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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE
   ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS - ENCE




       DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
        DA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CONCEITO
            ÀS EXPERIÊNCIAS DE MENSURAÇÃO




                                  RAQUEL DEZIDÉRIO SOUTO



                      DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ESTUDOS
                         POPULACIONAIS E PESQUISAS SOCIAIS
                                  ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:
                                 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO
                                 ESTATÍSTICA E GEOGRÁFICA




                                              ORIENTADOR:
                      PROF. DOUTOR NELSON DE CASTRO SENRA




                     RIO DE JANEIRO
                  30 DE MARÇO DE 2011
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE
   ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS - ENCE




        DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
          DA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CONCEITO
              ÀS EXPERIÊNCIAS DE MENSURAÇÃO




                                                      Raquel Dezidério Souto




         Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial para
    obtenção do título de Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais,
     na área de concentração Sistemas de Informação Estatística e Geográfica,
               da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE).




                                ORIENTADOR:
            PROF. DOUTOR NELSON DE CASTRO SENRA




                              RIO DE JANEIRO
                           30 DE MARÇO DE 2011
FICHA CATALOGRÁFICA



S728d SOUTO, Raquel Dezidério

        Desenvolvimento sustentável: da tentativa de definição do conceito às
     experiências de mensuração / Raquel Dezidério Souto. –
         2011.
         283 f.
         Inclui bibliografia e anexos.

          Orientador: Prof. Dr. Nelson de Castro Senra
          Dissertação (Curso de Mestrado) – Escola Nacional de Ciências
     Estatísticas. Programa de Pós-Graduação em Estudos Populacionais e
     Pesquisas Sociais.

            1. Desenvolvimento sustentável. 2. Indicadores sociais. 3. Sociologia –
     Métodos estatísticos – Tese. 4. Documentação – Tese. I. Senra, Nelson de Castro.
     II. Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Brasil). III. IBGE. IV. Título.

                                         CDU: 338.1:504
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
      DA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CONCEITO
          ÀS EXPERIÊNCIAS DE MENSURAÇÃO



                     Raquel Dezidério Souto




     Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais,
 na área de concentração Sistemas de Informação Estatística e Geográfica,
           da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE).



                        30 DE MARÇO DE 2011

                        Banca Examinadora



          ______________________________________
             Nelson de Castro Senra – orientador
            Escola Nacional de Ciências Estatísticas



          ______________________________________
              Paulo de Martino Jannuzi – Doutor
            Escola Nacional de Ciências Estatísticas



          ______________________________________
          Rogério de Aragão Bastos do Valle – Doutor
            Universidade Federal do Rio de Janeiro
Dedico a ...

     Flávio Lacerda,
     Nelson Senra,
     Anna Paula Gonçalves e
     Leandra Rosa,
     pessoas que jamais desistem.




ii
Agradeço …


A Deus, Senhor de todas as coisas
A Flávio Lacerda, pelo amor e incentivo a continuar
A Nelson Senra, pela confiança incondicional
Aos meus pais e a minha sogra, pelo amor
Aos meus irmãos e colegas de curso, pelo companheirismo
A Paulo Jannuzzi e Rogério Bastos, pelas contribuições
À ENCE e à CAPES, pela oportunidade
Aos professores da ENCE, pela instrução




                  iii
Um sábio evita dizer ou fazer o que não sabe.
Se os nomes não condizem com as coisas,
há confusão de linguagem e as tarefas não se executam.
Se as tarefas não se executam,
o bem-estar e a harmonia são negligenciados.
Sendo estes negligenciados,
os suplícios e demais castigos não são proporcionais às faltas,
o povo não sabe mais o que fazer.
Um princípe sábio dá às coisas os nomes adequados
e cada coisa deve ser tratada segundo o significado do seu nome.
Na escolha dos nomes deve-se estar muito atento.
(...) Suponhamos que um homem aprenda as trezentas odes de Chen King e que,
em seguida, se fosse encarregado de uma parte da administração, mostrasse
pouca habilidade; se fosse enviado em missão a países estrangeiros, mostrasse
incapacidade para resolver por si mesmo; de que lhe teria servido toda a sua
literatura?
(...) Se o próprio príncipe é virtuoso, o povo cumprirá os seus deveres sem que
lhe ordene; se o próprio príncipe não é virtuoso, pouco importa que dê ordens; o
povo não as seguirá.


                                                     (Confúcio, em “Os Anacletos”)




                                    iv
RESUMO

O que é desenvolvimento sustentável? Como se mede? No trabalho, são investigadas a origem

histórica da tentativa de definição do conceito do desenvolvimento sustentável e as tendências

recentes de sua operacionalização, com a exemplificação de modelos de avaliação, marcos

referenciais/ordenadores e indicadores sintéticos, culminando em uma análise comparativa

entre dez sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável, de instituições

multinacionais e nacionais, incluindo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As iniciativas multinacionais escolhidas foram: Projeto GEO, REDESA e ILAC; as nacionais:

SayDS (Argentina), Statistics Canada (Canadá), INEGI (México), APA (Portugal), DEFRA

(Reino Unido) e IBGE (Brasil). A retrospectiva histórica confirmou que há períodos que são

caracterizados por visões semelhantes sobre a relação sociedade-natureza e que, mais

rcentemente, houve a emergência da noção do desenvolvimento sustentável, marcada pela

grande profusão de congressos internacionais e pela formulação de métodos de avaliação

para acompanhamento das ações humanas e orientação das políticas públicas voltadas ao

crescimento econômico aliado à conservação ambiental e à justiça social. A análise

comparativa dos sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável revelou que

possuem características muito diversificadas e que poucos são os indicadores utilizados por

mais de uma fonte, o que indica que sua escolha vem sendo feita de acordo com as

especificidades e necessidades dos países. A partir da divulgação dos resultados da pesquisa,

espera-se trazer à luz as tendências recentes e potencialidades do uso de sistemas de

indicadores de desenvolvimento sustentável e contribuir para o aperfeiçoamento daqueles

mantidos atualmente no Brasil.


Palavras-chave: Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, Sistemas de indicadores,
Desenvolvimento sustentável, Sustentabilidade, Sociologia das estatísticas, Documentação e
disseminação de informações, IBGE, Brasil.

                                              v
ABSTRACT

What is sustainable development? How to measure it? In this work, the historical origin of the

attempt to definition of the sustainable development's concept and the recent trends of its

operationalization are investigated, with the exemplification of models of evaluation,

frameworks and synthetic indicators, culminating in a comparative analysis of ten systems of

sustainable development indicators, from multinationals and national institutions, including

the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The chosen multinational

initiatives are: Project GEO, REDESA and ILAC; the nationals: SayDS (Argentina), Statistics

Canada (Canada), INEGI (Mexico), APA (Portugal), DEFRA (the United Kingdom) and

IBGE (Brasil). The historical retrospect confirmed there are periods characterized by similar

visions about the society-nature relation and more actualy, there is the emergency of the

sustainable development's notion, shown for the great profusion of international congresses

and for the formularization of evaluation methods for accompaniment of the human actions

and for orientation of the public polices directed to the economic growth ally to the ambient

conservation and social justice. The comparative analysis of the systems of sustainable

development indicators disclosed that they possess very diversified characteristics and a few

them are using same indicators, what indicates that its choice is being done in accordance

with specificities and needs of the countries. From the spreading of the results of this

research, one expects to bring to the light the recent trends and potentialities of the use of the

systems of sustainable development indicators and to contribute for the perfectioning of those

currently kept in Brazil.



Keywords: Sustainable development indicators, Systems of indicators, Sustainable
development, Sustainability, Sociology of Statistics, Documentation and dissemination of
information, IBGE, Brasil.


                                               vi
LISTA DE FIGURAS


Figura 1 – Subsistema econômico como um sistema aberto contido no
           ecossistema, segundo a visão da economia ecológica …........................                                36
Figura 2 – Diagrama da restrospectiva histórica (1800-2010) …..............................                            68
Figura 3 – Triângulo de sustentabilidade de Peter Nijkamp …..................................                          79
Figura 4 – Indicadores componentes da Pegada Ecológica …..................................                             92
Figura 5 – Temas, sub-temas e Indicadores componentes do Relatório Planeta
           Vivo de 2006 …........................................................................................      94
Figura 6 – Indicadores componentes e fluxograma de cálculo do Índice de Bem-
           estar Econômico Sustentável (IBES) …...................................................                     99
Figura 7 – Indicadores componentes da avaliação Bem-estar das Nações …............                                     101
Figura 8 – Subsistemas e indicadores componentes do barômetro de
          sustentabilidade ….....................................................................................      104
Figura 9 – Temas, sub-temas e Indicadores do Índice de Vulnerabilidade
           Ambiental ….............................................................................................    106
Figura 10 – Dimensões e Indicadores componentes do Índice de Progresso
           Genuíno (IPG) ......................................................................................... 108
Figura 11 - Exemplo de gráfico gerado aplicando-se o método do painel da
            sustentabilidade .......................................................................................   115
Figura 12 – Sistema de concepção da estatística ambiental ….................................                           119
Figura 13 – Esquema do desenvolvimento sustentável, segundo a CDS …..…........                                         123
Figura 14 – Um exemplo de sistemas aninhados segundo uma abordagem holística                                           126
Figura 15 – Esquema conceitual do marco ordenador Pressão-Estado-Resposta
           (PER) …..................................................................................................   129
Figura 16 – Marco ordenador FPEIR …....................................................................                132
Figura 17 – Número de indicadores e de instituições colaboradoras nos IDS-Brasil                                       153
Figura 18 – Tela de inserção das referências comentadas …...................................... AIII-2
Figura 19 – Tela de consulta das referências comentadas ….....................................                         AIII-3




                                                               vii
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Eventos e publicações destacados no período 1800-2010 ….................                                     63
Quadro 2 – Três aproximações paradigmáticas da sustentabilidade ….....................                                  71
Quadro 3 – Aspectos positivos e negativos do uso de indicadores sintéticos ….......                                     82
Quadro 4 – Prós e contras dos indicadores compostos …..........................................                         83
Quadro 5 – Temas e indicadores do Índice de Desempenho Ambiental e pesos
           associados …...........................................................................................      96
Quadro 6 – Lógica dos componentes do Índice de Sustentabilidade Ambiental
           (2005) …..................................................................................................   110
Quadro 7 – Componentes, temas e indicadores do Índice de Sustentabilidade
           Ambiental …............................................................................................      111
Quadro 8 – Dimensões e indicadores do Painel de Sustentabilidade …....................                                  116
Quadro 9 – Métodos de mensuração da sustentabilidade que utilizam indicadores
           sintéticos e dimensões contempladas ….................................................                       118
Quadro 10 – Exemplo de esquema do marco ordenador Pressão-Estado-Resposta
           (PER) ….................................................................................................     128
Quadro 11 – Esquema do marco ordenador Força-motriz-Estado-Resposta (FER)                                               131
Quadro 12 – Estrutura do Esquema para Elaboração de Estatísticas do Meio
           Ambiente (EEEMA) ..............................................................................              134
Quadro 13 – Estrutura do Marco para o Desenvolvimento de Estatísticas
           Ambientais (FDES) …...........................................................................               135
Quadro 14 – Classificação dos países quanto aos avanços em relação ao
           desenvolvimento de indicadores de desenvolvimento sustentável e
           outras informações ….............................................................................            142
Quadro 15 – Enquadramento das iniciativas segundo os objetivos do sistema de
           indicadores ….........................................................................................       161
Quadro 16 – Enquadramento das iniciativas por modo de desenvolvimento do
            sistema …..............................................................................................     164
Quadro 17 – Critérios de seleção de indicadores mencionados pelas fontes ….......                                       165
Quadro 18 – Enquadramento das iniciativas por tipo de arquitetura do sistema ….                                         166
Quadro 19 – Forma de divulgação dos sistemas e apresentação/abrangência
            espacial dos indicadores …...................................................................               169
Quadro 20 – Lista de temas e indicadores do sistema de indicadores do Projeto
            GEO …..................................................................................................     AI-1




                                                              viii
Quadro 21 - Lista de temas, subtemas e indicadores do sistema de indicadores da
            REDESA …...........................................................................................        AI-2
Quadro 22 - Temas, metas e indicadores do sistema de indicadores da ILAC …....                                         AI-4
Quadro 23 – Lista de categorias e indicadores do sistema de indicadores de SayDS
            (Argentina) …........................................................................................      AI-6
Quadro 24 – Lista de dimensões e indicadores do sistema de indicadores de IBGE
            (Brasil) …..............................................................................................   AI-8
Quadro 25 – Lista de categorias e indicadores do sistema de indicadores de
            Statistics Canada (Canada) …...............................................................                AI-10
Quadro 26 – Lista de temas, níveis e indicadores do sistema de indicadores de
            INE (Espanha) …..................................................................................          AI-12
Quadro 27 – Lista de categorias, temas e indicadores do sistema de indicadores de
            INEGI (México) …...............................................................................            AI-16
Quadro 28 – Lista de temas, dimensões e indicadores do sistema de indicadores de
            APA (Portugal) ….................................................................................          AI-19
Quadro 29 – Lista de temas e indicadores do sistema de indicadores de DEFRA
            (Reino Unido) …...................................................................................         AI-20
Quadro 30 – Matriz de indicadores ….......................................................................             AII-1




                                                               ix
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO …................................................................................................................... 1

1. DA CONSCIÊNCIA DA INFLUÊNCIA ANTRÓPICA AO DESENVOLVIMENTO
    SUSTENTÁVEL …........................................................................................................... 8

     1.1. Atenções voltadas para o impacto das atividades humanas (1800-1900) ….............. 11
     1.2. Ambientalismo Pré-Estocolmo (1900-1970) …......................................................... 15
     1.3. Ecologismo Pós-Estocolmo (1970-2010) ….............................................................. 22
          1.3.1. Emergência dos paradigmas de desenvolvimento (1970-1990) …................. 24
          1.3.2. Implementação de ações para o desenvolvimento sustentável (1990-2000) .. 48
          1.3.3. Acompanhamento das ações para o desenvolvimento sustentável (2000-2010)
                     …..................................................................................................................... 56

2. A MENSURAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE: PRINCIPAIS ABORDAGENS .... 69

    2.1. Sustentabilidade, modelos de avaliação, indicadores e índices ….............................. 70
    2.2. Métodos que fazem uso de indicadores síntéticos ….................................................. 82
          2.2.1. Abordagem que utiliza apenas o meio humano/social …................................ 84
                    a) Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) …........................................... 84
          2.2.2. Abordagens que utilizam apenas o meio econômico ….................................. 87
                    a) Indicador de Poupança Verdadeira ….......................................................... 87
                    b) Índice de Bem-estar Econômico …............................................................. 88
          2.2.3. Abordagens que utilizam apenas o meio biofísico …...................................... 88
                    a) Pegada Ecológica ….................................................................................... 88
                    b) Índice Planeta Vivo …................................................................................. 93
                    c) Índice de Desempenho Ambiental ….......................................................... 95
          2.2.4. Abordagens mistas …...................................................................................... 97
                     a) Índice de Bem-estar Econômico Sustentável …......................................... 97
                     b) Avaliação Bem-estar das Nações …......................................................... 100
                     c) Barômetro de Sustentabilidade …............................................................ 102
                     d) Índice de Vulnerabilidade Ambiental …................................................... 105
                     e) Índice de Progresso Genuíno …................................................................ 107


                                                                    x
f) Índice de Sustentabilidade Ambiental …................................................... 109
                  g) Painel da sustentabilidade ….................................................................... 114
  2.3. Marcos referenciais …............................................................................................... 119
        2.3.1. Marco simples de componentes ambientais …............................................... 120
        2.3.2. Marco da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas
                (UNCSD) …................................................................................................... 121
        2.3.3. Marco do capital natural …............................................................................ 124
        2.3.4. Marcos sistêmicos da relação sociedade-natureza …..................................... 125
  2.4. Marcos ordenadores …............................................................................................. 127
       2.4.1. Marco Pressão-Estado-Resposta (PER) …...................................................... 127
       2.4.2. Variantes do marco ordenador PER: marco Força-motriz-Estado-Resposta
                (FER), marco Pressão-Estado-Impacto-Resposta (PEIR) e marco Força-motriz-
                Pressão-Estado-Impacto-Resposta (FPEIR) …............................................... 130
       2.4.3. Esquema para Elaboração de Estatísticas de Meio Ambiente (EEEMA) …... 133
       2.4.4. Marco para o desenvolvimento de estatísticas ambientais (FDES) …............ 134


3. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS INSTITUCIONAIS EM PRODUÇÃO DE SISTEMAS
 DE INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL …..................... 137

  3.1. Iniciativas de instituições multinacionais …............................................................. 143
       3.1.1. Projeto Global Environment Outlook (Projeto GEO) …................................. 143
       3.1.2. Rede de Instituições e Especialistas em Estatísticas Sociais e Ambientais da
                América Latina e Caribe (REDESA) ….................................................................. 144
       3.1.3. Iniciativa Latino-americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável
                (ILAC) …........................................................................................................ 145
  3.2. Iniciativas de instituições nacionais …..................................................................... 147
       3.2.1. SayDS (Argentina) ….................................................................................... 147
       3.2.2. IBGE (Brasil) …............................................................................................ 148
       3.2.3. Statistics Canada (Canadá) …........................................................................ 154
       3.2.4. INE (Espanha) …........................................................................................... 155
       3.2.5. INEGI (México) …........................................................................................ 156
       3.2.6. APA (Portugal) ….......................................................................................... 157
       3.2.7. DEFRA (Reino Unido) ….............................................................................. 158



                                                              xi
3.3. Análise comparativa entre a iniciativa do IBGE e as de outras fontes observadas .. 159
         3.3.1. Objetivos …................................................................................................... 161
         3.3.2. Modelo conceitual …..................................................................................... 162
         3.3.3. Modo de desenvolvimento …........................................................................ 163
         3.3.4. Critérios de seleção dos indicadores …......................................................... 164
         3.3.5. Tipo de arquitetura ….................................................................................... 165
         3.3.6. Forma de divulgação do sistema e cobertura geográfica/apresentação dos
                   indicadores …................................................................................................ 166
         3.3.7. Matriz de indicadores …................................................................................ 170


CONSIDERAÇÕES FINAIS …......................................................................................... 174


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ….......................................................................... 183


ANEXO I - LISTAS DE INDICADORES DAS INICIATIVAS DE INSTITUIÇÕES
                 NACIONAIS E MULTINACIONAIS

ANEXO II - MATRIZ DE INDICADORES

ANEXO III - SISTEMA DE REGISTRO DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
                    COMENTADAS


LICENÇA PARA UTILIZAÇÃO DA OBRA




                                                               xii
1

INTRODUÇÃO

                                 O género humano assemelha-se a uma pirâmide cujo vértice - um
                                 homem, o primeiro homem - se esconde nas alturas quase inacessíveis
                                 de sessenta séculos sobrepostos uns aos outros, e cuja base, de
                                 miríades de indivíduos, poisa no abismo incomensurável de um futuro
                                 desconhecido. (Alexandre Herculano)



Houve um tempo em que bastava ao Homem matar sua sede e se alimentar. Mas esse tempo

há muito já passou e a Humanidade evoluiu ao ponto de criar estruturas e alimentos artificiais

e comercializá-los. Nesse longo caminho1, muitas preocupações passaram a povoar a mente

humana: primeiro, tomando ciência de que não estava sozinho no mundo, o Homem

preocupou-se em sobreviver em meio à selva e em meio às tempestades. Mas depois, tomando

ciência de que influenciava o lugar onde morava, preocupou-se em como estava alterando o

seu entorno. As preocupações do Homem, quanto mais ele se afastava daquele tempo em que

lhe bastava matar a sede e se alimentar, tomaram tamanha magnitude, que o Homem começou

a se juntar a outros homens e todos começaram a pensar que estavam alterando o planeta. Da

preocupação com a alteração do planeta, o Homem, junto a outros homens, convocaram os

homens de lugares muito distantes do seu local de morada porque pensavam que estavam

alterando o planeta a tal ponto, que isso teria consequências funestas para a própria

Humanidade. E, na mesma medida em que o Homem não precisava mais utilizar a enxada

porque tinha um trator e tinha empregados, ou que não precisava mais enviar recados pelo

pombo correio porque tinha um computador ligado à Internet para falar com os outros

homens, o Homem viu que era ameaçado não apenas pelas alterações ambientais, mas


1 A origem humana é ainda polêmica, mas a partir de estudo genético recente com mais de 4 milhões de
  genótipos, estima-se que os primeiros humanos modernos (Homo sapiens) surgiram na Terra há cerca de 200
  mil anos atrás, provavelmente na fronteira entre as atuais África do Sul e Namíbia (HARMON, 2009). A
  citação de Alexandre Herculano, que abre a presente introdução, faz referência ao Homem do neolítico
  (8.000 a 5.000 a.c.), que deixou sua vida nômade, fixando-se às margens de rios e lagos, cultivando trigo,
  cevada e aveia e domesticando ovelhas e bois (ver http://www.algosobre.com.br/historia/pre-historia-a-
  origem-do-homem.html).
2

também pela maneira com a qual se relacionava com os outros homens: miséria, fome,

doenças, a morte.

