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1
1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos o Direito Administrativo tem-se desenvolvido em direção a
uma noção dialógica, ou seja, com uma concepção voltada para o estreitamento nas
relações entre Administração Pública e administrados, permitindo-se, assim, um
questionamento a respeito das extensões e limites dos atos praticados pelo
administrador.
Por conta disso, a Europa atualmente encontra-se com uma visão mais ampla
sobre como deve comportar-se o administrador diante das situações presentes, não
apenas pelo uso indiscriminado da sua discricionariedade, mas sobretudo pelo fiel
desempenho dessa atividade diante dos preceitos constitucionais.
É por causa dessa visão dialógica que os doutrinadores têm-se debruçado em
estudos para o perfeito alcance da extensão da discricionariedade e se ainda
estamos diante da velha máxima de que o ato administrativo discricionário ampara-
se sobre dois elementos: oportunidade e conveniência.
Se admitirmos que esta afirmação é aceita sem questionamentos, então
poderemos ter, na prática, um desnivelamento entre estes atos com os preceitos e
princípios emanados na Lei Maior. Caso contrário, se considerarmos que hoje estes
princípios norteiam os atos da Administração Pública, então mister uma releitura da
extensão destes atos e se ainda há margem de discricionariedade por parte do
agente, sem eventual cuidado com os limites impostos pela lei.
Afirma-se isso diante da perspectiva de que não é possível trabalharmos pura
e simplesmente com o ato administrativo voltado para, às vezes, uma ausência de
coerência com os resultados a serem obtidos.
A partir da edição da nova Constituição da República Federativa do Brasil
houve a adoção de uma visão basicamente principiológica, apontando, ao longo da
sua estrutura, um caráter programático de condutas típicas em favor dos cidadãos,
como também um rol de deveres, mas todos baseados em princípios.
E para a Administração Pública não foi diferente. Tanto é verdade, que o art.
37 da Carta Magna determina que o Poder Público deve obedecer, entre outros, aos
princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência.
2
O Estado atual que administra as nossas relações sociais e o que se
apresentará neste próximo milênio precisa de administradores totalmente
comprometidos com a realidade social e as necessidades básicas de todo e
qualquer cidadão, atuando sempre com imparcialidade e eficiência para os casos
relacionados com serviços públicos e garantias de direitos fundamentais,
expressando sempre confiabilidade para o resultado que se busca, ou seja, uma
solução adequada. A lei, pois, deve ser utilizada ao fato examinado, mas sem
desrespeitar o direito subjetivo em favor da cidadania e das garantias
constitucionais.
Mostra-se, desta maneira, um novo perfil mapeado a partir das estabilidades
sociais, estas amparadas pela máquina estatal. Por conta disso, há que apresentar
um retrato do titular do cargo, membro do Poder ou não, mesmo que desvinculado
emocionalmente dos atritos que são submetidos diariamente à sua apreciação e
também sujeitos à sua decisão, não se confundindo com interesses particulares ou
de demonstração de submissão a todas as restrições impostas.
O agente público, na sua pura definição, deve ser um praticante dos valores
morais e sociais, comprometendo-se com o resultado esperado dentro do ambiente
social, entregando-se em tempo integral e dedicação exclusiva à causa da
administração responsável, esta atualizada com a evolução da ciência nos campos
tecnológicos e sociais.
Valem as palavras de Ruy CIRNE LIMA sobre a noção pura de administração
pública desprendida de qualquer idéia de propriedade, ou seja, o administrador
subordina-se à vontade da norma em harmonia com os princípios ditados pela Lei
Maior, assim se posicionando que “O fim – e não a vontade – domina todas as
formas de administração. Supõe, destarte, a atividade administrativa a preexistência
de uma regra jurídica, reconhecendo-lhe uma finalidade própria. Jaz,
conseqüentemente, a administração pública debaixo da legislação que deve
enunciar e determinar a regra de direito.”1
1
CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de Direito Administrativo. 5ª ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1962, p. 22.
3
Acrescenta, ainda, a seguinte passagem, onde a “Administração, segundo o
nosso modo de ver, é a atividade do que não é proprietário – do que não tem a
disposição da coisa ou do negócio administrado”.2
E conclui com este posicionamento, dizendo que “Opõe-se a noção de
administração à de propriedade nisto que, sob administração, o bem se não entende
vinculado à vontade ou personalidade do administrador. Porém, à finalidade
impessoal a que essa vontade deve servir.”3
Trata-se da existência de um Estado envolvendo-se no emaranhado de um
sistema social perceptível a todos os cidadãos, mas que não pode crescer de forma
desordenada, onde o manancial de administração repousa no compromisso social,
fazendo-se justiça não apenas pela lei estática, mas acompanhando as evoluções
do tempo, cujo próprio Estado tem o compromisso, juntamente com o administrador,
da busca do resultado ideal, através de uma moldura mais aperfeiçoada de
encontrar o justo diante de um determinado caso.
É a noção moderna da perfeita harmonização entre possibilidade e
necessidade, onde Odete MEDAUAR, com abrangência, deu os contornos
necessários entre ato administrativo e Estado de Direito
Em relação às práticas do Estado absoluto, configura importante conquista, por inserir entre a
vontade da autoridade e um efeito sobre direitos dos indivíduos, um conjunto de preceitos
destinados justamente a disciplinar essa atuação e a prefixar esses efeitos. Desse modo, a
Administração não mais atua por operações materiais imediatas à vontade pessoal do
governante; as decisões devem ser afirmadas por manifestação prévia ao resultado concreto,
de acordo com parâmetros antes fixados, que visam a assegurar o respeito a direitos dos
particulares. Esse modo de expressão das decisões adquire interesse jurídico relevante,
tornando-se um dos grandes temas do Direito Administrativo”
4
.
O Estado deverá sempre atuar sob forte pressão no sentido do respeito à
liberdade do ser humano, aumentado a sua responsabilidade no atendimento aos
anseios sociais, necessitando, desta maneira, de uma Constituição que consiga, por
excelência, uma maior liberdade de resultado possível, estabelecendo leis em que
as liberdades entre os cidadãos possam existir no universo da chamada co-
existência.
2
Id.
3
Ibid, p. 20.
4
É neste ponto que se apóia este trabalho, buscando uma perfeita
harmonização entre princípios constitucionais e os limites do ato administrativo
discricionário, eis que a firmeza do Estado não pode desrespeitar as relações sociais
e as suas normas regulamentadoras.
O direito administrativo deste novo milênio deve ser consciente no seu
caminho e comprometido com o seu resultado, cujos direitos fundamentais do
cidadão são paradigmas de comportamento
Os mecanismos de oportunidade e conveniência não são parâmetros únicos
na formação e valoração do ato administrativo discricionário. As liberdades e
garantias do indivíduo deverão ser tratadas por um processo especial de
conformação e proteção, cujos resultados serão compatíveis com os avanços
necessários à lei e ao ordenamento jurídico como um todo. O administrador deve
pautar-se pela realização do ato administrativo consciente e responsável, almejando
o escopo da justiça e da democracia dentro da sociedade.
Devemos nos ater aos princípios constitucionais como paradigmas de
formação ideológica do ato administrativo: este é o nosso ponto maior e aqui
abordado, ascendendo aquele ato aos ditames principiológicos da Carta Magna.
E para isto, mister desenvolver uma linha de raciocínio, percorrendo entre os
princípios constitucionais, até chegarmos ao ato administrativo propriamente dito,
sendo elaborado para dar atendimento ao que especifica a Lei Maior.
4
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais
5
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E ESTADO
2.1 O PAPEL DO ESTADO
As nações crescem baseadas nas suas estruturas internas, mas que se
expandem em busca de relações internacionais.
E todas estas estruturas são essenciais para o trabalho a ser desenvolvido
pelo Poder Público, ascendendo o Estado ao papel maior de guardião de todas as
classes sociais, mas através de estruturas de serviço público, além do próprio
ordenamento a que se submete nos diversos segmentos de trabalho, seja na saúde,
educação, habitação, definição dos poderes, etc.
É importante cadenciarmos uma linha de raciocínio voltada para o
entendimento puro e simples destas atividades em relação direta com a sociedade,
onde muitos pensadores contribuíram, ao longo da história, com descrições e teorias
a respeito do papel formador do Estado.
Antonio GRAMSCI, um dos grandes pensadores do início do século XX,
marcou presença ao afirmar sobre a força das atividades das classes sociais,
principalmente dentro da sua obra envolvendo o historiador Maquiavel com o seu
trabalho “O Príncipe” e a atividade do Estado Moderno5
.
Em uma abordagem superficial sobre os seus conceitos e visões a respeito
de um Estado moderno, Gramsci procura abordar e analisar o escrito de Nicolau
Maquiavel, onde foi desenvolvida a estruturação sobre a ideologia política e a
ciência política, esta apresentada não como uma fria utopia, nem como raciocínio
doutrinário, mas sim como uma fantasia concreta sobre o povo, disperso e
pulverizado, despertando-o e organizando a sua vontade coletiva. Esta é a
verdadeira visão daquele livro.
Mais à frente, GRAMSCI observa que o moderno príncipe não pode ser visto
pelas demais pessoas como uma pessoa real ou um indivíduo concreto, mas sim
como um organismo, aquele elemento complexo da sociedade em que já se tenha
iniciado um trabalho de concretização da vontade coletiva.
2000, p.158.
5
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Trad. de: Luiz Mário
Gazzaneo. 6ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
6
Assim, definem-se as vontades coletiva e política em geral no sentido
moderno. Esta vontade como consciência atuante da necessidade histórica, como
protagonista de um drama histórico, real e efetivo.
Busca também a atual visão deste mesmo Príncipe, em harmonia com
vontade popular e objetivos traçados por Maquiavel a respeito dele como fator de
ingerência e referência sobre a consciência social.
E as várias classes sociais existentes devem participar deste processo, sendo
que a formação de uma vontade coletiva nacional-popular mostra-se impossível, se
as grandes massas de camponeses cultivadores não participarem simultaneamente
na vida política.
E o moderno príncipe não pode deixar de ser o propagandista e o organizador
de uma reforma intelectual e moral, criando um terreno próprio para aquela vontade
coletiva nacional-popular. Quer mostrar o autor que este mesmo moderno príncipe
traz a figura implícita do partido político, como fomentador de idéias.
Portanto, nesta visão histórica, denota-se que o crescimento social encontra-
se intimamente ligado com o que oferece o Estado, desde a sua ideologia, como
também em todos os campos das relações sociais.
A História, ao longo dos seus séculos, caminha para um desenvolvimento
próprio das condições sociais, pois não existe uma natureza humana abstrata, fixa e
imutável, mas sim um conjunto de relações sociais historicamente determinadas,
concebendo-se, pois, aquela como um conteúdo concreto e em desenvolvimento.
Toda a ideologia discutida por Zygmunt BAUMAN6
reproduz a necessidade de
se adaptar a um moderno, cujos conflitos são capazes de estimular o
desenvolvimento social de um povo.
Esta ideologia em momento algum vai se afastar da evolução dos Estados,
pois há íntima ligação entre os valores lançados pelos ideólogos com a real situação
das classes sociais, ou seja, manipulam-se as vontades e anseios através da
massificação das lutas sociais, pouco restando para um pensamento livre.
6
Cf. BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Trad. de: Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2000. Vê-se nesta obra que Bauman busca, através dos meios de ação, uma cronologia
exata de desenvolvimento desta ideologia como fonte marcante do crescimento das sociedades,
afastando-se o tempo como referencial de ação, permanecendo apenas condutas frente à razão.
7
Carlos Nelson COUTINHO quer conceber o Estado como este foi visto por
MARX e ENGELS na “Ideologia alemã”, mencionando que
Essa nova concepção do Estado aparece claramente formulada em 1845, em Ideologia
alemã: ‘Na medida em que a propriedade privada se emancipou da comunidade, o Estado
alcançou uma existência particular, ao lado e fora da sociedade civil; mas ele não é mais do
que a forma de organização que os burgueses criam para si, tanto em relação ao exterior
quanto ao interior, com a finalidade de garantirem reciprocamente sus propriedades e seus
interesses’. E Marx e Engels não se limitam a mostrar a natureza da classe do Estado;
indicam ainda como essa defesa dos interesses de uma classe particular se processa
precisamente através do fato de que o Estado, numa sociedade dividida em classe, assume o
monopólio da representação de tudo o que é comum (ou universal): ‘Já que o Estado é a
forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns
(...), disso decorre que todas as instituições comuns passam através da mediação do Estado
e recebem uma forma política’. Em outras palavras: o modo pelo qual o Estado se realiza
como Estado de classe consiste precisamente no fato de que ele despolitiza a sociedade,
apropriando-se de modo monopolista de todas as decisões atinentes ao que é comum (ou
universal). Condição de funcionamento do Estado, para os jovens Marx e Engels, é assim que
a política seja uma esfera “restrita” e que a “sociedade civil” enquanto tal seja a esfera
“despolitizada”, puramente privada.
7
Qualquer país que queira entrar em nova fase de evolução, baseada em
crescimentos social, industrial, político, entre outros, deve ter em mente a constante
valorização da relação Estado/sociedade.
Não é de se aceitar passivamente que há uma evolução gradual, lenta e
contínua da história mundial, principalmente sobre as nações politicamente
organizadas. Pelo contrário.
Os questionamentos mundiais de percepção das coisas que acontecem ao
nosso redor dão a exata noção de uma linha instável, dependendo do que se espera
da sociedade e do que esta pode ofertar ao seu próprio Estado.
Estas percepções, conforme já dito, foram sentidas, entre outros, por Karl
MARX e Antonio GRAMSCI, apagando-se os manuais clássicos de história universal
para concentrar-se em lutas de classes e disputas do poder.
Assim, para manter a concepção que ora se busca, qual seja, de alcançar os
vários estágios evolutivos de uma sociedade, mister entender as lições destes
pensadores.
Seja, pois, na ideologia apontada, ou ainda na luta de classes, o avanço
político se dá a partir de solidez social e econômica.
7
COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e Política: a dualidade de poderes e outros ensaios.
São Paulo: Cortez, 1994, p. 19-20.
8
2.1.1 Ideologia como fator de criação
É claro que a visão aqui apresentada é mais moderna, pois há íntima relação
com o avanço econômico de um país. Mas o certo é que a formação das estruturas
sociais dá lugar ao Estado novo. Tudo depende da ideologia lançada.
Esta ideologia, ou ciência das idéias, nasceu a partir do final do século XVIII,
aqui de forma mais marcante, por parte de Destutt de Tracy, fundador e líder do
Instituto Nacional Francês, cuja ambição inicial era realizar de forma concreta o
Iluminismo, com uma nova ordem social.
Para tanto, torna-se interessante observar e estudar um conhecimento
científico próprio, concatenando as idéias de como estas se formam na mente
humana, de modo a se fazer que aquelas corretas surgissem através de uma razão
estrutural.
A ideologia pregada está a romper com o programa iluminista de fundamentar
o conhecimento verdadeiro da universalidade da condição humana. Hoje, ela tem a
função de representar a precondição indispensável de todo conhecimento. Criam-se
aqui as molduras cognitivas.
Temos, desta forma, a idéia kantiana de conhecimento transcendental, como
sujeito do conhecimento dotado de antemão da capacidade de ordenar sensações,
pois, caso contrário, não haveria conhecimento possível.
Há criação de duas tendências: globalização (separação entre poder e
política) e localização (desvalorização de processo pela idéia de capital
extraterritorial).
A ideologia, pois, transforma-se em processo de globalização sem barreiras
territoriais. A cibernética ganha espaço como forma de relações sociais e de
produção.
As práticas de ordem intelectual estão reconstruindo o mundo pós-moderno à
imagem delas: de forma mediatizada, abstrata e via textual.
Zygmunt BAUMAN, analisando política, bem desenhou o que chama do
“papel chave” da ideologia
9
O papel chave que a “ciência das idéias” estava fadada a desempenhar na construção de um
mundo humano governado pela razão e integrado por seres de comportamento racional
praticamente não exigia outro argumento. Isso graças a uma séria de suposições simples: a
conduta humana é guiada pelas idéias que as pessoas têm; as idéias se formam através de
processamento de sensações humanas; esse processamento, como tudo o mais na natureza,
está sujeito a leis estritas; tais leis podem ser descobertas com a sistemática observação e
experimentação; uma vez descobertas,podem ser usadas – como outras leis naturais
conhecidas – para melhorar a realidade: nesse caso,para garantir que nenhuma sensação
enganosa se ofereça a esse processamento e que as verdadeiras sensações não se
distorçam quando processadas – de modo que se formem e sejam adotadas somente idéias
verdadeiras, aquelas que passam no teste da razão. Nas palavras de Mercier, um dos
luminares do instituto francês,as idéias “são tudo o que existe” e, segundo o próprio Tracy,
“só existimos pelas sensações e idéias. Nenhuma coisa existe senão pela idéia que dela
fazemos“.
8
São palavras necessárias para entendermos a estruturação da sociedade
como fator de criação de idéias. Todavia, esta ideologia é tratada como ponto inicial
para o comportamento humano em sociedade.
E retornando à conjectura inicial desta explanação, com a formação dos
Estados e seus comportamentos para com a sociedade, e também nas relações
entre países, importante que se observe a evidência do papel desta ideologia
apontada.
Há uma constatação simples a ser feita: as sociedades evoluem à medida
que os Estados se fortalecem interna e externamente, estes calcados na ideologia
adotada.
Isto também foi estudado por Karl MARX, aqui com a ajuda do amigo
Friedrich ENGELS, através da obra “A ideologia alemã”9
. Todavia, por uma outra
ótica.
Para MARX e ENGELS, os homens não estavam à altura da ideologia à
época. Muito se precisava fazer para que a Razão fosse alcançada.
Portanto, neste período por eles apontados, a crença de uma Razão maior e
real era ameaçada pela pobreza de idéias, sendo que chamados ideólogos da
época pouco faziam para alcançar a plenitude de transformação.
É claro que isto, se de um lado enfraquecia a estrutura do Estado, de outro
havia um fortalecimento das linhas de condutas políticas deste mesmo Estado, pois
8
BAUMAN, Zygmunt, op. cit. p. 115.
9
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Trad. de: Luís Cláudio de Castro e
Costa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Nota-se que a pretensão destes pensadores alemães foi
observar como vivia o mundo naquele momento de conflitos sociais,com as sua lutas de classes, em
que propriedade e produção eram marcantes pontos de atritos.
10
pouca ou quase nenhuma resistência havia contra uma eventual base governista de
imposição de idéias.
Nesta linha de raciocínio, o que antes fora apresentado por aquele pensador
francês, acabou, dentro da ótica dos estudiosos alemães, com outra visão sobre a
formação e crescimento da ideologia, sendo que isto movimentava o mundo em
busca de um progresso social.
Um novo debate sobre ideologia somente surgiu já no século XX, mais
precisamente no final dos anos vinte, tornando-se mais um discurso político e das
ciências sociais, mas, de qualquer forma, mais se aproximando da visão de MARX e
ENGELS,ou seja, sobre a forma errônea de se pensar10
.
Na realidade, esta visão de uma ideologia apropriada para a absorção dos
ideais políticos e sociais torna-se preparatória para melhor se entender a respeito
dos avanços estatais que marcam a virada do milênio. Qual seria o elo de ligação
entre Estado e Direito, este como ciência das leis e das normas, sendo o seu exato
fundamento de estruturação da sociedade. Trata-se de uma simples resposta:
através da sua respectiva Constituição, cujos mecanismos principiológicos norteiam
a vida em sociedade, assim como também os direitos e garantias individuais,
interagindo todas as pessoas participantes do crescimento daquele mesmo Estado
de que fazem parte.
2.1.2 Estado e Constituição
Para um exato fator de criação das normas constitucionais, importante que
assentemos as nossas perspectivas na evolução do Estado e da sua atuação junto
ao cidadão. É bom lembrar que a ideologia aqui desenvolvida permeia na
concepção. Assim, este apontamento assenta-se na idéia constante de evolução
histórica e política de um povo e como ele (Estado) se posiciona na relação
Estado/sociedade, analisando a forma de governo adotada, onde, quanto maior o
autoritarismo deste, menor, em tese, os seus crescimentos econômico e social.
Mesmo que se fale em Estado social, com princípios e regras que
reconstroem a igualdade jurídica da sua respectiva Constituição, sendo aquele o
10
BAUMAN, Zygmunt, op. cit., p. 116-118. Nota-se que este escritor condensou as idéias
sobre o avanço da ideologia como forma de preparar o campo de análise da busca da política.
11
autor de fomentadoras condições para que os direitos se realizem de forma positiva,
fazendo com que a ordem não fosse apenas a daqueles que detém condições
materiais para fruição de seus direitos, mas sim de todos os protegidos pelas
condições de igualdade e oportunidade, permitindo-se, pois, que haja intervenção
estatal prestador de serviços, o certo é que isto somente se alcança com a plenitude
de ações e com o avanço democrático de participação social.
Ao longo da história universal é visível notar governos que foram autoritários
ou imperialistas, dependendo do posicionamento ideológico dos seus governantes.
