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ESCOLA BÍBLICA E EDUCAÇÃO POPULAR

Talvez seja proveitoso começar estas considerações, evocando as origens da Escola
Bíblica do CEBI, no ano de 1984, em Recife. (*) Não para repeti-las ou para apegar-
se a elas, mas simplesmente para ter um bom princípio por onde começar.

O nome da primeira Escola Bíblica do CEBI – Escola Bíblica de Animadores e
Animadoras Populares – já indicava que o seu objetivo não era formar assessores
bíblicos. Por outro lado, não se destinava a ter como público o povão. Era para
animadores populares, ou seja, pessoas das comunidades populares, que pudessem
adquirir uma maior capacitação bíblica, de modo a viver com mais firmeza a sua fé
e ser dentro de sua comunidade uma ajuda de animação espiritual.

Por isso o que se exigia dos candidatos e candidatas era que fossem pessoas
comprometidas com a caminhada do povo, que soubessem ler e escrever e que se
propusessem a freqüentar a Escola do princípio ao fim.

Em outras palavras, o objetivo era oferecer a pessoas de comunidades populares a
oportunidade de uma formação bíblica sistemática, lacuna que ainda não havia sido
preenchida. Deste modo, o CEBI estaria contribuindo ainda mais para que o povo se
apropriasse da Bíblia.

Tendo em vista esses objetivos, a Escola Bíblica fez as suas opções, tanto com
relação à metodologia quanto ao que se refere ao conteúdo programático.


Quanto à metodologia

Sabemos que existem duas tendências opostas, senão antagônicas, quando se
trata de metodologia da educação. Uma, comumente denominada “educação
bancária” e outra, que podemos chamar “educação de inclusão”.

A primeira, basicamente, tem as seguintes características:

   1. O educador tende a assumir-se como sujeito do processo educativo.
   2. A educação é entendida sobretudo como um processo de fora para dentro.
   3. O educador tende a acreditar preponderantemente, se não exclusivamente,
      na eficácia da transmissão de conhecimentos.
   4. O educando é induzido a assumir uma atitude mais receptiva e individual do
      que participativa e coletiva.

_________________________________________________________

(*) Ver Luiz Carlos Araújo – O Espírito e a Palavra (Sugestões para Escola Bíblica de
Animadores Populares) – CEBI - Série A Palavra na Vida – nº 67/68 – 3ª
edição/2004.
A segunda, a educação “de inclusão” tem outras características:

   1. O educador é conCEBIdo como um facilitador: sua função é tentar criar
      condições favoráveis ao processo de educação, cujo sujeito são os
      educandos.
   2. A educação se entende como um processo surpreendente e integrado, e não
      como um desenvolvimento linear.
   3. Ela é entendida como um processo de construção coletiva, em que educador
      e educandos se tornam de algum modo cúmplices.
   4. O processo educacional não se restringe à aquisição de conhecimentos, mas
      mobiliza a pessoa inteira, nas várias dimensões de sua identidade.
   5. Conseqüentemente é indispensável e primordial o respeito e a valorização
      das posições e dos sentimentos dos educandos e educandas.

Parece evidente que não existe uma terceira alternativa, denominada metodologia
da educação popular, distinta das duas tendências acima mencionadas. Pode-se
tentar fazer educação popular, seja no estilo “bancário”, seja com o perfil “de
inclusão”. Comumente, quando se faz referência à educação popular, se tem em
mente a educação “de inclusão” para um público do meio popular. Mas a educação
“de inclusão” não parece ser adequada apenas para pessoas do meio popular.

Naturalmente, a aplicação da metodologia da educação “de inclusão” para um
público do meio popular implica em acrescentar a essa metodologia alguns aspectos
e detalhes específicos, que respondam às condições culturais do meio popular.

No caso da primeira Escola Bíblica do CEBI, tratando-se de uma escola do CEBI,
para formação bíblica de animadores e animadoras populares, a metodologia
adotada foi a seguinte:

   a) metodologia da educação “de inclusão”;
   b) com suas características enfatizadas e enriquecidas pelo Espírito bíblico de
      serviço, solidariedade, respeito, cuidado, diálogo, paciência e partilha, entre
      outros;
   c) com detalhes, atenção e cuidados específicos com relação às riquezas e
      carências das pessoas do meio popular e com relação às questões de gênero,
      espiritualidade, cidadania, ecologia e ecumenismo.

