O documento analisa a origem histórica do conceito de desenvolvimento sustentável e as tendências recentes de sua mensuração através de indicadores. Exemplifica modelos de avaliação, marcos referenciais e indicadores sintéticos, culminando em uma análise comparativa de dez sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável de instituições multinacionais e nacionais, incluindo o IBGE. A retrospectiva histórica confirma períodos com visões semelhantes sobre a relação sociedade-natureza e a emergência recente
AMBIÊNCIA ESCOLAR: Aspectos físico, sócio-econômico, cultural e de gestão esc...
Desenvolvimento sustentável: da definição aos indicadores
1. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE
ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS - ENCE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
DA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CONCEITO
ÀS EXPERIÊNCIAS DE MENSURAÇÃO
RAQUEL DEZIDÉRIO SOUTO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ESTUDOS
POPULACIONAIS E PESQUISAS SOCIAIS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO
ESTATÍSTICA E GEOGRÁFICA
ORIENTADOR:
PROF. DOUTOR NELSON DE CASTRO SENRA
RIO DE JANEIRO
30 DE MARÇO DE 2011
2. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE
ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS - ENCE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
DA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CONCEITO
ÀS EXPERIÊNCIAS DE MENSURAÇÃO
Raquel Dezidério Souto
Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais,
na área de concentração Sistemas de Informação Estatística e Geográfica,
da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE).
ORIENTADOR:
PROF. DOUTOR NELSON DE CASTRO SENRA
RIO DE JANEIRO
30 DE MARÇO DE 2011
3. FICHA CATALOGRÁFICA
S728d SOUTO, Raquel Dezidério
Desenvolvimento sustentável: da tentativa de definição do conceito às
experiências de mensuração / Raquel Dezidério Souto. –
2011.
283 f.
Inclui bibliografia e anexos.
Orientador: Prof. Dr. Nelson de Castro Senra
Dissertação (Curso de Mestrado) – Escola Nacional de Ciências
Estatísticas. Programa de Pós-Graduação em Estudos Populacionais e
Pesquisas Sociais.
1. Desenvolvimento sustentável. 2. Indicadores sociais. 3. Sociologia –
Métodos estatísticos – Tese. 4. Documentação – Tese. I. Senra, Nelson de Castro.
II. Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Brasil). III. IBGE. IV. Título.
CDU: 338.1:504
4. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
DA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CONCEITO
ÀS EXPERIÊNCIAS DE MENSURAÇÃO
Raquel Dezidério Souto
Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais,
na área de concentração Sistemas de Informação Estatística e Geográfica,
da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE).
30 DE MARÇO DE 2011
Banca Examinadora
______________________________________
Nelson de Castro Senra – orientador
Escola Nacional de Ciências Estatísticas
______________________________________
Paulo de Martino Jannuzi – Doutor
Escola Nacional de Ciências Estatísticas
______________________________________
Rogério de Aragão Bastos do Valle – Doutor
Universidade Federal do Rio de Janeiro
5. Dedico a ...
Flávio Lacerda,
Nelson Senra,
Anna Paula Gonçalves e
Leandra Rosa,
pessoas que jamais desistem.
ii
6. Agradeço …
A Deus, Senhor de todas as coisas
A Flávio Lacerda, pelo amor e incentivo a continuar
A Nelson Senra, pela confiança incondicional
Aos meus pais e a minha sogra, pelo amor
Aos meus irmãos e colegas de curso, pelo companheirismo
A Paulo Jannuzzi e Rogério Bastos, pelas contribuições
À ENCE e à CAPES, pela oportunidade
Aos professores da ENCE, pela instrução
iii
7. Um sábio evita dizer ou fazer o que não sabe.
Se os nomes não condizem com as coisas,
há confusão de linguagem e as tarefas não se executam.
Se as tarefas não se executam,
o bem-estar e a harmonia são negligenciados.
Sendo estes negligenciados,
os suplícios e demais castigos não são proporcionais às faltas,
o povo não sabe mais o que fazer.
Um princípe sábio dá às coisas os nomes adequados
e cada coisa deve ser tratada segundo o significado do seu nome.
Na escolha dos nomes deve-se estar muito atento.
(...) Suponhamos que um homem aprenda as trezentas odes de Chen King e que,
em seguida, se fosse encarregado de uma parte da administração, mostrasse
pouca habilidade; se fosse enviado em missão a países estrangeiros, mostrasse
incapacidade para resolver por si mesmo; de que lhe teria servido toda a sua
literatura?
(...) Se o próprio príncipe é virtuoso, o povo cumprirá os seus deveres sem que
lhe ordene; se o próprio príncipe não é virtuoso, pouco importa que dê ordens; o
povo não as seguirá.
(Confúcio, em “Os Anacletos”)
iv
8. RESUMO
O que é desenvolvimento sustentável? Como se mede? No trabalho, são investigadas a origem
histórica da tentativa de definição do conceito do desenvolvimento sustentável e as tendências
recentes de sua operacionalização, com a exemplificação de modelos de avaliação, marcos
referenciais/ordenadores e indicadores sintéticos, culminando em uma análise comparativa
entre dez sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável, de instituições
multinacionais e nacionais, incluindo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As iniciativas multinacionais escolhidas foram: Projeto GEO, REDESA e ILAC; as nacionais:
SayDS (Argentina), Statistics Canada (Canadá), INEGI (México), APA (Portugal), DEFRA
(Reino Unido) e IBGE (Brasil). A retrospectiva histórica confirmou que há períodos que são
caracterizados por visões semelhantes sobre a relação sociedade-natureza e que, mais
rcentemente, houve a emergência da noção do desenvolvimento sustentável, marcada pela
grande profusão de congressos internacionais e pela formulação de métodos de avaliação
para acompanhamento das ações humanas e orientação das políticas públicas voltadas ao
crescimento econômico aliado à conservação ambiental e à justiça social. A análise
comparativa dos sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável revelou que
possuem características muito diversificadas e que poucos são os indicadores utilizados por
mais de uma fonte, o que indica que sua escolha vem sendo feita de acordo com as
especificidades e necessidades dos países. A partir da divulgação dos resultados da pesquisa,
espera-se trazer à luz as tendências recentes e potencialidades do uso de sistemas de
indicadores de desenvolvimento sustentável e contribuir para o aperfeiçoamento daqueles
mantidos atualmente no Brasil.
Palavras-chave: Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, Sistemas de indicadores,
Desenvolvimento sustentável, Sustentabilidade, Sociologia das estatísticas, Documentação e
disseminação de informações, IBGE, Brasil.
v
9. ABSTRACT
What is sustainable development? How to measure it? In this work, the historical origin of the
attempt to definition of the sustainable development's concept and the recent trends of its
operationalization are investigated, with the exemplification of models of evaluation,
frameworks and synthetic indicators, culminating in a comparative analysis of ten systems of
sustainable development indicators, from multinationals and national institutions, including
the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The chosen multinational
initiatives are: Project GEO, REDESA and ILAC; the nationals: SayDS (Argentina), Statistics
Canada (Canada), INEGI (Mexico), APA (Portugal), DEFRA (the United Kingdom) and
IBGE (Brasil). The historical retrospect confirmed there are periods characterized by similar
visions about the society-nature relation and more actualy, there is the emergency of the
sustainable development's notion, shown for the great profusion of international congresses
and for the formularization of evaluation methods for accompaniment of the human actions
and for orientation of the public polices directed to the economic growth ally to the ambient
conservation and social justice. The comparative analysis of the systems of sustainable
development indicators disclosed that they possess very diversified characteristics and a few
them are using same indicators, what indicates that its choice is being done in accordance
with specificities and needs of the countries. From the spreading of the results of this
research, one expects to bring to the light the recent trends and potentialities of the use of the
systems of sustainable development indicators and to contribute for the perfectioning of those
currently kept in Brazil.
Keywords: Sustainable development indicators, Systems of indicators, Sustainable
development, Sustainability, Sociology of Statistics, Documentation and dissemination of
information, IBGE, Brasil.