       A realidade do Homem então ficou tão complexa, que o Homem resolveu que devia

agora levar em conta todos esses fatores para resolver o problema como se apresentava e

propôs aquilo que hoje se denomina “Desenvolvimento Sustentável”. Um modelo de

desenvolvimento que leve em conta o o crescimento econômico aliado à conservação

ambiental e à igualdade social.




Desenvolvimento Sustentável. Para alguns, uma utopia, para outros, a única maneira de

abordar o problema. Para alguns, uma plataforma de campanha, para outros, o que move suas

ações localmente, fortalecendo comunidades que buscam sua sobrevivência. Para alguns, a

chance de vender um produto a preços mais elevados, para outros, a chance de vender seus

produtos sem alterar o ambiente a tal ponto de não poder mais fazer uso dele e sem explorar

seus semelhantes a tal ponto que não sejam mais seus partícipes na produção.

       Assim, a indagação que o Homem faz ao tempo do século XXI, o tempo mais distante

daquele em que apenas matava sua sede e se alimentava é: temos obtido sucesso em resolver

tamanho problema? Para responder a essa questão, o Homem definiu conceitos, criou

métodos e assinou acordos multilaterais tão ou mais diversificados quanto os fatores

envolvidos no problema que esperava resolver. Para o Homem, o céu é o limite. Mas,

infelizmente, o que se viu com isso é que o Homem não mais consegue se entender com os

outros homens e nessa vereda, os problemas persistem. O Homem não consegue encontrar o

tão almejado equilíbrio com os seus semelhantes e com o ambiente no qual está inserido.
3

        O presente trabalho procura mostrar exatamente como o problema da sustentabilidade

foi enfocado pelo ocidente, a partir do início do século XIX, chegando-se ao tempo da

construção de métodos para acompanhar as ações humanas. A fim de obter tal objetivo, vale-

se tanto do levantamento de eventos e publicações pertinentes ao tema, quanto da observação

dos principais métodos de mensuração da sustentabilidade ambiental ou do desenvolvimento

sustentável levados a cabo por indivíduos notáveis e instituições nacionais/multinacionais.

Por fim, apresenta uma análise comparativa envolvendo a iniciativa do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) de formulação de um sistema de indicadores de

desenvolvimento sustentável para o Brasil. A partir da publicação dos resultados, busca-se

cooperar para o aperfeiçoamento dos sistemas de indicadores mantidos no país, tanto pelo

IBGE, quanto pelas instituições em níveis estadual e municipal.

        A dissertação está estruturada em três capítulos, além dessa introdução e das

considerações finais. O capítulo 1 faz uma breve recuperação histórica do caminho percorrido

desde o tempo em que predominava a preocupação com a sustentabilidade socioambiental até

um tempo recente, fecundo em tentativas de formulação para uma definição adequada ao

termo “desenvolvimento sustentável”. A partir de consulta à bibliografia disponível em sua

maior parte na Internet2, apresentam-se especialmente as principais conferências e

documentos multilaterais derivados, além dos livros publicados, que se destacaram no mundo

ocidental desde o início do século XIX até o início do século XXI.

2 Foram consultadas as fontes bibliográficas listadas abaixo, utilizando-se as palavras-chave
  “sustentabilidade”, “desenvolvimento sustentável” e “indicadores” (e seus equivalentes em inglês e
  espanhol):
• Biblioteca Virtual da FAPESP (http://www.bv.fapesp.br/php/index.php);
• Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaPeriodicoForm.jsp);
• Acesso Livre (http://acessolivre.capes.gov.br/);
• Revista Estudos Avançados da USP (http://www.scielo.br/scielo.php/script_sci_serial/lng_pt/pid_0103-
   4014/nrm_iso);
• Repositório Scielo (http://search.scielo.org/index.php);
• Diretório de Teses e Dissertações da USP (http://www.teses.usp.br/ );
• Acervo do IBGE disponível na Internet (http://biblioteca.ibge.gov.br/index.htm);
• Base Minerva da UFRJ (http://146.164.2.41:8991/F/);
• Catálogo On-line da FGV-RJ (http://www.fgv.br/bibliotecas/rj/catalogo/);
• Rede de Bibliotecas Virtuais da CLACSO (http://www.biblioteca.clacso.edu.ar/)
4

        No levantamento, fez-se três opções para limitar o conteúdo, de natureza

evidentemente abrangente. Inicialmente, optou-se por elencar prioritariamente as conferências

e obras internacionais, uma vez que a bibliografia disponível para o Brasil encontra-se em sua

maior parte ainda disponível em papel3. A outra opção refere-se à estruturação do primeiro

capítulo não a partir de uma divisão de acordo com as dimensões da sustentabilidade, como

fez Bellen (2006), mas seguindo a ordem cronológica dos eventos, ressaltando-se os períodos

em que houve semelhança em relação às abordagens vigentes para o enfrentamento dos

problemas socioambientais. A terceira e última opção foi a de selecionar as conferências e

obras que enquadram-se nas temáticas pertinentes às dimensões ambiental e/ou econômica.

Esse levantamento mostra-se necessário para o entendimento sobre como evoluiu ao longo do

tempo a percepção humana da delicada relação sociedade-natureza e serve de base para o

aprofundamento realizado no capítulo 2, que enfoca algumas abordagens para mensuração da

sustentabilidade, recorrentemente encontradas na literatura consultada. Nessa etapa da

pesquisa, foi possível mesmo confirmar que as percepções sobre a relação sociedade-natureza

tomam nuances distintas, a depender não apenas dos agentes, mas especialmente da época

vigente.

        O capítulo 2 aprofunda a caracterização do período mais recente, no qual são

concentrados esforços para o acompanhamento das ações humanas. Para tanto, apresenta

algumas abordagens para a mensuração da sustentabilidade, sendo exemplificados modelos

para sua avaliação, marcos referenciais e ordenadores, além de métodos que fazem uso de

indicadores sintéticos4. Dois critérios de seleção foram utilizados. Primeiramente, optou-se

por ressaltar as abordagens desenvolvidas por pessoas notáveis no meio científico e
3 Ainda assim, faz-se menção a alguns fatos e documentos do Brasil, quando os mesmos estavam disponíveis
  para consulta na Internet e/ou foi considerado ser relevante mencioná-los.
4 Há diversas definições para “indicador sintético”, mas a adotada nesse trabalho é a mesma adotada por
  Scandar Neto (2006), a qual será apresentada no capítulo 2. Há ainda uma série de abordagens relacionadas
  às contas ambientais e sua relação com os Sistemas de Contas Nacionais (SCN) dos países, mas são serão
  tratadas nesse capítulo, por fugirem ao escopo da análise levada a cabo no capítulo 3, que tratará da
  comparação do sistema de indicadores de desenvolvimento sustentável mantido pelo IBGE com outros, de
  instituições nacionais e multinacionais.
5

instituições multinacionais, uma vez que, de acordo com Quiroga (2001), tais instituições

contam com amplo acesso a recursos financeiros e técnicos, o que assegura o nível técnico e

científico de suas propostas. O segundo critério adotado foi elencar os métodos de

mensuração que se enquadram na dimensão ambiental e/ou econômica. O levantamento

realizado no capítulo não tem a pretensão de ser exaustivo, mas oferece um panorama

considerável sobre os marcos referenciais e ordenadores e os métodos de avaliação

recorrentes na literatura consultada. Uma parte da lista adotada advém dos resultados do

levantamento realizado por Bellen (2006). Tal levantamento serve de arcabouço teórico-

conceitual para o entendimento do capítulo seguinte e também mostra-se útil por fornecer um

inventário de métodos de mensuração relacionados à temática, um trabalho encontrado com

pouca frequência na literatura disponível.

       O capítulo 3 apresenta algumas experiências institucionais em produção de sistemas

de indicadores de desenvolvimento sustentável, culminando em uma análise comparativa

entre a iniciativa do IBGE de publicação dos “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável –

Brasil” (IDS-Brasil) e outras iniciativas, de instituições nacionais e multinacionais, em relação

ao desenvolvimento de sistemas de indicadores de sustentabilidade/desenvolvimento

sustentável. No total, são avaliados dez sistemas de informação de indicadores. A escolha das

instituições nacionais e multinacionais seguiu três critérios, que são fundamentados naqueles

utilizados pelo Governo de Québec (2007) em sua análise comparativa de sistemas de

indicadores de desenvolvimento sustentável (IDS):

   i. a relevância para a situação social, econômica, ambiental, geográfica, política e

       cultural do país (no caso, o Brasil);

   ii. a metodologia empregada e o nível de expertise; e

   iii. a originalidade do sistema e sua diversidade.
6

        Nesse sentido, foram escolhidas algumas instituições nacionais com sistemas

estatísticos consolidados e reconhecidos internacionalmente e que apresentam iniciativas

próprias de desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade/desenvolvimento sustentável,

parte localizada no continente americano – SayDS (Argentina), IBGE (Brasil), Statistics

Canada (Canadá) e INEGI (México) –, parte na Europa – INE (Espanha), APA (Portugal), e

DEFRA (Reino Unido)5. Em relação às iniciativas das instituições multinacionais, foram

escolhidas aquelas relacionadas à América Latina – Rede de Especialistas em estatísticas

sociais e ambientais da América Latina e Caribe (REDESA) e Iniciativa Latino-americana e

Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável (ILAC) –, além do Projeto GEO 6. A análise

comparativa mostrou que os sistemas de indicadores mantidos pelas instituições contempladas

são muito diversos e que a iniciativa do IBGE apresenta características peculiares, ressaltadas

e valorizadas nesse trabalho.




5 A Colômbia também apresenta uma iniciativa nacional de desenvolvimento de IDS, porém com uma lista
  muito pequena de indicadores e quase nada documentada, o que não tornaria viável a análise comparativa,
  não sendo incluída na lista. Outros três países não foram incluídos na lista para não gerar redundância de
  informações – a Costa Rica e o Peru seguem a lista de IDS recomendada pela ILAC, e o Chile segue a lista
  da CDS-ONU, que já é contemplada pelo caso do Brasil. Iniciativas de instituições nacionais de outras
  regiões do mundo também apresentam notoriedade internacional em matéria de desenvolvimento de sistemas
  de IDS, mas não foram incluídas para não estender demais a lista de fontes, o que tornaria a análise
  comparativa inviável. As iniciativas incluídas (referentes ao Canadá, Espanha, Portugal e Reino Unido)
  foram escolhidas pela diversidade de arquiteturas de seus sistemas de indicadores, o que enriquecerá
  sobremaneira a análise, lançando luz sobre possíveis caminhos a serem trilhados para melhoria dos sistemas
  brasileiros de indicadores tanto em nível nacional quanto subnacional. Para ver uma lista interessante de
  instituições nacionais, porém não exaustiva, consultar APA (2007, p.A-26).
6 Algumas das mencionadas iniciativas não são relacionadas ao desenvolvimento sustentável em sentido
  estrito, por apresentarem indicadores em sua maioria ligados à dimensão ambiental da sustentabilidade,
  podendo ser melhor consideradas como uma avaliação do ambiente. Ainda assim, considerou-se importante
  incluí-las por três motivos: i) por apresentarem vinculação com a América Latina (caso da ILAC); ii) por
  apresentarem metodologia consagrada internacionalmente em avaliação de indicadores voltados ao ambiente,
  dimensão fundamental da sustentabilidade (caso do Projeto GEO) e iii) por todas as três (REDESA, ILAC e
  Projeto GEO) terem sido incluídas no termo de referência No. 44-B de maio de 2009, do Ministério do Meio
  Ambiente do Brasil, que objetivava a sistematização de um conjunto de indicadores ambientais e de
  desenvolvimento sustentável de abrangência nacional. Ressalta-se ainda que os indicadores da “Evaluación
  de la Sostenibilidad en América Latina y el Caribe” (ESALC/CEPAL) não serão pormenorizados, pois já são
  contemplados na iniciativa da Argentina, país que seguiu o mesmo modelo proposto pela ESALC, o que
  geraria redundância de informações no presente trabalho. O mesmo ocorre com o sistema de indicadores da
  Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (CDS-ONU), seguido pelo Brasil. Outras
  iniciativas de instituições multinacionais de igual relevância também não foram incluídas, uma vez que tal
  ação inviabilizaria o trabalho de análise comparativa, dada a excessiva magnitude da lista. Para ver uma lista
  relevante de instituições multinacionais, porém não exaustiva, consultar APA (2007, p.A-26).
7

       A dissertação também apresenta três anexos. O Anexo I contém as listas de

indicadores por instituição nacional/multinacional, a fim de oferecer uma fonte de consulta ao

leitor e evidenciar as diferenças das mesmas quanto à arquitetura dos sistemas de indicadores.

       Já o Anexo II apresenta uma matriz que congrega o universo dos indicadores dos dez

sistemas analisados, fazendo referência à fonte que os produz. Nela, os indicadores foram

categorizados segundo as dimensões e domínios elencados em IBGE (2010), de modo a

evidenciar as diferenças entre os conjuntos de indicadores em relação aos temas do

desenvolvimento sustentável considerados. Tal matriz é importante para ressaltar a grande

diversidade de indicadores adotados quando se sobrepõem as iniciativas. Por meio da matriz,

pode-se confirmar que a heterogeneidade dos indicadores é um sinal de que os sistemas vem

sendo construídos de acordo com especificidades dos países e suas prioridades. Por outro

lado, observa-se que ainda não há um conjunto mínimo de indicadores adotados pelas

instituições, uma vez que pouquíssimos indicadores são incluídos por mais de uma instituição

simultaneamente, o que prejudica futuras análises comparativas em nível internacional.

       O Anexo III apresenta o sistema de registro de referências bibliográficas comentadas,

desenvolvido especialmente para essa dissertação e sem o qual o trabalho de compilação das

informações apresentadas nos capítulos 1 e 2 seria muito custoso.

       Finalmente, cabe ressaltar que optou-se por desenvolver todo o trabalho em software

livre (solução GNU/Linux Ubuntu 10.10 + servidor web Apache 2 com suporte a PHP5 e

banco de dados MySQL + OpenOffice e Gnumeric), desde o registro de referências

bibliográficas, passando pela coleta e análise dos dados sobre os sistemas de indicadores

observados, até a elaboração do texto final, porque oferece uma plataforma estável e robusta

para operação, mas principalmente, pela sua filosofia voltada à liberdade do conhecimento.
8

1. DA CONSCIÊNCIA DA INFLUÊNCIA ANTRÓPICA AO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL


                                 Por mais que aparentemente o discurso seja pouco importante, as
                                 interdições que o atingem logo e depressa revelam a sua ligação com
                                 o desejo e com o poder. E o que há de surpreendente nisso, já que o
                                 discurso - como a psicanálise nos demostrou - não é simplesmente o
                                 que manifesta (ou oculta) o desejo; é também o que é o objecto do
                                 desejo; e já que - a história não cessa de nos indicar - o discurso não
                                 é simplesmente o que traduz as lutas ou os sistemas de dominação,
                                 mas aquilo por que, aquilo pelo que se luta, o poder do qual
                                 procuramos apoderar-nos. (Michel Foucault)




Uma retrospectiva histórica do início do século XIX ao início do século XXI é apresentada

nesse primeiro capítulo, a fim de mostrar o caminho percorrido até as diversas formulações

recentes para o conceito de desenvolvimento sustentável. O levantamento foi realizado a

partir de consulta à bibliografia disponível na Internet 7 e elenca as principais conferências e

documentos multilaterais derivados, além dos livros publicados, que se destacaram no mundo

ocidental.




7 Foram consultadas as fontes bibliográficas listadas abaixo, utilizando-se as palavras-chave
  “sustentabilidade”, “desenvolvimento sustentável” e “indicadores” (e seus equivalentes em inglês e
  espanhol):
  •    Biblioteca Virtual da FAPESP (http://www.bv.fapesp.br/php/index.php);
  •    Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaPeriodicoForm.jsp);
  •    Acesso Livre (http://acessolivre.capes.gov.br/);
  •    Revista Estudos Avançados da USP (http://www.scielo.br/scielo.php/script_sci_serial/lng_pt/pid_0103-
  4014/nrm_iso);
  •    Repositório Scielo (http://search.scielo.org/index.php);
  •    Diretório de Teses e Dissertações da USP (http://www.teses.usp.br/ );
  •    Acervo do IBGE disponível na Internet (http://biblioteca.ibge.gov.br/index.htm);
  •    Base Minerva da UFRJ (http://146.164.2.41:8991/F/);
  •    Catálogo On-line da FGV-RJ (http://www.fgv.br/bibliotecas/rj/catalogo/);
  •    Rede de Bibliotecas Virtuais da CLACSO (http://www.biblioteca.clacso.edu.ar/)
9

        Dada a enorme amplitude do tema, foram adotados dois critérios para seleção do

conteúdo. Inicialmente, optou-se por contemplar os eventos e obras internacionais, uma vez

que a bibliografia disponível referente ao Brasil ainda encontra-se em sua maior parte em

papel. Ainda assim, faz-se menção a alguns fatos e documentos do Brasil, quando os mesmos

estavam disponíveis para consulta na Internet e/ou foi considerado ser relevante mencioná-

los. O outro critério adotado foi a seleção de eventos e obras que enquadram-se

prioritariamente nas dimensões econômica e/ou ambiental. Cabe ressaltar ainda que o capítulo

foi estruturado seguindo a ordem cronológica natural da realização dos eventos e da

publicação das obras, de modo a possibilitar a identificação dos períodos nos quais notou-se

semelhança em relação às abordagens vigentes para o enfrentamento dos problemas

socioambientais8.

        A retrospectiva histórica realizada mostra-se útil, na medida em que auxilia no

entendimento das diferentes definições para sustentabilidade, as quais dependem do momento

histórico e de visões de mundo muito características, sejam elas de indivíduos ou

organizações. Nas palavras de Scandar Neto (2006, p.3): “essa noção [do desenvolvimento

sustentável] não pode ser perfeitamente compreendida dissociada de seu contexto histórico”.

        A dificuldade em construir uma definição técnico-científica amplamente aceita para

sustentabilidade reside no fato de que o conceito tem sido definido ao longo de um longo

processo histórico, contínuo e complexo, “de reavaliação crítica da relação existente entre a

sociedade civil e seu meio natural” (BELLEN, 2006, p.23). A mesma dificuldade é encontrada

quando tratam-se conceitos correlatos à sustentabilidade, tais como o desenvolvimento

sustentável (MOLDAN et al., 1997; TOFFEL e LIFSET, 2007; BELLEN, 2006) e a

biodiversidade (TRAJANO, 2010).
8 No livro “Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa”, de Hans Michael van Bellen, publicado
  em 2006, o autor apresenta diferentes abordagens conceituais e práticas para o desenvolvimento sustentável,
  organizando-as segundo quatro dimensões da sustentabilidade (econômica, social, ambiental e
  geográfica/cultural). Apesar dos apontamentos realizados pelo autor serem muito interessantes, tal forma de
  organização do conteúdo não nos permitiria observar de um modo unificado como evoluíram tais abordagens
  ao longo do tempo, motivo pelo qual não a adotamos no presente trabalho.
10

       A retrospectiva também é útil como embasamento para o aprofundamento realizado no

capítulo 2, que enfoca algumas abordagens para mensuração da sustentabilidade,

recorrentemente encontradas na literatura consultada. A partir dos resultados encontrados

nessa etapa da pesquisa, foi possível mesmo confirmar que as percepções sobre a relação

sociedade-natureza tomam nuances distintas, a depender não apenas dos agentes, mas

especialmente da época vigente. Logicamente, tais percepções diversas norteiam outras tantas

formulações distintas de métodos para avaliar a sustentabilidade, tema abordado no capítulo

seguinte.

