIÇÃO ÍNDICE
Chile	 21º	73
Brasil	 69º	43
Colômbia 	 94º	 37
Peru	 103º	35
México	 103º	35
Argentina	107º	 34
Fonte: Banco MundialFonte: Transparência Internacional/2014
O ranking leva em conta uma série
de indicadores para classificar
a facilidade para fazer negócios
dentro dos diferentes países
PAÍS	 POSIÇÃO	ÍNDICE
Colômbia	34º	 72,29
Peru	 35º	72,11
México	39º	 71,53
Chile	 41º	71,24
Brasil	 120º	58,01
Argentina	124º	 57,48
10	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 Nº. 09 - Março / 2015
ESPECIAL AMÉRICA LATINA
responsabilidade penal à própria pes-
soa jurídica, dissociada da responsabi-
lidade do agente individual. A lei seria
aplicável a todas as entidades privadas
– incluindo as associações não registra-
das, fundações e comissões e empresas
irregulares – envolvidas em crimes de
corrupção estabelecidos nos artigos
384, 387, 397-A, 398 e 400 do Códi-
go Penal peruano. Este projeto de lei
aguarda aprovação pela Comissão Par-
lamentar Mista de Descentralização,
Regionalização, governos locais e Mo-
dernização da Gestão Governamental.
Se aprovados, os projetos de lei poderão
ser apresentados na próxima agenda do
Congresso para sua revisão e eventual
aprovação ou rejeição.
Apesar de ambos os projetos de lei
aguardarem a aprovação pelas Comis-
sões Parlamentares no Congresso pe-
ruano, o esforço político permitiu ao
país tornar-se membro participante do
Grupo de Trabalho da OCDE sobre
suborno em transações de negócios in-
ternacionais.
Os avanços são dignos, mas o país ainda
não foi capaz de avançar com importan-
tes peças de legislação anticorrupção,
que abordam matérias significativas
como a imposição de responsabilidade
corporativa penal; a retirada de um es-
tatuto de limitações para crimes de cor-
rupção; a duplicação do prazo de pres-
crição em curso, chamada de “morte
civil”, para os devedores de pagamentos
de reparação por crimes contra o Esta-
do; e a exigência de que lobistas devem
declarar os interesses que representam;
bem como os regulamentos para prote-
ger denunciantes e testemunhas.
Qual é o papel das empresas pri-
vadas na divulgação dos temas re-
lacionados à ética e compliance no
país? E como as empresas locais es-
tão inseridas neste movimento?
Fernando Cevallos (México): De-
pois de viver e trabalhar por muitos
anos no Brasil e hoje vivendo no Mé-
xico, eu posso comparar os dois paí-
ses. O México hoje é como o Brasil no
início de 2009, quando o tema com-
pliance começou a aparecer, mas, ain-
da assim, era difícil escutar a palavra
corrupção publicamente em reuniões.
Este é um exercício que está em curso
e as multinacionais no México estão
tomando a liderança nessa onda do
compliance, algo muito semelhante ao
que aconteceu no Brasil. Nos outros
países da região, a Colômbia está se
inserindo nessa tendência, bem como
Peru em alguns aspectos. Já o Chile
está mais maduro e tem abordagens
mais públicas sobre ética e conformi-
dade. Os outros países, incluindo os
da América Central, ainda estão em
estágio muito primário - ou mesmo
nulo - em alguns casos.
Hugo Sutil (Chile): O papel das
empresas privadas é fundamental nesta
matéria, uma vez que elas são o alvo da
maior parte desta nova regulamenta-
ção e têm a responsabilidade de imple-
REGIÃO DO MERCADO CENTRAL EM
LIMA, CAPITAL DO PERU: o governo
quer o país como signatário da Convenção
Anticorrupção da OCDE. Mas o setor privado
não tem colaborado para isso.
www.lecnews.com.br	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 11
mentar medidas internas em relação a
esses aspectos éticos e de compliance
exigidos por lei.
Gabriel Cecchini (Argentina): As
subsidiárias das grandes multinacio-
nais na Argentina desempenham um
papel crucial na promoção e na divul-
gação da ética e da conformidade por
meio da implementação de ferramen-
tas e programas de compliance cada
vez mais sofisticados - com agentes de
compliance em tempo integral, trei-
namentos online e interativos, canais
de denúncia etc. Elas acabam definin-
do o padrão para o resto do ambien-
te corporativo, incluindo a sua cadeia
de negócios, como grandes, médias
e pequenas empresas locais. As ações
coletivas são outra ferramenta inte-
ressante que as empresas estão come-
çando a usar localmente para nivelar
o campo de jogo em um setor especí-
fico ou por projeto. Funcionam como
um pacto de integridade, uma decla-
ração anticorrupção ou um acordo de
princípios, estabelecendo que todas
as empresas envolvidas colaborem no
estabelecimento de novos padrões de
integridade de uma forma proativa,
ajudando a complementar os esforços
realizados no setor público.
Sandra Orihuela (Peru): As em-
presas locais têm sido incluídas nas
discussões do governo peruano para
buscar a adesão à Convenção da
OCDE. O setor privado não parece
apoiar os projetos legislativos que vi-
sam regular a responsabilidade penal
autônoma para as empresas envolvidas
especificamente em crimes de subor-
no. Atualmente, a lei peruana prevê
que apenas os indivíduos podem ser
criminalmente responsáveis por come-
ter um delito. As empresas não estão
sujeitas à responsabilidade penal; no
entanto, elas podem estar sujeitas a
certas sanções administrativas e de res-
ponsabilidade civil em casos de ações
relacionadas com a corrupção.
Existe alguma peculiaridade cultu-
ral importante no que diz respeito
à forma como os negócios são reali-
zados no país e que, por desconhe-
cimento, pode ser mal interpretada
pelos profissionais e empresas es-
trangeiras?
Fernando Cevallos (México): O
México é um país grande como o Brasil.
Na capital, Cidade do México, tudo é
mais formal e os negócios giram em tor-
no do governo federal. É comum você
ver executivos tomando café da manhã
com qualquer figura política e isso não
quer dizer que eles estão tratando de
qualquer assunto suspeito, mas depen-
dendo de como as pessoas percebem
aquele encontro e começam a especular
isso pode gerar um mal-entendido. Na
verdade, isso vai depender muito dos pa-
drões da empresa e, ao final, dos valores e
do conceito de ética dos indivíduos. Em
outros estados e regiões do país, tudo é
sobre as conexões (pessoais) e como você
pode obter vantagem a partir dela. Isso
é muito comum não só no México, mas
na América Latina em geral.
Hugo Sutil (Chile): Às vezes as
empresas estrangeiras estabelecidas no
país não têm um conhecimento exato
do mercado local. Também acontece
de empresas estrangeiras, ao adqui-
rir empresas locais, delegarem a gestão
O contexto cultural
(argentino)
apresenta seus
próprios desafios de
acordo com a cidade,
província e distrito
onde as empresas
operam e as partes
interessadas.
Gabriel Cecchini
12	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 Nº. 09 - Março / 2015
ESPECIAL AMÉRICA LATINA
da companhia à equipe local, que, por
vezes, continua a funcionar da mesma
maneira como operava antes de ser ad-
quirida. Em alguns casos, esta forma de
funcionamento não está alinhada com
uma gestão responsável e leal.
Gabriel Cecchini (Argentina): A
Argentina apresenta às empresas inter-
nacionais problemas comumente encon-
trados em outros mercados emergentes.
Legislações, normas e regulamentos
existem, mas frequentemente, não são
impostos pelas autoridades locais em di-
ferentes níveis de governo e órgãos regu-
ladores. Às vezes, a diferença entre o que
a legislação estabelece e a sua execução
prática em caso de infração é enorme e
de difícil compreensão para empresas
e profissionais estrangeiros. A fraqueza
das instituições, a volatilidade econômi-
ca, mudanças regulatórias imprevisíveis
e atualizações também são uma fonte de
preocupação para as empresas na hora
de avaliar suas decisões dentro de pla-
nos de longo prazo. O contexto cultural
apresenta seus próprios desafios de acor-
do com a cidade, província e distrito
onde as empresas operam e as diferentes
partes interessadas.
Sandra Orihuela (Peru): Infeliz-
mente, a informalidade permanece
como a principal preocupação ao se fa-
zer negócios no Peru. Embora a situação
tenha melhorado, a aceitação de práticas
de negócios “menos limpas” continua a
ser uma cultura tolerada no Peru.
Em sua opinião, quais os três prin-
cipais desafios relacionados ao com-
pliance que precisam ser superados
para construir uma cultura de con-
formidade que esteja presente no dia
a dia do país?
Fernando Cevallos (México): Saber
se os funcionários, em todos os níveis,
entendem a cultura de compliance da
empresa; como eles agem quando es-
tão enfrentando um dilema de confor-
midade; e, uma vez que é reportado, se
a empresa realiza uma ação imediata e
independente para resolver o problema
e atenua o risco de que ele volte a acon-
tecer no futuro.
Compliance é sobre ser um big brother:
depende de cada empregado e é um
equilíbrio entre o crescimento sustentá-
vel do negócio e práticas boas e transpa-
rentes. No entanto, na América Latina,
se você se apresenta de maneira muito
mole ou fraca, pode sofrer as consequên-
cias no futuro.
Hugo Sutil (Chile): Consciência. A
administração da companhia deve estar
consciente da necessidade de investir
tempo e recursos nas áreas de conformi-
dade, e não considerá-la como um gasto
desnecessário ou, simplesmente, como
uma exigência. Ela precisa entender que
a não aplicação do compliance pode cau-
sar a exclusão da empresa do mercado.
Implementação: as empresas devem ser
capazes de implementar os sistemas de
compliance, por isso toda a companhia
precisa entender a importância desses
sistemas e a necessidade de convergir
com eles.
Desenvolvimento: cada empresa, depen-
dendo do setor em que atua, do seu ta-
manho, atividade, etc., no futuro, deve
ser capaz de melhorar e desenvolver esses
sistemas de compliance.
Gabriel Cecchini (Argentina): O
compliance deve ser considerado não
apenas como um conjunto de regras e
normas baseadas numa estrutura pu-
nitiva. Mais importante é que ele sirva
como base para a criação de uma cultura
de integridade, gerando consciência so-
bre os riscos da corrupção e as estraté-
gias que podem ser usadas para vencer
os dilemas práticos que são enfrentados
no dia a dia, em vez de apenas obrigar
O Chile tem
progredido com
leis importantes,
como a Lei de
Responsabilidade
Criminal da Pessoa
Jurídica e a Lei que
cria Unidade de
Análise Financeira.
Hugo Sutil
www.lecnews.com.br	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 13
O México hoje é como o Brasil no início
de 2009, quando o tema compliance
começou a aparecer, mas, ainda assim,
era difícil escutar a palavra corrupção
publicamente em reuniões. Fernando Cevallos
os funcionários a “internalizar” as nor-
mas e regras de um modo repetitivo e
monótono.
Os programas de compliance não devem
começar (e acabar) em códigos de conduta
e na sua assinatura pelos funcionários. Os
códigos são elementos muito importantes,
mas se o seu conteúdo não é permanente-
mente estimulado de forma abrangente e
por meio dos outros elementos do progra-
ma, o seu valor é limitado.
Conselhos de administração e diretoria
precisam mudar suas atitudes em relação
ao compliance e começar a considerá-lo
como uma área-chave que cada vez mais
vai ter impacto nas suas decisões estraté-
gicas de negócios. Eles precisam criar co-
mitês específicos dentro dos boards para
abordar essas questões. Os compliance
officers também precisam se reportar di-
retamente a eles em uma base regular,
participando das reuniões do conselho e
dos comitês executivos.
Sandra Orihuela (Peru): O prin-
cipal desafio continua a ser mudar a
mentalidade da maioria da população
em relação à corrupção. Embora tenha
havido progresso a esse respeito, parece
que a população ainda tem que reconhe-
cer o valor de viver e fazer negócios em
um ambiente limpo, onde as pessoas e
as empresas são capazes de competir em
uma base uniforme e igual ao invés de
ganhar vantagem por meio de práticas
corruptas. Os peruanos têm visto a mu-
dança dramática e a prosperidade econô-
mica que o país alcançou, e há esperança
de que as novas gerações vão aprender
a associar a prosperidade atual do país
com um ambiente menos corrupto e
uma concorrência leal. A mudança cul-
tural vai levar tempo, mas é possível.
CAFÉ NA CIDADE DO MÉXICO:
na capital federal é comum o
convívio com políticos, o que às
vezes gera mal-entendidos.
LEC NEWS
14			 	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE			 Nº 09 - Março / 2015
É
provável que, até pelo senso
comum, o leitor acredite que
a maior parte dos casos de cor-
rupção internacional acontece
nos países em desenvolvimento. Mas um
estudo recém-divulgado pela Organiza-
ção para o Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que reúne principalmente paí-
ses desenvolvidos, aponta para o oposto.
Os subornos internacionais são geral-
mente pagos por agentes de países ricos
para agentes públicos de países ricos,
especialmente para ganhar contratos de
empresas públicas ou controladas pelo
Estado nas economias avançadas.
O relatório de suborno estrangeiro
da OCDE analisou mais de 400 casos
de corrupção de funcionários públicos
estrangeiros envolvendo empresas ou
indivíduos de 41 países signatários da
Convenção Anticorrupção da OCDE.
Os casos ocorreram entre fevereiro de
1999 - quando a convenção entrou em
vigor - e junho de 2014.
De acordo com o estudo, a maioria
dos subornos internacionais é paga por
grandes empresas, geralmente com o co-
nhecimento da alta administração. Em
41% dos casos, funcionários de nível
gerencial pagaram ou autorizaram o su-
borno. A participação do principal exe-
cutivo das empresas aconteceu em 12%
das situações. Intermediários estiveram
envolvidos em três de cada quatro casos
de suborno estrangeiro. Para a organiza-
ção, o uso intenso desses agentes reforça
a necessidade de uma diligência mais
eficaz, de fiscalização dos programas de
compliance das corporações, e de um
maior envolvimento dos executivos das
empresas a dar o exemplo no combate ao
suborno estrangeiro.
O VALOR DO PROBLEMA
A propina paga nos casos analisados, em
média, equivalia a 10,9% do valor total
da transação e a 34,5% dos lucros – que
alcançaram o equivalente a US$ 13,8
milhões por suborno. Mas a própria
OCDE reconhece que, dada a comple-
xidade e a natureza oculta de transações
corruptas, os valores representam apenas
a ponta do iceberg.
Quatro setores concentram a maior
parte dos casos: a indústria extrativa, que
lida com recursos naturais quase sempre
controlados pelo Estado - além de alta-
mente regulada - responde por 19% dos
casos. O mercado de construção civil
soma 15%, mesmo número da área de
transporte e armazenamento (15%). As
empresas de informação e comunicação,
setor que conta com inúmeras estatais
em países desenvolvidos – especialmente
na Europa e também bastante regulada
pelos governos - responde por 10% dos
casos analisados.
Empregados de empresas estatais fo-
ram o destino da propina em 27% dos
casos. Funcionários aduaneiros (11%),
as autoridades de saúde (7%) e funcio-
nários da Defesa (6%) vêm na sequência.
Mesmo nos países mais desenvolvi-
dos, o alto escalão da política está sem-
pre disposto a receber (ou cobrar) por al-
guns favores. E quanto mais alto o posto,
maior o preço. Por isso, apesar de serem
o alvo de 5% das ofertas de propina, che-
fes de Estado e ministros arremataram
11% - ou mais do que o dobro do total
de subornos prometidos ou pagos.
LÁ COMO CÁ
Para os brasileiros, escaldados no assunto,
nãochegaaserumanovidadequeamaior
parte da corrupção - independentemente
deondesejapraticada-acabetendocomo
objetivo principal garantir contratos van-
tajosos com o governo. Em mais da me-
tade dos casos analisados, os subornos
Mais riqueza, mais propinas
www.lecnews.com.br 		 	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 		 	 	 15
AVIÃO DA PORTUGUESA TAP:
maior parte das propinas é paga
nos países ricos.
foram pagos para a aquisição de contratos
públicos. A obtenção de facilidades adu-
aneiras, uma questão perigosíssima em
tempos de terrorismo transnacional cres-
cente – que se financia muitas vezes com
a venda de produtos falsificados ou con-
trabandeados –, aparece, na sequência,
com 12%. A obtenção de benesses fiscais
– um aspecto sofisticado e quase sempre
de mais difícil investigação - foi a terceira
causa de suborno, com 6% dos casos.
Outra informação do estudo que dá
algum alento aos brasileiros, que espe-
ram anos para ver casos de corrupção
ser efetivamente julgados é que o tempo
necessário para concluir os processos su-
biu drasticamente ao longo dos últimos
quinze anos. Para os casos concluídos
em 1999, foram necessários, em média,
dois anos. Atualmente, a média para
a conclusão dos casos é superior a sete
anos. Para a OCDE, isso pode refletir a
crescente sofisticação dos métodos ado-
tados pelos corruptores e, também, a
complexidade para as agências nacionais
de aplicação da lei para investigar os ca-
sos em vários países.
“A prevenção do crime nos negócios
deve estar no centro da governança cor-
porativa. Ao mesmo tempo, os contra-
tos públicos devem tornar-se sinônimo
de integridade, transparência e respon-
sabilidade”, disse o secretário-geral da
OCDE, Angel Gurría.
A Corregedoria-Geral da União
(CRG), braço da Controladoria-Geral
da União (CGU), disponibilizou na
internet o Novo Manual de Processo
Administrativo Disciplinar (PAD). A
publicação, elaborada em 2011, forne-
ce aos servidores na área de correição
do executivo federal – como correge-
dores e ouvidores - o suporte e um
modelo de padronização que facilita
o desempenho das suas atividades.
Na seção “Atividade Disciplinar”, por
exemplo, é possível encontrar modelos
de documentos, slides das aulas e legis-
lação relativa ao assunto.
A nova edição inclui um capítulo
dedicado à Lei de Acesso à Informação
(LAI), e novos textos acerca dos efeitos
do art. 137, da Lei nº 8.112/1990, no
caso de impedimento de retorno ao
serviço público, sob a hipótese de acú-
mulo de cargos.
Edição atualizada
E
m Hong Kong, um território
semi-autônomo da China, mas
colonizado e aculturado pelos
britânicos até o ano de 1990, um jo-
vem foi condenado a dois meses de
prisão por tentar subornar o seu exa-
minador do teste de condução com
uma nota de 500 dólares de Hong
Kong (pouco menos de R$ 200,00).
Trabalhador de um depósito de
contentores, Leung Kin-Ming, de 22
anos, se declarou culpado de uma
acusação por oferecer vantagem
para um funcionário público, infrin-
gindo a Portaria de Prevenção à Cor-
rupção. Cerca de três minutos após
o início do teste, quando o veículo
parou em um semáforo, o réu tirou
uma nota de 500 dólares de Hong
Kong e deu para o examinador, di-
zendo: “Senhor, para que você pos-
sa tomar um chá”. Apesar da recusa
do examinador em aceitar a nota, o
réu repetiu a oferta. O examinador
disse ao réu para dirigir o veículo de
volta ao centro de condução e, ao
chegar, chamou a polícia e contou
ao seu supervisor sobre o assunto.
No mesmo dia, Kin-Ming foi preso
pela polícia e o caso encaminhado
para o ICAC, a agência de combate
à corrupção de Hong Kong.
Ao passar a sentença, o magistra-
do disse que como subornar um fun-
cionário público era um crime muito
grave, o tribunal teria de aplicar uma
Onde o crime não compensa
TRÂNSITO EM HONG KONG: do suborno à
prisão em apenas dois dias.
pena de prisão imediata para o réu,
de modo a servir como um impedi-
mento. O magistrado acrescentou
que depois de levar em conta vários
fatores, inclusive a confissão de cul-
pa do réu e de sua pouca idade, ele
optou por reduzir a pena incial de três
meses na cadeia para dois meses.
O magistrado ainda repreendeu
o réu por tentar minar o sistema de
exame de condução, causando in-
justiça a outros candidatos e riscos
de segurança à população.
Detalhe que chama atenção: en-
tre a prisão e o início do cumprimento
da sentença foram necessários ape-
nas dois dias. E o valor oferecido pelo
réu ao examinador foi confiscado.
LEC NEWS
16			 	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE			 Nº 09 - Março / 2015
D
esde o início de 2010, uma
investigação do governo dos
EUA está desmontando vários
cartéis acusados de divisão de mercado,
fixação de preços e manipulação de pro-
postas no setor de peças automotivas.
Até o momento, a investigação ainda
está em curso, e nada mais do que 33
empresas – a maior parte delas japonesa,
incluindo gigantes como Bridgestone,
Panasonic e Mitsubishi Eletric - se de-
clararam culpadas ou concordaram em
se declarar culpadas perante os EUA.
As multas já somam mais de US$ 2,4
bilhões.
No desdobramento mais recente,
no início de fevereiro deste ano, dois
executivos japoneses foram indiciados
pelo governo norte-americano. De
acordo com o Departamento de Justiça
dos Estados Unidos, Hiroyuki Komiya
e Hirofumi Nakayama, executivos da
companhia japonesa Mitsuba Corpo-
ration, atuaram para fixar os preços de
várias peças automotivas, incluindo
sistemas de pára-brisa vendidos às fabri-
cantes Honda, Nissan,Toyota, Chrysler
e Subaru, nos Estados Unidos e em ou-
tros lugares. A acusação alega que, por
volta de abril de 2000 até, pelo menos,
fevereirode2010,Komiya,Nakayamae
co-conspiradores participaram e dirigi-
ram, autorizando ou consentindo com
a participação de subordinados em reu-
niões de conluio para combinar lances,
dividir o fornecimento e fixar o preço a
ser apresentado para os fabricantes de
automóveis.
