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A F A M Í L I A P A T R I A R C A L E
S U A S F U N Ç Õ E S E C O N Ô M I C A S
F L O R E S T A N F E R N A N D E S
R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 674
F L O R E S T A N F E R N A N D E S
I
INTRODUÇÃO – A discussão socioló-
gica do tema proposto envolve natural-
mente algumas dificuldades de ordem te-
órica.Defato,apesardeseuempregocor-
rente na sociologia, os conceitos de “fun-
ção econômica” e de “família patriarcal”
nãosãoconceitoslogicamente“claros”.Com
freqüência, o recurso ao conceito de “função
econômica”, no contexto de pensamento
implícito na formulação do ponto sorteado
(“a família patriarcal e suas funções econô-
micas”), se associa à idéia de que a família
patriarcal representa uma espécie de estrutu-
ra social básica do sistema econômico ou
ainda à pretensão de comprovar que o exer-
cício de atividades econômicas fundamen-
tais está subordinado à atuação de pressões e
controles sociais concentrados nas mãos de
um senhor e nas dos seus apaniguados e su-
bordinados, graças ao funcionamento de “um
sistema patriarcal” de atribuição do status e
papéis sociais. Doutro lado, a própria noção
de “família patriarcal” não é precisa quanto às
conotações propriamente sociológicas. O
símile mais geral para sua definição é o que se
oferece através da antiga forma social assumi-
da pela organização do poder senhorial nas tri-
bos hebraicas. Nesse caso, um patriarca exer-
cia seu poder de mando (em vários sentidos:
econômico, militar, religioso e político), em
nome da tradição e de sua condição de des-
cendente e sucessor de um ancestral mítico
R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6 75
Florestan recebe
o prêmio Fábio
Prado, 1948,
em foto com
Fernando de
Azevedo; abaixo,
Campanha em
Defesa da Escola
Pública, no Rio
Grande do Sul
Prova escrita sobre tema sor-
teado no concurso de livre-
docência à cadeira de Socio-
logia I da Faculdade de Filoso-
fia, Ciências e Letras da Uni-
versidade de São Paulo, reali-
zada no dia 19 de outubro de
1953. Foi sorteado o ponto no
17. Compuseram a banca exa-
minadora os professores
Fernando de Azevedo, Roger
Bastide, Herbert Baldus, Má-
rio Wagner Vieira da Cunha e
Octavio da Costa Eduardo. Gil-
berto Freyre, escolhido para
compor a banca, enviou à Fa-
culdade a seguinte carta:
“Apipucos, Recife, 21 de Se-
tembro de 1953. / Exmo. Sr.
Prof. Dr. E. Simões de Paula,
M. D. Diretor da Faculdade de
Filosofia, São Paulo / Acabo
de receber a carta em que V.
Excia. me comunica haver sido
escolhido meu nome para in-
tegrar a comissão examinado-
ra do concurso para livre-
docência da I Cadeira de
Sociologia dessa Faculdade,
ao qual se inscreveu o Dr.
FlorestanFernandes,ilustreci-
entista social que muito admi-
ro./ Infelizmente não me é pos-
sível tomar no momento com-
promissos de examinador, ao
lado, aliás, de eminentes pro-
fessores, que igualmente ad-
miro e estimo. O que muito la-
mento./ Creia V. Excia. na mi-
nha consideração e apreço
pessoais e na minha constan-
te simpatia pela Universidade
de São Paulo e pela Faculda-
de que V. Excia. dirige./ Gil-
berto Freyre” (Arquivo da Fa-
culdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Univer-
sidade de São Paulo). (Nota
de José de Souza Martins.)
76 R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6
comum. A tribo poderia não possuir uma po-
siçãoecológicadefinidaepersistente,maspos-
suía uma organização interna estável, graças
à qual se garantia a unidade permanente de
diversos grupos, através da ordem de suces-
são e da comunhão religiosa, que servia de
fundamento à comunidade de interesses polí-
ticos, econômicos e militares, e que assegura-
va a continuidade das parentelas no espaço e
no tempo. Contudo, esse símile, que serviu
paraacunhagemsociológicadoconceito,não
foiobservadoposteriormente.Aondeseapre-
sentaram modalidades de exercício da domi-
nação senhorial começaram a ver os sociólo-
gos manifestações típicas da família patriar-
cal. Graças a isso o conceito de “família patri-
arcal” foi aplicado ao estudo de povos primi-
tivos (por Thurnwald, por exemplo); ao estu-
do do sistema feudal na China antiga (por
Granet, por exemplo); ao estudo do sistema
feudalnassociedadesocidentais(porPirenne
e por Brentano, por exemplo); e no estudo da
organização da família, que resultou da ex-
pansão da Europa ocidental, através da colo-
nização européia do continente americano.
Em nosso entender, porém, não se deve
confundir a “família patriarcal” com as ativi-
dades econômicas que se desenvolviam den-
tro de seus quadros humanos e sociais. Se to-
mássemos como ponto de referência a dis-
cussãodoproblematendoemvistaasituação
descrita por Pirenne e por Brentano, sería-
mos levados a considerar a “família patriar-
cal” como uma unidade econômica. Pois, de
fato, fora dela não existiam outros limites e
meios ao desenvolvimento da vida econômi-
ca em uma economia sem mercados, dotada
de meios restritos de troca. Contudo, essa
maneira de encarar o problema seria
insatisfatória, pressupondo uma confusão
lamentável entre as condições materiais e
rurais da produção econômica com os efeitos
porelasproduzidos.Daípensarmosqueseria
mais conveniente definir de uma maneira
estrita as funções econômicas da família pa-
triarcal.Parafinsinterpretativos,entendemos
por“funçõeseconômicas”dafamíliapatriar-
cal as atividades sociais dos componentes da
família patriarcal, independentemente da si-
tuação econômica relativa delas dentro do
sistemasocialporelaconstituído,quecontri-
buíssem para manter direta ou indiretamente
a constituição e o funcionamento do sistema
correspondente de vida econômica.
