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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS
Marcos Rangel de Lima
DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS NO MUNICÍPIO
DE DUQUE DE CAXIAS, RJ: UMA ABORDAGEM
INTERESCALAR
Rio de Janeiro
2010
Marcos Rangel de Lima
DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS NO MUNICÍPIO
DE DUQUE DE CAXIAS, RJ: UMA ABORDAGEM
INTERESCALAR
Dissertação apresentada como trabalho
de conclusão de curso ao Programa de
Mestrado em Estudos Populacionais e
Pesquisas Sociais da Escola Nacional de
Ciências Estatísticas – Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (ENCE/IBGE)
Orientador: Prof. Dr. Cesar Ajara
Co-orientadora: Profª Drª Ismenia Blavatsky de Magalhães
Rio de Janeiro
2010
2
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Cesar Ajara
Orientador
Profª Drª Ismenia Blavatsky de Magalhães
Co-Orientadora
Profª Drª Neide Lopes Patarra
Prof. Dr. Glaucio José Marafon
3
DEDICATÓRIA
A Francisco José,
Marcos Antônio e
João Pedro.
Que possam viver em um mundo e uma cidade com menos desigualdades.
4
AGRADECIMENTOS
“E nisto, que conto ao senhor, se vê o sertão do mundo. Que Deus existe, sim,
devagarinho, depressa. Ele existe — mas quase só por intermédio das
pessoas: de bons e maus. Coisas imensas no mundo.” (João Guimarães Rosa.
Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 300)
No percurso de um trabalho acadêmico, são muitas as ajudas e contribuições
que recebemos. Por menores que sejam, acredito que são parte de uma ajuda
muito maior, verdadeiramente divina. Agradecer a Deus é também agradecer a
essas pessoas.
Ao meu orientador, Prof. Cesar Ajara, por todas as inestimáveis críticas,
comentários, sugestões de correção de rumo e de texto que este trabalho teve
que receber para chegar a este ponto. Agradeço também pela disponibilidade e
paciência que caracterizaram sua orientação. Obviamente, a forma final do
trabalho é de responsabilidade do aluno, e o professor não deve ser
responsabilizado por eventuais falhas ou limitações.
À minha co-orientadora, Profª Ismenia Blavatsky, pelas avaliações do texto,
conselhos e sugestões no sentido da concisão e clareza na apresentação das
ideias. Talvez esta dissertação não tenha conseguido a concisão ideal. Que
pelo menos tenha conseguido atingir o máximo de clareza na sua exposição.
À Profª Neide Lopes Patarra, que, junto com o Prof. Cesar, foram meus
primeiros professores no programa de mestrado. Devo lhe agradecer pelas
aulas, e espero que algo delas possa ser reconhecido aqui. Mas também devo
lhe agradecer por ter sido minha orientadora acadêmica, cujas sugestões
foram fundamentais no início da trajetória que culminou com esta dissertação.
Agradeço também por ter aceitado integrar a banca.
Ao Prof. Glaucio José Marafon, por ter gentilmente aceitado o convite para
compor a banca, e pela solicitude no recebimento deste texto. Espero estar à
5
altura das expectativas que, geralmente, acorrem a um examinador diante de
um estudante que busca o título de mestre.
Ao ex-colega mestrando, agora mestre, Paulo César Pires Menezes, pela
elaboração de todos os mapas desta dissertação. Paulo não só aceitou fazer o
trabalho em solidariedade, recebendo aquelas listas de 1.049 setores
censitários, 40 bairros, 26 variáveis, mas ainda socializou algumas
interpretações de mapas, que foram úteis para eu perceber se o que eu estava
vendo não era auto-engano. Valeu, Paulo!
Ao colega mestrando, Nilo da Silva Teixeira, pela ajuda na fase de pré-
elaboração da dissertação. Seus conhecimentos foram fundamentais na
apresentação do ante-projeto e me guiaram no melhor entendimento da base
territorial de Caxias.
À colega Profª Ana Cristina Palmieri, pela inestimável colaboração na tradução
do resumo, sem a qual esta dissertação traria em branco a página reservada
ao abstract.
Ao Prof. Nelson Senra e colegas estudantes com os quais tive a honra de
cursar a disciplina de Sociologia das Estatísticas. O conteúdo das aulas e os
debates serviram como um pano de fundo para algumas questões teóricas e
metodológicas desta dissertação. Receio, infelizmente, que as ideias não
tenham ficado explícitas no texto, mas talvez possam ser encontradas nas
entrelinhas.
(Aliás, nós, cientistas sociais, costumamos adorar as entrelinhas; tomara que
as desta dissertação não tenham ficado ruins!)
A todos os funcionários, professores e colegas estudantes da ENCE/IBGE com
quem tive o prazer de conviver. Como o trabalho científico nunca é individual,
por mais que nos pareça ser, mas envolve seleção, classificação, reordenação
do trabalho coletivo, várias pessoas desse meio, com seu trabalho, conversas
6
ou até atitudes, colaboraram para esta pesquisa, de modo que fica até difícil
nominar as pessoas e as contribuições.
Aos funcionários do IBGE com quem não convivi, mas que foram
fundamentais para que eu conseguisse acessar o rico banco de dados do
instituto. Uma instituição pode ser entendida como um conjunto de normas,
hábitos, valores que se mantêm mesmo com a substituição de indivíduos e a
passagem das gerações, mas o fato é que, sem os indivíduos, não há
instituições.
Às direções das Escolas Maria da Glória Corrêa Lemos, nas pessoas da Profª
Rosa e Prof. Messias, e José Américo Pessanha, nas pessoas do Prof. Robson
e Profª Marilene, pela compreensão e pelo diálogo durante os três intensos
trimestres letivos de 2008.
À direção da Escola Mª da Glória C. Lemos, nas pessoas das Profas
Silvana e
Silvia, pela agilidade na liberação dos papéis da licença especial em 2010, que
foi imprescindível na fase final de elaboração desta dissertação. E à direção e
alunos do CIEP José Américo Pessanha, pela compreensão nas últimas
semanas de elaboração deste texto.
Aos funcionários da Secretaria Municipal de Urbanismo de Duque de Caxias,
que gentilmente colaboraram, me repassando o que tinham sobre a base
territorial do município.
A todas as pessoas com quem conversei sobre este trabalho: mamãe, papai,
Mônica, amigos, outros parentes, colegas de trabalho, alunos... Às vezes, só
ouvir é uma grande ajuda. Também a todas as pessoas que me ajudaram de
alguma outra forma, mas das quais agora não vou lembrar... Perdoem, mas é o
cansaço do momento.
E, finalmente, à Sheila, pelo apoio, compreensão, companheirismo e, mais que
tudo, paciência. Por ter aturado um sujeito que ficou mais chato e mais
bagunceiro do que de costume, nestes dois anos de mestrado. Por ter
7
aguentado aquelas pilhas adicionais de livros , cópias xerox, cadernos,
acumuladas sobre mesas, cadeiras, poltronas. Se há algum sinal mais
eloquente da presença e da ajuda de Deus a este pobre louco, é você. Sem
você, tudo teria ficado muito mais difícil. Muito obrigado!
Duque de Caxias, 31 de agosto de 2010
8
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo discutir o fenômeno da desigualdade
socioespacial no Município de Duque de Caxias (RJ). Para tanto, analisa indicadores
demográficos e socioeconômicos no intuito de compreender os processos
socioespaciais em curso na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, bem como as
especificidades de operação de tais processos no referido município. Nesse sentido,
a dissertação efetua o tratamento de dados estatísticos de natureza demográfica,
social e econômica com vistas ao mapeamento do quadro de desigualdades
presente na escala municipal. Neste aspecto são utilizados os dados dos Censos
Demográficos no período entre 1940 e 2000 e do Produto Interno Bruto Municipal
2000 – IBGE. Como resultado destaca-se a elaboração de uma tipologia dos bairros
do Município de Duque de Caxias. Esta tipologia permitiu a identificação de
subespaços intramunicipais caracterizados por apresentar distintos níveis de acesso
à infra-estrutura urbana, bem como de inserção socioeconômica dos responsáveis
pelos domicílios.
Palavras-chave: desigualdade, território, segregação socioespacial
9
ABSTRACT
The objective of this dissertation is to discuss the phenomenon of social-
spatial disparity in the City of Duque de Caxias, in the State of Rio de Janeiro, Brazil.
To accomplish this objective, this dissertation analyzes demographic and
socioeconomic pointers, with the intention of understanding the social-spatial process
in place in the metropolitan area of Rio de Janeiro, as well as the specifics of such
processes in the aforementioned city. In this way, the dissertation makes a study of
statistical data of a demographic, social and economic nature, with the aim of
mapping the disparities present in the municipal scope. In this case, the data from
the Demographic Censuses in the period between 1940 and 2000 are used, as well
as the GDP of Duque de Caxias in 2000. As a result of this analysis the typology of
the neighborhoods of Duque de Caxias becomes apparent. This typology allowed the
identification of intra-municipal subdivisions, which are characterized by distinct
levels of access to the urban infrastructure, as well as levels of socioeconomic
insertion of those responsible for the domiciles.
Keywords: social disparity, territory, social-spatial segregation
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Mapa 1 – Bairros de Duque de Caxias (RJ) – 2000...............................................20
Figura 1 – Reprodução de Folheto com Informações sobre Coleta de Lixo –
Janeiro/Fevereiro de 2009 ......................................................................................22
Quadro 1 – Distinções polares entre as sociedades pré-industrial e urbano-
industrial ..................................................................................................................29
Mapa 2 – Região Metropolitana do Rio de Janeiro.............................................103
Figura 2 – Desmembramento do Antigo Município de Iguassú ........................141
Figura 3 – A Baixada Fluminense em sua Delimitação mais Ampla.................142
Gráfico 1 – Evolução da População do Município de Duque de Caxias (1872-
2000).......................................................................................................................148
Gráfico 2 – Taxas Geométricas Médias Anuais de Crescimento Demográfico –
Município de Duque de Caxias (1872-2000) ........................................................150
Quadro 2 – Informações Socioeconômicas sobre o Município de
Duque de Caxias – 2000 .......................................................................................153
Quadro 3 – Base Territorial do Município de Duque de Caxias – 2000 ............155
Mapa 3 – População Residente – Bairros de Duque de Caxias – 2000.............160
Mapa 4 – Razão de Sexos – Bairros de Duque de Caxias – 2000......................162
Mapa 5 – Razão de Dependência – Bairros de Duque de Caxias – 2000..........163
Mapa 6 – Índice de Envelhecimento – Bairros de Duque de Caxias – 2000.....165
Mapa 7 – Índice de Longevidade – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..........166
Mapa 8 – Responsáveis do Sexo Feminino – Bairros de Duque de Caxias –
2000 ........................................................................................................................168
Mapa 9 – Moradores em Domicílios com Rede Geral de Água Canalizada –
bairros de Duque de Caxias – 2000 .....................................................................170
Mapa 10 – Moradores em Domicílios com Acesso à Rede Geral de Esgoto ou
Água Pluvial – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ...........................................171
Mapa 11 – Moradores em Domicílios Atendidos pelo Serviço de Coleta de Lixo
Domiciliar – Bairros de Duque de Caxias – 2000................................................173
Mapa 12 – Moradores em Domicílios sem Banheiro – Bairros de Duque de
Caxias – 2000.........................................................................................................174
Mapa 13 – Responsáveis por Domicílios com Renda Média Mensal até 2
Salários Mínimos – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ...................................176
11
Mapa 14 – Responsáveis por Domicílios com Renda Média Mensal Igual ou
Maior do que 5 Salários Mínimos (em % do total) – Bairros de Duque de Caxias
– 2000 .....................................................................................................................178
Mapa 15 – Responsáveis por Domicílios com Renda Média Mensal Igual ou
Maior do que 10 salários mínimos – bairros de Duque de Caxias – 2000........179
Mapa 16 – Responsáveis por Domicílios sem Rendimento – bairros de Duque
de Caxias – 2000....................................................................................................181
Mapa 17 – Rendimento Médio Mensal dos Responsáveis por Domicílios (em
Salários Mínimos) – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..................................182
Mapa 18 – Rendimento Mediano Mensal dos Responsáveis por Domicílios (em
Salários Mínimos) – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..................................183
Mapa 19 – Mulheres Responsáveis por Domicílios com Renda até 2 Salários
Mínimos – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..................................................185
Mapa 20 – Mulheres Responsáveis por Domicílios sem Rendimento – Bairros
de Duque de Caxias – 2000 ..................................................................................187
Mapa 21 – Responsáveis por Domicílios com até 3 Anos de Estudo – Bairros
de Duque de Caxias – 2000 ..................................................................................189
Mapa 22 – Responsáveis por Domicílios com 11 ou Mais Anos de Estudo –
Bairros de Duque de Caxias – 2000.....................................................................191
Mapa 23 – Responsáveis por Domicílios com 15 ou Mais Anos de Estudo –
Bairros de Duque de Caxias – 2000.....................................................................192
Mapa 24 – Taxa de Analfabetismo dos Responsáveis por Domicílios – Bairros
de Duque de Caxias – 2000 ..................................................................................194
Mapa 25 – Mulheres Responsáveis por Domicílios com até 3 Anos de Estudo –
Bairros de Duque de Caxias – 2000.....................................................................195
Mapa 26 – Taxa de Analfabetismo das Mulheres Responsáveis por Domicílios –
Bairros de Duque de Caxias – 2000.....................................................................197
Mapa 27 – Índice do Déficit Social do Município de Duque de Caxias – 2000 .201
Mapa 28 – Índice de Condições Socioeconômicas do Município de Duque de
Caxias – 2000.........................................................................................................204
Quadro 4 – Comparação entre as Tipologias – Índice do Déficit Social e Índice
de Condições Socioeconômicas – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..........207
Gráfico 3 – Distribuição da População Urbana segundo Grupos do Índice do
Déficit Social do Município de Duque de Caxias (RJ) – 2000............................209
12
Gráfico 4 – Distribuição da População Urbana segundo Grupos do Índice de
Condições Socioeconômicas do Município de Duque de Caxias (RJ) – 2000.210
Quadro 5 – Tipologia Arbitrada com Base em Intervalos do Índice do Déficit
Social e do Índice de Condições Socioeconômicas – Município de
Duque de Caxias (RJ) – 2000................................................................................211
Gráfico 5 – Distribuição da População Urbana segundo Tipos de Bairros
Arbitrados com Base em Intervalos do Índice do Déficit Social e do Índice de
Condições Socioeconômicas – Município de Duque de Caxias (RJ) – 2000 ...212
13
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – População da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus
Municípios – 1940-2000.........................................................................................105
Tabela 2 – Participação dos Municípios Metropolitanos na População da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro – 1940-2000........................................107
Tabela 3 – Taxas de Crescimento Demográfico do Estado do Rio de Janeiro, da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 1940-2000...109
Tabela 4 – Densidade Demográfica e Taxa de Urbanização do Estado do Rio de
Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios –
2000 ........................................................................................................................111
Tabela 5 – Razão de Sexos, Razão de Dependência e Índice de Envelhecimento
do Estado do Rio de Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de
seus Municípios – 2000.........................................................................................113
Tabela 6 – Taxas de Natalidade e Mortalidade do Estado do Rio de Janeiro, da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 2000 ............115
Tabela 7 – Indicadores do Déficit Habitacional do Estado do Rio de Janeiro, da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 2000 ............117
Tabela 8 – Indicadores da Inadequação Habitacional do Estado do Rio de
Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios –
2000 ........................................................................................................................119
Tabela 9 – Informações sobre o Produto Interno Bruto do Estado do Rio de
Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios –
2000 ........................................................................................................................124
Tabela 10 – Indicadores sobre Rendimento dos Responsáveis por Domicílios
Particulares Permanentes – Estado do Rio de Janeiro, Região Metropolitana do
Rio de Janeiro e seus Municípios – 2000............................................................127
Tabela 11 – Indicadores sobre Escolarização dos Responsáveis por Domicílios
Particulares Permanentes – Estado do Rio de Janeiro, Região Metropolitana do
Rio de Janeiro e seus Municípios – 2000............................................................130
Tabela 12 – Taxas de Matrícula no Ensino Fundamental e Médio – Estado do
Rio de Janeiro, Região Metropolitana do Rio de Janeiro e seus Municípios –
2000 ........................................................................................................................132
14
Tabela 13 – Variáveis Componentes do Índice de Desenvolvimento Humano
dos Municipios – Região Metropolitana do Rio de Janeiro – 2000...................134
Tabela 14 – Classificação dos Municípios da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro segundo o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios – 2000136
Tabela 15 – Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios – Duque de
Caxias (RJ) – 1991-2000........................................................................................154
Tabela 16 – População por Situação do Domicílio e Taxas de Urbanização –
Duque de Caxias e Seus Distritos – 2000............................................................156
Tabela 17 – Indicadores dos Bairros de Duque de Caxias – 2000 ....................228
15
LISTA DE SIGLAS
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH – Banco Nacional de Habitação
BME – Banco Multidimensional de Estatísticas
CEPERJ – Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação
de Servidores Públicos do Rio de Janeiro
CIDE – Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (atual
CEPERJ)
ENCE – Escola Nacional de Ciências Estatísticas
EPI – (Estruturas) econômico-político-ideológicas
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNM – Fábrica Nacional de Motores (Fenemê)
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH-M – Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios
IDS/DC – Índice do Déficit Social do Município de Duque de Caxias
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IQV/UFF – Índice de Qualidade de Vida/ Universidade Federal Fluminense
ISE/DC – Índice de Condições Socioeconômicas do Município de Duque de
Caxias
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico;
entidade que congrega os principais países capitalistas
PEA – População economicamente ativa
PIB – Produto interno bruto
REBIO – Reserva biológica; em Duque de Caxias, refere-se à REBIO-Tinguá
REDUC – Refinaria Duque de Caxias
RMRJ – Região Metropolitana do Rio de Janeiro
SFH – Sistema Financeiro de Habitação
SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática
SM – Salário mínimo; piso salarial nacional
URG – Unidade Regional de Governo; subdivisão administrativa do Município
de Nova Iguaçu
16
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................18
Capítulo 1
As cidades e a desigualdade social: uma revisão teórica e conceitual.............24
1.1
As cidades e a desigualdade social: resgatando elementos das suas trajetórias
e transformações ....................................................................................................25
1.2
Cidade, desigualdade e segregação: interpretações das ciências sociais........48
Capítulo 2
Dinâmica do território na escala metropolitana ...................................................77
2.1
Formação histórica da Região Metropolitana do Rio de Janeiro........................77
2.2
Caracterização socioeconômica da Região Metropolitana do
Rio de Janeiro........................................................................................................101
2.2.1
Indicadores demográficos....................................................................................103
2.2.2
Indicadores de infraestrutura urbana..................................................................116
2.2.3
Indicadores econômicos ......................................................................................122
2.2.4
Indicadores educacionais.....................................................................................128
2.2.5
O Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios ....................................133
17
Capítulo 3
Dinâmica do Território na Escala Municipal .......................................................139
3.1
Formação histórica do Município de Duque de Caxias .....................................139
3.2
Caracterização socioeconômica do Município de Duque de Caxias................151
3.2.1
Indicadores demográficos....................................................................................159
3.2.2
Indicadores de infraestrutura urbana..................................................................169
3.2.3
Indicadores de renda ............................................................................................175
3.2.4
Indicadores educacionais.....................................................................................188
3.3
Tipologias dos bairros de Duque de Caxias.......................................................196
3.3.1
Tipologia 1: Índice do déficit social.....................................................................198
3.3.2
Tipologia 2: Índice de condições socioeconômicas..........................................202
3.3.3
Tipologia 3: um esforço de síntese .....................................................................206
Considerações Finais ...........................................................................................219
Bibliografia.............................................................................................................222
Apêndice
Indicadores dos Bairros de Duque de Caxias – 2000 ........................................228
18
INTRODUÇÃO
Este trabalho visa estudar as desigualdades socioespaciais no município de
Duque de Caxias, localizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Pretende-
se, com esse fim, realizar um trabalho interdisciplinar, ou seja, que utilize conceitos e
conhecimentos de várias ciências humanas, como a história, a geografia, a
sociologia, entre outras.