Komiya e Nakayama também são
acusados de, consciente e corruptamen-
te, tentar persuadir os funcionários da
Mitsuba para destruir documentos e
excluir dados eletrônicos que poderiam
conter evidências de crimes de cartel nos
“Condução” criminosa
A
dimensão da investigação não
é a mesma da norte-americana,
mas o CADE, órgão que defen-
de a concorrência no mercado brasileiro,
abriu no último dia 13 de fevereiro três
processos administrativos para investigar
práticas de cartel nos mercados nacional
e internacional de peças automotivas. Os
segmentos potencialmente afetados são
os de revestimentos de embreagem; e sis-
temas térmicos, que incluem radiadores,
condensadores e sistemas de aquecimen-
to, ventilação e ar condicionado e o de
limpadores de para-brisas.
O CADE verificou indícios de que
pelo menos 11 empresas e 51 pessoas fí-
sicas – cujas atuações estão divididas nos
respectivos mercados investigados nos
processos – mantinham contato perma-
nente com a finalidade de fixar preços e
condições comerciais, alocar pedidos de
cotações de clientes, dividir mercados
entre concorrentes e compartilhar infor-
mações comerciais sensíveis. Os indícios
apontam que os funcionários das em-
presas combinavam previamente quem
deveria ganhar os processos de cotação
das montadoras de automóveis e adota-
vam estratégias para direcionar o acordo
firmado entre eles. Essa prática teria res-
tringido o caráter competitivo do proces-
so de cotação e potencialmente afetado
negativamente os custos dos automóveis.
E esses não são os primeiros segmen-
tos da cadeia de peças automotivas sob
investigação do CADE. Na verdade, eles
fazem parte de um conjunto maior de
investigações conduzidas pela Superin-
Cadeia sob investigação
Estados Unidos e em outros países. Em
6 de novembro de 2013, a Mitsuba se
declarou culpada e concordou em pagar
uma multa de US$ 135 milhões pelo seu
papel na conspiração, bem como obstru-
ção da justiça.
Quando o cartel teve início, Komiya
era diretor de Vendas Automotivas da
Mitsuba. Em 2007, ele foi promovido
a vice-presidente de Vendas. Já Nakaya-
ma foi o gerente do escritório de Vendas
da Mitsuba Nagoya até 2005, quando
foi promovido a diretor de operações de
Vendas.
Pelos crimes de cartel, os dois podem
SETORES SOB
INVESTIGAÇÃO:
fabricantes de limpadores
de para-brisas podem ter
atuado em conjunto para
combinar preços e dividir
o mercado.
www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 17
De olho na mordaça
ser condenados à pena máxima de 10
anos de prisão e uma multa de US$ 1 mi-
lhãocada.Masestamultapodeaumentar
até o dobro do ganho derivado do crime
ou o dobro do prejuízo sofrido pelas víti-
mas do crime, caso qualquer desses valo-
res supere a multa máxima legal. A pena
máxima para obstrução da justiça é de 20
anos de prisão e uma multa de US$ 250
mil para os indivíduos.
Além dos dois japoneses, outros 52
suspeitos já foram acusados na investiga-
ção. O caso contou com a assistência da
Unidade de Corrupção Internacional do
FBI, a polícia federal norte-americana.
tendência-Geral do órgão no setor. No
segundo semestre de 2014, foram aber-
tos processos para apurar cartéis no seg-
mento de velas de ignição e rolamentos
antifricção. Em agosto do ano passado,
o CADE cumpriu mandados de busca e
apreensão para apuração de possíveis car-
téis em companhias das áreas de ilumina-
ção automotiva (faróis, lanternas e luzes
de freio); interruptores de emergência
(pisca alerta e chave de seta); mecanismos
de acesso (jogos de cilindros, maçanetas,
fechaduras e travas de direção) e embrea-
gens automotivas. A avaliação do mate-
rial apreendido pode resultar em novos
procedimentos administrativos.
De acordo com as investigações, as
condutas anticompetitivas possivelmente
ocorreram desde a década de 90 até me-
ados de 2012, o que pode indicar que o
cartel dos fabricantes de autopeças tinha
alcance global.
D
esde 2010, quando a lei de refor-
ma financeira Dodd-Frank o ins-
tituiu, o programa de denuncian-
tes da SEC – a comissão que regula o
mercado de capitais nos Estados Unidos
– vem se apresentando com uma das
ferramentas mais efetivas no combate a
fraudes e corrupção no ambiente corpo-
rativo. Por conta disso, agências regula-
doras estão incentivando cada vez mais
a prática, com uma política agressiva de
“recompensas” para funcionários que re-
alizam denúncias anonimamente. Como
parte do programa, os informantes po-
dem receber entre 10% e 30% da soma
das multas caso a denúncia feita leve a
uma ação da SEC com sanções supe-
riores a US$ 1 milhão. No ano passado,
o programa concedeu um prêmio de
mais de US$ 30 milhões a um informan-
te de fora dos EUA. Em 2014, a SEC
obteve 3.620 informações de possíveis
violações. O número é 21% superior ao
obtido em 2012.
Por outro lado, as empresas não es-
tão nada felizes com esse tipo de abor-
dagem por parte dos governos. Para
elas, ao incentivar a denúncia existe uma
mudança de foco que migra da possibili-
dade de corrigir o problema diretamente
para as investigações e punições.
De acordo com uma reportagem
do The Wall Street Journal, a SEC está
preocupada com a possibilidade de as
empresas estarem silenciando funcio-
nários - que poderiam fazer denúncias
contra elas e dar início a uma investiga-
ção – utilizando documentos solicitados
para diversas empresas para sua aná-
lise. Pelo que o jornal apurou, alguns
desses documentos incluem cláusulas
que impedem os empregados de con-
tarem ao governo sobre infrações na
empresa ou outras violações em po-
tencial da legislação de valores mobi-
liários, segundo advogados que lidam
com casos de denunciantes e alguns
parlamentares do Congresso ameri-
cano. “Em alguns casos, as empresas
exigem que os funcionários concordem
em renunciar a qualquer benefício das
investigações do governo, efetivamen-
te anulando o incentivo financeiro para
participar do programa da SEC”, diz a
reportagem. Os regulamentos da lei
Dodd-Frank proíbem empresas de in-
terferir no relato que seus funcionários
venham a fazer para a SEC de poten-
ciais infrações da legislação de valores
mobiliários.
“A agência pediu às empresas que
informem todos os acordos sigilosos,
de confidencialidade, de demissão e pa-
gamento para encerrar processos que
fizeram com funcionários desde que a
lei Dodd-Frank entrou em vigor, assim
como documentos relacionados a treina-
mento corporativo sobre confidencialida-
de, segundo a carta e pessoas a par da
questão”, complementa a reportagem.
AUTOMÓVEL DA TOYOTA: cartel de
fornecedores de autopeças nos EUA já
gerou multas de US$ 2,4 bilhões.
SESSÃO NO CONGRESSO
DOS EUA: a SEC está
preocupada com supostas
tentativas das empresas
de exercer pressão sobre
funcionários denunciantes.
ENTREVISTA VALDIR SIMÃO
18	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 Nº. 09 - Março / 2015
A
o longo dos 12 anos de exis-
tência, a Controladoria-Ge-
ral da União (CGU) nunca
se viu diante de um caso de
proporções (econômicas, le-
gais e políticas) tão grandes como o gerado
pela corrupção na Petrobras. Responsável
pelos eventuais acordos de leniência, via-
bilizados pela Lei Anticorrupção, com al-
gumas das maiores empreiteiras do País, a
CGU é alvo de pressão por todos os lados,
para agir o mais rápido possível e também
para não fazer nenhum desses acordos, de-
pendendo de que lado vier a pressão.
A responsabilidade de liderar o órgão
nesse período desafiador caberá ao novo
ministro da pasta, o advogado Valdir Si-
mão. Servidor de carreira da Receita Fe-
deral há 27 anos, Valdir foi secretário ad-
junto da Receita, secretário da Fazenda do
Distrito Federal e por duas vezes ocupou a
presidência do Instituto Nacional do Se-
guro Social (INSS). De 2011 a 2013, foi
secretário-executivo do Ministério do Tu-
rismo. Na sequência, atuou por sete meses
na coordenação do Gabinete Digital da
Presidência da República, de onde foi re-
crutado para ser o secretário-executivo da
Casa Civil, pasta que ocupa papel central
na articulação política do governo. Por
conta disso, sua indicação foi alvo de ques-
tionamentos pela sua proximidade com o
ambiente político e com a presidente, que
tem se manifestado de maneira dúbia - no
mínimo - contra punições mais severas
para as empresas envolvidas, de olho no seu
impacto sobre a economia brasileira.
Por e-mail, o ministro respondeu as
questões enviadas por LEC.
O novo chefeEm entrevista à LEC, o novo ministro da CGU Valdir Simão fala sobre
projetos, autonomia em relação à presidência, fiscalização das estatais
e da destinação de eventuais multas geradas pelo órgão
VALDIR SIMÃO,
DA CGU: ele vai
liderar os primeiros
grandes casos
com base na Lei
Anticorrupção.
www.lecnews.com.br	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 19
Quais os projetos prioritários que
o senhor pretende tocar à frente da
CGU?
Como disse no dia da minha posse, é
necessário seguir avançando no desen-
volvimento de mecanismos e processos
efetivos de controle da atuação do Es-
tado brasileiro e do bom uso de recur-
sos públicos. Em 12 anos de existência
da Controladoria, o tema de combate
à corrupção e da transparência foi co-
locado na pauta nacional e agora é ne-
cessário ampliar nossa atuação, torná-la
ainda mais efetiva. Meu principal obje-
tivo é aprofundar a institucionalização
da CGU e suas funções de prevenção e
de combate à corrupção, de correição
e de ouvidoria. Acho indispensável o
fortalecimento e, sobretudo, a moder-
nização dos mecanismos de governan-
ça, por meio da intensificação do uso
da tecnologia da informação. Em um
mundo cada vez mais digital, é manda-
tória a aplicação de ferramentas de TI
no monitoramento, na fiscalização e na
avaliação das políticas públicas.
Um dos trabalhos mais difíceis da
CGU é o de aculturar centenas de
milhares de servidores públicos - que
atuam em diversos órgãos - sob di-
ferentes culturas “corporativas” e
com diferentes níveis de formação e
tempo de atuação no serviço público.
Tendo vindo de fora, como o senhor
avalia o trabalho da CGU nesse as-
pecto até aqui? E para onde ele deve
caminhar nos próximos anos?
Esse é um aspecto muito importante
para mim, pois considero um dos tripés
da boa gestão. As pessoas são funda-
mentais para o sucesso de uma institui-
ção e precisamos, mais do que valorizar
o esforço individual de cada servidor,
investir na sua formação e capacitação
para que seja um elemento de transfor-
mação. Para um órgão como a CGU, é
um desafio permanente multiplicar en-
tre todos os gestores públicos federais
essa cultura de ética, transparência e
compromisso com o interesse público.
Nós já temos um ótimo nível de inte-
ração com os gestores durante nossos
trabalhos de auditoria e fiscalização,
mas é preciso disseminar a capacida-
de de atuar preventivamente sobre os
problemas e evitar que as irregularida-
des aconteçam, não apenas corrigi-las
após o fato consumado. Então, vamos
investir muito nesse sentido: de coope-
rar com as instituições públicas para a
melhoria de suas rotinas e dos seus ins-
trumentos de gestão.
O número de servidores federais afas-
tados do serviço público por casos li-
gados à corrupção vem aumentando
ano após ano. Isso é reflexo do maior
poder de fiscalização da CGU, de um
aumento no número de casos denun-
ciados - com as pessoas perdendo o
medo de fazer as denúncias - ou do
aumento da corrupção?
O enfrentamento à impunidade é uma
das diretrizes prioritárias da Contro-
ladoria, e o aumento do número de
expulsões é um reflexo desse trabalho,
que tem investido muito também na
capacitação que a CGU realiza junto a
servidores do Poder Executivo Federal
que atuam na área de correição. Esses
fatores resultaram, até janeiro de 2015,
na aplicação de punições a 5.157 agen-
tes públicos por envolvimento em ati-
vidades contrárias à lei. Ao todo, foram
registradas 4.314 demissões de efetivos;
468 destituições de ocupantes de car-
gos em comissão; e 375 aposentadorias
foram cassadas. Apesar de o número
de punições ser maior, não seria ade-
quado afirmar que houve aumento da
corrupção. Acredito mais na ampliação
das ferramentas e fortalecimento dos
órgãos responsáveis por combatê-la.
Existem planos internos da CGU
para realizar de maneira mais efetiva
o trabalho de prevenção e controle
nas estatais controladas pelo execu-
tivo federal?
Nós já estamos trabalhando no pro-
jeto de estruturação de um setor que
se dedicará ao acompanhamento das
estatais. O objetivo é realizar uma
atuação mais preventiva e propor
mudanças nos sistemas de compras
governamentais, além de aperfeiço-
ar as normas de licitação e contratos
utilizados pelas empresas controladas
pela União. Outras medidas a serem
avaliadas pelo novo setor são o forta-
lecimento de estruturas de Controle
Interno nessas entidades e a abertura
de informações, em vista das regras de
transparência pública.
No que diz respeito ao arcabouço le-
gal para punir adequadamente a cor-
rupção no setor público, o senhor en-
xerga gargalos importantes que ainda
precisam ser fechados? Existe a neces-
sidade de o Executivo enviar novos
projetos nesse sentido, como a presi-
dente Dilma Rousseff pretende fazer?
Nos últimos anos, o Brasil aprovou leis
de extrema importância para a promo-
ção da transparência pública, da preven-
ção e do combate à corrupção. O país
tem hoje em sua base jurídica a Lei de
Acesso à Informação (LAI), a Lei de
Conflito de Interesses e Lei da Empresa
“O valor ressarcido em função de
eventual aplicação de multa pela Lei da
Empresa Limpa não será destinado à
CGU, mas sim aos cofres da União ou de
empresas públicas lesadas.”
ENTREVISTA VALDIR SIMÃO
20	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 Nº. 09 - Março / 2015
Limpa. O aperfeiçoamento da legislação
é sempre necessário, mas precisamos fa-
zer com que as normas já existentes se-
jam cumpridas de forma efetiva.
O ex-ministro Jorge Hage há tempos
reclamava da falta de pessoal, que a
CGU havia chegado ao limite e que o
Ministério do Planejamento contin-
genciava as contratações de pessoal
já concursado. Tendo vindo de fora,
qual a sua avaliação do quadro de
funcionários da Controladoria? Ele
é adequado às necessidades? Como
o senhor pretende lidar com essa de-
manda junto aos ministérios do Pla-
nejamento e da Fazenda?
Temos um desafio claramente coloca-
do neste ano que é o da restrição orça-
mentária e a necessidade de trabalhar
com um cenário de contingenciamen-
to. Por isso, precisamos racionalizar
ao máximo a força de trabalho dispo-
nível, ampliando o uso da tecnologia
da informação para potencializar nos-
sos esforços. Fazer mais com menos.
Isso não significa que não vamos tra-
balhar pelo reforço das condições de
trabalho, sejam físicas ou de recursos
humanos. A CGU integra o comitê
recentemente criado para acompanha-
mento do gasto público.
A operação Lava Jato abriu uma ja-
nela de aplicação de multas milio-
nárias pela CGU, com base na Lei
Anticorrupção. Já existe clareza da
destinação desses valores? Eles irão
para os cofres da CGU, assim como
acontece com as agências de fiscali-
zação norte-americanas?
O valor ressarcido em função de even-
tual aplicação de multa pela Lei da
Empresa Limpa não será destinado à
CGU, mas sim aos cofres da União
ou de empresas públicas lesadas. Uma
coisa não tem relação com a outra. O
papel da CGU é de promover a respon-
sabilização da empresa, mas sem qual-
quer tipo de ganho financeiro. Tudo o
que for contabilizado a título de res-
sarcimento será destinado a recompor
as perdas do órgão lesado. Não afeta o
orçamento da Controladoria.
Quando indicado
para assumir a CGU,
o senhor atuava na
Casa Civil, um dos
principais centros
da articulação po-
lítica do governo
federal que, natu-
ralmente, trata dos
impactos econômi-
cos e políticos das
investigações. Essa
proximidade recen-
te suscitou questões
sobre o grau de in-
gerência e controle que o Palácio do
Planalto pode exercer sobre a CGU,
que ainda que ligado à Presidência
da República, é um órgão que pela
natureza de sua atividade, demanda
bastante independência. Como fica
essa relação daqui para frente?
Apesar de a CGU estar vinculada à
Presidência da República, o órgão
tem autonomia e independência para
conduzir suas atividades com servido-
res de carreira altamente capacitados.
É isso que garante a eficácia de suas
ações e foi o que permitiu alcançar
a grande credibilidade que tem hoje
junto à sociedade. É assim que te-
mos atuado e pretendemos continuar
atuando frente à CGU. Quando fui
convidado pela presidente Dilma para
chefiar a Controladoria, ela me pediu,
inclusive, para reforçar o controle e
ampliar a capacidade de atuação e o
nosso raio de ação. Isso me dá a cer-
teza de que tenho a confiança dela e
uma grande responsabilidade, mas
também a garantia de autonomia para
fazer esse trabalho.
NA TRANSMISSÃO
DO CARGO, COM O
ANTIGO MINISTRO
JORGE HAGE:
otimizar a força
de trabalho será
fundamental para
enfrentar o cenário de
contingenciamento.
www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 21
1A SEGURANÇA
DA INFORMAÇÃO
NÃO É SÓ UMA
QUESTÃO DE TI
Um bom programa de compliance
parte sempre de uma análise dos riscos
enfrentados pela organização. E como
disse James Comey, diretor do FBI,
em uma entrevista no ano passado,
“quando se trata de segurança ciber-
nética existem dois tipos de empresa:
aquelas que foram invadidas e as que
ainda não sabem que foram hackea-
das”.
Apesar dessa realidade, muitos pro-
fissionais de compliance ainda enxer-
gam a cibersegurança como uma pre-
ocupação unicamente da área de TI.
Mas, na medida em que aumentam
os casos de vazamento de informações
confidenciais de grandes empresas,
particularmente dados de clientes, é
preciso que a área de compliance es-
teja atenta à questão. A segurança de
dados é uma questão de ética e com-
Os temas e
demandas
que devem
permear as
discussões
e o trabalho
da área de
compliance
neste ano.
Para onde
olhar em
2015?
pliance, já que existe a responsabilida-
de de proteger as informações da orga-
nização e as de seus clientes.
Com novas tecnologias, ferramen-
tas e dispositivos, os volumes e tipos
de dados de valor para uma organiza-
ção que devem ser protegidos vão con-
tinuar a crescer. Com um ecossistema
digital cada vez maior, serão neces-
sárias políticas de risco e governança
que suportem os negócios, a segurança
e a privacidade de dados.
SEDE DA SONY PICTURES:
o vazamento de informações
da empresa gerou saias justas
com astros de Hollywood.
TENDÊNCIAS PAPO DE COMPLIANCE
22	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 Nº. 09 - Março / 2015
PAPO DE COMPLIANCE TENDÊNCIAS
3DESCENDO
A RÉGUA
Ainda que as grandes empresas sejam o
foco de atenção dos reguladores, é inegável
que a pressão sobre as pequenas e médias
empresas para que adotem um bom pro-
gramadecompliancevaificarcadavezmais
forte. De um lado, as grandes companhias
estão exigindo cada vez mais que os seus
parceiros estejam em plena conformidade
com o ambiente de ética nos negócios (e
correndo riscos, legais e reputacionais, cada
vez maiores caso não o façam). Ao mesmo
tempo, os próprios reguladores estão mais
atentos a casos envolvendo empresas me-
nores em todo o mundo. Aqui no Brasil,
a maior parte das empresas consideradas
inidôneas pela CGU é de pequeno e mé-
dio porte. Definitivamente, um programa
de ética e compliance robusto vai emergir
como um tema sensível para os líderes des-
ses negócios, ainda mais para aqueles que
esperam crescer rapidamente.
2TECNOLOGIA
INTEGRADA
O avanço do ambiente digital traz no-
vos riscos e responsabilidades para a área de
compliance. Mas esse ambiente é também
uma oportunidade única para o setor aper-
feiçoar o seu trabalho. A profissão de com-
pliance ainda se baseia muito em medidas
tradicionais como treinamentos, número
de chamadas para o canal de denúncias e
garantias de que o código foi lido. Daqui
para frente, os profissionais de complian-
ce terão que se concentrar mais em gerir
o risco das interações e estabelecer relacio-
namentos com as outras áreas da empresa,
atividades que demandam tempo desses
profissionais. Isso exige novas tecnologias
para automatizar os processos de monitora-
mento, auditoria e mensuração dos resulta-
dos. A maior adoção da tecnologia também
vai contribuir para a definição de novas
metas e métricas modernas para avaliá-las.
A tecnologia nos processos de governança,
risco e compliance estará cada vez mais in-
tegrada e disseminada por todas as áreas da
empresa.
4COMPLIANCE
CRIMINAL
Primeiro foi o Mensalão. Agora o
Petrolão. O conceito tão difundido
de que no Brasil “rico” não vai para
a cadeia pode sofrer alguns abalos.
Nada é mais emblemático nesse sen-
tido do que o cárcere de um seleto
grupo de empresários e altos execu-
tivos de algumas das maiores emprei-
teiras do país, presos desde o meio de
novembro do ano passado por conta
da operação Lava Jato. As implica-
ções criminais de atos relacionados à
corrupção ainda são pouco debatidas
pelos profissionais de compliance,
mas certamente veremos uma deman-
da maior pelo assunto ao longo deste
ano, o que pode acarretar em revisões
de códigos de conduta empresarial e
na introdução de cláusulas específicas
sobre o tema nos contratos de traba-
lho de profissionais mais expostos.