Para viabilizar a aplicação dessa metodologia, era preciso adotar um método. O
método escolhido inspirou-se num dos princípios basilares da educação “de
inclusão”, a saber, que a realidade aparentemente dispersa tem uma conexão
íntima e de influência mútua entre suas várias dimensões.

Assim, a Escola seria uma Escola de Vida, onde convivência, estudo e celebração
não seriam partes autônomas e separadas, mas três dimensões que se entrelaçam,
no dizer de Agostinha, como três fios de uma corda só! Na convivência se estuda e
se celebra. Durante o estudo se celebra e se convive. E na celebração também há
convivência e estudo. Esse método, naturalmente era explicitado e incentivado.
Por esse motivo, uma Escola Bíblica, entendida assim como Escola de Vida, não
poderia resumir-se a uma tarde ou a uma manhã ou a uma noite. Teria que ter
etapas, cada uma de pelo menos um dia todo, onde pudesse haver algumas
refeições em comum e alguns serviços a cargo dos participantes.




Quanto ao conteúdo

A escolha do conteúdo tem tudo a ver com os objetivos da Escola.

A Escola Bíblica, antes de sua evolução, se restringia ao Curso Básico. É deste que
estamos falando.

A formação bíblica para os participantes do Curso Básico não tinha como objetivo
formar assessores e sim ajudar pessoas do meio popular a se apropriarem da Bíblia,
deixando de vê-la como um livro “sagrado” e quase inacessível e passando a dela se
aproximar com simplicidade e liberdade.

Parece que nada melhor para isso do que ressaltar a dimensão histórica da Bíblia e
dar um passeio, em marcha vagarosa, durante dois anos (em etapas bimestrais),
não pelos livros da Bíblia, mas pela História do Povo de Deus, apoiada pelos textos
bíblicos.

Da escravidão no Egito até a vida das primeiras comunidades cristãs, com uma
parada durante o Exílio para meditar sobre a Criação: eis o conteúdo programático
do Curso Básico da primeira Escola Bíblica do CEBI.

A principal motivação para escolher esse percurso histórico, apoiado pelos textos
bíblicos, foi com isso poder ajudar os participantes do Curso Básico a perceber qual
a direção do Caminho de Deus, que a Bíblia nos aponta. Mais do que se fixar em
aprofundar algum livro ou tema, a intenção é clarear essa direção do Caminho de
Deus, que, aliás, é o principal critério para ler ou reler qualquer texto bíblico.

O estudo no Curso Básico, embora seja um estudo sistemático, exigente e sério,
inclusive com tarefas de preparação pelos participantes, antes de cada etapa, não é
um estudo acadêmico, no sentido usual do termo.




O Curso de Aprofundamento

A partir de 1986, começou a multiplicar-se, no interior de Pernambuco, a
experiência da Escola.
Mas só depois de mais de 15 anos, a Escola lançou, em moldes próprios, o Curso de
Aprofundamento.

O método para viabilizar a metodologia “de inclusão” continuou o mesmo,
entrelaçando convivência, estudo e celebração. Mas alguns de seus procedimentos e
sobretudo o conteúdo programático diferem do que se faz no Curso Básico, como se
pode ver a seguir:

   1. Os participantes se dividem em grupos, de acordo com os seus compromissos
      pastorais.
   2. Os grupos recebem uma sugestão de bibliografia, para preparar durante 6
      meses o tema do próximo seminário.
   3. O estudo vai sendo feito individualmente e discutido em reuniões sucessivas
      do grupo.
   4. Ao final do estudo, é feita uma síntese, que é enviada ao assessor.
   5. Feitas e enviadas as sínteses, os vários grupos se reúnem para realizar um
      seminário de dois dias, utilizando a metodologia “de inclusão” e o método de
      integração acima mencionado.

As duas primeiras turmas do Curso de Aprofundamento, uma do Sertão, com 3
grupos, e a outra de Aracaju e Recife, com 4 grupos, seguiram o mesmo conteúdo
programático, a saber:

   1. Panorâmica da História de Israel, da escravidão no Egito à dispersão depois
      da 2ª Guerra Judaica (1º Semestre e 1º Seminário).
   2. A formação dos livros do I Testamento (2º Semestre e 2º Seminário).
   3. Panorâmica da História do Movimento de Jesus, do batismo de Jesus à
      consolidação da institucionalização da Igreja. E a formação dos livros do II
      Testamento (3º Semestre e 3º Seminário).
   4. Os gêneros literários da Bíblia (4º Semestre e 4º Seminário).
   5. Exegese: os principais passos do estudo de um texto. Hermenêutica: os
      principais passos para interpretar a Palavra (5º Semestre e 5º Seminário).
   6. Análise e interpretação de um livro do I Testamento. (Deuteronômio) (6º
      Semestre e 6º Seminário).
   7. Análise e interpretação de um livro do II Testamento. (Evangelho de Marcos)
      (7º Semestre e 7º Seminário).
   8. Leitura da Bíblia, leitura da vida. E avaliação da Escola (8º Semestre e 8º
      Seminário).