vi
10. LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Subsistema econômico como um sistema aberto contido no
ecossistema, segundo a visão da economia ecológica …........................ 36
Figura 2 – Diagrama da restrospectiva histórica (1800-2010) ….............................. 68
Figura 3 – Triângulo de sustentabilidade de Peter Nijkamp ….................................. 79
Figura 4 – Indicadores componentes da Pegada Ecológica ….................................. 92
Figura 5 – Temas, sub-temas e Indicadores componentes do Relatório Planeta
Vivo de 2006 …........................................................................................ 94
Figura 6 – Indicadores componentes e fluxograma de cálculo do Índice de Bem-
estar Econômico Sustentável (IBES) …................................................... 99
Figura 7 – Indicadores componentes da avaliação Bem-estar das Nações …............ 101
Figura 8 – Subsistemas e indicadores componentes do barômetro de
sustentabilidade …..................................................................................... 104
Figura 9 – Temas, sub-temas e Indicadores do Índice de Vulnerabilidade
Ambiental …............................................................................................. 106
Figura 10 – Dimensões e Indicadores componentes do Índice de Progresso
Genuíno (IPG) ......................................................................................... 108
Figura 11 - Exemplo de gráfico gerado aplicando-se o método do painel da
sustentabilidade ....................................................................................... 115
Figura 12 – Sistema de concepção da estatística ambiental …................................. 119
Figura 13 – Esquema do desenvolvimento sustentável, segundo a CDS …..…........ 123
Figura 14 – Um exemplo de sistemas aninhados segundo uma abordagem holística 126
Figura 15 – Esquema conceitual do marco ordenador Pressão-Estado-Resposta
(PER) ….................................................................................................. 129
Figura 16 – Marco ordenador FPEIR ….................................................................... 132
Figura 17 – Número de indicadores e de instituições colaboradoras nos IDS-Brasil 153
Figura 18 – Tela de inserção das referências comentadas …...................................... AIII-2
Figura 19 – Tela de consulta das referências comentadas …..................................... AIII-3
vii
11. LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Eventos e publicações destacados no período 1800-2010 …................. 63
Quadro 2 – Três aproximações paradigmáticas da sustentabilidade …..................... 71
Quadro 3 – Aspectos positivos e negativos do uso de indicadores sintéticos …....... 82
Quadro 4 – Prós e contras dos indicadores compostos ….......................................... 83
Quadro 5 – Temas e indicadores do Índice de Desempenho Ambiental e pesos
associados …........................................................................................... 96
Quadro 6 – Lógica dos componentes do Índice de Sustentabilidade Ambiental
(2005) ….................................................................................................. 110
Quadro 7 – Componentes, temas e indicadores do Índice de Sustentabilidade
Ambiental …............................................................................................ 111
Quadro 8 – Dimensões e indicadores do Painel de Sustentabilidade ….................... 116
Quadro 9 – Métodos de mensuração da sustentabilidade que utilizam indicadores
sintéticos e dimensões contempladas …................................................. 118
Quadro 10 – Exemplo de esquema do marco ordenador Pressão-Estado-Resposta
(PER) …................................................................................................. 128
Quadro 11 – Esquema do marco ordenador Força-motriz-Estado-Resposta (FER) 131
Quadro 12 – Estrutura do Esquema para Elaboração de Estatísticas do Meio
Ambiente (EEEMA) .............................................................................. 134
Quadro 13 – Estrutura do Marco para o Desenvolvimento de Estatísticas
Ambientais (FDES) …........................................................................... 135
Quadro 14 – Classificação dos países quanto aos avanços em relação ao
desenvolvimento de indicadores de desenvolvimento sustentável e
outras informações …............................................................................. 142
Quadro 15 – Enquadramento das iniciativas segundo os objetivos do sistema de
indicadores …......................................................................................... 161
Quadro 16 – Enquadramento das iniciativas por modo de desenvolvimento do
sistema ….............................................................................................. 164
Quadro 17 – Critérios de seleção de indicadores mencionados pelas fontes …....... 165
Quadro 18 – Enquadramento das iniciativas por tipo de arquitetura do sistema …. 166
Quadro 19 – Forma de divulgação dos sistemas e apresentação/abrangência
espacial dos indicadores …................................................................... 169
Quadro 20 – Lista de temas e indicadores do sistema de indicadores do Projeto
GEO ….................................................................................................. AI-1
viii
12. Quadro 21 - Lista de temas, subtemas e indicadores do sistema de indicadores da
REDESA …........................................................................................... AI-2
Quadro 22 - Temas, metas e indicadores do sistema de indicadores da ILAC ….... AI-4
Quadro 23 – Lista de categorias e indicadores do sistema de indicadores de SayDS
(Argentina) …........................................................................................ AI-6
Quadro 24 – Lista de dimensões e indicadores do sistema de indicadores de IBGE
(Brasil) ….............................................................................................. AI-8
Quadro 25 – Lista de categorias e indicadores do sistema de indicadores de
Statistics Canada (Canada) …............................................................... AI-10
Quadro 26 – Lista de temas, níveis e indicadores do sistema de indicadores de
INE (Espanha) ….................................................................................. AI-12
Quadro 27 – Lista de categorias, temas e indicadores do sistema de indicadores de
INEGI (México) …............................................................................... AI-16
Quadro 28 – Lista de temas, dimensões e indicadores do sistema de indicadores de
APA (Portugal) …................................................................................. AI-19
Quadro 29 – Lista de temas e indicadores do sistema de indicadores de DEFRA
(Reino Unido) …................................................................................... AI-20
Quadro 30 – Matriz de indicadores …....................................................................... AII-1
ix
13. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO …................................................................................................................... 1
1. DA CONSCIÊNCIA DA INFLUÊNCIA ANTRÓPICA AO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL …........................................................................................................... 8
1.1. Atenções voltadas para o impacto das atividades humanas (1800-1900) ….............. 11
1.2. Ambientalismo Pré-Estocolmo (1900-1970) …......................................................... 15
1.3. Ecologismo Pós-Estocolmo (1970-2010) ….............................................................. 22
1.3.1. Emergência dos paradigmas de desenvolvimento (1970-1990) …................. 24
1.3.2. Implementação de ações para o desenvolvimento sustentável (1990-2000) .. 48
1.3.3. Acompanhamento das ações para o desenvolvimento sustentável (2000-2010)
…..................................................................................................................... 56
2. A MENSURAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE: PRINCIPAIS ABORDAGENS .... 69
2.1. Sustentabilidade, modelos de avaliação, indicadores e índices ….............................. 70
2.2. Métodos que fazem uso de indicadores síntéticos ….................................................. 82
2.2.1. Abordagem que utiliza apenas o meio humano/social …................................ 84
a) Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) …........................................... 84
2.2.2. Abordagens que utilizam apenas o meio econômico ….................................. 87
a) Indicador de Poupança Verdadeira ….......................................................... 87
b) Índice de Bem-estar Econômico …............................................................. 88
2.2.3. Abordagens que utilizam apenas o meio biofísico …...................................... 88
a) Pegada Ecológica ….................................................................................... 88
b) Índice Planeta Vivo …................................................................................. 93
c) Índice de Desempenho Ambiental ….......................................................... 95
2.2.4. Abordagens mistas …...................................................................................... 97
a) Índice de Bem-estar Econômico Sustentável …......................................... 97
b) Avaliação Bem-estar das Nações …......................................................... 100
c) Barômetro de Sustentabilidade …............................................................ 102
d) Índice de Vulnerabilidade Ambiental …................................................... 105
e) Índice de Progresso Genuíno …................................................................ 107
x
14. f) Índice de Sustentabilidade Ambiental …................................................... 109
g) Painel da sustentabilidade ….................................................................... 114
2.3. Marcos referenciais …............................................................................................... 119
2.3.1. Marco simples de componentes ambientais …............................................... 120
2.3.2. Marco da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas
(UNCSD) …................................................................................................... 121
2.3.3. Marco do capital natural …............................................................................ 124
2.3.4. Marcos sistêmicos da relação sociedade-natureza …..................................... 125
2.4. Marcos ordenadores …............................................................................................. 127
2.4.1. Marco Pressão-Estado-Resposta (PER) …...................................................... 127
2.4.2. Variantes do marco ordenador PER: marco Força-motriz-Estado-Resposta
(FER), marco Pressão-Estado-Impacto-Resposta (PEIR) e marco Força-motriz-
Pressão-Estado-Impacto-Resposta (FPEIR) …............................................... 130
2.4.3. Esquema para Elaboração de Estatísticas de Meio Ambiente (EEEMA) …... 133
2.4.4. Marco para o desenvolvimento de estatísticas ambientais (FDES) …............ 134
3. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS INSTITUCIONAIS EM PRODUÇÃO DE SISTEMAS
DE INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL …..................... 137
3.1. Iniciativas de instituições multinacionais …............................................................. 143
3.1.1. Projeto Global Environment Outlook (Projeto GEO) …................................. 143
3.1.2. Rede de Instituições e Especialistas em Estatísticas Sociais e Ambientais da
América Latina e Caribe (REDESA) ….................................................................. 144
3.1.3. Iniciativa Latino-americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável
(ILAC) …........................................................................................................ 145
3.2. Iniciativas de instituições nacionais …..................................................................... 147
3.2.1. SayDS (Argentina) ….................................................................................... 147
3.2.2. IBGE (Brasil) …............................................................................................ 148
3.2.3. Statistics Canada (Canadá) …........................................................................ 154
3.2.4. INE (Espanha) …........................................................................................... 155
3.2.5. INEGI (México) …........................................................................................ 156
3.2.6. APA (Portugal) ….......................................................................................... 157
3.2.7. DEFRA (Reino Unido) ….............................................................................. 158
xi
15. 3.3. Análise comparativa entre a iniciativa do IBGE e as de outras fontes observadas .. 159
3.3.1. Objetivos …................................................................................................... 161
3.3.2. Modelo conceitual …..................................................................................... 162
3.3.3. Modo de desenvolvimento …........................................................................ 163
3.3.4. Critérios de seleção dos indicadores …......................................................... 164
3.3.5. Tipo de arquitetura ….................................................................................... 165
3.3.6. Forma de divulgação do sistema e cobertura geográfica/apresentação dos
indicadores …................................................................................................ 166
3.3.7. Matriz de indicadores …................................................................................ 170
CONSIDERAÇÕES FINAIS …......................................................................................... 174
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ….......................................................................... 183
ANEXO I - LISTAS DE INDICADORES DAS INICIATIVAS DE INSTITUIÇÕES
NACIONAIS E MULTINACIONAIS
ANEXO II - MATRIZ DE INDICADORES
ANEXO III - SISTEMA DE REGISTRO DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COMENTADAS
LICENÇA PARA UTILIZAÇÃO DA OBRA
xii
16. 1
INTRODUÇÃO
O género humano assemelha-se a uma pirâmide cujo vértice - um
homem, o primeiro homem - se esconde nas alturas quase inacessíveis
de sessenta séculos sobrepostos uns aos outros, e cuja base, de
miríades de indivíduos, poisa no abismo incomensurável de um futuro
desconhecido. (Alexandre Herculano)
Houve um tempo em que bastava ao Homem matar sua sede e se alimentar. Mas esse tempo
há muito já passou e a Humanidade evoluiu ao ponto de criar estruturas e alimentos artificiais
e comercializá-los. Nesse longo caminho1, muitas preocupações passaram a povoar a mente
humana: primeiro, tomando ciência de que não estava sozinho no mundo, o Homem
preocupou-se em sobreviver em meio à selva e em meio às tempestades. Mas depois, tomando
ciência de que influenciava o lugar onde morava, preocupou-se em como estava alterando o
seu entorno. As preocupações do Homem, quanto mais ele se afastava daquele tempo em que
lhe bastava matar a sede e se alimentar, tomaram tamanha magnitude, que o Homem começou
a se juntar a outros homens e todos começaram a pensar que estavam alterando o planeta. Da
preocupação com a alteração do planeta, o Homem, junto a outros homens, convocaram os
homens de lugares muito distantes do seu local de morada porque pensavam que estavam
alterando o planeta a tal ponto, que isso teria consequências funestas para a própria
Humanidade. E, na mesma medida em que o Homem não precisava mais utilizar a enxada
porque tinha um trator e tinha empregados, ou que não precisava mais enviar recados pelo
pombo correio porque tinha um computador ligado à Internet para falar com os outros
homens, o Homem viu que era ameaçado não apenas pelas alterações ambientais, mas
1 A origem humana é ainda polêmica, mas a partir de estudo genético recente com mais de 4 milhões de
genótipos, estima-se que os primeiros humanos modernos (Homo sapiens) surgiram na Terra há cerca de 200
mil anos atrás, provavelmente na fronteira entre as atuais África do Sul e Namíbia (HARMON, 2009). A
citação de Alexandre Herculano, que abre a presente introdução, faz referência ao Homem do neolítico
(8.000 a 5.000 a.c.), que deixou sua vida nômade, fixando-se às margens de rios e lagos, cultivando trigo,
cevada e aveia e domesticando ovelhas e bois (ver http://www.algosobre.com.br/historia/pre-historia-a-
origem-do-homem.html).