O Capítulo 1 discute alguns dos principais modelos teóricos da desigualdade
e da segregação socioespacial no meio urbano. Com o fim de cumprir essa tarefa,
desenha antes um pano de fundo histórico, apresentando elementos considerados
úteis para entender as desigualdades sociais nas cidades contemporâneas.
Já a revisão dos modelos teóricos considerará que há duas vertentes básicas
neste debate: a abordagem neoclássica, representada pela Escola de Chicago das
primeiras décadas do século XX, formuladora de métodos de pesquisa qualitativa e
também de uma teoria bastante influente sobre o fenômeno urbano; e a abordagem
marxista, conduzida a partir de uma postura crítica às formulações dos
pesquisadores neoclássicos.
O Capítulo 2 abordará a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Entende-se
aqui que um olhar mais detido sobre o espaço metropolitano, sua formação e suas
principais características é necessário para a compreensão mais acurada do espaço
municipal que será observado no capítulo seguinte. Nesse sentido, a formação
histórica do espaço metropolitano procurará apresentar as principais transformações
espaciais sofridas pela cidade ao longo do século XX.
A seguir, será apresentada uma caracterização socioeconômica da
metrópole, com foco nos municípios que a constituem. Esta caracterização utilizará
informações dos Censos Demográficos do IBGE, desde 1940 a 2000, mas
especialmente desde último ano, e também da pesquisa do IBGE sobre Produto
Interno Bruto dos Municípios, no período entre 1999 e 2001.
O Capítulo 3, por fim, se voltará para o Município de Duque de Caxias. O
ponto de partida será também uma reconstituição histórica, que procure relacionar a
constituição espacial do município com a formação do espaço metropolitano. A
19
seguir, se procederá à apresentação e análise das desigualdades socioespaciais no
território municipal. Para tanto, se recorrerá a informações estatísticas e
cartográficas, provenientes do Censo Demográfico 2000 e da base cartográfica do
IBGE.
O objetivo deste estudo é elaborar uma tipologia das desigualdades
socioespaciais no município em estudo. Para isto, foi necessário selecionar as sub-
unidades territoriais a respeito das quais se fará o levantamento das estatísticas
socioeconômicas e a produção de mapas. Com esse fim, escolheram-se os bairros
como unidades de análise. Em primeiro lugar, por facilitar a compreensão das
unidades territoriais, uma vez que os bairros são passíveis de simples e rápida
identificação. Em segundo lugar, por facilitar, também, as comparações com outras
pesquisas que utilizem a base territorial ibgeana, pois a planta de bairros do
município, ainda que sofra alterações, preservará pelo menos as referências gerais
de localização. Por fim, a utilização dos bairros aproxima este estudo de análises
sobre outros municípios, como os casos do próprio Rio de Janeiro e de Niterói
(ALMEIDA, 1997) e de Nova Iguaçu (OLIVEIRA, 2006), que utilizaram os bairros
como unidades de análise.
Duque de Caxias apresentava, no ano 2000, 40 bairros oficiais, que são
apresentados no Mapa 1.1
Os limites territoriais desses bairros não coincidiam
necessariamente com a delimitação dos quatro distritos em que o município era
dividido. Ou seja, não havia correspondência precisa entre os territórios dos bairros
e dos distritos, com exceção dos 11 bairros do 1º Distrito, totalmente circunscritos
em sua região administrativa (sobre os distritos de Caxias, cf. seção 3.2 desta
dissertação).
A escolha dos bairros de Caxias, entretanto, deve levar em conta o fato de
que estes não se constituem em unidades homogêneas, do ponto de vista
socioeconômico. Como exemplo, cita-se aqui o bairro Centro, objeto de monografia
defendida por Sandra Bárbara de Souza no curso de Especialização em Análise
Ambiental e Gestão de Território da ENCE. O bairro citado apresentava, em 2000,
vários loteamentos com características díspares, entre as quais aglomerados
subnormais populosos (SOUZA, 2004:63).
1
Todos os mapas de bairros caxienses apresentados neste estudo são de autoria de Paulo César
Pires Menezes, a quem o autor desta dissertação não se cansará de agradecer. Por outro lado, as
informações estatísticas e o agrupamento dos setores censitários em bairros são de inteira
responsabilidade deste autor.
20
Mapa 1
Bairros de Duque de Caxias (RJ) – 2000
21
Além disso, embora os bairros oficiais sigam sendo referências para a
população do município, o linguajar cotidiano dos munícipes inclui entre os bairros,
por vezes, loteamentos e outras unidades espaciais menores. Como exemplo desta
discrepância entre o formal e o informal, pode-se citar o folheto distribuído pela
própria Prefeitura Municipal de Duque de Caxias nos domicílios do 2º, 3º e 4º
distritos do município, que lista como “bairros” mais de 90 diferentes denominações
territoriais (ver Figura 1). Ainda que o referido folheto tenha uma finalidade
específica, qual seja a de orientar para dias de coleta de lixo, e entre as
denominações territoriais se listem alguns logradouros, chama a atenção que,
mesmo excluindo estes, a lista de “bairros” do impresso excede facilmente aqueles
definidos oficialmente para a região abrangida pela distribuição do folheto. O fato de
o responsável pelo folheto ter sido a própria autoridade municipal já revela uma
característica comum a municípios periféricos: a ausência, fraqueza ou
desatualização das ordenações urbanísticas. Isto apontaria a necessidade de
repensar a estrutura de bairros de Caxias, empreendendo a formalização de
unidades territoriais que, surgidas como loteamentos, muitas vezes de forma
irregular, ganharam importância com o passar do tempo.
De todo modo, para o propósito deste estudo, entende-se que tais limitações
não prejudicam a utilização dos bairros como unidades de análise. Quanto às
discrepâncias internas, se trabalhará, na maior parte dos indicadores, com
proporções sobre sua população ou, quando for o caso, com somatórios (p.ex., total
da população residente) ou medidas de tendência central (p.ex., rendimento mensal
médio e rendimento mensal mediano dos responsáveis por domicílios). Quanto às
referências a unidades territoriais informais, mesmo estas apresentavam seus
respectivos territórios inseridos nos bairros oficiais, que cobriam toda a área urbana
do município.
As informações estatísticas a respeito destes bairros, provenientes do Censo
Demográfico 2000, foram acessadas por meio do Sistema de Recuperação
Automática de Dados (SIDRA) do IBGE, bem como de tabelas com informações
estatísticas desagregadas por macrorregiões, microrregiões, municípios, distritos,
subdistritos e bairros do Estado do Rio de Janeiro, obtidas por meio de download de
planilhas eletrônicas do sítio do IBGE na internet.
22
Figura 1
Reprodução de Folheto com Informações sobre Coleta de Lixo – Janeiro/Fevereiro de 2009
Fonte: Prefeitura Municipal de Duque de Caxias
Também a respeito dos bairros, cabem outras observações. A primeira,
relacionada às informações demográficas, é de que eles reuniam apenas a
população urbana do município, somando 772.327 pessoas, ou 99,6% dos
habitantes. Ficava de fora a população rural, que totalizava 3.129 pessoas, ou 0,4%
dos habitantes do município. Este contingente não se encontrava em nenhum dos
bairros.
A segunda observação, relacionada à montagem dos mapas, é que o código
numérico dos setores censitários não apresentava a informação sobre os bairros a
que pertenciam. Foi necessário, então, a partir dos arquivos em PDF dos 1.046
setores censitários urbanos de Caxias, identificar isoladamente o bairro em que cada
um se incluía.
Por fim, uma terceira observação, intimamente ligada à segunda, é que
alguns bairros se apresentavam divididos em áreas não contíguas. Estes são os
23
casos do bairro 021 (Saracuruna) e do bairro 040 (Xerém). Em cada um destes
bairros, um setor censitário apresentava uma descontinuidade em relação aos
demais (cf. Mapa 1).
As três observações enunciadas acima parecem corroborar a percepção
acima enunciada, sobre o problema da ausência ou relativa fraqueza de ordenações
urbanísticas. Afinal, deixar de fora da estrutura de bairros a população rural, ainda
que esta representasse menos de 0,5% do município, bem como não dar conta da
continuidade territorial de bairros, podem ser vistos como sinais da ausência de um
efetivo planejamento territorial.
Uma hipótese central nesta dissertação, formulada com base na vivência
empírica do próprio pesquisador, morador de Duque de Caxias, é que será possível
verificar uma diferenciação entre as condições socioeconômicas dos vários bairros
caxienses, de modo que aqueles situados nas imediações do centro comercial do
município tenderão a apresentar condições melhores, ou senão menos ruins, do que
os bairros mais distantes.
Outra hipótese, correlacionada à primeira, é que esta configuração das
desigualdades socioespaciais no espaço intramunicipal tenderá a replicar a
desigualdade núcleo-periferia observável na Região Metropolitana. Isto apresentaria
relações com a trajetória da formação do espaço metropolitano, no qual regiões que
recebem maior atenção do poder público tendem a apresentar uma situação
socioeconômica sensivelmente diferenciada em relação a áreas pouco ou nada
assistidas pelo Estado.
24
CAPÍTULO 1
AS CIDADES E A DESIGUALDADE SOCIAL: UMA REVISÃO TEÓRICA E
CONCEITUAL
Este capítulo tem como objetivo apresentar e discutir as principais
interpretações das ciências sociais a respeito das desigualdades socioeconômicas
no espaço urbano. O fenômeno da desigualdade social pode ser definido como a
distribuição desigual de riqueza, poder e prestígio dentro de uma determinada
sociedade. A estratificação social seria caracterizada, então, pela desigualdade
social sistemática, ou seja, se apresentaria nas sociedades que exibem um quadro
nítido de castas, classes ou estamentos, com diferentes graus de influência política,
inserção econômica ou reconhecimento social (JOHNSON A., 1997:95).
O espaço urbano, por suas características de elevada densidade populacional
e intensa divisão social do trabalho, é o locus por excelência das desigualdades
sociais. Mais do que isto, os estudos históricos informam que a estratificação social
marca sua aparição justamente no longo processo de constituição das primeiras
cidades. Assim, há a preocupação, neste trabalho, de resgatar aspectos históricos
sobre a origem das primeiras formações urbanas, de modo a apresentar, tão
brevemente quanto possível, a irrupção da desigualdade social sistemática na vida
social humana.
O termo cidade, por nomear um fenômeno milenar na existência da
humanidade, encontra-se tão presente na linguagem do dia-a-dia quanto no discurso
científico. E sua existência, tal como a das desigualdades sociais, parece ganhar, no
senso comum, uma aura de inevitabilidade, ou mesmo de naturalidade. No entanto,
as cidades, bem como a estratificação social e as visões de mundo que procuram
naturalizá-las, são construções sociais. Por isso, olhar para os primórdios da cidade
pode ser útil como um exercício de desnaturalização desta forma de organização
socioespacial da convivência humana.
Sem pretender uma discussão exaustiva sobre a história das formações
urbanas, também se pretende apresentar um breve retrospecto das mudanças
vividas pelas cidades, com destaque para a sua principal transformação, ocorrida
com o advento da era industrial, da qual o fenômeno da globalização pode ser
entendido como um desdobramento. Empreende-se esta tarefa aqui por entender
que as diversas interpretações sobre o fenômeno das desigualdades socioespaciais
25
na cidade foram elaboradas em estreita relação com as condições sócio-históricas
da produção do espaço urbano. No entanto, deve-se deixar nítido que não se fará,
neste trabalho, uma análise exaustiva dos estratos sociais em cada sociedade
considerada. O esforço aqui será o de resgatar elementos que, em cada contexto
sócio-histórico apresentado, possam ser úteis para elucidar aspectos da realidade
presente.
Um conceito norteador do debate sobre as desigualdades sociais no meio
urbano é o da segregação socioespacial, categoria utilizada para compreender a
distribuição diferenciada de segmentos populacionais socioeconomicamente
diferenciados em um determinado território. O espaço geográfico, como “amálgama
indiscutível da ação humana e do meio preexistente” (SANTOS, 1993:118),
expressa, em sua configuração, as desigualdades sociais vivenciadas por seus
habitantes. Assim, pode-se entender a segregação socioespacial como a
materialização, no território, da estrutura estratificada da sociedade que o ocupa. O
resgate histórico sobre as cidades servirá para contextualizar a revisão das
principais posições formuladas, no campo das ciências sociais, a respeito da
segregação socioespacial urbana.
1.1
As cidades e a desigualdade social: resgatando elementos das suas trajetórias
e transformações
Embora a vida urbana tenha uma história complexa e diversificada, pode-se
afirmar que as características da vida nas cidades não sofreram alterações
significativas até a era industrial. Este grande intervalo de tempo, que correspondeu
à maior parte da existência de cidades sobre a face da Terra, constituiu a primeira
era do crescimento urbano, caracterizado como um processo de transformações do
espaço e da estrutura da população pelo qual as cidades ganharam cada vez mais
importância como núcleos de concentração humana (CLARK, 1991:61). Este
crescimento era limitado, porém, pelas técnicas agrícolas pouco desenvolvidas e
pela precariedade dos sistemas de transporte de produtos agrícolas. Dito de outra
forma, os agrupamentos humanos necessitavam, como ainda necessitam, de
energia, seja na forma de alimentos e outros artigos necessários à vida humana,
26
seja como os insumos necessários para produzi-los, transportá-los e administrá-los.
Eram necessárias formas mais eficientes para gerar energia de forma a manter
aglomerações populacionais cada vez maiores.
Há uma tendência a se imaginar as cidades a partir de suas ruas, mercados
ou edificações [...]. No fim das contas, porém, elas se constroem por meio
de fluxos de energia. Mesmo que desejassem, os caçadores-coletores ou
os primeiros agricultores não teriam a capacidade de conceber uma cidade
do tamanho e da densidade de Londres da década de 1850 (muito menos a
São Paulo dos dias de hoje). Para prover uma população de um milhão de
pessoas [...], é necessária uma enorme fonte de energia acumulada para
manter todos esses corpos em funcionamento. (JOHNSON S., 2008:92)
Por todo o período da economia tradicional, a expansão urbana era limitada e
restringida pela disponibilidade dos excedentes de alimentos, o que significa que o
tamanho das cidades era estritamente determinado pelo nível da produtividade
agrícola na área local. As cidades localizadas em regiões prósperas, ou aquelas
cujas conexões de transporte as capacitavam a conseguir os excedentes agrícolas
de outras áreas, desfrutaram as principais vantagens para o crescimento urbano.
(CLARK, 1991:75)
As desigualdades socioeconômicas sistemáticas teriam sido inauguradas com
o surgimento das primeiras cidades. Mais do que isto, as desigualdades sociais se
tornariam fundamentais na produção material do próprio espaço das cidades
antigas. Como abordar esse extenso quadro de desigualdades sociais se mostraria
uma tarefa por demais pesada e, ademais, desnecessária para o objetivo deste
trabalho, permite-se aqui avançar no tempo, de modo a enfocar as desigualdades
sociais na sociedade europeia ocidental, alguns séculos antes da sua
industrialização. Tal escolha se deve, em primeiro lugar ao fato do Ocidente cristão
constituir parte da herança comum das sociedades que se vinculam à civilização
ocidental, inclusive quanto às características da sociedade urbano-industrial. Além
disso, o modo como aquela sociedade procurava lidar com determinados aspectos
das desigualdades marcou as primeiras formulações da era industrial sobre a
questão social (CASTEL, 1998:47-8).
A se considerar o que Robert Castel apresenta em sua obra intitulada As
Metamorfoses da Questão Social, o Ocidente medieval só passou a experimentar
em profundidade os transtornos que a extrema pobreza podia causar após o século
XI, com o crescimento demográfico e o renascimento urbano, que iriam
27
progressivamente minar as bases da sociedade feudal. Abordando o surgimento das
primeiras formas, ainda embrionárias, de assistência social institucional, Castel
(1998:70) observa a proliferação de suas agências nas cidades, atendendo a
população domiciliada em seus limites ou na sua região de influência. Isto indicaria o
nascimento da chamada “questão social”, ou a visibilidade cada vez maior da
pobreza extrema, incapaz de ser solucionada ou contornada pelas formas
tradicionais de sociabilidade primária.
Na França, e em particular na região parisiense, a maior parte das grandes
instituições religiosas de assistência são [sic] fundadas entre 1180 e 1350.
[...] A ruptura da dependência e das proteções imediatas das sociedades
agrárias, o aprofundamento das diferenças sociais entre os grupos
suscitam, de uma forma inédita, a questão do atendimento aos mais
carentes. (CASTEL, 1998:70-1)
No foco das mudanças que, lenta e progressivamente, sacudiam aquela
sociedade, estavam as cidades, renascidas naquelas paragens depois de séculos
de torpor urbano. Algumas delas eram ainda herdeiras dos tempos romanos. Outras
haviam surgido com as rotas do renascimento comercial. Mas o certo é que se
tornaram difusoras de novas ideias, praticas e modos de organizar a vida em
sociedade (CASTEL, 1998:110). Como resultado dessas transformações, emergia
uma estrutura social com maior diferenciação interna do que a dualidade senhor-
servo, característica da sociedade feudal. O fenômeno da mobilidade social
começava a se fazer notar, fosse pelo surgimento de uma classe média urbana
(chamada burguense ou burguesa, por habitar os burgos), fosse pelo fenômeno
cada vez mais notado do desamparo social. Este fenômeno não era novo, mas,
durante séculos, havia se mostrado capaz de ser enfrentado ou minimizado pelas
redes tradicionais de solidariedade. As mudanças do período, porém, colocaram em
xeque a estrutura social anterior e, portanto, sua capacidade de lidar com o
problema (CASTEL, 1998:113-4).
Este quadro de desigualdades, fruto das mudanças que se iniciaram no
Ocidente medieval, iria desembocar, com todas as suas tensões e contradições, no
que o historiador britânico Eric Hobsbawm (2008:13) chamou de “dupla revolução”,
ou seja, a combinação da revolução política ocorrida na França com a revolução
econômica difundida a partir da Inglaterra, que iriam sacudir o mundo ocidental a
partir da segunda metade do século XVIII.
28
A segunda era do crescimento urbano se iniciou justamente com a Revolução
Industrial, que teve seu lugar no mesmo Ocidente europeu, com seu polo inicial e
centro de difusão na Inglaterra. A industrialização acarretou ou se fez acompanhar
da melhoria das técnicas agrícolas, além de ter levado à concentração dos locais
urbanos de trabalho e residência e à melhoria dos transportes. Segundo Hobsbawm
(2008:52), a Revolução Industrial “foi provavelmente o mais importante
acontecimento na história do mundo [...] desde a invenção da agricultura e das
cidades”. A partir desta época, se pode, mais propriamente, falar do processo de
urbanização, entendido como uma série de transformações sociais e
comportamentais advindas da vida nas cidades (CLARK, 1991:61-2).
Foi no contexto da urbanização associada à industrialização que a
experiência de viver em cidades passou pelas maiores e mais importantes
transformações desde a antiga Mesopotâmia. O Quadro 1 apresenta, esquemática e
simplificadamente, algumas das polaridades entre a sociedade pré-industrial e a
sociedade industrializada.
Como se pode observar, as transformações foram mais do que simplesmente
a aplicação da máquina a vapor à produção material, ou a execução do monarca na
guilhotina. De fato, a Revolução Industrial, combinada com a Revolução Francesa,
produziram um modo de vida muito diferente dos anteriores. Um mundo cada vez
mais urbanizado e laico, onde as relações sociais mediadas por instituições tomam o
lugar hegemônico da sociabilidade primária e dos laços de parentesco, no qual o
poder político tem que se legitimar sobre outras bases além da religião e da tradição,
no qual o súdito submisso é progressivamente substituído pelo cidadão detentor de
direitos. Se as características apresentadas na coluna direita do Quadro 1 não se
implantaram integralmente em toda a Europa no período que Hobsbawm chamou de
Era das Revoluções (1789-1848), e nem mesmo se concretizaram universalmente
até o presente, não se pode ignorar que são as características hegemônicas da
sociedade nascida da dupla revolução.
Quanto às desigualdades sociais, se o mundo medieval temia o pobre
desenraizado, ao ponto de tentar impedi-lo de se movimentar pelo território
(CASTEL, 1998:96-102), a nova sociedade industrial não só necessitava desta mão-
de-obra potencial, como estimulou o despejo de imensas populações de antigos
lavradores.