O Curso de Aprofundamento, apesar de seu enfoque aparentemente acadêmico, não
é um curso acadêmico, pois não difere do Curso Básico, quanto à metodologia e ao
método, uma vez que ambos utilizam a mesma metodologia da educação “de
inclusão” e o mesmo método de integração da convivência, do estudo e da
celebração. É igualmente uma Escola de Vida.
Conclusão

Diante das observações feitas acima, ficam algumas perguntas que podem ajudar
no nosso debate:

   1. Pode a metodologia “de inclusão” ser utilizada, não apenas com o público do
      meio popular, mas também com públicos de outras classes sociais?
   2. O que caracteriza as Escolas Bíblicas do CEBI é o seu público do meio popular
      ou a aplicação da metodologia “de inclusão”, aprimorada pela vivência do
      Espírito bíblico, juntamente com um método de integração, que faça das
      várias atividades da Escola mediações de aprendizagem bíblica,
      caracterizando a Escola Bíblica como uma Escola de Vida?
   3. Algumas outras instâncias de formação do CEBI, que não têm como público
      pessoas do meio popular (como, por exemplo, a Escola Bíblica de Assessores
      do Pólo NE e o Curso de Capacitação do CEBI Nacional) não se configuram
      como Escolas Bíblicas com perfil de Escolas de Vida?

Obviamente, existem no CEBI outras instâncias de formação bíblica, acadêmica ou
não, que, embora não tenham as características próprias de uma Escola de Vida,
preservam e vivenciam plenamente o Espírito do CEBI.

Em se tratando de um público do meio popular, existem no CEBI instâncias de
formação que lhe são plenamente adequadas, como, por exemplo, os círculos
bíblicos e o Curso Bíblico por Correspondência. Mas, parece conveniente não deixar
de oferecer às pessoas do meio popular a possibilidade de uma formação
sistemática em Escolas Bíblicas com perfil de Escolas de Vida.


Recife, 19 de março de 2006.
Luiz Carlos Araújo (lc.araujo@superig.com.br)

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Escola Bíblica e Educação Popular