17. 2
também pela maneira com a qual se relacionava com os outros homens: miséria, fome,
doenças, a morte.
A realidade do Homem então ficou tão complexa, que o Homem resolveu que devia
agora levar em conta todos esses fatores para resolver o problema como se apresentava e
propôs aquilo que hoje se denomina “Desenvolvimento Sustentável”. Um modelo de
desenvolvimento que leve em conta o o crescimento econômico aliado à conservação
ambiental e à igualdade social.
Desenvolvimento Sustentável. Para alguns, uma utopia, para outros, a única maneira de
abordar o problema. Para alguns, uma plataforma de campanha, para outros, o que move suas
ações localmente, fortalecendo comunidades que buscam sua sobrevivência. Para alguns, a
chance de vender um produto a preços mais elevados, para outros, a chance de vender seus
produtos sem alterar o ambiente a tal ponto de não poder mais fazer uso dele e sem explorar
seus semelhantes a tal ponto que não sejam mais seus partícipes na produção.
Assim, a indagação que o Homem faz ao tempo do século XXI, o tempo mais distante
daquele em que apenas matava sua sede e se alimentava é: temos obtido sucesso em resolver
tamanho problema? Para responder a essa questão, o Homem definiu conceitos, criou
métodos e assinou acordos multilaterais tão ou mais diversificados quanto os fatores
envolvidos no problema que esperava resolver. Para o Homem, o céu é o limite. Mas,
infelizmente, o que se viu com isso é que o Homem não mais consegue se entender com os
outros homens e nessa vereda, os problemas persistem. O Homem não consegue encontrar o
tão almejado equilíbrio com os seus semelhantes e com o ambiente no qual está inserido.
18. 3
O presente trabalho procura mostrar exatamente como o problema da sustentabilidade
foi enfocado pelo ocidente, a partir do início do século XIX, chegando-se ao tempo da
construção de métodos para acompanhar as ações humanas. A fim de obter tal objetivo, vale-
se tanto do levantamento de eventos e publicações pertinentes ao tema, quanto da observação
dos principais métodos de mensuração da sustentabilidade ambiental ou do desenvolvimento
sustentável levados a cabo por indivíduos notáveis e instituições nacionais/multinacionais.
Por fim, apresenta uma análise comparativa envolvendo a iniciativa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) de formulação de um sistema de indicadores de
desenvolvimento sustentável para o Brasil. A partir da publicação dos resultados, busca-se
cooperar para o aperfeiçoamento dos sistemas de indicadores mantidos no país, tanto pelo
IBGE, quanto pelas instituições em níveis estadual e municipal.
A dissertação está estruturada em três capítulos, além dessa introdução e das
considerações finais. O capítulo 1 faz uma breve recuperação histórica do caminho percorrido
desde o tempo em que predominava a preocupação com a sustentabilidade socioambiental até
um tempo recente, fecundo em tentativas de formulação para uma definição adequada ao
termo “desenvolvimento sustentável”. A partir de consulta à bibliografia disponível em sua
maior parte na Internet2, apresentam-se especialmente as principais conferências e
documentos multilaterais derivados, além dos livros publicados, que se destacaram no mundo
ocidental desde o início do século XIX até o início do século XXI.
2 Foram consultadas as fontes bibliográficas listadas abaixo, utilizando-se as palavras-chave
“sustentabilidade”, “desenvolvimento sustentável” e “indicadores” (e seus equivalentes em inglês e
espanhol):
• Biblioteca Virtual da FAPESP (http://www.bv.fapesp.br/php/index.php);
• Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaPeriodicoForm.jsp);
• Acesso Livre (http://acessolivre.capes.gov.br/);
• Revista Estudos Avançados da USP (http://www.scielo.br/scielo.php/script_sci_serial/lng_pt/pid_0103-
4014/nrm_iso);
• Repositório Scielo (http://search.scielo.org/index.php);
• Diretório de Teses e Dissertações da USP (http://www.teses.usp.br/ );
• Acervo do IBGE disponível na Internet (http://biblioteca.ibge.gov.br/index.htm);
• Base Minerva da UFRJ (http://146.164.2.41:8991/F/);
• Catálogo On-line da FGV-RJ (http://www.fgv.br/bibliotecas/rj/catalogo/);
• Rede de Bibliotecas Virtuais da CLACSO (http://www.biblioteca.clacso.edu.ar/)
19. 4
No levantamento, fez-se três opções para limitar o conteúdo, de natureza
evidentemente abrangente. Inicialmente, optou-se por elencar prioritariamente as conferências
e obras internacionais, uma vez que a bibliografia disponível para o Brasil encontra-se em sua
maior parte ainda disponível em papel3. A outra opção refere-se à estruturação do primeiro
capítulo não a partir de uma divisão de acordo com as dimensões da sustentabilidade, como
fez Bellen (2006), mas seguindo a ordem cronológica dos eventos, ressaltando-se os períodos
em que houve semelhança em relação às abordagens vigentes para o enfrentamento dos
problemas socioambientais. A terceira e última opção foi a de selecionar as conferências e
obras que enquadram-se nas temáticas pertinentes às dimensões ambiental e/ou econômica.
Esse levantamento mostra-se necessário para o entendimento sobre como evoluiu ao longo do
tempo a percepção humana da delicada relação sociedade-natureza e serve de base para o
aprofundamento realizado no capítulo 2, que enfoca algumas abordagens para mensuração da
sustentabilidade, recorrentemente encontradas na literatura consultada. Nessa etapa da
pesquisa, foi possível mesmo confirmar que as percepções sobre a relação sociedade-natureza
tomam nuances distintas, a depender não apenas dos agentes, mas especialmente da época
vigente.
O capítulo 2 aprofunda a caracterização do período mais recente, no qual são
concentrados esforços para o acompanhamento das ações humanas. Para tanto, apresenta
algumas abordagens para a mensuração da sustentabilidade, sendo exemplificados modelos
para sua avaliação, marcos referenciais e ordenadores, além de métodos que fazem uso de
indicadores sintéticos4. Dois critérios de seleção foram utilizados. Primeiramente, optou-se
por ressaltar as abordagens desenvolvidas por pessoas notáveis no meio científico e
3 Ainda assim, faz-se menção a alguns fatos e documentos do Brasil, quando os mesmos estavam disponíveis
para consulta na Internet e/ou foi considerado ser relevante mencioná-los.
4 Há diversas definições para “indicador sintético”, mas a adotada nesse trabalho é a mesma adotada por
Scandar Neto (2006), a qual será apresentada no capítulo 2. Há ainda uma série de abordagens relacionadas
às contas ambientais e sua relação com os Sistemas de Contas Nacionais (SCN) dos países, mas são serão
tratadas nesse capítulo, por fugirem ao escopo da análise levada a cabo no capítulo 3, que tratará da
comparação do sistema de indicadores de desenvolvimento sustentável mantido pelo IBGE com outros, de
instituições nacionais e multinacionais.
20. 5
instituições multinacionais, uma vez que, de acordo com Quiroga (2001), tais instituições
contam com amplo acesso a recursos financeiros e técnicos, o que assegura o nível técnico e
científico de suas propostas. O segundo critério adotado foi elencar os métodos de
mensuração que se enquadram na dimensão ambiental e/ou econômica. O levantamento
realizado no capítulo não tem a pretensão de ser exaustivo, mas oferece um panorama
considerável sobre os marcos referenciais e ordenadores e os métodos de avaliação
recorrentes na literatura consultada. Uma parte da lista adotada advém dos resultados do
levantamento realizado por Bellen (2006). Tal levantamento serve de arcabouço teórico-
conceitual para o entendimento do capítulo seguinte e também mostra-se útil por fornecer um
inventário de métodos de mensuração relacionados à temática, um trabalho encontrado com
pouca frequência na literatura disponível.
O capítulo 3 apresenta algumas experiências institucionais em produção de sistemas
de indicadores de desenvolvimento sustentável, culminando em uma análise comparativa
entre a iniciativa do IBGE de publicação dos “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável –
Brasil” (IDS-Brasil) e outras iniciativas, de instituições nacionais e multinacionais, em relação
ao desenvolvimento de sistemas de indicadores de sustentabilidade/desenvolvimento
sustentável. No total, são avaliados dez sistemas de informação de indicadores. A escolha das
instituições nacionais e multinacionais seguiu três critérios, que são fundamentados naqueles
utilizados pelo Governo de Québec (2007) em sua análise comparativa de sistemas de
indicadores de desenvolvimento sustentável (IDS):
i. a relevância para a situação social, econômica, ambiental, geográfica, política e
cultural do país (no caso, o Brasil);
ii. a metodologia empregada e o nível de expertise; e
iii. a originalidade do sistema e sua diversidade.
21. 6
Nesse sentido, foram escolhidas algumas instituições nacionais com sistemas
estatísticos consolidados e reconhecidos internacionalmente e que apresentam iniciativas
próprias de desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade/desenvolvimento sustentável,
parte localizada no continente americano – SayDS (Argentina), IBGE (Brasil), Statistics
Canada (Canadá) e INEGI (México) –, parte na Europa – INE (Espanha), APA (Portugal), e
DEFRA (Reino Unido)5. Em relação às iniciativas das instituições multinacionais, foram
escolhidas aquelas relacionadas à América Latina – Rede de Especialistas em estatísticas
sociais e ambientais da América Latina e Caribe (REDESA) e Iniciativa Latino-americana e
Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável (ILAC) –, além do Projeto GEO 6. A análise
comparativa mostrou que os sistemas de indicadores mantidos pelas instituições contempladas
são muito diversos e que a iniciativa do IBGE apresenta características peculiares, ressaltadas
e valorizadas nesse trabalho.