29
Quadro 1
Distinções polares entre as sociedades pré-industrial e urbano-industrial
Fonte: Berry, B.J.L. The Human Consequences of Urbanisation. 1973. Apud: CLARK, 1991:103
O vasto aumento na produção, que capacitou as atividades agrícolas
britânicas na década de 1830 a fornecer 98% dos cereais consumidos por
uma população duas a três vezes maior que a de meados do século XVIII,
[...] foi obtido pela transformação social e não tecnológica: pela liquidação
[...] do cultivo comunal da Idade Média com seu campo aberto e seu pasto
comum, da cultura de subsistência e de velhas atitudes não comerciais com
relação à terra. [...] Em termos de produtividade econômica, esta
transformação social foi um imenso sucesso; em termos de sofrimento
humano, uma tragédia, aprofundada pela depressão agrícola depois de
1815, que reduziu os camponeses pobres a uma massa destituída e
desmoralizada. [...] Mas do ponto de vista da industrialização, esses efeitos
também eram desejáveis; pois uma economia industrial necessita de mão-
de-obra, e de onde mais poderia vir esta mão-de-obra senão do antigo setor
não industrial? (HOBSBAWM, 2008:77-8)
30
A grande quantidade de braços disponíveis permitia a manutenção do preço
dessa mão-de-obra em níveis extremamente baixos. Também estimulava a
exploração do trabalho realizado por mulheres e crianças, já que as famílias
proletárias, empobrecidas, buscavam usar todas as reservas de sua força de
trabalho para conseguir sobreviver. A situação de pobreza dos trabalhadores que
produziam as riquezas do capitalismo foi pintada em tons vivos na obra de Engels
sobre as condições de vida da classe trabalhadora inglesa. O autor não escondeu
sua indignação ao descrever, por exemplo, as condições de moradia dos operários
de Manchester, a segunda maior cidade inglesa e a maior cidade industrial do
mundo em meados do século XIX.
Deste modo é construída toda a margem do [rio] Irk, um caos de casas
jogadas ao acaso, que mais ou menos estão próximas de serem inabitáveis
e cujos interiores sujos correspondem totalmente ao imundo ambiente. E
como podem as pessoas ser limpas? Nem mesmo para a satisfação das
mais naturais e corriqueiras necessidades existem condições. As latrinas
são aqui tão raras que ou ficam cheias todos os dias, ou ficam muito
afastadas para a maioria dos moradores. Como podem as pessoas se lavar,
se só há por perto as águas imundas do Irk e somente nos bairros decentes
da cidade existem sistemas de canalização e bombas de água? (ENGELS,
2001:314)
As mudanças políticas e ideológicas difundidas pela Revolução Francesa não
arrefeceram a exploração dos trabalhadores na nova cidade industrial. Pelo
contrário, ao proibir qualquer forma de associação operária, sob os argumentos da
liberdade individual e da igualdade de oportunidades, bem como da necessidade de
eliminar as retrógradas corporações de ofício, os liberais acabaram por salvaguardar
os interesses empresariais em dispor de uma mão-de-obra numerosa e barata
(BENEVOLO, 1990:15-7).
Muito menos esteve afeita à livre organização popular a aristocracia
conservadora, que voltou ao poder na França e na Europa após a derrota de
Napoleão Bonaparte. No entanto, apesar da tentativa reacionária de congelar a
história, as forças progressistas desencadeadas pela dupla revolução não mais
podiam ser detidas, como atestaram os levantes revolucionários da década de 1830
(BENEVOLO, 1990:71). As deliberações do Congresso de Viena, que tentou
restaurar a ordem aristocrática a partir de 1815, não conseguiriam mais dar conta de
um mundo em rápida mutação. E, mesmo que não houvesse rebeliões e motins,
31
haveria o extraordinário crescimento populacional, tornando as cidades cada vez
maiores e mais problemáticas.
O surgimento e a expansão da indústria baseada na máquina a vapor, movida
pelo carvão mineral, fez com que as cidades britânicas conhecessem um
crescimento notável, sem paralelo na história anterior da humanidade. Este se
tornaria o padrão de urbanização do mundo industrializado, com as cidades
exercendo formidável atração sobre os trabalhadores da área rural circundante. Isto
acabaria por alterar a forma clássica de organização do espaço urbano. Das antigas
cidades herdadas do mundo antigo e medieval, encerradas em muros e refratárias a
mudanças repentinas, chegou-se à cidade que crescia sem parar, atraindo como
uma esponja massas humanas cada vez maiores. O exemplo da já citada
Manchester, que quintuplicou sua população em um período de 50 anos
(BENEVOLO, 1990:73; NISBET, 1963:28), era considerado a um só tempo
impressionante e perturbador.
As idéias liberais, tão ardorosa e idealisticamente defendidas no início do
século XIX, inclusive quanto à gestão das cidades, se mostravam inadequadas ao
governo dos já enormes espaços urbanos. Alguma regulamentação se fazia
necessária, sob pena de graves problemas, com destaque para os de saúde pública.
Afinal, epidemias surgidas nos lugares onde habitavam os pobres podiam facilmente
se difundir aos domicílios dos nobres e endinheirados (BENEVOLO, 1990:78).
A preocupação higienista, aliada à necessidade de reordenar o território para
a passagem das estradas de ferro, foi o motor de um processo de criação de leis e
comissões que visavam disciplinar o uso do solo urbano, já a partir dos anos de
1830, mas que em geral tiveram pouca eficácia. Seu mérito foi chamar a atenção
para os graves problemas de saúde coletiva das cidades (BENEVOLO, 1990:81).
Para os habitantes das enormes metrópoles com vários milhões de habitantes do
início do século XXI, é até difícil imaginar o impacto que as grandes cidades
britânicas do século XIX, simbolizadas por Londres, produziam sobre as
mentalidades da época.
A Londres do século XIX era um monstro imenso e canceroso, fadado a
implodir cedo ou tarde. Dois milhões de pessoas amontoadas em um denso
aglomerado urbano era uma espécie de insanidade coletiva. [...] O acúmulo
de duzentas pessoas por acre, a edificação de cidades com milhões de
habitantes que compartilham a mesma água, o esforço para se descobrir
um modo de eliminar todos os dejetos humanos e animais, tudo isso
32
representava uma mudança de estilo de vida que parecia colocar em risco
tanto a saúde individual quanto a ambiental. (JOHNSON S., 2008:210-3)
As revoluções européias de 1848, que apresentaram o comunismo como um
novo espectro a atemorizar aristocratas e burgueses, foram o estopim para as
reformas urbanísticas que dariam nova feição às cidades. Como consequência das
jornadas de 1848, haviam chegado ao poder, em países como França, Prússia e
Inglaterra, governos conservadores que tinham apoio social para realizar grandes
mudanças na vida das cidades, desde que pudessem garantir a segurança das
camadas sociais amedrontadas com o espírito revolucionário da época
(BENEVOLO, 1990:98). Destacava-se entre esses governantes o sobrinho-neto de
Napoleão, Luís Bonaparte, uma espécie de precursor dos “autogolpes” do século
XX, que eleito presidente se fez imperador. Em seu governo, foi escolhido como
prefeito da região do Sena, que incluía Paris, um administrador disposto a
empreender reformas profundas no tecido urbano, bem como nos próprios usos e
costumes parisienses com relação à cidade.
Este administrador, o Barão Haussmann (1809-1891), responsável pela
gestão da capital francesa de 1852 a 1870, se orientava pelas preocupações
higienistas, mas também pelas industriais, já que era necessário reorganizar a
cidade no sentido da produção e circulação capitalistas. O crescimento populacional
de Paris, ainda que tardio em relação às grandes cidades britânicas (BENEVOLO,
1990:100), também acarretou problemas imobiliários e viários, visto que as ruas
estreitas da velha capital já não conseguiam dar conta das necessidades de
habitação e transporte da futura metrópole. Além do mais, havia que se encontrar
meios que impedissem as célebres barricadas populares parisienses, que tantas
vezes foram erguidas durante a era das revoluções (BENEVOLO, 1990:99-100).
Deste modo, foi construído um sistema de modernas avenidas, valorizando
antigos monumentos, erguendo novos edifícios, remodelando a cidade. Tão logo
implantadas as leis e iniciado o reordenamento urbanístico, as mudanças positivas
se fizeram sentir: aumento do número de domicílios, da arrecadação municipal e do
rendimento médio do parisiense. No entanto, a distribuição de renda não avançava.
A cidade industrial era, a um só tempo, lugar de prosperidade e de concentração de
riqueza (BENEVOLO, 1990:110). No entanto, como as largas avenidas também se
prestavam à melhor repressão de movimentos reivindicatórios, a burguesia já
33
aristocratizada podia dormir com mais tranqüilidade sobre seus lucros, com
destaque para os advindos da especulação imobiliária.
O modelo parisiense seria copiado em todo o mundo ocidental. Os objetivos
eram os mesmos, inclusive (ou principalmente) no que tocava à necessidade de
garantir a segurança dos processos de acumulação capitalista contra as
sublevações proletárias. Em Viena, por exemplo, para as obras de demolição das
antigas muralhas e construção da Ringstrasse, o imperador exigiu dos projetistas a
manutenção de quartéis existentes, a construção de novos e o estabelecimento de
áreas livres ao redor do palácio, com uma praça de armas próxima (BENEVOLO,
1990:122). A aristocracia convertida ao modus vivendi capitalista também precisava
se sentir segura.
Do ponto de vista do tratamento dado às desigualdades socioeconômicas, o
pioneirismo do prefeito do Sena se tornou evidente. Os prédios da Paris na primeira
metade do século XIX eram representados como retratos da hierarquia social
existente. Em um mesmo edifício residencial, podiam habitar indivíduos e famílias
das várias classes sociais, desde a burguesia, nos andares superiores, até os
subproletários mais empobrecidos, ao nível do chão. Após as reformas de
Haussmann, porém, esse panorama se modificou por completo. Por mecanismos
puramente econômicos, as áreas que recebiam os investimentos públicos passavam
a expulsar a população mais pobre, graças à valorização imobiliária e conseqüente
elevação dos aluguéis e do custo de vida nestes bairros. Os arrondissements que
haviam ficado (propositalmente, segundo os críticos) ao largo das modificações
passavam a receber as camadas de renda mais baixa. Estes se concentraram na
zona leste de Paris, “foco de todas as revoltas” (BENEVOLO, 1990:100), enquanto
os bairros a oeste concentraram as camadas privilegiadas.
Além disso, as novas vias de tráfego, plenamente integradas ao traçado
urbano, permitiam a expansão da urbe até o limite da capacidade de abastecimento,
que as novas tecnologias haviam ampliado enormemente. Foi assim que Paris
absorveu as pequenas municipalidades existentes além de seus portões
(BENEVOLO, 1990:101), sinalizando um novo modelo urbano que se inaugurava e
iria marcar o século seguinte: a metrópole.
Pelo acima exposto, pode-se elencar algumas das principais características
da grande cidade capitalista, que emergiram das reformas urbanas do século XIX: a
adequação de sua estrutura a um padrão de contínuo crescimento, tanto da
34
produção quanto da população; a organização de suas ruas e espaços públicos em
um traçado que facilitava o controle social e político das massas trabalhadoras; a
segregação espacial entre áreas residenciais orientada pela condição
socioeconômica dos seus moradores.
A segregação socioespacial se revelaria necessária para, de um lado,
assegurar à burguesia a plenitude dos confortos da vida urbana e garantir, por outro,
uma mão-de-obra barata, morando em bairros cujo custo de vida seria mais baixo.
Este custo reduzido seria garantido justamente pela ausência ou menor incidência
de investimentos públicos que, ao mesmo tempo que equiparariam as condições de
vida entre os bairros, encareceriam o valor de mercado de seus terrenos e
construções. Portanto, a segregação socioespacial não apenas seria funcional, mas
necessária ao bom funcionamento da cidade capitalista.
Esta configuração do espaço urbano carregava suas próprias contradições.
Uma das principais era que, originalmente, não respondia aos anseios dos
proletários por melhores condições de vida e trabalho. Foi assim que, nas próprias
ruas remodeladas de Paris, teve lugar o levante operário que, mais tarde, inspiraria
os próprios revolucionários russos do século XX, bem como reacenderia o temor das
classes dominantes em relação às sublevações populares. A Comuna de 1871,
resultado da tomada de poder pelos operários após a derrota francesa na Guerra
Franco-Prussiana, durou apenas três meses, mas conheceu uma das mais ferozes
repressões que as insurreições populares tiveram na Europa daquele século
(MARX, 2001:304-7).
As lutas operárias travadas ao longo do século XIX e durante a primeira
metade do século XX acabaram por conquistar melhores condições de vida para
parte significativa dos proletários, ao menos aqueles inscritos em arranjos formais de
trabalho e proteção. A partir de 1917, o exemplo da Revolução Russa funcionou
como um fantasma adicional pairando sobre a consciência burguesa, alertando
sobre o que os trabalhadores poderiam fazer se fossem mantidos nas raias da
insatisfação. Outros processos históricos, somados aos anteriores, contribuíram para
uma nova feição da sociedade capitalista.
A presença de condicionalidades historicamente determinadas desde o
início do século, como a Revolução Russa, a Grande Depressão dos anos
30, as duas grandes guerras mundiais, as ações sindical e política dos
35
partidos de esquerda e, por fim, a bipolaridade decorrente da Guerra Fria,
influenciou efetivamente a conformação de sociedades capitalistas menos
desiguais. A interpretação do século XIX como marcado pela definição de
sociedades construídas por dois mundos socialmente fechados, o que
implicava a marginalização da classe trabalhadora dos frutos do
desenvolvimento econômico, também serviu de orientação para a
incorporação de grande parte das aspirações das classes trabalhadoras nas
atuais sociedades de consumo de massa. (POCHMANN, 1999:13)
Por essas mudanças, o período pós-Segunda Guerra Mundial foi denominado
por estudiosos da economia como os quase trinta anos de ouro do capitalismo
(POCHMANN, 1999:13). Dois conceitos parecem ser fundamentais para entender
estas quase três décadas. O primeiro deles seria o keynesianismo, política adotada
pelos países capitalistas após a guerra, com base nas ideias do economista John
Maynard Keynes (1883-1946), que buscavam combinar atividade econômica privada
com regulação estatal e proteção social aos trabalhadores. Esta concepção foi a
base do chamado Estado de bem-estar social.
As políticas keynesianas promoveram, conjuntamente com a reformulação
do papel do Estado, maior segurança socioeconômica aos trabalhadores e,
portanto, menor grau de exclusão social [...]. No pós-guerra, foram
observados sinais de redução nos níveis de pobreza e de melhora no perfil
de distribuição de renda, como resultado direto de um padrão sistêmico de
integração social. Em outras palavras, este padrão promoveu um conjunto
de condições favoráveis ao mundo do trabalho, por meio da presença de
um quase pleno emprego, do desenvolvimento do Estado de bem-estar
social e da forte atuação dos sindicatos e partidos políticos comprometidos
com os trabalhadores. (POCHMANN, 1999:11-3)
O segundo conceito seria o fordismo, entendido em sentido estrito como um
conjunto de técnicas de organização da produção, formuladas ou compiladas por
Henry Ford (1863-1947), que passaram a orientar o funcionamento da grande
maioria das indústrias do mundo após a Segunda Guerra Mundial. Por outro lado,
em um sentido amplo,
[...] o fordismo do pós-guerra tem de ser visto menos como um mero
sistema de produção em massa do que como um modo de vida total.
Produção em massa significava padronização do produto e consumo de
massa, o que implicava toda uma nova estética e mercadificação da cultura
[...]. [Ao mesmo tempo,] as formas de intervencionismo estatal (orientadas
por princípios de racionalidade burocrático-técnica) e a configuração do
poder político que davam ao sistema a sua coerência se apoiavam em
noções de uma democracia econômica de massa [...]. (HARVEY, 2003:131)
Políticas públicas keynesianas e modo de vida orientado pelo fordismo
(American way of life) fizeram com que a “generalização do padrão de
36
industrialização norte-americano” (POCHMANN, 1999:13) resultasse em
crescimento econômico intenso e condições de vida sensivelmente melhores para
os trabalhadores. A quase totalidade dos assalariados dos países centrais, bem
como parte considerável dos trabalhadores do restante do mundo capitalista,
abandonou a condição de consumidor marginal das mercadorias produzidas pelo
seu trabalho para se integrar a uma realidade em que o consumo de massa se
tornava um dos motores privilegiados da economia capitalista.
A este novo tratamento das desigualdades sociais também corresponderam
modificações na configuração espacial das cidades capitalistas, embora a estrutura
básica herdada das reformas de Haussmann tenha permanecido. Ou seja, a cidade
capitalista continuava a ostentar um quadro de segregação no qual bairros e distritos
ricos se opunham a áreas de concentração dos mais pobres. As diferenças estariam
em determinadas políticas públicas, implantadas principalmente nos países
capitalistas centrais, destinadas a diminuir os efeitos sociais negativos do
capitalismo. Entre estas medidas, podem-se citar: aporte maciço e permanente de
investimentos públicos, que acabavam por gerar empregos estáveis; e criação de
programas de construção, financiamento ou de aluguel subsidiado para habitações
populares. Estas medidas puderam ser sentidas até em cidades notória e
historicamente dominadas pelo conservadorismo político, como a Los Angeles
descrita pelo intelectual norte-americano Mike Davis.
[A] economia de Los Angeles nos anos quarenta estava sendo
“keynesianizada” à sua própria e peculiar maneira. Primeiro, os fluxos de
capital inter-regional que haviam sido a fonte da prosperidade da Califórnia
Meridional estavam agora institucionalizados em verbas de defesa nacional
que deslocavam recursos fiscais [...] para irrigar as fábricas de aeronaves e
bases militares [...]. Em segundo lugar, o processo de conversão da terra, já
elevado a uma economia de escala pelos incorporadores e coligações antes
da guerra, estava agora transformada numa verdadeira indústria de
produção em massa. Hipotecas garantidas pelo governo federal, benefícios
para veteranos e um setor de poupanças e empréstimos protegido —
juntamente com os salários mais altos das fábricas de aeronaves —
forneceram uma demanda de massa estável para os produtos dos
“construtores comerciais” locais [...]. (DAVIS, 1993:114-5)
A descrição de Davis, embora se refira à realidade específica da região de
Los Angeles, descortina os objetivos mais amplos do keynesianismo e do fordismo.
Tratava-se de garantir a estabilidade do sistema, por meio da retomada do
crescimento econômico e de uma espécie de cooptação socioeconômica de parcela
das classes trabalhadoras, o que se refletia também em uma melhoria de sua
37
inserção no tecido urbano. Para isto, concorriam significativamente, mesmo na
economia fortemente liberalizada dos EUA, os investimentos públicos, na forma de
políticas geradoras de emprego e de subsídios direcionados aos assalariados.
Longe de ameaçar o sistema, como apregoavam empresários ou ideólogos
reacionários que rotulavam tais medidas como socializantes, as políticas de matriz
keynesiana, pelo contrário, reforçavam o capitalismo. No máximo, havia uma
recomposição da elite empresarial, com a ascensão de novos setores beneficiários
das medidas intervencionistas. No caso de Los Angeles, estes novos setores
seriam, justamente, a indústria aeronáutica e as empresas de poupança e
financiamento ligadas à habitação (DAVIS, 1993:115).
As últimas décadas do século XX assistiram ao colapso das três décadas
áureas do capitalismo, encerradas com a primeira crise do petróleo, em 1973. Ao
comparar as taxas de crescimento econômico dos principais países capitalistas,
antes e depois do choque do petróleo, notam-se quedas em todos eles. A média da
OCDE, que era de 4,7% nos anos imediatamente anteriores a 1973, despencou para
2,6% no período 1973-79 e para 2,2% no período 1980-85 (HARVEY, 2003:126).
A queda das taxas de crescimento dos países centrais fez acender a luz
vermelha em seus governos, nas organizações multilaterais e nos escritórios das
grandes corporações. Da parte dos governos centrais e das organizações
internacionais por eles controladas, processou-se, ao longo dos anos 70, a gestação
de um receituário para combater a crise, baseado em autores críticos do
keynesianismo.