       Também a partir dos resultados, três períodos principais foram identificados em

relação às abordagens adotadas no enfrentamento dos problemas ambientais e sociais. No

presente capítulo, tais períodos são nomeados como “Atenções voltadas para o impacto das

atividades humanas”, correspondendo a um período inicial que contempla os anos de 1800 a

1900; “Ambientalismo Pré-Estocolmo”, de 1900 a 1970; e “Ecologismo Pós-Estocolmo”, de

1970 a 2010 (último ano considerado no levantamento). As duas últimas denominações foram

inspiradas a partir do que aponta Pádua (2010), citando outros autores:



            A emergência de um 'ambientalismo complexo e multissetorial' a partir da década de
            1970, dotado de alto perfil na cena pública global, representou um dos fenômenos
            sociológicos mais significativos da história contemporânea. Ele pode ser considerado
            como um movimento histórico, mais do que um movimento social, que repercutiu nos
            diferentes campos do saber (Viola & Leis, 1991, p.24). A ideia de 'ecologia' rompeu os
            muros da academia para inspirar o estabelecimento de comportamentos sociais, ações
            coletivas e políticas públicas em diferentes níveis de articulação, do local ao global. Mais
            ainda, ela penetrou significativamente nas estruturas educacionais, nos meios de
            comunicação de massa, no imaginário coletivo e nos diversos aspectos da arte e da
            cultura. (PÁDUA, 2010, p.82)
11

1.1. Atenções voltadas para o impacto das atividades humanas (1800-1900)9



Pádua (2010) identifica o século XVIII como um marco de mudança na concepção intelectual

sobre a relação sociedade-natureza no mundo ocidental, sendo o período anterior a este

caracterizado como uma fase onde predominava o pensamento sobre a influência da natureza

na história humana e o período posterior, como uma fase em que predominaria o pensamento

da influência das atividades humanas na natureza.



             Clarence Glacken (1967), em seu monumental estudo sobre a história das concepções
             intelectuais sobre a natureza no mundo ocidental, da Antiguidade clássica ao século
             XVIII, constatou que virtualmente todos os pensadores foram obrigados a enfrentar o
             tema, tendo por base três grandes indagações: É a natureza, tal qual ela se apresenta na
             Terra, dotada de sentido e propósito? Possui essa natureza, especialmente o lugar onde
             cada sociedade habita, uma influência sobre a vida humana? Foi a realidade da Terra, em
             sua condição primordial, modificada pela ação histórica do homem? Os resultados da
             investigação de Glacken deixam claro que as duas primeiras perguntas dominaram
             amplamente a reflexão filosófica e científica até o século XVIII. Tratava-se de entender
             como a natureza influenciava a história humana e não o contrário. Algumas elaborações
             sobre a terceira pergunta apareceram no que se refere aos melhoramentos da paisagem a
             partir das artes e do trabalho. Mas o tema da capacidade da ação humana para degradar,
             ou mesmo destruir, o mundo natural é essencialmente moderno (PADUA, 2010, p.83).




        Cabe ainda ressaltar que o ambientalismo em sua origem sofreu influência de

ideologias românticas, uma vez que “o importante lugar da natureza na construção do

romantismo na literatura é amplamente conhecido” (RIBEIRO, 1992, p.26).


9 Essa seção apresenta tamanho muito menor do que as demais seções do presente capítulo, o que se justifica
  por dois motivos. Uma vez que o levantamento foi realizado a partir de busca na Internet, parte das
  referências bibliográficas do período tratado na seção não foram obtidas, pois ainda encontram-se em sua
  maior parte em papel. Além disso, no período em questão não houve mesmo grande produção de publicações
  ou realização de eventos voltados ao tema que está sendo tratado. A grande popularização do tema, dando
  origem a um sem número de publicações e à realização de dezenas de eventos oficiais, somente ocorre a
  partir da década de 1970, conforme discute Pádua (2010). Ainda assim, considerou-se relevante apontar no
  texto os resultados obtidos para o período, já que é caracterizado por uma mudança significativa na
  percepção intelectual da relação sociedade-natureza.
12

        Em meados do século XIX, surgiram duas correntes ambientalistas importantes nos

Estados Unidos – a preservacionista e a conservacionista. A corrente preservacionista

visava a proteção da natureza, por meio principalmente do incentivo à constituição de parques

nacionais em áreas selvagens, uma tendência que foi seguida em todo o mundo ao longo do

tempo. Assim, seus entusiastas pretendiam “preservar para a posteridade áreas dotadas de

grande beleza natural em seu estado selvagem”, movidos pelo prazer da contemplação estética

do ambiente natural e pelo reconhecimento de que o ser humano faz parte da natureza e em

sendo assim, esta deveria ser protegida (FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.66). Seu

representante mais proeminente foi o naturalista estadunidense John Muir (1838-1914),

podendo ser citados ainda outros representantes importantes, tais como George Catlin (1796-

1872), Henry Thoreau (1817-1862) e o diplomata estadunidense George Perkins Marsh

(1801-1882) (FRANCO e DRUMMOND, 2009).

        Mas, ao contrário do que fora divulgado, de que as áreas destinadas à criação dos

parques nacionais nos Estados Unidos eram selvagens e desabitadas, houve prolemas em pelo

menos dois parques – o de Yellowstone, criado em 1872, e o de Yosemite, criado em 1890 – ,

uma vez que foi negado o direito à posse das terras a diversas nações indígenas que ali

habitavam (KAVINSKI, 2009).

        Marsh publicou em 1864 o trabalho denominado Man and nature or physical

geography as modified by human action (O homem e a natureza ou geografia física

modificada pela ação humana), concentrando-se nas “transformações provocadas pela ação

humana, desde a Antiguidade, […], tendo como eixo central a denúncia da destruição”

(PÁDUA, 2010, p.85). Já em 1892, Muir liderou a criação do Sierra Club10, cuja função

inicial foi de proteger o Parque Nacional de Yosemite (Califórnia, EUA) e que hoje constitui-

se em uma rede de colaboradores do mundo todo que atuam na proteção de comunidades e

ambientes selvagens (KAVINSKI, 2009, p.41).

10 Atualmente a página da organização pode ser visitada em http://www.sierraclub.org/.
13

        De modo diverso dos preservacionistas, que consideravam o uso de áreas verdes quase

que estritamente para fins de lazer, os conservacionistas defendiam a exploração racional dos

recursos naturais, sendo Gifford Pinchot (1865-1946)11 um de seus mais notáveis expoentes

(KAVINSKI, 2009, p.40). Dentre as duas correntes, a conservacionista foi a dominante,

constituindo-se numa origem remota do recente modelo de desenvolvimento sustentável. O

conservacionismo já preconizava a ética com as gerações futuras, que é mencionada na

Declaração de Estocolmo, resultante da Conferência de Estocolmo de 1972, mencionada na

seção 1.3.1 do presente capítulo. Franco e Drummond (2009) oferecem uma caracterização

elucidativa sobre a corrente conservacionista:



             Próximos da tradição de manejo florestal desenvolvida na Alemanha, eles tinham como
             principal expoente Gifford Pinchot, que sintetizava os objetivos do movimento em três
             princípios básicos: a) o desenvolvimento, obtido pelo uso dos recursos existentes pela
             geração presente; b) a prevenção do desperdício, garantia do uso dos recursos existentes
             pela geração futura; e, c) o desenvolvimento dos recursos naturais para o benefício de
             muitos e não de poucos. Portadores de uma perspectiva instrumental da relação do
             homem com a natureza, o que estava em questão para os conservacionistas era o uso dos
             recursos naturais de maneira adequada e criteriosa, garantindo, ao mesmo tempo, a sua
             existência para as próximas gerações e a sua melhor distribuição pela totalidade da
             população. (FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.67)




        No Brasil imperial, participaram efetivamente da discussão ambientalista: José

Bonifácio, Joaquim Nabuco, André Rebouças, Freire Alemão, Euclides da Cunha, Alberto

Torres, Manoel Bonfim, José Moraes Navarro e José Vieira Couto (DRUMMOND, 2002;

MARTINS e AMORIM, 2007). Todos tinham em comum as críticas aos danos ambientais

causados pela mineração do ouro e do diamante, pelo cultivo de cana-de-açúcar e pela

exploração do pau-brasil (MARTINS e AMORIM, 2007).


11 Não foi possível encontrar outros representantes da corrente conservacionista na bibliografia consultada.
14

        Dentre os nomes citados, merece destaque José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-

1838)12, que em 1801, ocupando a cátedra de Metalurgia na Universidade de Coimbra, foi

influenciado pela visão da economia da natureza, corrente científica que emergia em

Portugal e que foi sistematizada por Carl von Linné (1707-1778), notável médico e botânico

sueco, considerado o pai da Taxonomia. A economia da natureza “pressupunha a existência de

um sistema de equilíbrios interdependentes entre as diversas partes do mundo natural, de

forma que cada elemento possuía uma função relevante para a dinâmica coletiva” (PÁDUA,

2000, p.120). Além disso, José Bonifácio influenciou o imperador D. Pedro I com suas ideias

ambientalistas, contribuindo para a resolução de 17 de junho de 1822, pela qual se extinguia o

regime de grandes concessões de terras (ou regime de sesmarias) e da Lei 601 de 1850,

primeira Lei de Terras do Brasil, que impunha responsabilidade do infrator em caso de dano

ambiental, prevendo a imputação de sanções administrativas, civis e penais (MARTINS e

AMORIM, 2007).

        A preocupação com a influência das atividades humanas na natureza permanece com a

entrada do século XX. Entretanto, presencia-se nessa nova fase um fortalecimento das

correntes ambientalistas e a popularização da proteção à natureza, especialmente entre

intelectuais e representantes de governo/entidades civis, conforme visto na seção seguinte.


12 José Bonifácio publicou trabalhos sobre a relação entre o exercício de determinadas atividades econômicas e
   a alteração de ambientes no Brasil e em Portugal. Nas três obras seguintes, nota-se uma preocupação do autor
   em mostrar que a subutilização ou a degradação do ambiente trazia consigo consequências econômicas e
   políticas para o país. Em Memória sobre a pesca da baleia e a extracção do seu azeite, com algumas
   reflexões sobre a nossa pescaria, publicado em 1790, criticou a exploração baleeira no Brasil, a qual já era
   acompanhada de redução no estoque natural de baleias. Os métodos empregados eram tão rudimentares que o
   recurso natural era perdido antes mesmo de ser aproveitado, uma vez que muitos pescadores matavam os
   filhotes para arpoar mais facilmente as baleias. José Bonifácio sugeriu a melhoria da qualidade da pesca,
   além da “liberação da concorrência e estabelecimento de prêmios e incentivos fiscais” (PÁDUA, 2000,
   p.123), o que contribuiria para a manutenção da sustentabilidade da atividade pesqueira, que por sua vez
   garantiria mais riquezas no futuro. No trabalho Memórias sobre as minas de carvão e ferrarias de Foz do
   Alge, em Portugal, publicado em 1813, José Bonifácio ressaltou a importância da mineração para Portugal
   no contexto político da época. No trabalho Sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques
   em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira,
   custeamento e administração, publicado em 1815, fez uma crítica ao desmatamento em Portugal, alertando
   para o risco de desertificação: “[...] todos os que conhecem por estudo a grande influência dos bosques e
   arvoredos na economia geral da natureza sabem que os países que perderam suas matas estão quase de todo
   estéreis e sem gente. Assim sucedeu a Síria, Fenícia, Palestina, Chipre, e outras terras, e vai sucedendo ao
   nosso Portugal” (SILVA, 1991 apud PÁDUA, 2000, p.85).
15

1.2. Ambientalismo Pré-Estocolmo (1900-1970)



Segundo Pádua (2010), podem ser destacadas algumas mudanças epistemológicas

consolidadas no século XX sobre a relação sociedade-natureza:



              1) a ideia de que a ação humana pode produzir um impacto relevante sobre o mundo
                 natural, inclusive ao ponto de provocar sua degradação;
              2) a revolução nos marcos cronológicos de compreensão do mundo; e
              3) a visão de natureza como uma história, como um processo de construção e
                 reconstrução ao longo do tempo. (PÁDUA, 2010, p.83)




        Outra característica marcante dessa passagem de século foi o surgimento de

“movimentos mais efetivos para defesa dos recursos naturais” (ROCHA e SIMAN, 2005,

p.4). Ainda assim, tais eventos eram esparsos, sendo mais frequentes a partir da década de

1970, conforme será visto na seção seguinte, ainda nesse capítulo.

        Um levantamento realizado por Alberto José Sampaio mostra que apenas entre 1884 e

1933, 51 congressos de cunho ambiental foram realizados em todo o mundo, podendo ser

classificados em três tipos: congressos especificamente relacionados com a questão da

proteção à natureza, congressos científicos e congressos de silvicultura (SAMPAIO, 1935

apud FRANCO, 2002)13.

        A disseminação das ideias conservacionistas levou à realização em 1909 da Primeira

Conferência Internacional sobre Conservação da Natureza (International Conference on

Nature Conservation), em Joanesburgo (África do Sul), reunindo representantes do México,

Canadá e EUA. Uma segunda edição da conferência foi formulada para ser realizada em

1910, porém suspensa pelo então presidente dos Estados Unidos, William H. Taft



13 SAMPAIO, A.J. Relatório Geral da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza. In: Boletim do
   Museu Nacional, v.XI, n.2, mar.1935.
16

(KAVINSKI, 2009, p.42). Uma possível explicação para a suspensão em questão reside no

fato de que o início do século XX foi caracterizado pela eclosão de nacionalismos que dariam

origem mais tarde às duas guerras mundiais e que, o ambientalismo, desde sua origem

caracterizado por um movimento global, não poderia assumir uma expressão mais

significativa. Além disso, a primeira conferência foi realizada ainda na gestão do presidente

Theodore Roosevelt14 (LEIS, 1999 apud KAVINSKI, 2009).

        Como os adeptos do preservacionismo foram excluídos deliberadamente da

conferência realizada pelos conservacionistas em Joanesburgo, preservacionistas europeus

reuniram-se em Paris, no mesmo ano de 1909, no Congresso Internacional de Proteção à

Natureza, quando sugeriram a criação de um organismo internacional para proteção da

natureza, uma ideia que teve apoio dos Estados Unidos, da Argentina e de países europeus.

        Seguindo a perspectiva conservacionista, a Primeira Conferência Brasileira de

Proteção à Natureza15 foi realizada no Rio de Janeiro, de 8 a 15 de abril de 1934, tendo sido

organizada pela Sociedade dos Amigos das Árvores, com o patrocínio de Getúlio Vargas e

contando com o apoio do Museu Nacional e de outras importantes instituições brasileiras 16. O

contexto brasileiro à época da realização do evento era de “um nacionalismo aliado ao desejo

de modernização da sociedade e das instituições do Estado”, onde foram debatidos diversos

temas, com mobilização de “setores significativos da sociedade” (FRANCO, 2002, p.78).

14 Theodore Roosevelt foi considerado o primeiro presidente estadunidense “conservacionista”, característica
   que não podia ser encontrada em seu sucessor, William Taft. Para maiores informações, visitar a página da
   Wikipédia sobre Gifford Pinchot (http://en.wikipedia.org/wiki/Gifford_Pinchot).
15 Uma nova conferência brasileira sobre proteção à natureza só viria a acontecer em 1968, organizada pela
   Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), mencionada mais à frente no presente
   capítulo (DRUMMOND, 2002). Para maiores informações ver CARVALHO, J.C.de. A conservação da
   natureza e recursos naturais no mundo e no Brasil. In: Simpósio sobre conservação da natureza: suplemento
   dos Anais da Academia Brasileira de Ciências, vol. 41, 1969, Rio de Janeiro.
16 A Sociedade dos Amigos das Árvores foi fundada em 1931, no Rio de Janeiro, pelo botânico Alberto José
   Sampaio. Outras organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras, contemporâneas a essa e de mesmo
   caráter conservacionista, foram: a Sociedade dos Amigos da Flora Brasílica , fundada em 1939, em São
   Paulo, por Frederico Carlos Hoehne; a Associação de Defesa da Fauna e Flora de São Paulo
   (ADEFLORA), fundada em 1956, também em São Paulo, por Paulo Nogueira Neto, Lauro Travassos Filho e
   José Carlos Magalhães, e que mais tarde recebeu o novo nome de Associação de Defesa do Meio Ambiente
   de São Paulo (ADEMASP). Mas a grande profusão de ONGs conservacionistas somente aconteceria no
   Brasil a partir dos anos 1970. O Museu Nacional e o Museu Paraense Emílio Goeldi são outros exemplos
   de instituições brasileiras voltadas à conservação ambiental (FRANCO e DRUMMOND, 2009).
17

Como resultado da reunião, foi aprovado o primeiro Código Florestal brasileiro (Decreto

Federal No 23.793/34)17. Os participantes do evento18 sugeriram não apenas a criação de nova

legislação que garantisse a proteção dos recursos naturais (o ritmo de devastação das florestas

na época já era preocupante no Brasil), mas também que fossem realizadas campanhas

educacionais junto à população para despertar seu amor pela natureza. E ainda, a criação de

uma “Escola Florestal”, nos moldes das existentes à época na Itália e nos Estados Unidos

(FRANCO, 2002). Nas palavras de Alberto José Sampaio, relator do congresso e então

presidente da Sociedade dos Amigos das Árvores e professor do Museu Nacional:



              O problema florestal é, ao mesmo tempo, um problema social, de higiene, de riqueza, de
              importância capital e de relevante transcendência. Daí, o empenho da Sociedade dos
              Amigos das Árvores em proclamar a necessidade da cadeira de Silvicultura nas escolas
              primárias e secundárias do país. (SAMPAIO, 1935 apud FRANCO, 2002, p.80)


        Para Franco e Drummond (2009), a emergência das iniciativas de proteção à natureza

no contexto brasileiro apresenta uma característica peculiar – alguns dos indivíduos que

compunham as esferas governamentais eram também os articuladores de entidades civis que

pressionavam o governo a tomar decisões decisivas em relação à conservação da natureza.

        Os anos do pós-guerra foram marcados em nível internacional pela resistência às

discussões sobre contenção de recursos e consumo (KAVINSKI, 2009). Por outro lado, tais

anos corresponderam ao que foi denominado como revolução ambiental, uma resposta aos

problemas que ocorriam na época e que ameaçavam a integridade do ambiente e dos

indivíduos, os quais já eram alvo dos debates ambientalistas: a realização de testes nucleares,

o rápido crescimento da indústria e do consumo, o desenvolvimento das grandes

aglomerações urbanas, dentre outros (ROCHA e SIMAN, 2005).
17 O primeiro Código Florestal brasileiro foi revisado em 1965 pela Lei N o 4.771/65 e já naquela época “trazia
   conceitos sobre as chamadas áreas de preservação permanente (APPs) e sobre a manutenção da Reserva
   Legal (RL)” (COSTA e ARAÚJO, 2002, p.2).
18 Alguns brasileiros de destaque na conferência foram José Bonifácio, Joaquim Nabuco, André Rebouças,
   Freire Alemão, Euclides da Cunha, Alberto Torres e Manoel Bonfim (DRUMMOND, 2002).
18

       Em 1948, os naturalistas Sir Julian S. Huxley (1887-1975), então diretor da UNESCO,

e Edward M. Nicholson (1904-2003) propuseram a criação da International Union for the

Protection of Nature, IUPN (União Internacional para Proteção da Natureza). A missão da

instituição, que sugeria-se ser bipartite (governamental e não-governamental) era a de

“promover a preservação da vida selvagem e a conservação de recursos” (KAVINSKI, 2009,

p.44). À época de sua criação, a IUPN congregava características tanto preservacionistas,

quanto conservacionistas. A organização mudou seu nome em 1956 para International

Union for the Conservation of Nature and Natural Resources, IUCN (União Internacional

para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais) e permanece assim até os dias atuais.

       Em 1949, foi realizada a Conferência Científica das Nações Unidas sobre

Conservação e Utilização de Recursos (United Nations Scientific Conference on the

Conservation and Utilization of Resources, UNSCCUR) nos Estados Unidos, reunindo

diversos especialistas com o intuito de tratar aspectos relacionados à conservação dos recursos

naturais. Tal conferência destinou-se a “reafirmar a importância dos cientistas na consolidação

do movimento ambiental pós-guerra” (LEIS, 1999 apud KAVINSKI, 2009, p.44).

