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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DA QUINTA DO CONDE
                EBI DA QUINTA DO CONDE

                     CURSO EFA – NIVEL SECUNDÁRIO

                                      CLC UFCD 6



             Caracterização Urbanística de Lisboa
                 antes e depois do terramoto de 1755


Elaborado por Maria Helena Cordeiro

Disciplinas CLC 1 / CLC 6

Professoras: Raquel Alves / Rute Gomes


Quinta do Conde, 23 de Fevereiro de 2010




                                                       1
ÍNDICE


Introdução……………………………………………………………………………………... 3

O Diário de Pierre Louis Chardin …………………………………………………………….5


     Lisboa, 28 de Outubro de 1755 - 4ª feira …………………………………………. 5

     Lisboa, 29 de Outubro de 1755 – 5ª feira ………………………………………… 6


     Lisboa, 30 de Outubro de 1755 – 6ª Feira …………………………………………8

     Lisboa, 31 de Outubro de 1755 – Sábado …………………………………………9


     Lisboa, 1 de Novembro de 1755 – Manhã de Domingo ……………………….....9

     O lugar, 1 de Novembro de 1755 – Tarde de Domingo …………………………10

     O lugar, Novembro de 1755 – Não importa o dia nem a hora ………………….10

     Do lugar onde fica a Gazeta de Lisboa, 28 de Novembro de 1755 ……………11

     Lisboa, 7 de Dezembro de 1756 …………………………………………………. 12

     Lisboa, 10 de Dezembro de 1756 …………………………………………………13


     Lisboa, 11 de Dezembro de 1756   ……………………………………………….14

     Lisboa, 7 de Junho de 1775 ……………………………………………………... 15



Conclusão…………………………………………………………………………………….16



Bibliografia…………………………………………………………………………………….18




                                                                        2
INTRODUÇÃO


       Um Diário escreve-se depois de estar gravado nas horas passadas do autor,
que se “canta” a si próprio a partir da genuína necessidade de conversar com as
palavras e com os sentimentos. Os Diários coexistem ainda com a autenticidade,
podem fugir da realidade pelo dom da imaginação, dos sonhos e da literatura, mas
não podem esconder-se da verdade - “Um espelho nunca mente!”

       Não se enfade o leitor, com o primeiro parágrafo, pois apenas pretende obter
clemência e absolvição perante a mais que provável incapacidade da autora em
encarnar a personagem escolhida para retratar uma época e um acontecimento que
não experimentou. No entanto, em jeito de confissão, a autora assevera que o desafio
colocado é entusiasmante porque a obrigará a viajar, a descobrir e a ultrapassar as
fronteiras do tempo.

       Contudo, a proposta de realização deste diário, para além do seu pendor lírico
e em certa medida romântico, tem um sentido objectivo que se prende com a
caracterização urbanística de Lisboa do pré e pós Terramoto de 1755, o que,
inevitavelmente, afectará a história contada por um sobrevivente da catástrofe, ao
conceito de Urbanismo enquanto ciência que estuda a organização, o planeamento e
o ordenamento das cidades e a sua evolução.

       Pierre Louis Chardin é o sobrevivente, o contador da História e das estórias
que se foram reconstruindo sobre as ruínas da cidade e dos seus habitantes, uma
cidade que tratava por tu, revendo-se, tanto na sua luminosidade como no seu lado
mais obscuro. Capaz de a desenhar de olhos fechados, incapaz de viver sem o
reboliço das suas gentes.


       Pintor e retratista da reconhecida escola francesa, nasceu em Paris a 8 de
Agosto de 1709, no preciso dia em que o Padre Bartolomeu de Gusmão, sobrevoou
um pedacinho do céu de Lisboa, entre a Praça de Armas do Castelo de São Jorge e o
Terreiro do Paço, na sua deslumbrante “Passarola”, mais tarde retratada por José
Saramago no romance Memorial do Convento, como quem une o tempo dos homens,
desafiando noções metafísicas, experimentando a capacidade de visionar o passado,
o presente e o futuro num momento, só possível, pela força de “pelo menos duas mil
vontades” recolhidas por Blimunda, uma mulher humilde que detinha o dom
extraordinário de olhar o interior das pessoas e da terra (acaso fosse real que
importância singular teria tido esta mulher nos acontecimentos do Terramoto de
1755?).



                                                                                   3
Pierre Chardin descobre nos livros a relação entre o dia do seu nascimento e a
arrojada experiência de Bartolomeu de Gusmão e, na primeira oportunidade, ruma a
Lisboa integrando um grupo de artistas francófonos contratados por D. José I, el-Rei
de Portugal, para aprimorar os aposentos reais e, no tempo livre concedido, procurar o
melhor lugar para imaginar e pintar a “Passarola” do Padre Voador. Todavia, o destino,
a modos que premonitório, traçar-lhe-á um caminho sinuoso e tectónico, onde um dia
desejará verdadeiramente ter asas para poder voar.




O DIÁRIO de Pierre Louis Chardin

Lisboa, 28 de Outubro de 1755 - 4ª feira

Eu e Tu…


       Não sei porquê, mas até hoje, nunca senti necessidade de expressar
pensamentos ou emoções através da escrita, sempre preferi pintar, a cores ou sem
cores, conforme a bolina tempestiva da minha vontade, rápida no traço e na
interpretação do que vejo e do que sinto. Escrever torna-se mais difícil porque me
coloca na posição de observado, invulgar num pintor. Obriga-me a expor em letras



                                                                                    4
bem desenhadas, aquilo que sempre procurei esconder de mim próprio. Dói, saber
quem sou…

       - Não me admira a nostalgia, está cada vez mais aportuguesado!


Disse-me hoje, a resoluta Maria Josefa, uma das camareiras da Rainha D. Mariana
Vitória (que por um acaso lisonjeiro se ocupou de mim), e continuou:


      - Afinal, tanto tempo e tanto trabalho para pintar a figura do Rei enamorado pela
Rainha, quando na real verdade, nem se podem encostar um ao outro. Da última vez
que o fizeram, foi tamanha a coscuvilhice na Corte, só porque a Rainha recomendou
um banho a sua Alteza e em boa razão o fez. Mas claro, o retrato pintado por Vossa
Senhoria não deita cheiro e puxa pela imaginação de sua majestade. Oh, se puxa!
Mais valia a Vossa Senhoria, subir ao Convento dos Jesuítas, donde se descobre a
cidade inteiriça e pintar todas as cores do rio. Ora vá, vá! Ficaria com o semblante
bem mais aliviado.


       Maria Josefa… a formosa e maroteia Maria Josefa. Tão bem me conhece!
Levá-la-ia comigo na viajem que nunca fiz, talvez um dia encontre a coragem para lhe
falar sobre as cores da cidade onde aprendi a amar a luz e as sombras, para a
convidar a acreditar e a tomar lugar no “Pássaro Gigante” do Padre Bartolomeu de
Gusmão, cuja história me trouxe a Lisboa e a assentar no número sete da Rue Saint
Martin sur-Seine, em Paris, onde da janela das águas furtadas, os dois, de mãos
dadas e pensamentos lavados pelo respeitável rio Sena, poderíamos assistir ao
espectáculo da civilização parisiense, com epicentro nos hábitos refinados e elegantes
dos passeantes talvez influenciados pela majestade das ruas largas, limpas e
iluminadas, pela simetria colorida dos jardins, pela moldura das Praça que convidam a
ficar e a observar cada monumento que ostentam. Rodeados pela beleza que
desperta os sentidos, nós, Maria Josefa, mesmo assim, teríamos saudades da
desordem e dos sons de Lisboa.

Lisboa, 29 de Outubro de 1755 – 5ª feira


Cheguei à procura de encontrar…

       Faz hoje precisamente três anos que cheguei a Lisboa. Cheguei e fiquei, numa
cidade que conhecia apenas de gravuras, de histórias e de conversas circunstanciais.
Parti de Paris acompanhado por François Boucher e Maurice La Tour, a convite do
Marquês de Pombal, ministro do reino, para dotar os interiores Palácio de Belém,




                                                                                     5
residência de verão da família real, com algumas obras artísticas que permitissem à
Corte portuguesa acompanhar a modernidade.

       A viagem fi-la por mar a partir de Marselha, numa imponente nau de três
mastros. À chegada, o sol, habitualmente ausente de Paris no mês de Outubro,
brilhava ainda em Lisboa, o vento soprava de feição e a nau esventrou o rio que se
deixou cortar pela proa, como que a dizer “bem vindos” sugando-nos gentilmente para
a margem esquerda, deixando antever um tecido urbano confuso e matizado por
paisagens rurais. Ao fundo avistava-se um aqueduto, cujo impacto visual dava
profundidade à cidade, mas as fachadas dos prédios, viradas para o rio, devolviam à
urbe o carácter ribeirinho dos seus habitantes que dele retiravam todo o seu
rendimento e prosperidade.