Quanto ao conceito de “família patriar-
cal”,evidencia-seatualmenteatendênciapara
ressaltar certos traços típicos, pondo-se de
lado os aspectos peculiares e manifestações
Imagem antológica
— Ginásio Riachuelo,
Madureza, em 1936
(Florestan é o 5º
da esquerda
para a direita,
na fila do centro)
77R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6
culturais do fenômeno, por mais relevantes
que estes sejam quanto à definição, descrição
e interpretação da família patriarcal entre os
hebreus,entreosromanos,entrecertospovos
primitivos contemporâneos, etc. Aliás, é este
procedimento que oferece consistência lógi-
caaoempregoindiscriminadodoconceitona
sociologia. Nesse caso, os traços essenciais
da família patriarcal são: a crença na existên-
ciadelaçosconsangüíneos,definidosatravés
de um antepassado comum, mítico ou real; a
vigênciadecritériosdetransmissãohereditá-
ria da posição de “chefe” ou de “senhor” em
linha masculina, com preferência ao
primogênito da esposa legal ou de uma das
esposas legais; ao exercício do poder senho-
rial através de normas estabelecidas pela tra-
dição, independentemente de sua origem ou
fundamento religioso; o princípio de unidade
econômica e política dos componentes da
unidadefamilial,sobaliderançado“senhor”;
acomunhãoreligiosa;eoprincípiodesolida-
riedade no grupo de parentes, em todas as
ações ou situações em que estes ou seus apa-
niguados ou subordinados se envolvessem
como e enquanto membros ou representantes
de uma unidade familial. Como se vê, trata-
se de uma caracterização que alcança um
“mínimo de definição”, como se diz atual-
mentenasociologia.Eessemínimológicode
definição é obtido por meio da deslocação da
ênfase científica dos aspectos estruturais va-
riáveis para aqueles que são por assim dizer
aspectos estruturais constantes. Embora se
admita que existe uma relação entre a “famí-
lia patriarcal” e a estrutura do meio social em
que ela se insere, para alcançar alguma coe-
rência em sua definição foi preciso abando-
nar a pretensão de defini-la em termos de
fatores estruturais característicos de algumas
de suas manifestações histórico-culturais.
A ORIENTAÇÃO SOCIOLÓGICA
NA INVESTIGAÇÃO DAS FUNÇÕES
ECONÔMICAS DA FAMÍLIA PATRIARCAL
Visto isso, poderíamos passar a outro as-
pecto sugerido pela formulação do tema. A
aplicação do ponto de vista sociológico à in-
vestigação das funções econômicas da famí-
lia patriarcal, ainda que se defina o que se
entende sociologicamente pelos dois concei-
tos, pode estar sujeita a interesses científicos
particulares.Noprogramaatualdacadeirade
SociologiaI,eleseinscreveclaramentecomo
um tema de história econômica. E de fato não
foram os sociólogos mas os economistas da
escola histórica que puseram pela primeira
vez em evidência a significação sociológica
de uma análise da vida econômica sob os
quadros sociais da família patriarcal. Doutro
lado, foram os historiadores que se dedicam
à investigação da Europa medieval que des-
cobriram as ligações mais profundas de um
certo tipo de organização da vida doméstica
com a organização da vida econômica. Se
aceitássemos essa orientação, seríamos leva-
dos a discutir o tema concretamente tomando
como ponto de referência a situação históri-
co-social que abrange um período bem deter-
minado da história européia, que abrange
Fac-símile da prova
de Florestan
Fernandes para a
Livre Docência da
Cadeira de
Sociologia, realizada
a 19 de outubro de
1959, com o tema:
"A Família Patriarcal
e suas Funções
Econômicas"
78 R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6
põe uma escolha rigorosa do tema a ser exa-
minado. Sabe-se que a família patriarcal se
manifesta em diversos níveis de civilização e
em variados tipos de organização estrutural
da sociedade. Além disso, o valor original de
uma dissertação diminui a olhos vistos quan-
to mais ela se concentra em fenômenos de-
masiado conhecidos no próprio campo de
investigações. Por isso, preferimos limitar o
alcance do tema proposto, no que concerne à
sua discussão empírico-indutiva, propondo-
nos a considerar a seguir, nos limites de
proporcionalidade facultados pela condição
em que nos encontramos, as
FUNÇÕES ECONÔMICAS DA FAMÍLIA
PATRIARCAL EM SÃO PAULO
É sabido que um dos fenômenos melhor
estudados da vida social brasileira é exata-
menteoda“famíliapatriarcal”.Pondodelado
investigações que encontraram menor resso-
nância, por causa da delimitação do tema ou
do caráter geral da própria orientação. Al-
guns trabalhos lograram alcançar grande no-
toriedade e mereceram, pela própria contri-
buição que traziam, grande interesse entre os
especialistas. Entre eles, cumpre-nos pôr em
evidência os que possuem maior relevância
para a interpretação sociológica (1):
1o
) Os estudos de Oliveira Viana. Este
autor deve ser considerado como o inegável
precursor sociológico na investigação desse
tema.Suaobraseconfinahistoricamente,mas
incide de preferência nas manifestações da
família patriarcal que poderiam nos interes-
sar mais de perto e que dizem respeito ao sul
do país.
2o
) A obra de Gilberto Freyre, cujo alcan-
ce sociológico repousa na contribuição que
nos legou para o estudo da família patriarcal
no Brasil (inclusive sobre os seus aspectos
econômicos).
3o
) As obras em que são por assim dizer
analisadas as funções econômicas propria-
mente ditas da família patriarcal no Brasil:
são as obras de Caio Prado Júnior (Formação
do Brasil Contemporâneo) e de Fernando de
Azevedo (Canaviais e Engenhos na Vida
Política do Brasil), que trataram igualmente
das relações existentes entre a constituição
aproximadamente o lapso de tempo entre os
séculos XI-XV (ou, como fazem outros: a
organização da família patriarcal romana).