As críticas ao padrão sistêmico de integração social não se mostraram
originais, pois já estavam contempladas nas teses de autores importantes
como Friedrich Von Hayek e Milton Friedman, que haviam definido suas
ideias básicas ainda nos anos 40 e 60, em pleno êxito do capitalismo com
mais igualdade social e quase pleno emprego [...]. (POCHMANN, 1999:15)
O receituário baseado nas ideias de Hayek (1899-1992) e Friedman (1912-
2006), identificado pelo termo neoliberalismo (comumente rejeitado por seus
defensores, que costumam preferir ser reconhecidos apenas como liberais), passou
a ser implantado de forma global a partir do final da década de 70 e do início da
década de 80, tendo como carros-chefes os governos de Margareth Thatcher, no
Reino Unido, e de Ronald Reagan, nos EUA. Corporificado no chamado Consenso
38
de Washington, tal conjunto de medidas, assim chamadas por serem preconizadas
pelas três principais agências de fomento internacional — FMI, Banco Mundial e BID
— daria o tom da política econômica mundial nas décadas seguintes, representando
o fim da hegemonia do keynesianismo.
As medidas econômicas implementadas desde a década de 1970 buscaram
contrair a emissão monetária, elevar os juros, diminuir os impostos sobre as
rendas mais altas, desregulamentar o mercado de trabalho, o comércio
externo e o mercado financeiro, alterar o papel do Estado, privatizar o setor
público, focalizar o gasto social, restringir a ação sindical, entre outras.
(POCHMANN, 1999:15)
Do ponto de vista das grandes empresas, o receituário neoliberal se mostrou
bem sucedido, pois permitiu o controle da inflação e a recuperação econômica dos
países capitalistas centrais, nas primeiras décadas de sua implantação. Isto foi
conquistado, porém, à custa da remuneração e da estabilidade no emprego dos
trabalhadores assalariados.
O sucesso alcançado no campo do combate à inflação se mostrou
inquestionável [...]. Ao mesmo tempo, as margens de lucro deixaram de ser
comprimidas por tributos e custos do trabalho elevados. Por decorrência,
houve aumento da autonomia empresarial na definição do uso e
remuneração da mão-de-obra e na aplicação dos recursos monetários
(investimentos produtivos e financeiros). (POCHMANN, 1999:15-6)
No entanto, o crescimento econômico dos países capitalistas centrais não se
mostrou sustentado e, nas duas últimas décadas do século XX, continuou abaixo de
suas médias anteriores a 1973 (POCHMANN, 1999:17). Como se não bastasse, o
próprio fordismo passou a ser atacado. No quadro de um amplo conjunto de
mudanças operadas pelas empresas, que recebeu o nome genérico de
reestruturação produtiva, novos métodos de organização da produção e de controle
da força de trabalho foram criados e implementados, com o intuito de flexibilizar
tanto as relações de trabalho quanto as rígidas linhas de montagem fordistas.
As mudanças na organização empresarial também tiveram como objetivo
reduzir os custos da força de trabalho, que incluiriam não só os salários, como
outros encargos, benefícios e, destacadamente, o ônus de manter um quadro
estável de trabalhadores. Assim, os movimentos de reestruturação também
ampliaram a instabilidade empregatícia. Todos estes fatores levaram ao incremento
das taxas de desemprego e de empobrecimento da população, que seguem como
problemas fundamentais do modelo neoliberal hegemônico.
39
Neste final de século, o movimento do capitalismo contemporâneo,
desprovido de uma coordenação favorável à produção e ao emprego, limita
as possibilidades de ampla difusão de um padrão de crescimento
sustentado e de melhor enfrentamento da exclusão social. Pode-se
observar a presença de grandes desigualdades na comparação entre a
performance econômica e o desempenho social no conjunto das economias
avançadas. Ao contrário do período conhecido como os anos dourados do
capitalismo, observa-se a incapacidade da atual ordem internacional de
distribuição generalizada dos ganhos do desenvolvimento econômico.
(POCHMANN, 1999:18-9)
De um ponto de vista mais abrangente, a implantação das medidas
neoliberais e da reestruturação produtiva ocorrem no contexto da chamada
globalização, fenômeno no qual a própria liberalização econômica e as mudanças no
regime de trabalho aparentam se desenvolver como componentes, em vez de
emergir como processos independentes. Permite-se aqui transcrever uma longa
citação do estudioso catalão Manuel Castells, onde aparecem as principais
características da fase do capitalismo hoje em curso.
No fim do segundo milênio da Era Cristã, vários acontecimentos [...] têm
transformado o cenário social da vida humana. Uma revolução tecnológica
concentrada nas tecnologias da informação está remodelando a base
material da sociedade em ritmo acelerado. Economias por todo o mundo
passaram a manter interdependência global, apresentando uma nova forma
de relação entre a economia, o Estado e a sociedade [...]. O colapso do
estatismo soviético e o subsequente fim do movimento comunista
internacional enfraqueceram [...] o desafio histórico do capitalismo, [...]
decretaram o fim da Guerra Fria [...] e, fundamentalmente, alteraram a
geopolítica global. O próprio capitalismo passa por um processo de
profunda reestruturação caracterizado por maior flexibilidade de
gerenciamento; descentralização das empresas e sua organização em
redes tanto internamente quanto em suas relações com outras empresas;
considerável fortalecimento do papel do capital vis-à-vis o trabalho, com o
declínio concomitante da influência dos movimentos de trabalhadores;
individualização e diversificação cada vez maior das relações de trabalho;
incorporação maciça das mulheres na força de trabalho remunerada,
geralmente em condições discriminatórias; intervenção estatal para
desregular os mercados de forma seletiva e desfazer o estado do bem-estar
social com diferentes intensidades [...]; aumento da concorrência econômica
global em um contexto de progressiva diferenciação dos cenários
geográficos e culturais para a acumulação e a gestão do capital.
(CASTELLS, 2003:21-2)
Abordar a questão das desigualdades sociais neste mundo de intensa
interdependência e complexidade é, por si só, um enorme desafio. Mais uma vez,
recorre-se a Castells, que parte, em sua análise, da centralidade da questão do
trabalho.
40
O processo de trabalho situa-se no cerne da estrutura social. A
transformação tecnológica e administrativa do trabalho e das relações
produtivas dentro e em torno da empresa emergente em rede é o principal
instrumento por meio do qual o paradigma informacional e o processo de
globalização afetam a sociedade em geral. (CASTELLS, 2003:223)
O pesquisador procede, então, na mesma obra, a uma densa análise da
estrutura ocupacional dos países capitalistas centrais no final do século XX
(CASTELLS, 2003:223-99). Para o propósito em vista neste trabalho, não é
necessário apresentar minúcias do debate, bastando citar algumas conclusões a
que chegou Castells, com destaque para a constatação da depreciação salarial nos
países centrais.
A consequência direta da reestruturação econômica nos Estados Unidos é
que nas décadas de 80 e 90 a renda familiar despencou [...]. De 1989 a
1993, a família típica norte-americana perdeu 7% da renda anual. A
percentagem de norte-americanos abaixo da linha da pobreza também
aumentou em 1993 para 15,1% (de 13,1% em 1989), e a disparidade de
renda continuou a crescer atingindo níveis recordes [...]. Embora os Estados
Unidos sejam um caso extremo de desigualdade de renda e declínio dos
salários reais entre as nações industrializadas, sua evolução é significativa
porque representa o modelo de mercado de trabalho flexível que a maioria
das nações europeias e, com certeza, das empresas europeias tem em
vista. E as consequências sociais dessa tendência são semelhantes na
Europa. (CASTELLS, 2003:295-6)
A instabilidade ocupacional nos países centrais também foi observada por
Castells. Embora os setores mais expostos ao risco iminente de perda do emprego
fossem os que reuniam o trabalho não-qualificado, o problema não era exclusivo
destes.
A nova vulnerabilidade da mão-de-obra sob condições de flexibilidade
imoderada não afeta apenas a força de trabalho não-qualificada. A força de
trabalho permanente, embora mais bem-paga e mais estável é submetida à
mobilidade com o encurtamento do período de vida profissional em que os
trabalhadores especializados são recrutados para o quadro efetivo da
empresa. Na empresa norte-americana, o mais importante nos anos 90 é a
regra dos 50: os que estão acima dos 50 anos e ganham mais de US$ 50
mil anuais têm seus empregos no topo da lista para qualquer possível
redução do quadro funcional. (CASTELLS, 2003:297)
Um dos fatores que explicariam a instabilidade e a diminuição da renda dos
trabalhadores seria a aplicação das novas tecnologias de informação à produção e
aos serviços. Castells problematiza a concepção simplista segundo a qual a
informática e a robótica teriam a capacidade intrínseca de provocar desemprego.
Segundo o autor, estas tecnologias não necessariamente desempregam
41
trabalhadores, mas a forma como estavam sendo adotadas gerava, sim, impactos
negativos sobre o mundo do trabalho.
A difusão da tecnologia de informação na economia não causa desemprego
de forma direta e, a longo prazo, pode criar mais empregos. A
transformação da administração e do trabalho melhora o nível da estrutura
ocupacional e aumenta o número de empregos de baixa qualificação. [...]
Todavia, o processo de transição histórica para uma sociedade
informacional e uma economia global é caracterizado pela deterioração
generalizada das condições de trabalho e de vida para os trabalhadores [...]:
aumento do desemprego estrutural na Europa; queda dos salários reais,
aumentando a desigualdade, e instabilidade no emprego nos Estados
Unidos; subemprego e maior segmentação da força de trabalho no Japão;
“informalização” e desvalorização da mão-de-obra urbana recém-
incorporada nos países em desenvolvimento; e crescente marginalização da
força de trabalho rural nas economias subdesenvolvidas e estagnadas.
(CASTELLS, 2003:293)
Robert Castel (1998:27) procurou estabelecer um paralelo entre a situação
que ele nomeou como desfiliação, representada pelos trabalhadores precarizados
da sociedade globalizada atual, e os vagabundos da Europa feudal e absolutista,
perseguidos pelo Antigo Regime. Ambos os grupos seriam formados pelos
marginalizados socioeconômicos das suas épocas, os supranumerários, que não
encontram lugar em suas respectivas sociedades. No entanto, haveria uma
homologia, e não uma identidade. Os mais antigos prefiguravam a situação do
trabalhador assalariado, que se tornaria o modelo dominante nos meios populares
após a industrialização. Os atuais, por outro lado, sinalizam que o modelo que
vincula direitos sociais e assalariamento, após ter levado séculos para ser
construído, entrou em uma severa crise.
Os processos de transformação pelos quais passou o capitalismo a partir das
últimas décadas do século XX resultaram, também, em transformações nas cidades,
de forma que a forma urbana industrial clássica sofreu modificações. De fato, como
em todas as fases anteriores, as transformações que se processam atualmente nas
cidades estão ligadas a mudanças econômicas e sociais mais amplas. A adoção e
difusão das tecnologias de informação pelo globo levou à chamada dispersão dos
serviços especializados, que “podem ser reduzidos á geração de conhecimento e a
fluxos de informação” (CASTELLS, 2003:405). Porém, as grandes cidades não
necessariamente se esvaziaram. As principais entre elas adquiriram novas funções,
mantendo uma centralidade no mundo globalizado.
42
A economia global/informacional é organizada em torno de centros de
controle e comando capazes de coordenar, inovar e gerenciar as atividades
interligadas das redes de empresas. [...] De um lado, os serviços avançados
aumentaram substancialmente sua participação nos índices de empregos e
no PNB da maioria dos países, e apresentam o maior crescimento de
empregos e as taxas mais altas de investimento nas principais áreas
metropolitanas do mundo. São abrangentes e estão localizados em toda a
geografia do planeta [...]. De outro, tem havido uma concentração espacial
da camada superior dessas atividades em alguns centros nodais de alguns
países. Tal concentração segue uma hierarquia entre as camadas dos
centros urbanos com as funções de nível mais alto, tanto em termos de
poder quanto de qualificação, e está localizada em algumas importantes
áreas metropolitanas. (CASTELLS, 2003:405)
No topo da hierarquia global das metrópoles, estariam Nova York, Londres e
Tóquio, que “cobrem o espectro de fusos horários no que diz respeito a transações
financeiras e funcionam em grande parte como uma unidade no mesmo sistema de
transações contínuas” (CASTELLS, 2003:405). Outro grupo, composto por algo em
torno de uma dúzia de cidades norte-americanas, europeias e asiáticas, formaria
uma espécie de segundo escalão entre as metrópoles globais. Por fim, “vários
‘centros regionais’ estão rapidamente aderindo à rede, enquanto ‘mercados
emergentes’ se desenvolvem por todo o mundo: Madri, São Paulo, Buenos Aires,
México, Taipei, Moscou, Budapeste, entre outros” (CASTELLS, 2003:406).
Estas metrópoles globais e regionais se integram em uma rede de pontos
nodais, um sistema mundial que cobre quase todos os rincões da Terra. A
característica desta rede é a interconexão cada vez mais intensa entre seus pontos,
pelos quais se desenvolve o fluxo informacional, incluindo as transações financeiras.
Como efeito associado a esta interconexão com o mais distante, pode haver o
abandono do mais próximo, ou seja, das áreas situadas no entorno imediato de cada
metrópole conectada.
Desta forma, o fenômeno da cidade global não pode ser reduzido a alguns
núcleos urbanos no topo da hierarquia. É um processo que conecta serviços
avançados, centros produtores e mercados em uma rede global com
intensidade diferente e em diferente escala, dependendo da relativa
importância das atividades localizadas em cada área [...]. Em cada país a
arquitetura de formação de redes reproduz-se em centros locais e regionais,
de forma que o sistema todo fique interconectado em âmbito global. Os
territórios em torno desses nós desempenham uma função cada vez mais
subordinada, às vezes perdendo a importância (ou até mesmo a função).
(CASTELLS, 2003:407)
43
Refletindo esta complexa geometria da sociedade em rede, que aproxima o
distante mas distancia o próximo, novas formas de segregação socioespacial
emergiram nas cidades globalizadas. Concentrando-se nos países centrais, sedes
dos mais importantes pontos nodais da rede de fluxos, Castells mostrou a
diversidade de formas de organizar o espaço urbano nas cidades capitalistas do final
do milênio. Porém, algumas características comuns parecem se fazer notar. Ao falar,
por exemplo, das modificações nas metrópoles europeias, o autor apresenta a
centralidade do que os norte-americanos chamariam de central business district.
O centro de negócios é, como nos Estados Unidos, o motor econômico da
cidade em rede com a economia global. [...] Prospera em processamento de
informação e funções de controle. Geralmente é completado por instalações
de turismo e viagens. É um nó na rede intermetropolitana. Portanto, o centro
de negócios não existe por si mesmo, mas pela sua conexão com outros
locais equivalentes organizados em uma rede que forma a unidade real de
gerenciamento, inovação e trabalho. (CASTELLS, 2003:426)
De forma semelhante ao que ocorre entre a metrópole global e seu entorno,
os estratos sociais dominantes, que operam na rede global e comandam os centros
de negócios das metrópoles, buscam constituir espaços segregados em suas
cidades. Embora a localização destes bairros em relação ao centro metropolitano
possa variar, não se altera o fato de que se constituem em espaços reservados para
a elite globalizada.
A nova elite política-empresarial-tecnocrática realmente cria espaços
exclusivos tão segregados e distantes do conjunto da cidade em geral,
quanto os bairros burgueses da sociedade industrial, mas, como a classe
profissional é maior, em escala muito maior. (CASTELLS, 2003:426)
Em oposição aos bairros de elite, estão as localidades urbanas onde residem
as camadas populares. Mais uma vez atento à realidade europeia do final do
milênio, Castells apresenta três tipos principais desses bairros que, naquele
continente, são suburbanos.
Há os subúrbios tradicionais das classes trabalhadoras, frequentemente
organizados perto de grandes conjuntos habitacionais [...]. Existem as
novas cidades [...], habitadas por pessoas mais jovens e de classe média,
cuja idade dificultou-lhes entrar no mercado de moradias da metrópole. E
também há os guetos periféricos de conjuntos habitacionais mais antigos,
como o La Courneuve em Paris, onde populações formadas por novos
imigrantes e famílias trabalhadoras pobres sentem sua exclusão do “direito
à cidade”. (CASTELLS, 2003:426)
44
No entanto, mesmo os bairros populares da Europa poderiam ser
considerados privilegiados diante do quadro tétrico apresentado por Mike Davis no
livro Planeta Favela. Nele, Davis chama a atenção para o fato de que a urbanização
da humanidade nos dias atuais ocorre quase inteiramente devido ao aumento
percentual da população urbana nos países pobres. O crescimento da população
rural já teria estancado e o pico da população mundial, estimado em 10 bilhões de
pessoas, deve ser atingido em meados deste século.
Noventa e cinco por cento desse aumento final da humanidade ocorrerá nas
áreas urbanas dos países em desenvolvimento, cuja população dobrará
para quase 4 bilhões de pessoas na próxima geração. De fato, a população
urbana conjunta da China, da Índia e do Brasil já é quase igual à da Europa
e da América do Norte. Além disso, a escala e a velocidade da urbanização
do Terceiro Mundo amesquinham completamente a Europa vitoriana.
Londres, em 1910, era sete vezes maior do que em 1800, mas Daca
(Bangladesh), Kinshasa (Congo) e Lagos (Nigéria), hoje, são
aproximadamente quarenta vezes maiores do que eram em 1950. (DAVIS,
2006:14)
Porém, ao contrário da urbanização clássica, vinculada à industrialização, a
explosão das cidades do mundo periférico se dá, na maioria dos casos, em um
contexto de desindustrialização. Este talvez seja o principal sinal da vinculação entre
esse processo e a ampliação das desigualdades, pois as cidades incham sem
oferecer condições de subsistência digna a suas populações. Negando que isto seja
uma conseqüência inevitável do atual estágio do capitalismo, Davis assinala que a
urbanização sem crescimento
[...] é mais obviamente herança de uma conjuntura política global — a crise
mundial da dívida externa do final da década de 1970 e a subseqüente
reestruturação das economias do Terceiro Mundo sob a liderança do FMI
nos anos 1980 — do que uma lei férrea do progresso da tecnologia.
(DAVIS, 2006:23)
A urbanização em curso nos países periféricos, de fato, parece prescindir do
crescimento econômico. Ao contrário, pode se dar mesmo em contextos de
recessão aguda, como o caso de cidades africanas que mantiveram taxas de
crescimento de mais de 4% ao ano enquanto a economia de seus países encolheu
em um ritmo de mais de 2% anuais no mesmo período (DAVIS, 2006:24). O segredo
desse “sucesso” estaria em políticas que acabaram por inviabilizar o auto-sustento
dos camponeses e esvaziar o meio rural.
45
Um a um os governos nacionais, mergulhados em dívidas, submeteram-se
a planos de ajuste estrutural (PAEs) e à condicionalidade do FMI. Os
pacotes de insumos agrícolas subsidiados e aprimorados e a construção de
infra-estrutura rural foram drasticamente reduzidos. Quando as iniciativas de
“modernização” camponesa das nações latino-americanas e africanas foram
abandonadas, os camponeses foram submetidos à estratégia econômica de
“pegar ou largar” das instituições financeiras internacionais. A
desregulamentação do mercado nacional empurrou os produtores agrícolas
para o mercado global de commodities, no qual os camponeses de porte
médio e pobres acharam difícil competir. Os PAEs e as políticas de
liberação econômica representaram a convergência das forças mundiais de
desruralização e das políticas nacionais que promoviam a
descampesinação. (Bryceson, Deborah. “Disappearing peasantries? Rural
labour redundancy in the neo-liberal era and beyond”. Apud: DAVIS,
2006:25)
Como os camponeses vítimas da política de cercamentos da Inglaterra na
aurora da industrialização, a população expulsa do meio rural nesta passagem de
século teve que buscar formas de sobreviver e acabou acorrendo às cidades. Sua
atual exclusão da economia formal a aproxima mais do proletariado medieval de que
nos falou Castel do que do moderno operariado industrial. Mas suas condições de
vida não são muito diferentes daquelas descritas por Engels com relação aos
trabalhadores ingleses. Sua forma típica de moradia é o que chamamos de favela,
semelhante ou mesmo idêntica aos casebres sujos e decadentes da Manchester
vitoriana, senão pior do que eles.