       Antes de pisar terra firme, procurei fixar a imagem do Tejo, irreverente,
desafiador, mestiço, tão diferente do meu rio Sena, ordenado e submisso ao sentido
estético dos homens. Perante a liberdade do Tejo, lamentei o meu rio emparedado e
serviçal.


       Já em terra, num lugar chamado de Terreiro do Paço, um moço acercou-se de
nós e em bom português ter-nos-á dito que estava ali para nos ajudar. Naturalmente,
as poucas palavras que aprendemos durante a viajem não nos permitiram perceber
exactamente o que nos disse. Então, numa sinalética agitada, encaminhou-nos para
os Estaleiros Reais, aguardámos o tempo suficiente para compreender que aquele
lugar era o coração comercial e cerimonial da cidade, centrado no Palácio Real,
construído mesmo em frente ao rio, ao lado da Casa da Índia, da Alfandega, e dos
Estaleiros Reais, onde nos encontrávamos. Lisboa era de facto uma das mais ricas
capitais da Europa, a par de Paris, Londres e Nápoles. Um grande porto que
beneficiava do refúgio proporcionado pelo estuário do Tejo, do seu fácil acesso ao
Atlântico e das relações coloniais com a Ásia, África e as Américas. Naquele lugar de
intenso comercio, os mercadores negociavam produtos e animais exóticos,
especiarias, tecidos sumptuosos, ouro e escravos. Estávamos perante a fonte da
receita colonial portuguesa que, pese embora a riqueza por essa via adquirida, não
dissipa a imagem antiquada, habitualmente atribuída a Lisboa nos círculos artísticos e
filosóficos de Paris, onde nas mentes dos pensadores iluministas, Portugal é uma
nação enredada no obscurantismo e para isso, muito têm contribuído os autos-de-fé
da Inquisição e a expiação dos condenados à fogueira e ao degredo, que têm lugar na
principal praça de Lisboa.




                                                                                    6
Com os pensamentos confundidos e enfeitiçado pelo movimento das gentes,
não me apercebi da presença do ministro do reino que se escusava pelo atraso,
cumprimentou-nos num francês perceptível, mas pouco entusiasmado, pois era
conhecida a sua preferência pela língua portuguesa, bem como, pelos artesãos e
artistas nacionais. Dirigimo-nos a um coche com as armas reais, onde cada um se
aconchegou junto às janelas. À voz do cocheiro, incitados pelo chicote, os cavalos
iniciaram em marcha branda a minha primeira e última viagem ao lado de Sebastião
José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal.

       Agradado em nos dar a conhecer a cidade, o Marquês dera ordens para
tomarmos o caminho mais longo até ao Palácio de Belém, lugar onde iríamos assentar
nos próximos anos. Procurava distrair-nos dos aspectos mais insalubres da cidade, da
sujidade das ruelas estreitas e dos becos desordenados e escuros, onde se situavam
diversas lojas de mercadorias e retalhistas, construídos sob solo aluvial entre colinas
íngremes e na parte oriental, sob os muros da velha cidadela do Castelo de S. Jorge.
Elevava o braço e ia apontando o Convento do Carmo, o vizinho Convento da
Trindade, a Catedral e os demais nobres edifícios da cidade até chegarmos a uma
larga praça pública chamada Rossio, localizada mais para o interior norte da cidade.
No essencial, o Marquês explicava que entre o Terreiro do Paço e o Rossio, havíamos
percorrido uma área que os lisboetas designavam de “baixa” e que constituía a
tradição árabe - medieval da cidade:

       - Lisboa está em franca expansão para Ocidente, todos os dias chegam novos
habitantes, estima-se uma população entre 160 000 e 200 000 mil pessoas, o que nos
traz preocupação. Explicou o Primeiro-Ministro, acrescentando:


       - De certo repararam no Aqueduto, o mais notável do Reino de Portugal.
Visitem-no de perto quando Vos aprouver. A sua construção iniciada no ano de 1729
levou vinte anos a concluir e a resolver parte do problema de abastecimento de água.
Há que reconhecer o muito que os Romanos nos ensinaram sobre a arte de construir
uma cidade. Roma foi a primeira cidade planeada com rede de águas públicas, rede
de esgotos, edifícios culturais, políticos e religiosos, ruas largas em torno de praças
centrais, nesta matéria, meus caros, como podem ver, Lisboa está francamente
atrasada. Para Vos dizer a verdade, só mesmo uma revolução.


       Fez um sinal circular com o dedo e o cocheiro retrocedeu, rumámos à margem
do rio, desta feita pelo lado mais ocidental, para onde a cidade continuava a expandir-
se e onde se situavam muitos edifícios religiosos e os Palácios da aristocracia de




                                                                                     7
estilo barroco e maneirista. Dirigimo-nos para o Palácio de Belém, onde logo no
primeiro dia te conheci, Maria Josefa.




Lisboa, 30 de Outubro de 1755 – 6ª Feira

       Maria Josefa, tenho 46 anos, casei-me com os meus hábitos – pintar,
desenhar, ler, conversar, viajar, discutir, comer e beber. Mas, desde que cheguei a
Lisboa sinto que me espera algo ou alguém. Contudo, passados três anos continuo a
viver e conviver quase exclusivamente com os meus hábitos: Pintei um retrato
romântico de el-Rei, cumpri a promessa de desenhar a “Passarola” de Bartolomeu de
Gusmão, cuja imagem encontrei na Real Biblioteca. Li todas as obras de Gil Vicente
que aí encontrei e todos os livros da tua preferência, conversei em francês, inglês,
italiano e finalmente em bom português. Levei-te comigo a Mafra, onde Portugal
enterra o ouro do Brasil, num imponente e magnânimo Convento. Discuti, comi e bebi
que baste, mas quase nunca contigo. Neste final de dia escrevo junto à janela de um
quarto confortável, aquecido e iluminado. Nada igual ao lugar onde fomos hoje, onde
todos os dias deixas um pouco de ti, onde vivem os teus pais, os teus irmãos, os teus
amigos, numa ruela com pouco mais de três metros de largo, escura e húmida, igual a
tantas outras, com o cheiro próprio dos animais que vagueiam livremente,
aproveitando-se do lixo doméstico deitado para a rua e das mulas dos aguadeiros que
se encontram presas a argolas de ferro forjado e ali permanecem comendo e bebendo
do que lhes dão e, por força da natureza, enchendo as ruas de excrementos que
ninguém limpa. Entrámos numa casa construída em pedra e barro, de janelas
pequenas e uma porta estreita e baixa por onde entrei curvado e curvado fiquei dentro
de um pequeno quarto que tinha de altura menos 10 cm que eu. A tua mãe chegou-me
providencialmente uma cadeira e serviu-me numa malga um delicioso vinho,
semelhante ao que serviam no Palácio e tu, maroteia, piscaste-me o olho. Levaste-me
depois pelas Portas de Santo Antão e subimos ao Alto de Santa Catarina, donde
mirámos o rio horas sem fim, sem dizer uma palavra até que te prometi:

       – Amanhã, vamos à Ópera!


Lisboa, 31 de Outubro de 1755 – Sábado

       O Teatro da Ópera do Tejo, um edifício sumptuoso, decorado a branco e
dourado, resultado da genialidade de Giovanni Bibiena, membro de uma prestigiada
família de arquitectos e cenógrafos teatrais e da paixão do Rei pela música, foi



                                                                                   8
inaugurado com pompa e circunstância a 2 de Abril de 1755, durante as
comemorações do aniversário da Rainha. A sala com 60 m de comprimento 32,40 m
de altura 38 camarotes e 600 lugares na plateia, recebeu-nos às 19 horas para assistir
ao espectáculo em Cartaz “ A destruição de Tróia”. Entraste no adro principal
deslumbrante e ficaste deslumbrada. O brilho que trazias no rosto inundou a Plateia e
subiu aos Camarotes, donde altaneiras, as damas aristocratas nos miravam por
binóculos importados de Paris, tentando adivinhar razões e porquês sobre nós.
Inevitavelmente, entre nós, esta noite voltou a acontecer – deste-me a mão e eu
tomei-ta para te salvar do drama e da destruição que passava no palco. Foi a segunda
vez que te ancoraste a mim, a primeira aconteceu num daqueles momentos em que te
lia Gil Vicente, porque gostavas e tinhas paciência para moderar o meu português
incorrecto. Nesse serão, lia-te uma carta de Gil Vicente endereçada ao Rei D. João III,
sobre um Terramoto de grandes dimensões que presenciara em Santarém a 26 de
Janeiro de 1531 e sobre o modo como os pregadores justificaram o sucedido, como
sendo castigo divino, amedrontando as populações já por si aterrorizadas pela
destruição e pela morte.

Serviu-te a minha mão para te protegeres da destruição e da ira de Deus. Serviu-me a
carta para me acalmar o receio de te perder.

       Para que voltes a dar-me a mão vou, intencionalmente, falar-te da destruição
da mítica Atlântida, das bíblicas cidades de Sodoma e Gomorra e ainda de Pompeia.