Além desse, porém, a sociologia moderna
elaborou dois pontos de vista diferentes: um
consiste em tomar cada uma das manifesta-
ções histórico-culturais da família patriarcal,
analisá-las detidamente com o propósito de
pôr em evidência seus aspectos peculiares e
de elaborar uma análise comparativa; outro
consiste em escolher uma das manifestações
histórico-sociais do fenômeno, e analisá-la
segundo as implicações e os critérios da pró-
pria investigação sociológica. O fundamento
lógico deste procedimento monográfico de-
riva da necessidade de lidar, para fins
interpretativos que almejam à comparação,
com investigações particulares realizadas
pelos próprios sociólogos (e não por histori-
adores,poreconomistas,porespecialistasem
ciênciapolíticaeemdireitocomparado).Com
isso, a comparação não é negada, propria-
mentefalando;mastransferidaparaumaépo-
ca mais propícia, em que a sociologia tenha
acumulado por meios próprios e segundo as
exigências do espírito de investigação positi-
va os seus materiais de trabalho.
Ora, acontece que o primeiro tipo de con-
sideração do fenômeno tem merecido uma
atenção cuidadosa por parte dos especialistas.
E uma obra como a de Max Weber (Economia
eSociedade)chegaaconterosresultadosmais
frutíferosefecundosquesepretendessealcan-
çar por meio da investigação comparativa, tal
como ela pode ser desenvolvida no presente
pelos sociólogos. Como não pretendemos fa-
zer aqui um resumo dos resultados a que che-
gou aquele sociólogo, inclinamo-nos a consi-
derar o tema proposto em termos da segunda
orientaçãoassinalada.Elaapresentaoriscode
confundir-se com os antigos ensaios de histó-
ria econômica; mas, por seu próprio espírito,
distingue-sedestespelofatodepretenderapre-
sentar uma explicação dos fatos que atenta em
conexões funcionais e causais, em vez de in-
sistirsomentenacaracterizaçãodeseqüências
e fases da vida econômica que assumem um
padrãodefinidoquandoencaradasdeumapers-
pectiva temporal.
Coloca-se, porém, uma dificuldade. Essa
orientação, por sua própria natureza, pressu-
1 Deixamos de mencionar a
obrarecentedeLuísMartins
(O Patriarca e o Bacharel),
porque ainda não tivemos
oportunidadedelê-lanasua
edição recente.
79R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6
interna da família patriarcal em suas cone-
xões com as condições da vida econômica no
Brasil e da influência exercida, com base na
situação econômica, pelos senhores rurais
brasileiros e por suas famílias.
4o
) A análise comparativa desenvolvida
por Emílio Willems (Assimilação e Popula-
ções Marginais no Brasil Meridional e A
Aculturação dos Alemães no Brasil), através
do confronto da organização da família patri-
arcal com a dos migrantes alemães, que colo-
nizaram ou se fixaram em Santa Catarina e
Rio Grande do Sul.
5°)Aúnicatentativadesíntesequeconhe-
cemos e que procura compreender a organiza-
ção da família patriarcal tendo em vista as
condições de sua organização, de sua desinte-
gração e da formação da família conjugal
moderna, que coincide com a integração de
novostiposdeorganizaçãodafamíliaemnos-
so meio – o ensaio de Antonio Candido, “The
Brazilian Family” (publicado parcialmente
como capítulo da obra editada por T. Lynn
Smith, Brazil: Portrait of a Half Continente).
No estado atual da investigação socioló-
Na foto do alto, Fernando Henrique Cardoso,
e Samuel Noah Eisenstadt (à esquerda de Florestan),
na Universidade de Münster, Alemanha;
acima, durante o 2º Congresso Sindical dos
Trabalhadores do Estado de São Paulo, 1960,
Caio Prado Júnior e Florestan estão em pé,
à esquerda, na fila dos oradores
80 R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6
gica no Brasil poderíamos analisar o tema
proposto aproveitando os resultados das in-
vestigações dos autores citados. Mas tería-
mos que repetir, inevitavelmente – e sem
nenhum mérito pessoal – o que escreveram
esses autores, em particular Gilberto Freyre.
Por isso, preferimos explorar o pouco que
conhecemos sobre esse assunto, e que obti-
vemos através de nossa própria iniciativa,
eminvestigaçõescujosresultadosjásãopar-
cialmente conhecidos do público. Lamenta-
mos não nos ser possível aprofundar a aná-
lise dos problemas sugeridos. Não nos dare-
mos por satisfeitos se ela sugerir de forma
adequada como enfrentaríamos a tarefa de
pôr em evidência, sociologicamente, as fun-
ções econômicas da família patriarcal em
São Paulo.
Na análise que empreendemos sobre as
relações entre economia e sociedade na evo-
lução de São Paulo (sinteticamente exposta,
ainda que de forma superficial, no primeiro
capítulo do trabalho escrito em colaboração
com Roger Bastide, o qual capítulo se
intitula: “Do Escravo ao Cidadão”*) fica
evidente que há fases estruturalmente dis-
tintas na história econômica do nosso esta-
do. Contudo, todo um longo período que vai
do século XVI aos fins do século XIX apre-
sentaumarelativahomogeneidadesocialque
não é afetada pelas alterações que se produ-
zem na organização da vida econômica. Os
núcleosdeatividadeseconômicasfundamen-
tais se alteram (passa-se sucessivamente do
apresamento para a mineração e desta para a
lavoura de subsistência e depois para a ex-
ploraçãopropriamentecolonialdocafé),com
eles se transformam substancialmente os
padrões de instituição e de organização do
sistema de trabalho (passa-se da exploração
dominante do trabalho escravo indígena para
a do trabalho escravo africano e depois à
exploração combinada do trabalho escravo
negroedotrabalholivre),semqueaestrutura
social sofresse nenhum abalo realmente pro-
fundo. É que essas transformações se opera-
ram sem pôr em jogo os próprios princípios
da organização social: a posse de escravos e
aexploraçãodegrandesextensõesterritoriais.
A sociedade transformara-se nos aspectos
exteriores de sua economia, mas permanece-
ra relativamente invariável em sua substân-
cia – a propriedade territorial e a exploração
do trabalho servil.
Esse background sugere, naturalmente,
que na análise das funções econômicas (es-
pecíficas) da família patriarcal é preciso se-
parar os aspectos que revelam certa estabi-
lidade dentro da instabilidade geral da evo-
lução do sistema de relações sociais de São
Paulo,dosquesetransformamcontinuamen-
te, através dos diferentes períodos ou ciclos
da história econômica de São Paulo. E indi-
ca, em segundo lugar, a conveniência de as-
sinalar concretamente as imputações feitas
funcionalmente, quanto às relações da eco-
nomia paulista com a organização da famí-
lia patriarcal. A isso limitaremos a nossa
dissertação, por julgarmos que aí está o es-
sencial em uma análise como a presente.
