Aline Bastos; Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
A investigação mostrou como o engajamento público em questões científicas não representa um processo linear e controlado como as políticas institucionais preconizam, mas é decorrente de estratégias dos públicos, que recombinam ideias, valores, emoções, em função dos seus próprios interesses e crenças.
L2.3 Comunidades Saudáveis: comunicar saúde para construir o futuro
L6.1 Dinâmicas de desinformação pública em ciência: o caso da pílula do câncer no Brasil
1. Dinâmicas de desinformação
pública em ciência: o caso da
pílula do câncer no Brasil
ALINE BASTOS
Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) e gestora da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
2. A pílula do câncer
• Foi no Instituto de Química de São Carlos da Universidade
de São Paulo (IQSC/USP) que o professor Gilberto Chierice
e sua equipe realizaram os primeiros estudos com a
fosfoetalonamina sintética há mais de 20 anos.
• Anos depois, começou a produção em
escala laboratorial para testes in vitro
(em laboratório) e in vivo (com
cobaias e humanos), sendo iniciada a
sua distribuição gratuita, a partir de
um convênio firmado com o Hospital
Amaro Cavalcanti de Jaú, SP.
3. A pílula do câncer
• Com a negativa da Universidade em continuar a
distribuição da substância aos pacientes, após a
aposentadoria do professor Chierice em 2014, o caso
foi parar na esfera judicial, chegando à mídia, ao
Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal
(STF), entre outras instâncias nacionais.
5. A pílula do câncer
• O ápice dessa controvérsia ocorreu com a
promulgação de uma lei nacional em março de 2016,
que autorizou o uso da substância por pacientes com
câncer, sem comprovação científica de sua eficácia e
sem a devida autorização da vigilância sanitária.
6. A pílula do câncer e OP
Este caso não se restringe ao âmbito científico, apenas. A
riqueza e o desafio da investigação estão assentados na
complexa e imbricada rede de associações, dissociações
e influências entre diversos atores envolvidos num
emaranhado de controvérsias, debates e argumentos
antagônicos.
A ciência dos especialistas e autoridades
governamentais, com suas instituições, seus poderes e
discursos constituídos, foi fortemente questionada e
pressionada por aspectos midiáticos, políticos, jurídicos,
financeiros, morais, éticos, emocionais.
7. Objetivos
Investigar as negociações e as interações entre cientistas e
cidadãos em disputa no espaço público, a fim de avaliar as
potencialidades e os limites do engajamento público em
uma questão controversa.
• Captar a complexidade das relações que se estabelecem
no espaço público gerado pela controvérsia da pílula do
câncer, em suas disputas de poder, resistência e
negociação, cooptações e alianças, em constante
movimento.
• Preencher uma lacuna ao investigar como os públicos se
engajam em ciência de maneira informal em espaços
discursivos e de interação, acionando elementos de
visibilidade/publicidade entrelaçados por um conjunto de
interinfluências, em uma “trama" de controvérsias em que
os públicos se envolvem (HENRIQUES, 2018).
8. Desenho metodológico
Estudo de caso (YIN, 2010)
1. Análise documental (dados secundários)
2. Entrevistas semiestruturadas (dados primários)
Os critérios de sequência das entrevistas seguiu a
metodologia do snowball (bola de neve), a partir de uma
lista previamente elaborada com os principais atores.
Optamos por manter os nomes dos entrevistados em
anonimato, divididos em três categorias para preservar
seu “lugar de fala”: C – Ciência; J – Justiça; M – Mídia.
9. Movimento de análise:
indutivo-dedutivo
Buscamos a empiria, daquilo que deriva da
experiência, do que se aprende vivendo e/ou
observando as interações e mobilizações no espaço
público, em três dimensões de análise:
12. Comunicação de ciência:
o engajamento é possível?
• Os modelos de comunicação de ciência não dão conta
de explicar a dinâmica de movimentação e
engajamento dos públicos no espaço público,
especialmente em questões polêmicas e controversas.