Lisboa, 1 de Novembro de 1755 – Manhã de Domingo

       Hoje é Dia de Todos os Santos. Levantou-se a criadagem de madrugada para
que o Palácio Real tornasse à vida mais cedo que o costume. D. José decidiu fazer-se
acompanhar da sua Corte e hóspedes permanentes, entre os quais me encontro, para
assistir ao primeiro dos muitos serviços religiosos que hoje vão decorrer. Fui ainda
informado que era intenção de el-rei passar o feriado no Palácio de Santa Maria de
Belém de modo a cumprir um desejo das princesas e que se o quisesse podia
igualmente acompanhá-los. Agradeci o convite e pedi licença para que me fosse
concedida a graça de aproveitar o dia em afazeres ligados ao meu ofício, uma vez que
tencionava registar em gravuras algumas das tradições religiosas do povo lisboeta. O
Rei achou pertinência nas minhas intenções e assim vejo-me a guardar a pena, o
tinteiro e as poucas folhas do meu diário, na mesma mala onde guardo as minhas
gravuras e assim carregado, acompanho o Rei à primeira missa do dia.



                                                                                     9
O lugar, 1 de Novembro de 1755 – Tarde de Domingo

“Salvei-me por um visível milagre da mão omnipotente!”

         Não tenho nem palavras, nem cores para pintar o que vejo e o que sinto! Uma
mulher moribunda entendeu-me o braço, não se queria salvar, queria apenas a minha
mão. Chamava-se Maria Josefa e tinha pedido à rainha a graça de ficar em Lisboa
depois da missa.




O lugar, Novembro de 1755 – Não importa o dia nem a hora.


         Naquele dia, 1 de Novembro de 1755, uns vinte minutos depois das 9 horas,
estava eu defronte à Basílica de São Paulo, a desenhar o movimento dos fiéis, quando
se deu o primeiro e forte abalo e outros que se seguiram igualmente aterradores que
causaram fissuras gigantescas e fizeram desmoronar edifícios que nos pareciam
eternos. O desespero e a dependência da providência divina eram totais: um homem
tentava escapar e assim cavava a sua própria sepultura; o filho caindo com o pai
moribundo na cova; a mãe com o bebé nos braços e os filhos acolhendo-se a ela, os
gritos; o espesso fumo; as pessoas fugindo; pessoas paradas apenas esperando a
morte.

         Quando retomei o expediente era tanta a poeira que impedia a vista a duas
braçadas de distância; só passados alguns minutos a dita poeira se foi dissipando.
Sem perder tempo acompanhei a multidão até ao largo mais próximo, seguimos até à
beira-mar, onde nos julgávamos mais seguros. Mas pouco depois de ali termos
chegado, gritou-se que o rio saía furiosamente dos seus limites: facto que redobrou o
nosso pavor, obrigando-nos a retroceder pelo mesmo caminho até um descampado
donde se descobria a cidade por todos os lados, a qual, ao anoitecer, apresentou à
vista o mais horrível espectáculo das chama que a devoravam cujo clarão alumiava,
como se fosse dia.


          Naquele dia percebi o meu encanto pela Máquina Voadora do Padre
Bartolomeu, a necessidade quase visceral de ter asas para voar, de tal forma me senti
amputado de membros que nunca poderia ter. Se os tivesse, não teria levado tanto
tempo a chegar junto a ti e a minha mão ter-te-ia salvo ou teria morrido contigo.




                                                                                    10
O caminho para te encontrar foi demorado, tive de o inventar, nem mesmo os
mais versados na cidade conheciam os sítios que pisavam, confundidos pela visão
apocalíptica que a destruição absurda propagava aos cinco sentidos. A cidade ficou
reduzida a um horroroso deserto, em que não se viam mais que montes de pedras e
cúmulos de cinzas, ficando somente as paredes levantadas, denegridas pelo fogo,
ruínas do que outrora foram ruas povoadas de gente e de vida. Nada poderá voltar a
ser como antes.




Do lugar onde fica a Gazeta de Lisboa, 28 de Novembro de 1755



       A Gazeta de Lisboa foi dos poucos edifícios que não sofreu qualquer tipo de
destruição, por isso continuaram a publicar-se diariamente notícias e gravuras sobre a
catástrofe e sobre as primeiras movimentações para repor organização no caos
instalado. Como tantos outros, fui convocado pelo Primeiro Ministro para tomar parte
nas inúmeras tarefas que não podiam esperar. Naquelas circunstâncias, o que se
poderia exigir a um artista não seria muito diferente do que ao mais comum dos
sobreviventes, por isso, participei em tudo o que me foi pedido até ter fixado actividade
na Gazeta como desenhador. Trabalho num local, onde todos os dias chegam relatos
do sucedido, todos os dias registo em gravura a veracidade desses relatos. E matéria
jornalística não falta; o Terramoto terá feito mais de 100 mil mortos; das 20 mil
habitações da cidade, apenas cerca de 3000 ficaram habitáveis; a Biblioteca Régia e o
Arquivo Real não foram poupados à destruição, desapareceram cerca de 70 mil
volumes e centenas de obras de arte, documentos relativos à exploração oceânica e
outros documentos antigos também foram perdidos, como os registos históricos das
viagens de Vasco da Gama e Cristóvão Colombo, contudo, muitos documentos foram
salvos pela honrosa atitude do velho guarda-mor das escrituras da Torre do Tombo,
que no meio da debandada geral da população conseguiu fazer-se obedecer e retirar
todo o recheio do arquivo nacional da torre que ameaçava ruir a qualquer momento e
o fez colocar no centro da parada do Castelo de São Jorge.

“A Gazeta serve ainda de amontoado de notícias, muitas vezes sem qualquer desejo
de continuidade, de pedaços do que pode sobreviver da memória dos homens e do
seu discurso – como se o sacudido da frase jornalística quisesse corresponder aos
abalos da terra.” Por vezes, guardo no meu diário, laivos dessa memória:

               “ (…) O caminhante, imóvel, assombrado, ou ignorante,



                                                                                      11
Quando nelas por ambas perguntava,


                       Nem já Lisboa, ou Santarém achava.”




Lisboa, 7 de Dezembro de 1756

Voltei a abrir o meu diário, escolhi uma qualquer página em branco, só para registar
que hoje é o meu último dia de trabalho na Gazeta, pois começaram a surgir os
primeiros trabalhos artísticos nos edifícios em construção. As tarefas que me esperam
vão ser muitas e são muitos os que foram chamados ao mesmo serviço. O Ministro e o
Rei contrataram dezenas de arquitectos e engenheiros e, em menos de um ano, já
não se encontram em Lisboa ruínas e os trabalhos de reconstrução vão adiantados. O
Rei deseja uma cidade nova e ordenada, com grandes praças e avenidas largas e
rectilíneas, à semelhança da minha cidade natal. Muitos têm questionado para que
servem ruas tão largas, invariavelmente, o Marquês responde vaticinando que um dia
as acharão pequenas.

       Tal como o rei, o Marquês do Pombal sobreviveu ao Terramoto, mas o
monarca ficou com fobia a recintos fechados e continua a viver na zona de Belém,
numa luxuosa tenda, denominada Real Barraca da Ajuda. Aliás, o rei aparenta muitas
outras fobias e inseguranças, contudo, à excepção de algumas famílias aristocratas e
da Companhia de Jesus, é unânime o reconhecimento de que escolheu muito bem o
seu Primeiro Ministro, um homem enérgico e pragmático que no próprio dia do
Terramoto se mostrou inabalável perante uma catástrofe que pôs tudo em causa. A
sua primeira ordem foi clarividente – “Enterram-se os mortos e cuidam-se dos vivos”,
Depois seguiram-se de forma ininterrupta inúmeras indicações que para além dos
destinatários oficiais, chegavam com oportunidade à Gazeta para que delas se desse
notícia, como por exemplo, um oficio ao Marques do Alegrete, presidente do Senado
da CM de Lisboa, autorizando-o a recorrer ao pessoal e material militares para acudir
à emergência; Uma ordem para procurar o cadáver do Embaixador de Espanha. Nos
dias seguintes ao Terramoto foram inúmeros os ofícios sobre todos os assuntos:
enterramentos; medidas contra a peste; organização de equipas de bombeiros;
alojamento das religiosas; abastecimento da capital; repressão dos latrocínios;
proibição de saída da população ou a requisição de tendas de campanha.