Quanto às funções econômicas, que po-
deríamos considerar “constantes”, é preciso
considerar três aspectos distintos – o que a
família patriarcal significou em nosso meio
do ponto de vista adaptativo e do ajustamen-
to recíproco dos homens como condição da
vida econômica; o que ela significava como
meio de classificação social e de ajustamen-
to dos indivíduos a um sistema senhorial e
escravocrata de relações de produção; e a
sua função propriamente ativa na
dinamização da vida econômica. Quanto ao
primeiro ponto, é óbvio que a família patri-
arcal não se explica em São Paulo (encarada
sociologicamente) senão pelas condições
econômicas que favoreceram e tornaram
possível a transferência e revitalização de
um padrão de organização da vida domésti-
ca que se encontrava em desagregação na
Europa.Aproduçãobaseadanamão-de-obra
escrava, o gênero de atividade econômica
(apresamento, lavoura extensiva de produ-
tos de subsistência ou depois dos produtos
coloniais e a grande propriedade territorial)
eafacilidade(relativa)deobtermão-de-obra
escrava parecem ter agido como fatores de
perpetuação e de integração da família pa-
triarcal ao novo meio geográfico, econômi-
co e humano. Sob este aspecto, somos leva-
dos a definir como funções econômicas es-
pecíficas da família patriarcal um conjunto
de atividades que repousavam em sua estru-
* Florestan Fernandes se refe-
re ao que viria a ser o primeiro
capítulo do livro de Roger
BastideeFlorestanFernandes:
Brancos e Negros em São
Paulo (Ensaio Sociológico so-
bre Aspectos da Formação,
Manifestações Atuais e Efeitos
do Preconceito de Cor na So-
ciedade Paulistana), 2ª. edi-
ção, São Paulo, 1959, pp. 1-
76. Esse capítulo foi escrito por
Florestan Fernandes e publi-
cado originalmente na revista
Anhembi (bol. X, número 30,
São Paulo, 1953). O conjunto
do livro teve uma primeira edi-
ção como parte de obra maior:
Roger Bastide e Florestan
Fernandes (organizadores),
Relações Raciais entre Negros
e Brancos em São Paulo, Edi-
tora Anhembi, São Paulo, 1955
(N. de J. S. M.).
81R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6
tura e em seu funcionamento. Tais ativida-
des são as que contribuíam para a adaptação
dos brancos à vida nos trópicos, à mentali-
dade de exploração mercantil do trabalho
humanosobaformadeescravizaçãodeentes
humanoseàidéiadequeoajustamentointer-
humano podia se ajustar a outros padrões,
que não existiam mais em plena vigência
nas sociedades européias. A família patriar-
cal forneceu assim o próprio arcabouço do
novo regime social, em que a divisão
estamental foi completada por uma divisão
em castas: em sua estrutura ela continha o
próprio modelo da sociedade inclusiva, que
ela representava como um pequeno mundo
autônomo e completo. Os seus três núcleos
fundamentais (o núcleo legal, o núcleo de
dependentes e o núcleo de escravos) conti-
nham todas as situações sociais possíveis na
sociedade escravocrata brasileira e ofere-
ciam todos os estímulos que alimentavam
os ideais de vida da camada senhorial, suas
pretensões de direito absoluto, suas aspira-
ções de nobreza e sua ética social, que abran-
gia uma vasta gama de diferenciação dos
homens e do seu destino social. Nesse plano
de relações adaptativas e de ajustamentos
dos homens uns aos outros, a família patri-
arcal desempenhou sempre a mesma fun-
ção, que é estritamente econômica no que
concerne às condições de existência mate-
rial que repousavam em semelhante estru-
tura social.
Quanto ao segundo ponto, ele é evidente
e se inclui parcialmente nos processos já
mencionados. De fato, desde o século XVI a
classificação social dos indivíduos e sua dis-
tribuição no sistema de ocupações sociais
depende diretamente da própria posição dos
sujeitos na estrutura da família patriarcal.
Esta provê o sistema econômico mediante a
combinação de preceitos tradicionais com
argumentos pecuniários – o que o membro
donúcleolegaldafamíliapatriarcalnãopode
fazer, faz por ele o seu dependente e, princi-
palmente, o seu escravo. Essa combinação
(queserepeteemoutroscasosanálogos)ofe-
rece barreiras mais ou menos conhecidas à
expansão econômica, tanto no que concerne
à divisão do trabalho e à especialização, que
ao desenvolvimento da produção e da troca.
Era porém uma decorrência dessa função da
família patriarcal (que, aliás, variou nos pe-
ríodos de história econômica de São Paulo)
restringiraoperaçãodosmecanismosdavida
econômica,quesópodiaexpandir-se,assim,
dentro dos limites próprios a uma economia
sem mercado e posteriormente a uma eco-
nomia baseada na exploração de produtos
tropicais sob regime escravocrata.
Quanto ao terceiro ponto, é claro que a
família patriarcal só operava dentro de cer-
tos limites como fator restritivo da vida
econômica. Vista à luz da época histórico-
social que nos interessa, é óbvio que ela
operava como um agente de dinamização da
vida econômica. A experiência histórica
demonstra como os imperativos surgidos ou
impostos pela concepção patriarcal do mun-
do puderam ser atendidos sob atividades
econômicas distintas (apresamento, lavoura
desubsistênciaeexploraçãodeprodutostro-
picais). Desse modo, a defesa de uma situa-
ção econômica e socialmente privilegiada
atuou contra as normas legadas pela tradi-
ção e contra os preconceitos dos paulistas
por várias atividades econômicas senhoriais
(é o que atestam, principalmente, os depoi-
mentos legados ou coordenados pelo
Desemb. Machado de Oliveira).