Certamente, o assunto é indelicado, mas um problema fundamental da vida
da cidade [...]. Durante 10 mil anos as sociedades urbanas lutaram contra o
acúmulo mortal de seus próprios dejetos; até as cidades mais ricas
simplesmente atiram seus excrementos nos cursos d’água ou lançam-nos
em algum oceano próximo. As megacidades pobres de hoje — Nairóbi,
Lagos, Mumbai, Daca e outras — são montanhas fétidas [...] que
assustariam até os vitorianos mais insensíveis. [...] Além disso, a intimidade
constante com os dejetos alheios [...], como sabiam os vitorianos, demarca
verdadeiramente duas humanidades existenciais. (DAVIS, 2006:143)
As péssimas condições sanitárias são apenas um dos vários elementos da
chamada crise urbana do novo milênio, que se materializa nas favelas. No Brasil,
embora as áreas urbanas carentes sofram também com condições sanitárias
inadequadas (numa dimensão que hoje, porém, não se compara aos grandes
enclaves de pobreza da África e Ásia) e com sua localização em áreas sujeitas a
desastres (como enchentes e deslizamentos), chama mais atenção o problema da
violência urbana.
46
A antiga dualidade centro-periferia se desfez, para dar lugar a uma nova:
lugares seguros versus lugares violentos. A captura de assentamentos
precários pelo comércio varejista de drogas impôs, nesses territórios, uma
nova sociabilidade, violenta e implementada de forma paralela aos aparatos
de segurança do Estado. Embora presente em apenas alguns dos
assentamentos precários do país, a territorialização das favelas pelo tráfico
de drogas contribuiu para construir no imaginário urbano a identificação de
todas as favelas e periferias precárias com “lugares violentos”. (ROLNIK,
2008:11)
Aviva-se, assim, entre as camadas de renda alta e média da população, uma
concepção semelhante à das “classes perigosas”, comum entre a nascente
burguesia industrial na passagem entre os séculos XVIII e XIX. Naquela época,
temiam-se as sublevações operárias. Hoje, temem-se os novos excluídos da cidade
globalizada.
A essa formação de enclaves “fora do controle estatal” corresponde, na
outra ponta do espectro, a auto-segregação das elites e classes médias,
gerando — esta também — territórios de exceção. Os chamados “lugares
seguros” são espaços fechados e exclusivos, nos quais a multiplicidade da
cidade não penetra. São cercados, vigiados por câmaras e protegidos por
dispositivos eletrônicos e um exército de seguranças privados. Entre esses
dois polos, a “cidade das ruas”, estruturada a partir de espaços e
equipamentos públicos, fenece, exposta e desprotegida, por não contar com
comandos e milícias nem com aparatos sofisticados e guardas particulares.
(ROLNIK, 2008:11)
Longe de ser uma realidade exclusiva do Brasil, os enclaves fortificados que
servem de habitação para parcela das camadas privilegiadas também podem ser
encontrados em outros países com grandes desigualdades socioeconômicas, como
a África do Sul, a Venezuela e, of course, os EUA (DAVIS, 2006:122). Mas, além
destes países, as fortalezas de luxo se tornam cada vez mais comuns em países
subdesenvolvidos ou emergentes, não só como garantia de segurança, mas também
como sinal distintivo das elites globalizadas. Ironicamente, muitos deles recebem
nomes que remetem ao sul da Califórnia, região que o próprio Mike Davis apontou
como extremamente representativa do conservadorismo político e social de seu
país.
Assim, “Beverly Hills” não existe apenas no código postal 90210 dos
Estados Unidos; também é, ao lado de Utopia e Dreamland, um subúrbio do
Cairo, uma rica cidade particular “cujos habitantes podem manter distância
da vista e da gravidade da pobreza e da violência e da política islamita que
parecem impregnar as localidades”. Do mesmo modo, Orange County é um
condomínio fechado de casas amplas em estilo californiano, que valem 1
milhão de dólares, [...] nos arredores de Pequim. [...] Long Beach, que o
New York Times chamou de “epicentro da falsa Los Angeles da China”,
47
também fica ao norte de Pequim, espalhando-se às margens de uma nova
superautoestrada de seis pistas. Já Palm Springs é um enclave
policiadíssimo de Hong Kong [...]. (DAVIS, 2006:120-1)
A China, por sinal, assim como o restante do leste da Ásia, apresentaria o
modelo de urbanização mais próximo da forma clássica, isto é, vinculado à
industrialização (DAVIS, 2006:22-3). Este seria, porém, o único diferencial entre o
processo de favelização em curso naquele país e a multiplicação de espaços de
carência urbana alhures, pois a quantidade de favelados na China, segundo
estimativas da ONU, equivaleria à população total do Brasil: 193,8 milhões de
pessoas, representando 37,8% da população urbana chinesa. Esse percentual de
população urbana residindo em favelas seria maior que o da Coreia do Sul (37,0%)
e do Brasil (36,6%), segundo as mesmas estimativas (DAVIS, 2006:34).
Discutindo o termo slum, utilizado por ele no título de seu livro,2
Davis informa
que em sua primeira acepção, de 1812, a palavra seria “sinônimo de racket,
‘estelionato’ ou ‘comércio criminoso’”, mas acrescenta que, no período “das décadas
de 1830 e 1840, os pobres já moravam em slums em vez de praticá-los” (DAVIS,
2006:32). O nosso termo favela, por seu turno, é uma alusão à incursão militar e
destruição do Arraial de Canudos, no sertão da Bahia, em 1897. Embora de origem
menos preconceituosa, a história do termo não deixa de ser reveladora da matriz
produtora de desigualdade da sociedade brasileira.
No beligerante arraial baiano, a tropa do governo ficara na região de um
morro chamado Favela, sendo esse o nome de uma planta resistente, que
causava irritação no contato com a pele humana. Por abrigar pessoas que
haviam tomado parte naquele conflito, o Morro da Providência foi
popularmente batizado de Morro da Favela. O apelido pegou, e na década
de 1920 as colinas tomadas por barracões e casebres passaram a ser
conhecidas como favelas. (MATTOS, 2007:29)
Os históricos das acepções estadunidense e brasileira parecem se
complementar na tarefa de conceituar o fenômeno da favela. Esta é, ao mesmo
tempo, um espaço visto como marginal, segregado do restante do tecido urbano, e
fruto do descumprimento das funções sociais atribuídas ao Estado. Atualmente, para
analisar a favelização como um fenômeno global, deve-se recorrer a estimativas
feitas com base na definição da ONU, criticada por Davis devido a seu apego à
2
O livro Planeta Favela se chama, em seu idioma original, Planet of the Slums.
48
[...] definição clássica de favela, caracterizada por excesso de população,
habitações pobres ou informais, acesso inadequado a água potável e
condições sanitárias e insegurança da posse da moradia. Essa definição
operacional, [...] [que] evita as “dimensões sociais”, mais difíceis de medir,
[...] é, na prática, um gabarito bem conservador do que se classifica como
favela; muitos leitores ficarão surpresos com a conclusão nada empírica da
ONU de que somente 19,6% dos mexicanos urbanos moram em favelas
(em geral os especialistas locais admitem que quase dois terços dos
mexicanos moram em colônias populares ou cortiços mais antigos). (DAVIS,
2006:33-4)
Mesmo com tais restrições, as projeções da ONU para 2005 estimavam uma
população de um bilhão de moradores em favelas. Nos países ricos, os favelados
seriam apenas 6% da população urbana, mas chegariam a impressionantes 78%
dos moradores de cidades dos países pobres (DAVIS, 2006:34). Não é sem razão
que o autor alerta para a nova cara das metrópoles no século que começa, fazendo
a comparação justamente com as primeiras cidades criadas pelo ser humano.
Assim, as cidades do futuro, em vez de feitas de vidro e aço, como fora
previsto por gerações anteriores de urbanistas, serão construídas em
grande parte de tijolo aparente, palha, plástico reciclado, blocos de cimento
e restos de madeira. Em vez das cidades de luz arrojando-se aos céus, boa
parte do mundo urbano do século XXI instala-se na miséria, cercada de
poluição, excrementos e deterioração. Na verdade, o bilhão de habitantes
urbanos que moram nas favelas pós-modernas podem mesmo olhar com
inveja as ruínas das robustas casas de barro de Çatal Hüyük, na Anatólia,
construídas no alvorecer da vida urbana há 9 mil anos. (DAVIS, 2006:29)
1.2
Cidade, desigualdade e segregação: interpretações das ciências sociais
A história, a geografia e a sociologia, entre outras disciplinas, procuraram
explicar, compreender ou interpretar a vida social em contínua transformação no
mundo contemporâneo. Como símbolo e foco privilegiado destas mudanças, a
cidade se tornou tema recorrente das ciências sociais, nas quais se constituíram, ao
longo de décadas, as principais linhas interpretativas do fenômeno urbano.
Entre os temas concernentes aos estudos urbanos, a segregação
socioespacial ganhou lugar de destaque. A tentativa de compreender a distribuição
desigual de segmentos socieconômicos, étnicos, religiosos ao longo do espaço
urbano mobilizou, desde o início do século XX, os maiores esforços dos estudiosos
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  • 1. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS Marcos Rangel de Lima DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS NO MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS, RJ: UMA ABORDAGEM INTERESCALAR Rio de Janeiro 2010
  • 2. Marcos Rangel de Lima DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS NO MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS, RJ: UMA ABORDAGEM INTERESCALAR Dissertação apresentada como trabalho de conclusão de curso ao Programa de Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (ENCE/IBGE) Orientador: Prof. Dr. Cesar Ajara Co-orientadora: Profª Drª Ismenia Blavatsky de Magalhães Rio de Janeiro 2010
  • 3. 2 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Cesar Ajara Orientador Profª Drª Ismenia Blavatsky de Magalhães Co-Orientadora Profª Drª Neide Lopes Patarra Prof. Dr. Glaucio José Marafon
  • 4. 3 DEDICATÓRIA A Francisco José, Marcos Antônio e João Pedro. Que possam viver em um mundo e uma cidade com menos desigualdades.
  • 5. 4 AGRADECIMENTOS “E nisto, que conto ao senhor, se vê o sertão do mundo. Que Deus existe, sim, devagarinho, depressa. Ele existe — mas quase só por intermédio das pessoas: de bons e maus. Coisas imensas no mundo.” (João Guimarães Rosa. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 300) No percurso de um trabalho acadêmico, são muitas as ajudas e contribuições que recebemos. Por menores que sejam, acredito que são parte de uma ajuda muito maior, verdadeiramente divina. Agradecer a Deus é também agradecer a essas pessoas. Ao meu orientador, Prof. Cesar Ajara, por todas as inestimáveis críticas, comentários, sugestões de correção de rumo e de texto que este trabalho teve que receber para chegar a este ponto. Agradeço também pela disponibilidade e paciência que caracterizaram sua orientação. Obviamente, a forma final do trabalho é de responsabilidade do aluno, e o professor não deve ser responsabilizado por eventuais falhas ou limitações. À minha co-orientadora, Profª Ismenia Blavatsky, pelas avaliações do texto, conselhos e sugestões no sentido da concisão e clareza na apresentação das ideias. Talvez esta dissertação não tenha conseguido a concisão ideal. Que pelo menos tenha conseguido atingir o máximo de clareza na sua exposição. À Profª Neide Lopes Patarra, que, junto com o Prof. Cesar, foram meus primeiros professores no programa de mestrado. Devo lhe agradecer pelas aulas, e espero que algo delas possa ser reconhecido aqui. Mas também devo lhe agradecer por ter sido minha orientadora acadêmica, cujas sugestões foram fundamentais no início da trajetória que culminou com esta dissertação. Agradeço também por ter aceitado integrar a banca. Ao Prof. Glaucio José Marafon, por ter gentilmente aceitado o convite para compor a banca, e pela solicitude no recebimento deste texto. Espero estar à
  • 6. 5 altura das expectativas que, geralmente, acorrem a um examinador diante de um estudante que busca o título de mestre. Ao ex-colega mestrando, agora mestre, Paulo César Pires Menezes, pela elaboração de todos os mapas desta dissertação. Paulo não só aceitou fazer o trabalho em solidariedade, recebendo aquelas listas de 1.049 setores censitários, 40 bairros, 26 variáveis, mas ainda socializou algumas interpretações de mapas, que foram úteis para eu perceber se o que eu estava vendo não era auto-engano. Valeu, Paulo! Ao colega mestrando, Nilo da Silva Teixeira, pela ajuda na fase de pré- elaboração da dissertação. Seus conhecimentos foram fundamentais na apresentação do ante-projeto e me guiaram no melhor entendimento da base territorial de Caxias. À colega Profª Ana Cristina Palmieri, pela inestimável colaboração na tradução do resumo, sem a qual esta dissertação traria em branco a página reservada ao abstract. Ao Prof. Nelson Senra e colegas estudantes com os quais tive a honra de cursar a disciplina de Sociologia das Estatísticas. O conteúdo das aulas e os debates serviram como um pano de fundo para algumas questões teóricas e metodológicas desta dissertação. Receio, infelizmente, que as ideias não tenham ficado explícitas no texto, mas talvez possam ser encontradas nas entrelinhas. (Aliás, nós, cientistas sociais, costumamos adorar as entrelinhas; tomara que as desta dissertação não tenham ficado ruins!) A todos os funcionários, professores e colegas estudantes da ENCE/IBGE com quem tive o prazer de conviver. Como o trabalho científico nunca é individual, por mais que nos pareça ser, mas envolve seleção, classificação, reordenação do trabalho coletivo, várias pessoas desse meio, com seu trabalho, conversas
  • 7. 6 ou até atitudes, colaboraram para esta pesquisa, de modo que fica até difícil nominar as pessoas e as contribuições. Aos funcionários do IBGE com quem não convivi, mas que foram fundamentais para que eu conseguisse acessar o rico banco de dados do instituto. Uma instituição pode ser entendida como um conjunto de normas, hábitos, valores que se mantêm mesmo com a substituição de indivíduos e a passagem das gerações, mas o fato é que, sem os indivíduos, não há instituições. Às direções das Escolas Maria da Glória Corrêa Lemos, nas pessoas da Profª Rosa e Prof. Messias, e José Américo Pessanha, nas pessoas do Prof. Robson e Profª Marilene, pela compreensão e pelo diálogo durante os três intensos trimestres letivos de 2008. À direção da Escola Mª da Glória C. Lemos, nas pessoas das Profas Silvana e Silvia, pela agilidade na liberação dos papéis da licença especial em 2010, que foi imprescindível na fase final de elaboração desta dissertação. E à direção e alunos do CIEP José Américo Pessanha, pela compreensão nas últimas semanas de elaboração deste texto. Aos funcionários da Secretaria Municipal de Urbanismo de Duque de Caxias, que gentilmente colaboraram, me repassando o que tinham sobre a base territorial do município. A todas as pessoas com quem conversei sobre este trabalho: mamãe, papai, Mônica, amigos, outros parentes, colegas de trabalho, alunos... Às vezes, só ouvir é uma grande ajuda. Também a todas as pessoas que me ajudaram de alguma outra forma, mas das quais agora não vou lembrar... Perdoem, mas é o cansaço do momento. E, finalmente, à Sheila, pelo apoio, compreensão, companheirismo e, mais que tudo, paciência. Por ter aturado um sujeito que ficou mais chato e mais bagunceiro do que de costume, nestes dois anos de mestrado. Por ter
  • 8. 7 aguentado aquelas pilhas adicionais de livros , cópias xerox, cadernos, acumuladas sobre mesas, cadeiras, poltronas. Se há algum sinal mais eloquente da presença e da ajuda de Deus a este pobre louco, é você. Sem você, tudo teria ficado muito mais difícil. Muito obrigado! Duque de Caxias, 31 de agosto de 2010
  • 9. 8 RESUMO Esta dissertação tem por objetivo discutir o fenômeno da desigualdade socioespacial no Município de Duque de Caxias (RJ). Para tanto, analisa indicadores demográficos e socioeconômicos no intuito de compreender os processos socioespaciais em curso na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, bem como as especificidades de operação de tais processos no referido município. Nesse sentido, a dissertação efetua o tratamento de dados estatísticos de natureza demográfica, social e econômica com vistas ao mapeamento do quadro de desigualdades presente na escala municipal. Neste aspecto são utilizados os dados dos Censos Demográficos no período entre 1940 e 2000 e do Produto Interno Bruto Municipal 2000 – IBGE. Como resultado destaca-se a elaboração de uma tipologia dos bairros do Município de Duque de Caxias. Esta tipologia permitiu a identificação de subespaços intramunicipais caracterizados por apresentar distintos níveis de acesso à infra-estrutura urbana, bem como de inserção socioeconômica dos responsáveis pelos domicílios. Palavras-chave: desigualdade, território, segregação socioespacial
  • 10. 9 ABSTRACT The objective of this dissertation is to discuss the phenomenon of social- spatial disparity in the City of Duque de Caxias, in the State of Rio de Janeiro, Brazil. To accomplish this objective, this dissertation analyzes demographic and socioeconomic pointers, with the intention of understanding the social-spatial process in place in the metropolitan area of Rio de Janeiro, as well as the specifics of such processes in the aforementioned city. In this way, the dissertation makes a study of statistical data of a demographic, social and economic nature, with the aim of mapping the disparities present in the municipal scope. In this case, the data from the Demographic Censuses in the period between 1940 and 2000 are used, as well as the GDP of Duque de Caxias in 2000. As a result of this analysis the typology of the neighborhoods of Duque de Caxias becomes apparent. This typology allowed the identification of intra-municipal subdivisions, which are characterized by distinct levels of access to the urban infrastructure, as well as levels of socioeconomic insertion of those responsible for the domiciles. Keywords: social disparity, territory, social-spatial segregation
  • 11. 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Mapa 1 – Bairros de Duque de Caxias (RJ) – 2000...............................................20 Figura 1 – Reprodução de Folheto com Informações sobre Coleta de Lixo – Janeiro/Fevereiro de 2009 ......................................................................................22 Quadro 1 – Distinções polares entre as sociedades pré-industrial e urbano- industrial ..................................................................................................................29 Mapa 2 – Região Metropolitana do Rio de Janeiro.............................................103 Figura 2 – Desmembramento do Antigo Município de Iguassú ........................141 Figura 3 – A Baixada Fluminense em sua Delimitação mais Ampla.................142 Gráfico 1 – Evolução da População do Município de Duque de Caxias (1872- 2000).......................................................................................................................148 Gráfico 2 – Taxas Geométricas Médias Anuais de Crescimento Demográfico – Município de Duque de Caxias (1872-2000) ........................................................150 Quadro 2 – Informações Socioeconômicas sobre o Município de Duque de Caxias – 2000 .......................................................................................153 Quadro 3 – Base Territorial do Município de Duque de Caxias – 2000 ............155 Mapa 3 – População Residente – Bairros de Duque de Caxias – 2000.............160 Mapa 4 – Razão de Sexos – Bairros de Duque de Caxias – 2000......................162 Mapa 5 – Razão de Dependência – Bairros de Duque de Caxias – 2000..........163 Mapa 6 – Índice de Envelhecimento – Bairros de Duque de Caxias – 2000.....165 Mapa 7 – Índice de Longevidade – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..........166 Mapa 8 – Responsáveis do Sexo Feminino – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ........................................................................................................................168 Mapa 9 – Moradores em Domicílios com Rede Geral de Água Canalizada – bairros de Duque de Caxias – 2000 .....................................................................170 Mapa 10 – Moradores em Domicílios com Acesso à Rede Geral de Esgoto ou Água Pluvial – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ...........................................171 Mapa 11 – Moradores em Domicílios Atendidos pelo Serviço de Coleta de Lixo Domiciliar – Bairros de Duque de Caxias – 2000................................................173 Mapa 12 – Moradores em Domicílios sem Banheiro – Bairros de Duque de Caxias – 2000.........................................................................................................174 Mapa 13 – Responsáveis por Domicílios com Renda Média Mensal até 2 Salários Mínimos – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ...................................176