       Em 1956, foi realizada em Genebra a Conferência das Nações Unidas sobre o

Direito do Mar (United Nations Conference on the Law of the Sea, UNCLOS I), que resultou

na assinatura de quatro tratados internacionais, três deles referentes à delimitação do espaço

marinho e aspectos jurídicos pertinentes (a Convenção sobre o Mar Territorial e Zonas

Contíguas e a Convenção sobre Plataforma Continental, ambas de 1964, além da

Convenção sobre o Mar Alto, de 1962), e a Convenção sobre Pesca e Conservação dos

Recursos Vivos do Alto Mar, de 1966. A UNCLOS II foi realizada em 1960 no mesmo local,

mas não resultou em tratados.
19

        Outro fato notório foi a criação em 1958 da Fundação Brasileira para a

Conservação da Natureza (FBCN) no Rio de Janeiro, uma das primeias ONGs

conservacionistas do Brasil, formada por “um grupo de idealistas que pretendia se contrapor

ao padrão imprevidente de atividade econômica corrente no país” e tendo como objetivo “a

promoção de uma ação nacional para a conservação dos recursos naturais e para a

implantação de áreas reservadas de proteção à natureza” (FRANCO e DRUMMOND, 2009,

p.62-63). Mais especificamente, a ONG visava contrapor as ações desenvolvimentistas

exacerbadas do então presidente Juscelino Kubitschek, mas passou por um período inicial de

pouca ação. Somente a partir de 1966, com a gestão de José Cândido de Melo Carvalho,

zoólogo e ex-diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, adquiriu maior dinamismo e

organização, passando inclusive a publicar em série o Boletim Informativo da FBCN, que

divulgava a produção científica e intelectual de seus associados. A partir desse momento, a

ONG começou a atrair mais adeptos, inclusive militares da Marinha do Brasil, responsáveis

pelo patrulhamento de áreas marítimas. Dentre esses, destacam-se os almirantes José Luiz

Belart e Ibsen de Gusmão Câmara, “que se tornaram aguerridos militantes conservacionistas

numa longa e frutífera cooperação com a FBCN” (ALMEIDA, 2002, p.14).

        Em 1962, Rachel Carson publicou o livro Silent spring (Primavera silenciosa),

procurando “mostrar os efeitos do DDT na cadeia alimentar e o acúmulo do produto nos

tecidos gordurosos dos animais”19. A obra foi um dos primeiros trabalhos relacionando a

degradação ambiental e a saúde humana e “preconizou o surgimento de uma consciência

ambiental nos anos 60 e 70” (KAVINSKI, 2009, p.44).

        Ainda no início da década de 1960, Murray Bookchin (1921-2006), escritor anarquista

estadunidense, publicou alguns trabalhos relacionando a destruição ambiental à sociedade

tecnológica-industrial (MANNA, 2008). Em Our synthetic environment (Nosso ambiente


19 DDT é a sigla para dicloro-difenil-tricloroetano, considerado o primeiro pesticida moderno, muito utilizado
   após a Segunda Guerra Mundial. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/DDT.
20

sintético), publicado em 1962, levantou a partir da literatura científica a relação entre

pesticidas, aditivos químicos e radiação e as doenças humanas, como o câncer (BIEHL,

1999). Em Ecology and revolutionary thought (Ecologia e pensamento revolucionário),

publicado em 1964, criticou a acumulação capitalista, atribuindo-lhe a causa da degradação

ambiental (MANNA, 2008). Em Crisis in our cities (Crise em nossas cidades), publicado em

1965, explorou os problemas ambientais específicos das áreas urbanas (BIEHL, 1999). No

mesmo ano, Bookchin publicou Towards a liberatory technology (Para uma tecnologia

libertadora), onde já propunha o uso de fontes alternativas e renováveis de energia e de

microtecnologias, de modo que se formasse uma infra-estrutura para o estabelecimento de

uma sociedade libertária (BIEHL, 1999).

       Bookchin fez uma distinção entre o ambientalismo e o que denominou como ecologia

social, indicando que o ser humano deveria ser visto como um ser social e não apenas como

mais um espécime biológico (MANNA, 2008). Mais tarde, suas ideias influenciaram o

surgimento da corrente antropocêntrica na ecologia. Em 1974, Bookchin foi co-fundador do

Institute for Social Ecology (Instituto de Ecologia Social), em Vermont (EUA), o qual

adquiriu reputação internacional em cursos nas áreas de ecofilosofia, teoria social e

tecnologias alternativas (BIEHL, 1999).

       Em 1968, foi realizada a Conferência Intergovernamental para o Uso Racional e

Conservação da Biosfera (Intergovernamental Conference for Rational Use and

Conservation of Biosphere, ICRUCB), em Paris (França). Um dos resultados do encontro foi

a criação do Man and the Biosphere Programme, MaB (Programa Homem e Biosfera), um

programa de cooperação científica internacional sobre as interações entre o homem e o

ambiente, vigente até os dias atuais20 (KAVINSKI, 2009; ROCHA e SIMAN, 2005).




20 O sítio oficial do programa pode ser visitado em: http://www.unesco.org/new/en/natural-
   sciences/environment/ecological-sciences/man-and-biosphere-programme/
21

        Ainda em 1968 e procurando seguir a conferência realizada em Paris, foi realizado no

Brasil o Simpósio sobre Conservação da Natureza e Restauração do Ambiente Natural,

organizado pela Academia Brasileira de Ciências e contando com o apoio da FBCN. O

simpósio brasileiro seguia as ideias preservacionistas e conservacionistas, conforme pode ser

verificado em parte do discurso de José Cândido de Melo Carvalho:



             Entende-se por conservação da natureza e recursos naturais [...] a preservação do mundo
             vivo, ambiente natural do homem, e dos recursos naturais renováveis da terra, fator
             primordial da civilização humana. As belezas naturais, por outro lado, constituem fonte de
             inspiração da vida espiritual e da satisfação indispensável das necessidades, essas cada dia
             mais intensificadas devido à mecanização crescente da vida moderna. (CARVALHO,
             1969 apud FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.66)




        No mesmo ano, por iniciativa do industrial italiano Aurélio Peccei e do cientista

escocês Alexander King, foi criado um grupo denominado The Club of Rome (Clube de

Roma)21, atualmente uma organização sem fins lucrativos,



             […] cuja missão é a de atuar como um catalisador global para mudanças, mediante a
             identificação e análise de problemas enfrentados pela Humanidade e a comunicação de
             tais problemas aos mais importantes tomadores de decisão, públicos ou privadas, assim
             como ao público em geral. […] E cujas atividades devem adotar uma perspectiva global
             com fortalecimento da interdependência entre as Nações. Além disso, devem, por meio de
             um pensamento holístico, alcançar um entendimento profundo da complexidade dos
             problemas contemporâneos e adotar uma perspectiva transdisciplinar de longo prazo, que
             se concentre nas escolhas e políticas que determinam o destino das gerações futuras.
             (THE CLUB OF ROME, 2011, tradução nossa)




21 O Clube de Roma existe até hoje e o sítio do grupo pode ser visitado em http://www.clubofrome.org/.
22

        O Clube de Roma era composto de pessoas de diversos campos de atuação e

originárias de diferentes países e reuniu-se com o objetivo de examinar os problemas que

desafiavam a Humanidade (pobreza, degradação ambiental, crescimento urbano, dentre

outros) e debater o seu futuro (ARAÚJO et al., 2006 apud KAVINSKI, 2009, p.45). O grupo

produziu quatro relatórios de repercussão internacional, tendo sido o mais famoso desses, o

The Limits to growth (Os limites do crescimento), com mais de 12 milhões de cópias

vendidas e traduzido para cerca de 30 línguas (THE CLUB OF ROME, 2011).

        As discussões acerca de tais problemas intensificam-se a partir da década de 1970, em

resposta aos desastres ambientais de repercussão internacional e ao modelo de

desenvolvimento que visava o crescimento econômico a qualquer custo. A partir dessa década

também presencia-se o aumento na frequência de eventos internacionais e de acordos

multilaterais assinados, conforme será visto a seguir.



1.3. Ecologismo Pós-Estocolmo (1970-2010)



A década de 1970 pode ser destacada como um marco, pela profusão de reflexões acerca do

desenvolvimento e dos problemas ambientais gerados por determinados estilos de vida, em

resposta a alguns desastres ambientais ocorridos entre as décadas de 1960 e 1980: “o da Baía

de Minamata, no Japão, o acidente de Bhopal, na Índia, e o acidente da usina nuclear de

Chernobyl, na extinta União Soviética” (BELLEN, 2006, p.17).

        Já a década de 1980 foi marcada pelo aumento do interesse acadêmico pelos temas do

desenvolvimento22 e do ambiente, não apenas nas ciências sociais ou naturais já estabelecidas,

como também em campos onde há transversalidade de ciências, como a engenharia ambiental

e a economia ambiental (UNEP, 2004).
22 Mesmo antes de 1980, Celso Furtado se antecipara aos debates sobre desenvolvimento e meio ambiente. Em
   1974, Celso Furtado discute o relatório do Clube de Roma “Os limites do crescimento”, ressaltando a não
   inclusão da grande dependência de recursos não renováveis pelos países desenvolvidos em um modelo
   econômico mundial (VIEIRA, 2004).
23

        O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) faz uma divisão

temporal interessante sobre os avanços em relação ao desenvolvimento sustentável,

considerando que na década de 1980, perseguiu-se a definição de um conceito para o mesmo;

na década de 1990, houve uma profusão de esforços na sua implementação; e, a partir do ano

2000, diversas iniciativas foram consolidadas no sentido de acompanhar o progresso das

ações implementadas na década anterior (UNEP, 2004).

        Essa seção está dividida em três períodos distintos, levando-se em conta essas

características. O período inicial, que inclui os anos de 1970 a 1990, foi marcado por

inúmeras tentativas de se conceituar sustentabilidade e desenvolvimento sustentável e pela

proposição de diversos modelos de interpretação para as relações entre sociedade e natureza,

culminando com a emergência de novos paradigmas de desenvolvimento, que levassem em

conta fatores sociais e ambientais, contrariamente ao que se observava a partir dos anos

iniciais da Revolução Industrial, quando buscava-se o crescimento econômico a qualquer

custo. O período de 1990 e 2000 é fecundo em ações para o desenvolvimento sustentável,

sendo propostos diversos índices sisntéticos e sistemas de indicadores para quantificar

aspectos sociais e ambientais (SCANDAR NETO, 2006). Finalmente, o período de 2000 a

201023, foi marcado por iniciativas de acompanhamento de tais ações, em outras palavras, no

acompanhamento do progresso dos países em relação às metas e objetivos para o

desenvolvimento sustentável acordados nas conferências realizadas no período anterior.




23 Último ano considerado no levantamento bibliográfico realizado para essa dissertação.
24

1.3.1. Emergência dos paradigmas de desenvolvimento (1970-1990)



A década de 1970 presenciou o surgimento de um novo ecologismo, que se contrapôs às

antigas ideias de proteção da natureza, dando origem a duas correntes: a corrente ecocêntrica

(também denominada corrente biocêntrica, ecologia profunda, ou culto ao silvestre) e a

corrente antropocêntrica (MANNA, 2008).

         De acordo com a corrente ecocêntrica, o ambiente natural é abordado em sua

totalidade e o homem é visto como mais um de seus componentes biológicos 24. Por outro

lado, a corrente antropocêntrica estabelece uma dicotomia homem-natureza, atribuindo

direitos de controle e posse do ambiente natural pelo homem e considerando que a natureza

não teria valor em si mesma, mas sim constituiria-se como uma reserva de recursos naturais à

disposição da humanidade (MANNA, 2008).

         A corrente antropocêntrica originou duas outras correntes denominadas como

evangelho da ecoeficiência e ecologismo dos pobres. A ecoeficiência caracteriza-se por

uma preocupação com os efeitos do crescimento econômico, sendo representada pela

economista Ann Mari Jansson e, no Brasil, por Peter May, Maurício Amazonas e Ademar

Romeiro. Já o ecologismo dos pobres analisa a repartição desigual dos danos ambientais entre

países pobres e ricos, sendo Martínez-Alier um de seus maiores expoentes (CAVALCANTI,

2010).




24 Nesse sentido, ver livro muito interessante de Bruno Latour, publicado em 2004, “Políticas da Natureza:
   como fazer ciência na democracia”, onde o autor discute em profundidade a utilidade das ideias da corrente
   ecocêntrica no estabelecimento de um regime verdadeiramente democrático. O autor considera inclusive que
   os entes naturais sejam partícipes do processo de decisão. Um olhar muito diferente para a problemática
   ambiental enfrentada nos dias atuais, nos quais não se chega a um consenso a respeito de uma solução
   plausível para a resolução dos antigos conflitos entre produção de bens de consumo e conservação do
   ambiente.
25

         Em 1970, Paul R. Elrich, biólogo norte-americano, publicou Population, resources,

environments: Issues in Human Ecology (População, recursos, ambiente: problemas de

Ecologia Humana), uma das primeiras publicações em ecologia humana, a qual remonta aos

princípios malthusianos, que correlacionam o tamanho da população com a quantidade de

recursos disponíveis (GALIANA, 1998). Em oposição à ideia de que a degradação ambiental

fosse causada apenas pela pressão populacional, Barry Commoner, outro biólogo norte-

americano, publicou em 1971 The closing circle (O círculo que se fecha), onde relacionou a

crise ambiental ao modo de produção capitalista, pelo qual “as novas tecnologias introduzidas

após 1946, [...] produziam, segundo seus cálculos, 95% da emissão total de poluentes” (LEIS,

2004, p.54-55). Outros expoentes da ecologia humana na época foram LaMont Cole, Eugene

Odum, Kenneth Watt e Garret Hardin (LEIS, 1999).

         Os debates entre Ehrlich e Commoner suscitaram a construção da tese do crescimento

zero pela comunidade científica, no final da década de 1960 e início de 1970, segundo a qual

deveria ser limitado o crescimento econômico em países do Terceiro Mundo, de modo a

estabilizar os níveis produtivos mundiais (SILVA, 2010).

         A revista The ecologist (O ecologista) publicou em 1972 o manifesto The blueprint

to survival (Manifesto pela sobrevivência), assinado por cientistas ingleses e cuja autoria

principal atribui-se a Edward Goldsmith e Robert Allen, auxiliados por Michael Allaby, John

Davoll e Sam Lawrence, em contribuição com a Conferência das Nações Unidas sobre o

Ambiente Humano ou Conferência de Estocolmo (United Nations Conference on the

Human Environment, UNCHE), realizada no mesmo ano em Estocolmo (Suécia) (SILVA,

2010).
26

        A Declaração das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (ou Carta de

Estocolmo), de 1972, ressaltou “a necessidade de uma nova postura civilizatória, onde a

utilização dos recursos naturais deveria atender às necessidades das gerações presentes, assim

como garantir o suprimento das necessidades das gerações futuras”25 (ROCHA e SIMAN,

2005, p.6). Em seu segundo princípio, a Declaração de Estocolmo afirma que:



             Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e,
             especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados
             em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou
             administração adequados. (UNCHE, 1972, p.2, tradução nossa)



        A realização da Conferência de Estocolmo precipitou a criação do United Nations

Environment Programme, UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente,

PNUMA), com a finalidade de coordenar as discussões ambientais em nível internacional

(RIBEIRO, 2010). Em 1973, Maurice Strong, então diretor do PNUMA, cunhou o termo

ecodesenvolvimento, “o qual é considerado […] como precursor do termo sustentabilidade”

(BRÜSEKE, 1998 apud ROCHA e SIMAN, 2005, p.6, grifo nosso), a partir da publicação do

artigo One year after Stockholm: An ecological approach to management (Um ano após

Estocolmo: uma abordagem ecológica para o gerenciamento):



             Nas regiões ricas do mundo, é essencial identificar e perseguir novas direções para o
             crescimento: perseguir padrões alternativos de consumo, que tenham menos impacto no
             ambiente natural, que utilizem a energia menos intensamente, menos demandante por
             recursos renováveis e mais sutil à reciclagem e à reutilização, […] alternando do critério
             quantitativo para o qualitativo na tomada de decisão nacional. (STRONG, 1973, p.695)




25 Essa postura civilizatória, que aos desavisados poderia parecer inovadora, já havia sido sugerida pelo
   movimento conservacionista, surgido no final do século XIX.
27

       Nesse artigo, Strong relatou os avanços em relação às diretrizes estabelecidas na

Conferência de Estocolmo e informou que a maioria dos 85 países que enviaram seus

relatórios ao Conselho de Governança do PNUMA estava elaborando um relatório ambiental

pela primeira vez. Por outro lado, ressaltou que os países que tinham essa experiência, já

incluíam o ambiente em sua estrutura de governo e em sua legislação (alguns até atualizando

suas leis), inclusive o Brasil (STRONG, 1973).

       Ainda no ínicio da década de 1970, cinco convenções internacionais foram

estabelecidas na linha preservacionista/conservacionista: a Convenção sobre Zonas Úmidas

de Importância Internacional Especialmente como Habitat de Aves Aquáticas

(Convention on Wetlands of International Importance Especially as Waterfowl Habitat), de

1971, resultante da Conferência Internacional sobre Zonas Úmidas e Aves Aquáticas

(International Conference on the Wetlands and Waterfowl), realizada no mesmo ano em

Ramsar, no Irã; a Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de

Resíduos e outros Materiais (Convention on the Prevention of Marine Pollution by

Dumping of Wastes and Other Matter) e a Convenção para a Proteção do Patrimônio

Mundial, Cultural e Natural (Convention Concerning the Protection of the World Cultural

and Natural Heritage), ambas de 1972 e resultantes da Conferência Geral das Nações Unidas

(General Conference of the UNESCO), realizada em Paris no mesmo ano; a Convenção

sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas

de Extinção (Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and

Flora, CITES), assinada em Washington em 1973, resultante de uma resolução da IUPN para

proteção de espécies ameaçadas de extinção, adotada em 1963; a Convenção sobre

Conservação de Espécies Migratórias de Animais Selvagens (Convention on the

Conservation of Migratory Species of Wild Animals), de 1979, resultante da Conferência de

Estocolmo de 1972 (STRONG, 1973; UNEP, 2004).
28

       O primeiro relatório do Clube de Roma, publicado em 1972 – The Limits to Growth

(Limites do crescimento), também conhecido como Relatório Meadows –, coadunou com o

Manifesto pela Sobrevivência, publicado na revista The Ecologist no mesmo ano (LEIS,

1999, p.55). Entretanto, a Tese do crescimento zero sofreu críticas de alguns países do

terceiro mundo, incluindo o Brasil, que desejavam experimentar o mesmo patamar de

desenvolvimento dos países do primeiro mundo (SILVA, 2010). O relatório foi uma resposta a

um número crescente de publicações que tratavam da relação sociedade-natureza e que

denunciavam a destruição do ambiente natural, com prejuízos à humanidade. O documento

considerou cinco variáveis (população, produção industrial, produção de alimentos,

exploração dos recursos naturais e poluição), indicando que mesmo na presença de

significativos aumentos de produtividade, o crescimento da população conduziria a uma

escassez crônica de alimentos. O relatório foi criticado por países latino-americanos que

questionaram a validade das variáveis, argumentando que deram mais ênfase aos aspectos

ambientais em detrimento dos sociais (LEIS, 1999 apud KAVINSKI, 2009, p.46). De acordo

com Odum (1985), o relatório recebeu críticas de muitos líderes políticos, que não admitiam

que a humanidade não conseguiria encontrar uma saída para a problemática levantada:



           Embora o propósito de The Limits to Growth fosse mostrar simplesmente o que poderia
           acontecer se não mudássemos os nossos hábitos, muitas pessoas, inclusive a maioria dos
           líderes políticos e um grande segmento do público, entenderam o relatório como se ele
           estivesse prevendo o fim da civilização. Consequentemente, houve uma tempestade de
           críticas. Muitos frisaram que os modelos não levavam em consideração a nova tecnologia,
           a descoberta de novos recursos, a substituição de recursos esgotados por um recurso novo
           etc. A maioria das pessoas parecia sentir que a humanidade seria esperta demais para
           entrar em um ciclo de aumento e colapso e que nós pararíamos ou mudaríamos o nosso
           estilo antes de chegarmos a esse ponto. (ODUM, 1985, p.343)
29

       Em resposta às críticas ao Limites do crescimento, o segundo relatório do Clube de

Roma, Mankind at the turning point (A humanidade no ponto de mudança), foi preparado

por Mihajlo Mesarovic e Eduard Pestel e publicado em 1974. O relatório dividiu a Terra em

10 regiões geográficas interdependentes. As conclusões desse segundo relatório são similares

às do primeiro, prevendo um desastre ambiental mundial, caso fosse dado continuidade ao

crescimento populacional desordenado. Também indicou dois desníveis principais que

estariam no cerne da crise ambiental: entre os seres humanos e a natureza e aquele entre

pobres e ricos. Como solução, o relatório sugere que se almeje uma condição de crescimento

orgânico, segundo o qual tais desníveis possam ser dirimidos. De acordo com essa visão, “o

desenvolvimento deve ser específico à região, porém globalmente orientado, em vez de

baseado em interesses nacionais restritos” (ODUM, 1985, p.343).