Hitler, com a sua visão nazista, pretendia a construção de uma raça ariana, pura e
limpa em relação às demais sociedades circundantes. O mesmo se diga da Itália
fascista de Mussolini, cujo nacionalismo exacerbado limitava direitos fundamentais.
Isto sem falar de povos mais antigos, onde os césares romanos ampliaram
consideravelmente o seu império, até o declínio total com a queda de
Constantinopla. Napoleão Bonaparte, mais recentemente, foi outro exemplo de
busca do imperialismo.
Porém, em cada seguimento de nação, sempre há um questionamento
envolvendo avanços e crescimentos sociais e econômicos. É uma conseqüência
natural da raça humana.
E neste contexto próprio de criação do Estado, as sociedades passam a se
desenvolver, estas sedimentadas em ideologias específicas, dependendo do
comportamento sócio-econômico adquirido ao longo da história.
Para isto, o Estado está diretamente ligado à forma de criação e a eventuais
lutas de classes sociais internas, cujos comportamentos apontam para a sua forma
de crescimento.
Cria-se uma dependência não só econômica e política, mas também
psicológica entre povo e Nação. Isto nos conta a história desde as organizações
sociais envolvendo Grécia, Egito e Roma, ultrapassando os séculos, seguindo-se
pela Idade Média e caindo no Renascimento, época da ascensão do Iluminismo.
Para o mundo contemporâneo, observa-se que não há nítida diferença
comportamental.
Martin CARNOY, ao analisar Estado e teoria política, lança passagem de
dependência deste Estado para com as classes sociais, ao afirmar
12
O Estado dependente é situado neste contexto de luta de classes condicionada –
condicionada pelas crises e desenvolvimentos no sistema mundial e pelo papel dos setores
exportadores na economia nacional. É nesse Estado que é primordialmente responsável pela
organização do mercado interno e a acumulação local do capital, baseada em grande parte,
nos rendimentos das indústrias de exportação.
11
E quando falamos em Constituição, necessário aqui para a ligação entre
Estado e sociedade, inegavelmente surge-nos a noção exata de uma ordem legal
maior que serve de regramento total para uma nação.
Assim se mostra a Carta Magna da maioria dos países. Portanto, um conceito
jurídico se faz presente.
Isto porque podemos tomar a palavra Constituição no seu sentido mais
simples, podendo ser a estrutura das coisas e dos objetos.
Agora, se dermos uma definição mais restrita, mais específica, isto toma a
idéia de corpo de estrutura.
Partindo disto, a Constituição dentro do sentido jurídico denota ser um
componente do Estado, este último entendido como conjunto de preceitos sobre
determinadas pessoas dentro, claro, de um território específico.
Portanto, o Estado, como fator de ordem política e social, entre outras
concepções, precisa estruturar-se para que o seu ordenamento possa valer sobre a
sociedade e impor respeito às outras nações.
E esta estrutura permeia-se com uma Constituição, que deve ser entendida
como o conjunto maior do ordenamento jurídico, político e social de um país.
Para tanto, Celso BASTOS afirma sobre a sua indispensabilidade para um
Estado
Se se toma o vocábulo Constituição no sentido substancial, todo e qualquer Estado possui
uma. Na verdade, não procede o entendimento daqueles que se recusam a ver uma
Constituição jurídica naqueles Estados que não consagram qualquer limitação ao Poder
Público. O que se pode afirmar é que, se há Estado, há um ordenamento jurídico que o
embasa. O Estado há de se entender como estando sempre permeado pelo direito. Mesmo
nas sociedades primitivas, é forçoso ver a existência de normas jurídicas. Por mais
rudimentar que seja o desenvolvimento institucional do ente político, sempre será possível
identificar uma norma, ainda que puramente consuetudinária, que qualifique determinado
11
CARNOY, Martin. Estado e Teoria Política. 3ª ed., Campinas: Papirus, 1990, p. 219.
13
indivíduo como chefe, e uma outra que ordene serem sempre as ordens dele emanadas tidas
por obrigatórias, devendo ser cumpridas, sob pena de sanções.
12
É claro que este questionamento assenta-se na idéia constante de evolução
histórica e política de um povo e como ele (Estado) se posiciona na relação
Estado/sociedade, analisando a forma de governo adotada, onde, quanto maior o
autoritarismo deste, menor, em tese, teremos os seus crescimentos econômico e
social.
Mesmo que se fale em Estado social, com princípios e regras que
reconstroem a igualdade jurídica da sua respectiva Constituição, sendo aquele o
autor de fomentadoras condições para que os direitos se realizem de forma positiva,
fazendo com que a ordem não fosse apenas a daqueles que detém condições
materiais para fruição de seus direitos, mas sim de todos os protegidos pelas
condições de igualdade e oportunidade, permitindo-se, pois, que haja intervenção
estatal, aqui prestadora de serviços, o certo é que isto somente se alcança com a
plenitude de ações e com o avanço democrático de participação social.
Assim, quando uma sociedade decide mobilizar-se para a construção de um
ordenamento que dê ao mesmo tempo direitos e deveres de forma eqüitativa e
homogênea na sua real essência, esta construção deve atender aos anseios sociais,
políticos e econômicos, fazendo com que a sua estrutura seja útil e exeqüível para
os administradores e os cidadãos.
Por essa idéia, as Constituições que foram elaboradas no Brasil sempre
tiveram, de uma maneira ou de outra, o cuidado, mesmo que implícito de regramento
maior e realizável para a sociedade.
É claro que cada Constituição teve característica própria, pois passamos da
monarquia para a república, sendo esta dividida entre a velha e a nova13
, ou seja,
para cada compromisso político, a Constituição era desenhada de acordo com os
anseios necessários.
Não nos preocupamos aqui com as Constituições anteriores, muito embora a
nossa abordagem necessite, de certa forma, de um comparativo do passado com o
12
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed., São Paulo: Saraiva,
1990, p. 44-45.
13
É fácil perceber isto ao longo das suas estruturas, desde a Constituição de 1824,
passando-se pelas de 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967, até chegarmos na atual Carta Maior. Celso
BASTOS bem explica sua forma evolutiva na obra já descrita (Curso de Direito Constitucional).
14
presente, isto para alcançarmos o futuro, já que, de momento, a nossa indagação
repousa precipuamente na força normativa da atual Lei Maior, como esta se
encontra aplicada nos dias atuais e o que se espera daqui para frente, pois a
segurança jurídica também necessita de fortalecimento da sua estrutura maior.
Por esse motivo, os trabalhos realizados dentro da atual Constituição desde a
sua instalação em 1º de fevereiro de 1987, até a sua promulgação ocorrida em 5 de
outubro de 1988, mostraram que o ponto nevrálgico seria compreendê-la como uma
Constituição cidadã, o que foi explicado por José AFONSO DA SILVA, ditando que
“É a Constituição cidadã, na expressão de Ulysses Guimarães, Presidente da
Assembléia Nacional Constituinte, que a produziu, porque teve ampla participação
popular em sua elaboração, especialmente porque se volta decididamente para a
plena realização da cidadania.”14
E a Constituição não pode ser escrita sem que haja uma carga cristalina de
legitimidade, principalmente do próprio Poder Público em harmonia com todos os
segmentos da sociedade, pois as suas palavras lançadas escreverão o destino de
uma nação.
Nesta linha de entendimento sobre sua força normativa, Konrad HESSE15
leciona a respeito da sua importância, afirmando que três vertentes são
indispensáveis para a vontade da Constituição: compreensão da necessidade e do
valor de uma ordem normativa inquebrantável, protegendo o Estado de arbítrios;
compreensão de ser uma ordem legitimada pelos fatos; e mister o concurso com a
vontade humana.
A força da sua essência reside na natureza das coisas, impulsionando-a e
transformando-a em força ativa. E requisitos são necessários para a sua força
14
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1990, p. 80.
15
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. de: Gilmar Ferreira Mendes.
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991. Nota-se que esta obra veio em resposta ao trabalho de
Ferdinand Lassalle, onde Konrad Hesse apresentou um texto que foi base da sua aula inaugural junto
à Universidade de Freiburg em 1959, defendendo a noção da existência da Constituição jurídica, em
oposição à Constituição real, esta defendida por aquele primeiro doutrinador, que se apóia na idéia
de que questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões sociais, onde estas
são tratadas e se desenvolvem de acordo com a evolução da sociedade. Diante disto, a Constituição
jurídica de um país não passaria de um papel em branco, mutável conforme as necessidades. Para
isto se contrapõe Konrad Hesse, afirmando que a visão de Lassalle pode encantar à primeira vista,
diante da sua simplicidade de pensamento, esta baseada apenas na realidade.Todavia, se assim se
pensar, haveria um esvaziamento da noção de Direito Constitucional com a ciência normativa,
submissa a apenas justificar as relações de poder dominantes.
15
normativa, sendo o primeiro a presença de uma maior gama de conteúdo que
corresponda à natureza singular do presente, com a presença de elementos sociais,
políticos, econômicos e, principalmente, espiritual de seu tempo, que lhe ensejará
em aquiescência e consciência geral.
Deve também ser ela adaptada a eventuais mudanças condicionantes,
lembrando que direitos individuais devem apresentar também deveres recíprocos.
Outro ponto importante reside na sua práxis, adaptando-se à sua força
normativa. De nada vale uma Constituição, se não são aceitas as suas imposições,
abrindo-se mão de alguns benefícios.
Outrossim, a flexibilização da Constituição deve ser apenas estritamente
necessária, pois a existência de muitas revisões pode demonstrar adaptações a
interesses momentâneos ou de determinados grupos, tirando a sua força normativa.
16
3 A CONSTITUIÇÃO COMO LEI SUPREMA
Quando falamos no poder normativo criado dentro de uma sociedade, tendo o
aspecto de regulador geral, inegavelmente falamos em Constituição, regra esta que
serve de fator determinante para todo o conjunto de ordenamento jurídico, social,
político e econômico, entre outras atividades.
Não se pode esquecer, pois, o seu papel decisivo para o regramento geral e
infraconstitucional de um povo, apresentando todos os aspectos necessários de vida
em coletividade.
Esta supremacia, vista dentro do direito moderno como o alcance maior de
toda a ciência em favor de uma Constituição com visão totalmente atual para o seu
objetivo, serve de apoio para o firmamento das suas normas e proteção contra
evidentes abusos cometidos contra ela própria, como também contra a sociedade e
seus cidadãos, onde Cristina QUEIROZ bem explana
À imagem outrora da lei, a constituição fixa agora a fronteira entre o lícito e o ilícito, entre o
constitucional e o inconstitucional. Provoca com isso uma clara diferenciação entre o direito
constitucional e o direito infra-constitucional. O binômio inovação política/mudança conceptual
reside precisamente nisso: na ideia de supremacia da constituição face ao restante
ordenamento, ideia de uma lei utilizada como critério de legitimidade e/ou ilegitimidade face
às demais leis e actos jurídico-públicos. A constituição atribui-se a si própria a primazia,
rompendo com a regra tradicional segundo a qual lex posterior derrogat legi priori. Esta
supremacia constitui em si mesma uma regra de resolução de conflitos. Ela é a própria forma
do direito.
16
É bem verdade que esta primazia nem sempre existiu ao longo da história.
Queremos trabalhar com o seu aspecto supremo de controle e de criação de toda a
estrutura jurídica de um país. Porém, a sua força reverenciada por uma sociedade é
fruto da modernidade, pois, na Europa, cujas origens constitucionais advém da
inspiração francesa, por longo período entendeu-se que a supremacia seria
decorrente da Lei (obra do Parlamento) e não da Constituição (obra da Assembléia
Constituinte), onde aquele “governo das leis” impediria a criação de uma Lei
Suprema, como se quer mencionar e entender pela eficácia da Constituição.
Isto porque somente houve uma forma real, eficaz e concreta de admissão da
jurisdição constitucional, com toda a sua força, perto das grandes guerras do Século
17
XX, notadamente na Áustria, através do sistema concentrado de controle da
constitucionalidade, por volta de 1920.17
Ora, não há como se admitir, em plena virada do milênio, uma nação
estruturada que não possua um ordenamento maior e supremo nos seus atos e
busca de resultados, pois a Constituição de um Estado legitima a sua própria
conduta, estabelecendo, entre outras coisas, os limites dos exercícios do poder, das
liberdades e direitos fundamentais.
Para tanto, esta é a lição de Eduardo Garcia de ENTERRÍA
Pero la Constituición no solo es uma norma, sino precisamente la primera de las normas del
ordenamiento entero, la norma fundamental, lex superior. Por varias razones. Primero, porque
la Constituición define el sistema de fuentes formales del Derecho, de modo que solo por
dictarse conforme a lo dispuesto por la Constituición (órgano legislativo por ella diseñado, su
composición, competencia y procedimiento) uma Ley será válida o um Reglamento
vinculante; en este sentido, es la primera de las ‘normas de producción’, la norma nomarum,
la fuente de las fuentes. Segundo, porque en la medida en que la Constituición es la
expresión de uma intención fundacional, configuradora de un sistema entero que em ella se
basa, tiene uma pretensión de permanencia (uma ‘Ley Perpetua’ era la aspiración de
nuestros comuneros) o duración (dauernde Grundordnung; ordenamiento fundamental
estable, ‘el momento reposado y perseverante de la vida Del Estado’: Fleiner, lo que parece
asegurarla una superioridad sobre las normas ordinarias carentes de una intención total tan
relevante y limitada a objetivos mucho más concretos, todos singulares dentro del marco
globalizador y estructural que la Constituición há establecido.
18
Fica evidente a presença de uma Lei Maior dentro da sociedade, buscando
referenciais de base para a construção de todo o arcabouço jurídico.
Ao concluir sobre a força de uma Constituição, Konrad HESSE apresenta o
seguinte raciocínio
Em outros termos, o Direito Constitucional deve explicitar as condições sob as quais as
normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciando, assim, o
desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional. Portanto, compete ao Direito
Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade de Constituição (Wille zur
Verfassung), que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua força normativa. Essa
orientação torna imperiosa a assunção de uma visão crítica pelo Direito Constitucional, pois
nada seria mais perigoso do que permitir o surgimento de ilusões sobre questões
fundamentais para a vida do Estado.
19
16
QUEIROZ, Cristina. Interpretação constitucional e poder judicial: sobre a epistemologia da
construção constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 15.
17
Neste sentido vale a leitura de BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo
constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
18
ENTERRÍA, Eduardo García de. La Constituición como norma y el Tribunal Constitucional.
3ª ed., Madrid: Civitas, 1983, p. 49-50.
19
HESSE, op. cit. p. 27.
18
O seu caráter maior para entender sobre a supremacia baseia-se na
fundamentalidade, ou seja, disposições postas em certo conjunto de normas, cujo
lineamento forma a Constituição de um país.
Por conta disso, Regina Maria M. N. FERRARI, ao discorrer sobre a
supremacia constitucional, encerra o seu pensamento
A Constituição como norma jurídica fundamental do ordenamento jurídico de um Estado é
fruto de um poder, e sua obediência ou cumprimento, um dever. Poder que, investido de
soberania, retrata independência, isto é, o fato da ordenação estatal não depender de
nenhuma outra, posto que se põe modifica por si mesma, de tal modo que sua validade e
eficácia não lhe são conferidas por outra pessoa, sendo, portanto, originária. Daí dizer-se que
a ordenação jurídico-estatal é originária e soberana.
20
Propicia-se, pois, uma norma jurídica sistematizada e delineadora dos
elementos infraconstitucionais.
3.1 EFICÁCIA NORMATIVA
A aplicação da força normativa da Constituição dentro do mundo prático
repousa na real eficácia de utilização, sendo que Michel TEMER aborda o binômio
da aplicabilidade da norma constitucional
Todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia. Algumas, eficácia jurídica e eficácia
social; outras, apenas eficácia jurídica.
Eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para
regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica,
por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações
concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na
revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam. Embora não aplicada a
casos concretos, é aplicável juridicamente no sentido negativo antes apontado. Isto é: retira a
eficácia da normatividade anterior. É eficácia, juridicamente, embora não tenha sido aplicada
concretamente.
21
Qualquer que seja a sua visão de eficácia, o certo é que desde a sua criação,
a Constituição deve fundar-se em elementos que permitam a sua real e efetiva
aplicabilidade, ensejando, pois, sua força normativa e não apenas em uma carta
20
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas –
Normatividade, Operatividade e Efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 35-36.
21
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 10ª ed. rev. e aum., São Paulo:
Malheiros, 1993, p. 25.
19
aparente e sem força suficiente para impulsionar o Estado e determinar o caráter
dirigente para com todos.
A formação da sua estrutura inicia-se com um trabalho de levantamento social
e do histórico jurídico, isto é, devemos saber como se constitui a sociedade, quais
são os seus valores maiores, inclusive nos campos da ética, da moral, da religião, da
sua história cultural, uma vez que todos estes elementos apontam para a tendência
de formação das regras. Ou seja, observamos o ser para criar o dever ser.
Desta forma, a Constituição deve abranger o conjunto de idiossincrasias de
uma sociedade, isto para lhe dar o verdadeiro caráter de utilização.
Celso BASTOS prossegue na sua visão sobre a Constituição, através de uma
ótica orgânica e ideológica
A Constituição é um conjunto de normas fundamentais dotado de supremacia na ordem
jurídica. Encarecem-se aí os seus dois elementos principais. De um lado o caráter estrutural
das normas constitucionais, o que vale dizer que nelas deverão estar vertidas todas as vigas
mestras da organização do Estado e da sociedade. A Constituição não é o lugar do miúdo, do
conjuntural, do efêmero, do acessório e do irrelevante. Adversamente, é a sede estrutural do
permanente, do importante, do principal e do respeitante à estrutura. De outro lado, está
também presente o ingrediente formal, é dizer, a posição privilegiada e suprema de que
gozam as normas constitucionais: encabeçam a ordem jurídica, subordinando a si todas as
demais leis e atos jurídicos, que hão de estar conformes à Constituição, ou, ao menos, não
contraditá-la.
22
A Constituição, desta maneira, não se configura apenas como elemento de
ser, mas também de dever ser. Com base na noção de eficácia, a Constituição
procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social.
Não poderia ser diferente a visão de Regina Maria Macedo NERY FERRARI,
ao dispor, mais uma vez, sobre a supremacia constitucional
A norma suprema, mais importante, de um sistema normativo estatal é a sua Constituição,
sendo o fundamento de validade dessa mesma ordem jurídica. Para KELSEN, uma norma
para ser válida é preciso que busque seu fundamento de validade em uma norma superior, e
assim por diante, de tal modo que todas as normas, cuja validade pode ser reconduzida a
uma mesma norma fundamental, formam um sistema de normas, uma ordem normativa.
23
E mais adiante completa
22
BASTOS, op. cit. p. 118.
23
FERRARI, op. cit. p. 30.
20
A Constituição, como Lei Fundamental de um ordenamento jurídico, é representada por um
conjunto de normas que organizam o Estado, determinam as funções e competências dos
órgãos que exercem o Poder Público, as formas e os limites desse exercício, bem como os
Direitos e Garantias Fundamentais de seu cidadão e, assim entendida, é o documento
normativo supremo do Estado e da sociedade, proporcionando uma interação necessária.
24
O caráter absoluto da Constituição Federal determina o seu conteúdo maior,
cujos princípios alicerçados nos seus comandos dão o contorno essencial às
atividades desenvolvidas pelo Estado em prol da sociedade.
3.2 CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE E PROGRAMÁTICA
Para que as idéias possam ser postas em prática, indispensável que
saibamos e admitamos a Constituição com o seu papel dirigente, ou ainda
programático.
Para a primeira noção, possível analisar a percepção de J. J. Gomes
CANOTILHO para este assunto, onde faz menção a respeito da sua idéia de
Constituição dirigente e vinculação do legislador, o que chama de contribuição para
a compreensão das normas constitucionais programáticas.
O seu núcleo maior de debate repousa no empreendimento de “o que deve (e
pode) uma constituição ordenar aos órgãos legiferantes e o que deve (como e
quando deve) fazer o legislador para cumprir, de forma regular, adequada e
oportuna, as imposições constitucionais”.25
É a hipótese de pré-determinação das regras a serem seguidas pelo
legislador, desvinculando-se as estruturas criadas (norma constitucional) da sua
base de criação (poder constituinte), impondo ao legislador um comportamento
positivo de construção social.
Já para as normas programáticas da Constituição Federal, estas impõem ao
Estado o dever imperativo e legal de realização de atividades vinculadas ao
cumprimento de todos os preceitos, inclusive dentro do que pode ser chamado de
Justiça Social.
24
Ibid, p. 30-31.
25
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador.
Coimbra: Coimbra Editora, 1982, p 11.
21
Toda norma traz em si um caráter determinante e imperativo de conduta,
mesmo aquelas que são aqui chamadas de programáticas, como a busca do pleno
emprego, direito à habitação, entre outros exemplos.