                                                                                  12
Lisboa, 10 de Dezembro de 1756


       Passei o dia na Tenda Real, numa visita de trabalho destinada a vários artistas
e artesãos, onde tive oportunidade de conhecer os planos de reconstrução de vários
bairros da Cidade. Das cinco hipóteses apresentadas pelo Engenheiro-mor do reino,
Manuel da Maia, foi aprovada a reconstrução de raiz da parte baixa da cidade,
aproveitando o “entulho” para regularizar o terreno, sob a proposta de urbanização
apresentada pelo Arquitecto Eugénio dos Santos. Na planta há três ruas principais que
partem do Terreiro do Paço: a Rua do Ouro e a Rua Augusta a terminar no Rossio; a
Rua da Bela Rainha (Rua da Prata) a finalizar na Praça da Figueira. A partir do Rossio
e da Praça do Comércio está prevista uma malha urbana constituída por ruas
longitudinais e transversais, em que os arruamentos secundários assumem as
designações de grupos profissionais (sapateiros, douradores, correeiros, etc.) ou de
inspiração religiosa (S. Julião, S. Nicolau, etc.). Está ainda previsto o melhoramento
dos acessos ao Bairro Alto, suavizando-se a inclinação da Rua da Misericórdia e da
Rua do Carmo. Não foram esquecidos os espaços públicos, os largos, as praças, os
chafarizes, os espaços ajardinados, o saneamento básico e os banhos públicos. As
propostas para as novas habitações incorporam um sistema construtivo anti-sísmico
constituído por madeira e ligado por elementos de ferro designado por “gaiola” e
apresentam a elevação das paredes laterais acima do nível dos telhados como
segurança contra incêndios. Os prédios terão a mesma simetria de portas, janelas e a
mesma altura, a maioria de três pisos, alguns com um quarto piso denominado “águas
furtadas”. As fachadas estão hierarquizadas de acordo com a importância concedida
às ruas (principais ou secundárias) apresentando uma certa sistematização de
padrões, sem grandes preocupações de perfeição estética, valorizando os aspectos
funcionais de acordo com as necessidades.


       Uma arquitectura civil de maiores proporções entregue à iniciativa de
particulares faz igualmente parte das ideias de Manuel da Maia. O que se justifica
pelos inúmeros palácios da antiga Lisboa que foram destruídos, contudo, o engenheiro
referiu as dificuldades em cumprir na totalidade esta parte do Plano, uma vez que a
nobreza tem demonstrado dificuldades económicas para proceder à reconstrução dos
seus palácios de acordo com o planeado. Já o levantamento de novas igrejas deverá
seguir a tradição setecentista a enquadrar no restante processo de reedificação de
Lisboa, em muitos casos as igrejas estão obrigadas a alinhar pela altura dos demais
prédios.




                                                                                   13
Fiquei fascinado pela ideia inovadora da construção anti-sísmica. Amanhã
voltarei à Tenda Real para melhor compreender a sua estrutura e os materiais
utilizados. O arquitecto prometeu-me alguns desenhos que com agrado juntarei ao
meu diário.




Lisboa 11 de Dezembro de 1756

O arquitecto é um homem de palavra!




Lisboa, 7 de Junho de 1775



       Ao longo dos últimos 20 anos, fiz por guardar o
meu diário em parte incerta. Sepultei a minha vontade de escrever, junto do meu



                                                                            14
primeiro amor, debaixo dos escombros das Portas de Santo Antão. Mas não
abandonei totalmente as minhas confissões. No meu diário fui de quando em vez
depositando um artigo da Gazeta, um ou outro aviso régio, uma ou outra gravura da
reconstrução da cidade, palavras mudas, como se contigo estivesse a falar, em
silêncio.


        Regresso a França, pelo mesmo cais que me viu chegar, contudo, de pé no
convés do barco que me levará até Marselha, o cais não me parece o mesmo e Lisboa
mantém apenas uma outra semelhança com a que encontrei em 1752. A mesma
vivacidade, o mesmo Castelo de São Jorge, o mesmo Aqueduto inabalável, todavia,
as ruínas visíveis do Convento do Carmo mantém-se como uma sombra sobre a
Cidade - A Tua Sombra.


        Ontem o rei fez 61 anos e em sua honra inaugurou-se uma grande estátua
equestre que, de acordo com os planos da cidade nova, foi colocada no centro da
Praça do Comércio, a quem todos continuam a chamar Terreiro do Paço. É certo que
a construção da Praça está ainda muito atrasada, do lado oriental ainda só existe o
torreão da Alfândega; do lado ocidental apenas metade dos edifícios estão de pé, o
arco que irá centrar-se no lado norte da Praça ainda não está construído, todavia, o
Marquês ordenou completar o que faltava com um enorme cenário em alvenaria e
madeira a fingir mármore. Três mil e duzentos operários trabalharam dia e noite para
que tudo nos parecesse concluído. O rei e a família real estiveram ausentes da
cerimónia. Ausências fictícias porque não resistiram à curiosidade e viram tudo do
Torreão da Alfândega. Os festejos irão durar 3 dias e os Regimentos fecharam as
entradas da baixa para evitar a presença de gente miserável.


Sem a menor dúvida, é chegada a minha hora de partir…




CONCLUSÃO

O Terramoto de Lisboa constituiu uma autêntica “revolução” que, em primeira
instância, teve como protagonista a força implacável e imprevisível da natureza, daí



                                                                                 15
resultando a transfiguração urbanística da cidade de Lisboa e um enorme impacto
político e socioeconómico na sociedade portuguesa do Século XVIII.

Neste contexto, a reconstrução de Lisboa assume um significado mais político e social
do que propriamente artístico, embora este último não possa ser menosprezado, uma
vez que nela participaram quase todos os vultos das artes de Portugal, estando ainda
na origem dos primeiros estudos científicos sobre os efeitos de um terramoto,
marcando assim o nascimento da moderna sismologia.


       Lisboa, há época da catástrofe, era uma das mais ricas e prósperas capitais da
Europa, contudo, convivia com inúmeros problemas decorrentes da elevada densidade
populacional, sem a melhor correspondência em infra-estruturas. Uma das carências
mais problemáticas era a inexistência de saneamento básico e de rede de distribuição
de água. O lixo doméstico e os detritos eram lançados na via pública. A arquitectura
dos edifícios, o emaranhado de ruas e ruelas acentuavam a imagem desordenada da
cidade e deixavam antever a própria desorganização do Estado.

       Os conceitos racionalistas, geométricos e práticos utilizados na urbanização da
nova cidade, não só a transformaram do ponto de vista estético, aproximando-a da
tendência iluminista de Paris, como permitiram pela mão de um ministro omnipotente a
implementação de políticas que influenciaram e impuseram comportamentos sociais
na população, sobretudo, no seio da nobreza e do clero em deferência ao poder
absoluto do rei, sem tolerância a qualquer desvio ou a qualquer laivo de protagonismo
(os edifícios não podiam ostentar qualquer referência exterior ao estatuto dos seus
proprietários / as novas Igrejas deviam alinhar pelos prédios envolventes).

       As transformações sociais e económicas associadas aos novos conceitos
urbanísticos ultrapassaram as fronteiras da capital e o dinamismo transformador
estendeu-se a todo o reino: criaram-se as companhias das Vinhas do Alto Douro a do
Grão-Pará e Maranhão; protegeu-se a agricultura, a fábrica das sedas em Lisboa, as
de lanifícios da Covilhã, Fundão a Portalegre; a fábrica de vidros da Marinha Grande;
reformou-se a Universidade de Coimbra animaram-se as artes, restabeleceram-se
novas manufacturas; deu-se a liberdade aos índios do Brasil; acabou-se com a
diferença entre cristãos novos e cristãos velhos; atendeu-se à instrução popular
criando escolas em todas as vilas do reino. Criou-se também o Real Colégio dos
Nobres; protegeu-se muito o comércio, obrigando as casas inglesas do país a terem
só empregados portugueses; restringiu-se o poder da Inquisição; fundou-se a
Impressão Régia, hoje Imprensa Nacional.




                                                                                   16
Tratando-se de um trabalho sobre o tema do Urbanismo e sobre a forma como
esta ciência prática está intimamente ligada às tendências do pensamento filosófico,
cultural, artístico e económico, influenciando-se mutuamente ao longo dos respectivos
processos evolutivos, parece-me pertinente atribuir à reformulação urbana da Praça
do Comércio o paradigma do encontro entre o passado absolutista e a modernidade
pré-iluminista característica do século XVIII e da personalidade controversa do
Marquês de Pombal, senão vejamos, o nome da Praça e as actividades aí
desenvolvidas incorporam a segunda tendência e a estátua do Rei D. José , colocada
no centro da Praça mantém o entusiasmo e a exaltação ao poder absoluto do Rei, tão
próximo do elemento central do urbanismo francês e das Praças Reais europeias que
iniciarão um percurso em sentido oposto após a Revolução Francesa do final do
século.