5 A Colômbia também apresenta uma iniciativa nacional de desenvolvimento de IDS, porém com uma lista
muito pequena de indicadores e quase nada documentada, o que não tornaria viável a análise comparativa,
não sendo incluída na lista. Outros três países não foram incluídos na lista para não gerar redundância de
informações – a Costa Rica e o Peru seguem a lista de IDS recomendada pela ILAC, e o Chile segue a lista
da CDS-ONU, que já é contemplada pelo caso do Brasil. Iniciativas de instituições nacionais de outras
regiões do mundo também apresentam notoriedade internacional em matéria de desenvolvimento de sistemas
de IDS, mas não foram incluídas para não estender demais a lista de fontes, o que tornaria a análise
comparativa inviável. As iniciativas incluídas (referentes ao Canadá, Espanha, Portugal e Reino Unido)
foram escolhidas pela diversidade de arquiteturas de seus sistemas de indicadores, o que enriquecerá
sobremaneira a análise, lançando luz sobre possíveis caminhos a serem trilhados para melhoria dos sistemas
brasileiros de indicadores tanto em nível nacional quanto subnacional. Para ver uma lista interessante de
instituições nacionais, porém não exaustiva, consultar APA (2007, p.A-26).
6 Algumas das mencionadas iniciativas não são relacionadas ao desenvolvimento sustentável em sentido
estrito, por apresentarem indicadores em sua maioria ligados à dimensão ambiental da sustentabilidade,
podendo ser melhor consideradas como uma avaliação do ambiente. Ainda assim, considerou-se importante
incluí-las por três motivos: i) por apresentarem vinculação com a América Latina (caso da ILAC); ii) por
apresentarem metodologia consagrada internacionalmente em avaliação de indicadores voltados ao ambiente,
dimensão fundamental da sustentabilidade (caso do Projeto GEO) e iii) por todas as três (REDESA, ILAC e
Projeto GEO) terem sido incluídas no termo de referência No. 44-B de maio de 2009, do Ministério do Meio
Ambiente do Brasil, que objetivava a sistematização de um conjunto de indicadores ambientais e de
desenvolvimento sustentável de abrangência nacional. Ressalta-se ainda que os indicadores da “Evaluación
de la Sostenibilidad en América Latina y el Caribe” (ESALC/CEPAL) não serão pormenorizados, pois já são
contemplados na iniciativa da Argentina, país que seguiu o mesmo modelo proposto pela ESALC, o que
geraria redundância de informações no presente trabalho. O mesmo ocorre com o sistema de indicadores da
Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (CDS-ONU), seguido pelo Brasil. Outras
iniciativas de instituições multinacionais de igual relevância também não foram incluídas, uma vez que tal
ação inviabilizaria o trabalho de análise comparativa, dada a excessiva magnitude da lista. Para ver uma lista
relevante de instituições multinacionais, porém não exaustiva, consultar APA (2007, p.A-26).
22. 7
A dissertação também apresenta três anexos. O Anexo I contém as listas de
indicadores por instituição nacional/multinacional, a fim de oferecer uma fonte de consulta ao
leitor e evidenciar as diferenças das mesmas quanto à arquitetura dos sistemas de indicadores.
Já o Anexo II apresenta uma matriz que congrega o universo dos indicadores dos dez
sistemas analisados, fazendo referência à fonte que os produz. Nela, os indicadores foram
categorizados segundo as dimensões e domínios elencados em IBGE (2010), de modo a
evidenciar as diferenças entre os conjuntos de indicadores em relação aos temas do
desenvolvimento sustentável considerados. Tal matriz é importante para ressaltar a grande
diversidade de indicadores adotados quando se sobrepõem as iniciativas. Por meio da matriz,
pode-se confirmar que a heterogeneidade dos indicadores é um sinal de que os sistemas vem
sendo construídos de acordo com especificidades dos países e suas prioridades. Por outro
lado, observa-se que ainda não há um conjunto mínimo de indicadores adotados pelas
instituições, uma vez que pouquíssimos indicadores são incluídos por mais de uma instituição
simultaneamente, o que prejudica futuras análises comparativas em nível internacional.
O Anexo III apresenta o sistema de registro de referências bibliográficas comentadas,
desenvolvido especialmente para essa dissertação e sem o qual o trabalho de compilação das
informações apresentadas nos capítulos 1 e 2 seria muito custoso.
Finalmente, cabe ressaltar que optou-se por desenvolver todo o trabalho em software
livre (solução GNU/Linux Ubuntu 10.10 + servidor web Apache 2 com suporte a PHP5 e
banco de dados MySQL + OpenOffice e Gnumeric), desde o registro de referências
bibliográficas, passando pela coleta e análise dos dados sobre os sistemas de indicadores
observados, até a elaboração do texto final, porque oferece uma plataforma estável e robusta
para operação, mas principalmente, pela sua filosofia voltada à liberdade do conhecimento.
23. 8
1. DA CONSCIÊNCIA DA INFLUÊNCIA ANTRÓPICA AO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Por mais que aparentemente o discurso seja pouco importante, as
interdições que o atingem logo e depressa revelam a sua ligação com
o desejo e com o poder. E o que há de surpreendente nisso, já que o
discurso - como a psicanálise nos demostrou - não é simplesmente o
que manifesta (ou oculta) o desejo; é também o que é o objecto do
desejo; e já que - a história não cessa de nos indicar - o discurso não
é simplesmente o que traduz as lutas ou os sistemas de dominação,
mas aquilo por que, aquilo pelo que se luta, o poder do qual
procuramos apoderar-nos. (Michel Foucault)
Uma retrospectiva histórica do início do século XIX ao início do século XXI é apresentada
nesse primeiro capítulo, a fim de mostrar o caminho percorrido até as diversas formulações
recentes para o conceito de desenvolvimento sustentável. O levantamento foi realizado a
partir de consulta à bibliografia disponível na Internet 7 e elenca as principais conferências e
documentos multilaterais derivados, além dos livros publicados, que se destacaram no mundo
ocidental.
7 Foram consultadas as fontes bibliográficas listadas abaixo, utilizando-se as palavras-chave
“sustentabilidade”, “desenvolvimento sustentável” e “indicadores” (e seus equivalentes em inglês e
espanhol):
• Biblioteca Virtual da FAPESP (http://www.bv.fapesp.br/php/index.php);
• Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaPeriodicoForm.jsp);
• Acesso Livre (http://acessolivre.capes.gov.br/);
• Revista Estudos Avançados da USP (http://www.scielo.br/scielo.php/script_sci_serial/lng_pt/pid_0103-
4014/nrm_iso);
• Repositório Scielo (http://search.scielo.org/index.php);
• Diretório de Teses e Dissertações da USP (http://www.teses.usp.br/ );
• Acervo do IBGE disponível na Internet (http://biblioteca.ibge.gov.br/index.htm);
• Base Minerva da UFRJ (http://146.164.2.41:8991/F/);
• Catálogo On-line da FGV-RJ (http://www.fgv.br/bibliotecas/rj/catalogo/);
• Rede de Bibliotecas Virtuais da CLACSO (http://www.biblioteca.clacso.edu.ar/)
24. 9
Dada a enorme amplitude do tema, foram adotados dois critérios para seleção do
conteúdo. Inicialmente, optou-se por contemplar os eventos e obras internacionais, uma vez
que a bibliografia disponível referente ao Brasil ainda encontra-se em sua maior parte em
papel. Ainda assim, faz-se menção a alguns fatos e documentos do Brasil, quando os mesmos
estavam disponíveis para consulta na Internet e/ou foi considerado ser relevante mencioná-
los. O outro critério adotado foi a seleção de eventos e obras que enquadram-se
prioritariamente nas dimensões econômica e/ou ambiental. Cabe ressaltar ainda que o capítulo
foi estruturado seguindo a ordem cronológica natural da realização dos eventos e da
publicação das obras, de modo a possibilitar a identificação dos períodos nos quais notou-se
semelhança em relação às abordagens vigentes para o enfrentamento dos problemas
socioambientais8.
A retrospectiva histórica realizada mostra-se útil, na medida em que auxilia no
entendimento das diferentes definições para sustentabilidade, as quais dependem do momento
histórico e de visões de mundo muito características, sejam elas de indivíduos ou
organizações. Nas palavras de Scandar Neto (2006, p.3): “essa noção [do desenvolvimento
sustentável] não pode ser perfeitamente compreendida dissociada de seu contexto histórico”.
A dificuldade em construir uma definição técnico-científica amplamente aceita para
sustentabilidade reside no fato de que o conceito tem sido definido ao longo de um longo
processo histórico, contínuo e complexo, “de reavaliação crítica da relação existente entre a
sociedade civil e seu meio natural” (BELLEN, 2006, p.23). A mesma dificuldade é encontrada
quando tratam-se conceitos correlatos à sustentabilidade, tais como o desenvolvimento
sustentável (MOLDAN et al., 1997; TOFFEL e LIFSET, 2007; BELLEN, 2006) e a
biodiversidade (TRAJANO, 2010).
8 No livro “Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa”, de Hans Michael van Bellen, publicado
em 2006, o autor apresenta diferentes abordagens conceituais e práticas para o desenvolvimento sustentável,
organizando-as segundo quatro dimensões da sustentabilidade (econômica, social, ambiental e
geográfica/cultural). Apesar dos apontamentos realizados pelo autor serem muito interessantes, tal forma de
organização do conteúdo não nos permitiria observar de um modo unificado como evoluíram tais abordagens
ao longo do tempo, motivo pelo qual não a adotamos no presente trabalho.
25. 10
A retrospectiva também é útil como embasamento para o aprofundamento realizado no
capítulo 2, que enfoca algumas abordagens para mensuração da sustentabilidade,
recorrentemente encontradas na literatura consultada. A partir dos resultados encontrados
nessa etapa da pesquisa, foi possível mesmo confirmar que as percepções sobre a relação
sociedade-natureza tomam nuances distintas, a depender não apenas dos agentes, mas
especialmente da época vigente. Logicamente, tais percepções diversas norteiam outras tantas
formulações distintas de métodos para avaliar a sustentabilidade, tema abordado no capítulo
seguinte.
Também a partir dos resultados, três períodos principais foram identificados em
relação às abordagens adotadas no enfrentamento dos problemas ambientais e sociais. No
presente capítulo, tais períodos são nomeados como “Atenções voltadas para o impacto das
atividades humanas”, correspondendo a um período inicial que contempla os anos de 1800 a
1900; “Ambientalismo Pré-Estocolmo”, de 1900 a 1970; e “Ecologismo Pós-Estocolmo”, de
1970 a 2010 (último ano considerado no levantamento). As duas últimas denominações foram
inspiradas a partir do que aponta Pádua (2010), citando outros autores:
A emergência de um 'ambientalismo complexo e multissetorial' a partir da década de
1970, dotado de alto perfil na cena pública global, representou um dos fenômenos
sociológicos mais significativos da história contemporânea. Ele pode ser considerado
como um movimento histórico, mais do que um movimento social, que repercutiu nos
diferentes campos do saber (Viola & Leis, 1991, p.24). A ideia de 'ecologia' rompeu os
muros da academia para inspirar o estabelecimento de comportamentos sociais, ações
coletivas e políticas públicas em diferentes níveis de articulação, do local ao global. Mais
ainda, ela penetrou significativamente nas estruturas educacionais, nos meios de
comunicação de massa, no imaginário coletivo e nos diversos aspectos da arte e da
cultura. (PÁDUA, 2010, p.82)
26. 11
1.1. Atenções voltadas para o impacto das atividades humanas (1800-1900)9
Pádua (2010) identifica o século XVIII como um marco de mudança na concepção intelectual
sobre a relação sociedade-natureza no mundo ocidental, sendo o período anterior a este
caracterizado como uma fase onde predominava o pensamento sobre a influência da natureza
na história humana e o período posterior, como uma fase em que predominaria o pensamento
da influência das atividades humanas na natureza.