Por tal motivo, Regina M. M. N. FERRARI, quando da sua tese de doutorado
junto à Universidade Federal do Paraná, abordou com propriedade o tema
envolvendo normas programáticas, permitindo-se concluir sobre elas que
As normas programáticas participam da mesma natureza das outras integrantes de um
diploma constitucional rígido, isto é, são normas jurídicas que compartilham da mesma
hierarquia, de tal modo que as normas infraconstitucionais que com ela estejam em conflito
padecem de invalidade, isto é, de inconstitucionalidade.
A norma constitucional programática, ao determinar princípios, tarefas a cumprir, fins a atingir,
dirigidos às transformações não só da ordem jurídica, mas também das estruturas sociais e
sua concretização, implica o exercício de um verdadeiro poder discricionário.
26
Neste interregno, CANOTILHO aborda os dois temas, mencionando que, seja
pela sua concepção dirigente, seja pela sua idéia programática, estamos diante de
conduta de comportamento.
Trata-se de uma concepção trazida por ele quando da sua tese de doutorado
em Portugal, expondo com minúcias a idéia de criar uma Lei Maior que dirija a
atividade do legislador, retirando-lhe margem discricionária de autodeterminação.
Por isso, afirma este doutrinador português que não existe mais norma
constitucional programática, esta baseada na concepção de que o regramento
constitucional prevê ao aplicador um programa de atividades previamente
determinadas, estas para realização futura.
Para CANOTILHO, este considera, sim, que existem normas-programa,
normas-tarefa, ou normas-fim, que apenas impõem uma atividade.
Explica que
Às ‘normas programáticas’ é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico
ao dos restantes preceitos da Constituição. Mas do que isso: a eventual mediação da
instância legiferante na concretização das normas programáticas não significa a dependência
deste tipo de normas da interpositio do legislador; é a positividade das normas-fim e normas-
tarefa (normas programáticas) que justifica a necessidade da intervenção dos órgãos
legiferantes. Concretizando melhor, a positividade jurídico-constitucional das normas
programáticas significa fundamentalmente:
(1) Vinculação do legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição
constitucional).
26
FERRARI, op. cit., p.253.
22
(2) Como directivas materiais permanentes, elas vinculam positivamente todos os órgãos
concretizadores, devendo estes torná-las em consideração em qualquer dos momentos da
actividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição).
(3) Como limites negativos, justificam a eventual censura,sob a forma de
inconstitucionalidade, em relação aos actos que as contrariam.
27
Temos, por óbvio, um corpo de normas jurídicas escritas pelos representantes
do povo, certos de que o seu cumprimento dar-se-á na medida em que as condutas
descritas efetivamente demonstrarem uma correlação entre o fato e a norma, mas
com apoio na aquiescência social.
Celso Antônio Bandeira de MELLO trata da eficácia destas normas
Uma Constituição, desde logo, define-se como um corpo de normas jurídicas. De fora parte
quaisquer outras qualificações, o certo é que consiste, antes de mais, em um plexo de regras
de Direito.
A Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de
aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e
aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios por todos:
órgãos do Poder e cidadãos.
28
Todos se vinculam à Constituição, pois, uma vez idealizada e criada, esta se
desprende da sua fonte inspiradora, conforme interpretação teleológica.
Mas é importante que a Constituição, pelo fato de ter este poder normativo
maior, discipline e consagre valores, metas, finalidades, objetivos, propósitos, v.g.,
sendo, todavia, necessário que estes mesmos rumos não limitem e nem finalizem a
possibilidade do Estado de outras opções, além de não serem as normas escritas de
maneira casuística ou específica em favor ou contra determinadas classes sociais, a
ponto de ensejar na exclusão da sua própria possibilidade de escolha, de
oportunidade ou ainda de meios de execução.
Por este motivo, a sua criação sempre dependerá de amplo debate, de
análises sociais e de visões futuristas a respeito do que se espera desta mesma
Norma Maior.
Diante de todas estas considerações iniciais, é possível entender por qual
motivo há uma enorme carga de normatividade de uma Constituição, pois, como o
papel essencial e crucial de uma nação e de uma sociedade, as suas prescrições
27
CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 132.
28
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais. São Paulo: RDP,
57/58:236.
23
definem comportamentos de harmonização e respeito às liberdades e direitos, sem
perder de vista a existência recíproca dos deveres.
Agora esta normatividade não surge apenas porque a norma assim
determina, mister que haja não só legalidade como também legitimidade social.
Os direitos sociais, por exemplo, possuem papel importante na aplicação das
regras constitucionais, pois são, em muitas vezes, programas de execução, inclusive
já vistos a partir dos primeiros artigos da Lei Maior, dentro dos princípios
fundamentais.
E já que falamos em princípios fundamentais, é importante destacar a força
principiológica da Constituição Federal, pois estes mesmos princípios regem o
regramento das atividades sociais.
3.3 SISTEMA DE PRINCÍPIOS E NORMAS
Desta feita, a Constituição deve ser vista como um sistema de princípios e
normas, todos valorativos a ponto de criar um mecanismo exeqüível
comportamental.
Tanto norma como princípio, ambos formam o comportamento legal
necessário para a execução da Carta Magna. Na realidade, para alguns
doutrinadores, não há, hoje, uma distinção específica entre ambas, muito embora
seja possível afirmar que o princípio tenha um alto grau de generalidade e
abstração, enquanto que a norma, ou ainda entendido como regra, faça referência
direta a eventuais situações passíveis de caráter jurídico.
Acrescenta-se, também, a idéia de que os princípios podem desempenhar um
papel importante de constituição da ordem jurídica, enquanto que as normas são as
leis reforçadas por sua forma especial.29
Ao abordar este assunto, Gustavo ZAGREBELSKY separa o direito por regras
do direito por princípios, concluindo que
Así pues – por lo que aqui interesa –, la distinción esencial parece ser la siguinte: las reglas
nos proporcionan el criterio de nuestras acciones, nos dicen cómo debemos, no debemos,
podemos actuar en determinadas situaciones específicas previstas por las reglas mismas; los
principios, directamente, no nos dicen nada a este respecto, pero nos proporcionan criterios
29
Cf. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Madrid: Trotta, 1999, p.110.
24
para tomar posición ante situaciones concretas pero que a priori aparecen indeterminadas.
Los principios generan actitudes favorables o contrarias, de adhesión y apoyo o de disenso y
repulsa hacia todo lo que puede estar implicado em su salvaguarda em cada caso concreto.
Puesto que carecen de ‘supuesto de hecho’, a los principios, a diferencia de lo que sucede
con las reglas, solo se lês puede dar algún significado operativo haciéndoles ‘reaccionar’ ante
algún caso concreto. Su significado no puede determinarse en abstracto, sino solo em los
casos concretos, y solo em los casos concretos se puede entender su alcance.
30
Há, assim, uma normatividade dos princípios, inclusive e principalmente os
constitucionais.
Tomemos por base, então, os princípios, sendo o cerne deste ponto de
análise, relegando para segundo plano as regras.
De conseqüência, estes princípios tratados dentro da visão constitucional
constituem o ponto de partida, o indicador central a respeito de toda a formação
legal existente. Mas, o que são princípios?
De origem latina (principium), ele significa o início, a origem ou o começo das
coisas, sendo as verdades primordiais em que se baseiam os fundamentos
necessários à construção de algo, no nosso caso, a legislativa.
Para os princípios constitucionais, nós estamos diante de um mandamento de
aspecto nuclear deste mesmo sistema adotado em favor de uma Nação.
Segundo Jorge MIRANDA, os princípios constitucionais têm uma função
ordenadora, validando, por certo, a objetividade comunitária, já que o seu ponto de
partida são as relações sociais.
De acordo com a sua visão
Inerente ao homem, condição e expressão da sua experiência convencional, o Direito nunca
poderia esgotar-se nos diplomas e preceitos constantemente publicados e revogado pelo
órgãos do poder. Mesmo para quem não adira às escolas institucionalistas ou às
estruturalistas, forçoso se torna reconhecer existir algo de específico no sistema que permite
(e só isso permite) explicar e fundar a validade e a efectividade de todas e cada uma das
suas normas.
O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de actos de vontade, ou mera
concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si. O Direito é ordenamento ou conjunto
significativo e não conjunção resultante de vigência simultânea; é coerência ou, talvez mais
rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse
ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor projecta-se ou traduz-se em princípios,
logicamente anteriores aos preceitos.
31
30
Ibid, p. 110-111.
31
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - Introdução à Teoria da Constituição.
Tomo II, 2ª ed., rev., Coimbra: Coimbra Editora, 1988, p. 198-199.
25
Os princípios sempre estiveram presentes no pensamento jurídico, a ponto de
haver manifestação voltada de forma imperiosa no positivismo, mesmo com um
certo grau de indeterminação, pois qualquer princípio premia-se diante da abstração
legal, muitas vezes sendo absorvido pela interpretação do hermeneuta.
Mesmo assim, com o avançar do tempo, o princípio ganhou status de
independência.
Por conta disso, Celso Antônio Bandeira de MELLO conceitua o seu
referencial a respeito de princípio
(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental
que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (...)
32
Sendo a visão de alicerce, o seu uso e adaptação à realidade constitucional
devem ser de criação e formação dos preceitos indicadores da vida comunitária,
percorrendo os diversos pontos daquele mesmo sistema normativo a ser
desenvolvido, ensejando em comportamento e utilização.
E Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO complementa esta percepção
Os juristas empregam o termo ‘princípio’ em três sentidos de alcance diferente. Num
primeiro, seriam ‘supernormas’, ou seja, normas (gerais ou generalíssimas) que exprimem
valores e que por isso, são ponto de referência, modelo, para regras que as desdobram. No
segundo, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas -
ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam
generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou
determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma conotação
prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva: trata-se de uma ‘abstração por indução’
33
Cria-se uma potencialização referencial dentro do ordenamento
constitucional, fazendo com que o seu constituinte fique atento aos anseios sociais,
permeando com vigor e obrigatoriedade normativa toda e qualquer manifestação de
caráter social.
32
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 1ª ed., 5ª tir., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 230.
33
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em
Homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento. Vol I, São Paulo: Ed. Ltr, 1991, p. 73-74.
26
Esta dimensão multi-facetária da Lei Maior através dos seus princípios
imprime um maior grau de convencimento a respeito do alcance destes próprios,
dando-lhes um grau máximo de normatividade e potencialidade.
É importante observar que o princípio deve ser levado a efeito como toda
norma jurídica, desde que se considere a sua presença determinante de uma ou
várias coisas que se subordinam aos seus efeitos. Parte-se da direção majoritária
para a particular, ensejando no seu conteúdo expresso. Se o princípio determina um
comportamento social e/ou jurídico, sua expressão alicerçada para uma conduta
específica determina toda diretriz, impondo circunstâncias de conteúdo.
Devemos admitir, sem sombra de dúvida, que a normatividade da
Constituição repousa, como ponto de partida, na aceitação e respeito à força dos
princípios, estes vistos como normas.
Norberto BOBBIO observa que
Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do
sistema, as normas mais gerais. A palavra ‘princípio’ leva a engano, tanto que é velha a
questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os
princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por
Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e
ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais
são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que
não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenha sempre animais,
e não flores e estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados
é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que
finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não
regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E
por que não deveriam ser normas?
34
Esta posição também é compartilhada por Eros Roberto GRAU, ao dizer que:
“tem a doutrina, de modo pacificado, reconhecido, nos princípios gerais de Direito,
caráter normativo e ‘positivação”.35
Dentro desta seara de afirmadores do caráter normativo dos princípios, Luís
Roberto BARROSO leciona da seguinte maneira
34
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. de: Maria Celeste Cordeiro Leite
dos Santos. Rrevisão técnica de Cláudio de Cicco. Apresentação de Tércio Sampaio Ferraz Jr. 10ª
ed., Brasília: UnB, 1997, p. 158-159.
35
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e
crítica). 7ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 114
27
É importante assinalar, logo de início, que já se encontra superada a distinção de outrora se
fazia entre norma e princípio. A Dogmática moderna avaliza o entendimento de que as
normas jurídicas em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser
enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípio e as normas-disposição. As
normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações
específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm,
normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.
36
Por fim, Romeu Felipe BACELLAR Filho afirma ser incompatível com uma
verdadeira teoria constitucional, esta comprometida com a supremacia material e
formal da Constituição sobre o direito ordinário, a visão da doutrina que nega à
norma constitucional aberta, ou principiológica, o caráter de normativo, pois “negar
caráter normativo às regras e aos princípios constitucionais é o mesmo que negar a
quase-totalidade do texto constitucional”.37
Encerra-se, pois, este questionamento, ao admitirmos, sem qualquer dúvida
ou simples indagação, que princípios constitucionais são normativos por excelência.
Assim sendo, este é mais um passo na afirmativa final e concreta de que a
normatividade se dá desde a sua origem.
O caráter principiológico adotado pela nossa “Constituição cidadã” apenas faz
conformar que todos os preceitos são indispensáveis e necessários para a
aproximação do ideal ordenamento jurídico e eficaz aplicação do Direito,
principalmente em se tratando de Constituição Federal, como Lei maior responsável
pelo dimensionamento de toda a atividade de uma nação, seja no campo jurídico, na
criação das normas inferiores, na distribuição de tarefas e competências, na
elaboração de programas sociais, culturais, tecnológicos, habitacionais, de
segurança, de emprego, etc., abrangendo, ao máximo possível, as diretrizes
governamentais adotas em prol de toda uma sociedade, alcançando os mais
diversos segmentos sociais.
Portanto, a sua segurança jurídica nasce da certeza da sua aplicação,
tornando-a eficaz já a partir da adoção dos seus princípios constitucionais.
Por essa razão, CANOTILHO adota uma classificação dos princípios
constitucionais, criando um mecanismo de divisão e de estrutura, estas duas visões
para permitir a real utilização, sendo estes princípios jurídicos fundamentais,
36
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma
Dogmática Constitucional Transformadora. 4ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 149.
28
princípios jurídicos constitucionalmente conformadores, princípios constitucionais
impositivos e princípios-garantia.38
É a certeza de aplicação da norma no seu mais profundo sentido e validade,
não restando dúvidas a respeito da total normatividade dos princípios
constitucionais, aqui paradigmas da estrutura jurídica.
Nesta linha de raciocínio, os princípios têm ampla normatividade dentro do
ordenamento jurídico, não se constituindo apenas em orientações, premissas
menores, ou qualquer forma de critério secundário de aferição.
E aqui repousa o primeiro grande argumento da eficácia das normas
constitucionais: a força normativa dos princípios.
37
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo
Disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 145.
38
“1. Princípios jurídicos fundamentais – Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os
princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que
encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica
positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e
aplicação do direito positivo. Mais rigorosamente, dir-se-á, em primeiro lugar,que os princípios têm
uma função negativa particularmente relevante nos ‘casos-limites’ (‘Estado de Direito e de Não-
Direito’, ‘Estado Democrático e Ditadura’) (...).
‘Os princípios jurídicos gerias têm também uma função positiva, ‘informando’ materialmente
os atos dos Poderes Públicos.
(...)
“2. Princípios políticos constitucionalmente conformadores – Designam-se por princípios
politicamente conformadores os princípios constitucionais que explicitam as valorações políticas
fundamentais do legislador constituinte. Nestes princípios se condensam as opções políticas
nucleares e se reflecte a ideologia inspiradora da Constituição. Expressando as concepções políticas
ou dominantes numa Assembléia Constituinte, os princípios político-constitucionais são o cerne
político de uma Constituição política, não admirando que (1) sejam reconhecidos como limites do
poder de revisão; (2) se revelem os princípios mais directamente visados no caso de alteração
profunda do regime político.
“Nesta sede situar-se-ão os princípios definidores da forma de Estado (...); os princípios
definidores da estrutura do Estado (...),os princípios estruturantes do regime político (...) e os
princípios caracterizadores da forma de governo e da organização política em geral (...).
“(...).
“3. Os princípios constitucionais impositivos – Nos princípios consitucionais impositivos
subsumem-se todos os princípios que, sobretudo no âmbito da Constituição dirigente, impõem-se aos
órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. são,
portanto, princípios dinâmicos, prospectivamente orientados.
“Estes princípios designam-se muitas vezes, por ‘preceitos definidores dos fins do Estado’
(assim Scheuner: Staatszielbs-timmungen), ‘princípios diretivos fundamentais’ (Häfelin) ou ‘normas
programáticas definidoras de fins ou tarefas’
“(...).
4. Os princípios-garantia – Há outros princípios que visam a instituir directa e imediatamente
uma garantia dos cidadãos. É-lhes atribuída uma densidade de autêntica norma jurídica e uma foca
determinante, positiva e negativa. (...).
“(...).
“Como se disse, estes princípios traduzem-se no estabelecimento directo de garantias para
os cidadãos e daí que os autores lhe chamem ‘princípios em forma de aplicação (CANOTILHO,
Direito Constitucional, p. 170-174).
29
Todavia, referimo-nos aqui aos princípios fundamentais elencados na Carta
Magna e não meramente aos princípios gerais de direito, cuja visualização destes
ocorre nos termos do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.
Por certo, o caráter de fundamentalidade dos princípios, suas proximidades
com uma idéia acerca do direito, eventual natureza normogenética, um
balanceamento de valores e interesses, convivência de conflitos entre si e ausência
específica de condutas dão o contorno do grande valor dos princípios para a
normatividade da Lei Maior.
Desta forma, por ter um caráter dinâmico, por não ser um documento pronto e
acabado, mas sim o resultado de atividade sócio-política, a Constituição admite uma
interpretação especial e principiológica em favor de uma Nação atrelada ao seu
ordenamento.
Muito embora haja uma certa divergência doutrinária a respeito do assunto, o
certo é que os autores apontam os princípios que consideram válidos para o perfeito
entendimento da força normativa constitucional39
.
Permitimo-nos aqui mencionar alguns que podem ser considerados como
essenciais para esta finalidade: Princípio da Unidade Constitucional, onde todas as
normas do texto constitucional apresentam o mesmo nível hierárquico, sendo que
cada norma não é um elemento isolado, mas integrante do todo harmônico; Princípio
das Bases Principiológicas, dando-se ênfase aos princípios valorizados na Lei
Maior; Princípio do Efeito Integrador, buscando interpretar com prioridade ao
favorecimento da integração política e social; Princípio da Proporcionalidade, sendo
essencial ao apoio dos direitos fundamentais, pois fornece critérios para as
limitações a esses direitos devendo ter adequação (validade do fim), necessidade
(sem exceder os limites à conservação do fim almejado) e proporcionalidade strictu
sensu (que melhor atenda ao conjunto do interesse em jogo), já que, além de
proteger o cidadão, serve de método de interpretação para o juiz, quando necessário
à solução de um caso; Princípio da Concordância Prática ou da Harmonização, certo
que não há diferença hierárquica ou de valor entre os bens constitucionais. Assim, a
39
Entre outros, podemos citar: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da
Constituição. 4ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2001; ROCHA, Carmen Lúcia Antunes.
Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994; ROTHENBURG,
Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999.
30
solução deve harmonizá-los; Princípio da Força Normativa da Constituição,
garantindo a sua eficácia e permanência, através da atualização das normas,
quando houver problemas constitucionais; Princípio da Máxima Efetividade das
Normas, onde à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que mais eficácia
lhe dê; Princípio do Conteúdo Implícito das Normas Constitucionais,observando-se
que as normas devem ser interpretadas não apenas com o seu conteúdo explícito,
mas também implícito (CF, art. 5º, § 2º); Princípio da Constitucionalidade Material,
transcendendo o texto constitucional para inserir-se na realidade do caso concreto;
Princípio da Constituição Aberta, admitindo-se quando os dispositivos contenham
vocábulos ou cláusulas vagas, suscetíveis de conteúdo variável; Princípio do
Respeito ao Espírito à Ideologia da Constituição, denotando o seu manancial político
e ideológico; Princípio da Obediência à Supremacia das Normas Constitucionais,
estas superiores às normas infraconstitucionais, mesmo recepcionando-as através
da nova Carta Magna; Princípio da Excepcionalidade da Interpretação Restritiva,
onde a restrição é exceção. Deve-se buscar a sua ideologia. No mais, privilégios,
incompatibilidades, proibições ou restrições devem ser limitados; Princípio da
Imperatividade das Normas Constitucionais, sob pena de cair na sua
inconstitucionalidade; Princípio do Sentido Usual das Normas Constitucionais,
exceto quando leve ao absurdo, prevalecendo, pois, o sentido técnico; Princípio do
Sistema Constitucional, cujos conceitos de outros ramos do Direito ou mesmo
extrajurídico, desde que presentes na norma constitucional, devem ser interpretados
a partir do sentido que adquirem por força de sua inserção no sistema constitucional;
e Princípio da Interpretação Conforme a Constituição, pois é o sentido necessário e
o que o torna possível por virtude da força conformadora da lei Fundamental.
Ora, para a interpretação de uma norma constitucional, deve-se levar em
conta todo o sistema tal como positivado, dando-se ênfase, porém, aos princípios
que foram valorizados pelo constituinte.
Por conta disso é que se difere da interpretação dos demais textos de lei,
pois, nestes, a base de apoio é a Lei Maior, ou seja, interpretar de acordo com as
regras constitucionais.