  • 1. ESCOLA BÍBLICA E EDUCAÇÃO POPULAR Talvez seja proveitoso começar estas considerações, evocando as origens da Escola Bíblica do CEBI, no ano de 1984, em Recife. (*) Não para repeti-las ou para apegar- se a elas, mas simplesmente para ter um bom princípio por onde começar. O nome da primeira Escola Bíblica do CEBI – Escola Bíblica de Animadores e Animadoras Populares – já indicava que o seu objetivo não era formar assessores bíblicos. Por outro lado, não se destinava a ter como público o povão. Era para animadores populares, ou seja, pessoas das comunidades populares, que pudessem adquirir uma maior capacitação bíblica, de modo a viver com mais firmeza a sua fé e ser dentro de sua comunidade uma ajuda de animação espiritual. Por isso o que se exigia dos candidatos e candidatas era que fossem pessoas comprometidas com a caminhada do povo, que soubessem ler e escrever e que se propusessem a freqüentar a Escola do princípio ao fim. Em outras palavras, o objetivo era oferecer a pessoas de comunidades populares a oportunidade de uma formação bíblica sistemática, lacuna que ainda não havia sido preenchida. Deste modo, o CEBI estaria contribuindo ainda mais para que o povo se apropriasse da Bíblia. Tendo em vista esses objetivos, a Escola Bíblica fez as suas opções, tanto com relação à metodologia quanto ao que se refere ao conteúdo programático. Quanto à metodologia Sabemos que existem duas tendências opostas, senão antagônicas, quando se trata de metodologia da educação. Uma, comumente denominada “educação bancária” e outra, que podemos chamar “educação de inclusão”. A primeira, basicamente, tem as seguintes características: 1. O educador tende a assumir-se como sujeito do processo educativo. 2. A educação é entendida sobretudo como um processo de fora para dentro. 3. O educador tende a acreditar preponderantemente, se não exclusivamente, na eficácia da transmissão de conhecimentos. 4. O educando é induzido a assumir uma atitude mais receptiva e individual do que participativa e coletiva. _________________________________________________________ (*) Ver Luiz Carlos Araújo – O Espírito e a Palavra (Sugestões para Escola Bíblica de Animadores Populares) – CEBI - Série A Palavra na Vida – nº 67/68 – 3ª edição/2004.
  • 2. A segunda, a educação “de inclusão” tem outras características: 1. O educador é conCEBIdo como um facilitador: sua função é tentar criar condições favoráveis ao processo de educação, cujo sujeito são os educandos. 2. A educação se entende como um processo surpreendente e integrado, e não como um desenvolvimento linear. 3. Ela é entendida como um processo de construção coletiva, em que educador e educandos se tornam de algum modo cúmplices. 4. O processo educacional não se restringe à aquisição de conhecimentos, mas mobiliza a pessoa inteira, nas várias dimensões de sua identidade. 5. Conseqüentemente é indispensável e primordial o respeito e a valorização das posições e dos sentimentos dos educandos e educandas. Parece evidente que não existe uma terceira alternativa, denominada metodologia da educação popular, distinta das duas tendências acima mencionadas. Pode-se tentar fazer educação popular, seja no estilo “bancário”, seja com o perfil “de inclusão”. Comumente, quando se faz referência à educação popular, se tem em mente a educação “de inclusão” para um público do meio popular. Mas a educação “de inclusão” não parece ser adequada apenas para pessoas do meio popular. Naturalmente, a aplicação da metodologia da educação “de inclusão” para um público do meio popular implica em acrescentar a essa metodologia alguns aspectos e detalhes específicos, que respondam às condições culturais do meio popular. No caso da primeira Escola Bíblica do CEBI, tratando-se de uma escola do CEBI, para formação bíblica de animadores e animadoras populares, a metodologia adotada foi a seguinte: a) metodologia da educação “de inclusão”; b) com suas características enfatizadas e enriquecidas pelo Espírito bíblico de serviço, solidariedade, respeito, cuidado, diálogo, paciência e partilha, entre outros; c) com detalhes, atenção e cuidados específicos com relação às riquezas e carências das pessoas do meio popular e com relação às questões de gênero, espiritualidade, cidadania, ecologia e ecumenismo. Para viabilizar a aplicação dessa metodologia, era preciso adotar um método. O método escolhido inspirou-se num dos princípios basilares da educação “de inclusão”, a saber, que a realidade aparentemente dispersa tem uma conexão íntima e de influência mútua entre suas várias dimensões. Assim, a Escola seria uma Escola de Vida, onde convivência, estudo e celebração não seriam partes autônomas e separadas, mas três dimensões que se entrelaçam, no dizer de Agostinha, como três fios de uma corda só! Na convivência se estuda e se celebra. Durante o estudo se celebra e se convive. E na celebração também há convivência e estudo. Esse método, naturalmente era explicitado e incentivado.