Falta-nos tempo para examinar os ele-
mentos variáveis. Mas podemos apontá-los
sucintamente:
1o
) a função de equipar a camada senho-
rial com os meios legais e propriamente eco-
nômicos das atividades econômicas básicas;
2o
) restringir o acesso de indivíduos da
mesma “raça” ou indivíduos mestiços mas
de outros estamentos à situação econômica
da camada senhorial;
3o
) restringir a competição e os confli-
tos no próprio nível senhorial, restringir o
exercício de atividades não-nobilitantes a
membros da mesma “raça” de outros
estamentos e a representantes de outra
“raça” e abrir critérios plásticos de classi-
ficação a todos os indivíduos pertencentes
ao núcleo legal da família. Isso permitia
uma renovação periódica de seus quadros
humanos sem pôr em risco o exercício da
dominação senhorial, confinada assim a
uma só camada social.

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  • 1. FF A F A M Í L I A P A T R I A R C A L E S U A S F U N Ç Õ E S E C O N Ô M I C A S F L O R E S T A N F E R N A N D E S R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 674 F L O R E S T A N F E R N A N D E S I INTRODUÇÃO – A discussão socioló- gica do tema proposto envolve natural- mente algumas dificuldades de ordem te- órica.Defato,apesardeseuempregocor- rente na sociologia, os conceitos de “fun- ção econômica” e de “família patriarcal” nãosãoconceitoslogicamente“claros”.Com freqüência, o recurso ao conceito de “função econômica”, no contexto de pensamento implícito na formulação do ponto sorteado (“a família patriarcal e suas funções econô- micas”), se associa à idéia de que a família patriarcal representa uma espécie de estrutu- ra social básica do sistema econômico ou ainda à pretensão de comprovar que o exer- cício de atividades econômicas fundamen- tais está subordinado à atuação de pressões e controles sociais concentrados nas mãos de um senhor e nas dos seus apaniguados e su- bordinados, graças ao funcionamento de “um sistema patriarcal” de atribuição do status e papéis sociais. Doutro lado, a própria noção de “família patriarcal” não é precisa quanto às conotações propriamente sociológicas. O símile mais geral para sua definição é o que se oferece através da antiga forma social assumi- da pela organização do poder senhorial nas tri- bos hebraicas. Nesse caso, um patriarca exer- cia seu poder de mando (em vários sentidos: econômico, militar, religioso e político), em nome da tradição e de sua condição de des- cendente e sucessor de um ancestral mítico
  • 2. R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6 75 Florestan recebe o prêmio Fábio Prado, 1948, em foto com Fernando de Azevedo; abaixo, Campanha em Defesa da Escola Pública, no Rio Grande do Sul Prova escrita sobre tema sor- teado no concurso de livre- docência à cadeira de Socio- logia I da Faculdade de Filoso- fia, Ciências e Letras da Uni- versidade de São Paulo, reali- zada no dia 19 de outubro de 1953. Foi sorteado o ponto no 17. Compuseram a banca exa- minadora os professores Fernando de Azevedo, Roger Bastide, Herbert Baldus, Má- rio Wagner Vieira da Cunha e Octavio da Costa Eduardo. Gil- berto Freyre, escolhido para compor a banca, enviou à Fa- culdade a seguinte carta: “Apipucos, Recife, 21 de Se- tembro de 1953. / Exmo. Sr. Prof. Dr. E. Simões de Paula, M. D. Diretor da Faculdade de Filosofia, São Paulo / Acabo de receber a carta em que V. Excia. me comunica haver sido escolhido meu nome para in- tegrar a comissão examinado- ra do concurso para livre- docência da I Cadeira de Sociologia dessa Faculdade, ao qual se inscreveu o Dr. FlorestanFernandes,ilustreci- entista social que muito admi- ro./ Infelizmente não me é pos- sível tomar no momento com- promissos de examinador, ao lado, aliás, de eminentes pro- fessores, que igualmente ad- miro e estimo. O que muito la- mento./ Creia V. Excia. na mi- nha consideração e apreço pessoais e na minha constan- te simpatia pela Universidade de São Paulo e pela Faculda- de que V. Excia. dirige./ Gil- berto Freyre” (Arquivo da Fa- culdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Univer- sidade de São Paulo). (Nota de José de Souza Martins.)
  • 3. 76 R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6 comum. A tribo poderia não possuir uma po- siçãoecológicadefinidaepersistente,maspos- suía uma organização interna estável, graças à qual se garantia a unidade permanente de diversos grupos, através da ordem de suces- são e da comunhão religiosa, que servia de fundamento à comunidade de interesses polí- ticos, econômicos e militares, e que assegura- va a continuidade das parentelas no espaço e no tempo. Contudo, esse símile, que serviu paraacunhagemsociológicadoconceito,não foiobservadoposteriormente.Aondeseapre- sentaram modalidades de exercício da domi- nação senhorial começaram a ver os sociólo- gos manifestações típicas da família patriar- cal. Graças a isso o conceito de “família patri- arcal” foi aplicado ao estudo de povos primi- tivos (por Thurnwald, por exemplo); ao estu- do do sistema feudal na China antiga (por Granet, por exemplo); ao estudo do sistema feudalnassociedadesocidentais(porPirenne e por Brentano, por exemplo); e no estudo da organização da família, que resultou da ex- pansão da Europa ocidental, através da colo- nização européia do continente americano. Em nosso entender, porém, não se deve confundir a “família patriarcal” com as ativi- dades econômicas que se desenvolviam den- tro de seus quadros humanos e sociais. Se to- mássemos como ponto de referência a dis- cussãodoproblematendoemvistaasituação descrita por Pirenne e por Brentano, sería- mos levados a considerar a “família patriar- cal” como uma unidade econômica. Pois, de fato, fora dela não existiam outros limites e meios ao desenvolvimento da vida econômi- ca em uma economia sem mercados, dotada de meios restritos de troca. Contudo, essa maneira de encarar o problema seria insatisfatória, pressupondo uma confusão lamentável entre as condições materiais e rurais da produção econômica com os efeitos porelasproduzidos.Daípensarmosqueseria mais conveniente definir de uma maneira estrita as funções econômicas da família pa- triarcal.Parafinsinterpretativos,entendemos por“funçõeseconômicas”dafamíliapatriar- cal as atividades sociais dos componentes da família patriarcal, independentemente da si- tuação econômica relativa delas dentro do sistemasocialporelaconstituído,quecontri- buíssem para manter direta ou indiretamente a constituição e o funcionamento do sistema correspondente de vida econômica. Quanto ao conceito de “família patriar- cal”,evidencia-seatualmenteatendênciapara ressaltar certos traços típicos, pondo-se de lado os aspectos peculiares e manifestações Imagem antológica — Ginásio Riachuelo, Madureza, em 1936 (Florestan é o 5º da esquerda para a direita, na fila do centro)