Parte-se dela mesma, invocando princípios, estes como formadores de
fundamentação, pois a Constituição tem caráter muito mais sintético do que as
31
demais leis, por conter apenas normas fundamentais, onde encontramos os
princípios gerais do ordenamento jurídico de um Estado.
3.4 A PRINCIPIOLOGIA VISTA POR DWORKIN E ALEXY
Não se pode falar em princípios sem observarmos as teorias contemporâneas
de Ronald DWORKIN e Robert ALEXY, muito embora estes autores não tenham
trabalho com exclusividade acerca de princípios constitucionais.
Isto porque os seus pensamentos tornam-se fundamentais para toda uma
construção constitucional, já que as constituições, no seu caráter geral, traçam perfis
eminentemente princípiológicos, inclusive com um alcance bem maior que as demais
leis infraconstitucionais.
Tal principiologia tornou-se fundamental para o seu entendimento a partir de
um avanço de caráter normativo, já que nem sempre os princípios foram dotados de
eficácia, onde, dentro do positivismo clássico, o seu uso era, na melhor das
hipóteses, subsidiário em relação às regras adotadas, fazendo com que não
houvesse um interesse tão forte na sua aceitação e no seu uso, pois somente o
texto claro da lei traria a correspondência de eficácia normativa.
E, antes do positivismo, para o jusnaturalismo, os princípios eram meramente
abstratos e universais, ou seja, o uso dar-se-ia apenas para se aferir eventual critério
de justiça.
Somente a partir do pós-positivismo é que os princípios receberam destaque
maior, com realce especial de normatividade, passando a ter adequação explícita
dentro da ciência do direito.
Por conta disso é que tivemos, dentro do constitucionalismo, um caráter
predominante de aspecto fundamental e de criação, mas não de falta de uso
normativo, situação em que se pode confundir o pensamento por não entender este
valor jurídico ínsito do próprio princípio.
Tão evidente é o seu avanço usual, que Paulo BONAVIDES aponta para um
conjunto maior de realização dos institutos constitucionais, como os direitos e
garantias do cidadão, além das condições materiais elementares, afirmando que “as
novas constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios,
32
convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos
novos sistemas constitucionais”.40
E este estudo partindo-se de DWORKIN e ALEXY apóia-se na preocupação
essencial de ambos em apontar que as decisões judiciais, amparadas em
determinantes constitucionais, são fenômenos não de criação puramente
discricionária, mas sim de critérios normativos básicos e preexistentes e que não se
encontram esgotados nas próprias regras jurídicas.
3.4.1 O princípio para Ronald Dworkin
Para DWORKIN, os princípios são estudados a partir de um contraponto com
os positivistas, principalmente os ensinamentos de Hart, pois este entende que as
normas jurídicas têm limites incertos e, nesta condição, estas mesmas normas são
decididas por um mero ato de vontade, afastando-se qualquer metodologia jurídica.
O doutrinador norte-americano vê o direito como um sistema de regras e
princípios e lança a análise judicial para os chamados casos difíceis (hard cases)
através dos princípios, mas sem afastar a moral de todo o ordenamento jurídico,
diferentemente do que pensam os positivistas. Quer trazer à tona o uso razoável da
moral para o cerne da aplicação jurídica, reconhecendo, ainda, uma condição de uso
jurídico para alguns princípios que tenham aplicação no campo da moral.
Mas não se quer, na visão de DWORKIN, que o juiz seja um legislador na
aplicação do direito. Muito pelo contrário. Para ele, o caminho escolhido deverá ser
aquele do uso de princípios como norteadores e centralizadores das suas decisões,
principalmente nos casos difíceis.
Nesta teoria a respeito dos princípios, estes se apresentam sob duas formas,
sendo os princípios no sentido genérico e as diretrizes políticas.41
O primeiro já foi
explanado, onde podemos apenas acrescentar determinada passagem feita pelo
autor, afirmando que o princípio é um “estándar que ha de ser observado, no porque
favorezca o asegure uma situación econômica, política o social que considera
40
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed., São Paulo: Malheiros,
1997, p. 237.
41
Cf. DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Trad. de: Marta Guastavino. Barcelona:
Ariel, 1997, p. 72.
33
deseable, sino porque es uma exigência de la justicia, la equidad o alguma outra
dimensión de la moralidad”42
, enquanto que o segundo (as chamadas diretrizes
políticas), na visão do autor, seria o correspondente às normas programáticas, já
que se define como um objetivo a ser alcançado, claro que dentro do ordenamento
precípuo de melhoria coletiva.
Se os princípios buscam as soluções em favor, inclusive, do particular, as
diretrizes são segmentos genéricos e, portanto, não prevalecem sobre aqueles
primeiros, sendo esta a concepção de DWORKIN.
Os princípios são razões especiais de decidir e podemos sopesar, inclusive,
os princípios eventualmente conflitantes, no caso de existência de mais de um deles
para o preenchimento do caso concreto.
Todavia, isto vale para o conflito de princípios, mas não entre estes e as
diretrizes políticas, pois aqui os primeiros superam estes últimos.
Seguindo-se a sua visão sobre o assunto em questão, a adoção dos
princípios como fatores determinantes para a aplicação da justiça repousa no
liberalismo ético, respeitando os direitos das minorias, isto no caso de um governo
lançar mão de mecanismos políticos gerais em detrimento de determinada classe
social em menor número, pois, segundo ele, não se pode admitir a perda da
dignidade desta minoria: é o contraponto entre a dignidade humana e a igualdade
política.
Trata-se, pois, de uma concepção de adequação dos fatos aos mecanismos
abstratos e gerais dispostos pelos princípios, mas que são mais do que suficientes
para a sua normatização.
Já para as regras, DWORKIN entende que correspondem ao conceito
determinado pelo positivismo clássico, onde a regra deve ser aplicada ou não,
inclusive obedecendo-se eventual hierarquia. Trata-se do que ele considera como
tudo ou nada.43
Quanto à decisão judicial, o autor considera que os princípios possuem vários
sentidos, todos voltados para o resultado dentro da discricionariedade judicial.
42
Id.
43
Ibid, p. 75. Para o autor “Las normas son aplicadas a la manera de disyuntivas. Si los
hechos que estipula uma norma están dados, entonces o bién la norma es válida, en cuyo caso la
respuesta debe ser aceptada, o bién no lo es, y entonces no aporta nada a la decisión.”
34
Partindo-se destes mesmos princípios, a primeira visão emerge a partir da
sua própria discricionariedade, ou seja, pelo seu juízo de valoração, onde o
magistrado não se afasta de princípios norteadores.
A segunda visão traduz-se da própria competência dos órgãos judicantes,
principalmente dos tribunais, partindo-se da premissa de que, desta decisão, não
cabe mais recurso. Todavia, mesmo aqui, o autor trabalha com a noção de princípios
sendo utilizados no arcabouço valorativo de decisão.
Estes dois sentidos são mais simples e enfraquecidos de conteúdo e
resultado, sendo que o sentido mais forte traduz-se na não vinculação do magistrado
a critérios puramente normativos quando da efetiva decisão judicial, mas sim no
senso de justiça baseado em princípios valorativos em favor do caso concreto.
DWORKIN constrói esta imagem adotando a figura do que chama de juiz
Hércules, pessoa dotada de hábeis conhecimentos e para dirimir todos os conflitos
judiciais, buscando sempre o alcance da única solução correta. Ele, ao mesmo
tempo, conhece todos os princípios e vê os elementos do direito vigente ligados por
fios argumentativos. Desde essa perspectiva, os juízes são, ao mesmo tempo,
autores, uma vez que acrescentam algo ao direito, e críticos, pois o interpretam
conforme as necessidades.
Podemos concluir que, com a adoção dos princípios como elementos
essenciais na busca da justiça, e o uso de um juiz onipresente para dar sempre a
melhor resposta, o que o autor apresenta sobre eles não é meramente metafísico,
mas sim concepções arraigadas às instituições essenciais da vida, como a política e
a sociologia. Quer ser ele reconstrutivo, repensando a ordem jurídica posta em
utilização por uma sociedade. O binômio princípio e diretriz política serve de
alavanca para toda a estrutura do ser dentro do mundo jurídico.
DWORKIN completa o seu pensamento com o uso do princípio da
integridade, buscando a coerência dentro dos resultados e um ponto de equilíbrio
nas diversas relações sociais.
Para tanto, ao analisar esta concepção, ele assim observa
A integridade torna-se um ideal político quando exigimos o mesmo do Estado ou da
comunidade considerados como agentes morais, quando insistimos em que o Estado aja
segundo um conjunto único e coerente de princípios mesmo quando seus cidadãos estão
divididos quanto à natureza exata dos princípios de justiça e equidade corretos. Tanto no
35
caso individual quanto no político, admitimos a possibilidade de reconhecer que os atos das
outras pessoas expressam uma concepção de equidade, justiça ou decência mesmo quando
nós próprios não endossamos tal concepção. Essa capacidade é uma parte importante de
nossa capacidade mais geral de tratar os outros com respeito, sendo, portanto, um requisito
prévio de civilização.
44
É um papel importante na integralização do direito pela comunidade.
Torna-se coerente termos uma integridade para a regulação das condutas
fáticas entre as pessoas, reconstruindo-se, portanto, toda a ordem jurídica.
Finalizando seu pensamento, o autor entende que os princípios
constitucionais, base primeira deste nosso estudo, são identificáveis em muitas
oportunidades como direitos morais, completando sua idéia ao afirmar que o Estado
não pode interferir na conduta do cidadão, se o resultado violar um direito seu
baseado em moral.
Por conta disso, a Constituição traz uma supremacia não apenas como direito
formal, mas principalmente como direito material.
O direito preexiste a partir dos princípios conformadores, onde o juiz não cria
ou inova este mesmo direito, mas apenas o aplica ao caso concreto, contornando-o
diante dos casos difíceis.
3.4.2 O princípio para Robert Alexy
Já para os ensinamentos de Robert ALEXY, os princípios também possuem
importância enorme dentro de todo o ordenamento jurídico.
Da mesma forma apresentada por DWORKIN, a diferença basilar entre
princípios e regras não se encontra na quantidade, mas sim na qualidade.
ALEXY também entende que os princípios jurídicos em muitas oportunidades
são morais, além de serem diferentes das regras, buscando um compasso de
construção da estrutura dentro das normas de direito fundamental.
Os princípios, assim, não são mandatos definitivos, mas mandatos de
otimização, cujas palavras do autor demonstram bem o seu alcance
44
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. de: Jefferson Luiz Camargo, São Paulo:
Martins Fontes, 1999, p 202.
36
El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas
que ordenan que algo sea realizado em la mayor medida posible, dentro de las possibilidades
jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que
están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado y que la
medida debida de su cumplimiento no solo depende de las posibilidades reales sino también
de las jurídicas. El âmbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y
reglas opuestos.
45
E, mais à frente, completa, com a finalidade de mostrar a diferença básica e o
alcance definido
Em cambio, las reglas son normas de sólo pueden ser cumplidas o no. Si uma regla es válida,
entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas
contienen determinaciones em el âmbito de lo fáctica y juridicamente posible. Esto significa
que la diferencia entre reglas y princípios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien
uma regla o un principio.
46
Para ele, os princípios são comparados aos valores, mas que não podem ser
resolvidos diante da sistemática do tudo ou nada no caso de eventual conflito, pois a
resposta não estará no jurídico ou ainda no social, mas sim na própria valorização
das razões preponderantes.
Todavia, ALEXY entende ser impossível um sistema evidentemente forte
sobre os princípios, o que ele chama de modelo puro de princípios, assim
observando
Las objeciones a un tal modelo puro de principios son obvias. La más plausibe de ellas
sostiene que este modelo no torna en serio la Constitución escrita. Esta objeción puede
apoyarse, sobre todo, en el hecho de que el modelo puro de principios deja de lado las
regulaciones diferenciadas de las restricciones de la Ley Fundamental. Los autores de la Ley
Fundamental renunciaron expresamente a cláusulas restrictivas generales y dotaron a las
diferentes garantias de derechos fundamentales con regulaciones restrictivas muy variadas.
47
Afasta, portanto, o pensamento das teorias morais materiais, tal como
observado por DWORKIN, apoiando-se em teorias morais procedimentais e através
de prioridades principiológicas e de ponderações.
ALEXY afirma que o sistema jurídico por ele visualizado ampara-se em
regras, princípios e procedimentos, onde os dois primeiros caracterizam-se como o
45
ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1997, p. 86.
46
Ibid, p. 87.
47
Ibid, p. 115.
37
lado passivo do sistema jurídico, enquanto que o último indica o seu lado positivo,
regulando aqueles primeiros.
Fica claro no seu pensamento que a conotação é de complementar toda a
teoria traçada por Ronald DWORKIN, pois, segundo aquele, não existe nenhum
procedimento capaz de permitir com segurança que se chegue a uma única resposta
correta.
Estamos diante do núcleo da teoria da argumentação, pois, em não havendo
uma única resposta correta, outros fatores são essenciais para se trazer a solução
mais adequada ao caso concreto.
Neste ponto, ALEXY confronta com DWORKIN, afastando a tese deste do
famoso “ou tudo ou nada”, assim explanando
La cuestión acerca de la racionalidad de la fundamentación jurídica conduce así a la cuestión
acerca de la fundamentabilidad racional de los juicios prácticos generales o de los juicios
Morales. La discusión de esta cuestión ha estado afectada durante largo tiempo por uma
contraposición infructuosa entre dos posiciones básicas presentadas siempre bajo nuevas
variaciones: las posiciones subjetivistas, relativistas, deciosinistas y/o irracionalistas, por uma
parte, y las objetivistas, absolutistas, cognoscitivistas y/o racionales, por outra. Sin embargo,
no existe ningún motivo para este tipo de actitud de todo-o-nada.
48
Completa o autor o seu raciocínio, trazendo a argumentação como fator
preponderante na hora da decisão
La discusión ética actual, influenciada metodologicamente sobre todo por la lógica moderna,
la filosofia del lenguaje, la teoria de la argumentación, de la decisión y Del conocimiento, y por
lo que respecta a su contenido, orientada fuertemente por las ideas de Kant, ha mostrado que
ciertamente no son posibles teorias morales materiales que den uma única respuesta, con
certeza intersubjetivamente concluyente, a cada cuestión moral pero, que sí son posibles
teorias morales procedimentales que formulan reglas o condiciones de la argumentación o de
la decisión práctica racional. Uma versión especialmente promisora de una teoria moral
procedimental es la del discurso práctico racional.
49
Entende ALEXY que o procedimento é essencial para a obtenção da resposta
correta. Quando os participantes do processo argumentativo fundamentam as suas
afirmativas relacionadas ao caso exposto, isso quer dizer que o simples argumento
por si só aponta que a proposta apresentada seja a evidente. É a racionalidade da
argumentação, inclusive no campo dialógico.
48
Ibid, p. 530.
38
3.5 HERMENÊUTICA NO SEU PAPEL DE INTERPRETAR
Se admitirmos, desta forma, os princípios com o caráter eminentemente
normativo, fugindo do antigo padrão de que estes seriam apenas secundários, ou,
na melhor das hipóteses, subsidiários, a aplicabilidade imediata necessita da melhor
interpretação possível, de acordo com mecanismos próprios de apoio hermenêutico.
Vários são os autores que tratam do assunto, haja vista a necessidade
inegável de se bem interpretar e aplicar a Constituição.
Na visão de Jorge MIRANDA50
, a Constituição sempre deve ser interpretada,
ultrapassando a sua leitura política, ideológica ou simplesmente empírica para a sua
leitura jurídica do próprio texto constitucional.
Assim, ordenamentos do tipo judicialista, como os anglo-saxônicos, ou ainda
Constituições com dispositivos amplos e também elásticos, têm o alcance em favor
de elaboração jurisdicional do que os ordenamentos não judicialistas ou
Constituições em que se tenha pretendido verter o que ele chama de “recta razão”.
A atitude a ser aplicada na Constituição pode definir diferentes resultados
interpretativos, como a voluntarista.
E esta consciência a respeito da necessidade de interpretação constitucional
começou a crescer no momento em que superou a crença liberal no imediatismo da
Constituição instrumental, dando prevalência à Constituição material.
Mister, pois, a sua interpretação, mas sem afastar da idéia de dificuldade, que
repousa quanto ao objeto, eficácia e a indeterminação de muitas das inquietações; a
necessidade de análise dos fatos políticos marcantes; a visão ideológica de cada
intérprete; os diferentes critérios adotados pelos órgãos políticos administrados e
judiciais; e as origens dos compromissos que inspiram as Constituições e seus
princípios.
Também, a interpretação constitucional tem que ter em conta condicionantes
e fins políticos inelutáveis e irredutíveis, mas sempre com olhos para os preceitos e
princípios jurídicos que lhe correspondam. Deve buscar o influxo da norma e não
apenas como a realidade de fato.
49
Id.
50
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2ª ed., t. II, Coimbra: Coimbra Editora,
1988.
39
Chega-se neste momento diante da necessidade de confrontarmos a eficácia
das normas constitucionais, baseadas em princípios, com a plena e cristalina
interpretação. Disso resultará uma normatividade plausível e real para o
deslocamento do mundo empírico para o material.
Interpretar a Constituição é, portanto, um exercício de soberania e de efetiva
valoração das metas e programas desenvolvidos pela Carta Magna.
Por esta razão, não se pode deixar de mencionar a importância do trabalho
desenvolvido por Peter HÄBERLE51
, quando quis tratar de uma hermenêutica
constitucional, através de uma interpretação pluralista em busca de uma sociedade
aberta, discorrendo sobre a atual teoria da interpretação constitucional, onde duas
indagações vêm à tona: a indagação sobre as tarefas e objetivos da interpretação
constitucional e a indagação sobre os métodos, ou seja, processo da interpretação e
suas regras. Isto porque sempre se tratou a sua interpretação de maneira fechada,
sem se permitir a participação popular, ensejando na redução do seu âmbito de
investigação, cabendo isto basicamente aos juízes.
Nesta linha de raciocínio, Inocêncio Mártires COELHO reflete sobre as
condições gerais que delimitam a atividade interpretativa, prosseguindo diretamente
na hermenêutica constitucional.
Segundo ele
Em razão dessa nova compreensão da experiência normativa, operam-se radicais mudanças
nos domínios da hermenêutica jurídica, abandonando-se os tradicionais métodos e critérios
de interpretação – que aprisionavam o aplicador do direito à estrita literalidade da lei -, para
se adotarem pautas axiológicas mais amplas e flexíveis, não raro indeterminadas, que
permitam aos operadores do direito ajustar os modelos jurídicos às necessidades de um
mundo cada vez mais complexo e, por isso, menos propício a toda forma de arrumação.
52
A revolução social, os paradigmas adotados por uma comunidade, as visões
de futuro, uma resposta para os conflitos sociais são, entre outros, argumentos que
51
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da
Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Trad. de:
Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, reimp. 2002.
52
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 2ª ed., rev. e aum., Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2003, p. 76.
40
determinam o comportamento do hermeneuta, valorando as necessidades. São as
chamadas “forças da comunidade política”.53
Concretiza a hermenêutica o seu caráter construtivo, fazendo com que os
princípios apresentados, e que agora são observados, alcancem o objetivo precípuo
da função social operadora do direito.
Por esta razão, Rodolfo Viana PEREIRA trabalha a hermenêutica como
concretização, dizendo que
Em consonância ao que foi delineado em todo esse capítulo, podemos definir o âmbito da
Hermenêutica Constitucional (o âmbito do fazer hermenêutico no Direito) não mais como o
processo de descoberta de uma vontade intrínseca à norma, seja a vontade subjetiva ou
objetiva, seja a vontade da Lei infraconstitucional ou da própria Constituição. Também não se
equipara tout court à disciplina sistematizadora de catálogos cerrados de métodos de
interpretação. Para além disso, a Hermenêutica do Direito torna-se concretização, ou seja:
processo de reconstrução do Direito aplicável ao caso, à luz do padrão constitucional e
através de um procedimento argumentativo e racionalmente controlável.
54
Se a hermenêutica tem este papel essencial de interpretar e dizer a
Constituição dentro do seu alcance social e político, todos realmente são
construtores do seu futuro.
Por conta disso é que Rodolfo Viana PEREIRA completa o seu raciocínio,
adotando a visão de Peter HÄBERLE, pela interpretação aberta, concluindo
Presentes esses fatores e a contribuição desses grandes autores, pode-se novamente
apostar na possibilidade de convivência política pela renovação do respeito e da confiança no
constitucionalismo. Em última instância, significa apostar na viabilidade do projeto humano de
vida em comum, baseada não na desistência da autonomia individual, mas na capacidade de
sua auto-realização em um ambiente em que a própria garantia do indivíduo é correlata à
afirmação da solidariedade política, traduzida no respeito à alteridade.