  • 12. 11 Mapa 14 – Responsáveis por Domicílios com Renda Média Mensal Igual ou Maior do que 5 Salários Mínimos (em % do total) – Bairros de Duque de Caxias – 2000 .....................................................................................................................178 Mapa 15 – Responsáveis por Domicílios com Renda Média Mensal Igual ou Maior do que 10 salários mínimos – bairros de Duque de Caxias – 2000........179 Mapa 16 – Responsáveis por Domicílios sem Rendimento – bairros de Duque de Caxias – 2000....................................................................................................181 Mapa 17 – Rendimento Médio Mensal dos Responsáveis por Domicílios (em Salários Mínimos) – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..................................182 Mapa 18 – Rendimento Mediano Mensal dos Responsáveis por Domicílios (em Salários Mínimos) – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..................................183 Mapa 19 – Mulheres Responsáveis por Domicílios com Renda até 2 Salários Mínimos – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..................................................185 Mapa 20 – Mulheres Responsáveis por Domicílios sem Rendimento – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..................................................................................187 Mapa 21 – Responsáveis por Domicílios com até 3 Anos de Estudo – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..................................................................................189 Mapa 22 – Responsáveis por Domicílios com 11 ou Mais Anos de Estudo – Bairros de Duque de Caxias – 2000.....................................................................191 Mapa 23 – Responsáveis por Domicílios com 15 ou Mais Anos de Estudo – Bairros de Duque de Caxias – 2000.....................................................................192 Mapa 24 – Taxa de Analfabetismo dos Responsáveis por Domicílios – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..................................................................................194 Mapa 25 – Mulheres Responsáveis por Domicílios com até 3 Anos de Estudo – Bairros de Duque de Caxias – 2000.....................................................................195 Mapa 26 – Taxa de Analfabetismo das Mulheres Responsáveis por Domicílios – Bairros de Duque de Caxias – 2000.....................................................................197 Mapa 27 – Índice do Déficit Social do Município de Duque de Caxias – 2000 .201 Mapa 28 – Índice de Condições Socioeconômicas do Município de Duque de Caxias – 2000.........................................................................................................204 Quadro 4 – Comparação entre as Tipologias – Índice do Déficit Social e Índice de Condições Socioeconômicas – Bairros de Duque de Caxias – 2000 ..........207 Gráfico 3 – Distribuição da População Urbana segundo Grupos do Índice do Déficit Social do Município de Duque de Caxias (RJ) – 2000............................209
  • 13. 12 Gráfico 4 – Distribuição da População Urbana segundo Grupos do Índice de Condições Socioeconômicas do Município de Duque de Caxias (RJ) – 2000.210 Quadro 5 – Tipologia Arbitrada com Base em Intervalos do Índice do Déficit Social e do Índice de Condições Socioeconômicas – Município de Duque de Caxias (RJ) – 2000................................................................................211 Gráfico 5 – Distribuição da População Urbana segundo Tipos de Bairros Arbitrados com Base em Intervalos do Índice do Déficit Social e do Índice de Condições Socioeconômicas – Município de Duque de Caxias (RJ) – 2000 ...212
  • 14. 13 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – População da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 1940-2000.........................................................................................105 Tabela 2 – Participação dos Municípios Metropolitanos na População da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – 1940-2000........................................107 Tabela 3 – Taxas de Crescimento Demográfico do Estado do Rio de Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 1940-2000...109 Tabela 4 – Densidade Demográfica e Taxa de Urbanização do Estado do Rio de Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 2000 ........................................................................................................................111 Tabela 5 – Razão de Sexos, Razão de Dependência e Índice de Envelhecimento do Estado do Rio de Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 2000.........................................................................................113 Tabela 6 – Taxas de Natalidade e Mortalidade do Estado do Rio de Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 2000 ............115 Tabela 7 – Indicadores do Déficit Habitacional do Estado do Rio de Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 2000 ............117 Tabela 8 – Indicadores da Inadequação Habitacional do Estado do Rio de Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 2000 ........................................................................................................................119 Tabela 9 – Informações sobre o Produto Interno Bruto do Estado do Rio de Janeiro, da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de seus Municípios – 2000 ........................................................................................................................124 Tabela 10 – Indicadores sobre Rendimento dos Responsáveis por Domicílios Particulares Permanentes – Estado do Rio de Janeiro, Região Metropolitana do Rio de Janeiro e seus Municípios – 2000............................................................127 Tabela 11 – Indicadores sobre Escolarização dos Responsáveis por Domicílios Particulares Permanentes – Estado do Rio de Janeiro, Região Metropolitana do Rio de Janeiro e seus Municípios – 2000............................................................130 Tabela 12 – Taxas de Matrícula no Ensino Fundamental e Médio – Estado do Rio de Janeiro, Região Metropolitana do Rio de Janeiro e seus Municípios – 2000 ........................................................................................................................132
  • 15. 14 Tabela 13 – Variáveis Componentes do Índice de Desenvolvimento Humano dos Municipios – Região Metropolitana do Rio de Janeiro – 2000...................134 Tabela 14 – Classificação dos Municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro segundo o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios – 2000136 Tabela 15 – Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios – Duque de Caxias (RJ) – 1991-2000........................................................................................154 Tabela 16 – População por Situação do Domicílio e Taxas de Urbanização – Duque de Caxias e Seus Distritos – 2000............................................................156 Tabela 17 – Indicadores dos Bairros de Duque de Caxias – 2000 ....................228
  • 16. 15 LISTA DE SIGLAS BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BNH – Banco Nacional de Habitação BME – Banco Multidimensional de Estatísticas CEPERJ – Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro CIDE – Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (atual CEPERJ) ENCE – Escola Nacional de Ciências Estatísticas EPI – (Estruturas) econômico-político-ideológicas FMI – Fundo Monetário Internacional FNM – Fábrica Nacional de Motores (Fenemê) IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH-M – Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios IDS/DC – Índice do Déficit Social do Município de Duque de Caxias INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IQV/UFF – Índice de Qualidade de Vida/ Universidade Federal Fluminense ISE/DC – Índice de Condições Socioeconômicas do Município de Duque de Caxias OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico; entidade que congrega os principais países capitalistas PEA – População economicamente ativa PIB – Produto interno bruto REBIO – Reserva biológica; em Duque de Caxias, refere-se à REBIO-Tinguá REDUC – Refinaria Duque de Caxias RMRJ – Região Metropolitana do Rio de Janeiro SFH – Sistema Financeiro de Habitação SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática SM – Salário mínimo; piso salarial nacional URG – Unidade Regional de Governo; subdivisão administrativa do Município de Nova Iguaçu
  • 17. 16 SUMÁRIO Introdução................................................................................................................18 Capítulo 1 As cidades e a desigualdade social: uma revisão teórica e conceitual.............24 1.1 As cidades e a desigualdade social: resgatando elementos das suas trajetórias e transformações ....................................................................................................25 1.2 Cidade, desigualdade e segregação: interpretações das ciências sociais........48 Capítulo 2 Dinâmica do território na escala metropolitana ...................................................77 2.1 Formação histórica da Região Metropolitana do Rio de Janeiro........................77 2.2 Caracterização socioeconômica da Região Metropolitana do Rio de Janeiro........................................................................................................101 2.2.1 Indicadores demográficos....................................................................................103 2.2.2 Indicadores de infraestrutura urbana..................................................................116 2.2.3 Indicadores econômicos ......................................................................................122 2.2.4 Indicadores educacionais.....................................................................................128 2.2.5 O Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios ....................................133
  • 18. 17 Capítulo 3 Dinâmica do Território na Escala Municipal .......................................................139 3.1 Formação histórica do Município de Duque de Caxias .....................................139 3.2 Caracterização socioeconômica do Município de Duque de Caxias................151 3.2.1 Indicadores demográficos....................................................................................159 3.2.2 Indicadores de infraestrutura urbana..................................................................169 3.2.3 Indicadores de renda ............................................................................................175 3.2.4 Indicadores educacionais.....................................................................................188 3.3 Tipologias dos bairros de Duque de Caxias.......................................................196 3.3.1 Tipologia 1: Índice do déficit social.....................................................................198 3.3.2 Tipologia 2: Índice de condições socioeconômicas..........................................202 3.3.3 Tipologia 3: um esforço de síntese .....................................................................206 Considerações Finais ...........................................................................................219 Bibliografia.............................................................................................................222 Apêndice Indicadores dos Bairros de Duque de Caxias – 2000 ........................................228
  • 19. 18 INTRODUÇÃO Este trabalho visa estudar as desigualdades socioespaciais no município de Duque de Caxias, localizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Pretende- se, com esse fim, realizar um trabalho interdisciplinar, ou seja, que utilize conceitos e conhecimentos de várias ciências humanas, como a história, a geografia, a sociologia, entre outras. O Capítulo 1 discute alguns dos principais modelos teóricos da desigualdade e da segregação socioespacial no meio urbano. Com o fim de cumprir essa tarefa, desenha antes um pano de fundo histórico, apresentando elementos considerados úteis para entender as desigualdades sociais nas cidades contemporâneas. Já a revisão dos modelos teóricos considerará que há duas vertentes básicas neste debate: a abordagem neoclássica, representada pela Escola de Chicago das primeiras décadas do século XX, formuladora de métodos de pesquisa qualitativa e também de uma teoria bastante influente sobre o fenômeno urbano; e a abordagem marxista, conduzida a partir de uma postura crítica às formulações dos pesquisadores neoclássicos. O Capítulo 2 abordará a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Entende-se aqui que um olhar mais detido sobre o espaço metropolitano, sua formação e suas principais características é necessário para a compreensão mais acurada do espaço municipal que será observado no capítulo seguinte. Nesse sentido, a formação histórica do espaço metropolitano procurará apresentar as principais transformações espaciais sofridas pela cidade ao longo do século XX. A seguir, será apresentada uma caracterização socioeconômica da metrópole, com foco nos municípios que a constituem. Esta caracterização utilizará informações dos Censos Demográficos do IBGE, desde 1940 a 2000, mas especialmente desde último ano, e também da pesquisa do IBGE sobre Produto Interno Bruto dos Municípios, no período entre 1999 e 2001. O Capítulo 3, por fim, se voltará para o Município de Duque de Caxias. O ponto de partida será também uma reconstituição histórica, que procure relacionar a constituição espacial do município com a formação do espaço metropolitano. A
  • 20. 19 seguir, se procederá à apresentação e análise das desigualdades socioespaciais no território municipal. Para tanto, se recorrerá a informações estatísticas e cartográficas, provenientes do Censo Demográfico 2000 e da base cartográfica do IBGE. O objetivo deste estudo é elaborar uma tipologia das desigualdades socioespaciais no município em estudo. Para isto, foi necessário selecionar as sub- unidades territoriais a respeito das quais se fará o levantamento das estatísticas socioeconômicas e a produção de mapas. Com esse fim, escolheram-se os bairros como unidades de análise. Em primeiro lugar, por facilitar a compreensão das unidades territoriais, uma vez que os bairros são passíveis de simples e rápida identificação. Em segundo lugar, por facilitar, também, as comparações com outras pesquisas que utilizem a base territorial ibgeana, pois a planta de bairros do município, ainda que sofra alterações, preservará pelo menos as referências gerais de localização. Por fim, a utilização dos bairros aproxima este estudo de análises sobre outros municípios, como os casos do próprio Rio de Janeiro e de Niterói (ALMEIDA, 1997) e de Nova Iguaçu (OLIVEIRA, 2006), que utilizaram os bairros como unidades de análise. Duque de Caxias apresentava, no ano 2000, 40 bairros oficiais, que são apresentados no Mapa 1.1 Os limites territoriais desses bairros não coincidiam necessariamente com a delimitação dos quatro distritos em que o município era dividido. Ou seja, não havia correspondência precisa entre os territórios dos bairros e dos distritos, com exceção dos 11 bairros do 1º Distrito, totalmente circunscritos em sua região administrativa (sobre os distritos de Caxias, cf. seção 3.2 desta dissertação). A escolha dos bairros de Caxias, entretanto, deve levar em conta o fato de que estes não se constituem em unidades homogêneas, do ponto de vista socioeconômico. Como exemplo, cita-se aqui o bairro Centro, objeto de monografia defendida por Sandra Bárbara de Souza no curso de Especialização em Análise Ambiental e Gestão de Território da ENCE. O bairro citado apresentava, em 2000, vários loteamentos com características díspares, entre as quais aglomerados subnormais populosos (SOUZA, 2004:63). 1 Todos os mapas de bairros caxienses apresentados neste estudo são de autoria de Paulo César Pires Menezes, a quem o autor desta dissertação não se cansará de agradecer. Por outro lado, as informações estatísticas e o agrupamento dos setores censitários em bairros são de inteira responsabilidade deste autor.
  • 21. 20 Mapa 1 Bairros de Duque de Caxias (RJ) – 2000
  • 22. 21 Além disso, embora os bairros oficiais sigam sendo referências para a população do município, o linguajar cotidiano dos munícipes inclui entre os bairros, por vezes, loteamentos e outras unidades espaciais menores. Como exemplo desta discrepância entre o formal e o informal, pode-se citar o folheto distribuído pela própria Prefeitura Municipal de Duque de Caxias nos domicílios do 2º, 3º e 4º distritos do município, que lista como “bairros” mais de 90 diferentes denominações territoriais (ver Figura 1). Ainda que o referido folheto tenha uma finalidade específica, qual seja a de orientar para dias de coleta de lixo, e entre as denominações territoriais se listem alguns logradouros, chama a atenção que, mesmo excluindo estes, a lista de “bairros” do impresso excede facilmente aqueles definidos oficialmente para a região abrangida pela distribuição do folheto. O fato de o responsável pelo folheto ter sido a própria autoridade municipal já revela uma característica comum a municípios periféricos: a ausência, fraqueza ou desatualização das ordenações urbanísticas. Isto apontaria a necessidade de repensar a estrutura de bairros de Caxias, empreendendo a formalização de unidades territoriais que, surgidas como loteamentos, muitas vezes de forma irregular, ganharam importância com o passar do tempo. De todo modo, para o propósito deste estudo, entende-se que tais limitações não prejudicam a utilização dos bairros como unidades de análise. Quanto às discrepâncias internas, se trabalhará, na maior parte dos indicadores, com proporções sobre sua população ou, quando for o caso, com somatórios (p.ex., total da população residente) ou medidas de tendência central (p.ex., rendimento mensal médio e rendimento mensal mediano dos responsáveis por domicílios). Quanto às referências a unidades territoriais informais, mesmo estas apresentavam seus respectivos territórios inseridos nos bairros oficiais, que cobriam toda a área urbana do município. As informações estatísticas a respeito destes bairros, provenientes do Censo Demográfico 2000, foram acessadas por meio do Sistema de Recuperação Automática de Dados (SIDRA) do IBGE, bem como de tabelas com informações estatísticas desagregadas por macrorregiões, microrregiões, municípios, distritos, subdistritos e bairros do Estado do Rio de Janeiro, obtidas por meio de download de planilhas eletrônicas do sítio do IBGE na internet.
  • 23. 22 Figura 1 Reprodução de Folheto com Informações sobre Coleta de Lixo – Janeiro/Fevereiro de 2009 Fonte: Prefeitura Municipal de Duque de Caxias Também a respeito dos bairros, cabem outras observações. A primeira, relacionada às informações demográficas, é de que eles reuniam apenas a população urbana do município, somando 772.327 pessoas, ou 99,6% dos habitantes. Ficava de fora a população rural, que totalizava 3.129 pessoas, ou 0,4% dos habitantes do município. Este contingente não se encontrava em nenhum dos bairros. A segunda observação, relacionada à montagem dos mapas, é que o código numérico dos setores censitários não apresentava a informação sobre os bairros a que pertenciam. Foi necessário, então, a partir dos arquivos em PDF dos 1.046 setores censitários urbanos de Caxias, identificar isoladamente o bairro em que cada um se incluía. Por fim, uma terceira observação, intimamente ligada à segunda, é que alguns bairros se apresentavam divididos em áreas não contíguas. Estes são os
  • 24. 23 casos do bairro 021 (Saracuruna) e do bairro 040 (Xerém). Em cada um destes bairros, um setor censitário apresentava uma descontinuidade em relação aos demais (cf. Mapa 1). As três observações enunciadas acima parecem corroborar a percepção acima enunciada, sobre o problema da ausência ou relativa fraqueza de ordenações urbanísticas. Afinal, deixar de fora da estrutura de bairros a população rural, ainda que esta representasse menos de 0,5% do município, bem como não dar conta da continuidade territorial de bairros, podem ser vistos como sinais da ausência de um efetivo planejamento territorial. Uma hipótese central nesta dissertação, formulada com base na vivência empírica do próprio pesquisador, morador de Duque de Caxias, é que será possível verificar uma diferenciação entre as condições socioeconômicas dos vários bairros caxienses, de modo que aqueles situados nas imediações do centro comercial do município tenderão a apresentar condições melhores, ou senão menos ruins, do que os bairros mais distantes. Outra hipótese, correlacionada à primeira, é que esta configuração das desigualdades socioespaciais no espaço intramunicipal tenderá a replicar a desigualdade núcleo-periferia observável na Região Metropolitana. Isto apresentaria relações com a trajetória da formação do espaço metropolitano, no qual regiões que recebem maior atenção do poder público tendem a apresentar uma situação socioeconômica sensivelmente diferenciada em relação a áreas pouco ou nada assistidas pelo Estado.