O PRESIDENTE DA UTC, RICARDO PESSOA: muitos dias de cárcere.
MAIS ESTRATÉGICO: uso mais intenso da
tecnologia vai liberar tempo dos profissionais para
atividades mais relevantes para o negócio.
www.lecnews.com.br	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 23
5MUDANÇAS
SOCIOCOM-
PORTAMENTAIS
Boa parte do volume de trabalho de
um compliance officer está atrelado a
questões típicas de RH, como denúncias
de assédio, ofensas e conduta indevida. E
na era do politicamente correto em que
vivemos hoje, novos elementos podem
trazer nuances adicionais para os profis-
sionais de compliance. A união civil de
pessoas do mesmo sexo, por exemplo,
pode exigir mudanças específicas em cer-
tos aspectos em regras ligadas a relaciona-
mento entre profissionais nas empresas,
despesas com entretenimento, benefícios
e claro, conduta e respeito à diversidade.
A aprovação do uso recreativo da maco-
nha em vários estados norte-americanos
e no Uruguai é outro exemplo das no-
vas nuances culturais e comportamentais
com as quais a área de compliance vai ter
de lidar. Afinal, um funcionário da em-
presa levar o cliente para fumar um base-
ado, dependendo de onde eles estiverem,
pode ser tão legal juridicamente quanto
tomar uma dose de qualquer bebida du-
rante um happy hour. As empresas estão
prontas para isso?
8 TEM
QUE DAR
RETORNO
Em tempos de caixa curto – espe-
cialmente para nós, no Brasil - cada vez
mais as empresas querem saber qual o
retorno real de cada centavo que apli-
cam. Isso vem acontecendo com mais
frequência e para todas as áreas da
empresa. Com o compliance não é di-
ferente. Os gestores da área vão preci-
sar encontrar formas de tangibilizar o
impacto dos programas de compliance
sobre o negócio, estabelecendo indica-
dores de desempenho capazes de com-
provar que o valor monetário investido
está gerando resultados concretos e que
eles podem ser mensurados e analisados
por toda a diretoria. O discurso de que
o programa é importante porque pre-
vine que a empresa tome uma multa
milionária, por si só, não será mais su-
ficiente.
6 TODOS DE
OLHO NA
GENTE
Ainda que por um motivo feio,
o Brasil estará sob os holofotes do
mundo do compliance em 2015. A
Petrobras é, até onde a vista alcança,
o maior caso em potencial de cor-
rupção envolvendo uma companhia
do momento. Além do escrutínio da
empresa no Brasil, será interessante
ver como os norte-americanos vão
lidar com a empresa, que para eles
não é vítima. O caso irá trazer ele-
mentos novos que poderão servir de
referência para investigações futuras
de empresas controladas pelo Estado
em outros países.
7 ALÉM DA
CORRUPÇÃO
Embora esse seja o padrão lá fora,
aqui no Brasil o papel do compliance
ainda é muito ligado na prevenção à
corrupção. Até pelas circunstâncias
brasileiras neste momento, o com-
bate à corrupção continuará geran-
do buzz e importância para divulgar
uma área com a qual só agora muitas
companhias começam a tomar conta-
to. Mas o compliance engloba outros
elementos, em muitos casos, mais
relevantes para os negócios, como
análise e gestão de riscos, prevenção
à fraude, segurança da informação...
Estas habilidades serão cada vez mais
demandadas dos profissionais de
compliance no Brasil.
CASAL GAY NOS EUA: novas relações familiares
têm impacto sobre a operação das empresas.
24	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 Nº. 09 - Março / 2015
PAPO DE COMPLIANCE CARREIRA
Quem teve a oportunidade
de participar de reuniões de
comitês ou grupos de profis-
sionais de compliance certa-
mente já presenciou cenas de lamúrias,
lamentações, frustrações e choradeira
dos profissionais da área. Em alguns
casos, “revolta” é o termo que melhor
se aplica à situação. Os motivos, em li-
nhas gerais, não diferem muito de um
caso para o outro: falta de atenção da
direção da empresa, boicote dos colegas
de outras áreas, ausência de recursos,
confrontos desiguais com as áreas de ne-
gócios da empresa... Em suma, o mun-
do ideal não existe para o compliance
officer – na verdade, ele não existe em
nenhuma área e em nenhum negócio.
Só que para aqueles que chegaram a este
campo recentemente, com uma imagem
e uma missão projetadas, sofrem, e so-
frem muito quando se deparam com a
verdade nua e crua. Quem acredita que
por ser o novo compliance officer da
empresa vai chegar e fazer acontecer –
uma expectativa criada e comprada es-
O papel do compliance officer é na prática muito
mais amplo e estratégico do que muitos dos
jovens e novos profissionais da área entendem
ou acreditam. E a realidade do dia a dia é muito
diferente do que boa parte deles imaginou
A realidade
se impõe
pecialmente pelos jovens profissionais
– está bem distante da realidade.
Em um curto espaço de tempo, a
posição de compliance officer no Brasil
deixou o anonimato corporativo para
ser alçada a uma das profissões do fu-
turo. Na esteira dos protestos de 2013 e
com a aprovação da Lei Anticorrupção,
um número considerável de empresas,
que até então pouco sabiam sobre o
assunto, saíram à caça de profissionais
para a área. A soma de ausência de mão
de obra qualificada com a necessidade
das companhias jogou mais luz sobre
a profissão. Nos cenários previstos, ela
ganharia cada vez mais participação nas
decisões estratégicas da empresa e a no-
bre missão de garantir que os negócios
fossem realizados “sempre com ética”.
Tudo isso é verdade. Assim como tam-
bém é fato que a realidade do dia a dia
de um compliance officer é bem mais
complexa, desafiadora, dura e repleta de
nuances e sutilezas que demandam um
grau de maturidade só encontrado em
profissionais mais experimentados.
Do início ao fim do expediente, essa
realidade se impõe aos profissionais e faz
com que muitos deles, que por opção
ou arrebatamento dentro dos quadros
da empresa chegaram para atuar na área
de compliance, sintam-se frustrados. A
situação é especialmente difícil para os
mais novos, que se encantam com as
perspectivas do setor, mas, muitas vezes,
ainda não têm a experiência necessária,
especialmente no ambiente de negócios,
para conseguir executar a função de
compliance officer em sua plenitude e
engajar toda a empresa no assunto.
E aqui, vale uma observação. Grande
referência no assunto, os Estados Unidos
vêm desenvolvendo a área de complian-
ce nas bases como a conhecemos hoje,
desde os anos de 1970, quando foi apro-
vado o Foreign Corrupt Practice Act, o
famoso FCPA: lei que coíbe a corrupção
internacional de agentes públicos estran-
geiros por empresas que atuam nos Esta-
dos Unidos. Por mais de quatro décadas,
os profissionais que atuam naquele país
convivem e aprendem com o tema. E
www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 25
andar”, diz Isabel Franco, sócia do es-
critório KLA Law e uma das mais ex-
perientes profissionais de compliance
do mercado. Para ela, o Brasil se benefi-
ciou da grande presença de companhias
multinacionais que operam e exercem
um forte papel influenciador por aqui,
ajudando o país a alcançar patamares
elevados a passos muito mais largos na
comparação com outros países.
Só que do outro lado, a necessida-
de das empresas, somada à falta de mão
de obra qualificada e experiente, aca-
bou por içar muita gente que, apesar de
conhecer o tema, não tinha a vivência
necessária para liderar uma área nova e
cuja função, em sua plenitude, ainda é
pouco compreendida pelas empresas e
pelos próprios profissionais. Para Isabel,
esse é o tipo de situação que acaba se
transformando em “oportunidade per-
dida” para o desenvolvimento do com-
pliance no Brasil.
“Nos Estados Unidos, quando al-
guém é promovido a compliance officer,
essa pessoa já atuou na área, foi membro
aqui estamos falando apenas do FCPA.
É preciso lembrar que os profissionais
de lá convivem há tempos com outras
questões como gestão de risco, lavagem
de dinheiro, danos morais, assuntos re-
gulatórios, além da própria corrupção de
agentes públicos no mercado local. Com
isso, a clareza do papel do compliance
é muito mais elevada. Ainda assim, são
cada vez maiores as discussões sobre as
novas atribuições que o compliance offi-
cer deve assumir nas organizações norte-
-americanas (ver quadro na página 29).
Por aqui, a área está na sua primeira
infância. Do ponto de vista das empresas
– excluindo as do setor financeiro, que já
lidavam com o tema há mais tempo por
conta de regulações do Banco Central –,
ela só ganhou notoriedade nesta década.
De um lado, a expertise adquirida
com o tema nos Estados Unidos e em
alguns outros países da Europa ajudou
a encurtar o caminho dos profissionais
e das próprias empresas acerca do com-
pliance. “É como se tivéssemos pegado
um elevador diretamente para o quarto
da equipe ou conhece muito bem o ne-
gócio da empresa. O mercado aqui no
Brasil começou a exigir dos profissionais
que atuam em compliance uma vivência
que eles não têm”, diz a especialista. “A
vivência conta muito e hoje você prati-
camente não encontra no mercado um
gerente com cinco, seis anos de forma-
ção, de atuação”, emenda Shin Jae Kim,
sócia da área de compliance da banca
Tozzini, Freire e também referência so-
bre o tema no Brasil.
O SEGREDO ESTÁ NO
NEGÓCIO, NÃO NAS LEIS
Empreender mudanças culturais é
sempre um grande desafio para qual-
quer líder ou gestor de uma empresa.
Elas precisam de tempo para maturar
e tornarem-se efetivas. Nesse contexto,
o ambiente cultural e de negócios do
Brasil é particularmente desafiador para
os profissionais de compliance. “É sabi-
do que nós temos uma cultura de fazer
negócios baseada, muitas vezes, em re-
lacionamentos cujos limites às vezes são
cinzentos. Não que exista alguma vanta-
gem indevida ou corrupção. Mas existe,
sim, uma questão de relacionamento -
que alguns podem tratar como tráfico
de influência –, o que torna difícil fazer
uma mudança com a realidade de com-
pliance. Isso é um fato”, explica Shin.
Ou seja, a missão do compliance officer,
para além das funções básicas como dar
treinamentos e elaborar os códigos e po-
líticas da empresa, é muito mais encren-
cada e com nuances certamente muito
diferentes do que muitos dos profissio-
nais recrutados ou que entraram na área
poderiam supor.
E aí entra um ponto que tanto Shin
como Isabel apresentam como um pilar
central do trabalho de qualquer executi-
vo que vai atuar na área, não importan-
do o porte, o setor ou a nacionalidade
da empresa na qual vai atuar: entender
profundamente do negócio da empre-
sa. Esta tarefa vai muito além daquela
semana de integração pela qual o pro-
fissional passa quando chega a um novo
emprego e se torna um problema ainda
maior para aqueles que estão entrando
ÁREA DE COMPLIANCE
DA SIEMENS NO
BRASIL : grandes
estruturas de compliance
são exceções.
26 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015
PAPO DE COMPLIANCE CARREIRA
passava um dia por semana na empresa,
convivendo e aprendendo com eles so-
bre os negócios, entendendo a dinâmica
da empresa.”
O profissional de compliance precisa
entender que ao chegar numa empresa
já existe uma dinâmica de trabalho, es-
trutura, processos, sistemas, uma cultura
corporativa que não vai simplesmente se
ajustar ao que ele, enquanto profissio-
nal, julga ser as melhores práticas para
que a empresa atue em compliance.
Essa é uma vantagem que profissio-
nais que já atuam na companhia, ainda
que em outras áreas, quando promovi-
dos à função de compliance officer, têm
sobre os outros novatos na área. Afinal,
ele já está aculturado na empresa e co-
nhece as suas dinâmicas e peculiarida-
des. E se esse profissional tiver algum
grau de senioridade dentro da empre-
sa, ele terá muito mais facilidade para
se movimentar e conquistar a atenção
dos seus pares, fundamental na área de
desenvolver o programa de compliance
na área muito jovens, ou mesmo para
os recrutados mais experientes – qua-
se sempre advogados que atuaram em
escritórios de Direito, mas sem gran-
de vivência profissional em empresas.
“Você teve uma onda de profissionais
que fizeram cursos e se certificaram
como compliance officers. E é muito
lindo você aprender como funciona o
programa de compliance. Mas o real é
que você vai chegar numa empresa e vai
descobrir que aquele negócio não fun-
ciona daquele jeito. Você tem empresas
que não têm nem código. Aí você faz o
código e acha que as pessoas vão saber
fazer as coisas, mas não vão”, diz Shin,
para quem, não raro, o novo profissio-
nal de compliance também não sabe
exatamente como funciona .
Para Isabel Franco, do KLA Law, às
vezes a choradeira durante os encontros
e reuniões de compliance officers chega
a ser irônica. “Você olha para o profis-
sional e vê que é ele quem está no lugar
errado (e não está preparado para assu-
mir a função). É como querer colocar
um parafuso redondo em um espaço
triangular. Não vai dar certo”, pontua.
Advogados que sempre atuaram pelo
lado dos escritórios e migraram para atu-
ar no compliance de empresas estão en-
tre os que mais sofrem com o dia a dia
da nova função. “Tive um chefe que di-
zia que para um escritório de advocacia
entrar numa área nova é muito simples,
bastava ler todas as resoluções daquele
setor. E funciona. Eu mesmo participei
de processos desse tipo montando do
zero uma nova área de Telecom”, lem-
bra Isabel. “Mas, no compliance, isso é
impossível. Primeiro porque não existe
regulamentação. E depois porque você
precisa entrar e entender do negócio. E
cada negócio tem o seu modelo e as suas
peculiaridades”, diz. A própria Isabel re-
conhece que ter atuado por cinco anos
– ainda que como monitora – na Mon-
santo, uma das maiores companhias de
agronegócio do mundo, foi fundamen-
tal na sua formação em compliance. “Eu
ALUNOS DO CURSO
LEC: a formação
especializada é só o ponto
de partida da carreira.
www.lecnews.com.br	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 27
para toda a empresa. Por isso, é bastante
plausível supor que uma próxima leva
de compliance officers tenha origem nas
fileiras das próprias empresas.
ENTENDENDO O QUE O
PARCEIRO FAZ
“O compliance deve ser um parceiro
do negócio”. A afirmação, clássica em
apresentações de profissionais do setor,
representa a síntese do papel da área que
não é nada mais do que dar suporte para
que toda a empresa realize os seus ne-
gócios dentro de padrões éticos e legais,
com riscos diversos mitigados e com
eficácia. Tudo ocorrendo com naturali-
dade. Só que para oferecer esse suporte,
mais uma vez, é preciso entender como
a empresa opera e qual a dinâmica do
segmento onde ela atua, bem como cada
área da companhia funciona.
Para isso, não existe melhor caminho
do que ter a humildade de sair da cadei-
ra e gastar sola de sapato para conversar
com as pessoas de diferentes áreas da
empresa, perguntar sobre o que fazem
e se colocar à disposição delas. Shin Jae
Kim acredita que perguntar é a primei-
ra coisa que um compliance officer deve
fazer. “Ninguém deve ter medo de fazer
perguntas”, afirma. Ao mesmo tempo,
ela reforça que é preciso estar ciente de
que muita gente não vai ser tão legal
com você nesse processo. Mas é preci-
so entender como as coisas funcionam
para ser parceiro de fato. “Quem está
chegando agora não costuma ter sua voz
ouvida. Então é preciso tentar conversar
muito com as principais pessoas de cada
área. Quando você tem isso mapeado,
tudo funciona melhor. Ele (o complian-
ce officer) tem de navegar em todas as
áreas, se colocar à disposição, saber o que
falar, ser propositivo. E não é auditoria,
que olha para o passado e o que foi feito,
mas sim dar ideias de como melhorar os
controles e os processos para que a em-
presa possa crescer em ambientes com
melhor gestão de risco, lucrando mais”,
acredita Shin. “Na medida em que você
passa a ser um questionador, e consegue,
a partir desses questionamentos, ofere-
cer feedbacks e soluções que contribuam
para a evolução dos processos, você passa
a ser um parceiro de verdade e as pessoas
começam a te respeitar e a te procurar”,
emenda.
POLÍTICA DO BEM
Além de entender como funcionam os
negócios, os novos profissionais de com-
pliance precisam descobrir que são (ou
podem ser) os aliados que darão apoio
e suporte ao processo. Em empresas nas
quais a implementação do compliance
representa uma mudança cultural mais
drástica, ter essas pessoas ao seu lado é
ainda mais determinante. Como lembra
Shin, o profissional de compliance não
funciona se estiver isolado. “Se o profis-
sional achar que o trabalho dele é só dar
sugestão, monitorar e detectar (eventu-
ais irregularidades), vai dar errado. Esse
profissional só vai conseguir monitorar
e detectar se ele estiver inserido no am-
biente da empresa. Caso contrário, não
vai nem saber o que monitorar. Quem
nunca trabalhou não sabe como montar
uma área de compliance”, diz a advoga-
da do Tozzini, Freire.
Outro ponto fundamental é abrir
um canal de comunicação direto com a
alta administração. Em muitos casos, o
compliance officer é um gerente, porém,
na prática, ele atua sozinho, sem nin-
guém acima dele. O profissional precisa
se fazer ser visto pelo seu trabalho. Mas,
no dia a dia da grande maioria das em-
presas, encontrar um espaço na agenda
dos principais executivos é motivo de
guerra, assim como é bem provável e na-
tural que atender ao compliance officer
não esteja entre as principais prioridades
SHIN JAE KIM, DO
TOZZINI, FREIRE:
mercado exige dos
novos profissionais
de compliance uma
vivênciaque eles
não têm.
Não existe melhor caminho do que ter
a humildade de sair da cadeira e gastar
sola de sapato para conversar com as
pessoas de diferentes áreas da empresa,
perguntar sobre o que fazem e se colocar
à disposição delas.
28 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015
PAPO DE COMPLIANCE CARREIRA
desses executivos que têm de lidar com
assuntos de todas as áreas da empresa,
muitas delas mais importantes para a
sustentação do negócio do que a de
compliance.
Só que no mundo corporativo sem-
pre vai existir um momento em que lhe
será dada a chance de aparecer. E aí é
aproveitar a oportunidade, ter o timing
correto e assunto suficiente para amarrar
a conversa ou a apresentação, como ex-
plica Shin: “Você tem de ter sensibilida-
de e astúcia para convencer esses aliados
a te ajudarem a viabilizar o seu projeto.
Se você fizer uma colocação que, no
mínimo, suscite um pensamento, uma
análise da parte de quem participou da
apresentação, para os profissionais que
estão começando na área é um grande
trunfo”. A atitude profissional, a manei-
ra como o compliance officer expressa
sua posição é muito importante para
que a área ganhe magnitude dentro da
empresa.
NEGOCIAÇÃO PRÉVIA
Para evitar frustrações futuras, uma
dica é, sempre que possível, negociar na
entrada as condições de trabalho. Se a
empresa chama alguém por causa da lei,
esperando ter as vantagens que ela con-
cede a quem mantém um programa, a
função desse novo profissional está de-
terminada e ele terá uma ação limitada
a questões de corrupção, de elaboração
dos elementos mais básicos do programa
e só (ainda que as premissas apresenta-
das anteriormente continuem válidas,
mesmo com tais restrições de atuação).
Ele precisa entender porque a empresa o
está chamando. É importante conversar
isso desde o início para alinhar as expec-
tativas. Com maturidade, experiência
e vontade de fazer a diferença, eles se
expandem e contribuem também para
expandir a visão da empresa sobre o as-
sunto.
Compliance é muito mais do que
anticorrupção. É claro que para alguns
negócios esse é o aspecto fundamental.
Mas, para a maioria das empresas, de
fato, esse não é o ponto principal. Ques-
tões trabalhistas, fraudes internas, gestão
de risco, contratos com terceiros, con-
dutas comerciais, regulação de mercados
e muitos outros temas estão sob a área de
ação de um compliance officer.
Mais uma vez, entender o que a em-
presa faz é fundamental para que o pro-
fissional possa mapear e ter clareza dos
principais riscos, e fazer uma avaliação
geral do que será prioridade. Por isso, o
risk assessment – que nem todos os novos
profissionais fazem ou sabem fazer – é
tão importante. Dependendo da empre-
sa, o foco pode ser corrupção de agen-
tes públicos, em outra, haverá questões
mais ligadas ao Recursos Humanos ou à
conduta de funcionários. Para conversar
com a alta administração é preciso sa-
ber de todos esses riscos e saber colocar
como cada um deles impacta o negócio.
E a empresa terá de decidir o que fazer.
Com esse trabalho, o profissional poderá
ter uma atuação mais destacada.
Outro ponto de constante reclama-
ção por parte dos jovens compliance
officers é a falta de recursos para a área.
Nesse caso, o segredo é sempre ter um
plano A e B. Até porque os motivos
que levam a empresa a contingenciar
os recursos são variados e eles podem
acontecer realmente. Em caso de corte,
o profissional precisa saber quais são as
necessidades básicas e prioritárias e gerir
a área com os recursos disponíveis.
GERINDO EXPECTATIVAS
Tudo o que foi dito até aqui represen-
ta um retrato fiel da realidade de um
compliance officer e dos desafios que
Compliance é muito mais do que
anticorrupção. É claro que para alguns
negócios esse é o aspecto fundamental.
Mas, para a maioria das empresas, de
fato, esse não é o ponto principal.
