2. Debaixo de tanto calor,
o pássaro arranjou um ramo verde e fresco,
e pôs-se a falar.
3. O pássaro perguntava-me:
"Lembras-te das grandes árvores,
com lágrimas douradas de resina?“
Respondi-lhe que sim, que me lembrava,
que naquele tempo ouvíramos falar em âmbar,
e queríamos fazer colares de resina:
mas em nossas mãos ela perdia a transparência..
4. "Lembras-te dos cajus maduros,
caindo fofamente na folhagem morta do chão?"
Respondi-lhe que sim, que ainda os via,
muito longe, amarelos e túrgidos,
às vezes, rebentados, na queda,
escorrendo, perfumosos, sumo doce.
5. " Lembras-te das rodelinhas douradas
que a folhagem e o sol balançavam
por cima dos livros?"
Respondi-lhe que sim, e que
eram livros de histórias,
e foram depois romances,
um dia poemas,e mais tarde
pensamentos difíceis...
6. E eu me lembrava,
mas não das palavras,
só que as respostas eram
sempre incompletas.
E o passarinho perguntava:
"Lembras-te da tua voz devolvida pelo eco?"
7. "E o recorte da montanha, no horizonte,
lembras-te como era azul e negro?
E as palmeiras?
E as sebes de flores encarnadas?"
8. E eu me lembrava de tudo,
e sentia o aroma da tarde,
e o canto das cigarras,
e o lamento dos sabiás e das rolas,
e via brilhar a bola azul do telhado,
que amei tanto, e sentia, tão doce,
a minha perpétua solidão.
9. E perguntei ao pássaro:"Onde estavas,
para me perguntares tudo isso?
Também já viveste tanto?"
E ele me respondeu:
"Não, tudo isso está no fundo dos teus olhos.
Eu só vou perguntando o que estou lendo...
E, porque o leio, canto."
10. Música: Piano in the forest.
Imagens: Internet
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