       Em 1975, Edward Goldsmith (1928-2009) publicou Strategy for tomorrow

(Estratégia para o amanhã), onde criticou os pressupostos do modelo adotado na elaboração

do segundo relatório do Clube de Roma, por refletirem os valores da industrialização e por

não contemplarem a via da desindustrialização (GOLDSMITH, 1975). Goldsmith defendia a

tese do (des)desenvolvimento de forma a diminuir as desigualdades e alcançar um patamar

de estabilidade ou, segundo ele, de sobrevivência (da espécie humana). A busca por uma

estratégia para o futuro deveria passar pela consulta aos especialistas e não pela observação

dos resultados apresentados no segundo relatório do Clube de Roma. Tais especialistas

deveriam ser capazes de pensar nos problemas objetivamente e em seu contexto evolucionário

e não em termos dos valores da industrialização. E sugere ainda que esse é um reflexo do mito

da ciência moderna, que estabelece uma dicotomia entre fatos e valores e que, até então, não

haviam conseguido quantificar os valores humanos (GOLDSMITH, 1975).
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Desenvolvimento sustentável: da definição aos indicadores

  • 1. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS - ENCE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CONCEITO ÀS EXPERIÊNCIAS DE MENSURAÇÃO RAQUEL DEZIDÉRIO SOUTO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ESTUDOS POPULACIONAIS E PESQUISAS SOCIAIS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SISTEMAS DE INFORMAÇÃO ESTATÍSTICA E GEOGRÁFICA ORIENTADOR: PROF. DOUTOR NELSON DE CASTRO SENRA RIO DE JANEIRO 30 DE MARÇO DE 2011
  • 2. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS - ENCE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CONCEITO ÀS EXPERIÊNCIAS DE MENSURAÇÃO Raquel Dezidério Souto Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais, na área de concentração Sistemas de Informação Estatística e Geográfica, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE). ORIENTADOR: PROF. DOUTOR NELSON DE CASTRO SENRA RIO DE JANEIRO 30 DE MARÇO DE 2011
  • 3. FICHA CATALOGRÁFICA S728d SOUTO, Raquel Dezidério Desenvolvimento sustentável: da tentativa de definição do conceito às experiências de mensuração / Raquel Dezidério Souto. – 2011. 283 f. Inclui bibliografia e anexos. Orientador: Prof. Dr. Nelson de Castro Senra Dissertação (Curso de Mestrado) – Escola Nacional de Ciências Estatísticas. Programa de Pós-Graduação em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais. 1. Desenvolvimento sustentável. 2. Indicadores sociais. 3. Sociologia – Métodos estatísticos – Tese. 4. Documentação – Tese. I. Senra, Nelson de Castro. II. Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Brasil). III. IBGE. IV. Título. CDU: 338.1:504
  • 4. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CONCEITO ÀS EXPERIÊNCIAS DE MENSURAÇÃO Raquel Dezidério Souto Dissertação de mestrado apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais, na área de concentração Sistemas de Informação Estatística e Geográfica, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE). 30 DE MARÇO DE 2011 Banca Examinadora ______________________________________ Nelson de Castro Senra – orientador Escola Nacional de Ciências Estatísticas ______________________________________ Paulo de Martino Jannuzi – Doutor Escola Nacional de Ciências Estatísticas ______________________________________ Rogério de Aragão Bastos do Valle – Doutor Universidade Federal do Rio de Janeiro
  • 5. Dedico a ... Flávio Lacerda, Nelson Senra, Anna Paula Gonçalves e Leandra Rosa, pessoas que jamais desistem. ii
  • 6. Agradeço … A Deus, Senhor de todas as coisas A Flávio Lacerda, pelo amor e incentivo a continuar A Nelson Senra, pela confiança incondicional Aos meus pais e a minha sogra, pelo amor Aos meus irmãos e colegas de curso, pelo companheirismo A Paulo Jannuzzi e Rogério Bastos, pelas contribuições À ENCE e à CAPES, pela oportunidade Aos professores da ENCE, pela instrução iii
  • 7. Um sábio evita dizer ou fazer o que não sabe. Se os nomes não condizem com as coisas, há confusão de linguagem e as tarefas não se executam. Se as tarefas não se executam, o bem-estar e a harmonia são negligenciados. Sendo estes negligenciados, os suplícios e demais castigos não são proporcionais às faltas, o povo não sabe mais o que fazer. Um princípe sábio dá às coisas os nomes adequados e cada coisa deve ser tratada segundo o significado do seu nome. Na escolha dos nomes deve-se estar muito atento. (...) Suponhamos que um homem aprenda as trezentas odes de Chen King e que, em seguida, se fosse encarregado de uma parte da administração, mostrasse pouca habilidade; se fosse enviado em missão a países estrangeiros, mostrasse incapacidade para resolver por si mesmo; de que lhe teria servido toda a sua literatura? (...) Se o próprio príncipe é virtuoso, o povo cumprirá os seus deveres sem que lhe ordene; se o próprio príncipe não é virtuoso, pouco importa que dê ordens; o povo não as seguirá. (Confúcio, em “Os Anacletos”) iv
  • 8. RESUMO O que é desenvolvimento sustentável? Como se mede? No trabalho, são investigadas a origem histórica da tentativa de definição do conceito do desenvolvimento sustentável e as tendências recentes de sua operacionalização, com a exemplificação de modelos de avaliação, marcos referenciais/ordenadores e indicadores sintéticos, culminando em uma análise comparativa entre dez sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável, de instituições multinacionais e nacionais, incluindo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As iniciativas multinacionais escolhidas foram: Projeto GEO, REDESA e ILAC; as nacionais: SayDS (Argentina), Statistics Canada (Canadá), INEGI (México), APA (Portugal), DEFRA (Reino Unido) e IBGE (Brasil). A retrospectiva histórica confirmou que há períodos que são caracterizados por visões semelhantes sobre a relação sociedade-natureza e que, mais rcentemente, houve a emergência da noção do desenvolvimento sustentável, marcada pela grande profusão de congressos internacionais e pela formulação de métodos de avaliação para acompanhamento das ações humanas e orientação das políticas públicas voltadas ao crescimento econômico aliado à conservação ambiental e à justiça social. A análise comparativa dos sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável revelou que possuem características muito diversificadas e que poucos são os indicadores utilizados por mais de uma fonte, o que indica que sua escolha vem sendo feita de acordo com as especificidades e necessidades dos países. A partir da divulgação dos resultados da pesquisa, espera-se trazer à luz as tendências recentes e potencialidades do uso de sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável e contribuir para o aperfeiçoamento daqueles mantidos atualmente no Brasil. Palavras-chave: Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, Sistemas de indicadores, Desenvolvimento sustentável, Sustentabilidade, Sociologia das estatísticas, Documentação e disseminação de informações, IBGE, Brasil. v
  • 9. ABSTRACT What is sustainable development? How to measure it? In this work, the historical origin of the attempt to definition of the sustainable development's concept and the recent trends of its operationalization are investigated, with the exemplification of models of evaluation, frameworks and synthetic indicators, culminating in a comparative analysis of ten systems of sustainable development indicators, from multinationals and national institutions, including the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The chosen multinational initiatives are: Project GEO, REDESA and ILAC; the nationals: SayDS (Argentina), Statistics Canada (Canada), INEGI (Mexico), APA (Portugal), DEFRA (the United Kingdom) and IBGE (Brasil). The historical retrospect confirmed there are periods characterized by similar visions about the society-nature relation and more actualy, there is the emergency of the sustainable development's notion, shown for the great profusion of international congresses and for the formularization of evaluation methods for accompaniment of the human actions and for orientation of the public polices directed to the economic growth ally to the ambient conservation and social justice. The comparative analysis of the systems of sustainable development indicators disclosed that they possess very diversified characteristics and a few them are using same indicators, what indicates that its choice is being done in accordance with specificities and needs of the countries. From the spreading of the results of this research, one expects to bring to the light the recent trends and potentialities of the use of the systems of sustainable development indicators and to contribute for the perfectioning of those currently kept in Brazil. Keywords: Sustainable development indicators, Systems of indicators, Sustainable development, Sustainability, Sociology of Statistics, Documentation and dissemination of information, IBGE, Brasil. vi
  • 10. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Subsistema econômico como um sistema aberto contido no ecossistema, segundo a visão da economia ecológica …........................ 36 Figura 2 – Diagrama da restrospectiva histórica (1800-2010) ….............................. 68 Figura 3 – Triângulo de sustentabilidade de Peter Nijkamp ….................................. 79 Figura 4 – Indicadores componentes da Pegada Ecológica ….................................. 92 Figura 5 – Temas, sub-temas e Indicadores componentes do Relatório Planeta Vivo de 2006 …........................................................................................ 94 Figura 6 – Indicadores componentes e fluxograma de cálculo do Índice de Bem- estar Econômico Sustentável (IBES) …................................................... 99 Figura 7 – Indicadores componentes da avaliação Bem-estar das Nações …............ 101 Figura 8 – Subsistemas e indicadores componentes do barômetro de sustentabilidade …..................................................................................... 104 Figura 9 – Temas, sub-temas e Indicadores do Índice de Vulnerabilidade Ambiental …............................................................................................. 106 Figura 10 – Dimensões e Indicadores componentes do Índice de Progresso Genuíno (IPG) ......................................................................................... 108 Figura 11 - Exemplo de gráfico gerado aplicando-se o método do painel da sustentabilidade ....................................................................................... 115 Figura 12 – Sistema de concepção da estatística ambiental …................................. 119 Figura 13 – Esquema do desenvolvimento sustentável, segundo a CDS …..…........ 123 Figura 14 – Um exemplo de sistemas aninhados segundo uma abordagem holística 126 Figura 15 – Esquema conceitual do marco ordenador Pressão-Estado-Resposta (PER) ….................................................................................................. 129 Figura 16 – Marco ordenador FPEIR ….................................................................... 132 Figura 17 – Número de indicadores e de instituições colaboradoras nos IDS-Brasil 153 Figura 18 – Tela de inserção das referências comentadas …...................................... AIII-2 Figura 19 – Tela de consulta das referências comentadas …..................................... AIII-3 vii
  • 11. LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Eventos e publicações destacados no período 1800-2010 …................. 63 Quadro 2 – Três aproximações paradigmáticas da sustentabilidade …..................... 71 Quadro 3 – Aspectos positivos e negativos do uso de indicadores sintéticos …....... 82 Quadro 4 – Prós e contras dos indicadores compostos ….......................................... 83 Quadro 5 – Temas e indicadores do Índice de Desempenho Ambiental e pesos associados …........................................................................................... 96 Quadro 6 – Lógica dos componentes do Índice de Sustentabilidade Ambiental (2005) ….................................................................................................. 110 Quadro 7 – Componentes, temas e indicadores do Índice de Sustentabilidade Ambiental …............................................................................................ 111 Quadro 8 – Dimensões e indicadores do Painel de Sustentabilidade ….................... 116 Quadro 9 – Métodos de mensuração da sustentabilidade que utilizam indicadores sintéticos e dimensões contempladas …................................................. 118 Quadro 10 – Exemplo de esquema do marco ordenador Pressão-Estado-Resposta (PER) …................................................................................................. 128 Quadro 11 – Esquema do marco ordenador Força-motriz-Estado-Resposta (FER) 131 Quadro 12 – Estrutura do Esquema para Elaboração de Estatísticas do Meio Ambiente (EEEMA) .............................................................................. 134 Quadro 13 – Estrutura do Marco para o Desenvolvimento de Estatísticas Ambientais (FDES) …........................................................................... 135 Quadro 14 – Classificação dos países quanto aos avanços em relação ao desenvolvimento de indicadores de desenvolvimento sustentável e outras informações …............................................................................. 142 Quadro 15 – Enquadramento das iniciativas segundo os objetivos do sistema de indicadores …......................................................................................... 161 Quadro 16 – Enquadramento das iniciativas por modo de desenvolvimento do sistema ….............................................................................................. 164 Quadro 17 – Critérios de seleção de indicadores mencionados pelas fontes …....... 165 Quadro 18 – Enquadramento das iniciativas por tipo de arquitetura do sistema …. 166 Quadro 19 – Forma de divulgação dos sistemas e apresentação/abrangência espacial dos indicadores …................................................................... 169 Quadro 20 – Lista de temas e indicadores do sistema de indicadores do Projeto GEO ….................................................................................................. AI-1 viii
  • 12. Quadro 21 - Lista de temas, subtemas e indicadores do sistema de indicadores da REDESA …........................................................................................... AI-2 Quadro 22 - Temas, metas e indicadores do sistema de indicadores da ILAC ….... AI-4 Quadro 23 – Lista de categorias e indicadores do sistema de indicadores de SayDS (Argentina) …........................................................................................ AI-6 Quadro 24 – Lista de dimensões e indicadores do sistema de indicadores de IBGE (Brasil) ….............................................................................................. AI-8 Quadro 25 – Lista de categorias e indicadores do sistema de indicadores de Statistics Canada (Canada) …............................................................... AI-10 Quadro 26 – Lista de temas, níveis e indicadores do sistema de indicadores de INE (Espanha) ….................................................................................. AI-12 Quadro 27 – Lista de categorias, temas e indicadores do sistema de indicadores de INEGI (México) …............................................................................... AI-16 Quadro 28 – Lista de temas, dimensões e indicadores do sistema de indicadores de APA (Portugal) …................................................................................. AI-19 Quadro 29 – Lista de temas e indicadores do sistema de indicadores de DEFRA (Reino Unido) …................................................................................... AI-20 Quadro 30 – Matriz de indicadores …....................................................................... AII-1 ix
  • 13. SUMÁRIO INTRODUÇÃO …................................................................................................................... 1 1. DA CONSCIÊNCIA DA INFLUÊNCIA ANTRÓPICA AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL …........................................................................................................... 8 1.1. Atenções voltadas para o impacto das atividades humanas (1800-1900) ….............. 11 1.2. Ambientalismo Pré-Estocolmo (1900-1970) …......................................................... 15 1.3. Ecologismo Pós-Estocolmo (1970-2010) ….............................................................. 22 1.3.1. Emergência dos paradigmas de desenvolvimento (1970-1990) …................. 24 1.3.2. Implementação de ações para o desenvolvimento sustentável (1990-2000) .. 48 1.3.3. Acompanhamento das ações para o desenvolvimento sustentável (2000-2010) …..................................................................................................................... 56 2. A MENSURAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE: PRINCIPAIS ABORDAGENS .... 69 2.1. Sustentabilidade, modelos de avaliação, indicadores e índices ….............................. 70 2.2. Métodos que fazem uso de indicadores síntéticos ….................................................. 82 2.2.1. Abordagem que utiliza apenas o meio humano/social …................................ 84 a) Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) …........................................... 84 2.2.2. Abordagens que utilizam apenas o meio econômico ….................................. 87 a) Indicador de Poupança Verdadeira ….......................................................... 87 b) Índice de Bem-estar Econômico …............................................................. 88 2.2.3. Abordagens que utilizam apenas o meio biofísico …...................................... 88 a) Pegada Ecológica ….................................................................................... 88 b) Índice Planeta Vivo …................................................................................. 93 c) Índice de Desempenho Ambiental ….......................................................... 95 2.2.4. Abordagens mistas …...................................................................................... 97 a) Índice de Bem-estar Econômico Sustentável …......................................... 97 b) Avaliação Bem-estar das Nações …......................................................... 100 c) Barômetro de Sustentabilidade …............................................................ 102 d) Índice de Vulnerabilidade Ambiental …................................................... 105 e) Índice de Progresso Genuíno …................................................................ 107 x
  • 14. f) Índice de Sustentabilidade Ambiental …................................................... 109 g) Painel da sustentabilidade ….................................................................... 114 2.3. Marcos referenciais …............................................................................................... 119 2.3.1. Marco simples de componentes ambientais …............................................... 120 2.3.2. Marco da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (UNCSD) …................................................................................................... 121 2.3.3. Marco do capital natural …............................................................................ 124 2.3.4. Marcos sistêmicos da relação sociedade-natureza …..................................... 125 2.4. Marcos ordenadores …............................................................................................. 127 2.4.1. Marco Pressão-Estado-Resposta (PER) …...................................................... 127 2.4.2. Variantes do marco ordenador PER: marco Força-motriz-Estado-Resposta (FER), marco Pressão-Estado-Impacto-Resposta (PEIR) e marco Força-motriz- Pressão-Estado-Impacto-Resposta (FPEIR) …............................................... 130 2.4.3. Esquema para Elaboração de Estatísticas de Meio Ambiente (EEEMA) …... 133 2.4.4. Marco para o desenvolvimento de estatísticas ambientais (FDES) …............ 134 3. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS INSTITUCIONAIS EM PRODUÇÃO DE SISTEMAS DE INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL …..................... 137 3.1. Iniciativas de instituições multinacionais …............................................................. 143 3.1.1. Projeto Global Environment Outlook (Projeto GEO) …................................. 143 3.1.2. Rede de Instituições e Especialistas em Estatísticas Sociais e Ambientais da América Latina e Caribe (REDESA) ….................................................................. 144 3.1.3. Iniciativa Latino-americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável (ILAC) …........................................................................................................ 145 3.2. Iniciativas de instituições nacionais …..................................................................... 147 3.2.1. SayDS (Argentina) ….................................................................................... 147 3.2.2. IBGE (Brasil) …............................................................................................ 148 3.2.3. Statistics Canada (Canadá) …........................................................................ 154 3.2.4. INE (Espanha) …........................................................................................... 155 3.2.5. INEGI (México) …........................................................................................ 156 3.2.6. APA (Portugal) ….......................................................................................... 157 3.2.7. DEFRA (Reino Unido) ….............................................................................. 158 xi