55
E, mais à frente, completa seu raciocínio, dizendo que “Assim, a
responsabilidade dos operadores jurídicos traduz-se em um permanente debate
público das razões de decidir, em um constante repensar os fundamentos da
convivência política, pautada por um ato de respeito às distintas visões de
53
Cf. HÄBERLE, p. 23. Segundo o autor, há um catálogo sistemático de participantes,
estruturando a personalização da sua interpretação, afirmando que “O cidadão que formula um
recurso constitucional é intérprete da Constituição tal como o partido político que propõe um conflito
entre órgãos ou contra o qual se instaura um processo de proibição de funcionamento.” (p. 23-24).
54
PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Belo Horizonte: Del
Rey, 2001, p. 164.
55
Ibid, p. 172-173.
41
mundo,como marca do caráter inclusivo da cidadania no postulado do Estado
Democrático de Direito.”56
Conclui-se que a hermenêutica é essencial na visão de qualquer intérprete,
inclusive com olhos voltados para a abertura do novo, do contemporâneo, do pós-
moderno. E os princípios constitucionais não fogem aos olhos deste hermeneuta.
Devem ser vistos e aplicados dentro dos seus valores sociais próprios,
principalmente pelo administrador público, pois, nesta esfera de análise que o
trabalho propõe, a primeira pessoa a se vincular ao resultado desejado pelo princípio
quando da elaboração do ato administrativo é este mesmo administrador.
Os argumentos envolvidos são necessários para a dimensão da
hermenêutica, o que Margarida Maria Lacombe CAMARGO chama de
“Racionalidade Jurídica Contemporânea”57
, esta conformodora e adaptadora das
situações sociais.
56
Id.
57
Cf. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação – Uma
Contribuição ao Estudo do Direito. 3ª ed., rev. e aum., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 249-259. Em
parte específica, a autora afirma que “A partir deste estudo, concluímos, então, que o direito, apesar
de toda sua carga dogmática, faz parte de uma tradição filosófica, cuja base reside na tópica e na
retórica; o que nos leva a acreditar que o seu conhecimento, como criação humana, histórica e
social,comporta uma dimensão hermenêutica. Voltamos, assim, à nossa posição inicial, afirmando
que o direito consiste na realização de uma prática que envolve o método hermenêutico e a técnica
argumentativa” (p. 259).
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  • 1. 1 1 INTRODUÇÃO Ao longo dos anos o Direito Administrativo tem-se desenvolvido em direção a uma noção dialógica, ou seja, com uma concepção voltada para o estreitamento nas relações entre Administração Pública e administrados, permitindo-se, assim, um questionamento a respeito das extensões e limites dos atos praticados pelo administrador. Por conta disso, a Europa atualmente encontra-se com uma visão mais ampla sobre como deve comportar-se o administrador diante das situações presentes, não apenas pelo uso indiscriminado da sua discricionariedade, mas sobretudo pelo fiel desempenho dessa atividade diante dos preceitos constitucionais. É por causa dessa visão dialógica que os doutrinadores têm-se debruçado em estudos para o perfeito alcance da extensão da discricionariedade e se ainda estamos diante da velha máxima de que o ato administrativo discricionário ampara- se sobre dois elementos: oportunidade e conveniência. Se admitirmos que esta afirmação é aceita sem questionamentos, então poderemos ter, na prática, um desnivelamento entre estes atos com os preceitos e princípios emanados na Lei Maior. Caso contrário, se considerarmos que hoje estes princípios norteiam os atos da Administração Pública, então mister uma releitura da extensão destes atos e se ainda há margem de discricionariedade por parte do agente, sem eventual cuidado com os limites impostos pela lei. Afirma-se isso diante da perspectiva de que não é possível trabalharmos pura e simplesmente com o ato administrativo voltado para, às vezes, uma ausência de coerência com os resultados a serem obtidos. A partir da edição da nova Constituição da República Federativa do Brasil houve a adoção de uma visão basicamente principiológica, apontando, ao longo da sua estrutura, um caráter programático de condutas típicas em favor dos cidadãos, como também um rol de deveres, mas todos baseados em princípios. E para a Administração Pública não foi diferente. Tanto é verdade, que o art. 37 da Carta Magna determina que o Poder Público deve obedecer, entre outros, aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência.
  • 2. 2 O Estado atual que administra as nossas relações sociais e o que se apresentará neste próximo milênio precisa de administradores totalmente comprometidos com a realidade social e as necessidades básicas de todo e qualquer cidadão, atuando sempre com imparcialidade e eficiência para os casos relacionados com serviços públicos e garantias de direitos fundamentais, expressando sempre confiabilidade para o resultado que se busca, ou seja, uma solução adequada. A lei, pois, deve ser utilizada ao fato examinado, mas sem desrespeitar o direito subjetivo em favor da cidadania e das garantias constitucionais. Mostra-se, desta maneira, um novo perfil mapeado a partir das estabilidades sociais, estas amparadas pela máquina estatal. Por conta disso, há que apresentar um retrato do titular do cargo, membro do Poder ou não, mesmo que desvinculado emocionalmente dos atritos que são submetidos diariamente à sua apreciação e também sujeitos à sua decisão, não se confundindo com interesses particulares ou de demonstração de submissão a todas as restrições impostas. O agente público, na sua pura definição, deve ser um praticante dos valores morais e sociais, comprometendo-se com o resultado esperado dentro do ambiente social, entregando-se em tempo integral e dedicação exclusiva à causa da administração responsável, esta atualizada com a evolução da ciência nos campos tecnológicos e sociais. Valem as palavras de Ruy CIRNE LIMA sobre a noção pura de administração pública desprendida de qualquer idéia de propriedade, ou seja, o administrador subordina-se à vontade da norma em harmonia com os princípios ditados pela Lei Maior, assim se posicionando que “O fim – e não a vontade – domina todas as formas de administração. Supõe, destarte, a atividade administrativa a preexistência de uma regra jurídica, reconhecendo-lhe uma finalidade própria. Jaz, conseqüentemente, a administração pública debaixo da legislação que deve enunciar e determinar a regra de direito.”1 1 CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de Direito Administrativo. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1962, p. 22.
  • 3. 3 Acrescenta, ainda, a seguinte passagem, onde a “Administração, segundo o nosso modo de ver, é a atividade do que não é proprietário – do que não tem a disposição da coisa ou do negócio administrado”.2 E conclui com este posicionamento, dizendo que “Opõe-se a noção de administração à de propriedade nisto que, sob administração, o bem se não entende vinculado à vontade ou personalidade do administrador. Porém, à finalidade impessoal a que essa vontade deve servir.”3 Trata-se da existência de um Estado envolvendo-se no emaranhado de um sistema social perceptível a todos os cidadãos, mas que não pode crescer de forma desordenada, onde o manancial de administração repousa no compromisso social, fazendo-se justiça não apenas pela lei estática, mas acompanhando as evoluções do tempo, cujo próprio Estado tem o compromisso, juntamente com o administrador, da busca do resultado ideal, através de uma moldura mais aperfeiçoada de encontrar o justo diante de um determinado caso. É a noção moderna da perfeita harmonização entre possibilidade e necessidade, onde Odete MEDAUAR, com abrangência, deu os contornos necessários entre ato administrativo e Estado de Direito Em relação às práticas do Estado absoluto, configura importante conquista, por inserir entre a vontade da autoridade e um efeito sobre direitos dos indivíduos, um conjunto de preceitos destinados justamente a disciplinar essa atuação e a prefixar esses efeitos. Desse modo, a Administração não mais atua por operações materiais imediatas à vontade pessoal do governante; as decisões devem ser afirmadas por manifestação prévia ao resultado concreto, de acordo com parâmetros antes fixados, que visam a assegurar o respeito a direitos dos particulares. Esse modo de expressão das decisões adquire interesse jurídico relevante, tornando-se um dos grandes temas do Direito Administrativo” 4 . O Estado deverá sempre atuar sob forte pressão no sentido do respeito à liberdade do ser humano, aumentado a sua responsabilidade no atendimento aos anseios sociais, necessitando, desta maneira, de uma Constituição que consiga, por excelência, uma maior liberdade de resultado possível, estabelecendo leis em que as liberdades entre os cidadãos possam existir no universo da chamada co- existência. 2 Id. 3 Ibid, p. 20.
  • 4. 4 É neste ponto que se apóia este trabalho, buscando uma perfeita harmonização entre princípios constitucionais e os limites do ato administrativo discricionário, eis que a firmeza do Estado não pode desrespeitar as relações sociais e as suas normas regulamentadoras. O direito administrativo deste novo milênio deve ser consciente no seu caminho e comprometido com o seu resultado, cujos direitos fundamentais do cidadão são paradigmas de comportamento Os mecanismos de oportunidade e conveniência não são parâmetros únicos na formação e valoração do ato administrativo discricionário. As liberdades e garantias do indivíduo deverão ser tratadas por um processo especial de conformação e proteção, cujos resultados serão compatíveis com os avanços necessários à lei e ao ordenamento jurídico como um todo. O administrador deve pautar-se pela realização do ato administrativo consciente e responsável, almejando o escopo da justiça e da democracia dentro da sociedade. Devemos nos ater aos princípios constitucionais como paradigmas de formação ideológica do ato administrativo: este é o nosso ponto maior e aqui abordado, ascendendo aquele ato aos ditames principiológicos da Carta Magna. E para isto, mister desenvolver uma linha de raciocínio, percorrendo entre os princípios constitucionais, até chegarmos ao ato administrativo propriamente dito, sendo elaborado para dar atendimento ao que especifica a Lei Maior. 4 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais
  • 5. 5 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E ESTADO 2.1 O PAPEL DO ESTADO As nações crescem baseadas nas suas estruturas internas, mas que se expandem em busca de relações internacionais. E todas estas estruturas são essenciais para o trabalho a ser desenvolvido pelo Poder Público, ascendendo o Estado ao papel maior de guardião de todas as classes sociais, mas através de estruturas de serviço público, além do próprio ordenamento a que se submete nos diversos segmentos de trabalho, seja na saúde, educação, habitação, definição dos poderes, etc. É importante cadenciarmos uma linha de raciocínio voltada para o entendimento puro e simples destas atividades em relação direta com a sociedade, onde muitos pensadores contribuíram, ao longo da história, com descrições e teorias a respeito do papel formador do Estado. Antonio GRAMSCI, um dos grandes pensadores do início do século XX, marcou presença ao afirmar sobre a força das atividades das classes sociais, principalmente dentro da sua obra envolvendo o historiador Maquiavel com o seu trabalho “O Príncipe” e a atividade do Estado Moderno5 . Em uma abordagem superficial sobre os seus conceitos e visões a respeito de um Estado moderno, Gramsci procura abordar e analisar o escrito de Nicolau Maquiavel, onde foi desenvolvida a estruturação sobre a ideologia política e a ciência política, esta apresentada não como uma fria utopia, nem como raciocínio doutrinário, mas sim como uma fantasia concreta sobre o povo, disperso e pulverizado, despertando-o e organizando a sua vontade coletiva. Esta é a verdadeira visão daquele livro. Mais à frente, GRAMSCI observa que o moderno príncipe não pode ser visto pelas demais pessoas como uma pessoa real ou um indivíduo concreto, mas sim como um organismo, aquele elemento complexo da sociedade em que já se tenha iniciado um trabalho de concretização da vontade coletiva. 2000, p.158. 5 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Trad. de: Luiz Mário Gazzaneo. 6ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
  • 6. 6 Assim, definem-se as vontades coletiva e política em geral no sentido moderno. Esta vontade como consciência atuante da necessidade histórica, como protagonista de um drama histórico, real e efetivo. Busca também a atual visão deste mesmo Príncipe, em harmonia com vontade popular e objetivos traçados por Maquiavel a respeito dele como fator de ingerência e referência sobre a consciência social. E as várias classes sociais existentes devem participar deste processo, sendo que a formação de uma vontade coletiva nacional-popular mostra-se impossível, se as grandes massas de camponeses cultivadores não participarem simultaneamente na vida política. E o moderno príncipe não pode deixar de ser o propagandista e o organizador de uma reforma intelectual e moral, criando um terreno próprio para aquela vontade coletiva nacional-popular. Quer mostrar o autor que este mesmo moderno príncipe traz a figura implícita do partido político, como fomentador de idéias. Portanto, nesta visão histórica, denota-se que o crescimento social encontra- se intimamente ligado com o que oferece o Estado, desde a sua ideologia, como também em todos os campos das relações sociais. A História, ao longo dos seus séculos, caminha para um desenvolvimento próprio das condições sociais, pois não existe uma natureza humana abstrata, fixa e imutável, mas sim um conjunto de relações sociais historicamente determinadas, concebendo-se, pois, aquela como um conteúdo concreto e em desenvolvimento. Toda a ideologia discutida por Zygmunt BAUMAN6 reproduz a necessidade de se adaptar a um moderno, cujos conflitos são capazes de estimular o desenvolvimento social de um povo. Esta ideologia em momento algum vai se afastar da evolução dos Estados, pois há íntima ligação entre os valores lançados pelos ideólogos com a real situação das classes sociais, ou seja, manipulam-se as vontades e anseios através da massificação das lutas sociais, pouco restando para um pensamento livre. 6 Cf. BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Trad. de: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. Vê-se nesta obra que Bauman busca, através dos meios de ação, uma cronologia exata de desenvolvimento desta ideologia como fonte marcante do crescimento das sociedades, afastando-se o tempo como referencial de ação, permanecendo apenas condutas frente à razão.
  • 7. 7 Carlos Nelson COUTINHO quer conceber o Estado como este foi visto por MARX e ENGELS na “Ideologia alemã”, mencionando que Essa nova concepção do Estado aparece claramente formulada em 1845, em Ideologia alemã: ‘Na medida em que a propriedade privada se emancipou da comunidade, o Estado alcançou uma existência particular, ao lado e fora da sociedade civil; mas ele não é mais do que a forma de organização que os burgueses criam para si, tanto em relação ao exterior quanto ao interior, com a finalidade de garantirem reciprocamente sus propriedades e seus interesses’. E Marx e Engels não se limitam a mostrar a natureza da classe do Estado; indicam ainda como essa defesa dos interesses de uma classe particular se processa precisamente através do fato de que o Estado, numa sociedade dividida em classe, assume o monopólio da representação de tudo o que é comum (ou universal): ‘Já que o Estado é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns (...), disso decorre que todas as instituições comuns passam através da mediação do Estado e recebem uma forma política’. Em outras palavras: o modo pelo qual o Estado se realiza como Estado de classe consiste precisamente no fato de que ele despolitiza a sociedade, apropriando-se de modo monopolista de todas as decisões atinentes ao que é comum (ou universal). Condição de funcionamento do Estado, para os jovens Marx e Engels, é assim que a política seja uma esfera “restrita” e que a “sociedade civil” enquanto tal seja a esfera “despolitizada”, puramente privada. 7 Qualquer país que queira entrar em nova fase de evolução, baseada em crescimentos social, industrial, político, entre outros, deve ter em mente a constante valorização da relação Estado/sociedade. Não é de se aceitar passivamente que há uma evolução gradual, lenta e contínua da história mundial, principalmente sobre as nações politicamente organizadas. Pelo contrário. Os questionamentos mundiais de percepção das coisas que acontecem ao nosso redor dão a exata noção de uma linha instável, dependendo do que se espera da sociedade e do que esta pode ofertar ao seu próprio Estado. Estas percepções, conforme já dito, foram sentidas, entre outros, por Karl MARX e Antonio GRAMSCI, apagando-se os manuais clássicos de história universal para concentrar-se em lutas de classes e disputas do poder. Assim, para manter a concepção que ora se busca, qual seja, de alcançar os vários estágios evolutivos de uma sociedade, mister entender as lições destes pensadores. Seja, pois, na ideologia apontada, ou ainda na luta de classes, o avanço político se dá a partir de solidez social e econômica. 7 COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e Política: a dualidade de poderes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 1994, p. 19-20.
  • 8. 8 2.1.1 Ideologia como fator de criação É claro que a visão aqui apresentada é mais moderna, pois há íntima relação com o avanço econômico de um país. Mas o certo é que a formação das estruturas sociais dá lugar ao Estado novo. Tudo depende da ideologia lançada. Esta ideologia, ou ciência das idéias, nasceu a partir do final do século XVIII, aqui de forma mais marcante, por parte de Destutt de Tracy, fundador e líder do Instituto Nacional Francês, cuja ambição inicial era realizar de forma concreta o Iluminismo, com uma nova ordem social. Para tanto, torna-se interessante observar e estudar um conhecimento científico próprio, concatenando as idéias de como estas se formam na mente humana, de modo a se fazer que aquelas corretas surgissem através de uma razão estrutural. A ideologia pregada está a romper com o programa iluminista de fundamentar o conhecimento verdadeiro da universalidade da condição humana. Hoje, ela tem a função de representar a precondição indispensável de todo conhecimento. Criam-se aqui as molduras cognitivas. Temos, desta forma, a idéia kantiana de conhecimento transcendental, como sujeito do conhecimento dotado de antemão da capacidade de ordenar sensações, pois, caso contrário, não haveria conhecimento possível. Há criação de duas tendências: globalização (separação entre poder e política) e localização (desvalorização de processo pela idéia de capital extraterritorial). A ideologia, pois, transforma-se em processo de globalização sem barreiras territoriais. A cibernética ganha espaço como forma de relações sociais e de produção. As práticas de ordem intelectual estão reconstruindo o mundo pós-moderno à imagem delas: de forma mediatizada, abstrata e via textual. Zygmunt BAUMAN, analisando política, bem desenhou o que chama do “papel chave” da ideologia
  • 9. 9 O papel chave que a “ciência das idéias” estava fadada a desempenhar na construção de um mundo humano governado pela razão e integrado por seres de comportamento racional praticamente não exigia outro argumento. Isso graças a uma séria de suposições simples: a conduta humana é guiada pelas idéias que as pessoas têm; as idéias se formam através de processamento de sensações humanas; esse processamento, como tudo o mais na natureza, está sujeito a leis estritas; tais leis podem ser descobertas com a sistemática observação e experimentação; uma vez descobertas,podem ser usadas – como outras leis naturais conhecidas – para melhorar a realidade: nesse caso,para garantir que nenhuma sensação enganosa se ofereça a esse processamento e que as verdadeiras sensações não se distorçam quando processadas – de modo que se formem e sejam adotadas somente idéias verdadeiras, aquelas que passam no teste da razão. Nas palavras de Mercier, um dos luminares do instituto francês,as idéias “são tudo o que existe” e, segundo o próprio Tracy, “só existimos pelas sensações e idéias. Nenhuma coisa existe senão pela idéia que dela fazemos“. 8 São palavras necessárias para entendermos a estruturação da sociedade como fator de criação de idéias. Todavia, esta ideologia é tratada como ponto inicial para o comportamento humano em sociedade. E retornando à conjectura inicial desta explanação, com a formação dos Estados e seus comportamentos para com a sociedade, e também nas relações entre países, importante que se observe a evidência do papel desta ideologia apontada. Há uma constatação simples a ser feita: as sociedades evoluem à medida que os Estados se fortalecem interna e externamente, estes calcados na ideologia adotada. Isto também foi estudado por Karl MARX, aqui com a ajuda do amigo Friedrich ENGELS, através da obra “A ideologia alemã”9 . Todavia, por uma outra ótica. Para MARX e ENGELS, os homens não estavam à altura da ideologia à época. Muito se precisava fazer para que a Razão fosse alcançada. Portanto, neste período por eles apontados, a crença de uma Razão maior e real era ameaçada pela pobreza de idéias, sendo que chamados ideólogos da época pouco faziam para alcançar a plenitude de transformação. É claro que isto, se de um lado enfraquecia a estrutura do Estado, de outro havia um fortalecimento das linhas de condutas políticas deste mesmo Estado, pois 8 BAUMAN, Zygmunt, op. cit. p. 115. 9 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Trad. de: Luís Cláudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Nota-se que a pretensão destes pensadores alemães foi observar como vivia o mundo naquele momento de conflitos sociais,com as sua lutas de classes, em que propriedade e produção eram marcantes pontos de atritos.
  • 10. 10 pouca ou quase nenhuma resistência havia contra uma eventual base governista de imposição de idéias. Nesta linha de raciocínio, o que antes fora apresentado por aquele pensador francês, acabou, dentro da ótica dos estudiosos alemães, com outra visão sobre a formação e crescimento da ideologia, sendo que isto movimentava o mundo em busca de um progresso social. Um novo debate sobre ideologia somente surgiu já no século XX, mais precisamente no final dos anos vinte, tornando-se mais um discurso político e das ciências sociais, mas, de qualquer forma, mais se aproximando da visão de MARX e ENGELS,ou seja, sobre a forma errônea de se pensar10 . Na realidade, esta visão de uma ideologia apropriada para a absorção dos ideais políticos e sociais torna-se preparatória para melhor se entender a respeito dos avanços estatais que marcam a virada do milênio. Qual seria o elo de ligação entre Estado e Direito, este como ciência das leis e das normas, sendo o seu exato fundamento de estruturação da sociedade. Trata-se de uma simples resposta: através da sua respectiva Constituição, cujos mecanismos principiológicos norteiam a vida em sociedade, assim como também os direitos e garantias individuais, interagindo todas as pessoas participantes do crescimento daquele mesmo Estado de que fazem parte. 2.1.2 Estado e Constituição Para um exato fator de criação das normas constitucionais, importante que assentemos as nossas perspectivas na evolução do Estado e da sua atuação junto ao cidadão. É bom lembrar que a ideologia aqui desenvolvida permeia na concepção. Assim, este apontamento assenta-se na idéia constante de evolução histórica e política de um povo e como ele (Estado) se posiciona na relação Estado/sociedade, analisando a forma de governo adotada, onde, quanto maior o autoritarismo deste, menor, em tese, os seus crescimentos econômico e social. Mesmo que se fale em Estado social, com princípios e regras que reconstroem a igualdade jurídica da sua respectiva Constituição, sendo aquele o 10 BAUMAN, Zygmunt, op. cit., p. 116-118. Nota-se que este escritor condensou as idéias sobre o avanço da ideologia como forma de preparar o campo de análise da busca da política.