Clarence Glacken (1967), em seu monumental estudo sobre a história das concepções
intelectuais sobre a natureza no mundo ocidental, da Antiguidade clássica ao século
XVIII, constatou que virtualmente todos os pensadores foram obrigados a enfrentar o
tema, tendo por base três grandes indagações: É a natureza, tal qual ela se apresenta na
Terra, dotada de sentido e propósito? Possui essa natureza, especialmente o lugar onde
cada sociedade habita, uma influência sobre a vida humana? Foi a realidade da Terra, em
sua condição primordial, modificada pela ação histórica do homem? Os resultados da
investigação de Glacken deixam claro que as duas primeiras perguntas dominaram
amplamente a reflexão filosófica e científica até o século XVIII. Tratava-se de entender
como a natureza influenciava a história humana e não o contrário. Algumas elaborações
sobre a terceira pergunta apareceram no que se refere aos melhoramentos da paisagem a
partir das artes e do trabalho. Mas o tema da capacidade da ação humana para degradar,
ou mesmo destruir, o mundo natural é essencialmente moderno (PADUA, 2010, p.83).
Cabe ainda ressaltar que o ambientalismo em sua origem sofreu influência de
ideologias românticas, uma vez que “o importante lugar da natureza na construção do
romantismo na literatura é amplamente conhecido” (RIBEIRO, 1992, p.26).
9 Essa seção apresenta tamanho muito menor do que as demais seções do presente capítulo, o que se justifica
por dois motivos. Uma vez que o levantamento foi realizado a partir de busca na Internet, parte das
referências bibliográficas do período tratado na seção não foram obtidas, pois ainda encontram-se em sua
maior parte em papel. Além disso, no período em questão não houve mesmo grande produção de publicações
ou realização de eventos voltados ao tema que está sendo tratado. A grande popularização do tema, dando
origem a um sem número de publicações e à realização de dezenas de eventos oficiais, somente ocorre a
partir da década de 1970, conforme discute Pádua (2010). Ainda assim, considerou-se relevante apontar no
texto os resultados obtidos para o período, já que é caracterizado por uma mudança significativa na
percepção intelectual da relação sociedade-natureza.
27. 12
Em meados do século XIX, surgiram duas correntes ambientalistas importantes nos
Estados Unidos – a preservacionista e a conservacionista. A corrente preservacionista
visava a proteção da natureza, por meio principalmente do incentivo à constituição de parques
nacionais em áreas selvagens, uma tendência que foi seguida em todo o mundo ao longo do
tempo. Assim, seus entusiastas pretendiam “preservar para a posteridade áreas dotadas de
grande beleza natural em seu estado selvagem”, movidos pelo prazer da contemplação estética
do ambiente natural e pelo reconhecimento de que o ser humano faz parte da natureza e em
sendo assim, esta deveria ser protegida (FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.66). Seu
representante mais proeminente foi o naturalista estadunidense John Muir (1838-1914),
podendo ser citados ainda outros representantes importantes, tais como George Catlin (1796-
1872), Henry Thoreau (1817-1862) e o diplomata estadunidense George Perkins Marsh
(1801-1882) (FRANCO e DRUMMOND, 2009).
Mas, ao contrário do que fora divulgado, de que as áreas destinadas à criação dos
parques nacionais nos Estados Unidos eram selvagens e desabitadas, houve prolemas em pelo
menos dois parques – o de Yellowstone, criado em 1872, e o de Yosemite, criado em 1890 – ,
uma vez que foi negado o direito à posse das terras a diversas nações indígenas que ali
habitavam (KAVINSKI, 2009).
Marsh publicou em 1864 o trabalho denominado Man and nature or physical
geography as modified by human action (O homem e a natureza ou geografia física
modificada pela ação humana), concentrando-se nas “transformações provocadas pela ação
humana, desde a Antiguidade, […], tendo como eixo central a denúncia da destruição”
(PÁDUA, 2010, p.85). Já em 1892, Muir liderou a criação do Sierra Club10, cuja função
inicial foi de proteger o Parque Nacional de Yosemite (Califórnia, EUA) e que hoje constitui-
se em uma rede de colaboradores do mundo todo que atuam na proteção de comunidades e
ambientes selvagens (KAVINSKI, 2009, p.41).
10 Atualmente a página da organização pode ser visitada em http://www.sierraclub.org/.
28. 13
De modo diverso dos preservacionistas, que consideravam o uso de áreas verdes quase
que estritamente para fins de lazer, os conservacionistas defendiam a exploração racional dos
recursos naturais, sendo Gifford Pinchot (1865-1946)11 um de seus mais notáveis expoentes
(KAVINSKI, 2009, p.40). Dentre as duas correntes, a conservacionista foi a dominante,
constituindo-se numa origem remota do recente modelo de desenvolvimento sustentável. O
conservacionismo já preconizava a ética com as gerações futuras, que é mencionada na
Declaração de Estocolmo, resultante da Conferência de Estocolmo de 1972, mencionada na
seção 1.3.1 do presente capítulo. Franco e Drummond (2009) oferecem uma caracterização
elucidativa sobre a corrente conservacionista:
Próximos da tradição de manejo florestal desenvolvida na Alemanha, eles tinham como
principal expoente Gifford Pinchot, que sintetizava os objetivos do movimento em três
princípios básicos: a) o desenvolvimento, obtido pelo uso dos recursos existentes pela
geração presente; b) a prevenção do desperdício, garantia do uso dos recursos existentes
pela geração futura; e, c) o desenvolvimento dos recursos naturais para o benefício de
muitos e não de poucos. Portadores de uma perspectiva instrumental da relação do
homem com a natureza, o que estava em questão para os conservacionistas era o uso dos
recursos naturais de maneira adequada e criteriosa, garantindo, ao mesmo tempo, a sua
existência para as próximas gerações e a sua melhor distribuição pela totalidade da
população. (FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.67)
No Brasil imperial, participaram efetivamente da discussão ambientalista: José
Bonifácio, Joaquim Nabuco, André Rebouças, Freire Alemão, Euclides da Cunha, Alberto
Torres, Manoel Bonfim, José Moraes Navarro e José Vieira Couto (DRUMMOND, 2002;
MARTINS e AMORIM, 2007). Todos tinham em comum as críticas aos danos ambientais
causados pela mineração do ouro e do diamante, pelo cultivo de cana-de-açúcar e pela
exploração do pau-brasil (MARTINS e AMORIM, 2007).
11 Não foi possível encontrar outros representantes da corrente conservacionista na bibliografia consultada.
29. 14
Dentre os nomes citados, merece destaque José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-
1838)12, que em 1801, ocupando a cátedra de Metalurgia na Universidade de Coimbra, foi
influenciado pela visão da economia da natureza, corrente científica que emergia em
Portugal e que foi sistematizada por Carl von Linné (1707-1778), notável médico e botânico
sueco, considerado o pai da Taxonomia. A economia da natureza “pressupunha a existência de
um sistema de equilíbrios interdependentes entre as diversas partes do mundo natural, de
forma que cada elemento possuía uma função relevante para a dinâmica coletiva” (PÁDUA,
2000, p.120). Além disso, José Bonifácio influenciou o imperador D. Pedro I com suas ideias
ambientalistas, contribuindo para a resolução de 17 de junho de 1822, pela qual se extinguia o
regime de grandes concessões de terras (ou regime de sesmarias) e da Lei 601 de 1850,
primeira Lei de Terras do Brasil, que impunha responsabilidade do infrator em caso de dano
ambiental, prevendo a imputação de sanções administrativas, civis e penais (MARTINS e
AMORIM, 2007).
A preocupação com a influência das atividades humanas na natureza permanece com a
entrada do século XX. Entretanto, presencia-se nessa nova fase um fortalecimento das
correntes ambientalistas e a popularização da proteção à natureza, especialmente entre
intelectuais e representantes de governo/entidades civis, conforme visto na seção seguinte.
12 José Bonifácio publicou trabalhos sobre a relação entre o exercício de determinadas atividades econômicas e
a alteração de ambientes no Brasil e em Portugal. Nas três obras seguintes, nota-se uma preocupação do autor
em mostrar que a subutilização ou a degradação do ambiente trazia consigo consequências econômicas e
políticas para o país. Em Memória sobre a pesca da baleia e a extracção do seu azeite, com algumas
reflexões sobre a nossa pescaria, publicado em 1790, criticou a exploração baleeira no Brasil, a qual já era
acompanhada de redução no estoque natural de baleias. Os métodos empregados eram tão rudimentares que o
recurso natural era perdido antes mesmo de ser aproveitado, uma vez que muitos pescadores matavam os
filhotes para arpoar mais facilmente as baleias. José Bonifácio sugeriu a melhoria da qualidade da pesca,
além da “liberação da concorrência e estabelecimento de prêmios e incentivos fiscais” (PÁDUA, 2000,
p.123), o que contribuiria para a manutenção da sustentabilidade da atividade pesqueira, que por sua vez
garantiria mais riquezas no futuro. No trabalho Memórias sobre as minas de carvão e ferrarias de Foz do
Alge, em Portugal, publicado em 1813, José Bonifácio ressaltou a importância da mineração para Portugal
no contexto político da época. No trabalho Sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques
em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira,
custeamento e administração, publicado em 1815, fez uma crítica ao desmatamento em Portugal, alertando
para o risco de desertificação: “[...] todos os que conhecem por estudo a grande influência dos bosques e
arvoredos na economia geral da natureza sabem que os países que perderam suas matas estão quase de todo
estéreis e sem gente. Assim sucedeu a Síria, Fenícia, Palestina, Chipre, e outras terras, e vai sucedendo ao
nosso Portugal” (SILVA, 1991 apud PÁDUA, 2000, p.85).