  • 25. 24 CAPÍTULO 1 AS CIDADES E A DESIGUALDADE SOCIAL: UMA REVISÃO TEÓRICA E CONCEITUAL Este capítulo tem como objetivo apresentar e discutir as principais interpretações das ciências sociais a respeito das desigualdades socioeconômicas no espaço urbano. O fenômeno da desigualdade social pode ser definido como a distribuição desigual de riqueza, poder e prestígio dentro de uma determinada sociedade. A estratificação social seria caracterizada, então, pela desigualdade social sistemática, ou seja, se apresentaria nas sociedades que exibem um quadro nítido de castas, classes ou estamentos, com diferentes graus de influência política, inserção econômica ou reconhecimento social (JOHNSON A., 1997:95). O espaço urbano, por suas características de elevada densidade populacional e intensa divisão social do trabalho, é o locus por excelência das desigualdades sociais. Mais do que isto, os estudos históricos informam que a estratificação social marca sua aparição justamente no longo processo de constituição das primeiras cidades. Assim, há a preocupação, neste trabalho, de resgatar aspectos históricos sobre a origem das primeiras formações urbanas, de modo a apresentar, tão brevemente quanto possível, a irrupção da desigualdade social sistemática na vida social humana. O termo cidade, por nomear um fenômeno milenar na existência da humanidade, encontra-se tão presente na linguagem do dia-a-dia quanto no discurso científico. E sua existência, tal como a das desigualdades sociais, parece ganhar, no senso comum, uma aura de inevitabilidade, ou mesmo de naturalidade. No entanto, as cidades, bem como a estratificação social e as visões de mundo que procuram naturalizá-las, são construções sociais. Por isso, olhar para os primórdios da cidade pode ser útil como um exercício de desnaturalização desta forma de organização socioespacial da convivência humana. Sem pretender uma discussão exaustiva sobre a história das formações urbanas, também se pretende apresentar um breve retrospecto das mudanças vividas pelas cidades, com destaque para a sua principal transformação, ocorrida com o advento da era industrial, da qual o fenômeno da globalização pode ser entendido como um desdobramento. Empreende-se esta tarefa aqui por entender que as diversas interpretações sobre o fenômeno das desigualdades socioespaciais
  • 26. 25 na cidade foram elaboradas em estreita relação com as condições sócio-históricas da produção do espaço urbano. No entanto, deve-se deixar nítido que não se fará, neste trabalho, uma análise exaustiva dos estratos sociais em cada sociedade considerada. O esforço aqui será o de resgatar elementos que, em cada contexto sócio-histórico apresentado, possam ser úteis para elucidar aspectos da realidade presente. Um conceito norteador do debate sobre as desigualdades sociais no meio urbano é o da segregação socioespacial, categoria utilizada para compreender a distribuição diferenciada de segmentos populacionais socioeconomicamente diferenciados em um determinado território. O espaço geográfico, como “amálgama indiscutível da ação humana e do meio preexistente” (SANTOS, 1993:118), expressa, em sua configuração, as desigualdades sociais vivenciadas por seus habitantes. Assim, pode-se entender a segregação socioespacial como a materialização, no território, da estrutura estratificada da sociedade que o ocupa. O resgate histórico sobre as cidades servirá para contextualizar a revisão das principais posições formuladas, no campo das ciências sociais, a respeito da segregação socioespacial urbana. 1.1 As cidades e a desigualdade social: resgatando elementos das suas trajetórias e transformações Embora a vida urbana tenha uma história complexa e diversificada, pode-se afirmar que as características da vida nas cidades não sofreram alterações significativas até a era industrial. Este grande intervalo de tempo, que correspondeu à maior parte da existência de cidades sobre a face da Terra, constituiu a primeira era do crescimento urbano, caracterizado como um processo de transformações do espaço e da estrutura da população pelo qual as cidades ganharam cada vez mais importância como núcleos de concentração humana (CLARK, 1991:61). Este crescimento era limitado, porém, pelas técnicas agrícolas pouco desenvolvidas e pela precariedade dos sistemas de transporte de produtos agrícolas. Dito de outra forma, os agrupamentos humanos necessitavam, como ainda necessitam, de energia, seja na forma de alimentos e outros artigos necessários à vida humana,
  • 27. 26 seja como os insumos necessários para produzi-los, transportá-los e administrá-los. Eram necessárias formas mais eficientes para gerar energia de forma a manter aglomerações populacionais cada vez maiores. Há uma tendência a se imaginar as cidades a partir de suas ruas, mercados ou edificações [...]. No fim das contas, porém, elas se constroem por meio de fluxos de energia. Mesmo que desejassem, os caçadores-coletores ou os primeiros agricultores não teriam a capacidade de conceber uma cidade do tamanho e da densidade de Londres da década de 1850 (muito menos a São Paulo dos dias de hoje). Para prover uma população de um milhão de pessoas [...], é necessária uma enorme fonte de energia acumulada para manter todos esses corpos em funcionamento. (JOHNSON S., 2008:92) Por todo o período da economia tradicional, a expansão urbana era limitada e restringida pela disponibilidade dos excedentes de alimentos, o que significa que o tamanho das cidades era estritamente determinado pelo nível da produtividade agrícola na área local. As cidades localizadas em regiões prósperas, ou aquelas cujas conexões de transporte as capacitavam a conseguir os excedentes agrícolas de outras áreas, desfrutaram as principais vantagens para o crescimento urbano. (CLARK, 1991:75) As desigualdades socioeconômicas sistemáticas teriam sido inauguradas com o surgimento das primeiras cidades. Mais do que isto, as desigualdades sociais se tornariam fundamentais na produção material do próprio espaço das cidades antigas. Como abordar esse extenso quadro de desigualdades sociais se mostraria uma tarefa por demais pesada e, ademais, desnecessária para o objetivo deste trabalho, permite-se aqui avançar no tempo, de modo a enfocar as desigualdades sociais na sociedade europeia ocidental, alguns séculos antes da sua industrialização. Tal escolha se deve, em primeiro lugar ao fato do Ocidente cristão constituir parte da herança comum das sociedades que se vinculam à civilização ocidental, inclusive quanto às características da sociedade urbano-industrial. Além disso, o modo como aquela sociedade procurava lidar com determinados aspectos das desigualdades marcou as primeiras formulações da era industrial sobre a questão social (CASTEL, 1998:47-8). A se considerar o que Robert Castel apresenta em sua obra intitulada As Metamorfoses da Questão Social, o Ocidente medieval só passou a experimentar em profundidade os transtornos que a extrema pobreza podia causar após o século XI, com o crescimento demográfico e o renascimento urbano, que iriam
  • 28. 27 progressivamente minar as bases da sociedade feudal. Abordando o surgimento das primeiras formas, ainda embrionárias, de assistência social institucional, Castel (1998:70) observa a proliferação de suas agências nas cidades, atendendo a população domiciliada em seus limites ou na sua região de influência. Isto indicaria o nascimento da chamada “questão social”, ou a visibilidade cada vez maior da pobreza extrema, incapaz de ser solucionada ou contornada pelas formas tradicionais de sociabilidade primária. Na França, e em particular na região parisiense, a maior parte das grandes instituições religiosas de assistência são [sic] fundadas entre 1180 e 1350. [...] A ruptura da dependência e das proteções imediatas das sociedades agrárias, o aprofundamento das diferenças sociais entre os grupos suscitam, de uma forma inédita, a questão do atendimento aos mais carentes. (CASTEL, 1998:70-1) No foco das mudanças que, lenta e progressivamente, sacudiam aquela sociedade, estavam as cidades, renascidas naquelas paragens depois de séculos de torpor urbano. Algumas delas eram ainda herdeiras dos tempos romanos. Outras haviam surgido com as rotas do renascimento comercial. Mas o certo é que se tornaram difusoras de novas ideias, praticas e modos de organizar a vida em sociedade (CASTEL, 1998:110). Como resultado dessas transformações, emergia uma estrutura social com maior diferenciação interna do que a dualidade senhor- servo, característica da sociedade feudal. O fenômeno da mobilidade social começava a se fazer notar, fosse pelo surgimento de uma classe média urbana (chamada burguense ou burguesa, por habitar os burgos), fosse pelo fenômeno cada vez mais notado do desamparo social. Este fenômeno não era novo, mas, durante séculos, havia se mostrado capaz de ser enfrentado ou minimizado pelas redes tradicionais de solidariedade. As mudanças do período, porém, colocaram em xeque a estrutura social anterior e, portanto, sua capacidade de lidar com o problema (CASTEL, 1998:113-4). Este quadro de desigualdades, fruto das mudanças que se iniciaram no Ocidente medieval, iria desembocar, com todas as suas tensões e contradições, no que o historiador britânico Eric Hobsbawm (2008:13) chamou de “dupla revolução”, ou seja, a combinação da revolução política ocorrida na França com a revolução econômica difundida a partir da Inglaterra, que iriam sacudir o mundo ocidental a partir da segunda metade do século XVIII.
  • 29. 28 A segunda era do crescimento urbano se iniciou justamente com a Revolução Industrial, que teve seu lugar no mesmo Ocidente europeu, com seu polo inicial e centro de difusão na Inglaterra. A industrialização acarretou ou se fez acompanhar da melhoria das técnicas agrícolas, além de ter levado à concentração dos locais urbanos de trabalho e residência e à melhoria dos transportes. Segundo Hobsbawm (2008:52), a Revolução Industrial “foi provavelmente o mais importante acontecimento na história do mundo [...] desde a invenção da agricultura e das cidades”. A partir desta época, se pode, mais propriamente, falar do processo de urbanização, entendido como uma série de transformações sociais e comportamentais advindas da vida nas cidades (CLARK, 1991:61-2). Foi no contexto da urbanização associada à industrialização que a experiência de viver em cidades passou pelas maiores e mais importantes transformações desde a antiga Mesopotâmia. O Quadro 1 apresenta, esquemática e simplificadamente, algumas das polaridades entre a sociedade pré-industrial e a sociedade industrializada. Como se pode observar, as transformações foram mais do que simplesmente a aplicação da máquina a vapor à produção material, ou a execução do monarca na guilhotina. De fato, a Revolução Industrial, combinada com a Revolução Francesa, produziram um modo de vida muito diferente dos anteriores. Um mundo cada vez mais urbanizado e laico, onde as relações sociais mediadas por instituições tomam o lugar hegemônico da sociabilidade primária e dos laços de parentesco, no qual o poder político tem que se legitimar sobre outras bases além da religião e da tradição, no qual o súdito submisso é progressivamente substituído pelo cidadão detentor de direitos. Se as características apresentadas na coluna direita do Quadro 1 não se implantaram integralmente em toda a Europa no período que Hobsbawm chamou de Era das Revoluções (1789-1848), e nem mesmo se concretizaram universalmente até o presente, não se pode ignorar que são as características hegemônicas da sociedade nascida da dupla revolução. Quanto às desigualdades sociais, se o mundo medieval temia o pobre desenraizado, ao ponto de tentar impedi-lo de se movimentar pelo território (CASTEL, 1998:96-102), a nova sociedade industrial não só necessitava desta mão- de-obra potencial, como estimulou o despejo de imensas populações de antigos lavradores.
  • 30. 29 Quadro 1 Distinções polares entre as sociedades pré-industrial e urbano-industrial Fonte: Berry, B.J.L. The Human Consequences of Urbanisation. 1973. Apud: CLARK, 1991:103 O vasto aumento na produção, que capacitou as atividades agrícolas britânicas na década de 1830 a fornecer 98% dos cereais consumidos por uma população duas a três vezes maior que a de meados do século XVIII, [...] foi obtido pela transformação social e não tecnológica: pela liquidação [...] do cultivo comunal da Idade Média com seu campo aberto e seu pasto comum, da cultura de subsistência e de velhas atitudes não comerciais com relação à terra. [...] Em termos de produtividade econômica, esta transformação social foi um imenso sucesso; em termos de sofrimento humano, uma tragédia, aprofundada pela depressão agrícola depois de 1815, que reduziu os camponeses pobres a uma massa destituída e desmoralizada. [...] Mas do ponto de vista da industrialização, esses efeitos também eram desejáveis; pois uma economia industrial necessita de mão- de-obra, e de onde mais poderia vir esta mão-de-obra senão do antigo setor não industrial? (HOBSBAWM, 2008:77-8)
  • 31. 30 A grande quantidade de braços disponíveis permitia a manutenção do preço dessa mão-de-obra em níveis extremamente baixos. Também estimulava a exploração do trabalho realizado por mulheres e crianças, já que as famílias proletárias, empobrecidas, buscavam usar todas as reservas de sua força de trabalho para conseguir sobreviver. A situação de pobreza dos trabalhadores que produziam as riquezas do capitalismo foi pintada em tons vivos na obra de Engels sobre as condições de vida da classe trabalhadora inglesa. O autor não escondeu sua indignação ao descrever, por exemplo, as condições de moradia dos operários de Manchester, a segunda maior cidade inglesa e a maior cidade industrial do mundo em meados do século XIX. Deste modo é construída toda a margem do [rio] Irk, um caos de casas jogadas ao acaso, que mais ou menos estão próximas de serem inabitáveis e cujos interiores sujos correspondem totalmente ao imundo ambiente. E como podem as pessoas ser limpas? Nem mesmo para a satisfação das mais naturais e corriqueiras necessidades existem condições. As latrinas são aqui tão raras que ou ficam cheias todos os dias, ou ficam muito afastadas para a maioria dos moradores. Como podem as pessoas se lavar, se só há por perto as águas imundas do Irk e somente nos bairros decentes da cidade existem sistemas de canalização e bombas de água? (ENGELS, 2001:314) As mudanças políticas e ideológicas difundidas pela Revolução Francesa não arrefeceram a exploração dos trabalhadores na nova cidade industrial. Pelo contrário, ao proibir qualquer forma de associação operária, sob os argumentos da liberdade individual e da igualdade de oportunidades, bem como da necessidade de eliminar as retrógradas corporações de ofício, os liberais acabaram por salvaguardar os interesses empresariais em dispor de uma mão-de-obra numerosa e barata (BENEVOLO, 1990:15-7). Muito menos esteve afeita à livre organização popular a aristocracia conservadora, que voltou ao poder na França e na Europa após a derrota de Napoleão Bonaparte. No entanto, apesar da tentativa reacionária de congelar a história, as forças progressistas desencadeadas pela dupla revolução não mais podiam ser detidas, como atestaram os levantes revolucionários da década de 1830 (BENEVOLO, 1990:71). As deliberações do Congresso de Viena, que tentou restaurar a ordem aristocrática a partir de 1815, não conseguiriam mais dar conta de um mundo em rápida mutação. E, mesmo que não houvesse rebeliões e motins,
  • 32. 31 haveria o extraordinário crescimento populacional, tornando as cidades cada vez maiores e mais problemáticas. O surgimento e a expansão da indústria baseada na máquina a vapor, movida pelo carvão mineral, fez com que as cidades britânicas conhecessem um crescimento notável, sem paralelo na história anterior da humanidade. Este se tornaria o padrão de urbanização do mundo industrializado, com as cidades exercendo formidável atração sobre os trabalhadores da área rural circundante. Isto acabaria por alterar a forma clássica de organização do espaço urbano. Das antigas cidades herdadas do mundo antigo e medieval, encerradas em muros e refratárias a mudanças repentinas, chegou-se à cidade que crescia sem parar, atraindo como uma esponja massas humanas cada vez maiores. O exemplo da já citada Manchester, que quintuplicou sua população em um período de 50 anos (BENEVOLO, 1990:73; NISBET, 1963:28), era considerado a um só tempo impressionante e perturbador. As idéias liberais, tão ardorosa e idealisticamente defendidas no início do século XIX, inclusive quanto à gestão das cidades, se mostravam inadequadas ao governo dos já enormes espaços urbanos. Alguma regulamentação se fazia necessária, sob pena de graves problemas, com destaque para os de saúde pública. Afinal, epidemias surgidas nos lugares onde habitavam os pobres podiam facilmente se difundir aos domicílios dos nobres e endinheirados (BENEVOLO, 1990:78). A preocupação higienista, aliada à necessidade de reordenar o território para a passagem das estradas de ferro, foi o motor de um processo de criação de leis e comissões que visavam disciplinar o uso do solo urbano, já a partir dos anos de 1830, mas que em geral tiveram pouca eficácia. Seu mérito foi chamar a atenção para os graves problemas de saúde coletiva das cidades (BENEVOLO, 1990:81). Para os habitantes das enormes metrópoles com vários milhões de habitantes do início do século XXI, é até difícil imaginar o impacto que as grandes cidades britânicas do século XIX, simbolizadas por Londres, produziam sobre as mentalidades da época. A Londres do século XIX era um monstro imenso e canceroso, fadado a implodir cedo ou tarde. Dois milhões de pessoas amontoadas em um denso aglomerado urbano era uma espécie de insanidade coletiva. [...] O acúmulo de duzentas pessoas por acre, a edificação de cidades com milhões de habitantes que compartilham a mesma água, o esforço para se descobrir um modo de eliminar todos os dejetos humanos e animais, tudo isso
  • 33. 32 representava uma mudança de estilo de vida que parecia colocar em risco tanto a saúde individual quanto a ambiental. (JOHNSON S., 2008:210-3) As revoluções européias de 1848, que apresentaram o comunismo como um novo espectro a atemorizar aristocratas e burgueses, foram o estopim para as reformas urbanísticas que dariam nova feição às cidades. Como consequência das jornadas de 1848, haviam chegado ao poder, em países como França, Prússia e Inglaterra, governos conservadores que tinham apoio social para realizar grandes mudanças na vida das cidades, desde que pudessem garantir a segurança das camadas sociais amedrontadas com o espírito revolucionário da época (BENEVOLO, 1990:98). Destacava-se entre esses governantes o sobrinho-neto de Napoleão, Luís Bonaparte, uma espécie de precursor dos “autogolpes” do século XX, que eleito presidente se fez imperador. Em seu governo, foi escolhido como prefeito da região do Sena, que incluía Paris, um administrador disposto a empreender reformas profundas no tecido urbano, bem como nos próprios usos e costumes parisienses com relação à cidade. Este administrador, o Barão Haussmann (1809-1891), responsável pela gestão da capital francesa de 1852 a 1870, se orientava pelas preocupações higienistas, mas também pelas industriais, já que era necessário reorganizar a cidade no sentido da produção e circulação capitalistas. O crescimento populacional de Paris, ainda que tardio em relação às grandes cidades britânicas (BENEVOLO, 1990:100), também acarretou problemas imobiliários e viários, visto que as ruas estreitas da velha capital já não conseguiam dar conta das necessidades de habitação e transporte da futura metrópole. Além do mais, havia que se encontrar meios que impedissem as célebres barricadas populares parisienses, que tantas vezes foram erguidas durante a era das revoluções (BENEVOLO, 1990:99-100). Deste modo, foi construído um sistema de modernas avenidas, valorizando antigos monumentos, erguendo novos edifícios, remodelando a cidade. Tão logo implantadas as leis e iniciado o reordenamento urbanístico, as mudanças positivas se fizeram sentir: aumento do número de domicílios, da arrecadação municipal e do rendimento médio do parisiense. No entanto, a distribuição de renda não avançava. A cidade industrial era, a um só tempo, lugar de prosperidade e de concentração de riqueza (BENEVOLO, 1990:110). No entanto, como as largas avenidas também se prestavam à melhor repressão de movimentos reivindicatórios, a burguesia já
  • 34. 33 aristocratizada podia dormir com mais tranqüilidade sobre seus lucros, com destaque para os advindos da especulação imobiliária. O modelo parisiense seria copiado em todo o mundo ocidental. Os objetivos eram os mesmos, inclusive (ou principalmente) no que tocava à necessidade de garantir a segurança dos processos de acumulação capitalista contra as sublevações proletárias. Em Viena, por exemplo, para as obras de demolição das antigas muralhas e construção da Ringstrasse, o imperador exigiu dos projetistas a manutenção de quartéis existentes, a construção de novos e o estabelecimento de áreas livres ao redor do palácio, com uma praça de armas próxima (BENEVOLO, 1990:122). A aristocracia convertida ao modus vivendi capitalista também precisava se sentir segura. Do ponto de vista do tratamento dado às desigualdades socioeconômicas, o pioneirismo do prefeito do Sena se tornou evidente. Os prédios da Paris na primeira metade do século XIX eram representados como retratos da hierarquia social existente. Em um mesmo edifício residencial, podiam habitar indivíduos e famílias das várias classes sociais, desde a burguesia, nos andares superiores, até os subproletários mais empobrecidos, ao nível do chão. Após as reformas de Haussmann, porém, esse panorama se modificou por completo. Por mecanismos puramente econômicos, as áreas que recebiam os investimentos públicos passavam a expulsar a população mais pobre, graças à valorização imobiliária e conseqüente elevação dos aluguéis e do custo de vida nestes bairros. Os arrondissements que haviam ficado (propositalmente, segundo os críticos) ao largo das modificações passavam a receber as camadas de renda mais baixa. Estes se concentraram na zona leste de Paris, “foco de todas as revoltas” (BENEVOLO, 1990:100), enquanto os bairros a oeste concentraram as camadas privilegiadas. Além disso, as novas vias de tráfego, plenamente integradas ao traçado urbano, permitiam a expansão da urbe até o limite da capacidade de abastecimento, que as novas tecnologias haviam ampliado enormemente. Foi assim que Paris absorveu as pequenas municipalidades existentes além de seus portões (BENEVOLO, 1990:101), sinalizando um novo modelo urbano que se inaugurava e iria marcar o século seguinte: a metrópole. Pelo acima exposto, pode-se elencar algumas das principais características da grande cidade capitalista, que emergiram das reformas urbanas do século XIX: a adequação de sua estrutura a um padrão de contínuo crescimento, tanto da