• Os públicos interagem e se engajam em assuntos
científicos e tecnológicos, reconfigurando as relações
de confiança entre cientistas e cidadãos e tensionando
o próprio status da ciência na sociedade.
13. Translações de interesses
Os próprios cientistas empregam estratégias e táticas,
ancorando-se em elementos discursivos e simbólicos,
para estabelecer uma cadeia com aliados e apoiadores
prontos a defendê-los e a repetir suas alegações.
“As pessoas que estão realmente fazendo ciência não
estão todas no laboratório; ao contrário, há pessoas no
laboratório porque muitas estão fazendo ciência em
outros lugares" (LATOUR, 2011, p. 254).
14. A potência simbólica
Os simbolismos do câncer: dor, sofrimento e morte
Das crenças mágicas à medicina baseada em evidência
A pílula como objeto mítico
O efeito placebo
O apelo humanitário da pílula do câncer x lucro
Análises da ineficácia da fosfoetanolamina sintética
contra o câncer
A falta de reprodutibilidade na ciência médica: fraude,
pseudociência ou ciência mal feita?
15. Disseminação de
desinformação
A figura carismática de Gilberto Chierice
Pós-verdade e movimentos anticiência
Boatos e fake news (notícias falsas)
A desconfiança pública sobre a indústria farmacêutica
Teorias da conspiração
16. Conclusões
1. Mitificação: a pílula e o câncer no imaginário popular.
2. Midiatização: sensacionalismo, espetacularização e
comoção pública.
3. Judicialização, politização e populismo.
E a história se repete...
17. Tratamento precoce – Covid 19
Desde março de 2021, o “tratamento precoce” contra a
covid foi incentivado por autoridades públicas e médicos
brasileiros.
Além do uso de drogas ineficazes do “kit
covid”(hidroxicloroquina, ivermectina, nitazoxanida,
azitromicina e corticosteroides sistêmicos), as medidas de
eficácia comprovada, como uso de máscara,
distanciamento social e vacinação, foram desestimuladas.
Mesmo sendo reprovado pela comunidade científica,
passaram a serem adotados em larga escala em diferentes
países, especialmente nos Estados Unidos e no Brasil,
especialmente depois de serem promovidas pelos
presidentes dos dois países, Donald Trump e Jair
Bolsonaro.
18. Tratamento precoce – Covid 19
Na visão do Presidente do Brasil, Jair
Bolsonaro, as empresas
farmacêuticas têm interesse em
desacreditar a cloroquina.
O governo brasileiro ficou com 2,5
milhões de comprimidos de
hidroxicloroquina encalhados em um
armazém do Ministério de Saúde, em
hospitais e em diversos municípios.
20. Mortes evitáveis por Covid
Estima-se que cerca de 120 mil mortes ocorridas no
primeiro ano da pandemia (de março de 2020 a março de
2021) poderiam ter sido evitadas se o Brasil tivesse
adotado medidas preventivas. No total, verificou-se 305
mil mortes acima do esperado no período (OXFAM Brasil,
2021).
21. Conclusões
As dinâmicas de opinião pública, como boatos, teorias de
conspiração e anticientificismo, levam os públicos a lidar
com as questões científicas de maneira superficial, fugaz,
estereotipada e emocionalmente suscetível à
desinformação – baseada, sobretudo, na disseminação de
notícias falsas (fake news) e à força de marketing e
relações públicas de instituições, grupos e indivíduos.
Nos dias atuais, multiplicam-se essas dinâmicas perante a
opinião pública, colocando em cheque a expertise, os
protocolos científicos e a própria ciência.
22. Conclusões
Especialmente na área médica, a expansão dessas
dinâmicas de desinformação leva à desconfiança dos
públicos, e pode impactar a vida e a saúde de populações
inteiras, pois representa uma decisão que pode levar a
pessoa:
... ao alívio ou ao sofrimento,
... à cura ou à dor,
... à vida ou à morte.