30. 15
1.2. Ambientalismo Pré-Estocolmo (1900-1970)
Segundo Pádua (2010), podem ser destacadas algumas mudanças epistemológicas
consolidadas no século XX sobre a relação sociedade-natureza:
1) a ideia de que a ação humana pode produzir um impacto relevante sobre o mundo
natural, inclusive ao ponto de provocar sua degradação;
2) a revolução nos marcos cronológicos de compreensão do mundo; e
3) a visão de natureza como uma história, como um processo de construção e
reconstrução ao longo do tempo. (PÁDUA, 2010, p.83)
Outra característica marcante dessa passagem de século foi o surgimento de
“movimentos mais efetivos para defesa dos recursos naturais” (ROCHA e SIMAN, 2005,
p.4). Ainda assim, tais eventos eram esparsos, sendo mais frequentes a partir da década de
1970, conforme será visto na seção seguinte, ainda nesse capítulo.
Um levantamento realizado por Alberto José Sampaio mostra que apenas entre 1884 e
1933, 51 congressos de cunho ambiental foram realizados em todo o mundo, podendo ser
classificados em três tipos: congressos especificamente relacionados com a questão da
proteção à natureza, congressos científicos e congressos de silvicultura (SAMPAIO, 1935
apud FRANCO, 2002)13.
A disseminação das ideias conservacionistas levou à realização em 1909 da Primeira
Conferência Internacional sobre Conservação da Natureza (International Conference on
Nature Conservation), em Joanesburgo (África do Sul), reunindo representantes do México,
Canadá e EUA. Uma segunda edição da conferência foi formulada para ser realizada em
1910, porém suspensa pelo então presidente dos Estados Unidos, William H. Taft
13 SAMPAIO, A.J. Relatório Geral da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza. In: Boletim do
Museu Nacional, v.XI, n.2, mar.1935.
31. 16
(KAVINSKI, 2009, p.42). Uma possível explicação para a suspensão em questão reside no
fato de que o início do século XX foi caracterizado pela eclosão de nacionalismos que dariam
origem mais tarde às duas guerras mundiais e que, o ambientalismo, desde sua origem
caracterizado por um movimento global, não poderia assumir uma expressão mais
significativa. Além disso, a primeira conferência foi realizada ainda na gestão do presidente
Theodore Roosevelt14 (LEIS, 1999 apud KAVINSKI, 2009).
Como os adeptos do preservacionismo foram excluídos deliberadamente da
conferência realizada pelos conservacionistas em Joanesburgo, preservacionistas europeus
reuniram-se em Paris, no mesmo ano de 1909, no Congresso Internacional de Proteção à
Natureza, quando sugeriram a criação de um organismo internacional para proteção da
natureza, uma ideia que teve apoio dos Estados Unidos, da Argentina e de países europeus.
Seguindo a perspectiva conservacionista, a Primeira Conferência Brasileira de
Proteção à Natureza15 foi realizada no Rio de Janeiro, de 8 a 15 de abril de 1934, tendo sido
organizada pela Sociedade dos Amigos das Árvores, com o patrocínio de Getúlio Vargas e
contando com o apoio do Museu Nacional e de outras importantes instituições brasileiras 16. O
contexto brasileiro à época da realização do evento era de “um nacionalismo aliado ao desejo
de modernização da sociedade e das instituições do Estado”, onde foram debatidos diversos
temas, com mobilização de “setores significativos da sociedade” (FRANCO, 2002, p.78).
14 Theodore Roosevelt foi considerado o primeiro presidente estadunidense “conservacionista”, característica
que não podia ser encontrada em seu sucessor, William Taft. Para maiores informações, visitar a página da
Wikipédia sobre Gifford Pinchot (http://en.wikipedia.org/wiki/Gifford_Pinchot).
15 Uma nova conferência brasileira sobre proteção à natureza só viria a acontecer em 1968, organizada pela
Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), mencionada mais à frente no presente
capítulo (DRUMMOND, 2002). Para maiores informações ver CARVALHO, J.C.de. A conservação da
natureza e recursos naturais no mundo e no Brasil. In: Simpósio sobre conservação da natureza: suplemento
dos Anais da Academia Brasileira de Ciências, vol. 41, 1969, Rio de Janeiro.
16 A Sociedade dos Amigos das Árvores foi fundada em 1931, no Rio de Janeiro, pelo botânico Alberto José
Sampaio. Outras organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras, contemporâneas a essa e de mesmo
caráter conservacionista, foram: a Sociedade dos Amigos da Flora Brasílica , fundada em 1939, em São
Paulo, por Frederico Carlos Hoehne; a Associação de Defesa da Fauna e Flora de São Paulo
(ADEFLORA), fundada em 1956, também em São Paulo, por Paulo Nogueira Neto, Lauro Travassos Filho e
José Carlos Magalhães, e que mais tarde recebeu o novo nome de Associação de Defesa do Meio Ambiente
de São Paulo (ADEMASP). Mas a grande profusão de ONGs conservacionistas somente aconteceria no
Brasil a partir dos anos 1970. O Museu Nacional e o Museu Paraense Emílio Goeldi são outros exemplos
de instituições brasileiras voltadas à conservação ambiental (FRANCO e DRUMMOND, 2009).
32. 17
Como resultado da reunião, foi aprovado o primeiro Código Florestal brasileiro (Decreto
Federal No 23.793/34)17. Os participantes do evento18 sugeriram não apenas a criação de nova
legislação que garantisse a proteção dos recursos naturais (o ritmo de devastação das florestas
na época já era preocupante no Brasil), mas também que fossem realizadas campanhas
educacionais junto à população para despertar seu amor pela natureza. E ainda, a criação de
uma “Escola Florestal”, nos moldes das existentes à época na Itália e nos Estados Unidos
(FRANCO, 2002). Nas palavras de Alberto José Sampaio, relator do congresso e então
presidente da Sociedade dos Amigos das Árvores e professor do Museu Nacional:
O problema florestal é, ao mesmo tempo, um problema social, de higiene, de riqueza, de
importância capital e de relevante transcendência. Daí, o empenho da Sociedade dos
Amigos das Árvores em proclamar a necessidade da cadeira de Silvicultura nas escolas
primárias e secundárias do país. (SAMPAIO, 1935 apud FRANCO, 2002, p.80)
Para Franco e Drummond (2009), a emergência das iniciativas de proteção à natureza
no contexto brasileiro apresenta uma característica peculiar – alguns dos indivíduos que
compunham as esferas governamentais eram também os articuladores de entidades civis que
pressionavam o governo a tomar decisões decisivas em relação à conservação da natureza.
Os anos do pós-guerra foram marcados em nível internacional pela resistência às
discussões sobre contenção de recursos e consumo (KAVINSKI, 2009). Por outro lado, tais
anos corresponderam ao que foi denominado como revolução ambiental, uma resposta aos
problemas que ocorriam na época e que ameaçavam a integridade do ambiente e dos
indivíduos, os quais já eram alvo dos debates ambientalistas: a realização de testes nucleares,
o rápido crescimento da indústria e do consumo, o desenvolvimento das grandes
aglomerações urbanas, dentre outros (ROCHA e SIMAN, 2005).
17 O primeiro Código Florestal brasileiro foi revisado em 1965 pela Lei N o 4.771/65 e já naquela época “trazia
conceitos sobre as chamadas áreas de preservação permanente (APPs) e sobre a manutenção da Reserva
Legal (RL)” (COSTA e ARAÚJO, 2002, p.2).
18 Alguns brasileiros de destaque na conferência foram José Bonifácio, Joaquim Nabuco, André Rebouças,
Freire Alemão, Euclides da Cunha, Alberto Torres e Manoel Bonfim (DRUMMOND, 2002).
33. 18
Em 1948, os naturalistas Sir Julian S. Huxley (1887-1975), então diretor da UNESCO,
e Edward M. Nicholson (1904-2003) propuseram a criação da International Union for the
Protection of Nature, IUPN (União Internacional para Proteção da Natureza). A missão da
instituição, que sugeria-se ser bipartite (governamental e não-governamental) era a de
“promover a preservação da vida selvagem e a conservação de recursos” (KAVINSKI, 2009,
p.44). À época de sua criação, a IUPN congregava características tanto preservacionistas,
quanto conservacionistas. A organização mudou seu nome em 1956 para International
Union for the Conservation of Nature and Natural Resources, IUCN (União Internacional
para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais) e permanece assim até os dias atuais.
Em 1949, foi realizada a Conferência Científica das Nações Unidas sobre
Conservação e Utilização de Recursos (United Nations Scientific Conference on the
Conservation and Utilization of Resources, UNSCCUR) nos Estados Unidos, reunindo
diversos especialistas com o intuito de tratar aspectos relacionados à conservação dos recursos
naturais. Tal conferência destinou-se a “reafirmar a importância dos cientistas na consolidação
do movimento ambiental pós-guerra” (LEIS, 1999 apud KAVINSKI, 2009, p.44).
Em 1956, foi realizada em Genebra a Conferência das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (United Nations Conference on the Law of the Sea, UNCLOS I), que resultou
na assinatura de quatro tratados internacionais, três deles referentes à delimitação do espaço
marinho e aspectos jurídicos pertinentes (a Convenção sobre o Mar Territorial e Zonas
Contíguas e a Convenção sobre Plataforma Continental, ambas de 1964, além da
Convenção sobre o Mar Alto, de 1962), e a Convenção sobre Pesca e Conservação dos
Recursos Vivos do Alto Mar, de 1966. A UNCLOS II foi realizada em 1960 no mesmo local,
mas não resultou em tratados.
34. 19
Outro fato notório foi a criação em 1958 da Fundação Brasileira para a
Conservação da Natureza (FBCN) no Rio de Janeiro, uma das primeias ONGs
conservacionistas do Brasil, formada por “um grupo de idealistas que pretendia se contrapor
ao padrão imprevidente de atividade econômica corrente no país” e tendo como objetivo “a
promoção de uma ação nacional para a conservação dos recursos naturais e para a
implantação de áreas reservadas de proteção à natureza” (FRANCO e DRUMMOND, 2009,
p.62-63). Mais especificamente, a ONG visava contrapor as ações desenvolvimentistas
exacerbadas do então presidente Juscelino Kubitschek, mas passou por um período inicial de
pouca ação. Somente a partir de 1966, com a gestão de José Cândido de Melo Carvalho,
zoólogo e ex-diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, adquiriu maior dinamismo e
organização, passando inclusive a publicar em série o Boletim Informativo da FBCN, que
divulgava a produção científica e intelectual de seus associados. A partir desse momento, a
ONG começou a atrair mais adeptos, inclusive militares da Marinha do Brasil, responsáveis
pelo patrulhamento de áreas marítimas. Dentre esses, destacam-se os almirantes José Luiz
Belart e Ibsen de Gusmão Câmara, “que se tornaram aguerridos militantes conservacionistas
numa longa e frutífera cooperação com a FBCN” (ALMEIDA, 2002, p.14).