  • 11. 11 autor de fomentadoras condições para que os direitos se realizem de forma positiva, fazendo com que a ordem não fosse apenas a daqueles que detém condições materiais para fruição de seus direitos, mas sim de todos os protegidos pelas condições de igualdade e oportunidade, permitindo-se, pois, que haja intervenção estatal prestador de serviços, o certo é que isto somente se alcança com a plenitude de ações e com o avanço democrático de participação social. Ao longo da história universal é visível notar governos que foram autoritários ou imperialistas, dependendo do posicionamento ideológico dos seus governantes. Hitler, com a sua visão nazista, pretendia a construção de uma raça ariana, pura e limpa em relação às demais sociedades circundantes. O mesmo se diga da Itália fascista de Mussolini, cujo nacionalismo exacerbado limitava direitos fundamentais. Isto sem falar de povos mais antigos, onde os césares romanos ampliaram consideravelmente o seu império, até o declínio total com a queda de Constantinopla. Napoleão Bonaparte, mais recentemente, foi outro exemplo de busca do imperialismo. Porém, em cada seguimento de nação, sempre há um questionamento envolvendo avanços e crescimentos sociais e econômicos. É uma conseqüência natural da raça humana. E neste contexto próprio de criação do Estado, as sociedades passam a se desenvolver, estas sedimentadas em ideologias específicas, dependendo do comportamento sócio-econômico adquirido ao longo da história. Para isto, o Estado está diretamente ligado à forma de criação e a eventuais lutas de classes sociais internas, cujos comportamentos apontam para a sua forma de crescimento. Cria-se uma dependência não só econômica e política, mas também psicológica entre povo e Nação. Isto nos conta a história desde as organizações sociais envolvendo Grécia, Egito e Roma, ultrapassando os séculos, seguindo-se pela Idade Média e caindo no Renascimento, época da ascensão do Iluminismo. Para o mundo contemporâneo, observa-se que não há nítida diferença comportamental. Martin CARNOY, ao analisar Estado e teoria política, lança passagem de dependência deste Estado para com as classes sociais, ao afirmar
  • 12. 12 O Estado dependente é situado neste contexto de luta de classes condicionada – condicionada pelas crises e desenvolvimentos no sistema mundial e pelo papel dos setores exportadores na economia nacional. É nesse Estado que é primordialmente responsável pela organização do mercado interno e a acumulação local do capital, baseada em grande parte, nos rendimentos das indústrias de exportação. 11 E quando falamos em Constituição, necessário aqui para a ligação entre Estado e sociedade, inegavelmente surge-nos a noção exata de uma ordem legal maior que serve de regramento total para uma nação. Assim se mostra a Carta Magna da maioria dos países. Portanto, um conceito jurídico se faz presente. Isto porque podemos tomar a palavra Constituição no seu sentido mais simples, podendo ser a estrutura das coisas e dos objetos. Agora, se dermos uma definição mais restrita, mais específica, isto toma a idéia de corpo de estrutura. Partindo disto, a Constituição dentro do sentido jurídico denota ser um componente do Estado, este último entendido como conjunto de preceitos sobre determinadas pessoas dentro, claro, de um território específico. Portanto, o Estado, como fator de ordem política e social, entre outras concepções, precisa estruturar-se para que o seu ordenamento possa valer sobre a sociedade e impor respeito às outras nações. E esta estrutura permeia-se com uma Constituição, que deve ser entendida como o conjunto maior do ordenamento jurídico, político e social de um país. Para tanto, Celso BASTOS afirma sobre a sua indispensabilidade para um Estado Se se toma o vocábulo Constituição no sentido substancial, todo e qualquer Estado possui uma. Na verdade, não procede o entendimento daqueles que se recusam a ver uma Constituição jurídica naqueles Estados que não consagram qualquer limitação ao Poder Público. O que se pode afirmar é que, se há Estado, há um ordenamento jurídico que o embasa. O Estado há de se entender como estando sempre permeado pelo direito. Mesmo nas sociedades primitivas, é forçoso ver a existência de normas jurídicas. Por mais rudimentar que seja o desenvolvimento institucional do ente político, sempre será possível identificar uma norma, ainda que puramente consuetudinária, que qualifique determinado 11 CARNOY, Martin. Estado e Teoria Política. 3ª ed., Campinas: Papirus, 1990, p. 219.
  • 13. 13 indivíduo como chefe, e uma outra que ordene serem sempre as ordens dele emanadas tidas por obrigatórias, devendo ser cumpridas, sob pena de sanções. 12 É claro que este questionamento assenta-se na idéia constante de evolução histórica e política de um povo e como ele (Estado) se posiciona na relação Estado/sociedade, analisando a forma de governo adotada, onde, quanto maior o autoritarismo deste, menor, em tese, teremos os seus crescimentos econômico e social. Mesmo que se fale em Estado social, com princípios e regras que reconstroem a igualdade jurídica da sua respectiva Constituição, sendo aquele o autor de fomentadoras condições para que os direitos se realizem de forma positiva, fazendo com que a ordem não fosse apenas a daqueles que detém condições materiais para fruição de seus direitos, mas sim de todos os protegidos pelas condições de igualdade e oportunidade, permitindo-se, pois, que haja intervenção estatal, aqui prestadora de serviços, o certo é que isto somente se alcança com a plenitude de ações e com o avanço democrático de participação social. Assim, quando uma sociedade decide mobilizar-se para a construção de um ordenamento que dê ao mesmo tempo direitos e deveres de forma eqüitativa e homogênea na sua real essência, esta construção deve atender aos anseios sociais, políticos e econômicos, fazendo com que a sua estrutura seja útil e exeqüível para os administradores e os cidadãos. Por essa idéia, as Constituições que foram elaboradas no Brasil sempre tiveram, de uma maneira ou de outra, o cuidado, mesmo que implícito de regramento maior e realizável para a sociedade. É claro que cada Constituição teve característica própria, pois passamos da monarquia para a república, sendo esta dividida entre a velha e a nova13 , ou seja, para cada compromisso político, a Constituição era desenhada de acordo com os anseios necessários. Não nos preocupamos aqui com as Constituições anteriores, muito embora a nossa abordagem necessite, de certa forma, de um comparativo do passado com o 12 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 1990, p. 44-45. 13 É fácil perceber isto ao longo das suas estruturas, desde a Constituição de 1824, passando-se pelas de 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967, até chegarmos na atual Carta Maior. Celso BASTOS bem explica sua forma evolutiva na obra já descrita (Curso de Direito Constitucional).
  • 14. 14 presente, isto para alcançarmos o futuro, já que, de momento, a nossa indagação repousa precipuamente na força normativa da atual Lei Maior, como esta se encontra aplicada nos dias atuais e o que se espera daqui para frente, pois a segurança jurídica também necessita de fortalecimento da sua estrutura maior. Por esse motivo, os trabalhos realizados dentro da atual Constituição desde a sua instalação em 1º de fevereiro de 1987, até a sua promulgação ocorrida em 5 de outubro de 1988, mostraram que o ponto nevrálgico seria compreendê-la como uma Constituição cidadã, o que foi explicado por José AFONSO DA SILVA, ditando que “É a Constituição cidadã, na expressão de Ulysses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, que a produziu, porque teve ampla participação popular em sua elaboração, especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania.”14 E a Constituição não pode ser escrita sem que haja uma carga cristalina de legitimidade, principalmente do próprio Poder Público em harmonia com todos os segmentos da sociedade, pois as suas palavras lançadas escreverão o destino de uma nação. Nesta linha de entendimento sobre sua força normativa, Konrad HESSE15 leciona a respeito da sua importância, afirmando que três vertentes são indispensáveis para a vontade da Constituição: compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, protegendo o Estado de arbítrios; compreensão de ser uma ordem legitimada pelos fatos; e mister o concurso com a vontade humana. A força da sua essência reside na natureza das coisas, impulsionando-a e transformando-a em força ativa. E requisitos são necessários para a sua força 14 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 80. 15 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. de: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991. Nota-se que esta obra veio em resposta ao trabalho de Ferdinand Lassalle, onde Konrad Hesse apresentou um texto que foi base da sua aula inaugural junto à Universidade de Freiburg em 1959, defendendo a noção da existência da Constituição jurídica, em oposição à Constituição real, esta defendida por aquele primeiro doutrinador, que se apóia na idéia de que questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões sociais, onde estas são tratadas e se desenvolvem de acordo com a evolução da sociedade. Diante disto, a Constituição jurídica de um país não passaria de um papel em branco, mutável conforme as necessidades. Para isto se contrapõe Konrad Hesse, afirmando que a visão de Lassalle pode encantar à primeira vista, diante da sua simplicidade de pensamento, esta baseada apenas na realidade.Todavia, se assim se pensar, haveria um esvaziamento da noção de Direito Constitucional com a ciência normativa, submissa a apenas justificar as relações de poder dominantes.
  • 15. 15 normativa, sendo o primeiro a presença de uma maior gama de conteúdo que corresponda à natureza singular do presente, com a presença de elementos sociais, políticos, econômicos e, principalmente, espiritual de seu tempo, que lhe ensejará em aquiescência e consciência geral. Deve também ser ela adaptada a eventuais mudanças condicionantes, lembrando que direitos individuais devem apresentar também deveres recíprocos. Outro ponto importante reside na sua práxis, adaptando-se à sua força normativa. De nada vale uma Constituição, se não são aceitas as suas imposições, abrindo-se mão de alguns benefícios. Outrossim, a flexibilização da Constituição deve ser apenas estritamente necessária, pois a existência de muitas revisões pode demonstrar adaptações a interesses momentâneos ou de determinados grupos, tirando a sua força normativa.
  • 16. 16 3 A CONSTITUIÇÃO COMO LEI SUPREMA Quando falamos no poder normativo criado dentro de uma sociedade, tendo o aspecto de regulador geral, inegavelmente falamos em Constituição, regra esta que serve de fator determinante para todo o conjunto de ordenamento jurídico, social, político e econômico, entre outras atividades. Não se pode esquecer, pois, o seu papel decisivo para o regramento geral e infraconstitucional de um povo, apresentando todos os aspectos necessários de vida em coletividade. Esta supremacia, vista dentro do direito moderno como o alcance maior de toda a ciência em favor de uma Constituição com visão totalmente atual para o seu objetivo, serve de apoio para o firmamento das suas normas e proteção contra evidentes abusos cometidos contra ela própria, como também contra a sociedade e seus cidadãos, onde Cristina QUEIROZ bem explana À imagem outrora da lei, a constituição fixa agora a fronteira entre o lícito e o ilícito, entre o constitucional e o inconstitucional. Provoca com isso uma clara diferenciação entre o direito constitucional e o direito infra-constitucional. O binômio inovação política/mudança conceptual reside precisamente nisso: na ideia de supremacia da constituição face ao restante ordenamento, ideia de uma lei utilizada como critério de legitimidade e/ou ilegitimidade face às demais leis e actos jurídico-públicos. A constituição atribui-se a si própria a primazia, rompendo com a regra tradicional segundo a qual lex posterior derrogat legi priori. Esta supremacia constitui em si mesma uma regra de resolução de conflitos. Ela é a própria forma do direito. 16 É bem verdade que esta primazia nem sempre existiu ao longo da história. Queremos trabalhar com o seu aspecto supremo de controle e de criação de toda a estrutura jurídica de um país. Porém, a sua força reverenciada por uma sociedade é fruto da modernidade, pois, na Europa, cujas origens constitucionais advém da inspiração francesa, por longo período entendeu-se que a supremacia seria decorrente da Lei (obra do Parlamento) e não da Constituição (obra da Assembléia Constituinte), onde aquele “governo das leis” impediria a criação de uma Lei Suprema, como se quer mencionar e entender pela eficácia da Constituição. Isto porque somente houve uma forma real, eficaz e concreta de admissão da jurisdição constitucional, com toda a sua força, perto das grandes guerras do Século
  • 17. 17 XX, notadamente na Áustria, através do sistema concentrado de controle da constitucionalidade, por volta de 1920.17 Ora, não há como se admitir, em plena virada do milênio, uma nação estruturada que não possua um ordenamento maior e supremo nos seus atos e busca de resultados, pois a Constituição de um Estado legitima a sua própria conduta, estabelecendo, entre outras coisas, os limites dos exercícios do poder, das liberdades e direitos fundamentais. Para tanto, esta é a lição de Eduardo Garcia de ENTERRÍA Pero la Constituición no solo es uma norma, sino precisamente la primera de las normas del ordenamiento entero, la norma fundamental, lex superior. Por varias razones. Primero, porque la Constituición define el sistema de fuentes formales del Derecho, de modo que solo por dictarse conforme a lo dispuesto por la Constituición (órgano legislativo por ella diseñado, su composición, competencia y procedimiento) uma Ley será válida o um Reglamento vinculante; en este sentido, es la primera de las ‘normas de producción’, la norma nomarum, la fuente de las fuentes. Segundo, porque en la medida en que la Constituición es la expresión de uma intención fundacional, configuradora de un sistema entero que em ella se basa, tiene uma pretensión de permanencia (uma ‘Ley Perpetua’ era la aspiración de nuestros comuneros) o duración (dauernde Grundordnung; ordenamiento fundamental estable, ‘el momento reposado y perseverante de la vida Del Estado’: Fleiner, lo que parece asegurarla una superioridad sobre las normas ordinarias carentes de una intención total tan relevante y limitada a objetivos mucho más concretos, todos singulares dentro del marco globalizador y estructural que la Constituición há establecido. 18 Fica evidente a presença de uma Lei Maior dentro da sociedade, buscando referenciais de base para a construção de todo o arcabouço jurídico. Ao concluir sobre a força de uma Constituição, Konrad HESSE apresenta o seguinte raciocínio Em outros termos, o Direito Constitucional deve explicitar as condições sob as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional. Portanto, compete ao Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung), que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua força normativa. Essa orientação torna imperiosa a assunção de uma visão crítica pelo Direito Constitucional, pois nada seria mais perigoso do que permitir o surgimento de ilusões sobre questões fundamentais para a vida do Estado. 19 16 QUEIROZ, Cristina. Interpretação constitucional e poder judicial: sobre a epistemologia da construção constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 15. 17 Neste sentido vale a leitura de BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 18 ENTERRÍA, Eduardo García de. La Constituición como norma y el Tribunal Constitucional. 3ª ed., Madrid: Civitas, 1983, p. 49-50. 19 HESSE, op. cit. p. 27.
  • 18. 18 O seu caráter maior para entender sobre a supremacia baseia-se na fundamentalidade, ou seja, disposições postas em certo conjunto de normas, cujo lineamento forma a Constituição de um país. Por conta disso, Regina Maria M. N. FERRARI, ao discorrer sobre a supremacia constitucional, encerra o seu pensamento A Constituição como norma jurídica fundamental do ordenamento jurídico de um Estado é fruto de um poder, e sua obediência ou cumprimento, um dever. Poder que, investido de soberania, retrata independência, isto é, o fato da ordenação estatal não depender de nenhuma outra, posto que se põe modifica por si mesma, de tal modo que sua validade e eficácia não lhe são conferidas por outra pessoa, sendo, portanto, originária. Daí dizer-se que a ordenação jurídico-estatal é originária e soberana. 20 Propicia-se, pois, uma norma jurídica sistematizada e delineadora dos elementos infraconstitucionais. 3.1 EFICÁCIA NORMATIVA A aplicação da força normativa da Constituição dentro do mundo prático repousa na real eficácia de utilização, sendo que Michel TEMER aborda o binômio da aplicabilidade da norma constitucional Todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia. Algumas, eficácia jurídica e eficácia social; outras, apenas eficácia jurídica. Eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam. Embora não aplicada a casos concretos, é aplicável juridicamente no sentido negativo antes apontado. Isto é: retira a eficácia da normatividade anterior. É eficácia, juridicamente, embora não tenha sido aplicada concretamente. 21 Qualquer que seja a sua visão de eficácia, o certo é que desde a sua criação, a Constituição deve fundar-se em elementos que permitam a sua real e efetiva aplicabilidade, ensejando, pois, sua força normativa e não apenas em uma carta 20 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas – Normatividade, Operatividade e Efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 35-36. 21 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 10ª ed. rev. e aum., São Paulo: Malheiros, 1993, p. 25.
  • 19. 19 aparente e sem força suficiente para impulsionar o Estado e determinar o caráter dirigente para com todos. A formação da sua estrutura inicia-se com um trabalho de levantamento social e do histórico jurídico, isto é, devemos saber como se constitui a sociedade, quais são os seus valores maiores, inclusive nos campos da ética, da moral, da religião, da sua história cultural, uma vez que todos estes elementos apontam para a tendência de formação das regras. Ou seja, observamos o ser para criar o dever ser. Desta forma, a Constituição deve abranger o conjunto de idiossincrasias de uma sociedade, isto para lhe dar o verdadeiro caráter de utilização. Celso BASTOS prossegue na sua visão sobre a Constituição, através de uma ótica orgânica e ideológica A Constituição é um conjunto de normas fundamentais dotado de supremacia na ordem jurídica. Encarecem-se aí os seus dois elementos principais. De um lado o caráter estrutural das normas constitucionais, o que vale dizer que nelas deverão estar vertidas todas as vigas mestras da organização do Estado e da sociedade. A Constituição não é o lugar do miúdo, do conjuntural, do efêmero, do acessório e do irrelevante. Adversamente, é a sede estrutural do permanente, do importante, do principal e do respeitante à estrutura. De outro lado, está também presente o ingrediente formal, é dizer, a posição privilegiada e suprema de que gozam as normas constitucionais: encabeçam a ordem jurídica, subordinando a si todas as demais leis e atos jurídicos, que hão de estar conformes à Constituição, ou, ao menos, não contraditá-la. 22 A Constituição, desta maneira, não se configura apenas como elemento de ser, mas também de dever ser. Com base na noção de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. Não poderia ser diferente a visão de Regina Maria Macedo NERY FERRARI, ao dispor, mais uma vez, sobre a supremacia constitucional A norma suprema, mais importante, de um sistema normativo estatal é a sua Constituição, sendo o fundamento de validade dessa mesma ordem jurídica. Para KELSEN, uma norma para ser válida é preciso que busque seu fundamento de validade em uma norma superior, e assim por diante, de tal modo que todas as normas, cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental, formam um sistema de normas, uma ordem normativa. 23 E mais adiante completa 22 BASTOS, op. cit. p. 118. 23 FERRARI, op. cit. p. 30.
  • 20. 20 A Constituição, como Lei Fundamental de um ordenamento jurídico, é representada por um conjunto de normas que organizam o Estado, determinam as funções e competências dos órgãos que exercem o Poder Público, as formas e os limites desse exercício, bem como os Direitos e Garantias Fundamentais de seu cidadão e, assim entendida, é o documento normativo supremo do Estado e da sociedade, proporcionando uma interação necessária. 24 O caráter absoluto da Constituição Federal determina o seu conteúdo maior, cujos princípios alicerçados nos seus comandos dão o contorno essencial às atividades desenvolvidas pelo Estado em prol da sociedade. 3.2 CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE E PROGRAMÁTICA Para que as idéias possam ser postas em prática, indispensável que saibamos e admitamos a Constituição com o seu papel dirigente, ou ainda programático. Para a primeira noção, possível analisar a percepção de J. J. Gomes CANOTILHO para este assunto, onde faz menção a respeito da sua idéia de Constituição dirigente e vinculação do legislador, o que chama de contribuição para a compreensão das normas constitucionais programáticas. O seu núcleo maior de debate repousa no empreendimento de “o que deve (e pode) uma constituição ordenar aos órgãos legiferantes e o que deve (como e quando deve) fazer o legislador para cumprir, de forma regular, adequada e oportuna, as imposições constitucionais”.25 É a hipótese de pré-determinação das regras a serem seguidas pelo legislador, desvinculando-se as estruturas criadas (norma constitucional) da sua base de criação (poder constituinte), impondo ao legislador um comportamento positivo de construção social. Já para as normas programáticas da Constituição Federal, estas impõem ao Estado o dever imperativo e legal de realização de atividades vinculadas ao cumprimento de todos os preceitos, inclusive dentro do que pode ser chamado de Justiça Social. 24 Ibid, p. 30-31. 25 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1982, p 11.