BIBLIOGRAFIA


Helena Carvalho Buescu & Gonçalo Cordeiro. O Grande Terramoto de Lisboa. Ficar
Diferente. Fundação Cidade de Lisboa: Gradiva




                                                                                  17
José Hermano Saraiva. História de Portugal. 1640 – Actualidade. Edição de Selecções
do Reader’s Digest, SARL: Publicações Alfa

Notas sobre o Palácio Nacional de Belém


      http://pt.wikipedia.org/wiki/Pal%C3%A1cio_Nacional_de_Bel%C3%A9m

Notas sobre a reconstrução da Cidade de Lisboa e sobre o Terramoto


      http://revelarlx.cm-lisboa.pt/gca/?id=142

Página do Livro de Óbitos da Freguesia de São José


      http://www.jf-sjose.pt/slpage.php?page=33

Notas sobre o Marquês de Pombal


      http://pt.wikipedia.org/wiki/Marqu%C3%AAs_de_Pombal

Notas sobre Gaiola Pombalina


      http://www-ext.lnec.pt/LNEC/DE/NESDE/divulgacao/gaiol_const_sism.html

Imagens


      http://images.googles.pt

             Lisboa antes do Terramoto


             Lisboa depois do Terramoto


             Lisboa Pombalina


             Passarola de Bartolomeu de Gusmão


             Naus Portuguesas




                                                                                18

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Caracterização de Lisboa antes e depois do terramoto de 1755