  • 15. 3.3. Análise comparativa entre a iniciativa do IBGE e as de outras fontes observadas .. 159 3.3.1. Objetivos …................................................................................................... 161 3.3.2. Modelo conceitual …..................................................................................... 162 3.3.3. Modo de desenvolvimento …........................................................................ 163 3.3.4. Critérios de seleção dos indicadores …......................................................... 164 3.3.5. Tipo de arquitetura ….................................................................................... 165 3.3.6. Forma de divulgação do sistema e cobertura geográfica/apresentação dos indicadores …................................................................................................ 166 3.3.7. Matriz de indicadores …................................................................................ 170 CONSIDERAÇÕES FINAIS …......................................................................................... 174 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ….......................................................................... 183 ANEXO I - LISTAS DE INDICADORES DAS INICIATIVAS DE INSTITUIÇÕES NACIONAIS E MULTINACIONAIS ANEXO II - MATRIZ DE INDICADORES ANEXO III - SISTEMA DE REGISTRO DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COMENTADAS LICENÇA PARA UTILIZAÇÃO DA OBRA xii
  • 16. 1 INTRODUÇÃO O género humano assemelha-se a uma pirâmide cujo vértice - um homem, o primeiro homem - se esconde nas alturas quase inacessíveis de sessenta séculos sobrepostos uns aos outros, e cuja base, de miríades de indivíduos, poisa no abismo incomensurável de um futuro desconhecido. (Alexandre Herculano) Houve um tempo em que bastava ao Homem matar sua sede e se alimentar. Mas esse tempo há muito já passou e a Humanidade evoluiu ao ponto de criar estruturas e alimentos artificiais e comercializá-los. Nesse longo caminho1, muitas preocupações passaram a povoar a mente humana: primeiro, tomando ciência de que não estava sozinho no mundo, o Homem preocupou-se em sobreviver em meio à selva e em meio às tempestades. Mas depois, tomando ciência de que influenciava o lugar onde morava, preocupou-se em como estava alterando o seu entorno. As preocupações do Homem, quanto mais ele se afastava daquele tempo em que lhe bastava matar a sede e se alimentar, tomaram tamanha magnitude, que o Homem começou a se juntar a outros homens e todos começaram a pensar que estavam alterando o planeta. Da preocupação com a alteração do planeta, o Homem, junto a outros homens, convocaram os homens de lugares muito distantes do seu local de morada porque pensavam que estavam alterando o planeta a tal ponto, que isso teria consequências funestas para a própria Humanidade. E, na mesma medida em que o Homem não precisava mais utilizar a enxada porque tinha um trator e tinha empregados, ou que não precisava mais enviar recados pelo pombo correio porque tinha um computador ligado à Internet para falar com os outros homens, o Homem viu que era ameaçado não apenas pelas alterações ambientais, mas 1 A origem humana é ainda polêmica, mas a partir de estudo genético recente com mais de 4 milhões de genótipos, estima-se que os primeiros humanos modernos (Homo sapiens) surgiram na Terra há cerca de 200 mil anos atrás, provavelmente na fronteira entre as atuais África do Sul e Namíbia (HARMON, 2009). A citação de Alexandre Herculano, que abre a presente introdução, faz referência ao Homem do neolítico (8.000 a 5.000 a.c.), que deixou sua vida nômade, fixando-se às margens de rios e lagos, cultivando trigo, cevada e aveia e domesticando ovelhas e bois (ver http://www.algosobre.com.br/historia/pre-historia-a- origem-do-homem.html).
  • 17. 2 também pela maneira com a qual se relacionava com os outros homens: miséria, fome, doenças, a morte. A realidade do Homem então ficou tão complexa, que o Homem resolveu que devia agora levar em conta todos esses fatores para resolver o problema como se apresentava e propôs aquilo que hoje se denomina “Desenvolvimento Sustentável”. Um modelo de desenvolvimento que leve em conta o o crescimento econômico aliado à conservação ambiental e à igualdade social. Desenvolvimento Sustentável. Para alguns, uma utopia, para outros, a única maneira de abordar o problema. Para alguns, uma plataforma de campanha, para outros, o que move suas ações localmente, fortalecendo comunidades que buscam sua sobrevivência. Para alguns, a chance de vender um produto a preços mais elevados, para outros, a chance de vender seus produtos sem alterar o ambiente a tal ponto de não poder mais fazer uso dele e sem explorar seus semelhantes a tal ponto que não sejam mais seus partícipes na produção. Assim, a indagação que o Homem faz ao tempo do século XXI, o tempo mais distante daquele em que apenas matava sua sede e se alimentava é: temos obtido sucesso em resolver tamanho problema? Para responder a essa questão, o Homem definiu conceitos, criou métodos e assinou acordos multilaterais tão ou mais diversificados quanto os fatores envolvidos no problema que esperava resolver. Para o Homem, o céu é o limite. Mas, infelizmente, o que se viu com isso é que o Homem não mais consegue se entender com os outros homens e nessa vereda, os problemas persistem. O Homem não consegue encontrar o tão almejado equilíbrio com os seus semelhantes e com o ambiente no qual está inserido.
  • 18. 3 O presente trabalho procura mostrar exatamente como o problema da sustentabilidade foi enfocado pelo ocidente, a partir do início do século XIX, chegando-se ao tempo da construção de métodos para acompanhar as ações humanas. A fim de obter tal objetivo, vale- se tanto do levantamento de eventos e publicações pertinentes ao tema, quanto da observação dos principais métodos de mensuração da sustentabilidade ambiental ou do desenvolvimento sustentável levados a cabo por indivíduos notáveis e instituições nacionais/multinacionais. Por fim, apresenta uma análise comparativa envolvendo a iniciativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de formulação de um sistema de indicadores de desenvolvimento sustentável para o Brasil. A partir da publicação dos resultados, busca-se cooperar para o aperfeiçoamento dos sistemas de indicadores mantidos no país, tanto pelo IBGE, quanto pelas instituições em níveis estadual e municipal. A dissertação está estruturada em três capítulos, além dessa introdução e das considerações finais. O capítulo 1 faz uma breve recuperação histórica do caminho percorrido desde o tempo em que predominava a preocupação com a sustentabilidade socioambiental até um tempo recente, fecundo em tentativas de formulação para uma definição adequada ao termo “desenvolvimento sustentável”. A partir de consulta à bibliografia disponível em sua maior parte na Internet2, apresentam-se especialmente as principais conferências e documentos multilaterais derivados, além dos livros publicados, que se destacaram no mundo ocidental desde o início do século XIX até o início do século XXI. 2 Foram consultadas as fontes bibliográficas listadas abaixo, utilizando-se as palavras-chave “sustentabilidade”, “desenvolvimento sustentável” e “indicadores” (e seus equivalentes em inglês e espanhol): • Biblioteca Virtual da FAPESP (http://www.bv.fapesp.br/php/index.php); • Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaPeriodicoForm.jsp); • Acesso Livre (http://acessolivre.capes.gov.br/); • Revista Estudos Avançados da USP (http://www.scielo.br/scielo.php/script_sci_serial/lng_pt/pid_0103- 4014/nrm_iso); • Repositório Scielo (http://search.scielo.org/index.php); • Diretório de Teses e Dissertações da USP (http://www.teses.usp.br/ ); • Acervo do IBGE disponível na Internet (http://biblioteca.ibge.gov.br/index.htm); • Base Minerva da UFRJ (http://146.164.2.41:8991/F/); • Catálogo On-line da FGV-RJ (http://www.fgv.br/bibliotecas/rj/catalogo/); • Rede de Bibliotecas Virtuais da CLACSO (http://www.biblioteca.clacso.edu.ar/)
  • 19. 4 No levantamento, fez-se três opções para limitar o conteúdo, de natureza evidentemente abrangente. Inicialmente, optou-se por elencar prioritariamente as conferências e obras internacionais, uma vez que a bibliografia disponível para o Brasil encontra-se em sua maior parte ainda disponível em papel3. A outra opção refere-se à estruturação do primeiro capítulo não a partir de uma divisão de acordo com as dimensões da sustentabilidade, como fez Bellen (2006), mas seguindo a ordem cronológica dos eventos, ressaltando-se os períodos em que houve semelhança em relação às abordagens vigentes para o enfrentamento dos problemas socioambientais. A terceira e última opção foi a de selecionar as conferências e obras que enquadram-se nas temáticas pertinentes às dimensões ambiental e/ou econômica. Esse levantamento mostra-se necessário para o entendimento sobre como evoluiu ao longo do tempo a percepção humana da delicada relação sociedade-natureza e serve de base para o aprofundamento realizado no capítulo 2, que enfoca algumas abordagens para mensuração da sustentabilidade, recorrentemente encontradas na literatura consultada. Nessa etapa da pesquisa, foi possível mesmo confirmar que as percepções sobre a relação sociedade-natureza tomam nuances distintas, a depender não apenas dos agentes, mas especialmente da época vigente. O capítulo 2 aprofunda a caracterização do período mais recente, no qual são concentrados esforços para o acompanhamento das ações humanas. Para tanto, apresenta algumas abordagens para a mensuração da sustentabilidade, sendo exemplificados modelos para sua avaliação, marcos referenciais e ordenadores, além de métodos que fazem uso de indicadores sintéticos4. Dois critérios de seleção foram utilizados. Primeiramente, optou-se por ressaltar as abordagens desenvolvidas por pessoas notáveis no meio científico e 3 Ainda assim, faz-se menção a alguns fatos e documentos do Brasil, quando os mesmos estavam disponíveis para consulta na Internet e/ou foi considerado ser relevante mencioná-los. 4 Há diversas definições para “indicador sintético”, mas a adotada nesse trabalho é a mesma adotada por Scandar Neto (2006), a qual será apresentada no capítulo 2. Há ainda uma série de abordagens relacionadas às contas ambientais e sua relação com os Sistemas de Contas Nacionais (SCN) dos países, mas são serão tratadas nesse capítulo, por fugirem ao escopo da análise levada a cabo no capítulo 3, que tratará da comparação do sistema de indicadores de desenvolvimento sustentável mantido pelo IBGE com outros, de instituições nacionais e multinacionais.
  • 20. 5 instituições multinacionais, uma vez que, de acordo com Quiroga (2001), tais instituições contam com amplo acesso a recursos financeiros e técnicos, o que assegura o nível técnico e científico de suas propostas. O segundo critério adotado foi elencar os métodos de mensuração que se enquadram na dimensão ambiental e/ou econômica. O levantamento realizado no capítulo não tem a pretensão de ser exaustivo, mas oferece um panorama considerável sobre os marcos referenciais e ordenadores e os métodos de avaliação recorrentes na literatura consultada. Uma parte da lista adotada advém dos resultados do levantamento realizado por Bellen (2006). Tal levantamento serve de arcabouço teórico- conceitual para o entendimento do capítulo seguinte e também mostra-se útil por fornecer um inventário de métodos de mensuração relacionados à temática, um trabalho encontrado com pouca frequência na literatura disponível. O capítulo 3 apresenta algumas experiências institucionais em produção de sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável, culminando em uma análise comparativa entre a iniciativa do IBGE de publicação dos “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável – Brasil” (IDS-Brasil) e outras iniciativas, de instituições nacionais e multinacionais, em relação ao desenvolvimento de sistemas de indicadores de sustentabilidade/desenvolvimento sustentável. No total, são avaliados dez sistemas de informação de indicadores. A escolha das instituições nacionais e multinacionais seguiu três critérios, que são fundamentados naqueles utilizados pelo Governo de Québec (2007) em sua análise comparativa de sistemas de indicadores de desenvolvimento sustentável (IDS): i. a relevância para a situação social, econômica, ambiental, geográfica, política e cultural do país (no caso, o Brasil); ii. a metodologia empregada e o nível de expertise; e iii. a originalidade do sistema e sua diversidade.
  • 21. 6 Nesse sentido, foram escolhidas algumas instituições nacionais com sistemas estatísticos consolidados e reconhecidos internacionalmente e que apresentam iniciativas próprias de desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade/desenvolvimento sustentável, parte localizada no continente americano – SayDS (Argentina), IBGE (Brasil), Statistics Canada (Canadá) e INEGI (México) –, parte na Europa – INE (Espanha), APA (Portugal), e DEFRA (Reino Unido)5. Em relação às iniciativas das instituições multinacionais, foram escolhidas aquelas relacionadas à América Latina – Rede de Especialistas em estatísticas sociais e ambientais da América Latina e Caribe (REDESA) e Iniciativa Latino-americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável (ILAC) –, além do Projeto GEO 6. A análise comparativa mostrou que os sistemas de indicadores mantidos pelas instituições contempladas são muito diversos e que a iniciativa do IBGE apresenta características peculiares, ressaltadas e valorizadas nesse trabalho. 5 A Colômbia também apresenta uma iniciativa nacional de desenvolvimento de IDS, porém com uma lista muito pequena de indicadores e quase nada documentada, o que não tornaria viável a análise comparativa, não sendo incluída na lista. Outros três países não foram incluídos na lista para não gerar redundância de informações – a Costa Rica e o Peru seguem a lista de IDS recomendada pela ILAC, e o Chile segue a lista da CDS-ONU, que já é contemplada pelo caso do Brasil. Iniciativas de instituições nacionais de outras regiões do mundo também apresentam notoriedade internacional em matéria de desenvolvimento de sistemas de IDS, mas não foram incluídas para não estender demais a lista de fontes, o que tornaria a análise comparativa inviável. As iniciativas incluídas (referentes ao Canadá, Espanha, Portugal e Reino Unido) foram escolhidas pela diversidade de arquiteturas de seus sistemas de indicadores, o que enriquecerá sobremaneira a análise, lançando luz sobre possíveis caminhos a serem trilhados para melhoria dos sistemas brasileiros de indicadores tanto em nível nacional quanto subnacional. Para ver uma lista interessante de instituições nacionais, porém não exaustiva, consultar APA (2007, p.A-26). 6 Algumas das mencionadas iniciativas não são relacionadas ao desenvolvimento sustentável em sentido estrito, por apresentarem indicadores em sua maioria ligados à dimensão ambiental da sustentabilidade, podendo ser melhor consideradas como uma avaliação do ambiente. Ainda assim, considerou-se importante incluí-las por três motivos: i) por apresentarem vinculação com a América Latina (caso da ILAC); ii) por apresentarem metodologia consagrada internacionalmente em avaliação de indicadores voltados ao ambiente, dimensão fundamental da sustentabilidade (caso do Projeto GEO) e iii) por todas as três (REDESA, ILAC e Projeto GEO) terem sido incluídas no termo de referência No. 44-B de maio de 2009, do Ministério do Meio Ambiente do Brasil, que objetivava a sistematização de um conjunto de indicadores ambientais e de desenvolvimento sustentável de abrangência nacional. Ressalta-se ainda que os indicadores da “Evaluación de la Sostenibilidad en América Latina y el Caribe” (ESALC/CEPAL) não serão pormenorizados, pois já são contemplados na iniciativa da Argentina, país que seguiu o mesmo modelo proposto pela ESALC, o que geraria redundância de informações no presente trabalho. O mesmo ocorre com o sistema de indicadores da Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (CDS-ONU), seguido pelo Brasil. Outras iniciativas de instituições multinacionais de igual relevância também não foram incluídas, uma vez que tal ação inviabilizaria o trabalho de análise comparativa, dada a excessiva magnitude da lista. Para ver uma lista relevante de instituições multinacionais, porém não exaustiva, consultar APA (2007, p.A-26).
  • 22. 7 A dissertação também apresenta três anexos. O Anexo I contém as listas de indicadores por instituição nacional/multinacional, a fim de oferecer uma fonte de consulta ao leitor e evidenciar as diferenças das mesmas quanto à arquitetura dos sistemas de indicadores. Já o Anexo II apresenta uma matriz que congrega o universo dos indicadores dos dez sistemas analisados, fazendo referência à fonte que os produz. Nela, os indicadores foram categorizados segundo as dimensões e domínios elencados em IBGE (2010), de modo a evidenciar as diferenças entre os conjuntos de indicadores em relação aos temas do desenvolvimento sustentável considerados. Tal matriz é importante para ressaltar a grande diversidade de indicadores adotados quando se sobrepõem as iniciativas. Por meio da matriz, pode-se confirmar que a heterogeneidade dos indicadores é um sinal de que os sistemas vem sendo construídos de acordo com especificidades dos países e suas prioridades. Por outro lado, observa-se que ainda não há um conjunto mínimo de indicadores adotados pelas instituições, uma vez que pouquíssimos indicadores são incluídos por mais de uma instituição simultaneamente, o que prejudica futuras análises comparativas em nível internacional. O Anexo III apresenta o sistema de registro de referências bibliográficas comentadas, desenvolvido especialmente para essa dissertação e sem o qual o trabalho de compilação das informações apresentadas nos capítulos 1 e 2 seria muito custoso. Finalmente, cabe ressaltar que optou-se por desenvolver todo o trabalho em software livre (solução GNU/Linux Ubuntu 10.10 + servidor web Apache 2 com suporte a PHP5 e banco de dados MySQL + OpenOffice e Gnumeric), desde o registro de referências bibliográficas, passando pela coleta e análise dos dados sobre os sistemas de indicadores observados, até a elaboração do texto final, porque oferece uma plataforma estável e robusta para operação, mas principalmente, pela sua filosofia voltada à liberdade do conhecimento.
  • 23. 8 1. DA CONSCIÊNCIA DA INFLUÊNCIA ANTRÓPICA AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Por mais que aparentemente o discurso seja pouco importante, as interdições que o atingem logo e depressa revelam a sua ligação com o desejo e com o poder. E o que há de surpreendente nisso, já que o discurso - como a psicanálise nos demostrou - não é simplesmente o que manifesta (ou oculta) o desejo; é também o que é o objecto do desejo; e já que - a história não cessa de nos indicar - o discurso não é simplesmente o que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, aquilo pelo que se luta, o poder do qual procuramos apoderar-nos. (Michel Foucault) Uma retrospectiva histórica do início do século XIX ao início do século XXI é apresentada nesse primeiro capítulo, a fim de mostrar o caminho percorrido até as diversas formulações recentes para o conceito de desenvolvimento sustentável. O levantamento foi realizado a partir de consulta à bibliografia disponível na Internet 7 e elenca as principais conferências e documentos multilaterais derivados, além dos livros publicados, que se destacaram no mundo ocidental. 7 Foram consultadas as fontes bibliográficas listadas abaixo, utilizando-se as palavras-chave “sustentabilidade”, “desenvolvimento sustentável” e “indicadores” (e seus equivalentes em inglês e espanhol): • Biblioteca Virtual da FAPESP (http://www.bv.fapesp.br/php/index.php); • Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaPeriodicoForm.jsp); • Acesso Livre (http://acessolivre.capes.gov.br/); • Revista Estudos Avançados da USP (http://www.scielo.br/scielo.php/script_sci_serial/lng_pt/pid_0103- 4014/nrm_iso); • Repositório Scielo (http://search.scielo.org/index.php); • Diretório de Teses e Dissertações da USP (http://www.teses.usp.br/ ); • Acervo do IBGE disponível na Internet (http://biblioteca.ibge.gov.br/index.htm); • Base Minerva da UFRJ (http://146.164.2.41:8991/F/); • Catálogo On-line da FGV-RJ (http://www.fgv.br/bibliotecas/rj/catalogo/); • Rede de Bibliotecas Virtuais da CLACSO (http://www.biblioteca.clacso.edu.ar/)
  • 24. 9 Dada a enorme amplitude do tema, foram adotados dois critérios para seleção do conteúdo. Inicialmente, optou-se por contemplar os eventos e obras internacionais, uma vez que a bibliografia disponível referente ao Brasil ainda encontra-se em sua maior parte em papel. Ainda assim, faz-se menção a alguns fatos e documentos do Brasil, quando os mesmos estavam disponíveis para consulta na Internet e/ou foi considerado ser relevante mencioná- los. O outro critério adotado foi a seleção de eventos e obras que enquadram-se prioritariamente nas dimensões econômica e/ou ambiental. Cabe ressaltar ainda que o capítulo foi estruturado seguindo a ordem cronológica natural da realização dos eventos e da publicação das obras, de modo a possibilitar a identificação dos períodos nos quais notou-se semelhança em relação às abordagens vigentes para o enfrentamento dos problemas socioambientais8. A retrospectiva histórica realizada mostra-se útil, na medida em que auxilia no entendimento das diferentes definições para sustentabilidade, as quais dependem do momento histórico e de visões de mundo muito características, sejam elas de indivíduos ou organizações. Nas palavras de Scandar Neto (2006, p.3): “essa noção [do desenvolvimento sustentável] não pode ser perfeitamente compreendida dissociada de seu contexto histórico”. A dificuldade em construir uma definição técnico-científica amplamente aceita para sustentabilidade reside no fato de que o conceito tem sido definido ao longo de um longo processo histórico, contínuo e complexo, “de reavaliação crítica da relação existente entre a sociedade civil e seu meio natural” (BELLEN, 2006, p.23). A mesma dificuldade é encontrada quando tratam-se conceitos correlatos à sustentabilidade, tais como o desenvolvimento sustentável (MOLDAN et al., 1997; TOFFEL e LIFSET, 2007; BELLEN, 2006) e a biodiversidade (TRAJANO, 2010). 8 No livro “Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa”, de Hans Michael van Bellen, publicado em 2006, o autor apresenta diferentes abordagens conceituais e práticas para o desenvolvimento sustentável, organizando-as segundo quatro dimensões da sustentabilidade (econômica, social, ambiental e geográfica/cultural). Apesar dos apontamentos realizados pelo autor serem muito interessantes, tal forma de organização do conteúdo não nos permitiria observar de um modo unificado como evoluíram tais abordagens ao longo do tempo, motivo pelo qual não a adotamos no presente trabalho.