  • 21. 21 Toda norma traz em si um caráter determinante e imperativo de conduta, mesmo aquelas que são aqui chamadas de programáticas, como a busca do pleno emprego, direito à habitação, entre outros exemplos. Por tal motivo, Regina M. M. N. FERRARI, quando da sua tese de doutorado junto à Universidade Federal do Paraná, abordou com propriedade o tema envolvendo normas programáticas, permitindo-se concluir sobre elas que As normas programáticas participam da mesma natureza das outras integrantes de um diploma constitucional rígido, isto é, são normas jurídicas que compartilham da mesma hierarquia, de tal modo que as normas infraconstitucionais que com ela estejam em conflito padecem de invalidade, isto é, de inconstitucionalidade. A norma constitucional programática, ao determinar princípios, tarefas a cumprir, fins a atingir, dirigidos às transformações não só da ordem jurídica, mas também das estruturas sociais e sua concretização, implica o exercício de um verdadeiro poder discricionário. 26 Neste interregno, CANOTILHO aborda os dois temas, mencionando que, seja pela sua concepção dirigente, seja pela sua idéia programática, estamos diante de conduta de comportamento. Trata-se de uma concepção trazida por ele quando da sua tese de doutorado em Portugal, expondo com minúcias a idéia de criar uma Lei Maior que dirija a atividade do legislador, retirando-lhe margem discricionária de autodeterminação. Por isso, afirma este doutrinador português que não existe mais norma constitucional programática, esta baseada na concepção de que o regramento constitucional prevê ao aplicador um programa de atividades previamente determinadas, estas para realização futura. Para CANOTILHO, este considera, sim, que existem normas-programa, normas-tarefa, ou normas-fim, que apenas impõem uma atividade. Explica que Às ‘normas programáticas’ é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição. Mas do que isso: a eventual mediação da instância legiferante na concretização das normas programáticas não significa a dependência deste tipo de normas da interpositio do legislador; é a positividade das normas-fim e normas- tarefa (normas programáticas) que justifica a necessidade da intervenção dos órgãos legiferantes. Concretizando melhor, a positividade jurídico-constitucional das normas programáticas significa fundamentalmente: (1) Vinculação do legislador, de forma permanente, à sua realização (imposição constitucional). 26 FERRARI, op. cit., p.253.
  • 22. 22 (2) Como directivas materiais permanentes, elas vinculam positivamente todos os órgãos concretizadores, devendo estes torná-las em consideração em qualquer dos momentos da actividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição). (3) Como limites negativos, justificam a eventual censura,sob a forma de inconstitucionalidade, em relação aos actos que as contrariam. 27 Temos, por óbvio, um corpo de normas jurídicas escritas pelos representantes do povo, certos de que o seu cumprimento dar-se-á na medida em que as condutas descritas efetivamente demonstrarem uma correlação entre o fato e a norma, mas com apoio na aquiescência social. Celso Antônio Bandeira de MELLO trata da eficácia destas normas Uma Constituição, desde logo, define-se como um corpo de normas jurídicas. De fora parte quaisquer outras qualificações, o certo é que consiste, antes de mais, em um plexo de regras de Direito. A Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios por todos: órgãos do Poder e cidadãos. 28 Todos se vinculam à Constituição, pois, uma vez idealizada e criada, esta se desprende da sua fonte inspiradora, conforme interpretação teleológica. Mas é importante que a Constituição, pelo fato de ter este poder normativo maior, discipline e consagre valores, metas, finalidades, objetivos, propósitos, v.g., sendo, todavia, necessário que estes mesmos rumos não limitem e nem finalizem a possibilidade do Estado de outras opções, além de não serem as normas escritas de maneira casuística ou específica em favor ou contra determinadas classes sociais, a ponto de ensejar na exclusão da sua própria possibilidade de escolha, de oportunidade ou ainda de meios de execução. Por este motivo, a sua criação sempre dependerá de amplo debate, de análises sociais e de visões futuristas a respeito do que se espera desta mesma Norma Maior. Diante de todas estas considerações iniciais, é possível entender por qual motivo há uma enorme carga de normatividade de uma Constituição, pois, como o papel essencial e crucial de uma nação e de uma sociedade, as suas prescrições 27 CANOTILHO. Direito Constitucional, p. 132. 28 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais. São Paulo: RDP, 57/58:236.
  • 23. 23 definem comportamentos de harmonização e respeito às liberdades e direitos, sem perder de vista a existência recíproca dos deveres. Agora esta normatividade não surge apenas porque a norma assim determina, mister que haja não só legalidade como também legitimidade social. Os direitos sociais, por exemplo, possuem papel importante na aplicação das regras constitucionais, pois são, em muitas vezes, programas de execução, inclusive já vistos a partir dos primeiros artigos da Lei Maior, dentro dos princípios fundamentais. E já que falamos em princípios fundamentais, é importante destacar a força principiológica da Constituição Federal, pois estes mesmos princípios regem o regramento das atividades sociais. 3.3 SISTEMA DE PRINCÍPIOS E NORMAS Desta feita, a Constituição deve ser vista como um sistema de princípios e normas, todos valorativos a ponto de criar um mecanismo exeqüível comportamental. Tanto norma como princípio, ambos formam o comportamento legal necessário para a execução da Carta Magna. Na realidade, para alguns doutrinadores, não há, hoje, uma distinção específica entre ambas, muito embora seja possível afirmar que o princípio tenha um alto grau de generalidade e abstração, enquanto que a norma, ou ainda entendido como regra, faça referência direta a eventuais situações passíveis de caráter jurídico. Acrescenta-se, também, a idéia de que os princípios podem desempenhar um papel importante de constituição da ordem jurídica, enquanto que as normas são as leis reforçadas por sua forma especial.29 Ao abordar este assunto, Gustavo ZAGREBELSKY separa o direito por regras do direito por princípios, concluindo que Así pues – por lo que aqui interesa –, la distinción esencial parece ser la siguinte: las reglas nos proporcionan el criterio de nuestras acciones, nos dicen cómo debemos, no debemos, podemos actuar en determinadas situaciones específicas previstas por las reglas mismas; los principios, directamente, no nos dicen nada a este respecto, pero nos proporcionan criterios 29 Cf. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Madrid: Trotta, 1999, p.110.
  • 24. 24 para tomar posición ante situaciones concretas pero que a priori aparecen indeterminadas. Los principios generan actitudes favorables o contrarias, de adhesión y apoyo o de disenso y repulsa hacia todo lo que puede estar implicado em su salvaguarda em cada caso concreto. Puesto que carecen de ‘supuesto de hecho’, a los principios, a diferencia de lo que sucede con las reglas, solo se lês puede dar algún significado operativo haciéndoles ‘reaccionar’ ante algún caso concreto. Su significado no puede determinarse en abstracto, sino solo em los casos concretos, y solo em los casos concretos se puede entender su alcance. 30 Há, assim, uma normatividade dos princípios, inclusive e principalmente os constitucionais. Tomemos por base, então, os princípios, sendo o cerne deste ponto de análise, relegando para segundo plano as regras. De conseqüência, estes princípios tratados dentro da visão constitucional constituem o ponto de partida, o indicador central a respeito de toda a formação legal existente. Mas, o que são princípios? De origem latina (principium), ele significa o início, a origem ou o começo das coisas, sendo as verdades primordiais em que se baseiam os fundamentos necessários à construção de algo, no nosso caso, a legislativa. Para os princípios constitucionais, nós estamos diante de um mandamento de aspecto nuclear deste mesmo sistema adotado em favor de uma Nação. Segundo Jorge MIRANDA, os princípios constitucionais têm uma função ordenadora, validando, por certo, a objetividade comunitária, já que o seu ponto de partida são as relações sociais. De acordo com a sua visão Inerente ao homem, condição e expressão da sua experiência convencional, o Direito nunca poderia esgotar-se nos diplomas e preceitos constantemente publicados e revogado pelo órgãos do poder. Mesmo para quem não adira às escolas institucionalistas ou às estruturalistas, forçoso se torna reconhecer existir algo de específico no sistema que permite (e só isso permite) explicar e fundar a validade e a efectividade de todas e cada uma das suas normas. O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de actos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si. O Direito é ordenamento ou conjunto significativo e não conjunção resultante de vigência simultânea; é coerência ou, talvez mais rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor projecta-se ou traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos. 31 30 Ibid, p. 110-111. 31 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - Introdução à Teoria da Constituição. Tomo II, 2ª ed., rev., Coimbra: Coimbra Editora, 1988, p. 198-199.
  • 25. 25 Os princípios sempre estiveram presentes no pensamento jurídico, a ponto de haver manifestação voltada de forma imperiosa no positivismo, mesmo com um certo grau de indeterminação, pois qualquer princípio premia-se diante da abstração legal, muitas vezes sendo absorvido pela interpretação do hermeneuta. Mesmo assim, com o avançar do tempo, o princípio ganhou status de independência. Por conta disso, Celso Antônio Bandeira de MELLO conceitua o seu referencial a respeito de princípio (...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (...) 32 Sendo a visão de alicerce, o seu uso e adaptação à realidade constitucional devem ser de criação e formação dos preceitos indicadores da vida comunitária, percorrendo os diversos pontos daquele mesmo sistema normativo a ser desenvolvido, ensejando em comportamento e utilização. E Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO complementa esta percepção Os juristas empregam o termo ‘princípio’ em três sentidos de alcance diferente. Num primeiro, seriam ‘supernormas’, ou seja, normas (gerais ou generalíssimas) que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência, modelo, para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas - ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva: trata-se de uma ‘abstração por indução’ 33 Cria-se uma potencialização referencial dentro do ordenamento constitucional, fazendo com que o seu constituinte fique atento aos anseios sociais, permeando com vigor e obrigatoriedade normativa toda e qualquer manifestação de caráter social. 32 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 1ª ed., 5ª tir., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 230. 33 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em Homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento. Vol I, São Paulo: Ed. Ltr, 1991, p. 73-74.
  • 26. 26 Esta dimensão multi-facetária da Lei Maior através dos seus princípios imprime um maior grau de convencimento a respeito do alcance destes próprios, dando-lhes um grau máximo de normatividade e potencialidade. É importante observar que o princípio deve ser levado a efeito como toda norma jurídica, desde que se considere a sua presença determinante de uma ou várias coisas que se subordinam aos seus efeitos. Parte-se da direção majoritária para a particular, ensejando no seu conteúdo expresso. Se o princípio determina um comportamento social e/ou jurídico, sua expressão alicerçada para uma conduta específica determina toda diretriz, impondo circunstâncias de conteúdo. Devemos admitir, sem sombra de dúvida, que a normatividade da Constituição repousa, como ponto de partida, na aceitação e respeito à força dos princípios, estes vistos como normas. Norberto BOBBIO observa que Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra ‘princípio’ leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenha sempre animais, e não flores e estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas? 34 Esta posição também é compartilhada por Eros Roberto GRAU, ao dizer que: “tem a doutrina, de modo pacificado, reconhecido, nos princípios gerais de Direito, caráter normativo e ‘positivação”.35 Dentro desta seara de afirmadores do caráter normativo dos princípios, Luís Roberto BARROSO leciona da seguinte maneira 34 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Rrevisão técnica de Cláudio de Cicco. Apresentação de Tércio Sampaio Ferraz Jr. 10ª ed., Brasília: UnB, 1997, p. 158-159. 35 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 7ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 114
  • 27. 27 É importante assinalar, logo de início, que já se encontra superada a distinção de outrora se fazia entre norma e princípio. A Dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípio e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema. 36 Por fim, Romeu Felipe BACELLAR Filho afirma ser incompatível com uma verdadeira teoria constitucional, esta comprometida com a supremacia material e formal da Constituição sobre o direito ordinário, a visão da doutrina que nega à norma constitucional aberta, ou principiológica, o caráter de normativo, pois “negar caráter normativo às regras e aos princípios constitucionais é o mesmo que negar a quase-totalidade do texto constitucional”.37 Encerra-se, pois, este questionamento, ao admitirmos, sem qualquer dúvida ou simples indagação, que princípios constitucionais são normativos por excelência. Assim sendo, este é mais um passo na afirmativa final e concreta de que a normatividade se dá desde a sua origem. O caráter principiológico adotado pela nossa “Constituição cidadã” apenas faz conformar que todos os preceitos são indispensáveis e necessários para a aproximação do ideal ordenamento jurídico e eficaz aplicação do Direito, principalmente em se tratando de Constituição Federal, como Lei maior responsável pelo dimensionamento de toda a atividade de uma nação, seja no campo jurídico, na criação das normas inferiores, na distribuição de tarefas e competências, na elaboração de programas sociais, culturais, tecnológicos, habitacionais, de segurança, de emprego, etc., abrangendo, ao máximo possível, as diretrizes governamentais adotas em prol de toda uma sociedade, alcançando os mais diversos segmentos sociais. Portanto, a sua segurança jurídica nasce da certeza da sua aplicação, tornando-a eficaz já a partir da adoção dos seus princípios constitucionais. Por essa razão, CANOTILHO adota uma classificação dos princípios constitucionais, criando um mecanismo de divisão e de estrutura, estas duas visões para permitir a real utilização, sendo estes princípios jurídicos fundamentais, 36 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 4ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 149.
  • 28. 28 princípios jurídicos constitucionalmente conformadores, princípios constitucionais impositivos e princípios-garantia.38 É a certeza de aplicação da norma no seu mais profundo sentido e validade, não restando dúvidas a respeito da total normatividade dos princípios constitucionais, aqui paradigmas da estrutura jurídica. Nesta linha de raciocínio, os princípios têm ampla normatividade dentro do ordenamento jurídico, não se constituindo apenas em orientações, premissas menores, ou qualquer forma de critério secundário de aferição. E aqui repousa o primeiro grande argumento da eficácia das normas constitucionais: a força normativa dos princípios. 37 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 145. 38 “1. Princípios jurídicos fundamentais – Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo. Mais rigorosamente, dir-se-á, em primeiro lugar,que os princípios têm uma função negativa particularmente relevante nos ‘casos-limites’ (‘Estado de Direito e de Não- Direito’, ‘Estado Democrático e Ditadura’) (...). ‘Os princípios jurídicos gerias têm também uma função positiva, ‘informando’ materialmente os atos dos Poderes Públicos. (...) “2. Princípios políticos constitucionalmente conformadores – Designam-se por princípios politicamente conformadores os princípios constitucionais que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte. Nestes princípios se condensam as opções políticas nucleares e se reflecte a ideologia inspiradora da Constituição. Expressando as concepções políticas ou dominantes numa Assembléia Constituinte, os princípios político-constitucionais são o cerne político de uma Constituição política, não admirando que (1) sejam reconhecidos como limites do poder de revisão; (2) se revelem os princípios mais directamente visados no caso de alteração profunda do regime político. “Nesta sede situar-se-ão os princípios definidores da forma de Estado (...); os princípios definidores da estrutura do Estado (...),os princípios estruturantes do regime político (...) e os princípios caracterizadores da forma de governo e da organização política em geral (...). “(...). “3. Os princípios constitucionais impositivos – Nos princípios consitucionais impositivos subsumem-se todos os princípios que, sobretudo no âmbito da Constituição dirigente, impõem-se aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. são, portanto, princípios dinâmicos, prospectivamente orientados. “Estes princípios designam-se muitas vezes, por ‘preceitos definidores dos fins do Estado’ (assim Scheuner: Staatszielbs-timmungen), ‘princípios diretivos fundamentais’ (Häfelin) ou ‘normas programáticas definidoras de fins ou tarefas’ “(...). 4. Os princípios-garantia – Há outros princípios que visam a instituir directa e imediatamente uma garantia dos cidadãos. É-lhes atribuída uma densidade de autêntica norma jurídica e uma foca determinante, positiva e negativa. (...). “(...). “Como se disse, estes princípios traduzem-se no estabelecimento directo de garantias para os cidadãos e daí que os autores lhe chamem ‘princípios em forma de aplicação (CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 170-174).
  • 29. 29 Todavia, referimo-nos aqui aos princípios fundamentais elencados na Carta Magna e não meramente aos princípios gerais de direito, cuja visualização destes ocorre nos termos do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Por certo, o caráter de fundamentalidade dos princípios, suas proximidades com uma idéia acerca do direito, eventual natureza normogenética, um balanceamento de valores e interesses, convivência de conflitos entre si e ausência específica de condutas dão o contorno do grande valor dos princípios para a normatividade da Lei Maior. Desta forma, por ter um caráter dinâmico, por não ser um documento pronto e acabado, mas sim o resultado de atividade sócio-política, a Constituição admite uma interpretação especial e principiológica em favor de uma Nação atrelada ao seu ordenamento. Muito embora haja uma certa divergência doutrinária a respeito do assunto, o certo é que os autores apontam os princípios que consideram válidos para o perfeito entendimento da força normativa constitucional39 . Permitimo-nos aqui mencionar alguns que podem ser considerados como essenciais para esta finalidade: Princípio da Unidade Constitucional, onde todas as normas do texto constitucional apresentam o mesmo nível hierárquico, sendo que cada norma não é um elemento isolado, mas integrante do todo harmônico; Princípio das Bases Principiológicas, dando-se ênfase aos princípios valorizados na Lei Maior; Princípio do Efeito Integrador, buscando interpretar com prioridade ao favorecimento da integração política e social; Princípio da Proporcionalidade, sendo essencial ao apoio dos direitos fundamentais, pois fornece critérios para as limitações a esses direitos devendo ter adequação (validade do fim), necessidade (sem exceder os limites à conservação do fim almejado) e proporcionalidade strictu sensu (que melhor atenda ao conjunto do interesse em jogo), já que, além de proteger o cidadão, serve de método de interpretação para o juiz, quando necessário à solução de um caso; Princípio da Concordância Prática ou da Harmonização, certo que não há diferença hierárquica ou de valor entre os bens constitucionais. Assim, a 39 Entre outros, podemos citar: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 4ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2001; ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994; ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999.
  • 30. 30 solução deve harmonizá-los; Princípio da Força Normativa da Constituição, garantindo a sua eficácia e permanência, através da atualização das normas, quando houver problemas constitucionais; Princípio da Máxima Efetividade das Normas, onde à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; Princípio do Conteúdo Implícito das Normas Constitucionais,observando-se que as normas devem ser interpretadas não apenas com o seu conteúdo explícito, mas também implícito (CF, art. 5º, § 2º); Princípio da Constitucionalidade Material, transcendendo o texto constitucional para inserir-se na realidade do caso concreto; Princípio da Constituição Aberta, admitindo-se quando os dispositivos contenham vocábulos ou cláusulas vagas, suscetíveis de conteúdo variável; Princípio do Respeito ao Espírito à Ideologia da Constituição, denotando o seu manancial político e ideológico; Princípio da Obediência à Supremacia das Normas Constitucionais, estas superiores às normas infraconstitucionais, mesmo recepcionando-as através da nova Carta Magna; Princípio da Excepcionalidade da Interpretação Restritiva, onde a restrição é exceção. Deve-se buscar a sua ideologia. No mais, privilégios, incompatibilidades, proibições ou restrições devem ser limitados; Princípio da Imperatividade das Normas Constitucionais, sob pena de cair na sua inconstitucionalidade; Princípio do Sentido Usual das Normas Constitucionais, exceto quando leve ao absurdo, prevalecendo, pois, o sentido técnico; Princípio do Sistema Constitucional, cujos conceitos de outros ramos do Direito ou mesmo extrajurídico, desde que presentes na norma constitucional, devem ser interpretados a partir do sentido que adquirem por força de sua inserção no sistema constitucional; e Princípio da Interpretação Conforme a Constituição, pois é o sentido necessário e o que o torna possível por virtude da força conformadora da lei Fundamental. Ora, para a interpretação de uma norma constitucional, deve-se levar em conta todo o sistema tal como positivado, dando-se ênfase, porém, aos princípios que foram valorizados pelo constituinte. Por conta disso é que se difere da interpretação dos demais textos de lei, pois, nestes, a base de apoio é a Lei Maior, ou seja, interpretar de acordo com as regras constitucionais. Parte-se dela mesma, invocando princípios, estes como formadores de fundamentação, pois a Constituição tem caráter muito mais sintético do que as
  • 31. 31 demais leis, por conter apenas normas fundamentais, onde encontramos os princípios gerais do ordenamento jurídico de um Estado. 3.4 A PRINCIPIOLOGIA VISTA POR DWORKIN E ALEXY Não se pode falar em princípios sem observarmos as teorias contemporâneas de Ronald DWORKIN e Robert ALEXY, muito embora estes autores não tenham trabalho com exclusividade acerca de princípios constitucionais. Isto porque os seus pensamentos tornam-se fundamentais para toda uma construção constitucional, já que as constituições, no seu caráter geral, traçam perfis eminentemente princípiológicos, inclusive com um alcance bem maior que as demais leis infraconstitucionais. Tal principiologia tornou-se fundamental para o seu entendimento a partir de um avanço de caráter normativo, já que nem sempre os princípios foram dotados de eficácia, onde, dentro do positivismo clássico, o seu uso era, na melhor das hipóteses, subsidiário em relação às regras adotadas, fazendo com que não houvesse um interesse tão forte na sua aceitação e no seu uso, pois somente o texto claro da lei traria a correspondência de eficácia normativa. E, antes do positivismo, para o jusnaturalismo, os princípios eram meramente abstratos e universais, ou seja, o uso dar-se-ia apenas para se aferir eventual critério de justiça. Somente a partir do pós-positivismo é que os princípios receberam destaque maior, com realce especial de normatividade, passando a ter adequação explícita dentro da ciência do direito. Por conta disso é que tivemos, dentro do constitucionalismo, um caráter predominante de aspecto fundamental e de criação, mas não de falta de uso normativo, situação em que se pode confundir o pensamento por não entender este valor jurídico ínsito do próprio princípio. Tão evidente é o seu avanço usual, que Paulo BONAVIDES aponta para um conjunto maior de realização dos institutos constitucionais, como os direitos e garantias do cidadão, além das condições materiais elementares, afirmando que “as novas constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios,
  • 32. 32 convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”.40 E este estudo partindo-se de DWORKIN e ALEXY apóia-se na preocupação essencial de ambos em apontar que as decisões judiciais, amparadas em determinantes constitucionais, são fenômenos não de criação puramente discricionária, mas sim de critérios normativos básicos e preexistentes e que não se encontram esgotados nas próprias regras jurídicas. 3.4.1 O princípio para Ronald Dworkin Para DWORKIN, os princípios são estudados a partir de um contraponto com os positivistas, principalmente os ensinamentos de Hart, pois este entende que as normas jurídicas têm limites incertos e, nesta condição, estas mesmas normas são decididas por um mero ato de vontade, afastando-se qualquer metodologia jurídica. O doutrinador norte-americano vê o direito como um sistema de regras e princípios e lança a análise judicial para os chamados casos difíceis (hard cases) através dos princípios, mas sem afastar a moral de todo o ordenamento jurídico, diferentemente do que pensam os positivistas. Quer trazer à tona o uso razoável da moral para o cerne da aplicação jurídica, reconhecendo, ainda, uma condição de uso jurídico para alguns princípios que tenham aplicação no campo da moral. Mas não se quer, na visão de DWORKIN, que o juiz seja um legislador na aplicação do direito. Muito pelo contrário. Para ele, o caminho escolhido deverá ser aquele do uso de princípios como norteadores e centralizadores das suas decisões, principalmente nos casos difíceis. Nesta teoria a respeito dos princípios, estes se apresentam sob duas formas, sendo os princípios no sentido genérico e as diretrizes políticas.41 O primeiro já foi explanado, onde podemos apenas acrescentar determinada passagem feita pelo autor, afirmando que o princípio é um “estándar que ha de ser observado, no porque favorezca o asegure uma situación econômica, política o social que considera 40 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 237. 41 Cf. DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Trad. de: Marta Guastavino. Barcelona: Ariel, 1997, p. 72.