Em 1962, Rachel Carson publicou o livro Silent spring (Primavera silenciosa),
procurando “mostrar os efeitos do DDT na cadeia alimentar e o acúmulo do produto nos
tecidos gordurosos dos animais”19. A obra foi um dos primeiros trabalhos relacionando a
degradação ambiental e a saúde humana e “preconizou o surgimento de uma consciência
ambiental nos anos 60 e 70” (KAVINSKI, 2009, p.44).
Ainda no início da década de 1960, Murray Bookchin (1921-2006), escritor anarquista
estadunidense, publicou alguns trabalhos relacionando a destruição ambiental à sociedade
tecnológica-industrial (MANNA, 2008). Em Our synthetic environment (Nosso ambiente
19 DDT é a sigla para dicloro-difenil-tricloroetano, considerado o primeiro pesticida moderno, muito utilizado
após a Segunda Guerra Mundial. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/DDT.
35. 20
sintético), publicado em 1962, levantou a partir da literatura científica a relação entre
pesticidas, aditivos químicos e radiação e as doenças humanas, como o câncer (BIEHL,
1999). Em Ecology and revolutionary thought (Ecologia e pensamento revolucionário),
publicado em 1964, criticou a acumulação capitalista, atribuindo-lhe a causa da degradação
ambiental (MANNA, 2008). Em Crisis in our cities (Crise em nossas cidades), publicado em
1965, explorou os problemas ambientais específicos das áreas urbanas (BIEHL, 1999). No
mesmo ano, Bookchin publicou Towards a liberatory technology (Para uma tecnologia
libertadora), onde já propunha o uso de fontes alternativas e renováveis de energia e de
microtecnologias, de modo que se formasse uma infra-estrutura para o estabelecimento de
uma sociedade libertária (BIEHL, 1999).
Bookchin fez uma distinção entre o ambientalismo e o que denominou como ecologia
social, indicando que o ser humano deveria ser visto como um ser social e não apenas como
mais um espécime biológico (MANNA, 2008). Mais tarde, suas ideias influenciaram o
surgimento da corrente antropocêntrica na ecologia. Em 1974, Bookchin foi co-fundador do
Institute for Social Ecology (Instituto de Ecologia Social), em Vermont (EUA), o qual
adquiriu reputação internacional em cursos nas áreas de ecofilosofia, teoria social e
tecnologias alternativas (BIEHL, 1999).
Em 1968, foi realizada a Conferência Intergovernamental para o Uso Racional e
Conservação da Biosfera (Intergovernamental Conference for Rational Use and
Conservation of Biosphere, ICRUCB), em Paris (França). Um dos resultados do encontro foi
a criação do Man and the Biosphere Programme, MaB (Programa Homem e Biosfera), um
programa de cooperação científica internacional sobre as interações entre o homem e o
ambiente, vigente até os dias atuais20 (KAVINSKI, 2009; ROCHA e SIMAN, 2005).
20 O sítio oficial do programa pode ser visitado em: http://www.unesco.org/new/en/natural-
sciences/environment/ecological-sciences/man-and-biosphere-programme/
36. 21
Ainda em 1968 e procurando seguir a conferência realizada em Paris, foi realizado no
Brasil o Simpósio sobre Conservação da Natureza e Restauração do Ambiente Natural,
organizado pela Academia Brasileira de Ciências e contando com o apoio da FBCN. O
simpósio brasileiro seguia as ideias preservacionistas e conservacionistas, conforme pode ser
verificado em parte do discurso de José Cândido de Melo Carvalho:
Entende-se por conservação da natureza e recursos naturais [...] a preservação do mundo
vivo, ambiente natural do homem, e dos recursos naturais renováveis da terra, fator
primordial da civilização humana. As belezas naturais, por outro lado, constituem fonte de
inspiração da vida espiritual e da satisfação indispensável das necessidades, essas cada dia
mais intensificadas devido à mecanização crescente da vida moderna. (CARVALHO,
1969 apud FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.66)
No mesmo ano, por iniciativa do industrial italiano Aurélio Peccei e do cientista
escocês Alexander King, foi criado um grupo denominado The Club of Rome (Clube de
Roma)21, atualmente uma organização sem fins lucrativos,
[…] cuja missão é a de atuar como um catalisador global para mudanças, mediante a
identificação e análise de problemas enfrentados pela Humanidade e a comunicação de
tais problemas aos mais importantes tomadores de decisão, públicos ou privadas, assim
como ao público em geral. […] E cujas atividades devem adotar uma perspectiva global
com fortalecimento da interdependência entre as Nações. Além disso, devem, por meio de
um pensamento holístico, alcançar um entendimento profundo da complexidade dos
problemas contemporâneos e adotar uma perspectiva transdisciplinar de longo prazo, que
se concentre nas escolhas e políticas que determinam o destino das gerações futuras.
(THE CLUB OF ROME, 2011, tradução nossa)
21 O Clube de Roma existe até hoje e o sítio do grupo pode ser visitado em http://www.clubofrome.org/.
37. 22
O Clube de Roma era composto de pessoas de diversos campos de atuação e
originárias de diferentes países e reuniu-se com o objetivo de examinar os problemas que
desafiavam a Humanidade (pobreza, degradação ambiental, crescimento urbano, dentre
outros) e debater o seu futuro (ARAÚJO et al., 2006 apud KAVINSKI, 2009, p.45). O grupo
produziu quatro relatórios de repercussão internacional, tendo sido o mais famoso desses, o
The Limits to growth (Os limites do crescimento), com mais de 12 milhões de cópias
vendidas e traduzido para cerca de 30 línguas (THE CLUB OF ROME, 2011).
As discussões acerca de tais problemas intensificam-se a partir da década de 1970, em
resposta aos desastres ambientais de repercussão internacional e ao modelo de
desenvolvimento que visava o crescimento econômico a qualquer custo. A partir dessa década
também presencia-se o aumento na frequência de eventos internacionais e de acordos
multilaterais assinados, conforme será visto a seguir.
1.3. Ecologismo Pós-Estocolmo (1970-2010)
A década de 1970 pode ser destacada como um marco, pela profusão de reflexões acerca do
desenvolvimento e dos problemas ambientais gerados por determinados estilos de vida, em
resposta a alguns desastres ambientais ocorridos entre as décadas de 1960 e 1980: “o da Baía
de Minamata, no Japão, o acidente de Bhopal, na Índia, e o acidente da usina nuclear de
Chernobyl, na extinta União Soviética” (BELLEN, 2006, p.17).
Já a década de 1980 foi marcada pelo aumento do interesse acadêmico pelos temas do
desenvolvimento22 e do ambiente, não apenas nas ciências sociais ou naturais já estabelecidas,
como também em campos onde há transversalidade de ciências, como a engenharia ambiental
e a economia ambiental (UNEP, 2004).
22 Mesmo antes de 1980, Celso Furtado se antecipara aos debates sobre desenvolvimento e meio ambiente. Em
1974, Celso Furtado discute o relatório do Clube de Roma “Os limites do crescimento”, ressaltando a não
inclusão da grande dependência de recursos não renováveis pelos países desenvolvidos em um modelo
econômico mundial (VIEIRA, 2004).
38. 23
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) faz uma divisão
temporal interessante sobre os avanços em relação ao desenvolvimento sustentável,
considerando que na década de 1980, perseguiu-se a definição de um conceito para o mesmo;
na década de 1990, houve uma profusão de esforços na sua implementação; e, a partir do ano
2000, diversas iniciativas foram consolidadas no sentido de acompanhar o progresso das
ações implementadas na década anterior (UNEP, 2004).
Essa seção está dividida em três períodos distintos, levando-se em conta essas
características. O período inicial, que inclui os anos de 1970 a 1990, foi marcado por
inúmeras tentativas de se conceituar sustentabilidade e desenvolvimento sustentável e pela
proposição de diversos modelos de interpretação para as relações entre sociedade e natureza,
culminando com a emergência de novos paradigmas de desenvolvimento, que levassem em
conta fatores sociais e ambientais, contrariamente ao que se observava a partir dos anos
iniciais da Revolução Industrial, quando buscava-se o crescimento econômico a qualquer
custo. O período de 1990 e 2000 é fecundo em ações para o desenvolvimento sustentável,
sendo propostos diversos índices sisntéticos e sistemas de indicadores para quantificar
aspectos sociais e ambientais (SCANDAR NETO, 2006). Finalmente, o período de 2000 a
201023, foi marcado por iniciativas de acompanhamento de tais ações, em outras palavras, no
acompanhamento do progresso dos países em relação às metas e objetivos para o
desenvolvimento sustentável acordados nas conferências realizadas no período anterior.
23 Último ano considerado no levantamento bibliográfico realizado para essa dissertação.
39. 24
1.3.1. Emergência dos paradigmas de desenvolvimento (1970-1990)
A década de 1970 presenciou o surgimento de um novo ecologismo, que se contrapôs às
antigas ideias de proteção da natureza, dando origem a duas correntes: a corrente ecocêntrica
(também denominada corrente biocêntrica, ecologia profunda, ou culto ao silvestre) e a
corrente antropocêntrica (MANNA, 2008).
De acordo com a corrente ecocêntrica, o ambiente natural é abordado em sua
totalidade e o homem é visto como mais um de seus componentes biológicos 24. Por outro
lado, a corrente antropocêntrica estabelece uma dicotomia homem-natureza, atribuindo
direitos de controle e posse do ambiente natural pelo homem e considerando que a natureza
não teria valor em si mesma, mas sim constituiria-se como uma reserva de recursos naturais à
disposição da humanidade (MANNA, 2008).