  • 4. 77R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6 culturais do fenômeno, por mais relevantes que estes sejam quanto à definição, descrição e interpretação da família patriarcal entre os hebreus,entreosromanos,entrecertospovos primitivos contemporâneos, etc. Aliás, é este procedimento que oferece consistência lógi- caaoempregoindiscriminadodoconceitona sociologia. Nesse caso, os traços essenciais da família patriarcal são: a crença na existên- ciadelaçosconsangüíneos,definidosatravés de um antepassado comum, mítico ou real; a vigênciadecritériosdetransmissãohereditá- ria da posição de “chefe” ou de “senhor” em linha masculina, com preferência ao primogênito da esposa legal ou de uma das esposas legais; ao exercício do poder senho- rial através de normas estabelecidas pela tra- dição, independentemente de sua origem ou fundamento religioso; o princípio de unidade econômica e política dos componentes da unidadefamilial,sobaliderançado“senhor”; acomunhãoreligiosa;eoprincípiodesolida- riedade no grupo de parentes, em todas as ações ou situações em que estes ou seus apa- niguados ou subordinados se envolvessem como e enquanto membros ou representantes de uma unidade familial. Como se vê, trata- se de uma caracterização que alcança um “mínimo de definição”, como se diz atual- mentenasociologia.Eessemínimológicode definição é obtido por meio da deslocação da ênfase científica dos aspectos estruturais va- riáveis para aqueles que são por assim dizer aspectos estruturais constantes. Embora se admita que existe uma relação entre a “famí- lia patriarcal” e a estrutura do meio social em que ela se insere, para alcançar alguma coe- rência em sua definição foi preciso abando- nar a pretensão de defini-la em termos de fatores estruturais característicos de algumas de suas manifestações histórico-culturais. A ORIENTAÇÃO SOCIOLÓGICA NA INVESTIGAÇÃO DAS FUNÇÕES ECONÔMICAS DA FAMÍLIA PATRIARCAL Visto isso, poderíamos passar a outro as- pecto sugerido pela formulação do tema. A aplicação do ponto de vista sociológico à in- vestigação das funções econômicas da famí- lia patriarcal, ainda que se defina o que se entende sociologicamente pelos dois concei- tos, pode estar sujeita a interesses científicos particulares.Noprogramaatualdacadeirade SociologiaI,eleseinscreveclaramentecomo um tema de história econômica. E de fato não foram os sociólogos mas os economistas da escola histórica que puseram pela primeira vez em evidência a significação sociológica de uma análise da vida econômica sob os quadros sociais da família patriarcal. Doutro lado, foram os historiadores que se dedicam à investigação da Europa medieval que des- cobriram as ligações mais profundas de um certo tipo de organização da vida doméstica com a organização da vida econômica. Se aceitássemos essa orientação, seríamos leva- dos a discutir o tema concretamente tomando como ponto de referência a situação históri- co-social que abrange um período bem deter- minado da história européia, que abrange Fac-símile da prova de Florestan Fernandes para a Livre Docência da Cadeira de Sociologia, realizada a 19 de outubro de 1959, com o tema: "A Família Patriarcal e suas Funções Econômicas"
  • 5. 78 R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6 põe uma escolha rigorosa do tema a ser exa- minado. Sabe-se que a família patriarcal se manifesta em diversos níveis de civilização e em variados tipos de organização estrutural da sociedade. Além disso, o valor original de uma dissertação diminui a olhos vistos quan- to mais ela se concentra em fenômenos de- masiado conhecidos no próprio campo de investigações. Por isso, preferimos limitar o alcance do tema proposto, no que concerne à sua discussão empírico-indutiva, propondo- nos a considerar a seguir, nos limites de proporcionalidade facultados pela condição em que nos encontramos, as FUNÇÕES ECONÔMICAS DA FAMÍLIA PATRIARCAL EM SÃO PAULO É sabido que um dos fenômenos melhor estudados da vida social brasileira é exata- menteoda“famíliapatriarcal”.Pondodelado investigações que encontraram menor resso- nância, por causa da delimitação do tema ou do caráter geral da própria orientação. Al- guns trabalhos lograram alcançar grande no- toriedade e mereceram, pela própria contri- buição que traziam, grande interesse entre os especialistas. Entre eles, cumpre-nos pôr em evidência os que possuem maior relevância para a interpretação sociológica (1): 1o ) Os estudos de Oliveira Viana. Este autor deve ser considerado como o inegável precursor sociológico na investigação desse tema.Suaobraseconfinahistoricamente,mas incide de preferência nas manifestações da família patriarcal que poderiam nos interes- sar mais de perto e que dizem respeito ao sul do país. 2o ) A obra de Gilberto Freyre, cujo alcan- ce sociológico repousa na contribuição que nos legou para o estudo da família patriarcal no Brasil (inclusive sobre os seus aspectos econômicos). 3o ) As obras em que são por assim dizer analisadas as funções econômicas propria- mente ditas da família patriarcal no Brasil: são as obras de Caio Prado Júnior (Formação do Brasil Contemporâneo) e de Fernando de Azevedo (Canaviais e Engenhos na Vida Política do Brasil), que trataram igualmente das relações existentes entre a constituição aproximadamente o lapso de tempo entre os séculos XI-XV (ou, como fazem outros: a organização da família patriarcal romana). Além desse, porém, a sociologia moderna elaborou dois pontos de vista diferentes: um consiste em tomar cada uma das manifesta- ções histórico-culturais da família patriarcal, analisá-las detidamente com o propósito de pôr em evidência seus aspectos peculiares e de elaborar uma análise comparativa; outro consiste em escolher uma das manifestações histórico-sociais do fenômeno, e analisá-la segundo as implicações e os critérios da pró- pria investigação sociológica. O fundamento lógico deste procedimento monográfico de- riva da necessidade de lidar, para fins interpretativos que almejam à comparação, com investigações particulares realizadas pelos próprios sociólogos (e não por histori- adores,poreconomistas,porespecialistasem ciênciapolíticaeemdireitocomparado).Com isso, a comparação não é negada, propria- mentefalando;mastransferidaparaumaépo- ca mais propícia, em que a sociologia tenha acumulado por meios próprios e segundo as exigências do espírito de investigação positi- va os seus materiais de trabalho. Ora, acontece que o primeiro tipo de con- sideração do fenômeno tem merecido uma atenção cuidadosa por parte dos especialistas. E uma obra como a de Max Weber (Economia eSociedade)chegaaconterosresultadosmais frutíferosefecundosquesepretendessealcan- çar por meio da investigação comparativa, tal como ela pode ser desenvolvida no presente pelos sociólogos. Como não pretendemos fa- zer aqui um resumo dos resultados a que che- gou aquele sociólogo, inclinamo-nos a consi- derar o tema proposto em termos da segunda orientaçãoassinalada.Elaapresentaoriscode confundir-se com os antigos ensaios de histó- ria econômica; mas, por seu próprio espírito, distingue-sedestespelofatodepretenderapre- sentar uma explicação dos fatos que atenta em conexões funcionais e causais, em vez de in- sistirsomentenacaracterizaçãodeseqüências e fases da vida econômica que assumem um padrãodefinidoquandoencaradasdeumapers- pectiva temporal. Coloca-se, porém, uma dificuldade. Essa orientação, por sua própria natureza, pressu- 1 Deixamos de mencionar a obrarecentedeLuísMartins (O Patriarca e o Bacharel), porque ainda não tivemos oportunidadedelê-lanasua edição recente.