ISABEL FRANCO, DO
KLA LAW: a vivência no
dia a dia de uma empresa
faz toda a diferença para
o compliance officer.
www.lecnews.com.br	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE	 29
Uma pesquisa realizada pela consultoria PwC no ano
passado revela o estado dos profissionais de compliance
nos Estados Unidos. E a conclusão é a de que a posição
de compliance officer caminha para um novo patamar, que
vai exigir dos profissionais novas habilidades e um
realinhamento do foco de atenção dos principais
executivos da área.
Segundo o estudo, os chefes de compliance
são muito qualificados para exercer suas
funções tradicionais como
dar treinamentos, definir
as políticas da área e gerir
os canais de denúncia da
companhia. Mas existem
oportunidades para que o
profissional de compliance
exerça um papel mais estratégico
no negócio na medida em que
consiga integrar a área de compliance
a toda a empresa. Para a PwC, assim como
os CFOs (chefes de finanças) e CIOs (de TI) são
responsáveis por supervisionar suas áreas em toda a
organização, independentemente de quem é o “dono”
daquele pedaço, os Chief Compliance Officers (CCO) devem
assumir o controle de medição e monitoramento dos
riscos do negócio, bem como da cultura ética. “Eles devem
concentrar-se menos na atividade de implementação e
de medição e mais na avaliação do impacto da execução
das medidas no próprio negócio. Como qualquer membro
integrante do C-suite, CCOs são - e devem ser - vistos
como peça fundamental para a execução da estratégia
organizacional”, diz o estudo.
O estudo da PwC traz quatro dicas para um CCO ser
mais estratégico para a empresa:
CONSTRUA UMA VISÃO DE FUTURO: a organização tem
uma visão clara do que espera do seu CCO e de como
ele deve se relacionar com os negócios? Aprender com
a evolução dos “chefes” de outras áreas pode ajudar o
profissional a formatar um compliance que alcance
toda a empresa.
ESTABELEÇA UMA REDE DE
RELACIONAMENTOS
E UM CONJUNTO DE
HABILIDADES ALÉM DAS
FUNÇÕES DE APOIO:
tipicamente a área de
compliance atua muito em
conjunto com o jurídico,
o RH e a auditoria. Mas
os CCOs e suas equipes
devem se esforçar para estarem
mais próximos do negócio em
todos os níveis. Manter um conjunto
de ferramentas de análises e operações
na equipe de compliance vai permitir maior
envolvimento e melhor desempenho.
CONECTE-SE COM A ESTRATÉGIA: melhores habilidades
de negócios podem ajudar a melhorar a compreensão
da estratégia organizacional e os riscos de compliance
associados, além de permitir que o compliance apoie de
forma mais eficaz a busca por metas corporativas.
CRIE RELATÓRIOS RELEVANTES: aperfeiçoar os relatórios
de compliance pode ajudar a dar relevância ao trabalho
junto aos membros do conselho, líderes seniores e
parceiros de negócios.
NOVOS PAPÉIS PARA OS CCO’s
os novatos precisam enfrentar no dia a
dia. Mas isso não significa que a pro-
fissão não ofereça as oportunidades, e
muito menos, que não possa proporcio-
nar satisfação profissional e pessoal para
quem atua na área. Pelo contrário. As
oportunidades existem, e os novos pro-
fissionais, tão logo vençam a fase inicial
e mais dura do aprendizado na prática,
estarão prontos para voos mais altos e
com a demanda por talentos para a área
nas alturas.
Em uma pesquisa realizada pelo
Tozzini, Freire, 80 entre 100 empres-
sas disseram que vão investir mais na
área de compliance na comparação
com o ano anterior. Por isso, é preci-
so controlar as expectativas atuais e
saber lidar com a ansiedade. “Os pro-
fissionais de compliance têm desafios
pela frente como em qualquer outra
função. A frustração talvez seja maior,
pois é preciso lidar com muitas mu-
danças, e sem uma virada de chave, a
coisa não funciona. E mesmo quando
se percebe a necessidade da mudança
nem sempre ela acontece na velocida-
de esperada pelo profissional. Não dá
para ser ansioso, afobado. É preciso dar
continuidade”finaliza Shin Jae Kim.
LEC NEWS – ANTICORRUPÇÃO
30			 	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE			 Nº 09 - Março / 2015
A
gigante francesa do ramo
da engenharia Alstom se
declarou culpada de man-
ter um grande esquema
que resultou no pagamento de deze-
nas de milhões de dólares em propina
ao redor do mundo, incluindo países
como Indonésia, Egito, Bahamas e
Arábia Saudita. Como parte do acor-
do, a Alstom concordou em pagar
uma multa de US$ 772,2 milhões. A
cifra gigantesca coloca a companhia
francesa na vice-liderança das maio-
res multas por violação ao FCPA da
história. Bem pertinho dos US$ 800
milhões aplicados à alemã Siemens,
no caso que deu início à fase das
multas milionárias por corrupção es-
trangeira. Subsidiárias da Alstom na
Suíça e nos EUA também celebraram
acordos, admitindo que conspiraram
para violar as disposições anti-subor-
no do FCPA.
O caso é emblemático pelo tempo
investido e pelos recursos – humanos
e financeiros – alocados por diferen-
tes divisões do governo dos Estados
Unidos para concluí-lo, o que virou
quase uma “questão de honra” para as
autoridades do país. O anúncio do en-
cerramento do caso foi feito por altos
dirigentes do Departamento de Justiça
(DoJ) e também do FBI, a polícia fe-
deral norte-americana.
“O esquema de corrupção na Als-
tom foi sustentado por mais de uma
década e por vários continentes”, disse
o procurador-geral adjunto do DoJ,
James Cole. “(O caso) foi surpreen-
dente na sua amplitude, na sua audá-
cia e nas suas consequências em todo
o mundo. E é tanto minha expectativa
- e minha intenção - que a resolução
abrangente envie uma mensagem ine-
quívoca para outras empresas em todo
o mundo: a de que este Departamento
de Justiça será implacável em erradicar
Em segundo, por pouco
e punir a corrupção em toda a exten-
são da lei, não importa a sua dimensão
ou quão assustadora seja a acusação”.
“Este caso é emblemático por
como o Departamento de Justiça vai
investigar e processar casos de viola-
ções ao FCPA - e outros crimes cor-
porativos”, disse a procuradora-geral
assistente Leslie Caldwell. “Nós incen-
tivamos as empresas a manter progra-
mas de compliance robustos, a divul-
gar voluntariamente e erradicar a má
conduta quando ela é detectada, e a
cooperar na investigação do governo.
Mas nós não vamos esperar as empre-
sas agirem de forma responsável. Com
cooperação ou sem, o DoJ irá identifi-
car a atividade criminosa em corpora-
ções usando todos os nossos recursos,
empregando todos os instrumentos de
aplicação da lei, e considerando todas
as ações possíveis, incluindo acusações
contra as corporações e indivíduos”.
“A resolução histórica é um lem-
brete importante de que o nosso man-
dato moral e legal para acabar com
a corrupção não para em qualquer
fronteira, seja ela municipal, estadual,
ou nacional”, disse o primeiro assis-
tente do procurador-geral no estado
de Connecticut, Michael Gustafson.
“Uma parte significativa deste traba-
lho ilícito, infelizmente, foi realizada a
partir de escritórios da Alstom Power
em Windsor, no estado de Connecti-
cut. Tenho esperança de que esta reso-
lução, e em particular o acordo firma-
do com a Alstom Power, irá fornecer à
empresa uma oportunidade de remo-
delar a sua cultura e restaurar seu lugar
como uma corporação respeitada”.
“Esta investigação durou anos e cru-
zou continentes com agentes dos escri-
tórios de campo do FBI em Washington
e New Haven realizando entrevistas e re-
colhendo provas em todos os cantos do
mundo”, disse Robert Anderson, diretor
executivo assistente do FBI. “O valor
recorde em dólares da multa é um im-
pedimento claro para as empresas que se
envolvem em suborno estrangeiro, mas
um impedimento ainda melhor é que
vamos enviar os executivos que come-
tem esses crimes à prisão”.
De acordo com as admissões, a
Alstom, por meio de vários executi-
vos e empregados, pagou subornos a
funcionários do governo e falsificou
registros em livros contendo projetos
de energia, rede elétrica e de trans-
porte para entidades estatais em todo
o mundo. No total, a empresa fran-
cesa pagou mais de US$ 75 milhões
em subornos para obter US$ 4 bi-
lhões em projetos ao redor do mun-
do, com um lucro para a empresa de
PATRICK KRON, CEO DAALSTOM:
a demora da empresa em admitir o
crime e colaborar com as investigações
contribuiu para salgar o valor da multa.
www.lecnews.com.br 		 	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 		 	 	 31
aproximadamente US$ 300 milhões.
Um dos pontos que pesou contra
a empresa é que, durante quase todo
o período de investigações, a empresa
tentou esconder o esquema de suborno
por meio de consultorias supostamen-
te contratadas para prestar serviços em
nome da Alstom e de suas subsidiárias.
Mas, na verdade, esses consultores ser-
viram como canais para pagamentos
corruptos a funcionários do governo.
Documentos internos da empresa refe-
rem-se a alguns dos consultores em có-
digo, incluindo “Mr. Genebra”, “Mr.
Paris”, “London” e “velho amigo”. No
ano passado, em meio às denúncias
que se avolumavam em vários países
onde opera, a Alstom decidiu que não
iria mais usar consultores para inter-
mediar seus negócios.
AJUDA NA MARRA
A cooperação da Alstom com as in-
vestigações só ocorreu após cobranças
públicas do DoJ a vários executivos da
empresa. Após esse chacoalhão, a com-
panhia passou a atender as demandas
das autoridades com profundidade,
inclusive auxiliando a promotoria na
investigação de outras empresas e indi-
víduos. “Tivemos uma série de proble-
mas no passado e nos arrependemos
profundamente disso. No entanto, o
acordo fechado com o DoJ nos per-
mite deixar essa questão para trás e a
continuar nossos esforços para garan-
tir que os negócios sejam realizados
de maneira responsável e consistentes
com os mais altos padrões de ética”,
disse o CEO da Alstom, Patrick Kron.
Segundo o executivo, a Alstom vem fa-
zendo progressos significativos na área
de compliance ao longo dos últimos
anos. Segundo ele, o monitor externo
que acompanha o trabalho da empresa
por conta de um acordo com o Banco
Mundial feito em 2012 confirmou que
o programa de compliance da compa-
nhia está rodando.
Até o momento, o departamento
anunciou acusações contra cinco indi-
víduos, incluindo quatro executivos de
empresas da Alstom, por alegada con-
duta corrupta envolvendo esta.
Frederic Pierucci, o ex-vice-pre-
sidente das vendas globais de caldei-
ras da Alstom, David Rothschild e
William Pomponi, ambos ex-vice-pre-
sidentes de vendas regionais da Als-
tom Power, se declararam culpados de
conspiração para violar o FCPA, entre
2012 e 2014.
Lawrence Hoskins, o ex-vice-presi-
dente sênior da Alstom para a região
da Ásia, foi acusado em um segundo
indiciamento em 30 de julho de 2013
e está pendente de julgamento no Dis-
trito de Connecticut, marcado para
junho próximo. As acusações contra
Hoskins são apenas alegações, e ele
tem presunção de inocência, a menos
– e até – que se prove sua culpa.
Além disso, um membro do alto
escalão do parlamento indonésio foi
condenado por aceitar subornos da
Alstom. Ele está cumprindo pena de
prisão de três anos. Já Asem Elgawha-
ry, gerente geral de uma entidade que
atua em nome da Egyptian Electricity
Holding Company, uma empresa esta-
tal de eletricidade, se declarou culpado
em dezembro do ano passado em um
tribunal federal no Distrito de Ma-
ryland por acusações de lavagem de
dinheiro e fraude fiscal e por aceitar
propinas da Alstom e outras empresas.
Elgawhary concordou em passar 42
meses na prisão e a devolver cerca de
US$ 5,2 milhões em receitas.
l NÃO COMUNICAR O CASO ÀS AUTORIDADES: ainda
que ciente da má conduta relacionada a uma filial nos Es-
tados Unidos, que anteriormente já havia enfrentado acu-
sações de corrupção pelo DoJ por um projeto de energia
na Itália, a Alstom não avisou às autoridades de que algo
poderia estar novamente errado em uma de suas empre-
sas nos EUA;
l FALTA DE COOPERAÇÃO: durante vários anos da investi-
gação, a Alstom não cooperou plenamente com o DoJ;
l ESCALA GLOBAL: a má conduta da empresa se esten-
deu por muitos anos, por vários países ao redor do mundo
e em várias linhas de negócios da empresa, além de en-
volver esquemas sofisticados para subornar funcionários
de alto nível nos governos;
l SEM COMPLIANCE: a companhia não tinha um programa de
compliance efetivo nem um programa de ética no período em
que os crimes aconteceram;
l HISTÓRICO DE PROBLEMAS: condutas criminosas anterio-
res já tinham custado àAlstom resoluções contrárias de vários
países e do Banco Mundial.
As autoridades americanas fizeram questão de frisar os diversos aspectos da investigação que contribuíram para elevar
exponencialmente o valor da multa imposta aos franceses, entre eles:
O DESCASO QUE SAIU BEM CARO
ROBERT ANDERSON, DO FBI: o
governo dos EUA empreendeu uma
verdadeira cruzada contra a Alstom.
LEC NEWS – ANTICORRUPÇÃO
32			 	 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE			 Nº 09 - Março / 2015
A
Smith & Ouzman Ltd.,
uma empresa britânica
cujas origens remontam a
1845, foi condenada como resulta-
do de uma investigação do Serious
Fraud Office sobre pagamentos de
propinas realizados a agentes públi-
cos estrangeiros para obter contra-
tos para a empresa.
Os pagamentos ilícitos soma-
ram 395 mil libras esterlinas e
foram feitos a funcionários públi-
cos para contratos de negócios no
Quênia e na Mauritânia. A Smith
& Ouzman é especializada em so-
luções de impressão de segurança
como cédulas de votação, talões de cheque, certificados e
títulos de tesouro.
Dois diretores da empresa também foram condenados
no julgamento.
Seu presidente, Christopher John Smith, de 72 anos, foi
condenado a 18 meses de prisão por duas acusações de con-
cordar em pagar suborno. A pena ficará suspensa por dois
anos. Ele também foi condenado a cumprir 250 horas de tra-
balho não remunerado e deverá
cumprir três meses de reclusão.
Já Nicholas Charles Smith, di-
retor de Vendas e Marketing da
empresa, foi condenado a três
anos de prisão por três acusa-
ções de concordar em pagar su-
borno. Os dois também ficarão
legalmente impedidos de atuar
como diretores da empresa por
seis anos.
A sentença da empresa,
condenada pelos mesmos três
crimes, será proferida em outu-
bro deste ano.
“Esta é a primeira conde-
nação do SFO - efetivada após um julgamento - de uma
empresa por crimes envolvendo o suborno de funcionários
públicos estrangeiros. Essa criminalidade, seja ela praticada
por empresas grandes ou pequenas, prejudica severamente
a reputação comercial do Reino Unido e alimenta a gover-
nança corrupta no mundo em desenvolvimento. Estamos
muito gratos às autoridades quenianas pela sua assistência
neste caso”, comemorou o diretor do SFO, David Green.
Não importa o tamanho
Depois de “recolher” vários in-
tegrantes graduados e outrora
poderosos do governo chinês
e de empresas estatais (boa parte deles
composta por inimigos políticos), a ba-
talha travada pelo presidente da China,
Xi Jinping contra a corrupção no país
asiático ganha um novo alvo.
O Partido Comunista Chinês, que
é de fato quem exerce o poder no país,
comunicou o lançamento de uma in-
vestigação pelo período de um ano so-
bre o salário dos militares. A informa-
ção foi divulgada pela imprensa oficial
após revelações de casos de corrupção
nas forças armadas virem à tona. A
Em cima dos militares
Comissão Militar Central da China, li-
derada pelo presidente Xi Jinping, vai
conduzir a investigação que deve abarcar
todos os escalões da área militar. A super-
visão ficará sob responsabilidade do chefe
do departamento de logística do exército,
Zhao Keshi. Segundo a imprensa oficial,
a apuração será focada em “toda a cir-
culação de dinheiro, recibos e despesas”
a fim de encontrar provas de desfalque.
Segundo o partido, a corrupção é uma
ameaça chave à campanha de moderni-
zação militar, um processo que ao longo
dos últimos anos vem aumentando subs-
tancialmente o orçamento das forças ar-
madas no país.
O PODEROSO ZHAO KESHI COM
O PRIMEIRO MINISTRO DA NOVA
ZELÂNDIA: investigações em um setor
bilionário e complicado.
CHRISTOPHER JOHN SMITH (AO CENTRO), EM EVENTO
NA SOMÁLIA: ainda que pequeno, nenhum negócio pode
atuar fora das regras do jogo.
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  • 3. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 03 LEC SUMÁRIO 6. Especial Uma visão da área de compliance em alguns dos principais mercados da América Latina. A primeira publicação de negócios com foco em Compliance do Brasil Idealizador: Daniel Sibille Diretora: Alessandra Gonsales Gestor de Comunicação: Renato Paim – renato@lecnews.com Editora LEC Rua Martin Afonso, 150 - Belenzinho 03057-050 São Paulo – SP contato@lecnews.com www.lecnews.com REDAÇÃO E EDIÇÃO Fundador: José Luiz de Paula Jr. Editor e Publisher: Aûani Cusma de Paula Colaboraram nesta edição: Rafael Mendonça, Beatriz Ces (Textos), Heloisa Barros (revisão) e Eber Almeida (Arte) Cusman Editora Especializada Ltda Rua Dom Duarte Leopoldo, 678 – Cambuci 01542-000 São Paulo – SP Fone: (11) 3392-2584 auani@cusmaneditora.com.br 14. LEC News É nos países ricos que as propinas mais são pagas. 30. LEC News – Anticorrupção O governo dos EUA conseguiu enquadrar a Alstom. 46 – PLD Os riscos de fazer parte de uma operação criminosa devem servir de alerta para novos setores da economia sobre as políticas de PLD. A revista LEC não se responsabiliza pelas informações emitidas por terceiros. 50 – Pilares do Compliance O bom compliance officer é pró-negócios. 44 – LEC News – PLD A Europa aperta o cerco contra a lavagem de dinheiro. 18. Entrevista O novo ministro da CGU, Valdir Simão, fala com exclusividade à LEC. 24. Papo de Compliance A carreira de compliance exige muitos talentos que só podem ser aprendidos com a vivência do dia a dia. E os jovens profissionais precisam aprender a lidar com isso. 21. Papo de Compliance As tendências para ficar de olho em 2015. 38. Legislação O estado de Goiás criou a sua própria legislação anticorrupção. 41. LEC News – RH O recorrente problema das terceirizações de mão de obra. As oportunidades no setor de centros de saúde estão abertas aos estrangeiros. Será que as empresas daqui estão propntas para aproveitá-las? 42 – Setorial – Farma 33. Mercado O dilema de oferecer ao mercado e aos auditores um valor crível para a corrupção.36. Mercado A nova diretoria de Governança, Risco e Conformidade da Petrobras é superlativa.