  • 25. 10 A retrospectiva também é útil como embasamento para o aprofundamento realizado no capítulo 2, que enfoca algumas abordagens para mensuração da sustentabilidade, recorrentemente encontradas na literatura consultada. A partir dos resultados encontrados nessa etapa da pesquisa, foi possível mesmo confirmar que as percepções sobre a relação sociedade-natureza tomam nuances distintas, a depender não apenas dos agentes, mas especialmente da época vigente. Logicamente, tais percepções diversas norteiam outras tantas formulações distintas de métodos para avaliar a sustentabilidade, tema abordado no capítulo seguinte. Também a partir dos resultados, três períodos principais foram identificados em relação às abordagens adotadas no enfrentamento dos problemas ambientais e sociais. No presente capítulo, tais períodos são nomeados como “Atenções voltadas para o impacto das atividades humanas”, correspondendo a um período inicial que contempla os anos de 1800 a 1900; “Ambientalismo Pré-Estocolmo”, de 1900 a 1970; e “Ecologismo Pós-Estocolmo”, de 1970 a 2010 (último ano considerado no levantamento). As duas últimas denominações foram inspiradas a partir do que aponta Pádua (2010), citando outros autores: A emergência de um 'ambientalismo complexo e multissetorial' a partir da década de 1970, dotado de alto perfil na cena pública global, representou um dos fenômenos sociológicos mais significativos da história contemporânea. Ele pode ser considerado como um movimento histórico, mais do que um movimento social, que repercutiu nos diferentes campos do saber (Viola & Leis, 1991, p.24). A ideia de 'ecologia' rompeu os muros da academia para inspirar o estabelecimento de comportamentos sociais, ações coletivas e políticas públicas em diferentes níveis de articulação, do local ao global. Mais ainda, ela penetrou significativamente nas estruturas educacionais, nos meios de comunicação de massa, no imaginário coletivo e nos diversos aspectos da arte e da cultura. (PÁDUA, 2010, p.82)
  • 26. 11 1.1. Atenções voltadas para o impacto das atividades humanas (1800-1900)9 Pádua (2010) identifica o século XVIII como um marco de mudança na concepção intelectual sobre a relação sociedade-natureza no mundo ocidental, sendo o período anterior a este caracterizado como uma fase onde predominava o pensamento sobre a influência da natureza na história humana e o período posterior, como uma fase em que predominaria o pensamento da influência das atividades humanas na natureza. Clarence Glacken (1967), em seu monumental estudo sobre a história das concepções intelectuais sobre a natureza no mundo ocidental, da Antiguidade clássica ao século XVIII, constatou que virtualmente todos os pensadores foram obrigados a enfrentar o tema, tendo por base três grandes indagações: É a natureza, tal qual ela se apresenta na Terra, dotada de sentido e propósito? Possui essa natureza, especialmente o lugar onde cada sociedade habita, uma influência sobre a vida humana? Foi a realidade da Terra, em sua condição primordial, modificada pela ação histórica do homem? Os resultados da investigação de Glacken deixam claro que as duas primeiras perguntas dominaram amplamente a reflexão filosófica e científica até o século XVIII. Tratava-se de entender como a natureza influenciava a história humana e não o contrário. Algumas elaborações sobre a terceira pergunta apareceram no que se refere aos melhoramentos da paisagem a partir das artes e do trabalho. Mas o tema da capacidade da ação humana para degradar, ou mesmo destruir, o mundo natural é essencialmente moderno (PADUA, 2010, p.83). Cabe ainda ressaltar que o ambientalismo em sua origem sofreu influência de ideologias românticas, uma vez que “o importante lugar da natureza na construção do romantismo na literatura é amplamente conhecido” (RIBEIRO, 1992, p.26). 9 Essa seção apresenta tamanho muito menor do que as demais seções do presente capítulo, o que se justifica por dois motivos. Uma vez que o levantamento foi realizado a partir de busca na Internet, parte das referências bibliográficas do período tratado na seção não foram obtidas, pois ainda encontram-se em sua maior parte em papel. Além disso, no período em questão não houve mesmo grande produção de publicações ou realização de eventos voltados ao tema que está sendo tratado. A grande popularização do tema, dando origem a um sem número de publicações e à realização de dezenas de eventos oficiais, somente ocorre a partir da década de 1970, conforme discute Pádua (2010). Ainda assim, considerou-se relevante apontar no texto os resultados obtidos para o período, já que é caracterizado por uma mudança significativa na percepção intelectual da relação sociedade-natureza.
  • 27. 12 Em meados do século XIX, surgiram duas correntes ambientalistas importantes nos Estados Unidos – a preservacionista e a conservacionista. A corrente preservacionista visava a proteção da natureza, por meio principalmente do incentivo à constituição de parques nacionais em áreas selvagens, uma tendência que foi seguida em todo o mundo ao longo do tempo. Assim, seus entusiastas pretendiam “preservar para a posteridade áreas dotadas de grande beleza natural em seu estado selvagem”, movidos pelo prazer da contemplação estética do ambiente natural e pelo reconhecimento de que o ser humano faz parte da natureza e em sendo assim, esta deveria ser protegida (FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.66). Seu representante mais proeminente foi o naturalista estadunidense John Muir (1838-1914), podendo ser citados ainda outros representantes importantes, tais como George Catlin (1796- 1872), Henry Thoreau (1817-1862) e o diplomata estadunidense George Perkins Marsh (1801-1882) (FRANCO e DRUMMOND, 2009). Mas, ao contrário do que fora divulgado, de que as áreas destinadas à criação dos parques nacionais nos Estados Unidos eram selvagens e desabitadas, houve prolemas em pelo menos dois parques – o de Yellowstone, criado em 1872, e o de Yosemite, criado em 1890 – , uma vez que foi negado o direito à posse das terras a diversas nações indígenas que ali habitavam (KAVINSKI, 2009). Marsh publicou em 1864 o trabalho denominado Man and nature or physical geography as modified by human action (O homem e a natureza ou geografia física modificada pela ação humana), concentrando-se nas “transformações provocadas pela ação humana, desde a Antiguidade, […], tendo como eixo central a denúncia da destruição” (PÁDUA, 2010, p.85). Já em 1892, Muir liderou a criação do Sierra Club10, cuja função inicial foi de proteger o Parque Nacional de Yosemite (Califórnia, EUA) e que hoje constitui- se em uma rede de colaboradores do mundo todo que atuam na proteção de comunidades e ambientes selvagens (KAVINSKI, 2009, p.41). 10 Atualmente a página da organização pode ser visitada em http://www.sierraclub.org/.
  • 28. 13 De modo diverso dos preservacionistas, que consideravam o uso de áreas verdes quase que estritamente para fins de lazer, os conservacionistas defendiam a exploração racional dos recursos naturais, sendo Gifford Pinchot (1865-1946)11 um de seus mais notáveis expoentes (KAVINSKI, 2009, p.40). Dentre as duas correntes, a conservacionista foi a dominante, constituindo-se numa origem remota do recente modelo de desenvolvimento sustentável. O conservacionismo já preconizava a ética com as gerações futuras, que é mencionada na Declaração de Estocolmo, resultante da Conferência de Estocolmo de 1972, mencionada na seção 1.3.1 do presente capítulo. Franco e Drummond (2009) oferecem uma caracterização elucidativa sobre a corrente conservacionista: Próximos da tradição de manejo florestal desenvolvida na Alemanha, eles tinham como principal expoente Gifford Pinchot, que sintetizava os objetivos do movimento em três princípios básicos: a) o desenvolvimento, obtido pelo uso dos recursos existentes pela geração presente; b) a prevenção do desperdício, garantia do uso dos recursos existentes pela geração futura; e, c) o desenvolvimento dos recursos naturais para o benefício de muitos e não de poucos. Portadores de uma perspectiva instrumental da relação do homem com a natureza, o que estava em questão para os conservacionistas era o uso dos recursos naturais de maneira adequada e criteriosa, garantindo, ao mesmo tempo, a sua existência para as próximas gerações e a sua melhor distribuição pela totalidade da população. (FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.67) No Brasil imperial, participaram efetivamente da discussão ambientalista: José Bonifácio, Joaquim Nabuco, André Rebouças, Freire Alemão, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Manoel Bonfim, José Moraes Navarro e José Vieira Couto (DRUMMOND, 2002; MARTINS e AMORIM, 2007). Todos tinham em comum as críticas aos danos ambientais causados pela mineração do ouro e do diamante, pelo cultivo de cana-de-açúcar e pela exploração do pau-brasil (MARTINS e AMORIM, 2007). 11 Não foi possível encontrar outros representantes da corrente conservacionista na bibliografia consultada.
  • 29. 14 Dentre os nomes citados, merece destaque José Bonifácio de Andrade e Silva (1763- 1838)12, que em 1801, ocupando a cátedra de Metalurgia na Universidade de Coimbra, foi influenciado pela visão da economia da natureza, corrente científica que emergia em Portugal e que foi sistematizada por Carl von Linné (1707-1778), notável médico e botânico sueco, considerado o pai da Taxonomia. A economia da natureza “pressupunha a existência de um sistema de equilíbrios interdependentes entre as diversas partes do mundo natural, de forma que cada elemento possuía uma função relevante para a dinâmica coletiva” (PÁDUA, 2000, p.120). Além disso, José Bonifácio influenciou o imperador D. Pedro I com suas ideias ambientalistas, contribuindo para a resolução de 17 de junho de 1822, pela qual se extinguia o regime de grandes concessões de terras (ou regime de sesmarias) e da Lei 601 de 1850, primeira Lei de Terras do Brasil, que impunha responsabilidade do infrator em caso de dano ambiental, prevendo a imputação de sanções administrativas, civis e penais (MARTINS e AMORIM, 2007). A preocupação com a influência das atividades humanas na natureza permanece com a entrada do século XX. Entretanto, presencia-se nessa nova fase um fortalecimento das correntes ambientalistas e a popularização da proteção à natureza, especialmente entre intelectuais e representantes de governo/entidades civis, conforme visto na seção seguinte. 12 José Bonifácio publicou trabalhos sobre a relação entre o exercício de determinadas atividades econômicas e a alteração de ambientes no Brasil e em Portugal. Nas três obras seguintes, nota-se uma preocupação do autor em mostrar que a subutilização ou a degradação do ambiente trazia consigo consequências econômicas e políticas para o país. Em Memória sobre a pesca da baleia e a extracção do seu azeite, com algumas reflexões sobre a nossa pescaria, publicado em 1790, criticou a exploração baleeira no Brasil, a qual já era acompanhada de redução no estoque natural de baleias. Os métodos empregados eram tão rudimentares que o recurso natural era perdido antes mesmo de ser aproveitado, uma vez que muitos pescadores matavam os filhotes para arpoar mais facilmente as baleias. José Bonifácio sugeriu a melhoria da qualidade da pesca, além da “liberação da concorrência e estabelecimento de prêmios e incentivos fiscais” (PÁDUA, 2000, p.123), o que contribuiria para a manutenção da sustentabilidade da atividade pesqueira, que por sua vez garantiria mais riquezas no futuro. No trabalho Memórias sobre as minas de carvão e ferrarias de Foz do Alge, em Portugal, publicado em 1813, José Bonifácio ressaltou a importância da mineração para Portugal no contexto político da época. No trabalho Sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, custeamento e administração, publicado em 1815, fez uma crítica ao desmatamento em Portugal, alertando para o risco de desertificação: “[...] todos os que conhecem por estudo a grande influência dos bosques e arvoredos na economia geral da natureza sabem que os países que perderam suas matas estão quase de todo estéreis e sem gente. Assim sucedeu a Síria, Fenícia, Palestina, Chipre, e outras terras, e vai sucedendo ao nosso Portugal” (SILVA, 1991 apud PÁDUA, 2000, p.85).
  • 30. 15 1.2. Ambientalismo Pré-Estocolmo (1900-1970) Segundo Pádua (2010), podem ser destacadas algumas mudanças epistemológicas consolidadas no século XX sobre a relação sociedade-natureza: 1) a ideia de que a ação humana pode produzir um impacto relevante sobre o mundo natural, inclusive ao ponto de provocar sua degradação; 2) a revolução nos marcos cronológicos de compreensão do mundo; e 3) a visão de natureza como uma história, como um processo de construção e reconstrução ao longo do tempo. (PÁDUA, 2010, p.83) Outra característica marcante dessa passagem de século foi o surgimento de “movimentos mais efetivos para defesa dos recursos naturais” (ROCHA e SIMAN, 2005, p.4). Ainda assim, tais eventos eram esparsos, sendo mais frequentes a partir da década de 1970, conforme será visto na seção seguinte, ainda nesse capítulo. Um levantamento realizado por Alberto José Sampaio mostra que apenas entre 1884 e 1933, 51 congressos de cunho ambiental foram realizados em todo o mundo, podendo ser classificados em três tipos: congressos especificamente relacionados com a questão da proteção à natureza, congressos científicos e congressos de silvicultura (SAMPAIO, 1935 apud FRANCO, 2002)13. A disseminação das ideias conservacionistas levou à realização em 1909 da Primeira Conferência Internacional sobre Conservação da Natureza (International Conference on Nature Conservation), em Joanesburgo (África do Sul), reunindo representantes do México, Canadá e EUA. Uma segunda edição da conferência foi formulada para ser realizada em 1910, porém suspensa pelo então presidente dos Estados Unidos, William H. Taft 13 SAMPAIO, A.J. Relatório Geral da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza. In: Boletim do Museu Nacional, v.XI, n.2, mar.1935.
  • 31. 16 (KAVINSKI, 2009, p.42). Uma possível explicação para a suspensão em questão reside no fato de que o início do século XX foi caracterizado pela eclosão de nacionalismos que dariam origem mais tarde às duas guerras mundiais e que, o ambientalismo, desde sua origem caracterizado por um movimento global, não poderia assumir uma expressão mais significativa. Além disso, a primeira conferência foi realizada ainda na gestão do presidente Theodore Roosevelt14 (LEIS, 1999 apud KAVINSKI, 2009). Como os adeptos do preservacionismo foram excluídos deliberadamente da conferência realizada pelos conservacionistas em Joanesburgo, preservacionistas europeus reuniram-se em Paris, no mesmo ano de 1909, no Congresso Internacional de Proteção à Natureza, quando sugeriram a criação de um organismo internacional para proteção da natureza, uma ideia que teve apoio dos Estados Unidos, da Argentina e de países europeus. Seguindo a perspectiva conservacionista, a Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza15 foi realizada no Rio de Janeiro, de 8 a 15 de abril de 1934, tendo sido organizada pela Sociedade dos Amigos das Árvores, com o patrocínio de Getúlio Vargas e contando com o apoio do Museu Nacional e de outras importantes instituições brasileiras 16. O contexto brasileiro à época da realização do evento era de “um nacionalismo aliado ao desejo de modernização da sociedade e das instituições do Estado”, onde foram debatidos diversos temas, com mobilização de “setores significativos da sociedade” (FRANCO, 2002, p.78). 14 Theodore Roosevelt foi considerado o primeiro presidente estadunidense “conservacionista”, característica que não podia ser encontrada em seu sucessor, William Taft. Para maiores informações, visitar a página da Wikipédia sobre Gifford Pinchot (http://en.wikipedia.org/wiki/Gifford_Pinchot). 15 Uma nova conferência brasileira sobre proteção à natureza só viria a acontecer em 1968, organizada pela Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), mencionada mais à frente no presente capítulo (DRUMMOND, 2002). Para maiores informações ver CARVALHO, J.C.de. A conservação da natureza e recursos naturais no mundo e no Brasil. In: Simpósio sobre conservação da natureza: suplemento dos Anais da Academia Brasileira de Ciências, vol. 41, 1969, Rio de Janeiro. 16 A Sociedade dos Amigos das Árvores foi fundada em 1931, no Rio de Janeiro, pelo botânico Alberto José Sampaio. Outras organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras, contemporâneas a essa e de mesmo caráter conservacionista, foram: a Sociedade dos Amigos da Flora Brasílica , fundada em 1939, em São Paulo, por Frederico Carlos Hoehne; a Associação de Defesa da Fauna e Flora de São Paulo (ADEFLORA), fundada em 1956, também em São Paulo, por Paulo Nogueira Neto, Lauro Travassos Filho e José Carlos Magalhães, e que mais tarde recebeu o novo nome de Associação de Defesa do Meio Ambiente de São Paulo (ADEMASP). Mas a grande profusão de ONGs conservacionistas somente aconteceria no Brasil a partir dos anos 1970. O Museu Nacional e o Museu Paraense Emílio Goeldi são outros exemplos de instituições brasileiras voltadas à conservação ambiental (FRANCO e DRUMMOND, 2009).
  • 32. 17 Como resultado da reunião, foi aprovado o primeiro Código Florestal brasileiro (Decreto Federal No 23.793/34)17. Os participantes do evento18 sugeriram não apenas a criação de nova legislação que garantisse a proteção dos recursos naturais (o ritmo de devastação das florestas na época já era preocupante no Brasil), mas também que fossem realizadas campanhas educacionais junto à população para despertar seu amor pela natureza. E ainda, a criação de uma “Escola Florestal”, nos moldes das existentes à época na Itália e nos Estados Unidos (FRANCO, 2002). Nas palavras de Alberto José Sampaio, relator do congresso e então presidente da Sociedade dos Amigos das Árvores e professor do Museu Nacional: O problema florestal é, ao mesmo tempo, um problema social, de higiene, de riqueza, de importância capital e de relevante transcendência. Daí, o empenho da Sociedade dos Amigos das Árvores em proclamar a necessidade da cadeira de Silvicultura nas escolas primárias e secundárias do país. (SAMPAIO, 1935 apud FRANCO, 2002, p.80) Para Franco e Drummond (2009), a emergência das iniciativas de proteção à natureza no contexto brasileiro apresenta uma característica peculiar – alguns dos indivíduos que compunham as esferas governamentais eram também os articuladores de entidades civis que pressionavam o governo a tomar decisões decisivas em relação à conservação da natureza. Os anos do pós-guerra foram marcados em nível internacional pela resistência às discussões sobre contenção de recursos e consumo (KAVINSKI, 2009). Por outro lado, tais anos corresponderam ao que foi denominado como revolução ambiental, uma resposta aos problemas que ocorriam na época e que ameaçavam a integridade do ambiente e dos indivíduos, os quais já eram alvo dos debates ambientalistas: a realização de testes nucleares, o rápido crescimento da indústria e do consumo, o desenvolvimento das grandes aglomerações urbanas, dentre outros (ROCHA e SIMAN, 2005). 17 O primeiro Código Florestal brasileiro foi revisado em 1965 pela Lei N o 4.771/65 e já naquela época “trazia conceitos sobre as chamadas áreas de preservação permanente (APPs) e sobre a manutenção da Reserva Legal (RL)” (COSTA e ARAÚJO, 2002, p.2). 18 Alguns brasileiros de destaque na conferência foram José Bonifácio, Joaquim Nabuco, André Rebouças, Freire Alemão, Euclides da Cunha, Alberto Torres e Manoel Bonfim (DRUMMOND, 2002).
  • 33. 18 Em 1948, os naturalistas Sir Julian S. Huxley (1887-1975), então diretor da UNESCO, e Edward M. Nicholson (1904-2003) propuseram a criação da International Union for the Protection of Nature, IUPN (União Internacional para Proteção da Natureza). A missão da instituição, que sugeria-se ser bipartite (governamental e não-governamental) era a de “promover a preservação da vida selvagem e a conservação de recursos” (KAVINSKI, 2009, p.44). À época de sua criação, a IUPN congregava características tanto preservacionistas, quanto conservacionistas. A organização mudou seu nome em 1956 para International Union for the Conservation of Nature and Natural Resources, IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais) e permanece assim até os dias atuais. Em 1949, foi realizada a Conferência Científica das Nações Unidas sobre Conservação e Utilização de Recursos (United Nations Scientific Conference on the Conservation and Utilization of Resources, UNSCCUR) nos Estados Unidos, reunindo diversos especialistas com o intuito de tratar aspectos relacionados à conservação dos recursos naturais. Tal conferência destinou-se a “reafirmar a importância dos cientistas na consolidação do movimento ambiental pós-guerra” (LEIS, 1999 apud KAVINSKI, 2009, p.44). Em 1956, foi realizada em Genebra a Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (United Nations Conference on the Law of the Sea, UNCLOS I), que resultou na assinatura de quatro tratados internacionais, três deles referentes à delimitação do espaço marinho e aspectos jurídicos pertinentes (a Convenção sobre o Mar Territorial e Zonas Contíguas e a Convenção sobre Plataforma Continental, ambas de 1964, além da Convenção sobre o Mar Alto, de 1962), e a Convenção sobre Pesca e Conservação dos Recursos Vivos do Alto Mar, de 1966. A UNCLOS II foi realizada em 1960 no mesmo local, mas não resultou em tratados.