  • 6. 79R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6 interna da família patriarcal em suas cone- xões com as condições da vida econômica no Brasil e da influência exercida, com base na situação econômica, pelos senhores rurais brasileiros e por suas famílias. 4o ) A análise comparativa desenvolvida por Emílio Willems (Assimilação e Popula- ções Marginais no Brasil Meridional e A Aculturação dos Alemães no Brasil), através do confronto da organização da família patri- arcal com a dos migrantes alemães, que colo- nizaram ou se fixaram em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 5°)Aúnicatentativadesíntesequeconhe- cemos e que procura compreender a organiza- ção da família patriarcal tendo em vista as condições de sua organização, de sua desinte- gração e da formação da família conjugal moderna, que coincide com a integração de novostiposdeorganizaçãodafamíliaemnos- so meio – o ensaio de Antonio Candido, “The Brazilian Family” (publicado parcialmente como capítulo da obra editada por T. Lynn Smith, Brazil: Portrait of a Half Continente). No estado atual da investigação socioló- Na foto do alto, Fernando Henrique Cardoso, e Samuel Noah Eisenstadt (à esquerda de Florestan), na Universidade de Münster, Alemanha; acima, durante o 2º Congresso Sindical dos Trabalhadores do Estado de São Paulo, 1960, Caio Prado Júnior e Florestan estão em pé, à esquerda, na fila dos oradores
  • 7. 80 R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6 gica no Brasil poderíamos analisar o tema proposto aproveitando os resultados das in- vestigações dos autores citados. Mas tería- mos que repetir, inevitavelmente – e sem nenhum mérito pessoal – o que escreveram esses autores, em particular Gilberto Freyre. Por isso, preferimos explorar o pouco que conhecemos sobre esse assunto, e que obti- vemos através de nossa própria iniciativa, eminvestigaçõescujosresultadosjásãopar- cialmente conhecidos do público. Lamenta- mos não nos ser possível aprofundar a aná- lise dos problemas sugeridos. Não nos dare- mos por satisfeitos se ela sugerir de forma adequada como enfrentaríamos a tarefa de pôr em evidência, sociologicamente, as fun- ções econômicas da família patriarcal em São Paulo. Na análise que empreendemos sobre as relações entre economia e sociedade na evo- lução de São Paulo (sinteticamente exposta, ainda que de forma superficial, no primeiro capítulo do trabalho escrito em colaboração com Roger Bastide, o qual capítulo se intitula: “Do Escravo ao Cidadão”*) fica evidente que há fases estruturalmente dis- tintas na história econômica do nosso esta- do. Contudo, todo um longo período que vai do século XVI aos fins do século XIX apre- sentaumarelativahomogeneidadesocialque não é afetada pelas alterações que se produ- zem na organização da vida econômica. Os núcleosdeatividadeseconômicasfundamen- tais se alteram (passa-se sucessivamente do apresamento para a mineração e desta para a lavoura de subsistência e depois para a ex- ploraçãopropriamentecolonialdocafé),com eles se transformam substancialmente os padrões de instituição e de organização do sistema de trabalho (passa-se da exploração dominante do trabalho escravo indígena para a do trabalho escravo africano e depois à exploração combinada do trabalho escravo negroedotrabalholivre),semqueaestrutura social sofresse nenhum abalo realmente pro- fundo. É que essas transformações se opera- ram sem pôr em jogo os próprios princípios da organização social: a posse de escravos e aexploraçãodegrandesextensõesterritoriais. A sociedade transformara-se nos aspectos exteriores de sua economia, mas permanece- ra relativamente invariável em sua substân- cia – a propriedade territorial e a exploração do trabalho servil. Esse background sugere, naturalmente, que na análise das funções econômicas (es- pecíficas) da família patriarcal é preciso se- parar os aspectos que revelam certa estabi- lidade dentro da instabilidade geral da evo- lução do sistema de relações sociais de São Paulo,dosquesetransformamcontinuamen- te, através dos diferentes períodos ou ciclos da história econômica de São Paulo. E indi- ca, em segundo lugar, a conveniência de as- sinalar concretamente as imputações feitas funcionalmente, quanto às relações da eco- nomia paulista com a organização da famí- lia patriarcal. A isso limitaremos a nossa dissertação, por julgarmos que aí está o es- sencial em uma análise como a presente. Quanto às funções econômicas, que po- deríamos considerar “constantes”, é preciso considerar três aspectos distintos – o que a família patriarcal significou em nosso meio do ponto de vista adaptativo e do ajustamen- to recíproco dos homens como condição da vida econômica; o que ela significava como meio de classificação social e de ajustamen- to dos indivíduos a um sistema senhorial e escravocrata de relações de produção; e a sua função propriamente ativa na dinamização da vida econômica. Quanto ao primeiro ponto, é óbvio que a família patri- arcal não se explica em São Paulo (encarada sociologicamente) senão pelas condições econômicas que favoreceram e tornaram possível a transferência e revitalização de um padrão de organização da vida domésti- ca que se encontrava em desagregação na Europa.Aproduçãobaseadanamão-de-obra escrava, o gênero de atividade econômica (apresamento, lavoura extensiva de produ- tos de subsistência