  • 1. AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DA QUINTA DO CONDE EBI DA QUINTA DO CONDE CURSO EFA – NIVEL SECUNDÁRIO CLC UFCD 6 Caracterização Urbanística de Lisboa antes e depois do terramoto de 1755 Elaborado por Maria Helena Cordeiro Disciplinas CLC 1 / CLC 6 Professoras: Raquel Alves / Rute Gomes Quinta do Conde, 23 de Fevereiro de 2010 1
  • 2. ÍNDICE Introdução……………………………………………………………………………………... 3 O Diário de Pierre Louis Chardin …………………………………………………………….5 Lisboa, 28 de Outubro de 1755 - 4ª feira …………………………………………. 5 Lisboa, 29 de Outubro de 1755 – 5ª feira ………………………………………… 6 Lisboa, 30 de Outubro de 1755 – 6ª Feira …………………………………………8 Lisboa, 31 de Outubro de 1755 – Sábado …………………………………………9 Lisboa, 1 de Novembro de 1755 – Manhã de Domingo ……………………….....9 O lugar, 1 de Novembro de 1755 – Tarde de Domingo …………………………10 O lugar, Novembro de 1755 – Não importa o dia nem a hora ………………….10 Do lugar onde fica a Gazeta de Lisboa, 28 de Novembro de 1755 ……………11 Lisboa, 7 de Dezembro de 1756 …………………………………………………. 12 Lisboa, 10 de Dezembro de 1756 …………………………………………………13 Lisboa, 11 de Dezembro de 1756 ……………………………………………….14 Lisboa, 7 de Junho de 1775 ……………………………………………………... 15 Conclusão…………………………………………………………………………………….16 Bibliografia…………………………………………………………………………………….18 2
  • 3. INTRODUÇÃO Um Diário escreve-se depois de estar gravado nas horas passadas do autor, que se “canta” a si próprio a partir da genuína necessidade de conversar com as palavras e com os sentimentos. Os Diários coexistem ainda com a autenticidade, podem fugir da realidade pelo dom da imaginação, dos sonhos e da literatura, mas não podem esconder-se da verdade - “Um espelho nunca mente!” Não se enfade o leitor, com o primeiro parágrafo, pois apenas pretende obter clemência e absolvição perante a mais que provável incapacidade da autora em encarnar a personagem escolhida para retratar uma época e um acontecimento que não experimentou. No entanto, em jeito de confissão, a autora assevera que o desafio colocado é entusiasmante porque a obrigará a viajar, a descobrir e a ultrapassar as fronteiras do tempo. Contudo, a proposta de realização deste diário, para além do seu pendor lírico e em certa medida romântico, tem um sentido objectivo que se prende com a caracterização urbanística de Lisboa do pré e pós Terramoto de 1755, o que, inevitavelmente, afectará a história contada por um sobrevivente da catástrofe, ao conceito de Urbanismo enquanto ciência que estuda a organização, o planeamento e o ordenamento das cidades e a sua evolução. Pierre Louis Chardin é o sobrevivente, o contador da História e das estórias que se foram reconstruindo sobre as ruínas da cidade e dos seus habitantes, uma cidade que tratava por tu, revendo-se, tanto na sua luminosidade como no seu lado mais obscuro. Capaz de a desenhar de olhos fechados, incapaz de viver sem o reboliço das suas gentes. Pintor e retratista da reconhecida escola francesa, nasceu em Paris a 8 de Agosto de 1709, no preciso dia em que o Padre Bartolomeu de Gusmão, sobrevoou um pedacinho do céu de Lisboa, entre a Praça de Armas do Castelo de São Jorge e o Terreiro do Paço, na sua deslumbrante “Passarola”, mais tarde retratada por José Saramago no romance Memorial do Convento, como quem une o tempo dos homens, desafiando noções metafísicas, experimentando a capacidade de visionar o passado, o presente e o futuro num momento, só possível, pela força de “pelo menos duas mil vontades” recolhidas por Blimunda, uma mulher humilde que detinha o dom extraordinário de olhar o interior das pessoas e da terra (acaso fosse real que importância singular teria tido esta mulher nos acontecimentos do Terramoto de 1755?). 3
  • 4. Pierre Chardin descobre nos livros a relação entre o dia do seu nascimento e a arrojada experiência de Bartolomeu de Gusmão e, na primeira oportunidade, ruma a Lisboa integrando um grupo de artistas francófonos contratados por D. José I, el-Rei de Portugal, para aprimorar os aposentos reais e, no tempo livre concedido, procurar o melhor lugar para imaginar e pintar a “Passarola” do Padre Voador. Todavia, o destino, a modos que premonitório, traçar-lhe-á um caminho sinuoso e tectónico, onde um dia desejará verdadeiramente ter asas para poder voar. O DIÁRIO de Pierre Louis Chardin Lisboa, 28 de Outubro de 1755 - 4ª feira Eu e Tu… Não sei porquê, mas até hoje, nunca senti necessidade de expressar pensamentos ou emoções através da escrita, sempre preferi pintar, a cores ou sem cores, conforme a bolina tempestiva da minha vontade, rápida no traço e na interpretação do que vejo e do que sinto. Escrever torna-se mais difícil porque me coloca na posição de observado, invulgar num pintor. Obriga-me a expor em letras 4
  • 5. bem desenhadas, aquilo que sempre procurei esconder de mim próprio. Dói, saber quem sou… - Não me admira a nostalgia, está cada vez mais aportuguesado! Disse-me hoje, a resoluta Maria Josefa, uma das camareiras da Rainha D. Mariana Vitória (que por um acaso lisonjeiro se ocupou de mim), e continuou: - Afinal, tanto tempo e tanto trabalho para pintar a figura do Rei enamorado pela Rainha, quando na real verdade, nem se podem encostar um ao outro. Da última vez que o fizeram, foi tamanha a coscuvilhice na Corte, só porque a Rainha recomendou um banho a sua Alteza e em boa razão o fez. Mas claro, o retrato pintado por Vossa Senhoria não deita cheiro e puxa pela imaginação de sua majestade. Oh, se puxa! Mais valia a Vossa Senhoria, subir ao Convento dos Jesuítas, donde se descobre a cidade inteiriça e pintar todas as cores do rio. Ora vá, vá! Ficaria com o semblante bem mais aliviado. Maria Josefa… a formosa e maroteia Maria Josefa. Tão bem me conhece! Levá-la-ia comigo na viajem que nunca fiz, talvez um dia encontre a coragem para lhe falar sobre as cores da cidade onde aprendi a amar a luz e as sombras, para a convidar a acreditar e a tomar lugar no “Pássaro Gigante” do Padre Bartolomeu de Gusmão, cuja história me trouxe a Lisboa e a assentar no número sete da Rue Saint Martin sur-Seine, em Paris, onde da janela das águas furtadas, os dois, de mãos dadas e pensamentos lavados pelo respeitável rio Sena, poderíamos assistir ao espectáculo da civilização parisiense, com epicentro nos hábitos refinados e elegantes dos passeantes talvez influenciados pela majestade das ruas largas, limpas e iluminadas, pela simetria colorida dos jardins, pela moldura das Praça que convidam a ficar e a observar cada monumento que ostentam. Rodeados pela beleza que desperta os sentidos, nós, Maria Josefa, mesmo assim, teríamos saudades da desordem e dos sons de Lisboa. Lisboa, 29 de Outubro de 1755 – 5ª feira Cheguei à procura de encontrar… Faz hoje precisamente três anos que cheguei a Lisboa. Cheguei e fiquei, numa cidade que conhecia apenas de gravuras, de histórias e de conversas circunstanciais. Parti de Paris acompanhado por François Boucher e Maurice La Tour, a convite do Marquês de Pombal, ministro do reino, para dotar os interiores Palácio de Belém, 5
  • 6. residência de verão da família real, com algumas obras artísticas que permitissem à Corte portuguesa acompanhar a modernidade. A viagem fi-la por mar a partir de Marselha, numa imponente nau de três mastros. À chegada, o sol, habitualmente ausente de Paris no mês de Outubro, brilhava ainda em Lisboa, o vento soprava de feição e a nau esventrou o rio que se deixou cortar pela proa, como que a dizer “bem vindos” sugando-nos gentilmente para a margem esquerda, deixando antever um tecido urbano confuso e matizado por paisagens rurais. Ao fundo avistava-se um aqueduto, cujo impacto visual dava profundidade à cidade, mas as fachadas dos prédios, viradas para o rio, devolviam à urbe o carácter ribeirinho dos seus habitantes que dele retiravam todo o seu rendimento e prosperidade. Antes de pisar terra firme, procurei fixar a imagem do Tejo, irreverente, desafiador, mestiço, tão diferente do meu rio Sena, ordenado e submisso ao sentido estético dos homens. Perante a liberdade do Tejo, lamentei o meu rio emparedado e serviçal. Já em terra, num lugar chamado de Terreiro do Paço, um moço acercou-se de nós e em bom português ter-nos-á dito que estava ali para nos ajudar. Naturalmente, as poucas palavras que aprendemos durante a viajem não nos permitiram perceber exactamente o que nos disse. Então, numa sinalética agitada, encaminhou-nos para os Estaleiros Reais, aguardámos o tempo suficiente para compreender que aquele lugar era o coração comercial e cerimonial da cidade, centrado no Palácio Real, construído mesmo em frente ao rio, ao lado da Casa da Índia, da Alfandega, e dos Estaleiros Reais, onde nos encontrávamos. Lisboa era de facto uma das mais ricas capitais da Europa, a par de Paris, Londres e Nápoles. Um grande porto que beneficiava do refúgio proporcionado pelo estuário do Tejo, do seu fácil acesso ao Atlântico e das relações coloniais com a Ásia, África e as Américas. Naquele lugar de intenso comercio, os mercadores negociavam produtos e animais exóticos, especiarias, tecidos sumptuosos, ouro e escravos. Estávamos perante a fonte da receita colonial portuguesa que, pese embora a riqueza por essa via adquirida, não dissipa a imagem antiquada, habitualmente atribuída a Lisboa nos círculos artísticos e filosóficos de Paris, onde nas mentes dos pensadores iluministas, Portugal é uma nação enredada no obscurantismo e para isso, muito têm contribuído os autos-de-fé da Inquisição e a expiação dos condenados à fogueira e ao degredo, que têm lugar na principal praça de Lisboa. 6
  • 7. Com os pensamentos confundidos e enfeitiçado pelo movimento das gentes, não me apercebi da presença do ministro do reino que se escusava pelo atraso, cumprimentou-nos num francês perceptível, mas pouco entusiasmado, pois era conhecida a sua preferência pela língua portuguesa, bem como, pelos artesãos e artistas nacionais. Dirigimo-nos a um coche com as armas reais, onde cada um se aconchegou junto às janelas. À voz do cocheiro, incitados pelo chicote, os cavalos iniciaram em marcha branda a minha primeira e última viagem ao lado de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. Agradado em nos dar a conhecer a cidade, o Marquês dera ordens para tomarmos o caminho mais longo até ao Palácio de Belém, lugar onde iríamos assentar nos próximos anos. Procurava distrair-nos dos aspectos mais insalubres da cidade, da sujidade das ruelas estreitas e dos becos desordenados e escuros, onde se situavam diversas lojas de mercadorias e retalhistas, construídos sob solo aluvial entre colinas íngremes e na parte oriental, sob os muros da velha cidadela do Castelo de S. Jorge. Elevava o braço e ia apontando o Convento do Carmo, o vizinho Convento da Trindade, a Catedral e os demais nobres edifícios da cidade até chegarmos a uma larga praça pública chamada Rossio, localizada mais para o interior norte da cidade. No essencial, o Marquês explicava que entre o Terreiro do Paço e o Rossio, havíamos percorrido uma área que os lisboetas designavam de “baixa” e que constituía a tradição árabe - medieval da cidade: - Lisboa está em franca expansão para Ocidente, todos os dias chegam novos habitantes, estima-se uma população entre 160 000 e 200 000 mil pessoas, o que nos traz preocupação. Explicou o Primeiro-Ministro, acrescentando: - De certo repararam no Aqueduto, o mais notável do Reino de Portugal. Visitem-no de perto quando Vos aprouver. A sua construção iniciada no ano de 1729 levou vinte anos a concluir e a resolver parte do problema de abastecimento de água. Há que reconhecer o muito que os Romanos nos ensinaram sobre a arte de construir uma cidade. Roma foi a primeira cidade planeada com rede de águas públicas, rede de esgotos, edifícios culturais, políticos e religiosos, ruas largas em torno de praças centrais, nesta matéria, meus caros, como podem ver, Lisboa está francamente atrasada. Para Vos dizer a verdade, só mesmo uma revolução. Fez um sinal circular com o dedo e o cocheiro retrocedeu, rumámos à margem do rio, desta feita pelo lado mais ocidental, para onde a cidade continuava a expandir- se e onde se situavam muitos edifícios religiosos e os Palácios da aristocracia de 7