  • 34. 19 Outro fato notório foi a criação em 1958 da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN) no Rio de Janeiro, uma das primeias ONGs conservacionistas do Brasil, formada por “um grupo de idealistas que pretendia se contrapor ao padrão imprevidente de atividade econômica corrente no país” e tendo como objetivo “a promoção de uma ação nacional para a conservação dos recursos naturais e para a implantação de áreas reservadas de proteção à natureza” (FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.62-63). Mais especificamente, a ONG visava contrapor as ações desenvolvimentistas exacerbadas do então presidente Juscelino Kubitschek, mas passou por um período inicial de pouca ação. Somente a partir de 1966, com a gestão de José Cândido de Melo Carvalho, zoólogo e ex-diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, adquiriu maior dinamismo e organização, passando inclusive a publicar em série o Boletim Informativo da FBCN, que divulgava a produção científica e intelectual de seus associados. A partir desse momento, a ONG começou a atrair mais adeptos, inclusive militares da Marinha do Brasil, responsáveis pelo patrulhamento de áreas marítimas. Dentre esses, destacam-se os almirantes José Luiz Belart e Ibsen de Gusmão Câmara, “que se tornaram aguerridos militantes conservacionistas numa longa e frutífera cooperação com a FBCN” (ALMEIDA, 2002, p.14). Em 1962, Rachel Carson publicou o livro Silent spring (Primavera silenciosa), procurando “mostrar os efeitos do DDT na cadeia alimentar e o acúmulo do produto nos tecidos gordurosos dos animais”19. A obra foi um dos primeiros trabalhos relacionando a degradação ambiental e a saúde humana e “preconizou o surgimento de uma consciência ambiental nos anos 60 e 70” (KAVINSKI, 2009, p.44). Ainda no início da década de 1960, Murray Bookchin (1921-2006), escritor anarquista estadunidense, publicou alguns trabalhos relacionando a destruição ambiental à sociedade tecnológica-industrial (MANNA, 2008). Em Our synthetic environment (Nosso ambiente 19 DDT é a sigla para dicloro-difenil-tricloroetano, considerado o primeiro pesticida moderno, muito utilizado após a Segunda Guerra Mundial. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/DDT.
  • 35. 20 sintético), publicado em 1962, levantou a partir da literatura científica a relação entre pesticidas, aditivos químicos e radiação e as doenças humanas, como o câncer (BIEHL, 1999). Em Ecology and revolutionary thought (Ecologia e pensamento revolucionário), publicado em 1964, criticou a acumulação capitalista, atribuindo-lhe a causa da degradação ambiental (MANNA, 2008). Em Crisis in our cities (Crise em nossas cidades), publicado em 1965, explorou os problemas ambientais específicos das áreas urbanas (BIEHL, 1999). No mesmo ano, Bookchin publicou Towards a liberatory technology (Para uma tecnologia libertadora), onde já propunha o uso de fontes alternativas e renováveis de energia e de microtecnologias, de modo que se formasse uma infra-estrutura para o estabelecimento de uma sociedade libertária (BIEHL, 1999). Bookchin fez uma distinção entre o ambientalismo e o que denominou como ecologia social, indicando que o ser humano deveria ser visto como um ser social e não apenas como mais um espécime biológico (MANNA, 2008). Mais tarde, suas ideias influenciaram o surgimento da corrente antropocêntrica na ecologia. Em 1974, Bookchin foi co-fundador do Institute for Social Ecology (Instituto de Ecologia Social), em Vermont (EUA), o qual adquiriu reputação internacional em cursos nas áreas de ecofilosofia, teoria social e tecnologias alternativas (BIEHL, 1999). Em 1968, foi realizada a Conferência Intergovernamental para o Uso Racional e Conservação da Biosfera (Intergovernamental Conference for Rational Use and Conservation of Biosphere, ICRUCB), em Paris (França). Um dos resultados do encontro foi a criação do Man and the Biosphere Programme, MaB (Programa Homem e Biosfera), um programa de cooperação científica internacional sobre as interações entre o homem e o ambiente, vigente até os dias atuais20 (KAVINSKI, 2009; ROCHA e SIMAN, 2005). 20 O sítio oficial do programa pode ser visitado em: http://www.unesco.org/new/en/natural- sciences/environment/ecological-sciences/man-and-biosphere-programme/
  • 36. 21 Ainda em 1968 e procurando seguir a conferência realizada em Paris, foi realizado no Brasil o Simpósio sobre Conservação da Natureza e Restauração do Ambiente Natural, organizado pela Academia Brasileira de Ciências e contando com o apoio da FBCN. O simpósio brasileiro seguia as ideias preservacionistas e conservacionistas, conforme pode ser verificado em parte do discurso de José Cândido de Melo Carvalho: Entende-se por conservação da natureza e recursos naturais [...] a preservação do mundo vivo, ambiente natural do homem, e dos recursos naturais renováveis da terra, fator primordial da civilização humana. As belezas naturais, por outro lado, constituem fonte de inspiração da vida espiritual e da satisfação indispensável das necessidades, essas cada dia mais intensificadas devido à mecanização crescente da vida moderna. (CARVALHO, 1969 apud FRANCO e DRUMMOND, 2009, p.66) No mesmo ano, por iniciativa do industrial italiano Aurélio Peccei e do cientista escocês Alexander King, foi criado um grupo denominado The Club of Rome (Clube de Roma)21, atualmente uma organização sem fins lucrativos, […] cuja missão é a de atuar como um catalisador global para mudanças, mediante a identificação e análise de problemas enfrentados pela Humanidade e a comunicação de tais problemas aos mais importantes tomadores de decisão, públicos ou privadas, assim como ao público em geral. […] E cujas atividades devem adotar uma perspectiva global com fortalecimento da interdependência entre as Nações. Além disso, devem, por meio de um pensamento holístico, alcançar um entendimento profundo da complexidade dos problemas contemporâneos e adotar uma perspectiva transdisciplinar de longo prazo, que se concentre nas escolhas e políticas que determinam o destino das gerações futuras. (THE CLUB OF ROME, 2011, tradução nossa) 21 O Clube de Roma existe até hoje e o sítio do grupo pode ser visitado em http://www.clubofrome.org/.
  • 37. 22 O Clube de Roma era composto de pessoas de diversos campos de atuação e originárias de diferentes países e reuniu-se com o objetivo de examinar os problemas que desafiavam a Humanidade (pobreza, degradação ambiental, crescimento urbano, dentre outros) e debater o seu futuro (ARAÚJO et al., 2006 apud KAVINSKI, 2009, p.45). O grupo produziu quatro relatórios de repercussão internacional, tendo sido o mais famoso desses, o The Limits to growth (Os limites do crescimento), com mais de 12 milhões de cópias vendidas e traduzido para cerca de 30 línguas (THE CLUB OF ROME, 2011). As discussões acerca de tais problemas intensificam-se a partir da década de 1970, em resposta aos desastres ambientais de repercussão internacional e ao modelo de desenvolvimento que visava o crescimento econômico a qualquer custo. A partir dessa década também presencia-se o aumento na frequência de eventos internacionais e de acordos multilaterais assinados, conforme será visto a seguir. 1.3. Ecologismo Pós-Estocolmo (1970-2010) A década de 1970 pode ser destacada como um marco, pela profusão de reflexões acerca do desenvolvimento e dos problemas ambientais gerados por determinados estilos de vida, em resposta a alguns desastres ambientais ocorridos entre as décadas de 1960 e 1980: “o da Baía de Minamata, no Japão, o acidente de Bhopal, na Índia, e o acidente da usina nuclear de Chernobyl, na extinta União Soviética” (BELLEN, 2006, p.17). Já a década de 1980 foi marcada pelo aumento do interesse acadêmico pelos temas do desenvolvimento22 e do ambiente, não apenas nas ciências sociais ou naturais já estabelecidas, como também em campos onde há transversalidade de ciências, como a engenharia ambiental e a economia ambiental (UNEP, 2004). 22 Mesmo antes de 1980, Celso Furtado se antecipara aos debates sobre desenvolvimento e meio ambiente. Em 1974, Celso Furtado discute o relatório do Clube de Roma “Os limites do crescimento”, ressaltando a não inclusão da grande dependência de recursos não renováveis pelos países desenvolvidos em um modelo econômico mundial (VIEIRA, 2004).
  • 38. 23 O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) faz uma divisão temporal interessante sobre os avanços em relação ao desenvolvimento sustentável, considerando que na década de 1980, perseguiu-se a definição de um conceito para o mesmo; na década de 1990, houve uma profusão de esforços na sua implementação; e, a partir do ano 2000, diversas iniciativas foram consolidadas no sentido de acompanhar o progresso das ações implementadas na década anterior (UNEP, 2004). Essa seção está dividida em três períodos distintos, levando-se em conta essas características. O período inicial, que inclui os anos de 1970 a 1990, foi marcado por inúmeras tentativas de se conceituar sustentabilidade e desenvolvimento sustentável e pela proposição de diversos modelos de interpretação para as relações entre sociedade e natureza, culminando com a emergência de novos paradigmas de desenvolvimento, que levassem em conta fatores sociais e ambientais, contrariamente ao que se observava a partir dos anos iniciais da Revolução Industrial, quando buscava-se o crescimento econômico a qualquer custo. O período de 1990 e 2000 é fecundo em ações para o desenvolvimento sustentável, sendo propostos diversos índices sisntéticos e sistemas de indicadores para quantificar aspectos sociais e ambientais (SCANDAR NETO, 2006). Finalmente, o período de 2000 a 201023, foi marcado por iniciativas de acompanhamento de tais ações, em outras palavras, no acompanhamento do progresso dos países em relação às metas e objetivos para o desenvolvimento sustentável acordados nas conferências realizadas no período anterior. 23 Último ano considerado no levantamento bibliográfico realizado para essa dissertação.
  • 39. 24 1.3.1. Emergência dos paradigmas de desenvolvimento (1970-1990) A década de 1970 presenciou o surgimento de um novo ecologismo, que se contrapôs às antigas ideias de proteção da natureza, dando origem a duas correntes: a corrente ecocêntrica (também denominada corrente biocêntrica, ecologia profunda, ou culto ao silvestre) e a corrente antropocêntrica (MANNA, 2008). De acordo com a corrente ecocêntrica, o ambiente natural é abordado em sua totalidade e o homem é visto como mais um de seus componentes biológicos 24. Por outro lado, a corrente antropocêntrica estabelece uma dicotomia homem-natureza, atribuindo direitos de controle e posse do ambiente natural pelo homem e considerando que a natureza não teria valor em si mesma, mas sim constituiria-se como uma reserva de recursos naturais à disposição da humanidade (MANNA, 2008). A corrente antropocêntrica originou duas outras correntes denominadas como evangelho da ecoeficiência e ecologismo dos pobres. A ecoeficiência caracteriza-se por uma preocupação com os efeitos do crescimento econômico, sendo representada pela economista Ann Mari Jansson e, no Brasil, por Peter May, Maurício Amazonas e Ademar Romeiro. Já o ecologismo dos pobres analisa a repartição desigual dos danos ambientais entre países pobres e ricos, sendo Martínez-Alier um de seus maiores expoentes (CAVALCANTI, 2010). 24 Nesse sentido, ver livro muito interessante de Bruno Latour, publicado em 2004, “Políticas da Natureza: como fazer ciência na democracia”, onde o autor discute em profundidade a utilidade das ideias da corrente ecocêntrica no estabelecimento de um regime verdadeiramente democrático. O autor considera inclusive que os entes naturais sejam partícipes do processo de decisão. Um olhar muito diferente para a problemática ambiental enfrentada nos dias atuais, nos quais não se chega a um consenso a respeito de uma solução plausível para a resolução dos antigos conflitos entre produção de bens de consumo e conservação do ambiente.
  • 40. 25 Em 1970, Paul R. Elrich, biólogo norte-americano, publicou Population, resources, environments: Issues in Human Ecology (População, recursos, ambiente: problemas de Ecologia Humana), uma das primeiras publicações em ecologia humana, a qual remonta aos princípios malthusianos, que correlacionam o tamanho da população com a quantidade de recursos disponíveis (GALIANA, 1998). Em oposição à ideia de que a degradação ambiental fosse causada apenas pela pressão populacional, Barry Commoner, outro biólogo norte- americano, publicou em 1971 The closing circle (O círculo que se fecha), onde relacionou a crise ambiental ao modo de produção capitalista, pelo qual “as novas tecnologias introduzidas após 1946, [...] produziam, segundo seus cálculos, 95% da emissão total de poluentes” (LEIS, 2004, p.54-55). Outros expoentes da ecologia humana na época foram LaMont Cole, Eugene Odum, Kenneth Watt e Garret Hardin (LEIS, 1999). Os debates entre Ehrlich e Commoner suscitaram a construção da tese do crescimento zero pela comunidade científica, no final da década de 1960 e início de 1970, segundo a qual deveria ser limitado o crescimento econômico em países do Terceiro Mundo, de modo a estabilizar os níveis produtivos mundiais (SILVA, 2010). A revista The ecologist (O ecologista) publicou em 1972 o manifesto The blueprint to survival (Manifesto pela sobrevivência), assinado por cientistas ingleses e cuja autoria principal atribui-se a Edward Goldsmith e Robert Allen, auxiliados por Michael Allaby, John Davoll e Sam Lawrence, em contribuição com a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano ou Conferência de Estocolmo (United Nations Conference on the Human Environment, UNCHE), realizada no mesmo ano em Estocolmo (Suécia) (SILVA, 2010).
  • 41. 26 A Declaração das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (ou Carta de Estocolmo), de 1972, ressaltou “a necessidade de uma nova postura civilizatória, onde a utilização dos recursos naturais deveria atender às necessidades das gerações presentes, assim como garantir o suprimento das necessidades das gerações futuras”25 (ROCHA e SIMAN, 2005, p.6). Em seu segundo princípio, a Declaração de Estocolmo afirma que: Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequados. (UNCHE, 1972, p.2, tradução nossa) A realização da Conferência de Estocolmo precipitou a criação do United Nations Environment Programme, UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, PNUMA), com a finalidade de coordenar as discussões ambientais em nível internacional (RIBEIRO, 2010). Em 1973, Maurice Strong, então diretor do PNUMA, cunhou o termo ecodesenvolvimento, “o qual é considerado […] como precursor do termo sustentabilidade” (BRÜSEKE, 1998 apud ROCHA e SIMAN, 2005, p.6, grifo nosso), a partir da publicação do artigo One year after Stockholm: An ecological approach to management (Um ano após Estocolmo: uma abordagem ecológica para o gerenciamento): Nas regiões ricas do mundo, é essencial identificar e perseguir novas direções para o crescimento: perseguir padrões alternativos de consumo, que tenham menos impacto no ambiente natural, que utilizem a energia menos intensamente, menos demandante por recursos renováveis e mais sutil à reciclagem e à reutilização, […] alternando do critério quantitativo para o qualitativo na tomada de decisão nacional. (STRONG, 1973, p.695) 25 Essa postura civilizatória, que aos desavisados poderia parecer inovadora, já havia sido sugerida pelo movimento conservacionista, surgido no final do século XIX.
  • 42. 27 Nesse artigo, Strong relatou os avanços em relação às diretrizes estabelecidas na Conferência de Estocolmo e informou que a maioria dos 85 países que enviaram seus relatórios ao Conselho de Governança do PNUMA estava elaborando um relatório ambiental pela primeira vez. Por outro lado, ressaltou que os países que tinham essa experiência, já incluíam o ambiente em sua estrutura de governo e em sua legislação (alguns até atualizando suas leis), inclusive o Brasil (STRONG, 1973). Ainda no ínicio da década de 1970, cinco convenções internacionais foram estabelecidas na linha preservacionista/conservacionista: a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional Especialmente como Habitat de Aves Aquáticas (Convention on Wetlands of International Importance Especially as Waterfowl Habitat), de 1971, resultante da Conferência Internacional sobre Zonas Úmidas e Aves Aquáticas (International Conference on the Wetlands and Waterfowl), realizada no mesmo ano em Ramsar, no Irã; a Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e outros Materiais (Convention on the Prevention of Marine Pollution by Dumping of Wastes and Other Matter) e a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (Convention Concerning the Protection of the World Cultural and Natural Heritage), ambas de 1972 e resultantes da Conferência Geral das Nações Unidas (General Conference of the UNESCO), realizada em Paris no mesmo ano; a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora, CITES), assinada em Washington em 1973, resultante de uma resolução da IUPN para proteção de espécies ameaçadas de extinção, adotada em 1963; a Convenção sobre Conservação de Espécies Migratórias de Animais Selvagens (Convention on the Conservation of Migratory Species of Wild Animals), de 1979, resultante da Conferência de Estocolmo de 1972 (STRONG, 1973; UNEP, 2004).
  • 43. 28 O primeiro relatório do Clube de Roma, publicado em 1972 – The Limits to Growth (Limites do crescimento), também conhecido como Relatório Meadows –, coadunou com o Manifesto pela Sobrevivência, publicado na revista The Ecologist no mesmo ano (LEIS, 1999, p.55). Entretanto, a Tese do crescimento zero sofreu críticas de alguns países do terceiro mundo, incluindo o Brasil, que desejavam experimentar o mesmo patamar de desenvolvimento dos países do primeiro mundo (SILVA, 2010). O relatório foi uma resposta a um número crescente de publicações que tratavam da relação sociedade-natureza e que denunciavam a destruição do ambiente natural, com prejuízos à humanidade. O documento considerou cinco variáveis (população, produção industrial, produção de alimentos, exploração dos recursos naturais e poluição), indicando que mesmo na presença de significativos aumentos de produtividade, o crescimento da população conduziria a uma escassez crônica de alimentos. O relatório foi criticado por países latino-americanos que questionaram a validade das variáveis, argumentando que deram mais ênfase aos aspectos ambientais em detrimento dos sociais (LEIS, 1999 apud KAVINSKI, 2009, p.46). De acordo com Odum (1985), o relatório recebeu críticas de muitos líderes políticos, que não admitiam que a humanidade não conseguiria encontrar uma saída para a problemática levantada: Embora o propósito de The Limits to Growth fosse mostrar simplesmente o que poderia acontecer se não mudássemos os nossos hábitos, muitas pessoas, inclusive a maioria dos líderes políticos e um grande segmento do público, entenderam o relatório como se ele estivesse prevendo o fim da civilização. Consequentemente, houve uma tempestade de críticas. Muitos frisaram que os modelos não levavam em consideração a nova tecnologia, a descoberta de novos recursos, a substituição de recursos esgotados por um recurso novo etc. A maioria das pessoas parecia sentir que a humanidade seria esperta demais para entrar em um ciclo de aumento e colapso e que nós pararíamos ou mudaríamos o nosso estilo antes de chegarmos a esse ponto. (ODUM, 1985, p.343)
  • 44. 29 Em resposta às críticas ao Limites do crescimento, o segundo relatório do Clube de Roma, Mankind at the turning point (A humanidade no ponto de mudança), foi preparado por Mihajlo Mesarovic e Eduard Pestel e publicado em 1974. O relatório dividiu a Terra em 10 regiões geográficas interdependentes. As conclusões desse segundo relatório são similares às do primeiro, prevendo um desastre ambiental mundial, caso fosse dado continuidade ao crescimento populacional desordenado. Também indicou dois desníveis principais que estariam no cerne da crise ambiental: entre os seres humanos e a natureza e aquele entre pobres e ricos. Como solução, o relatório sugere que se almeje uma condição de crescimento orgânico, segundo o qual tais desníveis possam ser dirimidos. De acordo com essa visão, “o desenvolvimento deve ser específico à região, porém globalmente orientado, em vez de baseado em interesses nacionais restritos” (ODUM, 1985, p.343). Em 1975, Edward Goldsmith (1928-2009) publicou Strategy for tomorrow (Estratégia para o amanhã), onde criticou os pressupostos do modelo adotado na elaboração do segundo relatório do Clube de Roma, por refletirem os valores da industrialização e por não contemplarem a via da desindustrialização (GOLDSMITH, 1975). Goldsmith defendia a tese do (des)desenvolvimento de forma a diminuir as desigualdades e alcançar um patamar de estabilidade ou, segundo ele, de sobrevivência (da espécie humana). A busca por uma estratégia para o futuro deveria passar pela consulta aos especialistas e não pela observação dos resultados apresentados no segundo relatório do Clube de Roma. Tais especialistas deveriam ser capazes de pensar nos problemas objetivamente e em seu contexto evolucionário e não em termos dos valores da industrialização. E sugere ainda que esse é um reflexo do mito da ciência moderna, que estabelece uma dicotomia entre fatos e valores e que, até então, não haviam conseguido quantificar os valores humanos (GOLDSMITH, 1975).