  • 33. 33 deseable, sino porque es uma exigência de la justicia, la equidad o alguma outra dimensión de la moralidad”42 , enquanto que o segundo (as chamadas diretrizes políticas), na visão do autor, seria o correspondente às normas programáticas, já que se define como um objetivo a ser alcançado, claro que dentro do ordenamento precípuo de melhoria coletiva. Se os princípios buscam as soluções em favor, inclusive, do particular, as diretrizes são segmentos genéricos e, portanto, não prevalecem sobre aqueles primeiros, sendo esta a concepção de DWORKIN. Os princípios são razões especiais de decidir e podemos sopesar, inclusive, os princípios eventualmente conflitantes, no caso de existência de mais de um deles para o preenchimento do caso concreto. Todavia, isto vale para o conflito de princípios, mas não entre estes e as diretrizes políticas, pois aqui os primeiros superam estes últimos. Seguindo-se a sua visão sobre o assunto em questão, a adoção dos princípios como fatores determinantes para a aplicação da justiça repousa no liberalismo ético, respeitando os direitos das minorias, isto no caso de um governo lançar mão de mecanismos políticos gerais em detrimento de determinada classe social em menor número, pois, segundo ele, não se pode admitir a perda da dignidade desta minoria: é o contraponto entre a dignidade humana e a igualdade política. Trata-se, pois, de uma concepção de adequação dos fatos aos mecanismos abstratos e gerais dispostos pelos princípios, mas que são mais do que suficientes para a sua normatização. Já para as regras, DWORKIN entende que correspondem ao conceito determinado pelo positivismo clássico, onde a regra deve ser aplicada ou não, inclusive obedecendo-se eventual hierarquia. Trata-se do que ele considera como tudo ou nada.43 Quanto à decisão judicial, o autor considera que os princípios possuem vários sentidos, todos voltados para o resultado dentro da discricionariedade judicial. 42 Id. 43 Ibid, p. 75. Para o autor “Las normas son aplicadas a la manera de disyuntivas. Si los hechos que estipula uma norma están dados, entonces o bién la norma es válida, en cuyo caso la respuesta debe ser aceptada, o bién no lo es, y entonces no aporta nada a la decisión.”
  • 34. 34 Partindo-se destes mesmos princípios, a primeira visão emerge a partir da sua própria discricionariedade, ou seja, pelo seu juízo de valoração, onde o magistrado não se afasta de princípios norteadores. A segunda visão traduz-se da própria competência dos órgãos judicantes, principalmente dos tribunais, partindo-se da premissa de que, desta decisão, não cabe mais recurso. Todavia, mesmo aqui, o autor trabalha com a noção de princípios sendo utilizados no arcabouço valorativo de decisão. Estes dois sentidos são mais simples e enfraquecidos de conteúdo e resultado, sendo que o sentido mais forte traduz-se na não vinculação do magistrado a critérios puramente normativos quando da efetiva decisão judicial, mas sim no senso de justiça baseado em princípios valorativos em favor do caso concreto. DWORKIN constrói esta imagem adotando a figura do que chama de juiz Hércules, pessoa dotada de hábeis conhecimentos e para dirimir todos os conflitos judiciais, buscando sempre o alcance da única solução correta. Ele, ao mesmo tempo, conhece todos os princípios e vê os elementos do direito vigente ligados por fios argumentativos. Desde essa perspectiva, os juízes são, ao mesmo tempo, autores, uma vez que acrescentam algo ao direito, e críticos, pois o interpretam conforme as necessidades. Podemos concluir que, com a adoção dos princípios como elementos essenciais na busca da justiça, e o uso de um juiz onipresente para dar sempre a melhor resposta, o que o autor apresenta sobre eles não é meramente metafísico, mas sim concepções arraigadas às instituições essenciais da vida, como a política e a sociologia. Quer ser ele reconstrutivo, repensando a ordem jurídica posta em utilização por uma sociedade. O binômio princípio e diretriz política serve de alavanca para toda a estrutura do ser dentro do mundo jurídico. DWORKIN completa o seu pensamento com o uso do princípio da integridade, buscando a coerência dentro dos resultados e um ponto de equilíbrio nas diversas relações sociais. Para tanto, ao analisar esta concepção, ele assim observa A integridade torna-se um ideal político quando exigimos o mesmo do Estado ou da comunidade considerados como agentes morais, quando insistimos em que o Estado aja segundo um conjunto único e coerente de princípios mesmo quando seus cidadãos estão divididos quanto à natureza exata dos princípios de justiça e equidade corretos. Tanto no
  • 35. 35 caso individual quanto no político, admitimos a possibilidade de reconhecer que os atos das outras pessoas expressam uma concepção de equidade, justiça ou decência mesmo quando nós próprios não endossamos tal concepção. Essa capacidade é uma parte importante de nossa capacidade mais geral de tratar os outros com respeito, sendo, portanto, um requisito prévio de civilização. 44 É um papel importante na integralização do direito pela comunidade. Torna-se coerente termos uma integridade para a regulação das condutas fáticas entre as pessoas, reconstruindo-se, portanto, toda a ordem jurídica. Finalizando seu pensamento, o autor entende que os princípios constitucionais, base primeira deste nosso estudo, são identificáveis em muitas oportunidades como direitos morais, completando sua idéia ao afirmar que o Estado não pode interferir na conduta do cidadão, se o resultado violar um direito seu baseado em moral. Por conta disso, a Constituição traz uma supremacia não apenas como direito formal, mas principalmente como direito material. O direito preexiste a partir dos princípios conformadores, onde o juiz não cria ou inova este mesmo direito, mas apenas o aplica ao caso concreto, contornando-o diante dos casos difíceis. 3.4.2 O princípio para Robert Alexy Já para os ensinamentos de Robert ALEXY, os princípios também possuem importância enorme dentro de todo o ordenamento jurídico. Da mesma forma apresentada por DWORKIN, a diferença basilar entre princípios e regras não se encontra na quantidade, mas sim na qualidade. ALEXY também entende que os princípios jurídicos em muitas oportunidades são morais, além de serem diferentes das regras, buscando um compasso de construção da estrutura dentro das normas de direito fundamental. Os princípios, assim, não são mandatos definitivos, mas mandatos de otimização, cujas palavras do autor demonstram bem o seu alcance 44 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. de: Jefferson Luiz Camargo, São Paulo: Martins Fontes, 1999, p 202.
  • 36. 36 El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado em la mayor medida posible, dentro de las possibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no solo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. El âmbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos. 45 E, mais à frente, completa, com a finalidade de mostrar a diferença básica e o alcance definido Em cambio, las reglas son normas de sólo pueden ser cumplidas o no. Si uma regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones em el âmbito de lo fáctica y juridicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y princípios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien uma regla o un principio. 46 Para ele, os princípios são comparados aos valores, mas que não podem ser resolvidos diante da sistemática do tudo ou nada no caso de eventual conflito, pois a resposta não estará no jurídico ou ainda no social, mas sim na própria valorização das razões preponderantes. Todavia, ALEXY entende ser impossível um sistema evidentemente forte sobre os princípios, o que ele chama de modelo puro de princípios, assim observando Las objeciones a un tal modelo puro de principios son obvias. La más plausibe de ellas sostiene que este modelo no torna en serio la Constitución escrita. Esta objeción puede apoyarse, sobre todo, en el hecho de que el modelo puro de principios deja de lado las regulaciones diferenciadas de las restricciones de la Ley Fundamental. Los autores de la Ley Fundamental renunciaron expresamente a cláusulas restrictivas generales y dotaron a las diferentes garantias de derechos fundamentales con regulaciones restrictivas muy variadas. 47 Afasta, portanto, o pensamento das teorias morais materiais, tal como observado por DWORKIN, apoiando-se em teorias morais procedimentais e através de prioridades principiológicas e de ponderações. ALEXY afirma que o sistema jurídico por ele visualizado ampara-se em regras, princípios e procedimentos, onde os dois primeiros caracterizam-se como o 45 ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 86. 46 Ibid, p. 87. 47 Ibid, p. 115.
  • 37. 37 lado passivo do sistema jurídico, enquanto que o último indica o seu lado positivo, regulando aqueles primeiros. Fica claro no seu pensamento que a conotação é de complementar toda a teoria traçada por Ronald DWORKIN, pois, segundo aquele, não existe nenhum procedimento capaz de permitir com segurança que se chegue a uma única resposta correta. Estamos diante do núcleo da teoria da argumentação, pois, em não havendo uma única resposta correta, outros fatores são essenciais para se trazer a solução mais adequada ao caso concreto. Neste ponto, ALEXY confronta com DWORKIN, afastando a tese deste do famoso “ou tudo ou nada”, assim explanando La cuestión acerca de la racionalidad de la fundamentación jurídica conduce así a la cuestión acerca de la fundamentabilidad racional de los juicios prácticos generales o de los juicios Morales. La discusión de esta cuestión ha estado afectada durante largo tiempo por uma contraposición infructuosa entre dos posiciones básicas presentadas siempre bajo nuevas variaciones: las posiciones subjetivistas, relativistas, deciosinistas y/o irracionalistas, por uma parte, y las objetivistas, absolutistas, cognoscitivistas y/o racionales, por outra. Sin embargo, no existe ningún motivo para este tipo de actitud de todo-o-nada. 48 Completa o autor o seu raciocínio, trazendo a argumentação como fator preponderante na hora da decisão La discusión ética actual, influenciada metodologicamente sobre todo por la lógica moderna, la filosofia del lenguaje, la teoria de la argumentación, de la decisión y Del conocimiento, y por lo que respecta a su contenido, orientada fuertemente por las ideas de Kant, ha mostrado que ciertamente no son posibles teorias morales materiales que den uma única respuesta, con certeza intersubjetivamente concluyente, a cada cuestión moral pero, que sí son posibles teorias morales procedimentales que formulan reglas o condiciones de la argumentación o de la decisión práctica racional. Uma versión especialmente promisora de una teoria moral procedimental es la del discurso práctico racional. 49 Entende ALEXY que o procedimento é essencial para a obtenção da resposta correta. Quando os participantes do processo argumentativo fundamentam as suas afirmativas relacionadas ao caso exposto, isso quer dizer que o simples argumento por si só aponta que a proposta apresentada seja a evidente. É a racionalidade da argumentação, inclusive no campo dialógico. 48 Ibid, p. 530.
  • 38. 38 3.5 HERMENÊUTICA NO SEU PAPEL DE INTERPRETAR Se admitirmos, desta forma, os princípios com o caráter eminentemente normativo, fugindo do antigo padrão de que estes seriam apenas secundários, ou, na melhor das hipóteses, subsidiários, a aplicabilidade imediata necessita da melhor interpretação possível, de acordo com mecanismos próprios de apoio hermenêutico. Vários são os autores que tratam do assunto, haja vista a necessidade inegável de se bem interpretar e aplicar a Constituição. Na visão de Jorge MIRANDA50 , a Constituição sempre deve ser interpretada, ultrapassando a sua leitura política, ideológica ou simplesmente empírica para a sua leitura jurídica do próprio texto constitucional. Assim, ordenamentos do tipo judicialista, como os anglo-saxônicos, ou ainda Constituições com dispositivos amplos e também elásticos, têm o alcance em favor de elaboração jurisdicional do que os ordenamentos não judicialistas ou Constituições em que se tenha pretendido verter o que ele chama de “recta razão”. A atitude a ser aplicada na Constituição pode definir diferentes resultados interpretativos, como a voluntarista. E esta consciência a respeito da necessidade de interpretação constitucional começou a crescer no momento em que superou a crença liberal no imediatismo da Constituição instrumental, dando prevalência à Constituição material. Mister, pois, a sua interpretação, mas sem afastar da idéia de dificuldade, que repousa quanto ao objeto, eficácia e a indeterminação de muitas das inquietações; a necessidade de análise dos fatos políticos marcantes; a visão ideológica de cada intérprete; os diferentes critérios adotados pelos órgãos políticos administrados e judiciais; e as origens dos compromissos que inspiram as Constituições e seus princípios. Também, a interpretação constitucional tem que ter em conta condicionantes e fins políticos inelutáveis e irredutíveis, mas sempre com olhos para os preceitos e princípios jurídicos que lhe correspondam. Deve buscar o influxo da norma e não apenas como a realidade de fato. 49 Id. 50 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2ª ed., t. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1988.
  • 39. 39 Chega-se neste momento diante da necessidade de confrontarmos a eficácia das normas constitucionais, baseadas em princípios, com a plena e cristalina interpretação. Disso resultará uma normatividade plausível e real para o deslocamento do mundo empírico para o material. Interpretar a Constituição é, portanto, um exercício de soberania e de efetiva valoração das metas e programas desenvolvidos pela Carta Magna. Por esta razão, não se pode deixar de mencionar a importância do trabalho desenvolvido por Peter HÄBERLE51 , quando quis tratar de uma hermenêutica constitucional, através de uma interpretação pluralista em busca de uma sociedade aberta, discorrendo sobre a atual teoria da interpretação constitucional, onde duas indagações vêm à tona: a indagação sobre as tarefas e objetivos da interpretação constitucional e a indagação sobre os métodos, ou seja, processo da interpretação e suas regras. Isto porque sempre se tratou a sua interpretação de maneira fechada, sem se permitir a participação popular, ensejando na redução do seu âmbito de investigação, cabendo isto basicamente aos juízes. Nesta linha de raciocínio, Inocêncio Mártires COELHO reflete sobre as condições gerais que delimitam a atividade interpretativa, prosseguindo diretamente na hermenêutica constitucional. Segundo ele Em razão dessa nova compreensão da experiência normativa, operam-se radicais mudanças nos domínios da hermenêutica jurídica, abandonando-se os tradicionais métodos e critérios de interpretação – que aprisionavam o aplicador do direito à estrita literalidade da lei -, para se adotarem pautas axiológicas mais amplas e flexíveis, não raro indeterminadas, que permitam aos operadores do direito ajustar os modelos jurídicos às necessidades de um mundo cada vez mais complexo e, por isso, menos propício a toda forma de arrumação. 52 A revolução social, os paradigmas adotados por uma comunidade, as visões de futuro, uma resposta para os conflitos sociais são, entre outros, argumentos que 51 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Trad. de: Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, reimp. 2002. 52 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 2ª ed., rev. e aum., Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2003, p. 76.
  • 40. 40 determinam o comportamento do hermeneuta, valorando as necessidades. São as chamadas “forças da comunidade política”.53 Concretiza a hermenêutica o seu caráter construtivo, fazendo com que os princípios apresentados, e que agora são observados, alcancem o objetivo precípuo da função social operadora do direito. Por esta razão, Rodolfo Viana PEREIRA trabalha a hermenêutica como concretização, dizendo que Em consonância ao que foi delineado em todo esse capítulo, podemos definir o âmbito da Hermenêutica Constitucional (o âmbito do fazer hermenêutico no Direito) não mais como o processo de descoberta de uma vontade intrínseca à norma, seja a vontade subjetiva ou objetiva, seja a vontade da Lei infraconstitucional ou da própria Constituição. Também não se equipara tout court à disciplina sistematizadora de catálogos cerrados de métodos de interpretação. Para além disso, a Hermenêutica do Direito torna-se concretização, ou seja: processo de reconstrução do Direito aplicável ao caso, à luz do padrão constitucional e através de um procedimento argumentativo e racionalmente controlável. 54 Se a hermenêutica tem este papel essencial de interpretar e dizer a Constituição dentro do seu alcance social e político, todos realmente são construtores do seu futuro. Por conta disso é que Rodolfo Viana PEREIRA completa o seu raciocínio, adotando a visão de Peter HÄBERLE, pela interpretação aberta, concluindo Presentes esses fatores e a contribuição desses grandes autores, pode-se novamente apostar na possibilidade de convivência política pela renovação do respeito e da confiança no constitucionalismo. Em última instância, significa apostar na viabilidade do projeto humano de vida em comum, baseada não na desistência da autonomia individual, mas na capacidade de sua auto-realização em um ambiente em que a própria garantia do indivíduo é correlata à afirmação da solidariedade política, traduzida no respeito à alteridade. 55 E, mais à frente, completa seu raciocínio, dizendo que “Assim, a responsabilidade dos operadores jurídicos traduz-se em um permanente debate público das razões de decidir, em um constante repensar os fundamentos da convivência política, pautada por um ato de respeito às distintas visões de 53 Cf. HÄBERLE, p. 23. Segundo o autor, há um catálogo sistemático de participantes, estruturando a personalização da sua interpretação, afirmando que “O cidadão que formula um recurso constitucional é intérprete da Constituição tal como o partido político que propõe um conflito entre órgãos ou contra o qual se instaura um processo de proibição de funcionamento.” (p. 23-24). 54 PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 164. 55 Ibid, p. 172-173.
  • 41. 41 mundo,como marca do caráter inclusivo da cidadania no postulado do Estado Democrático de Direito.”56 Conclui-se que a hermenêutica é essencial na visão de qualquer intérprete, inclusive com olhos voltados para a abertura do novo, do contemporâneo, do pós- moderno. E os princípios constitucionais não fogem aos olhos deste hermeneuta. Devem ser vistos e aplicados dentro dos seus valores sociais próprios, principalmente pelo administrador público, pois, nesta esfera de análise que o trabalho propõe, a primeira pessoa a se vincular ao resultado desejado pelo princípio quando da elaboração do ato administrativo é este mesmo administrador. Os argumentos envolvidos são necessários para a dimensão da hermenêutica, o que Margarida Maria Lacombe CAMARGO chama de “Racionalidade Jurídica Contemporânea”57 , esta conformodora e adaptadora das situações sociais. 56 Id. 57 Cf. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação – Uma Contribuição ao Estudo do Direito. 3ª ed., rev. e aum., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 249-259. Em parte específica, a autora afirma que “A partir deste estudo, concluímos, então, que o direito, apesar de toda sua carga dogmática, faz parte de uma tradição filosófica, cuja base reside na tópica e na retórica; o que nos leva a acreditar que o seu conhecimento, como criação humana, histórica e social,comporta uma dimensão hermenêutica. Voltamos, assim, à nossa posição inicial, afirmando que o direito consiste na realização de uma prática que envolve o método hermenêutico e a técnica argumentativa” (p. 259).