  • 4. LEC EDITORIAL 4 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 A beleza da profissão de compliance officer é que ela te obriga a aprender e a se reciclar permanentemente A América Latina é um lugar único para os pro- fissionais de compliance. O ambiente corpo- rativo é permeado pelas relações pessoais de modo que parceiros de negócios se tornam “melhores amigos” em pouquíssimo tempo. O calor humano das pessoas dessa região certamente con- tribui para isso, tornando mais fácil a interação entre os indivíduos e, no entanto, menos claras as relações de negó- cios, em muitos casos. Não que exista maldade sempre, mas é inegável a possibilidade de ocorrer um maior número de deslizes quando as relações são menos estritamente profis- sionais . Esse é apenas um dos aspectos que torna a América Latina um campo fértil para os profissionais de compliance. A este se somam uma tradição de governos intervencionis- tas, estatais de grande peso na economia, falta de capacida- de para executar as legislações já existentes e por aí vai. Na reportagem especial desta edição da LEC, você vai poder entender a dinâmica de alguns mercados da região e desco- brir que muitos dos problemas e desafios que os profissio- nais de lá enfrentam, já foram enfrentados por aqui. De algum modo, isso reforça a liderança do Brasil na área, mas não significa dizer que somos um celeiro de “craques” do compliance. O potencial existe e a base que está sendo criada - com muitos jovens correndo atrás do conhecimento especia- lizado na área - é bastante promissora. Mas a formação de um compliance officer demanda mais. A maturidade para tomar as decisões difíceis, algo recorrente na profissão, vem com o tem- po, das experiências vividas no dia a dia do negócio, de muita sola de sapato gasta e, principalmente, da convivência com pessoas de diferentes áreas e níveis hierárquicos. Infelizmente, são habilidades que não podem ser aprendidas na escola. É preciso viver para adquiri-las. E é isso que os jovens profissio- nais de compliance precisam compreender para serem bem- -sucedidos em suas respectivas carreiras. Se focar no trabalho e tiver humildade e paciência para aprender, em pouco tempo, o mercado terá à disposição um profissional verdadeiramente preparado para lidar com os desafios do compliance. Vítima ou cúmplice? Em tempo. Será interessante ver num futuro próximo o “em- bate” conceitual (mas com reflexos bastante concretos) sob os tratamentos conflitantes que serão oferecidos à Petrobras pela Justiça brasileira e de outros países nos casos de corrupção. As autoridades por aqui, inclusive a CGU, vêm dando a en- tender que a empresa estatal é exclusivamente vítima de uma quadrilha que a dilapidou por mais de 10 anos. Mas não é certo a estatal querer posar de santa a essa altura dos acontecimentos. A Petrobras de fato teve o seu patrimônio lesado por um grupo de corruptos. Ninguém discute isso. O problema é acreditar que uma empresa do seu porte – com ações em bolsas no Brasil e nos EUA e operando num setor historicamente complicado – não dispusesse de controles mí- nimos para identificar esses problemas. Alguns deles, crassos. Não são raros os que apresentam desafios à lógica e ao sen- so comum. O superfaturamento de obras como a Refinaria Abreu e Lima era público, notório e evidente. Só a direção da estatal, sofrendo de cegueira voluntária, não viu. Para começar a reverter os estragos, entre outras medidas, a petroleira criou uma diretoria de Governança, Risco e Con- formidade. Sua estrutura será proporcional ao tamanho do problema: serão 362 profissionais sob o guarda-chuva da nova área. Mas, como até um principiante na área já sabe, para o programa de compliance dar certo, o tom tem que vir do topo. Será que agora ele virá? Boa leitura! Oportunidades para quemtemvisão Alessandra Gonsales Sócia-fundadora contato@lecnews.com EDITORIAL.indd 4 06/03/2015 16:08:17
  • 6. 6 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 E squeça a objetivida- de norte-americana, a frieza e a sisudez europeia e o forma- lismo dos asiáticos. Na América Latina, é sempre preciso “quebrar o gelo” antes de entrar na discussão de negócios propriamente dita. Por isso, ainda que não exista um vínculo pessoal minimamente profundo entre as pessoas presentes, elas querem saber como estão suas respectivas famílias, como foi o final de semana, o que se pensa sobre isso ou aquilo... Em suma, nada muito diferente do que acontece aqui no Brasil. Também há certa necessidade de autoafirmação. Os latino-americanos respeitam (ou temem) quem faz uso da autoridade, muitas vezes con- fundida erroneamente com firmeza, quando muitas vezes não é nada mais do que uma falta de educação. Certo gosto pelo autoritarismo não chega a ser novidade numa região na qual to- dos os principais países sofreram com ditaduras militares truculentas. Mas as semelhanças não param por aí. A intensidade das relações in- terpessoais no ambiente de negócios, o que por si só já configura um risco de deixar compliance officers do he- misfério Norte de cabelo em pé – até que eles consigam nos entender –, Terreno fértilNa América Latina, os relacionamentos interpessoais têm uma importância na realização de negócios de todos os portes e naturezas sem igual. Por isso a abordagem sobre o compliance para a região é tão única e complexa ESPECIAL AMÉRICA LATINA
  • 7. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 7 se estende muitas vezes pelas esfe- ras do poder público. E aí tudo fica bem mais complicado. Boa parte da economia da região está baseada em recursos naturais como minérios e metais, petróleo e produtos agrícolas. Setores estes sempre muito regulados pelo Estado. A soma dessa cultura de relacionamentos pessoais, somada à tradição estatal e intervencionista da região, funciona como um rastilho de pólvora. Não é à toa que tantos es- cândalos de corrupção aconteçam na região e que Colômbia, México, Peru e Argentina, quatro dos cinco países cobertos por essa matéria, alcancem colocações péssimas no ranking de corrupção da Transparência Interna- cional. Todos eles estão ao redor da 100º posição. Ponto fora da curva, o Chile está entre os 25 países me- nos corruptos do mundo e é líder na América Latina. Apesar de altamente dependente do cobre, o Chile estabe- leceu um modelo de governança eco- nômica e administrativa, incluindo a gestão de recursos públicos gerados pelo metal, o que o diferencia na re- gião. O Brasil está no meio do cami- nho entre as duas realidades. Outro ponto de convergência é o fato de os países latino-americanos aprovarem boas leis, algumas até bas- tante sofisticadas do ponto de vista de detalhamento e abrangência. Só que na América Latina de maioria cristã, o diabo vive nos detalhes e a execução dessas leis parece ser um detalhe com o qual os governos locais não se pre- ocupam muito. Quando elas são san- cionadas, surgem grandes discursos e mobilização dos governos, e isso vem acontecendo com mais frequência na região. Mas, tão logo os holofotes se apagam, a sensação é de que a nova lei já cumpriu o seu papel, mas, na prática, as leis acabam não sendo le- vadas tão a sério como poderiam. Para entender melhor o estado atual da área de compliance em qua- tro dos mais importantes mercados da América Latina, LEC consultou pro- fissionais renomados no assunto em seus respectivos países. Nas próximas páginas Fernando Cevallos, diretor de Compliance da Control Risks, no México; Hugo Sutil, gerente de Pre- venção e Investigação de Fraudes da EY Chile; Gabriel Cecchini, coorde- nador do Centro para Transparência e Governança da IAE Business Scho- ol, de Buenos Aires, na Argentina e Sandra Orihuela, sócia da boutique Orihuela Abogados, com escritórios em Lima, no Peru e Miami (EUA) compartilham suas opiniões e visões sobre os avanços e também os desa- fios para a evolução do compliance nesses mercados. PASSEO AHUMADA, EM SANTIAGO, NO CHILE: o país é um ponto fora da curva no ambiente de negócios da América Latina.
  • 8. 8 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 ESPECIAL AMÉRICA LATINA Foram feitos avanços importantes na política pública de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro nos países da América Latina? Fernando Cevallos (México): Sim, México, Colômbia e Brasil estão amadurecendo nestes aspectos. No en- tanto, o que está em vigor ainda é pou- co executado na prática. Esse será um aspecto fundamental para sabermos o nível real de comprometimento desses governos em relação ao combate à cor- rupção e ao crime organizado. Hugo Sutil (Chile): Nos últimos anos, o Chile tem progredido nesse aspecto com duas leis importantes, como a Lei de Responsabilidade Cri- minal da Pessoa Jurídica (20.393) e a Lei 19,913, que cria a UAF (Unidade de Análise Financeira) e altera várias disposições relativas à lavagem de di- nheiro. Gabriel Cecchini (Argentina): Em 2011, o Código Penal argentino foi alterado para incluir a lavagem de dinheiro nas empresas. A Argentina é membro e participante ativo da Con- venção das Nações Unidas sobre An- ticorrupção, bem como da Convenção Interamericana contra a Corrupção (MESICIC). O país também é mem- bro da Convenção Anticorrupção da OCDE, embora, neste caso, sua apli- cação tem sido limitada. A Argentina não conta com uma legislação como o FCPA (EUA) ou a Lei da Empresa Limpa (Brasil) – ainda que a OCDE tenha recomendado recentemente que o país sancionasse uma lei neste sen- tido. A mesma organização também recomendou a introdução de uma le- gislação para proteger os denuncian- tes em casos de corrupção. Em 2012, o governo federal criou uma unidade especializada chamada Procelac, que se encarrega de investigar e colaborar em casos de lavagem de dinheiro, frau- de e recuperação de ativos roubados. Um portal online do governo federal foi criado permitindo que indivíduos e empresas possam localizar informações úteis sobre os serviços públicos. E, por fim, existe a Lei de Liberdade de In- formação, uma legislação federal que permite a visualização e a pesquisa de dados públicos. Sandra Orihuela (Peru): Alguns avanços legais importantes para o com- bate à corrupção ocorreram recente- mente no Peru. A Lei 30.111 que intro- duz a imposição de multas por crimes de corrupção, a Lei 30.124, que altera a definição penal do agente público, bem como a Lei 30.161 e seus regulamentos que exigem uma declaração juramenta- da dos rendimentos, bens e renda rece- bida pelos funcionários públicos foram promulgadas. Além disso, várias enti- dades governamentais uniram esforços para identificar e fornecer informações sobre as ações e investigações judiciais em curso envolvendo corrupção, terro- rismo, tráfico de drogas e outros supos- tos crimes de candidatos políticos. Do mesmo modo, um sistema de inscrição online de visitantes exige que entida- des governamentais publiquem, em tempo real, os nomes de quem visitou seus funcionários. São ações que con- tribuem para aumentar a transparência e gerar mecanismos de controle social no país. Talvez o avanço mais significativo no combate à corrupção é o esforço políti- co liderado pela Comissão Anticorrup- ção para inserir o Peru na Convenção da OCDE por meio de projetos legisla- tivos que atribuam a responsabilidade penal às empresas envolvidas em cri- mes de suborno. Segundo as leis peru- anas, só a pessoa física que cometeu o crime pode ser julgada – não a empresa –, incluindo o crime de corrupção de um funcionário público estrangeiro. No momento, existem dois projetos de lei para regular a responsabilidade pe- nal das empresas envolvidas em crimes de suborno. O primeiro foi aprovado pela Comissão Anticorrupção em de- zembro de 2013 e apresentado ao Con- gresso em 10 de setembro de 2014. Sob o nº 3851/2014-CR, a “lei que regula a responsabilidade criminal das empre- sas e impõe sanções a pessoas jurídicas em matéria de corrupção” busca alterar parcialmente o artigo 105 do Códi- go Penal peruano. O projeto aguarda aprovação pela Comissão Parlamentar Mista de Justiça e Direitos Humanos. Um segundo projeto de lei aprovado pela Comissão Anticorrupção foi apre- sentado ao Congresso em 3 de dezem- bro de 2014, sob o nº 4054/2014-PE, “lei que regula a responsabilidade pe- nal autônoma para pessoas jurídicas em crimes de corrupção”. Ele visa impor O setor privado não parece apoiar os projetos legislativos que visam regular a responsabilidade penal autônoma para as empresas envolvidas especificamente em crimes de suborno. Sandra Orihuela
  • 9. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 9 BOLSA DE VALORES DE BUENOS AIRES, NAARGENTINA: falta de clareza nas regras e o modo como elas são executadas dificultam os planos de longo prazo nas empresas. RANKING DE PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO DOING BUSINESS 2015 MEMBRO DA OCDE? PAÍS STATUS Chile Sim México Sim Argentina Não. Mas é signatário da convenção de combate à corrupção Brasil Não. Mas é signatário da convenção de combate à corrupção Colômbia Não. Mas é signatário da convenção de combate à corrupção Peru Não. Está em processo de adesão ao tratado de combate à corrupção ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO O indicador da ONU surge como um contraponto ao tamanho do PIB, avaliando os países não só pela sua dimensão econômica, mas também por indicadores de saúde, educação, sustentabilidade, participação e renda. PAÍS POSIÇÃO ÍNDICE Chile 41º 0,822 Argentina 49º 0,808 México 71º 0,756 Brasil 79º 0,744 Peru 82º 0,737 Colômbia 98º 0,711 PAÍS POSIÇÃO ÍNDICE Chile 21º 73 Brasil 69º 43 Colômbia 94º 37 Peru 103º 35 México 103º 35 Argentina 107º 34 Fonte: Banco MundialFonte: Transparência Internacional/2014 O ranking leva em conta uma série de indicadores para classificar a facilidade para fazer negócios dentro dos diferentes países PAÍS POSIÇÃO ÍNDICE Colômbia 34º 72,29 Peru 35º 72,11 México 39º 71,53 Chile 41º 71,24 Brasil 120º 58,01 Argentina 124º 57,48
  • 10. 10 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 ESPECIAL AMÉRICA LATINA responsabilidade penal à própria pes- soa jurídica, dissociada da responsabi- lidade do agente individual. A lei seria aplicável a todas as entidades privadas – incluindo as associações não registra- das, fundações e comissões e empresas irregulares – envolvidas em crimes de corrupção estabelecidos nos artigos 384, 387, 397-A, 398 e 400 do Códi- go Penal peruano. Este projeto de lei aguarda aprovação pela Comissão Par- lamentar Mista de Descentralização, Regionalização, governos locais e Mo- dernização da Gestão Governamental. Se aprovados, os projetos de lei poderão ser apresentados na próxima agenda do Congresso para sua revisão e eventual aprovação ou rejeição. Apesar de ambos os projetos de lei aguardarem a aprovação pelas Comis- sões Parlamentares no Congresso pe- ruano, o esforço político permitiu ao país tornar-se membro participante do Grupo de Trabalho da OCDE sobre suborno em transações de negócios in- ternacionais. Os avanços são dignos, mas o país ainda não foi capaz de avançar com importan- tes peças de legislação anticorrupção, que abordam matérias significativas como a imposição de responsabilidade corporativa penal; a retirada de um es- tatuto de limitações para crimes de cor- rupção; a duplicação do prazo de pres- crição em curso, chamada de “morte civil”, para os devedores de pagamentos de reparação por crimes contra o Esta- do; e a exigência de que lobistas devem declarar os interesses que representam; bem como os regulamentos para prote- ger denunciantes e testemunhas. Qual é o papel das empresas pri- vadas na divulgação dos temas re- lacionados à ética e compliance no país? E como as empresas locais es- tão inseridas neste movimento? Fernando Cevallos (México): De- pois de viver e trabalhar por muitos anos no Brasil e hoje vivendo no Mé- xico, eu posso comparar os dois paí- ses. O México hoje é como o Brasil no início de 2009, quando o tema com- pliance começou a aparecer, mas, ain- da assim, era difícil escutar a palavra corrupção publicamente em reuniões. Este é um exercício que está em curso e as multinacionais no México estão tomando a liderança nessa onda do compliance, algo muito semelhante ao que aconteceu no Brasil. Nos outros países da região, a Colômbia está se inserindo nessa tendência, bem como Peru em alguns aspectos. Já o Chile está mais maduro e tem abordagens mais públicas sobre ética e conformi- dade. Os outros países, incluindo os da América Central, ainda estão em estágio muito primário - ou mesmo nulo - em alguns casos. Hugo Sutil (Chile): O papel das empresas privadas é fundamental nesta matéria, uma vez que elas são o alvo da maior parte desta nova regulamenta- ção e têm a responsabilidade de imple- REGIÃO DO MERCADO CENTRAL EM LIMA, CAPITAL DO PERU: o governo quer o país como signatário da Convenção Anticorrupção da OCDE. Mas o setor privado não tem colaborado para isso.
  • 11. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 11 mentar medidas internas em relação a esses aspectos éticos e de compliance exigidos por lei. Gabriel Cecchini (Argentina): As subsidiárias das grandes multinacio- nais na Argentina desempenham um papel crucial na promoção e na divul- gação da ética e da conformidade por meio da implementação de ferramen- tas e programas de compliance cada vez mais sofisticados - com agentes de compliance em tempo integral, trei- namentos online e interativos, canais de denúncia etc. Elas acabam definin- do o padrão para o resto do ambien- te corporativo, incluindo a sua cadeia de negócios, como grandes, médias e pequenas empresas locais. As ações coletivas são outra ferramenta inte- ressante que as empresas estão come- çando a usar localmente para nivelar o campo de jogo em um setor especí- fico ou por projeto. Funcionam como um pacto de integridade, uma decla- ração anticorrupção ou um acordo de princípios, estabelecendo que todas as empresas envolvidas colaborem no estabelecimento de novos padrões de integridade de uma forma proativa, ajudando a complementar os esforços realizados no setor público. Sandra Orihuela (Peru): As em- presas locais têm sido incluídas nas discussões do governo peruano para buscar a adesão à Convenção da OCDE. O setor privado não parece apoiar os projetos legislativos que vi- sam regular a responsabilidade penal autônoma para as empresas envolvidas especificamente em crimes de subor- no. Atualmente, a lei peruana prevê que apenas os indivíduos podem ser criminalmente responsáveis por come- ter um delito. As empresas não estão sujeitas à responsabilidade penal; no entanto, elas podem estar sujeitas a certas sanções administrativas e de res- ponsabilidade civil em casos de ações relacionadas com a corrupção. Existe alguma peculiaridade cultu- ral importante no que diz respeito à forma como os negócios são reali- zados no país e que, por desconhe- cimento, pode ser mal interpretada pelos profissionais e empresas es- trangeiras? Fernando Cevallos (México): O México é um país grande como o Brasil. Na capital, Cidade do México, tudo é mais formal e os negócios giram em tor- no do governo federal. É comum você ver executivos tomando café da manhã com qualquer figura política e isso não quer dizer que eles estão tratando de qualquer assunto suspeito, mas depen- dendo de como as pessoas percebem aquele encontro e começam a especular isso pode gerar um mal-entendido. Na verdade, isso vai depender muito dos pa- drões da empresa e, ao final, dos valores e do conceito de ética dos indivíduos. Em outros estados e regiões do país, tudo é sobre as conexões (pessoais) e como você pode obter vantagem a partir dela. Isso é muito comum não só no México, mas na América Latina em geral. Hugo Sutil (Chile): Às vezes as empresas estrangeiras estabelecidas no país não têm um conhecimento exato do mercado local. Também acontece de empresas estrangeiras, ao adqui- rir empresas locais, delegarem a gestão O contexto cultural (argentino) apresenta seus próprios desafios de acordo com a cidade, província e distrito onde as empresas operam e as partes interessadas. Gabriel Cecchini
  • 12. 12 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 ESPECIAL AMÉRICA LATINA da companhia à equipe local, que, por vezes, continua a funcionar da mesma maneira como operava antes de ser ad- quirida. Em alguns casos, esta forma de funcionamento não está alinhada com uma gestão responsável e leal. Gabriel Cecchini (Argentina): A Argentina apresenta às empresas inter- nacionais problemas comumente encon- trados em outros mercados emergentes. Legislações, normas e regulamentos existem, mas frequentemente, não são impostos pelas autoridades locais em di- ferentes níveis de governo e órgãos regu- ladores. Às vezes, a diferença entre o que a legislação estabelece e a sua execução prática em caso de infração é enorme e de difícil compreensão para empresas e profissionais estrangeiros. A fraqueza das instituições, a volatilidade econômi- ca, mudanças regulatórias imprevisíveis e atualizações também são uma fonte de preocupação para as empresas na hora de avaliar suas decisões dentro de pla- nos de longo prazo. O contexto cultural apresenta seus próprios desafios de acor- do com a cidade, província e distrito onde as empresas operam e as diferentes partes interessadas. Sandra Orihuela (Peru): Infeliz- mente, a informalidade permanece como a principal preocupação ao se fa- zer negócios no Peru. Embora a situação tenha melhorado, a aceitação de práticas de negócios “menos limpas” continua a ser uma cultura tolerada no Peru. Em sua opinião, quais os três prin- cipais desafios relacionados ao com- pliance que precisam ser superados para construir uma cultura de con- formidade que esteja presente no dia a dia do país? Fernando Cevallos (México): Saber se os funcionários, em todos os níveis, entendem a cultura de compliance da empresa; como eles agem quando es- tão enfrentando um dilema de confor- midade; e, uma vez que é reportado, se a empresa realiza uma ação imediata e independente para resolver o problema e atenua o risco de que ele volte a acon- tecer no futuro. Compliance é sobre ser um big brother: depende de cada empregado e é um equilíbrio entre o crescimento sustentá- vel do negócio e práticas boas e transpa- rentes. No entanto, na América Latina, se você se apresenta de maneira muito mole ou fraca, pode sofrer as consequên- cias no futuro. Hugo Sutil (Chile): Consciência. A administração da companhia deve estar consciente da necessidade de investir tempo e recursos nas áreas de conformi- dade, e não considerá-la como um gasto desnecessário ou, simplesmente, como uma exigência. Ela precisa entender que a não aplicação do compliance pode cau- sar a exclusão da empresa do mercado. Implementação: as empresas devem ser capazes de implementar os sistemas de compliance, por isso toda a companhia precisa entender a importância desses sistemas e a necessidade de convergir com eles. Desenvolvimento: cada empresa, depen- dendo do setor em que atua, do seu ta- manho, atividade, etc., no futuro, deve ser capaz de melhorar e desenvolver esses sistemas de compliance. Gabriel Cecchini (Argentina): O compliance deve ser considerado não apenas como um conjunto de regras e normas baseadas numa estrutura pu- nitiva. Mais importante é que ele sirva como base para a criação de uma cultura de integridade, gerando consciência so- bre os riscos da corrupção e as estraté- gias que podem ser usadas para vencer os dilemas práticos que são enfrentados no dia a dia, em vez de apenas obrigar O Chile tem progredido com leis importantes, como a Lei de Responsabilidade Criminal da Pessoa Jurídica e a Lei que cria Unidade de Análise Financeira. Hugo Sutil
  • 13. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 13 O México hoje é como o Brasil no início de 2009, quando o tema compliance começou a aparecer, mas, ainda assim, era difícil escutar a palavra corrupção publicamente em reuniões. Fernando Cevallos os funcionários a “internalizar” as nor- mas e regras de um modo repetitivo e monótono. Os programas de compliance não devem começar (e acabar) em códigos de conduta e na sua assinatura pelos funcionários. Os códigos são elementos muito importantes, mas se o seu conteúdo não é permanente- mente estimulado de forma abrangente e por meio dos outros elementos do progra- ma, o seu valor é limitado. Conselhos de administração e diretoria precisam mudar suas atitudes em relação ao compliance e começar a considerá-lo como uma área-chave que cada vez mais vai ter impacto nas suas decisões estraté- gicas de negócios. Eles precisam criar co- mitês específicos dentro dos boards para abordar essas questões. Os compliance officers também precisam se reportar di- retamente a eles em uma base regular, participando das reuniões do conselho e dos comitês executivos. Sandra Orihuela (Peru): O prin- cipal desafio continua a ser mudar a mentalidade da maioria da população em relação à corrupção. Embora tenha havido progresso a esse respeito, parece que a população ainda tem que reconhe- cer o valor de viver e fazer negócios em um ambiente limpo, onde as pessoas e as empresas são capazes de competir em uma base uniforme e igual ao invés de ganhar vantagem por meio de práticas corruptas. Os peruanos têm visto a mu- dança dramática e a prosperidade econô- mica que o país alcançou, e há esperança de que as novas gerações vão aprender a associar a prosperidade atual do país com um ambiente menos corrupto e uma concorrência leal. A mudança cul- tural vai levar tempo, mas é possível. CAFÉ NA CIDADE DO MÉXICO: na capital federal é comum o convívio com políticos, o que às vezes gera mal-entendidos.