  • 8. estilo barroco e maneirista. Dirigimo-nos para o Palácio de Belém, onde logo no primeiro dia te conheci, Maria Josefa. Lisboa, 30 de Outubro de 1755 – 6ª Feira Maria Josefa, tenho 46 anos, casei-me com os meus hábitos – pintar, desenhar, ler, conversar, viajar, discutir, comer e beber. Mas, desde que cheguei a Lisboa sinto que me espera algo ou alguém. Contudo, passados três anos continuo a viver e conviver quase exclusivamente com os meus hábitos: Pintei um retrato romântico de el-Rei, cumpri a promessa de desenhar a “Passarola” de Bartolomeu de Gusmão, cuja imagem encontrei na Real Biblioteca. Li todas as obras de Gil Vicente que aí encontrei e todos os livros da tua preferência, conversei em francês, inglês, italiano e finalmente em bom português. Levei-te comigo a Mafra, onde Portugal enterra o ouro do Brasil, num imponente e magnânimo Convento. Discuti, comi e bebi que baste, mas quase nunca contigo. Neste final de dia escrevo junto à janela de um quarto confortável, aquecido e iluminado. Nada igual ao lugar onde fomos hoje, onde todos os dias deixas um pouco de ti, onde vivem os teus pais, os teus irmãos, os teus amigos, numa ruela com pouco mais de três metros de largo, escura e húmida, igual a tantas outras, com o cheiro próprio dos animais que vagueiam livremente, aproveitando-se do lixo doméstico deitado para a rua e das mulas dos aguadeiros que se encontram presas a argolas de ferro forjado e ali permanecem comendo e bebendo do que lhes dão e, por força da natureza, enchendo as ruas de excrementos que ninguém limpa. Entrámos numa casa construída em pedra e barro, de janelas pequenas e uma porta estreita e baixa por onde entrei curvado e curvado fiquei dentro de um pequeno quarto que tinha de altura menos 10 cm que eu. A tua mãe chegou-me providencialmente uma cadeira e serviu-me numa malga um delicioso vinho, semelhante ao que serviam no Palácio e tu, maroteia, piscaste-me o olho. Levaste-me depois pelas Portas de Santo Antão e subimos ao Alto de Santa Catarina, donde mirámos o rio horas sem fim, sem dizer uma palavra até que te prometi: – Amanhã, vamos à Ópera! Lisboa, 31 de Outubro de 1755 – Sábado O Teatro da Ópera do Tejo, um edifício sumptuoso, decorado a branco e dourado, resultado da genialidade de Giovanni Bibiena, membro de uma prestigiada família de arquitectos e cenógrafos teatrais e da paixão do Rei pela música, foi 8
  • 9. inaugurado com pompa e circunstância a 2 de Abril de 1755, durante as comemorações do aniversário da Rainha. A sala com 60 m de comprimento 32,40 m de altura 38 camarotes e 600 lugares na plateia, recebeu-nos às 19 horas para assistir ao espectáculo em Cartaz “ A destruição de Tróia”. Entraste no adro principal deslumbrante e ficaste deslumbrada. O brilho que trazias no rosto inundou a Plateia e subiu aos Camarotes, donde altaneiras, as damas aristocratas nos miravam por binóculos importados de Paris, tentando adivinhar razões e porquês sobre nós. Inevitavelmente, entre nós, esta noite voltou a acontecer – deste-me a mão e eu tomei-ta para te salvar do drama e da destruição que passava no palco. Foi a segunda vez que te ancoraste a mim, a primeira aconteceu num daqueles momentos em que te lia Gil Vicente, porque gostavas e tinhas paciência para moderar o meu português incorrecto. Nesse serão, lia-te uma carta de Gil Vicente endereçada ao Rei D. João III, sobre um Terramoto de grandes dimensões que presenciara em Santarém a 26 de Janeiro de 1531 e sobre o modo como os pregadores justificaram o sucedido, como sendo castigo divino, amedrontando as populações já por si aterrorizadas pela destruição e pela morte. Serviu-te a minha mão para te protegeres da destruição e da ira de Deus. Serviu-me a carta para me acalmar o receio de te perder. Para que voltes a dar-me a mão vou, intencionalmente, falar-te da destruição da mítica Atlântida, das bíblicas cidades de Sodoma e Gomorra e ainda de Pompeia. Lisboa, 1 de Novembro de 1755 – Manhã de Domingo Hoje é Dia de Todos os Santos. Levantou-se a criadagem de madrugada para que o Palácio Real tornasse à vida mais cedo que o costume. D. José decidiu fazer-se acompanhar da sua Corte e hóspedes permanentes, entre os quais me encontro, para assistir ao primeiro dos muitos serviços religiosos que hoje vão decorrer. Fui ainda informado que era intenção de el-rei passar o feriado no Palácio de Santa Maria de Belém de modo a cumprir um desejo das princesas e que se o quisesse podia igualmente acompanhá-los. Agradeci o convite e pedi licença para que me fosse concedida a graça de aproveitar o dia em afazeres ligados ao meu ofício, uma vez que tencionava registar em gravuras algumas das tradições religiosas do povo lisboeta. O Rei achou pertinência nas minhas intenções e assim vejo-me a guardar a pena, o tinteiro e as poucas folhas do meu diário, na mesma mala onde guardo as minhas gravuras e assim carregado, acompanho o Rei à primeira missa do dia. 9
  • 10. O lugar, 1 de Novembro de 1755 – Tarde de Domingo “Salvei-me por um visível milagre da mão omnipotente!” Não tenho nem palavras, nem cores para pintar o que vejo e o que sinto! Uma mulher moribunda entendeu-me o braço, não se queria salvar, queria apenas a minha mão. Chamava-se Maria Josefa e tinha pedido à rainha a graça de ficar em Lisboa depois da missa. O lugar, Novembro de 1755 – Não importa o dia nem a hora. Naquele dia, 1 de Novembro de 1755, uns vinte minutos depois das 9 horas, estava eu defronte à Basílica de São Paulo, a desenhar o movimento dos fiéis, quando se deu o primeiro e forte abalo e outros que se seguiram igualmente aterradores que causaram fissuras gigantescas e fizeram desmoronar edifícios que nos pareciam eternos. O desespero e a dependência da providência divina eram totais: um homem tentava escapar e assim cavava a sua própria sepultura; o filho caindo com o pai moribundo na cova; a mãe com o bebé nos braços e os filhos acolhendo-se a ela, os gritos; o espesso fumo; as pessoas fugindo; pessoas paradas apenas esperando a morte. Quando retomei o expediente era tanta a poeira que impedia a vista a duas braçadas de distância; só passados alguns minutos a dita poeira se foi dissipando. Sem perder tempo acompanhei a multidão até ao largo mais próximo, seguimos até à beira-mar, onde nos julgávamos mais seguros. Mas pouco depois de ali termos chegado, gritou-se que o rio saía furiosamente dos seus limites: facto que redobrou o nosso pavor, obrigando-nos a retroceder pelo mesmo caminho até um descampado donde se descobria a cidade por todos os lados, a qual, ao anoitecer, apresentou à vista o mais horrível espectáculo das chama que a devoravam cujo clarão alumiava, como se fosse dia. Naquele dia percebi o meu encanto pela Máquina Voadora do Padre Bartolomeu, a necessidade quase visceral de ter asas para voar, de tal forma me senti amputado de membros que nunca poderia ter. Se os tivesse, não teria levado tanto tempo a chegar junto a ti e a minha mão ter-te-ia salvo ou teria morrido contigo. 10
  • 11. O caminho para te encontrar foi demorado, tive de o inventar, nem mesmo os mais versados na cidade conheciam os sítios que pisavam, confundidos pela visão apocalíptica que a destruição absurda propagava aos cinco sentidos. A cidade ficou reduzida a um horroroso deserto, em que não se viam mais que montes de pedras e cúmulos de cinzas, ficando somente as paredes levantadas, denegridas pelo fogo, ruínas do que outrora foram ruas povoadas de gente e de vida. Nada poderá voltar a ser como antes. Do lugar onde fica a Gazeta de Lisboa, 28 de Novembro de 1755 A Gazeta de Lisboa foi dos poucos edifícios que não sofreu qualquer tipo de destruição, por isso continuaram a publicar-se diariamente notícias e gravuras sobre a catástrofe e sobre as primeiras movimentações para repor organização no caos instalado. Como tantos outros, fui convocado pelo Primeiro Ministro para tomar parte nas inúmeras tarefas que não podiam esperar. Naquelas circunstâncias, o que se poderia exigir a um artista não seria muito diferente do que ao mais comum dos sobreviventes, por isso, participei em tudo o que me foi pedido até ter fixado actividade na Gazeta como desenhador. Trabalho num local, onde todos os dias chegam relatos do sucedido, todos os dias registo em gravura a veracidade desses relatos. E matéria jornalística não falta; o Terramoto terá feito mais de 100 mil mortos; das 20 mil habitações da cidade, apenas cerca de 3000 ficaram habitáveis; a Biblioteca Régia e o Arquivo Real não foram poupados à destruição, desapareceram cerca de 70 mil volumes e centenas de obras de arte, documentos relativos à exploração oceânica e outros documentos antigos também foram perdidos, como os registos históricos das viagens de Vasco da Gama e Cristóvão Colombo, contudo, muitos documentos foram salvos pela honrosa atitude do velho guarda-mor das escrituras da Torre do Tombo, que no meio da debandada geral da população conseguiu fazer-se obedecer e retirar todo o recheio do arquivo nacional da torre que ameaçava ruir a qualquer momento e o fez colocar no centro da parada do Castelo de São Jorge. “A Gazeta serve ainda de amontoado de notícias, muitas vezes sem qualquer desejo de continuidade, de pedaços do que pode sobreviver da memória dos homens e do seu discurso – como se o sacudido da frase jornalística quisesse corresponder aos abalos da terra.” Por vezes, guardo no meu diário, laivos dessa memória: “ (…) O caminhante, imóvel, assombrado, ou ignorante, 11