  • 3. Por esse motivo, uma Escola Bíblica, entendida assim como Escola de Vida, não poderia resumir-se a uma tarde ou a uma manhã ou a uma noite. Teria que ter etapas, cada uma de pelo menos um dia todo, onde pudesse haver algumas refeições em comum e alguns serviços a cargo dos participantes. Quanto ao conteúdo A escolha do conteúdo tem tudo a ver com os objetivos da Escola. A Escola Bíblica, antes de sua evolução, se restringia ao Curso Básico. É deste que estamos falando. A formação bíblica para os participantes do Curso Básico não tinha como objetivo formar assessores e sim ajudar pessoas do meio popular a se apropriarem da Bíblia, deixando de vê-la como um livro “sagrado” e quase inacessível e passando a dela se aproximar com simplicidade e liberdade. Parece que nada melhor para isso do que ressaltar a dimensão histórica da Bíblia e dar um passeio, em marcha vagarosa, durante dois anos (em etapas bimestrais), não pelos livros da Bíblia, mas pela História do Povo de Deus, apoiada pelos textos bíblicos. Da escravidão no Egito até a vida das primeiras comunidades cristãs, com uma parada durante o Exílio para meditar sobre a Criação: eis o conteúdo programático do Curso Básico da primeira Escola Bíblica do CEBI. A principal motivação para escolher esse percurso histórico, apoiado pelos textos bíblicos, foi com isso poder ajudar os participantes do Curso Básico a perceber qual a direção do Caminho de Deus, que a Bíblia nos aponta. Mais do que se fixar em aprofundar algum livro ou tema, a intenção é clarear essa direção do Caminho de Deus, que, aliás, é o principal critério para ler ou reler qualquer texto bíblico. O estudo no Curso Básico, embora seja um estudo sistemático, exigente e sério, inclusive com tarefas de preparação pelos participantes, antes de cada etapa, não é um estudo acadêmico, no sentido usual do termo. O Curso de Aprofundamento A partir de 1986, começou a multiplicar-se, no interior de Pernambuco, a experiência da Escola.
  • 4. Mas só depois de mais de 15 anos, a Escola lançou, em moldes próprios, o Curso de Aprofundamento. O método para viabilizar a metodologia “de inclusão” continuou o mesmo, entrelaçando convivência, estudo e celebração. Mas alguns de seus procedimentos e sobretudo o conteúdo programático diferem do que se faz no Curso Básico, como se pode ver a seguir: 1. Os participantes se dividem em grupos, de acordo com os seus compromissos pastorais. 2. Os grupos recebem uma sugestão de bibliografia, para preparar durante 6 meses o tema do próximo seminário. 3. O estudo vai sendo feito individualmente e discutido em reuniões sucessivas do grupo. 4. Ao final do estudo, é feita uma síntese, que é enviada ao assessor. 5. Feitas e enviadas as sínteses, os vários grupos se reúnem para realizar um seminário de dois dias, utilizando a metodologia “de inclusão” e o método de integração acima mencionado. As duas primeiras turmas do Curso de Aprofundamento, uma do Sertão, com 3 grupos, e a outra de Aracaju e Recife, com 4 grupos, seguiram o mesmo conteúdo programático, a saber: 1. Panorâmica da História de Israel, da escravidão no Egito à dispersão depois da 2ª Guerra Judaica (1º Semestre e 1º Seminário). 2. A formação dos livros do I Testamento (2º Semestre e 2º Seminário). 3. Panorâmica da História do Movimento de Jesus, do batismo de Jesus à consolidação da institucionalização da Igreja. E a formação dos livros do II Testamento (3º Semestre e 3º Seminário). 4. Os gêneros literários da Bíblia (4º Semestre e 4º Seminário). 5. Exegese: os principais passos do estudo de um texto. Hermenêutica: os principais passos para interpretar a Palavra (5º Semestre e 5º Seminário). 6. Análise e interpretação de um livro do I Testamento. (Deuteronômio) (6º Semestre e 6º Seminário). 7. Análise e interpretação de um livro do II Testamento. (Evangelho de Marcos) (7º Semestre e 7º Seminário). 8. Leitura da Bíblia, leitura da vida. E avaliação da Escola (8º Semestre e 8º Seminário). O Curso de Aprofundamento, apesar de seu enfoque aparentemente acadêmico, não é um curso acadêmico, pois não difere do Curso Básico, quanto à metodologia e ao método, uma vez que ambos utilizam a mesma metodologia da educação “de inclusão” e o mesmo método de integração da convivência, do estudo e da celebração. É igualmente uma Escola de Vida.
  • 5. Conclusão Diante das observações feitas acima, ficam algumas perguntas que podem ajudar no nosso debate: 1. Pode a metodologia “de inclusão” ser utilizada, não apenas com o público do meio popular, mas também com públicos de outras classes sociais? 2. O que caracteriza as Escolas Bíblicas do CEBI é o seu público do meio popular ou a aplicação da metodologia “de inclusão”, aprimorada pela vivência do Espírito bíblico, juntamente com um método de integração, que faça das várias atividades da Escola mediações de aprendizagem bíblica, caracterizando a Escola Bíblica como uma Escola de Vida? 3. Algumas outras instâncias de formação do CEBI, que não têm como público pessoas do meio popular (como, por exemplo, a Escola Bíblica de Assessores do Pólo NE e o Curso de Capacitação do CEBI Nacional) não se configuram como Escolas Bíblicas com perfil de Escolas de Vida? Obviamente, existem no CEBI outras instâncias de formação bíblica, acadêmica ou não, que, embora não tenham as características próprias de uma Escola de Vida, preservam e vivenciam plenamente o Espírito do CEBI. Em se tratando de um público do meio popular, existem no CEBI instâncias de formação que lhe são plenamente adequadas, como, por exemplo, os círculos bíblicos e o Curso Bíblico por Correspondência. Mas, parece conveniente não deixar de oferecer às pessoas do meio popular a possibilidade de uma formação sistemática em Escolas Bíblicas com perfil de Escolas de Vida. Recife, 19 de março de 2006. Luiz Carlos Araújo (lc.araujo@superig.com.br)