A corrente antropocêntrica originou duas outras correntes denominadas como
evangelho da ecoeficiência e ecologismo dos pobres. A ecoeficiência caracteriza-se por
uma preocupação com os efeitos do crescimento econômico, sendo representada pela
economista Ann Mari Jansson e, no Brasil, por Peter May, Maurício Amazonas e Ademar
Romeiro. Já o ecologismo dos pobres analisa a repartição desigual dos danos ambientais entre
países pobres e ricos, sendo Martínez-Alier um de seus maiores expoentes (CAVALCANTI,
2010).
24 Nesse sentido, ver livro muito interessante de Bruno Latour, publicado em 2004, “Políticas da Natureza:
como fazer ciência na democracia”, onde o autor discute em profundidade a utilidade das ideias da corrente
ecocêntrica no estabelecimento de um regime verdadeiramente democrático. O autor considera inclusive que
os entes naturais sejam partícipes do processo de decisão. Um olhar muito diferente para a problemática
ambiental enfrentada nos dias atuais, nos quais não se chega a um consenso a respeito de uma solução
plausível para a resolução dos antigos conflitos entre produção de bens de consumo e conservação do
ambiente.
40. 25
Em 1970, Paul R. Elrich, biólogo norte-americano, publicou Population, resources,
environments: Issues in Human Ecology (População, recursos, ambiente: problemas de
Ecologia Humana), uma das primeiras publicações em ecologia humana, a qual remonta aos
princípios malthusianos, que correlacionam o tamanho da população com a quantidade de
recursos disponíveis (GALIANA, 1998). Em oposição à ideia de que a degradação ambiental
fosse causada apenas pela pressão populacional, Barry Commoner, outro biólogo norte-
americano, publicou em 1971 The closing circle (O círculo que se fecha), onde relacionou a
crise ambiental ao modo de produção capitalista, pelo qual “as novas tecnologias introduzidas
após 1946, [...] produziam, segundo seus cálculos, 95% da emissão total de poluentes” (LEIS,
2004, p.54-55). Outros expoentes da ecologia humana na época foram LaMont Cole, Eugene
Odum, Kenneth Watt e Garret Hardin (LEIS, 1999).
Os debates entre Ehrlich e Commoner suscitaram a construção da tese do crescimento
zero pela comunidade científica, no final da década de 1960 e início de 1970, segundo a qual
deveria ser limitado o crescimento econômico em países do Terceiro Mundo, de modo a
estabilizar os níveis produtivos mundiais (SILVA, 2010).
A revista The ecologist (O ecologista) publicou em 1972 o manifesto The blueprint
to survival (Manifesto pela sobrevivência), assinado por cientistas ingleses e cuja autoria
principal atribui-se a Edward Goldsmith e Robert Allen, auxiliados por Michael Allaby, John
Davoll e Sam Lawrence, em contribuição com a Conferência das Nações Unidas sobre o
Ambiente Humano ou Conferência de Estocolmo (United Nations Conference on the
Human Environment, UNCHE), realizada no mesmo ano em Estocolmo (Suécia) (SILVA,
2010).
41. 26
A Declaração das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (ou Carta de
Estocolmo), de 1972, ressaltou “a necessidade de uma nova postura civilizatória, onde a
utilização dos recursos naturais deveria atender às necessidades das gerações presentes, assim
como garantir o suprimento das necessidades das gerações futuras”25 (ROCHA e SIMAN,
2005, p.6). Em seu segundo princípio, a Declaração de Estocolmo afirma que:
Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e,
especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados
em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou
administração adequados. (UNCHE, 1972, p.2, tradução nossa)
A realização da Conferência de Estocolmo precipitou a criação do United Nations
Environment Programme, UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente,
PNUMA), com a finalidade de coordenar as discussões ambientais em nível internacional
(RIBEIRO, 2010). Em 1973, Maurice Strong, então diretor do PNUMA, cunhou o termo
ecodesenvolvimento, “o qual é considerado […] como precursor do termo sustentabilidade”
(BRÜSEKE, 1998 apud ROCHA e SIMAN, 2005, p.6, grifo nosso), a partir da publicação do
artigo One year after Stockholm: An ecological approach to management (Um ano após
Estocolmo: uma abordagem ecológica para o gerenciamento):
Nas regiões ricas do mundo, é essencial identificar e perseguir novas direções para o
crescimento: perseguir padrões alternativos de consumo, que tenham menos impacto no
ambiente natural, que utilizem a energia menos intensamente, menos demandante por
recursos renováveis e mais sutil à reciclagem e à reutilização, […] alternando do critério
quantitativo para o qualitativo na tomada de decisão nacional. (STRONG, 1973, p.695)
25 Essa postura civilizatória, que aos desavisados poderia parecer inovadora, já havia sido sugerida pelo
movimento conservacionista, surgido no final do século XIX.
42. 27
Nesse artigo, Strong relatou os avanços em relação às diretrizes estabelecidas na
Conferência de Estocolmo e informou que a maioria dos 85 países que enviaram seus
relatórios ao Conselho de Governança do PNUMA estava elaborando um relatório ambiental
pela primeira vez. Por outro lado, ressaltou que os países que tinham essa experiência, já
incluíam o ambiente em sua estrutura de governo e em sua legislação (alguns até atualizando
suas leis), inclusive o Brasil (STRONG, 1973).
Ainda no ínicio da década de 1970, cinco convenções internacionais foram
estabelecidas na linha preservacionista/conservacionista: a Convenção sobre Zonas Úmidas
de Importância Internacional Especialmente como Habitat de Aves Aquáticas
(Convention on Wetlands of International Importance Especially as Waterfowl Habitat), de
1971, resultante da Conferência Internacional sobre Zonas Úmidas e Aves Aquáticas
(International Conference on the Wetlands and Waterfowl), realizada no mesmo ano em
Ramsar, no Irã; a Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de
Resíduos e outros Materiais (Convention on the Prevention of Marine Pollution by
Dumping of Wastes and Other Matter) e a Convenção para a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural (Convention Concerning the Protection of the World Cultural
and Natural Heritage), ambas de 1972 e resultantes da Conferência Geral das Nações Unidas
(General Conference of the UNESCO), realizada em Paris no mesmo ano; a Convenção
sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas
de Extinção (Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and
Flora, CITES), assinada em Washington em 1973, resultante de uma resolução da IUPN para
proteção de espécies ameaçadas de extinção, adotada em 1963; a Convenção sobre
Conservação de Espécies Migratórias de Animais Selvagens (Convention on the
Conservation of Migratory Species of Wild Animals), de 1979, resultante da Conferência de
Estocolmo de 1972 (STRONG, 1973; UNEP, 2004).
43. 28
O primeiro relatório do Clube de Roma, publicado em 1972 – The Limits to Growth
(Limites do crescimento), também conhecido como Relatório Meadows –, coadunou com o
Manifesto pela Sobrevivência, publicado na revista The Ecologist no mesmo ano (LEIS,
1999, p.55). Entretanto, a Tese do crescimento zero sofreu críticas de alguns países do
terceiro mundo, incluindo o Brasil, que desejavam experimentar o mesmo patamar de
desenvolvimento dos países do primeiro mundo (SILVA, 2010). O relatório foi uma resposta a
um número crescente de publicações que tratavam da relação sociedade-natureza e que
denunciavam a destruição do ambiente natural, com prejuízos à humanidade. O documento
considerou cinco variáveis (população, produção industrial, produção de alimentos,
exploração dos recursos naturais e poluição), indicando que mesmo na presença de
significativos aumentos de produtividade, o crescimento da população conduziria a uma
escassez crônica de alimentos. O relatório foi criticado por países latino-americanos que
questionaram a validade das variáveis, argumentando que deram mais ênfase aos aspectos
ambientais em detrimento dos sociais (LEIS, 1999 apud KAVINSKI, 2009, p.46). De acordo
com Odum (1985), o relatório recebeu críticas de muitos líderes políticos, que não admitiam
que a humanidade não conseguiria encontrar uma saída para a problemática levantada:
Embora o propósito de The Limits to Growth fosse mostrar simplesmente o que poderia
acontecer se não mudássemos os nossos hábitos, muitas pessoas, inclusive a maioria dos
líderes políticos e um grande segmento do público, entenderam o relatório como se ele
estivesse prevendo o fim da civilização. Consequentemente, houve uma tempestade de
críticas. Muitos frisaram que os modelos não levavam em consideração a nova tecnologia,
a descoberta de novos recursos, a substituição de recursos esgotados por um recurso novo
etc. A maioria das pessoas parecia sentir que a humanidade seria esperta demais para
entrar em um ciclo de aumento e colapso e que nós pararíamos ou mudaríamos o nosso
estilo antes de chegarmos a esse ponto. (ODUM, 1985, p.343)
44. 29
Em resposta às críticas ao Limites do crescimento, o segundo relatório do Clube de
Roma, Mankind at the turning point (A humanidade no ponto de mudança), foi preparado
por Mihajlo Mesarovic e Eduard Pestel e publicado em 1974. O relatório dividiu a Terra em
10 regiões geográficas interdependentes. As conclusões desse segundo relatório são similares
às do primeiro, prevendo um desastre ambiental mundial, caso fosse dado continuidade ao
crescimento populacional desordenado. Também indicou dois desníveis principais que
estariam no cerne da crise ambiental: entre os seres humanos e a natureza e aquele entre
pobres e ricos. Como solução, o relatório sugere que se almeje uma condição de crescimento
orgânico, segundo o qual tais desníveis possam ser dirimidos. De acordo com essa visão, “o
desenvolvimento deve ser específico à região, porém globalmente orientado, em vez de
baseado em interesses nacionais restritos” (ODUM, 1985, p.343).
Em 1975, Edward Goldsmith (1928-2009) publicou Strategy for tomorrow
(Estratégia para o amanhã), onde criticou os pressupostos do modelo adotado na elaboração
do segundo relatório do Clube de Roma, por refletirem os valores da industrialização e por
não contemplarem a via da desindustrialização (GOLDSMITH, 1975). Goldsmith defendia a
tese do (des)desenvolvimento de forma a diminuir as desigualdades e alcançar um patamar
de estabilidade ou, segundo ele, de sobrevivência (da espécie humana). A busca por uma
estratégia para o futuro deveria passar pela consulta aos especialistas e não pela observação
dos resultados apresentados no segundo relatório do Clube de Roma. Tais especialistas
deveriam ser capazes de pensar nos problemas objetivamente e em seu contexto evolucionário
e não em termos dos valores da industrialização. E sugere ainda que esse é um reflexo do mito
da ciência moderna, que estabelece uma dicotomia entre fatos e valores e que, até então, não
haviam conseguido quantificar os valores humanos (GOLDSMITH, 1975).