  • 12. Quando nelas por ambas perguntava, Nem já Lisboa, ou Santarém achava.” Lisboa, 7 de Dezembro de 1756 Voltei a abrir o meu diário, escolhi uma qualquer página em branco, só para registar que hoje é o meu último dia de trabalho na Gazeta, pois começaram a surgir os primeiros trabalhos artísticos nos edifícios em construção. As tarefas que me esperam vão ser muitas e são muitos os que foram chamados ao mesmo serviço. O Ministro e o Rei contrataram dezenas de arquitectos e engenheiros e, em menos de um ano, já não se encontram em Lisboa ruínas e os trabalhos de reconstrução vão adiantados. O Rei deseja uma cidade nova e ordenada, com grandes praças e avenidas largas e rectilíneas, à semelhança da minha cidade natal. Muitos têm questionado para que servem ruas tão largas, invariavelmente, o Marquês responde vaticinando que um dia as acharão pequenas. Tal como o rei, o Marquês do Pombal sobreviveu ao Terramoto, mas o monarca ficou com fobia a recintos fechados e continua a viver na zona de Belém, numa luxuosa tenda, denominada Real Barraca da Ajuda. Aliás, o rei aparenta muitas outras fobias e inseguranças, contudo, à excepção de algumas famílias aristocratas e da Companhia de Jesus, é unânime o reconhecimento de que escolheu muito bem o seu Primeiro Ministro, um homem enérgico e pragmático que no próprio dia do Terramoto se mostrou inabalável perante uma catástrofe que pôs tudo em causa. A sua primeira ordem foi clarividente – “Enterram-se os mortos e cuidam-se dos vivos”, Depois seguiram-se de forma ininterrupta inúmeras indicações que para além dos destinatários oficiais, chegavam com oportunidade à Gazeta para que delas se desse notícia, como por exemplo, um oficio ao Marques do Alegrete, presidente do Senado da CM de Lisboa, autorizando-o a recorrer ao pessoal e material militares para acudir à emergência; Uma ordem para procurar o cadáver do Embaixador de Espanha. Nos dias seguintes ao Terramoto foram inúmeros os ofícios sobre todos os assuntos: enterramentos; medidas contra a peste; organização de equipas de bombeiros; alojamento das religiosas; abastecimento da capital; repressão dos latrocínios; proibição de saída da população ou a requisição de tendas de campanha. 12
  • 13. Lisboa, 10 de Dezembro de 1756 Passei o dia na Tenda Real, numa visita de trabalho destinada a vários artistas e artesãos, onde tive oportunidade de conhecer os planos de reconstrução de vários bairros da Cidade. Das cinco hipóteses apresentadas pelo Engenheiro-mor do reino, Manuel da Maia, foi aprovada a reconstrução de raiz da parte baixa da cidade, aproveitando o “entulho” para regularizar o terreno, sob a proposta de urbanização apresentada pelo Arquitecto Eugénio dos Santos. Na planta há três ruas principais que partem do Terreiro do Paço: a Rua do Ouro e a Rua Augusta a terminar no Rossio; a Rua da Bela Rainha (Rua da Prata) a finalizar na Praça da Figueira. A partir do Rossio e da Praça do Comércio está prevista uma malha urbana constituída por ruas longitudinais e transversais, em que os arruamentos secundários assumem as designações de grupos profissionais (sapateiros, douradores, correeiros, etc.) ou de inspiração religiosa (S. Julião, S. Nicolau, etc.). Está ainda previsto o melhoramento dos acessos ao Bairro Alto, suavizando-se a inclinação da Rua da Misericórdia e da Rua do Carmo. Não foram esquecidos os espaços públicos, os largos, as praças, os chafarizes, os espaços ajardinados, o saneamento básico e os banhos públicos. As propostas para as novas habitações incorporam um sistema construtivo anti-sísmico constituído por madeira e ligado por elementos de ferro designado por “gaiola” e apresentam a elevação das paredes laterais acima do nível dos telhados como segurança contra incêndios. Os prédios terão a mesma simetria de portas, janelas e a mesma altura, a maioria de três pisos, alguns com um quarto piso denominado “águas furtadas”. As fachadas estão hierarquizadas de acordo com a importância concedida às ruas (principais ou secundárias) apresentando uma certa sistematização de padrões, sem grandes preocupações de perfeição estética, valorizando os aspectos funcionais de acordo com as necessidades. Uma arquitectura civil de maiores proporções entregue à iniciativa de particulares faz igualmente parte das ideias de Manuel da Maia. O que se justifica pelos inúmeros palácios da antiga Lisboa que foram destruídos, contudo, o engenheiro referiu as dificuldades em cumprir na totalidade esta parte do Plano, uma vez que a nobreza tem demonstrado dificuldades económicas para proceder à reconstrução dos seus palácios de acordo com o planeado. Já o levantamento de novas igrejas deverá seguir a tradição setecentista a enquadrar no restante processo de reedificação de Lisboa, em muitos casos as igrejas estão obrigadas a alinhar pela altura dos demais prédios. 13
  • 14. Fiquei fascinado pela ideia inovadora da construção anti-sísmica. Amanhã voltarei à Tenda Real para melhor compreender a sua estrutura e os materiais utilizados. O arquitecto prometeu-me alguns desenhos que com agrado juntarei ao meu diário. Lisboa 11 de Dezembro de 1756 O arquitecto é um homem de palavra! Lisboa, 7 de Junho de 1775 Ao longo dos últimos 20 anos, fiz por guardar o meu diário em parte incerta. Sepultei a minha vontade de escrever, junto do meu 14
  • 15. primeiro amor, debaixo dos escombros das Portas de Santo Antão. Mas não abandonei totalmente as minhas confissões. No meu diário fui de quando em vez depositando um artigo da Gazeta, um ou outro aviso régio, uma ou outra gravura da reconstrução da cidade, palavras mudas, como se contigo estivesse a falar, em silêncio. Regresso a França, pelo mesmo cais que me viu chegar, contudo, de pé no convés do barco que me levará até Marselha, o cais não me parece o mesmo e Lisboa mantém apenas uma outra semelhança com a que encontrei em 1752. A mesma vivacidade, o mesmo Castelo de São Jorge, o mesmo Aqueduto inabalável, todavia, as ruínas visíveis do Convento do Carmo mantém-se como uma sombra sobre a Cidade - A Tua Sombra. Ontem o rei fez 61 anos e em sua honra inaugurou-se uma grande estátua equestre que, de acordo com os planos da cidade nova, foi colocada no centro da Praça do Comércio, a quem todos continuam a chamar Terreiro do Paço. É certo que a construção da Praça está ainda muito atrasada, do lado oriental ainda só existe o torreão da Alfândega; do lado ocidental apenas metade dos edifícios estão de pé, o arco que irá centrar-se no lado norte da Praça ainda não está construído, todavia, o Marquês ordenou completar o que faltava com um enorme cenário em alvenaria e madeira a fingir mármore. Três mil e duzentos operários trabalharam dia e noite para que tudo nos parecesse concluído. O rei e a família real estiveram ausentes da cerimónia. Ausências fictícias porque não resistiram à curiosidade e viram tudo do Torreão da Alfândega. Os festejos irão durar 3 dias e os Regimentos fecharam as entradas da baixa para evitar a presença de gente miserável. Sem a menor dúvida, é chegada a minha hora de partir… CONCLUSÃO O Terramoto de Lisboa constituiu uma autêntica “revolução” que, em primeira instância, teve como protagonista a força implacável e imprevisível da natureza, daí 15
  • 16. resultando a transfiguração urbanística da cidade de Lisboa e um enorme impacto político e socioeconómico na sociedade portuguesa do Século XVIII. Neste contexto, a reconstrução de Lisboa assume um significado mais político e social do que propriamente artístico, embora este último não possa ser menosprezado, uma vez que nela participaram quase todos os vultos das artes de Portugal, estando ainda na origem dos primeiros estudos científicos sobre os efeitos de um terramoto, marcando assim o nascimento da moderna sismologia. Lisboa, há época da catástrofe, era uma das mais ricas e prósperas capitais da Europa, contudo, convivia com inúmeros problemas decorrentes da elevada densidade populacional, sem a melhor correspondência em infra-estruturas. Uma das carências mais problemáticas era a inexistência de saneamento básico e de rede de distribuição de água. O lixo doméstico e os detritos eram lançados na via pública. A arquitectura dos edifícios, o emaranhado de ruas e ruelas acentuavam a imagem desordenada da cidade e deixavam antever a própria desorganização do Estado. Os conceitos racionalistas, geométricos e práticos utilizados na urbanização da nova cidade, não só a transformaram do ponto de vista estético, aproximando-a da tendência iluminista de Paris, como permitiram pela mão de um ministro omnipotente a implementação de políticas que influenciaram e impuseram comportamentos sociais na população, sobretudo, no seio da nobreza e do clero em deferência ao poder absoluto do rei, sem tolerância a qualquer desvio ou a qualquer laivo de protagonismo (os edifícios não podiam ostentar qualquer referência exterior ao estatuto dos seus proprietários / as novas Igrejas deviam alinhar pelos prédios envolventes). As transformações sociais e económicas associadas aos novos conceitos urbanísticos ultrapassaram as fronteiras da capital e o dinamismo transformador estendeu-se a todo o reino: criaram-se as companhias das Vinhas do Alto Douro a do Grão-Pará e Maranhão; protegeu-se a agricultura, a fábrica das sedas em Lisboa, as de lanifícios da Covilhã, Fundão a Portalegre; a fábrica de vidros da Marinha Grande; reformou-se a Universidade de Coimbra animaram-se as artes, restabeleceram-se novas manufacturas; deu-se a liberdade aos índios do Brasil; acabou-se com a diferença entre cristãos novos e cristãos velhos; atendeu-se à instrução popular criando escolas em todas as vilas do reino. Criou-se também o Real Colégio dos Nobres; protegeu-se muito o comércio, obrigando as casas inglesas do país a terem só empregados portugueses; restringiu-se o poder da Inquisição; fundou-se a Impressão Régia, hoje Imprensa Nacional. 16
  • 17. Tratando-se de um trabalho sobre o tema do Urbanismo e sobre a forma como esta ciência prática está intimamente ligada às tendências do pensamento filosófico, cultural, artístico e económico, influenciando-se mutuamente ao longo dos respectivos processos evolutivos, parece-me pertinente atribuir à reformulação urbana da Praça do Comércio o paradigma do encontro entre o passado absolutista e a modernidade pré-iluminista característica do século XVIII e da personalidade controversa do Marquês de Pombal, senão vejamos, o nome da Praça e as actividades aí desenvolvidas incorporam a segunda tendência e a estátua do Rei D. José , colocada no centro da Praça mantém o entusiasmo e a exaltação ao poder absoluto do Rei, tão próximo do elemento central do urbanismo francês e das Praças Reais europeias que iniciarão um percurso em sentido oposto após a Revolução Francesa do final do século. BIBLIOGRAFIA Helena Carvalho Buescu & Gonçalo Cordeiro. O Grande Terramoto de Lisboa. Ficar Diferente. Fundação Cidade de Lisboa: Gradiva 17
  • 18. José Hermano Saraiva. História de Portugal. 1640 – Actualidade. Edição de Selecções do Reader’s Digest, SARL: Publicações Alfa Notas sobre o Palácio Nacional de Belém http://pt.wikipedia.org/wiki/Pal%C3%A1cio_Nacional_de_Bel%C3%A9m Notas sobre a reconstrução da Cidade de Lisboa e sobre o Terramoto http://revelarlx.cm-lisboa.pt/gca/?id=142 Página do Livro de Óbitos da Freguesia de São José http://www.jf-sjose.pt/slpage.php?page=33 Notas sobre o Marquês de Pombal http://pt.wikipedia.org/wiki/Marqu%C3%AAs_de_Pombal Notas sobre Gaiola Pombalina http://www-ext.lnec.pt/LNEC/DE/NESDE/divulgacao/gaiol_const_sism.html Imagens http://images.googles.pt Lisboa antes do Terramoto Lisboa depois do Terramoto Lisboa Pombalina Passarola de Bartolomeu de Gusmão Naus Portuguesas 18