  • 14. LEC NEWS 14 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 É provável que, até pelo senso comum, o leitor acredite que a maior parte dos casos de cor- rupção internacional acontece nos países em desenvolvimento. Mas um estudo recém-divulgado pela Organiza- ção para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne principalmente paí- ses desenvolvidos, aponta para o oposto. Os subornos internacionais são geral- mente pagos por agentes de países ricos para agentes públicos de países ricos, especialmente para ganhar contratos de empresas públicas ou controladas pelo Estado nas economias avançadas. O relatório de suborno estrangeiro da OCDE analisou mais de 400 casos de corrupção de funcionários públicos estrangeiros envolvendo empresas ou indivíduos de 41 países signatários da Convenção Anticorrupção da OCDE. Os casos ocorreram entre fevereiro de 1999 - quando a convenção entrou em vigor - e junho de 2014. De acordo com o estudo, a maioria dos subornos internacionais é paga por grandes empresas, geralmente com o co- nhecimento da alta administração. Em 41% dos casos, funcionários de nível gerencial pagaram ou autorizaram o su- borno. A participação do principal exe- cutivo das empresas aconteceu em 12% das situações. Intermediários estiveram envolvidos em três de cada quatro casos de suborno estrangeiro. Para a organiza- ção, o uso intenso desses agentes reforça a necessidade de uma diligência mais eficaz, de fiscalização dos programas de compliance das corporações, e de um maior envolvimento dos executivos das empresas a dar o exemplo no combate ao suborno estrangeiro. O VALOR DO PROBLEMA A propina paga nos casos analisados, em média, equivalia a 10,9% do valor total da transação e a 34,5% dos lucros – que alcançaram o equivalente a US$ 13,8 milhões por suborno. Mas a própria OCDE reconhece que, dada a comple- xidade e a natureza oculta de transações corruptas, os valores representam apenas a ponta do iceberg. Quatro setores concentram a maior parte dos casos: a indústria extrativa, que lida com recursos naturais quase sempre controlados pelo Estado - além de alta- mente regulada - responde por 19% dos casos. O mercado de construção civil soma 15%, mesmo número da área de transporte e armazenamento (15%). As empresas de informação e comunicação, setor que conta com inúmeras estatais em países desenvolvidos – especialmente na Europa e também bastante regulada pelos governos - responde por 10% dos casos analisados. Empregados de empresas estatais fo- ram o destino da propina em 27% dos casos. Funcionários aduaneiros (11%), as autoridades de saúde (7%) e funcio- nários da Defesa (6%) vêm na sequência. Mesmo nos países mais desenvolvi- dos, o alto escalão da política está sem- pre disposto a receber (ou cobrar) por al- guns favores. E quanto mais alto o posto, maior o preço. Por isso, apesar de serem o alvo de 5% das ofertas de propina, che- fes de Estado e ministros arremataram 11% - ou mais do que o dobro do total de subornos prometidos ou pagos. LÁ COMO CÁ Para os brasileiros, escaldados no assunto, nãochegaaserumanovidadequeamaior parte da corrupção - independentemente deondesejapraticada-acabetendocomo objetivo principal garantir contratos van- tajosos com o governo. Em mais da me- tade dos casos analisados, os subornos Mais riqueza, mais propinas
  • 15. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 15 AVIÃO DA PORTUGUESA TAP: maior parte das propinas é paga nos países ricos. foram pagos para a aquisição de contratos públicos. A obtenção de facilidades adu- aneiras, uma questão perigosíssima em tempos de terrorismo transnacional cres- cente – que se financia muitas vezes com a venda de produtos falsificados ou con- trabandeados –, aparece, na sequência, com 12%. A obtenção de benesses fiscais – um aspecto sofisticado e quase sempre de mais difícil investigação - foi a terceira causa de suborno, com 6% dos casos. Outra informação do estudo que dá algum alento aos brasileiros, que espe- ram anos para ver casos de corrupção ser efetivamente julgados é que o tempo necessário para concluir os processos su- biu drasticamente ao longo dos últimos quinze anos. Para os casos concluídos em 1999, foram necessários, em média, dois anos. Atualmente, a média para a conclusão dos casos é superior a sete anos. Para a OCDE, isso pode refletir a crescente sofisticação dos métodos ado- tados pelos corruptores e, também, a complexidade para as agências nacionais de aplicação da lei para investigar os ca- sos em vários países. “A prevenção do crime nos negócios deve estar no centro da governança cor- porativa. Ao mesmo tempo, os contra- tos públicos devem tornar-se sinônimo de integridade, transparência e respon- sabilidade”, disse o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría. A Corregedoria-Geral da União (CRG), braço da Controladoria-Geral da União (CGU), disponibilizou na internet o Novo Manual de Processo Administrativo Disciplinar (PAD). A publicação, elaborada em 2011, forne- ce aos servidores na área de correição do executivo federal – como correge- dores e ouvidores - o suporte e um modelo de padronização que facilita o desempenho das suas atividades. Na seção “Atividade Disciplinar”, por exemplo, é possível encontrar modelos de documentos, slides das aulas e legis- lação relativa ao assunto. A nova edição inclui um capítulo dedicado à Lei de Acesso à Informação (LAI), e novos textos acerca dos efeitos do art. 137, da Lei nº 8.112/1990, no caso de impedimento de retorno ao serviço público, sob a hipótese de acú- mulo de cargos. Edição atualizada E m Hong Kong, um território semi-autônomo da China, mas colonizado e aculturado pelos britânicos até o ano de 1990, um jo- vem foi condenado a dois meses de prisão por tentar subornar o seu exa- minador do teste de condução com uma nota de 500 dólares de Hong Kong (pouco menos de R$ 200,00). Trabalhador de um depósito de contentores, Leung Kin-Ming, de 22 anos, se declarou culpado de uma acusação por oferecer vantagem para um funcionário público, infrin- gindo a Portaria de Prevenção à Cor- rupção. Cerca de três minutos após o início do teste, quando o veículo parou em um semáforo, o réu tirou uma nota de 500 dólares de Hong Kong e deu para o examinador, di- zendo: “Senhor, para que você pos- sa tomar um chá”. Apesar da recusa do examinador em aceitar a nota, o réu repetiu a oferta. O examinador disse ao réu para dirigir o veículo de volta ao centro de condução e, ao chegar, chamou a polícia e contou ao seu supervisor sobre o assunto. No mesmo dia, Kin-Ming foi preso pela polícia e o caso encaminhado para o ICAC, a agência de combate à corrupção de Hong Kong. Ao passar a sentença, o magistra- do disse que como subornar um fun- cionário público era um crime muito grave, o tribunal teria de aplicar uma Onde o crime não compensa TRÂNSITO EM HONG KONG: do suborno à prisão em apenas dois dias. pena de prisão imediata para o réu, de modo a servir como um impedi- mento. O magistrado acrescentou que depois de levar em conta vários fatores, inclusive a confissão de cul- pa do réu e de sua pouca idade, ele optou por reduzir a pena incial de três meses na cadeia para dois meses. O magistrado ainda repreendeu o réu por tentar minar o sistema de exame de condução, causando in- justiça a outros candidatos e riscos de segurança à população. Detalhe que chama atenção: en- tre a prisão e o início do cumprimento da sentença foram necessários ape- nas dois dias. E o valor oferecido pelo réu ao examinador foi confiscado.
  • 16. LEC NEWS 16 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 D esde o início de 2010, uma investigação do governo dos EUA está desmontando vários cartéis acusados de divisão de mercado, fixação de preços e manipulação de pro- postas no setor de peças automotivas. Até o momento, a investigação ainda está em curso, e nada mais do que 33 empresas – a maior parte delas japonesa, incluindo gigantes como Bridgestone, Panasonic e Mitsubishi Eletric - se de- clararam culpadas ou concordaram em se declarar culpadas perante os EUA. As multas já somam mais de US$ 2,4 bilhões. No desdobramento mais recente, no início de fevereiro deste ano, dois executivos japoneses foram indiciados pelo governo norte-americano. De acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Hiroyuki Komiya e Hirofumi Nakayama, executivos da companhia japonesa Mitsuba Corpo- ration, atuaram para fixar os preços de várias peças automotivas, incluindo sistemas de pára-brisa vendidos às fabri- cantes Honda, Nissan,Toyota, Chrysler e Subaru, nos Estados Unidos e em ou- tros lugares. A acusação alega que, por volta de abril de 2000 até, pelo menos, fevereirode2010,Komiya,Nakayamae co-conspiradores participaram e dirigi- ram, autorizando ou consentindo com a participação de subordinados em reu- niões de conluio para combinar lances, dividir o fornecimento e fixar o preço a ser apresentado para os fabricantes de automóveis. Komiya e Nakayama também são acusados de, consciente e corruptamen- te, tentar persuadir os funcionários da Mitsuba para destruir documentos e excluir dados eletrônicos que poderiam conter evidências de crimes de cartel nos “Condução” criminosa A dimensão da investigação não é a mesma da norte-americana, mas o CADE, órgão que defen- de a concorrência no mercado brasileiro, abriu no último dia 13 de fevereiro três processos administrativos para investigar práticas de cartel nos mercados nacional e internacional de peças automotivas. Os segmentos potencialmente afetados são os de revestimentos de embreagem; e sis- temas térmicos, que incluem radiadores, condensadores e sistemas de aquecimen- to, ventilação e ar condicionado e o de limpadores de para-brisas. O CADE verificou indícios de que pelo menos 11 empresas e 51 pessoas fí- sicas – cujas atuações estão divididas nos respectivos mercados investigados nos processos – mantinham contato perma- nente com a finalidade de fixar preços e condições comerciais, alocar pedidos de cotações de clientes, dividir mercados entre concorrentes e compartilhar infor- mações comerciais sensíveis. Os indícios apontam que os funcionários das em- presas combinavam previamente quem deveria ganhar os processos de cotação das montadoras de automóveis e adota- vam estratégias para direcionar o acordo firmado entre eles. Essa prática teria res- tringido o caráter competitivo do proces- so de cotação e potencialmente afetado negativamente os custos dos automóveis. E esses não são os primeiros segmen- tos da cadeia de peças automotivas sob investigação do CADE. Na verdade, eles fazem parte de um conjunto maior de investigações conduzidas pela Superin- Cadeia sob investigação Estados Unidos e em outros países. Em 6 de novembro de 2013, a Mitsuba se declarou culpada e concordou em pagar uma multa de US$ 135 milhões pelo seu papel na conspiração, bem como obstru- ção da justiça. Quando o cartel teve início, Komiya era diretor de Vendas Automotivas da Mitsuba. Em 2007, ele foi promovido a vice-presidente de Vendas. Já Nakaya- ma foi o gerente do escritório de Vendas da Mitsuba Nagoya até 2005, quando foi promovido a diretor de operações de Vendas. Pelos crimes de cartel, os dois podem SETORES SOB INVESTIGAÇÃO: fabricantes de limpadores de para-brisas podem ter atuado em conjunto para combinar preços e dividir o mercado.
  • 17. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 17 De olho na mordaça ser condenados à pena máxima de 10 anos de prisão e uma multa de US$ 1 mi- lhãocada.Masestamultapodeaumentar até o dobro do ganho derivado do crime ou o dobro do prejuízo sofrido pelas víti- mas do crime, caso qualquer desses valo- res supere a multa máxima legal. A pena máxima para obstrução da justiça é de 20 anos de prisão e uma multa de US$ 250 mil para os indivíduos. Além dos dois japoneses, outros 52 suspeitos já foram acusados na investiga- ção. O caso contou com a assistência da Unidade de Corrupção Internacional do FBI, a polícia federal norte-americana. tendência-Geral do órgão no setor. No segundo semestre de 2014, foram aber- tos processos para apurar cartéis no seg- mento de velas de ignição e rolamentos antifricção. Em agosto do ano passado, o CADE cumpriu mandados de busca e apreensão para apuração de possíveis car- téis em companhias das áreas de ilumina- ção automotiva (faróis, lanternas e luzes de freio); interruptores de emergência (pisca alerta e chave de seta); mecanismos de acesso (jogos de cilindros, maçanetas, fechaduras e travas de direção) e embrea- gens automotivas. A avaliação do mate- rial apreendido pode resultar em novos procedimentos administrativos. De acordo com as investigações, as condutas anticompetitivas possivelmente ocorreram desde a década de 90 até me- ados de 2012, o que pode indicar que o cartel dos fabricantes de autopeças tinha alcance global. D esde 2010, quando a lei de refor- ma financeira Dodd-Frank o ins- tituiu, o programa de denuncian- tes da SEC – a comissão que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos – vem se apresentando com uma das ferramentas mais efetivas no combate a fraudes e corrupção no ambiente corpo- rativo. Por conta disso, agências regula- doras estão incentivando cada vez mais a prática, com uma política agressiva de “recompensas” para funcionários que re- alizam denúncias anonimamente. Como parte do programa, os informantes po- dem receber entre 10% e 30% da soma das multas caso a denúncia feita leve a uma ação da SEC com sanções supe- riores a US$ 1 milhão. No ano passado, o programa concedeu um prêmio de mais de US$ 30 milhões a um informan- te de fora dos EUA. Em 2014, a SEC obteve 3.620 informações de possíveis violações. O número é 21% superior ao obtido em 2012. Por outro lado, as empresas não es- tão nada felizes com esse tipo de abor- dagem por parte dos governos. Para elas, ao incentivar a denúncia existe uma mudança de foco que migra da possibili- dade de corrigir o problema diretamente para as investigações e punições. De acordo com uma reportagem do The Wall Street Journal, a SEC está preocupada com a possibilidade de as empresas estarem silenciando funcio- nários - que poderiam fazer denúncias contra elas e dar início a uma investiga- ção – utilizando documentos solicitados para diversas empresas para sua aná- lise. Pelo que o jornal apurou, alguns desses documentos incluem cláusulas que impedem os empregados de con- tarem ao governo sobre infrações na empresa ou outras violações em po- tencial da legislação de valores mobi- liários, segundo advogados que lidam com casos de denunciantes e alguns parlamentares do Congresso ameri- cano. “Em alguns casos, as empresas exigem que os funcionários concordem em renunciar a qualquer benefício das investigações do governo, efetivamen- te anulando o incentivo financeiro para participar do programa da SEC”, diz a reportagem. Os regulamentos da lei Dodd-Frank proíbem empresas de in- terferir no relato que seus funcionários venham a fazer para a SEC de poten- ciais infrações da legislação de valores mobiliários. “A agência pediu às empresas que informem todos os acordos sigilosos, de confidencialidade, de demissão e pa- gamento para encerrar processos que fizeram com funcionários desde que a lei Dodd-Frank entrou em vigor, assim como documentos relacionados a treina- mento corporativo sobre confidencialida- de, segundo a carta e pessoas a par da questão”, complementa a reportagem. AUTOMÓVEL DA TOYOTA: cartel de fornecedores de autopeças nos EUA já gerou multas de US$ 2,4 bilhões. SESSÃO NO CONGRESSO DOS EUA: a SEC está preocupada com supostas tentativas das empresas de exercer pressão sobre funcionários denunciantes.
  • 18. ENTREVISTA VALDIR SIMÃO 18 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 A o longo dos 12 anos de exis- tência, a Controladoria-Ge- ral da União (CGU) nunca se viu diante de um caso de proporções (econômicas, le- gais e políticas) tão grandes como o gerado pela corrupção na Petrobras. Responsável pelos eventuais acordos de leniência, via- bilizados pela Lei Anticorrupção, com al- gumas das maiores empreiteiras do País, a CGU é alvo de pressão por todos os lados, para agir o mais rápido possível e também para não fazer nenhum desses acordos, de- pendendo de que lado vier a pressão. A responsabilidade de liderar o órgão nesse período desafiador caberá ao novo ministro da pasta, o advogado Valdir Si- mão. Servidor de carreira da Receita Fe- deral há 27 anos, Valdir foi secretário ad- junto da Receita, secretário da Fazenda do Distrito Federal e por duas vezes ocupou a presidência do Instituto Nacional do Se- guro Social (INSS). De 2011 a 2013, foi secretário-executivo do Ministério do Tu- rismo. Na sequência, atuou por sete meses na coordenação do Gabinete Digital da Presidência da República, de onde foi re- crutado para ser o secretário-executivo da Casa Civil, pasta que ocupa papel central na articulação política do governo. Por conta disso, sua indicação foi alvo de ques- tionamentos pela sua proximidade com o ambiente político e com a presidente, que tem se manifestado de maneira dúbia - no mínimo - contra punições mais severas para as empresas envolvidas, de olho no seu impacto sobre a economia brasileira. Por e-mail, o ministro respondeu as questões enviadas por LEC. O novo chefeEm entrevista à LEC, o novo ministro da CGU Valdir Simão fala sobre projetos, autonomia em relação à presidência, fiscalização das estatais e da destinação de eventuais multas geradas pelo órgão VALDIR SIMÃO, DA CGU: ele vai liderar os primeiros grandes casos com base na Lei Anticorrupção.
  • 19. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 19 Quais os projetos prioritários que o senhor pretende tocar à frente da CGU? Como disse no dia da minha posse, é necessário seguir avançando no desen- volvimento de mecanismos e processos efetivos de controle da atuação do Es- tado brasileiro e do bom uso de recur- sos públicos. Em 12 anos de existência da Controladoria, o tema de combate à corrupção e da transparência foi co- locado na pauta nacional e agora é ne- cessário ampliar nossa atuação, torná-la ainda mais efetiva. Meu principal obje- tivo é aprofundar a institucionalização da CGU e suas funções de prevenção e de combate à corrupção, de correição e de ouvidoria. Acho indispensável o fortalecimento e, sobretudo, a moder- nização dos mecanismos de governan- ça, por meio da intensificação do uso da tecnologia da informação. Em um mundo cada vez mais digital, é manda- tória a aplicação de ferramentas de TI no monitoramento, na fiscalização e na avaliação das políticas públicas. Um dos trabalhos mais difíceis da CGU é o de aculturar centenas de milhares de servidores públicos - que atuam em diversos órgãos - sob di- ferentes culturas “corporativas” e com diferentes níveis de formação e tempo de atuação no serviço público. Tendo vindo de fora, como o senhor avalia o trabalho da CGU nesse as- pecto até aqui? E para onde ele deve caminhar nos próximos anos? Esse é um aspecto muito importante para mim, pois considero um dos tripés da boa gestão. As pessoas são funda- mentais para o sucesso de uma institui- ção e precisamos, mais do que valorizar o esforço individual de cada servidor, investir na sua formação e capacitação para que seja um elemento de transfor- mação. Para um órgão como a CGU, é um desafio permanente multiplicar en- tre todos os gestores públicos federais essa cultura de ética, transparência e compromisso com o interesse público. Nós já temos um ótimo nível de inte- ração com os gestores durante nossos trabalhos de auditoria e fiscalização, mas é preciso disseminar a capacida- de de atuar preventivamente sobre os problemas e evitar que as irregularida- des aconteçam, não apenas corrigi-las após o fato consumado. Então, vamos investir muito nesse sentido: de coope- rar com as instituições públicas para a melhoria de suas rotinas e dos seus ins- trumentos de gestão. O número de servidores federais afas- tados do serviço público por casos li- gados à corrupção vem aumentando ano após ano. Isso é reflexo do maior poder de fiscalização da CGU, de um aumento no número de casos denun- ciados - com as pessoas perdendo o medo de fazer as denúncias - ou do aumento da corrupção? O enfrentamento à impunidade é uma das diretrizes prioritárias da Contro- ladoria, e o aumento do número de expulsões é um reflexo desse trabalho, que tem investido muito também na capacitação que a CGU realiza junto a servidores do Poder Executivo Federal que atuam na área de correição. Esses fatores resultaram, até janeiro de 2015, na aplicação de punições a 5.157 agen- tes públicos por envolvimento em ati- vidades contrárias à lei. Ao todo, foram registradas 4.314 demissões de efetivos; 468 destituições de ocupantes de car- gos em comissão; e 375 aposentadorias foram cassadas. Apesar de o número de punições ser maior, não seria ade- quado afirmar que houve aumento da corrupção. Acredito mais na ampliação das ferramentas e fortalecimento dos órgãos responsáveis por combatê-la. Existem planos internos da CGU para realizar de maneira mais efetiva o trabalho de prevenção e controle nas estatais controladas pelo execu- tivo federal? Nós já estamos trabalhando no pro- jeto de estruturação de um setor que se dedicará ao acompanhamento das estatais. O objetivo é realizar uma atuação mais preventiva e propor mudanças nos sistemas de compras governamentais, além de aperfeiço- ar as normas de licitação e contratos utilizados pelas empresas controladas pela União. Outras medidas a serem avaliadas pelo novo setor são o forta- lecimento de estruturas de Controle Interno nessas entidades e a abertura de informações, em vista das regras de transparência pública. No que diz respeito ao arcabouço le- gal para punir adequadamente a cor- rupção no setor público, o senhor en- xerga gargalos importantes que ainda precisam ser fechados? Existe a neces- sidade de o Executivo enviar novos projetos nesse sentido, como a presi- dente Dilma Rousseff pretende fazer? Nos últimos anos, o Brasil aprovou leis de extrema importância para a promo- ção da transparência pública, da preven- ção e do combate à corrupção. O país tem hoje em sua base jurídica a Lei de Acesso à Informação (LAI), a Lei de Conflito de Interesses e Lei da Empresa “O valor ressarcido em função de eventual aplicação de multa pela Lei da Empresa Limpa não será destinado à CGU, mas sim aos cofres da União ou de empresas públicas lesadas.”