ou depois dos produtos coloniais e a grande propriedade territorial) eafacilidade(relativa)deobtermão-de-obra escrava parecem ter agido como fatores de perpetuação e de integração da família pa- triarcal ao novo meio geográfico, econômi- co e humano. Sob este aspecto, somos leva- dos a definir como funções econômicas es- pecíficas da família patriarcal um conjunto de atividades que repousavam em sua estru- * Florestan Fernandes se refe- re ao que viria a ser o primeiro capítulo do livro de Roger BastideeFlorestanFernandes: Brancos e Negros em São Paulo (Ensaio Sociológico so- bre Aspectos da Formação, Manifestações Atuais e Efeitos do Preconceito de Cor na So- ciedade Paulistana), 2ª. edi- ção, São Paulo, 1959, pp. 1- 76. Esse capítulo foi escrito por Florestan Fernandes e publi- cado originalmente na revista Anhembi (bol. X, número 30, São Paulo, 1953). O conjunto do livro teve uma primeira edi- ção como parte de obra maior: Roger Bastide e Florestan Fernandes (organizadores), Relações Raciais entre Negros e Brancos em São Paulo, Edi- tora Anhembi, São Paulo, 1955 (N. de J. S. M.).
  • 8. 81R E V I S T A U S P , S Ã O P A U L O ( 2 9 ) : 7 4 - 8 1, M A R Ç O / M A I O 1 9 9 6 tura e em seu funcionamento. Tais ativida- des são as que contribuíam para a adaptação dos brancos à vida nos trópicos, à mentali- dade de exploração mercantil do trabalho humanosobaformadeescravizaçãodeentes humanoseàidéiadequeoajustamentointer- humano podia se ajustar a outros padrões, que não existiam mais em plena vigência nas sociedades européias. A família patriar- cal forneceu assim o próprio arcabouço do novo regime social, em que a divisão estamental foi completada por uma divisão em castas: em sua estrutura ela continha o próprio modelo da sociedade inclusiva, que ela representava como um pequeno mundo autônomo e completo. Os seus três núcleos fundamentais (o núcleo legal, o núcleo de dependentes e o núcleo de escravos) conti- nham todas as situações sociais possíveis na sociedade escravocrata brasileira e ofere- ciam todos os estímulos que alimentavam os ideais de vida da camada senhorial, suas pretensões de direito absoluto, suas aspira- ções de nobreza e sua ética social, que abran- gia uma vasta gama de diferenciação dos homens e do seu destino social. Nesse plano de relações adaptativas e de ajustamentos dos homens uns aos outros, a família patri- arcal desempenhou sempre a mesma fun- ção, que é estritamente econômica no que concerne às condições de existência mate- rial que repousavam em semelhante estru- tura social. Quanto ao segundo ponto, ele é evidente e se inclui parcialmente nos processos já mencionados. De fato, desde o século XVI a classificação social dos indivíduos e sua dis- tribuição no sistema de ocupações sociais depende diretamente da própria posição dos sujeitos na estrutura da família patriarcal. Esta provê o sistema econômico mediante a combinação de preceitos tradicionais com argumentos pecuniários – o que o membro donúcleolegaldafamíliapatriarcalnãopode fazer, faz por ele o seu dependente e, princi- palmente, o seu escravo. Essa combinação (queserepeteemoutroscasosanálogos)ofe- rece barreiras mais ou menos conhecidas à expansão econômica, tanto no que concerne à divisão do trabalho e à especialização, que ao desenvolvimento da produção e da troca. Era porém uma decorrência dessa função da família patriarcal (que, aliás, variou nos pe- ríodos de história econômica de São Paulo) restringiraoperaçãodosmecanismosdavida econômica,quesópodiaexpandir-se,assim, dentro dos limites próprios a uma economia sem mercado e posteriormente a uma eco- nomia baseada na exploração de produtos tropicais sob regime escravocrata. Quanto ao terceiro ponto, é claro que a família patriarcal só operava dentro de cer- tos limites como fator restritivo da vida econômica. Vista à luz da época histórico- social que nos interessa, é óbvio que ela operava como um agente de dinamização da vida econômica. A experiência histórica demonstra como os imperativos surgidos ou impostos pela concepção patriarcal do mun- do puderam ser atendidos sob atividades econômicas distintas (apresamento, lavoura desubsistênciaeexploraçãodeprodutostro- picais). Desse modo, a defesa de uma situa- ção econômica e socialmente privilegiada atuou contra as normas legadas pela tradi- ção e contra os preconceitos dos paulistas por várias atividades econômicas senhoriais (é o que atestam, principalmente, os depoi- mentos legados ou coordenados pelo Desemb. Machado de Oliveira). Falta-nos tempo para examinar os ele- mentos variáveis. Mas podemos apontá-los sucintamente: 1o ) a função de equipar a camada senho- rial com os meios legais e propriamente eco- nômicos das atividades econômicas básicas; 2o ) restringir o acesso de indivíduos da mesma “raça” ou indivíduos mestiços mas de outros estamentos à situação econômica da camada senhorial; 3o ) restringir a competição e os confli- tos no próprio nível senhorial, restringir o exercício de atividades não-nobilitantes a membros da mesma “raça” de outros estamentos e a representantes de outra “raça” e abrir critérios plásticos de classi- ficação a todos os indivíduos pertencentes ao núcleo legal da família. Isso permitia uma renovação periódica de seus quadros humanos sem pôr em risco o exercício da dominação senhorial, confinada assim a uma só camada social.