  • 20. ENTREVISTA VALDIR SIMÃO 20 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 Limpa. O aperfeiçoamento da legislação é sempre necessário, mas precisamos fa- zer com que as normas já existentes se- jam cumpridas de forma efetiva. O ex-ministro Jorge Hage há tempos reclamava da falta de pessoal, que a CGU havia chegado ao limite e que o Ministério do Planejamento contin- genciava as contratações de pessoal já concursado. Tendo vindo de fora, qual a sua avaliação do quadro de funcionários da Controladoria? Ele é adequado às necessidades? Como o senhor pretende lidar com essa de- manda junto aos ministérios do Pla- nejamento e da Fazenda? Temos um desafio claramente coloca- do neste ano que é o da restrição orça- mentária e a necessidade de trabalhar com um cenário de contingenciamen- to. Por isso, precisamos racionalizar ao máximo a força de trabalho dispo- nível, ampliando o uso da tecnologia da informação para potencializar nos- sos esforços. Fazer mais com menos. Isso não significa que não vamos tra- balhar pelo reforço das condições de trabalho, sejam físicas ou de recursos humanos. A CGU integra o comitê recentemente criado para acompanha- mento do gasto público. A operação Lava Jato abriu uma ja- nela de aplicação de multas milio- nárias pela CGU, com base na Lei Anticorrupção. Já existe clareza da destinação desses valores? Eles irão para os cofres da CGU, assim como acontece com as agências de fiscali- zação norte-americanas? O valor ressarcido em função de even- tual aplicação de multa pela Lei da Empresa Limpa não será destinado à CGU, mas sim aos cofres da União ou de empresas públicas lesadas. Uma coisa não tem relação com a outra. O papel da CGU é de promover a respon- sabilização da empresa, mas sem qual- quer tipo de ganho financeiro. Tudo o que for contabilizado a título de res- sarcimento será destinado a recompor as perdas do órgão lesado. Não afeta o orçamento da Controladoria. Quando indicado para assumir a CGU, o senhor atuava na Casa Civil, um dos principais centros da articulação po- lítica do governo federal que, natu- ralmente, trata dos impactos econômi- cos e políticos das investigações. Essa proximidade recen- te suscitou questões sobre o grau de in- gerência e controle que o Palácio do Planalto pode exercer sobre a CGU, que ainda que ligado à Presidência da República, é um órgão que pela natureza de sua atividade, demanda bastante independência. Como fica essa relação daqui para frente? Apesar de a CGU estar vinculada à Presidência da República, o órgão tem autonomia e independência para conduzir suas atividades com servido- res de carreira altamente capacitados. É isso que garante a eficácia de suas ações e foi o que permitiu alcançar a grande credibilidade que tem hoje junto à sociedade. É assim que te- mos atuado e pretendemos continuar atuando frente à CGU. Quando fui convidado pela presidente Dilma para chefiar a Controladoria, ela me pediu, inclusive, para reforçar o controle e ampliar a capacidade de atuação e o nosso raio de ação. Isso me dá a cer- teza de que tenho a confiança dela e uma grande responsabilidade, mas também a garantia de autonomia para fazer esse trabalho. NA TRANSMISSÃO DO CARGO, COM O ANTIGO MINISTRO JORGE HAGE: otimizar a força de trabalho será fundamental para enfrentar o cenário de contingenciamento.
  • 21. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 21 1A SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO NÃO É SÓ UMA QUESTÃO DE TI Um bom programa de compliance parte sempre de uma análise dos riscos enfrentados pela organização. E como disse James Comey, diretor do FBI, em uma entrevista no ano passado, “quando se trata de segurança ciber- nética existem dois tipos de empresa: aquelas que foram invadidas e as que ainda não sabem que foram hackea- das”. Apesar dessa realidade, muitos pro- fissionais de compliance ainda enxer- gam a cibersegurança como uma pre- ocupação unicamente da área de TI. Mas, na medida em que aumentam os casos de vazamento de informações confidenciais de grandes empresas, particularmente dados de clientes, é preciso que a área de compliance es- teja atenta à questão. A segurança de dados é uma questão de ética e com- Os temas e demandas que devem permear as discussões e o trabalho da área de compliance neste ano. Para onde olhar em 2015? pliance, já que existe a responsabilida- de de proteger as informações da orga- nização e as de seus clientes. Com novas tecnologias, ferramen- tas e dispositivos, os volumes e tipos de dados de valor para uma organiza- ção que devem ser protegidos vão con- tinuar a crescer. Com um ecossistema digital cada vez maior, serão neces- sárias políticas de risco e governança que suportem os negócios, a segurança e a privacidade de dados. SEDE DA SONY PICTURES: o vazamento de informações da empresa gerou saias justas com astros de Hollywood. TENDÊNCIAS PAPO DE COMPLIANCE
  • 22. 22 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 PAPO DE COMPLIANCE TENDÊNCIAS 3DESCENDO A RÉGUA Ainda que as grandes empresas sejam o foco de atenção dos reguladores, é inegável que a pressão sobre as pequenas e médias empresas para que adotem um bom pro- gramadecompliancevaificarcadavezmais forte. De um lado, as grandes companhias estão exigindo cada vez mais que os seus parceiros estejam em plena conformidade com o ambiente de ética nos negócios (e correndo riscos, legais e reputacionais, cada vez maiores caso não o façam). Ao mesmo tempo, os próprios reguladores estão mais atentos a casos envolvendo empresas me- nores em todo o mundo. Aqui no Brasil, a maior parte das empresas consideradas inidôneas pela CGU é de pequeno e mé- dio porte. Definitivamente, um programa de ética e compliance robusto vai emergir como um tema sensível para os líderes des- ses negócios, ainda mais para aqueles que esperam crescer rapidamente. 2TECNOLOGIA INTEGRADA O avanço do ambiente digital traz no- vos riscos e responsabilidades para a área de compliance. Mas esse ambiente é também uma oportunidade única para o setor aper- feiçoar o seu trabalho. A profissão de com- pliance ainda se baseia muito em medidas tradicionais como treinamentos, número de chamadas para o canal de denúncias e garantias de que o código foi lido. Daqui para frente, os profissionais de complian- ce terão que se concentrar mais em gerir o risco das interações e estabelecer relacio- namentos com as outras áreas da empresa, atividades que demandam tempo desses profissionais. Isso exige novas tecnologias para automatizar os processos de monitora- mento, auditoria e mensuração dos resulta- dos. A maior adoção da tecnologia também vai contribuir para a definição de novas metas e métricas modernas para avaliá-las. A tecnologia nos processos de governança, risco e compliance estará cada vez mais in- tegrada e disseminada por todas as áreas da empresa. 4COMPLIANCE CRIMINAL Primeiro foi o Mensalão. Agora o Petrolão. O conceito tão difundido de que no Brasil “rico” não vai para a cadeia pode sofrer alguns abalos. Nada é mais emblemático nesse sen- tido do que o cárcere de um seleto grupo de empresários e altos execu- tivos de algumas das maiores emprei- teiras do país, presos desde o meio de novembro do ano passado por conta da operação Lava Jato. As implica- ções criminais de atos relacionados à corrupção ainda são pouco debatidas pelos profissionais de compliance, mas certamente veremos uma deman- da maior pelo assunto ao longo deste ano, o que pode acarretar em revisões de códigos de conduta empresarial e na introdução de cláusulas específicas sobre o tema nos contratos de traba- lho de profissionais mais expostos. O PRESIDENTE DA UTC, RICARDO PESSOA: muitos dias de cárcere. MAIS ESTRATÉGICO: uso mais intenso da tecnologia vai liberar tempo dos profissionais para atividades mais relevantes para o negócio.
  • 23. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 23 5MUDANÇAS SOCIOCOM- PORTAMENTAIS Boa parte do volume de trabalho de um compliance officer está atrelado a questões típicas de RH, como denúncias de assédio, ofensas e conduta indevida. E na era do politicamente correto em que vivemos hoje, novos elementos podem trazer nuances adicionais para os profis- sionais de compliance. A união civil de pessoas do mesmo sexo, por exemplo, pode exigir mudanças específicas em cer- tos aspectos em regras ligadas a relaciona- mento entre profissionais nas empresas, despesas com entretenimento, benefícios e claro, conduta e respeito à diversidade. A aprovação do uso recreativo da maco- nha em vários estados norte-americanos e no Uruguai é outro exemplo das no- vas nuances culturais e comportamentais com as quais a área de compliance vai ter de lidar. Afinal, um funcionário da em- presa levar o cliente para fumar um base- ado, dependendo de onde eles estiverem, pode ser tão legal juridicamente quanto tomar uma dose de qualquer bebida du- rante um happy hour. As empresas estão prontas para isso? 8 TEM QUE DAR RETORNO Em tempos de caixa curto – espe- cialmente para nós, no Brasil - cada vez mais as empresas querem saber qual o retorno real de cada centavo que apli- cam. Isso vem acontecendo com mais frequência e para todas as áreas da empresa. Com o compliance não é di- ferente. Os gestores da área vão preci- sar encontrar formas de tangibilizar o impacto dos programas de compliance sobre o negócio, estabelecendo indica- dores de desempenho capazes de com- provar que o valor monetário investido está gerando resultados concretos e que eles podem ser mensurados e analisados por toda a diretoria. O discurso de que o programa é importante porque pre- vine que a empresa tome uma multa milionária, por si só, não será mais su- ficiente. 6 TODOS DE OLHO NA GENTE Ainda que por um motivo feio, o Brasil estará sob os holofotes do mundo do compliance em 2015. A Petrobras é, até onde a vista alcança, o maior caso em potencial de cor- rupção envolvendo uma companhia do momento. Além do escrutínio da empresa no Brasil, será interessante ver como os norte-americanos vão lidar com a empresa, que para eles não é vítima. O caso irá trazer ele- mentos novos que poderão servir de referência para investigações futuras de empresas controladas pelo Estado em outros países. 7 ALÉM DA CORRUPÇÃO Embora esse seja o padrão lá fora, aqui no Brasil o papel do compliance ainda é muito ligado na prevenção à corrupção. Até pelas circunstâncias brasileiras neste momento, o com- bate à corrupção continuará geran- do buzz e importância para divulgar uma área com a qual só agora muitas companhias começam a tomar conta- to. Mas o compliance engloba outros elementos, em muitos casos, mais relevantes para os negócios, como análise e gestão de riscos, prevenção à fraude, segurança da informação... Estas habilidades serão cada vez mais demandadas dos profissionais de compliance no Brasil. CASAL GAY NOS EUA: novas relações familiares têm impacto sobre a operação das empresas.
  • 24. 24 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 PAPO DE COMPLIANCE CARREIRA Quem teve a oportunidade de participar de reuniões de comitês ou grupos de profis- sionais de compliance certa- mente já presenciou cenas de lamúrias, lamentações, frustrações e choradeira dos profissionais da área. Em alguns casos, “revolta” é o termo que melhor se aplica à situação. Os motivos, em li- nhas gerais, não diferem muito de um caso para o outro: falta de atenção da direção da empresa, boicote dos colegas de outras áreas, ausência de recursos, confrontos desiguais com as áreas de ne- gócios da empresa... Em suma, o mun- do ideal não existe para o compliance officer – na verdade, ele não existe em nenhuma área e em nenhum negócio. Só que para aqueles que chegaram a este campo recentemente, com uma imagem e uma missão projetadas, sofrem, e so- frem muito quando se deparam com a verdade nua e crua. Quem acredita que por ser o novo compliance officer da empresa vai chegar e fazer acontecer – uma expectativa criada e comprada es- O papel do compliance officer é na prática muito mais amplo e estratégico do que muitos dos jovens e novos profissionais da área entendem ou acreditam. E a realidade do dia a dia é muito diferente do que boa parte deles imaginou A realidade se impõe pecialmente pelos jovens profissionais – está bem distante da realidade. Em um curto espaço de tempo, a posição de compliance officer no Brasil deixou o anonimato corporativo para ser alçada a uma das profissões do fu- turo. Na esteira dos protestos de 2013 e com a aprovação da Lei Anticorrupção, um número considerável de empresas, que até então pouco sabiam sobre o assunto, saíram à caça de profissionais para a área. A soma de ausência de mão de obra qualificada com a necessidade das companhias jogou mais luz sobre a profissão. Nos cenários previstos, ela ganharia cada vez mais participação nas decisões estratégicas da empresa e a no- bre missão de garantir que os negócios fossem realizados “sempre com ética”. Tudo isso é verdade. Assim como tam- bém é fato que a realidade do dia a dia de um compliance officer é bem mais complexa, desafiadora, dura e repleta de nuances e sutilezas que demandam um grau de maturidade só encontrado em profissionais mais experimentados. Do início ao fim do expediente, essa realidade se impõe aos profissionais e faz com que muitos deles, que por opção ou arrebatamento dentro dos quadros da empresa chegaram para atuar na área de compliance, sintam-se frustrados. A situação é especialmente difícil para os mais novos, que se encantam com as perspectivas do setor, mas, muitas vezes, ainda não têm a experiência necessária, especialmente no ambiente de negócios, para conseguir executar a função de compliance officer em sua plenitude e engajar toda a empresa no assunto. E aqui, vale uma observação. Grande referência no assunto, os Estados Unidos vêm desenvolvendo a área de complian- ce nas bases como a conhecemos hoje, desde os anos de 1970, quando foi apro- vado o Foreign Corrupt Practice Act, o famoso FCPA: lei que coíbe a corrupção internacional de agentes públicos estran- geiros por empresas que atuam nos Esta- dos Unidos. Por mais de quatro décadas, os profissionais que atuam naquele país convivem e aprendem com o tema. E
  • 25. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 25 andar”, diz Isabel Franco, sócia do es- critório KLA Law e uma das mais ex- perientes profissionais de compliance do mercado. Para ela, o Brasil se benefi- ciou da grande presença de companhias multinacionais que operam e exercem um forte papel influenciador por aqui, ajudando o país a alcançar patamares elevados a passos muito mais largos na comparação com outros países. Só que do outro lado, a necessida- de das empresas, somada à falta de mão de obra qualificada e experiente, aca- bou por içar muita gente que, apesar de conhecer o tema, não tinha a vivência necessária para liderar uma área nova e cuja função, em sua plenitude, ainda é pouco compreendida pelas empresas e pelos próprios profissionais. Para Isabel, esse é o tipo de situação que acaba se transformando em “oportunidade per- dida” para o desenvolvimento do com- pliance no Brasil. “Nos Estados Unidos, quando al- guém é promovido a compliance officer, essa pessoa já atuou na área, foi membro aqui estamos falando apenas do FCPA. É preciso lembrar que os profissionais de lá convivem há tempos com outras questões como gestão de risco, lavagem de dinheiro, danos morais, assuntos re- gulatórios, além da própria corrupção de agentes públicos no mercado local. Com isso, a clareza do papel do compliance é muito mais elevada. Ainda assim, são cada vez maiores as discussões sobre as novas atribuições que o compliance offi- cer deve assumir nas organizações norte- -americanas (ver quadro na página 29). Por aqui, a área está na sua primeira infância. Do ponto de vista das empresas – excluindo as do setor financeiro, que já lidavam com o tema há mais tempo por conta de regulações do Banco Central –, ela só ganhou notoriedade nesta década. De um lado, a expertise adquirida com o tema nos Estados Unidos e em alguns outros países da Europa ajudou a encurtar o caminho dos profissionais e das próprias empresas acerca do com- pliance. “É como se tivéssemos pegado um elevador diretamente para o quarto da equipe ou conhece muito bem o ne- gócio da empresa. O mercado aqui no Brasil começou a exigir dos profissionais que atuam em compliance uma vivência que eles não têm”, diz a especialista. “A vivência conta muito e hoje você prati- camente não encontra no mercado um gerente com cinco, seis anos de forma- ção, de atuação”, emenda Shin Jae Kim, sócia da área de compliance da banca Tozzini, Freire e também referência so- bre o tema no Brasil. O SEGREDO ESTÁ NO NEGÓCIO, NÃO NAS LEIS Empreender mudanças culturais é sempre um grande desafio para qual- quer líder ou gestor de uma empresa. Elas precisam de tempo para maturar e tornarem-se efetivas. Nesse contexto, o ambiente cultural e de negócios do Brasil é particularmente desafiador para os profissionais de compliance. “É sabi- do que nós temos uma cultura de fazer negócios baseada, muitas vezes, em re- lacionamentos cujos limites às vezes são cinzentos. Não que exista alguma vanta- gem indevida ou corrupção. Mas existe, sim, uma questão de relacionamento - que alguns podem tratar como tráfico de influência –, o que torna difícil fazer uma mudança com a realidade de com- pliance. Isso é um fato”, explica Shin. Ou seja, a missão do compliance officer, para além das funções básicas como dar treinamentos e elaborar os códigos e po- líticas da empresa, é muito mais encren- cada e com nuances certamente muito diferentes do que muitos dos profissio- nais recrutados ou que entraram na área poderiam supor. E aí entra um ponto que tanto Shin como Isabel apresentam como um pilar central do trabalho de qualquer executi- vo que vai atuar na área, não importan- do o porte, o setor ou a nacionalidade da empresa na qual vai atuar: entender profundamente do negócio da empre- sa. Esta tarefa vai muito além daquela semana de integração pela qual o pro- fissional passa quando chega a um novo emprego e se torna um problema ainda maior para aqueles que estão entrando ÁREA DE COMPLIANCE DA SIEMENS NO BRASIL : grandes estruturas de compliance são exceções.
  • 26. 26 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 PAPO DE COMPLIANCE CARREIRA passava um dia por semana na empresa, convivendo e aprendendo com eles so- bre os negócios, entendendo a dinâmica da empresa.” O profissional de compliance precisa entender que ao chegar numa empresa já existe uma dinâmica de trabalho, es- trutura, processos, sistemas, uma cultura corporativa que não vai simplesmente se ajustar ao que ele, enquanto profissio- nal, julga ser as melhores práticas para que a empresa atue em compliance. Essa é uma vantagem que profissio- nais que já atuam na companhia, ainda que em outras áreas, quando promovi- dos à função de compliance officer, têm sobre os outros novatos na área. Afinal, ele já está aculturado na empresa e co- nhece as suas dinâmicas e peculiarida- des. E se esse profissional tiver algum grau de senioridade dentro da empre- sa, ele terá muito mais facilidade para se movimentar e conquistar a atenção dos seus pares, fundamental na área de desenvolver o programa de compliance na área muito jovens, ou mesmo para os recrutados mais experientes – qua- se sempre advogados que atuaram em escritórios de Direito, mas sem gran- de vivência profissional em empresas. “Você teve uma onda de profissionais que fizeram cursos e se certificaram como compliance officers. E é muito lindo você aprender como funciona o programa de compliance. Mas o real é que você vai chegar numa empresa e vai descobrir que aquele negócio não fun- ciona daquele jeito. Você tem empresas que não têm nem código. Aí você faz o código e acha que as pessoas vão saber fazer as coisas, mas não vão”, diz Shin, para quem, não raro, o novo profissio- nal de compliance também não sabe exatamente como funciona . Para Isabel Franco, do KLA Law, às vezes a choradeira durante os encontros e reuniões de compliance officers chega a ser irônica. “Você olha para o profis- sional e vê que é ele quem está no lugar errado (e não está preparado para assu- mir a função). É como querer colocar um parafuso redondo em um espaço triangular. Não vai dar certo”, pontua. Advogados que sempre atuaram pelo lado dos escritórios e migraram para atu- ar no compliance de empresas estão en- tre os que mais sofrem com o dia a dia da nova função. “Tive um chefe que di- zia que para um escritório de advocacia entrar numa área nova é muito simples, bastava ler todas as resoluções daquele setor. E funciona. Eu mesmo participei de processos desse tipo montando do zero uma nova área de Telecom”, lem- bra Isabel. “Mas, no compliance, isso é impossível. Primeiro porque não existe regulamentação. E depois porque você precisa entrar e entender do negócio. E cada negócio tem o seu modelo e as suas peculiaridades”, diz. A própria Isabel re- conhece que ter atuado por cinco anos – ainda que como monitora – na Mon- santo, uma das maiores companhias de agronegócio do mundo, foi fundamen- tal na sua formação em compliance. “Eu ALUNOS DO CURSO LEC: a formação especializada é só o ponto de partida da carreira.
  • 27. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 27 para toda a empresa. Por isso, é bastante plausível supor que uma próxima leva de compliance officers tenha origem nas fileiras das próprias empresas. ENTENDENDO O QUE O PARCEIRO FAZ “O compliance deve ser um parceiro do negócio”. A afirmação, clássica em apresentações de profissionais do setor, representa a síntese do papel da área que não é nada mais do que dar suporte para que toda a empresa realize os seus ne- gócios dentro de padrões éticos e legais, com riscos diversos mitigados e com eficácia. Tudo ocorrendo com naturali- dade. Só que para oferecer esse suporte, mais uma vez, é preciso entender como a empresa opera e qual a dinâmica do segmento onde ela atua, bem como cada área da companhia funciona. Para isso, não existe melhor caminho do que ter a humildade de sair da cadei- ra e gastar sola de sapato para conversar com as pessoas de diferentes áreas da empresa, perguntar sobre o que fazem e se colocar à disposição delas. Shin Jae Kim acredita que perguntar é a primei- ra coisa que um compliance officer deve fazer. “Ninguém deve ter medo de fazer perguntas”, afirma. Ao mesmo tempo, ela reforça que é preciso estar ciente de que muita gente não vai ser tão legal com você nesse processo. Mas é preci- so entender como as coisas funcionam para ser parceiro de fato. “Quem está chegando agora não costuma ter sua voz ouvida. Então é preciso tentar conversar muito com as principais pessoas de cada área. Quando você tem isso mapeado, tudo funciona melhor. Ele (o complian- ce officer) tem de navegar em todas as áreas, se colocar à disposição, saber o que falar, ser propositivo. E não é auditoria, que olha para o passado e o que foi feito, mas sim dar ideias de como melhorar os controles e os processos para que a em- presa possa crescer em ambientes com melhor gestão de risco, lucrando mais”, acredita Shin. “Na medida em que você passa a ser um questionador, e consegue, a partir desses questionamentos, ofere- cer feedbacks e soluções que contribuam para a evolução dos processos, você passa a ser um parceiro de verdade e as pessoas começam a te respeitar e a te procurar”, emenda. POLÍTICA DO BEM Além de entender como funcionam os negócios, os novos profissionais de com- pliance precisam descobrir que são (ou podem ser) os aliados que darão apoio e suporte ao processo. Em empresas nas quais a implementação do compliance representa uma mudança cultural mais drástica, ter essas pessoas ao seu lado é ainda mais determinante. Como lembra Shin, o profissional de compliance não funciona se estiver isolado. “Se o profis- sional achar que o trabalho dele é só dar sugestão, monitorar e detectar (eventu- ais irregularidades), vai dar errado. Esse profissional só vai conseguir monitorar e detectar se ele estiver inserido no am- biente da empresa. Caso contrário, não vai nem saber o que monitorar. Quem nunca trabalhou não sabe como montar uma área de compliance”, diz a advoga- da do Tozzini, Freire. Outro ponto fundamental é abrir um canal de comunicação direto com a alta administração. Em muitos casos, o compliance officer é um gerente, porém, na prática, ele atua sozinho, sem nin- guém acima dele. O profissional precisa se fazer ser visto pelo seu trabalho. Mas, no dia a dia da grande maioria das em- presas, encontrar um espaço na agenda dos principais executivos é motivo de guerra, assim como é bem provável e na- tural que atender ao compliance officer não esteja entre as principais prioridades SHIN JAE KIM, DO TOZZINI, FREIRE: mercado exige dos novos profissionais de compliance uma vivênciaque eles não têm. Não existe melhor caminho do que ter a humildade de sair da cadeira e gastar sola de sapato para conversar com as pessoas de diferentes áreas da empresa, perguntar sobre o que fazem e se colocar à disposição delas.
  • 28. 28 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 PAPO DE COMPLIANCE CARREIRA desses executivos que têm de lidar com assuntos de todas as áreas da empresa, muitas delas mais importantes para a sustentação do negócio do que a de compliance. Só que no mundo corporativo sem- pre vai existir um momento em que lhe será dada a chance de aparecer. E aí é aproveitar a oportunidade, ter o timing correto e assunto suficiente para amarrar a conversa ou a apresentação, como ex- plica Shin: “Você tem de ter sensibilida- de e astúcia para convencer esses aliados a te ajudarem a viabilizar o seu projeto. Se você fizer uma colocação que, no mínimo, suscite um pensamento, uma análise da parte de quem participou da apresentação, para os profissionais que estão começando na área é um grande trunfo”. A atitude profissional, a manei- ra como o compliance officer expressa sua posição é muito importante para que a área ganhe magnitude dentro da empresa. NEGOCIAÇÃO PRÉVIA Para evitar frustrações futuras, uma dica é, sempre que possível, negociar na entrada as condições de trabalho. Se a empresa chama alguém por causa da lei, esperando ter as vantagens que ela con- cede a quem mantém um programa, a função desse novo profissional está de- terminada e ele terá uma ação limitada a questões de corrupção, de elaboração dos elementos mais básicos do programa e só (ainda que as premissas apresenta- das anteriormente continuem válidas, mesmo com tais restrições de atuação). Ele precisa entender porque a empresa o está chamando. É importante conversar isso desde o início para alinhar as expec- tativas. Com maturidade, experiência e vontade de fazer a diferença, eles se expandem e contribuem também para expandir a visão da empresa sobre o as- sunto. Compliance é muito mais do que anticorrupção. É claro que para alguns negócios esse é o aspecto fundamental. Mas, para a maioria das empresas, de fato, esse não é o ponto principal. Ques- tões trabalhistas, fraudes internas, gestão de risco, contratos com terceiros, con- dutas comerciais, regulação de mercados e muitos outros temas estão sob a área de ação de um compliance officer. Mais uma vez, entender o que a em- presa faz é fundamental para que o pro- fissional possa mapear e ter clareza dos principais riscos, e fazer uma avaliação geral do que será prioridade. Por isso, o risk assessment – que nem todos os novos profissionais fazem ou sabem fazer – é tão importante. Dependendo da empre- sa, o foco pode ser corrupção de agen- tes públicos, em outra, haverá questões mais ligadas ao Recursos Humanos ou à conduta de funcionários. Para conversar com a alta administração é preciso sa- ber de todos esses riscos e saber colocar como cada um deles impacta o negócio. E a empresa terá de decidir o que fazer. Com esse trabalho, o profissional poderá ter uma atuação mais destacada. Outro ponto de constante reclama- ção por parte dos jovens compliance officers é a falta de recursos para a área. Nesse caso, o segredo é sempre ter um plano A e B. Até porque os motivos que levam a empresa a contingenciar os recursos são variados e eles podem acontecer realmente. Em caso de corte, o profissional precisa saber quais são as necessidades básicas e prioritárias e gerir a área com os recursos disponíveis. GERINDO EXPECTATIVAS Tudo o que foi dito até aqui represen- ta um retrato fiel da realidade de um compliance officer e dos desafios que Compliance é muito mais do que anticorrupção. É claro que para alguns negócios esse é o aspecto fundamental. Mas, para a maioria das empresas, de fato, esse não é o ponto principal. ISABEL FRANCO, DO KLA LAW: a vivência no dia a dia de uma empresa faz toda a diferença para o compliance officer.
  • 29. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 29 Uma pesquisa realizada pela consultoria PwC no ano passado revela o estado dos profissionais de compliance nos Estados Unidos. E a conclusão é a de que a posição de compliance officer caminha para um novo patamar, que vai exigir dos profissionais novas habilidades e um realinhamento do foco de atenção dos principais executivos da área. Segundo o estudo, os chefes de compliance são muito qualificados para exercer suas funções tradicionais como dar treinamentos, definir as políticas da área e gerir os canais de denúncia da companhia. Mas existem oportunidades para que o profissional de compliance exerça um papel mais estratégico no negócio na medida em que consiga integrar a área de compliance a toda a empresa. Para a PwC, assim como os CFOs (chefes de finanças) e CIOs (de TI) são responsáveis por supervisionar suas áreas em toda a organização, independentemente de quem é o “dono” daquele pedaço, os Chief Compliance Officers (CCO) devem assumir o controle de medição e monitoramento dos riscos do negócio, bem como da cultura ética. “Eles devem concentrar-se menos na atividade de implementação e de medição e mais na avaliação do impacto da execução das medidas no próprio negócio. Como qualquer membro integrante do C-suite, CCOs são - e devem ser - vistos como peça fundamental para a execução da estratégia organizacional”, diz o estudo. O estudo da PwC traz quatro dicas para um CCO ser mais estratégico para a empresa: CONSTRUA UMA VISÃO DE FUTURO: a organização tem uma visão clara do que espera do seu CCO e de como ele deve se relacionar com os negócios? Aprender com a evolução dos “chefes” de outras áreas pode ajudar o profissional a formatar um compliance que alcance toda a empresa. ESTABELEÇA UMA REDE DE RELACIONAMENTOS E UM CONJUNTO DE HABILIDADES ALÉM DAS FUNÇÕES DE APOIO: tipicamente a área de compliance atua muito em conjunto com o jurídico, o RH e a auditoria. Mas os CCOs e suas equipes devem se esforçar para estarem mais próximos do negócio em todos os níveis. Manter um conjunto de ferramentas de análises e operações na equipe de compliance vai permitir maior envolvimento e melhor desempenho. CONECTE-SE COM A ESTRATÉGIA: melhores habilidades de negócios podem ajudar a melhorar a compreensão da estratégia organizacional e os riscos de compliance associados, além de permitir que o compliance apoie de forma mais eficaz a busca por metas corporativas. CRIE RELATÓRIOS RELEVANTES: aperfeiçoar os relatórios de compliance pode ajudar a dar relevância ao trabalho junto aos membros do conselho, líderes seniores e parceiros de negócios. NOVOS PAPÉIS PARA OS CCO’s os novatos precisam enfrentar no dia a dia. Mas isso não significa que a pro- fissão não ofereça as oportunidades, e muito menos, que não possa proporcio- nar satisfação profissional e pessoal para quem atua na área. Pelo contrário. As oportunidades existem, e os novos pro- fissionais, tão logo vençam a fase inicial e mais dura do aprendizado na prática, estarão prontos para voos mais altos e com a demanda por talentos para a área nas alturas. Em uma pesquisa realizada pelo Tozzini, Freire, 80 entre 100 empres- sas disseram que vão investir mais na área de compliance na comparação com o ano anterior. Por isso, é preci- so controlar as expectativas atuais e saber lidar com a ansiedade. “Os pro- fissionais de compliance têm desafios pela frente como em qualquer outra função. A frustração talvez seja maior, pois é preciso lidar com muitas mu- danças, e sem uma virada de chave, a coisa não funciona. E mesmo quando se percebe a necessidade da mudança nem sempre ela acontece na velocida- de esperada pelo profissional. Não dá para ser ansioso, afobado. É preciso dar continuidade”finaliza Shin Jae Kim.
  • 30. LEC NEWS – ANTICORRUPÇÃO 30 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 A gigante francesa do ramo da engenharia Alstom se declarou culpada de man- ter um grande esquema que resultou no pagamento de deze- nas de milhões de dólares em propina ao redor do mundo, incluindo países como Indonésia, Egito, Bahamas e Arábia Saudita. Como parte do acor- do, a Alstom concordou em pagar uma multa de US$ 772,2 milhões. A cifra gigantesca coloca a companhia francesa na vice-liderança das maio- res multas por violação ao FCPA da história. Bem pertinho dos US$ 800 milhões aplicados à alemã Siemens, no caso que deu início à fase das multas milionárias por corrupção es- trangeira. Subsidiárias da Alstom na Suíça e nos EUA também celebraram acordos, admitindo que conspiraram para violar as disposições anti-subor- no do FCPA. O caso é emblemático pelo tempo investido e pelos recursos – humanos e financeiros – alocados por diferen- tes divisões do governo dos Estados Unidos para concluí-lo, o que virou quase uma “questão de honra” para as autoridades do país. O anúncio do en- cerramento do caso foi feito por altos dirigentes do Departamento de Justiça (DoJ) e também do FBI, a polícia fe- deral norte-americana. “O esquema de corrupção na Als- tom foi sustentado por mais de uma década e por vários continentes”, disse o procurador-geral adjunto do DoJ, James Cole. “(O caso) foi surpreen- dente na sua amplitude, na sua audá- cia e nas suas consequências em todo o mundo. E é tanto minha expectativa - e minha intenção - que a resolução abrangente envie uma mensagem ine- quívoca para outras empresas em todo o mundo: a de que este Departamento de Justiça será implacável em erradicar Em segundo, por pouco e punir a corrupção em toda a exten- são da lei, não importa a sua dimensão ou quão assustadora seja a acusação”. “Este caso é emblemático por como o Departamento de Justiça vai investigar e processar casos de viola- ções ao FCPA - e outros crimes cor- porativos”, disse a procuradora-geral assistente Leslie Caldwell. “Nós incen- tivamos as empresas a manter progra- mas de compliance robustos, a divul- gar voluntariamente e erradicar a má conduta quando ela é detectada, e a cooperar na investigação do governo. Mas nós não vamos esperar as empre- sas agirem de forma responsável. Com cooperação ou sem, o DoJ irá identifi- car a atividade criminosa em corpora- ções usando todos os nossos recursos, empregando todos os instrumentos de aplicação da lei, e considerando todas as ações possíveis, incluindo acusações contra as corporações e indivíduos”. “A resolução histórica é um lem- brete importante de que o nosso man- dato moral e legal para acabar com a corrupção não para em qualquer fronteira, seja ela municipal, estadual, ou nacional”, disse o primeiro assis- tente do procurador-geral no estado de Connecticut, Michael Gustafson. “Uma parte significativa deste traba- lho ilícito, infelizmente, foi realizada a partir de escritórios da Alstom Power em Windsor, no estado de Connecti- cut. Tenho esperança de que esta reso- lução, e em particular o acordo firma- do com a Alstom Power, irá fornecer à empresa uma oportunidade de remo- delar a sua cultura e restaurar seu lugar como uma corporação respeitada”. “Esta investigação durou anos e cru- zou continentes com agentes dos escri- tórios de campo do FBI em Washington e New Haven realizando entrevistas e re- colhendo provas em todos os cantos do mundo”, disse Robert Anderson, diretor executivo assistente do FBI. “O valor recorde em dólares da multa é um im- pedimento claro para as empresas que se envolvem em suborno estrangeiro, mas um impedimento ainda melhor é que vamos enviar os executivos que come- tem esses crimes à prisão”. De acordo com as admissões, a Alstom, por meio de vários executi- vos e empregados, pagou subornos a funcionários do governo e falsificou registros em livros contendo projetos de energia, rede elétrica e de trans- porte para entidades estatais em todo o mundo. No total, a empresa fran- cesa pagou mais de US$ 75 milhões em subornos para obter US$ 4 bi- lhões em projetos ao redor do mun- do, com um lucro para a empresa de PATRICK KRON, CEO DAALSTOM: a demora da empresa em admitir o crime e colaborar com as investigações contribuiu para salgar o valor da multa.
  • 31. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 31 aproximadamente US$ 300 milhões. Um dos pontos que pesou contra a empresa é que, durante quase todo o período de investigações, a empresa tentou esconder o esquema de suborno por meio de consultorias supostamen- te contratadas para prestar serviços em nome da Alstom e de suas subsidiárias. Mas, na verdade, esses consultores ser- viram como canais para pagamentos corruptos a funcionários do governo. Documentos internos da empresa refe- rem-se a alguns dos consultores em có- digo, incluindo “Mr. Genebra”, “Mr. Paris”, “London” e “velho amigo”. No ano passado, em meio às denúncias que se avolumavam em vários países onde opera, a Alstom decidiu que não iria mais usar consultores para inter- mediar seus negócios. AJUDA NA MARRA A cooperação da Alstom com as in- vestigações só ocorreu após cobranças públicas do DoJ a vários executivos da empresa. Após esse chacoalhão, a com- panhia passou a atender as demandas das autoridades com profundidade, inclusive auxiliando a promotoria na investigação de outras empresas e indi- víduos. “Tivemos uma série de proble- mas no passado e nos arrependemos profundamente disso. No entanto, o acordo fechado com o DoJ nos per- mite deixar essa questão para trás e a continuar nossos esforços para garan- tir que os negócios sejam realizados de maneira responsável e consistentes com os mais altos padrões de ética”, disse o CEO da Alstom, Patrick Kron. Segundo o executivo, a Alstom vem fa- zendo progressos significativos na área de compliance ao longo dos últimos anos. Segundo ele, o monitor externo que acompanha o trabalho da empresa por conta de um acordo com o Banco Mundial feito em 2012 confirmou que o programa de compliance da compa- nhia está rodando. Até o momento, o departamento anunciou acusações contra cinco indi- víduos, incluindo quatro executivos de empresas da Alstom, por alegada con- duta corrupta envolvendo esta. Frederic Pierucci, o ex-vice-pre- sidente das vendas globais de caldei- ras da Alstom, David Rothschild e William Pomponi, ambos ex-vice-pre- sidentes de vendas regionais da Als- tom Power, se declararam culpados de conspiração para violar o FCPA, entre 2012 e 2014. Lawrence Hoskins, o ex-vice-presi- dente sênior da Alstom para a região da Ásia, foi acusado em um segundo indiciamento em 30 de julho de 2013 e está pendente de julgamento no Dis- trito de Connecticut, marcado para junho próximo. As acusações contra Hoskins são apenas alegações, e ele tem presunção de inocência, a menos – e até – que se prove sua culpa. Além disso, um membro do alto escalão do parlamento indonésio foi condenado por aceitar subornos da Alstom. Ele está cumprindo pena de prisão de três anos. Já Asem Elgawha- ry, gerente geral de uma entidade que atua em nome da Egyptian Electricity Holding Company, uma empresa esta- tal de eletricidade, se declarou culpado em dezembro do ano passado em um tribunal federal no Distrito de Ma- ryland por acusações de lavagem de dinheiro e fraude fiscal e por aceitar propinas da Alstom e outras empresas. Elgawhary concordou em passar 42 meses na prisão e a devolver cerca de US$ 5,2 milhões em receitas. l NÃO COMUNICAR O CASO ÀS AUTORIDADES: ainda que ciente da má conduta relacionada a uma filial nos Es- tados Unidos, que anteriormente já havia enfrentado acu- sações de corrupção pelo DoJ por um projeto de energia na Itália, a Alstom não avisou às autoridades de que algo poderia estar novamente errado em uma de suas empre- sas nos EUA; l FALTA DE COOPERAÇÃO: durante vários anos da investi- gação, a Alstom não cooperou plenamente com o DoJ; l ESCALA GLOBAL: a má conduta da empresa se esten- deu por muitos anos, por vários países ao redor do mundo e em várias linhas de negócios da empresa, além de en- volver esquemas sofisticados para subornar funcionários de alto nível nos governos; l SEM COMPLIANCE: a companhia não tinha um programa de compliance efetivo nem um programa de ética no período em que os crimes aconteceram; l HISTÓRICO DE PROBLEMAS: condutas criminosas anterio- res já tinham custado àAlstom resoluções contrárias de vários países e do Banco Mundial. As autoridades americanas fizeram questão de frisar os diversos aspectos da investigação que contribuíram para elevar exponencialmente o valor da multa imposta aos franceses, entre eles: O DESCASO QUE SAIU BEM CARO ROBERT ANDERSON, DO FBI: o governo dos EUA empreendeu uma verdadeira cruzada contra a Alstom.
  • 32. LEC NEWS – ANTICORRUPÇÃO 32 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 A Smith & Ouzman Ltd., uma empresa britânica cujas origens remontam a 1845, foi condenada como resulta- do de uma investigação do Serious Fraud Office sobre pagamentos de propinas realizados a agentes públi- cos estrangeiros para obter contra- tos para a empresa. Os pagamentos ilícitos soma- ram 395 mil libras esterlinas e foram feitos a funcionários públi- cos para contratos de negócios no Quênia e na Mauritânia. A Smith & Ouzman é especializada em so- luções de impressão de segurança como cédulas de votação, talões de cheque, certificados e títulos de tesouro. Dois diretores da empresa também foram condenados no julgamento. Seu presidente, Christopher John Smith, de 72 anos, foi condenado a 18 meses de prisão por duas acusações de con- cordar em pagar suborno. A pena ficará suspensa por dois anos. Ele também foi condenado a cumprir 250 horas de tra- balho não remunerado e deverá cumprir três meses de reclusão. Já Nicholas Charles Smith, di- retor de Vendas e Marketing da empresa, foi condenado a três anos de prisão por três acusa- ções de concordar em pagar su- borno. Os dois também ficarão legalmente impedidos de atuar como diretores da empresa por seis anos. A sentença da empresa, condenada pelos mesmos três crimes, será proferida em outu- bro deste ano. “Esta é a primeira conde- nação do SFO - efetivada após um julgamento - de uma empresa por crimes envolvendo o suborno de funcionários públicos estrangeiros. Essa criminalidade, seja ela praticada por empresas grandes ou pequenas, prejudica severamente a reputação comercial do Reino Unido e alimenta a gover- nança corrupta no mundo em desenvolvimento. Estamos muito gratos às autoridades quenianas pela sua assistência neste caso”, comemorou o diretor do SFO, David Green. Não importa o tamanho Depois de “recolher” vários in- tegrantes graduados e outrora poderosos do governo chinês e de empresas estatais (boa parte deles composta por inimigos políticos), a ba- talha travada pelo presidente da China, Xi Jinping contra a corrupção no país asiático ganha um novo alvo. O Partido Comunista Chinês, que é de fato quem exerce o poder no país, comunicou o lançamento de uma in- vestigação pelo período de um ano so- bre o salário dos militares. A informa- ção foi divulgada pela imprensa oficial após revelações de casos de corrupção nas forças armadas virem à tona. A Em cima dos militares Comissão Militar Central da China, li- derada pelo presidente Xi Jinping, vai conduzir a investigação que deve abarcar todos os escalões da área militar. A super- visão ficará sob responsabilidade do chefe do departamento de logística do exército, Zhao Keshi. Segundo a imprensa oficial, a apuração será focada em “toda a cir- culação de dinheiro, recibos e despesas” a fim de encontrar provas de desfalque. Segundo o partido, a corrupção é uma ameaça chave à campanha de moderni- zação militar, um processo que ao longo dos últimos anos vem aumentando subs- tancialmente o orçamento das forças ar- madas no país. O PODEROSO ZHAO KESHI COM O PRIMEIRO MINISTRO DA NOVA ZELÂNDIA: investigações em um setor bilionário e complicado. CHRISTOPHER JOHN SMITH (AO CENTRO), EM EVENTO NA SOMÁLIA: ainda que pequeno, nenhum negócio pode atuar fora das regras do jogo.