  • 35. 34 produção quanto da população; a organização de suas ruas e espaços públicos em um traçado que facilitava o controle social e político das massas trabalhadoras; a segregação espacial entre áreas residenciais orientada pela condição socioeconômica dos seus moradores. A segregação socioespacial se revelaria necessária para, de um lado, assegurar à burguesia a plenitude dos confortos da vida urbana e garantir, por outro, uma mão-de-obra barata, morando em bairros cujo custo de vida seria mais baixo. Este custo reduzido seria garantido justamente pela ausência ou menor incidência de investimentos públicos que, ao mesmo tempo que equiparariam as condições de vida entre os bairros, encareceriam o valor de mercado de seus terrenos e construções. Portanto, a segregação socioespacial não apenas seria funcional, mas necessária ao bom funcionamento da cidade capitalista. Esta configuração do espaço urbano carregava suas próprias contradições. Uma das principais era que, originalmente, não respondia aos anseios dos proletários por melhores condições de vida e trabalho. Foi assim que, nas próprias ruas remodeladas de Paris, teve lugar o levante operário que, mais tarde, inspiraria os próprios revolucionários russos do século XX, bem como reacenderia o temor das classes dominantes em relação às sublevações populares. A Comuna de 1871, resultado da tomada de poder pelos operários após a derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana, durou apenas três meses, mas conheceu uma das mais ferozes repressões que as insurreições populares tiveram na Europa daquele século (MARX, 2001:304-7). As lutas operárias travadas ao longo do século XIX e durante a primeira metade do século XX acabaram por conquistar melhores condições de vida para parte significativa dos proletários, ao menos aqueles inscritos em arranjos formais de trabalho e proteção. A partir de 1917, o exemplo da Revolução Russa funcionou como um fantasma adicional pairando sobre a consciência burguesa, alertando sobre o que os trabalhadores poderiam fazer se fossem mantidos nas raias da insatisfação. Outros processos históricos, somados aos anteriores, contribuíram para uma nova feição da sociedade capitalista. A presença de condicionalidades historicamente determinadas desde o início do século, como a Revolução Russa, a Grande Depressão dos anos 30, as duas grandes guerras mundiais, as ações sindical e política dos
  • 36. 35 partidos de esquerda e, por fim, a bipolaridade decorrente da Guerra Fria, influenciou efetivamente a conformação de sociedades capitalistas menos desiguais. A interpretação do século XIX como marcado pela definição de sociedades construídas por dois mundos socialmente fechados, o que implicava a marginalização da classe trabalhadora dos frutos do desenvolvimento econômico, também serviu de orientação para a incorporação de grande parte das aspirações das classes trabalhadoras nas atuais sociedades de consumo de massa. (POCHMANN, 1999:13) Por essas mudanças, o período pós-Segunda Guerra Mundial foi denominado por estudiosos da economia como os quase trinta anos de ouro do capitalismo (POCHMANN, 1999:13). Dois conceitos parecem ser fundamentais para entender estas quase três décadas. O primeiro deles seria o keynesianismo, política adotada pelos países capitalistas após a guerra, com base nas ideias do economista John Maynard Keynes (1883-1946), que buscavam combinar atividade econômica privada com regulação estatal e proteção social aos trabalhadores. Esta concepção foi a base do chamado Estado de bem-estar social. As políticas keynesianas promoveram, conjuntamente com a reformulação do papel do Estado, maior segurança socioeconômica aos trabalhadores e, portanto, menor grau de exclusão social [...]. No pós-guerra, foram observados sinais de redução nos níveis de pobreza e de melhora no perfil de distribuição de renda, como resultado direto de um padrão sistêmico de integração social. Em outras palavras, este padrão promoveu um conjunto de condições favoráveis ao mundo do trabalho, por meio da presença de um quase pleno emprego, do desenvolvimento do Estado de bem-estar social e da forte atuação dos sindicatos e partidos políticos comprometidos com os trabalhadores. (POCHMANN, 1999:11-3) O segundo conceito seria o fordismo, entendido em sentido estrito como um conjunto de técnicas de organização da produção, formuladas ou compiladas por Henry Ford (1863-1947), que passaram a orientar o funcionamento da grande maioria das indústrias do mundo após a Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, em um sentido amplo, [...] o fordismo do pós-guerra tem de ser visto menos como um mero sistema de produção em massa do que como um modo de vida total. Produção em massa significava padronização do produto e consumo de massa, o que implicava toda uma nova estética e mercadificação da cultura [...]. [Ao mesmo tempo,] as formas de intervencionismo estatal (orientadas por princípios de racionalidade burocrático-técnica) e a configuração do poder político que davam ao sistema a sua coerência se apoiavam em noções de uma democracia econômica de massa [...]. (HARVEY, 2003:131) Políticas públicas keynesianas e modo de vida orientado pelo fordismo (American way of life) fizeram com que a “generalização do padrão de
  • 37. 36 industrialização norte-americano” (POCHMANN, 1999:13) resultasse em crescimento econômico intenso e condições de vida sensivelmente melhores para os trabalhadores. A quase totalidade dos assalariados dos países centrais, bem como parte considerável dos trabalhadores do restante do mundo capitalista, abandonou a condição de consumidor marginal das mercadorias produzidas pelo seu trabalho para se integrar a uma realidade em que o consumo de massa se tornava um dos motores privilegiados da economia capitalista. A este novo tratamento das desigualdades sociais também corresponderam modificações na configuração espacial das cidades capitalistas, embora a estrutura básica herdada das reformas de Haussmann tenha permanecido. Ou seja, a cidade capitalista continuava a ostentar um quadro de segregação no qual bairros e distritos ricos se opunham a áreas de concentração dos mais pobres. As diferenças estariam em determinadas políticas públicas, implantadas principalmente nos países capitalistas centrais, destinadas a diminuir os efeitos sociais negativos do capitalismo. Entre estas medidas, podem-se citar: aporte maciço e permanente de investimentos públicos, que acabavam por gerar empregos estáveis; e criação de programas de construção, financiamento ou de aluguel subsidiado para habitações populares. Estas medidas puderam ser sentidas até em cidades notória e historicamente dominadas pelo conservadorismo político, como a Los Angeles descrita pelo intelectual norte-americano Mike Davis. [A] economia de Los Angeles nos anos quarenta estava sendo “keynesianizada” à sua própria e peculiar maneira. Primeiro, os fluxos de capital inter-regional que haviam sido a fonte da prosperidade da Califórnia Meridional estavam agora institucionalizados em verbas de defesa nacional que deslocavam recursos fiscais [...] para irrigar as fábricas de aeronaves e bases militares [...]. Em segundo lugar, o processo de conversão da terra, já elevado a uma economia de escala pelos incorporadores e coligações antes da guerra, estava agora transformada numa verdadeira indústria de produção em massa. Hipotecas garantidas pelo governo federal, benefícios para veteranos e um setor de poupanças e empréstimos protegido — juntamente com os salários mais altos das fábricas de aeronaves — forneceram uma demanda de massa estável para os produtos dos “construtores comerciais” locais [...]. (DAVIS, 1993:114-5) A descrição de Davis, embora se refira à realidade específica da região de Los Angeles, descortina os objetivos mais amplos do keynesianismo e do fordismo. Tratava-se de garantir a estabilidade do sistema, por meio da retomada do crescimento econômico e de uma espécie de cooptação socioeconômica de parcela das classes trabalhadoras, o que se refletia também em uma melhoria de sua
  • 38. 37 inserção no tecido urbano. Para isto, concorriam significativamente, mesmo na economia fortemente liberalizada dos EUA, os investimentos públicos, na forma de políticas geradoras de emprego e de subsídios direcionados aos assalariados. Longe de ameaçar o sistema, como apregoavam empresários ou ideólogos reacionários que rotulavam tais medidas como socializantes, as políticas de matriz keynesiana, pelo contrário, reforçavam o capitalismo. No máximo, havia uma recomposição da elite empresarial, com a ascensão de novos setores beneficiários das medidas intervencionistas. No caso de Los Angeles, estes novos setores seriam, justamente, a indústria aeronáutica e as empresas de poupança e financiamento ligadas à habitação (DAVIS, 1993:115). As últimas décadas do século XX assistiram ao colapso das três décadas áureas do capitalismo, encerradas com a primeira crise do petróleo, em 1973. Ao comparar as taxas de crescimento econômico dos principais países capitalistas, antes e depois do choque do petróleo, notam-se quedas em todos eles. A média da OCDE, que era de 4,7% nos anos imediatamente anteriores a 1973, despencou para 2,6% no período 1973-79 e para 2,2% no período 1980-85 (HARVEY, 2003:126). A queda das taxas de crescimento dos países centrais fez acender a luz vermelha em seus governos, nas organizações multilaterais e nos escritórios das grandes corporações. Da parte dos governos centrais e das organizações internacionais por eles controladas, processou-se, ao longo dos anos 70, a gestação de um receituário para combater a crise, baseado em autores críticos do keynesianismo. As críticas ao padrão sistêmico de integração social não se mostraram originais, pois já estavam contempladas nas teses de autores importantes como Friedrich Von Hayek e Milton Friedman, que haviam definido suas ideias básicas ainda nos anos 40 e 60, em pleno êxito do capitalismo com mais igualdade social e quase pleno emprego [...]. (POCHMANN, 1999:15) O receituário baseado nas ideias de Hayek (1899-1992) e Friedman (1912- 2006), identificado pelo termo neoliberalismo (comumente rejeitado por seus defensores, que costumam preferir ser reconhecidos apenas como liberais), passou a ser implantado de forma global a partir do final da década de 70 e do início da década de 80, tendo como carros-chefes os governos de Margareth Thatcher, no Reino Unido, e de Ronald Reagan, nos EUA. Corporificado no chamado Consenso
  • 39. 38 de Washington, tal conjunto de medidas, assim chamadas por serem preconizadas pelas três principais agências de fomento internacional — FMI, Banco Mundial e BID — daria o tom da política econômica mundial nas décadas seguintes, representando o fim da hegemonia do keynesianismo. As medidas econômicas implementadas desde a década de 1970 buscaram contrair a emissão monetária, elevar os juros, diminuir os impostos sobre as rendas mais altas, desregulamentar o mercado de trabalho, o comércio externo e o mercado financeiro, alterar o papel do Estado, privatizar o setor público, focalizar o gasto social, restringir a ação sindical, entre outras. (POCHMANN, 1999:15) Do ponto de vista das grandes empresas, o receituário neoliberal se mostrou bem sucedido, pois permitiu o controle da inflação e a recuperação econômica dos países capitalistas centrais, nas primeiras décadas de sua implantação. Isto foi conquistado, porém, à custa da remuneração e da estabilidade no emprego dos trabalhadores assalariados. O sucesso alcançado no campo do combate à inflação se mostrou inquestionável [...]. Ao mesmo tempo, as margens de lucro deixaram de ser comprimidas por tributos e custos do trabalho elevados. Por decorrência, houve aumento da autonomia empresarial na definição do uso e remuneração da mão-de-obra e na aplicação dos recursos monetários (investimentos produtivos e financeiros). (POCHMANN, 1999:15-6) No entanto, o crescimento econômico dos países capitalistas centrais não se mostrou sustentado e, nas duas últimas décadas do século XX, continuou abaixo de suas médias anteriores a 1973 (POCHMANN, 1999:17). Como se não bastasse, o próprio fordismo passou a ser atacado. No quadro de um amplo conjunto de mudanças operadas pelas empresas, que recebeu o nome genérico de reestruturação produtiva, novos métodos de organização da produção e de controle da força de trabalho foram criados e implementados, com o intuito de flexibilizar tanto as relações de trabalho quanto as rígidas linhas de montagem fordistas. As mudanças na organização empresarial também tiveram como objetivo reduzir os custos da força de trabalho, que incluiriam não só os salários, como outros encargos, benefícios e, destacadamente, o ônus de manter um quadro estável de trabalhadores. Assim, os movimentos de reestruturação também ampliaram a instabilidade empregatícia. Todos estes fatores levaram ao incremento das taxas de desemprego e de empobrecimento da população, que seguem como problemas fundamentais do modelo neoliberal hegemônico.
  • 40. 39 Neste final de século, o movimento do capitalismo contemporâneo, desprovido de uma coordenação favorável à produção e ao emprego, limita as possibilidades de ampla difusão de um padrão de crescimento sustentado e de melhor enfrentamento da exclusão social. Pode-se observar a presença de grandes desigualdades na comparação entre a performance econômica e o desempenho social no conjunto das economias avançadas. Ao contrário do período conhecido como os anos dourados do capitalismo, observa-se a incapacidade da atual ordem internacional de distribuição generalizada dos ganhos do desenvolvimento econômico. (POCHMANN, 1999:18-9) De um ponto de vista mais abrangente, a implantação das medidas neoliberais e da reestruturação produtiva ocorrem no contexto da chamada globalização, fenômeno no qual a própria liberalização econômica e as mudanças no regime de trabalho aparentam se desenvolver como componentes, em vez de emergir como processos independentes. Permite-se aqui transcrever uma longa citação do estudioso catalão Manuel Castells, onde aparecem as principais características da fase do capitalismo hoje em curso. No fim do segundo milênio da Era Cristã, vários acontecimentos [...] têm transformado o cenário social da vida humana. Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação está remodelando a base material da sociedade em ritmo acelerado. Economias por todo o mundo passaram a manter interdependência global, apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade [...]. O colapso do estatismo soviético e o subsequente fim do movimento comunista internacional enfraqueceram [...] o desafio histórico do capitalismo, [...] decretaram o fim da Guerra Fria [...] e, fundamentalmente, alteraram a geopolítica global. O próprio capitalismo passa por um processo de profunda reestruturação caracterizado por maior flexibilidade de gerenciamento; descentralização das empresas e sua organização em redes tanto internamente quanto em suas relações com outras empresas; considerável fortalecimento do papel do capital vis-à-vis o trabalho, com o declínio concomitante da influência dos movimentos de trabalhadores; individualização e diversificação cada vez maior das relações de trabalho; incorporação maciça das mulheres na força de trabalho remunerada, geralmente em condições discriminatórias; intervenção estatal para desregular os mercados de forma seletiva e desfazer o estado do bem-estar social com diferentes intensidades [...]; aumento da concorrência econômica global em um contexto de progressiva diferenciação dos cenários geográficos e culturais para a acumulação e a gestão do capital. (CASTELLS, 2003:21-2) Abordar a questão das desigualdades sociais neste mundo de intensa interdependência e complexidade é, por si só, um enorme desafio. Mais uma vez, recorre-se a Castells, que parte, em sua análise, da centralidade da questão do trabalho.
  • 41. 40 O processo de trabalho situa-se no cerne da estrutura social. A transformação tecnológica e administrativa do trabalho e das relações produtivas dentro e em torno da empresa emergente em rede é o principal instrumento por meio do qual o paradigma informacional e o processo de globalização afetam a sociedade em geral. (CASTELLS, 2003:223) O pesquisador procede, então, na mesma obra, a uma densa análise da estrutura ocupacional dos países capitalistas centrais no final do século XX (CASTELLS, 2003:223-99). Para o propósito em vista neste trabalho, não é necessário apresentar minúcias do debate, bastando citar algumas conclusões a que chegou Castells, com destaque para a constatação da depreciação salarial nos países centrais. A consequência direta da reestruturação econômica nos Estados Unidos é que nas décadas de 80 e 90 a renda familiar despencou [...]. De 1989 a 1993, a família típica norte-americana perdeu 7% da renda anual. A percentagem de norte-americanos abaixo da linha da pobreza também aumentou em 1993 para 15,1% (de 13,1% em 1989), e a disparidade de renda continuou a crescer atingindo níveis recordes [...]. Embora os Estados Unidos sejam um caso extremo de desigualdade de renda e declínio dos salários reais entre as nações industrializadas, sua evolução é significativa porque representa o modelo de mercado de trabalho flexível que a maioria das nações europeias e, com certeza, das empresas europeias tem em vista. E as consequências sociais dessa tendência são semelhantes na Europa. (CASTELLS, 2003:295-6) A instabilidade ocupacional nos países centrais também foi observada por Castells. Embora os setores mais expostos ao risco iminente de perda do emprego fossem os que reuniam o trabalho não-qualificado, o problema não era exclusivo destes. A nova vulnerabilidade da mão-de-obra sob condições de flexibilidade imoderada não afeta apenas a força de trabalho não-qualificada. A força de trabalho permanente, embora mais bem-paga e mais estável é submetida à mobilidade com o encurtamento do período de vida profissional em que os trabalhadores especializados são recrutados para o quadro efetivo da empresa. Na empresa norte-americana, o mais importante nos anos 90 é a regra dos 50: os que estão acima dos 50 anos e ganham mais de US$ 50 mil anuais têm seus empregos no topo da lista para qualquer possível redução do quadro funcional. (CASTELLS, 2003:297) Um dos fatores que explicariam a instabilidade e a diminuição da renda dos trabalhadores seria a aplicação das novas tecnologias de informação à produção e aos serviços. Castells problematiza a concepção simplista segundo a qual a informática e a robótica teriam a capacidade intrínseca de provocar desemprego. Segundo o autor, estas tecnologias não necessariamente desempregam
  • 42. 41 trabalhadores, mas a forma como estavam sendo adotadas gerava, sim, impactos negativos sobre o mundo do trabalho. A difusão da tecnologia de informação na economia não causa desemprego de forma direta e, a longo prazo, pode criar mais empregos. A transformação da administração e do trabalho melhora o nível da estrutura ocupacional e aumenta o número de empregos de baixa qualificação. [...] Todavia, o processo de transição histórica para uma sociedade informacional e uma economia global é caracterizado pela deterioração generalizada das condições de trabalho e de vida para os trabalhadores [...]: aumento do desemprego estrutural na Europa; queda dos salários reais, aumentando a desigualdade, e instabilidade no emprego nos Estados Unidos; subemprego e maior segmentação da força de trabalho no Japão; “informalização” e desvalorização da mão-de-obra urbana recém- incorporada nos países em desenvolvimento; e crescente marginalização da força de trabalho rural nas economias subdesenvolvidas e estagnadas. (CASTELLS, 2003:293) Robert Castel (1998:27) procurou estabelecer um paralelo entre a situação que ele nomeou como desfiliação, representada pelos trabalhadores precarizados da sociedade globalizada atual, e os vagabundos da Europa feudal e absolutista, perseguidos pelo Antigo Regime. Ambos os grupos seriam formados pelos marginalizados socioeconômicos das suas épocas, os supranumerários, que não encontram lugar em suas respectivas sociedades. No entanto, haveria uma homologia, e não uma identidade. Os mais antigos prefiguravam a situação do trabalhador assalariado, que se tornaria o modelo dominante nos meios populares após a industrialização. Os atuais, por outro lado, sinalizam que o modelo que vincula direitos sociais e assalariamento, após ter levado séculos para ser construído, entrou em uma severa crise. Os processos de transformação pelos quais passou o capitalismo a partir das últimas décadas do século XX resultaram, também, em transformações nas cidades, de forma que a forma urbana industrial clássica sofreu modificações. De fato, como em todas as fases anteriores, as transformações que se processam atualmente nas cidades estão ligadas a mudanças econômicas e sociais mais amplas. A adoção e difusão das tecnologias de informação pelo globo levou à chamada dispersão dos serviços especializados, que “podem ser reduzidos á geração de conhecimento e a fluxos de informação” (CASTELLS, 2003:405). Porém, as grandes cidades não necessariamente se esvaziaram. As principais entre elas adquiriram novas funções, mantendo uma centralidade no mundo globalizado.
  • 43. 42 A economia global/informacional é organizada em torno de centros de controle e comando capazes de coordenar, inovar e gerenciar as atividades interligadas das redes de empresas. [...] De um lado, os serviços avançados aumentaram substancialmente sua participação nos índices de empregos e no PNB da maioria dos países, e apresentam o maior crescimento de empregos e as taxas mais altas de investimento nas principais áreas metropolitanas do mundo. São abrangentes e estão localizados em toda a geografia do planeta [...]. De outro, tem havido uma concentração espacial da camada superior dessas atividades em alguns centros nodais de alguns países. Tal concentração segue uma hierarquia entre as camadas dos centros urbanos com as funções de nível mais alto, tanto em termos de poder quanto de qualificação, e está localizada em algumas importantes áreas metropolitanas. (CASTELLS, 2003:405) No topo da hierarquia global das metrópoles, estariam Nova York, Londres e Tóquio, que “cobrem o espectro de fusos horários no que diz respeito a transações financeiras e funcionam em grande parte como uma unidade no mesmo sistema de transações contínuas” (CASTELLS, 2003:405). Outro grupo, composto por algo em torno de uma dúzia de cidades norte-americanas, europeias e asiáticas, formaria uma espécie de segundo escalão entre as metrópoles globais. Por fim, “vários ‘centros regionais’ estão rapidamente aderindo à rede, enquanto ‘mercados emergentes’ se desenvolvem por todo o mundo: Madri, São Paulo, Buenos Aires, México, Taipei, Moscou, Budapeste, entre outros” (CASTELLS, 2003:406). Estas metrópoles globais e regionais se integram em uma rede de pontos nodais, um sistema mundial que cobre quase todos os rincões da Terra. A característica desta rede é a interconexão cada vez mais intensa entre seus pontos, pelos quais se desenvolve o fluxo informacional, incluindo as transações financeiras. Como efeito associado a esta interconexão com o mais distante, pode haver o abandono do mais próximo, ou seja, das áreas situadas no entorno imediato de cada metrópole conectada. Desta forma, o fenômeno da cidade global não pode ser reduzido a alguns núcleos urbanos no topo da hierarquia. É um processo que conecta serviços avançados, centros produtores e mercados em uma rede global com intensidade diferente e em diferente escala, dependendo da relativa importância das atividades localizadas em cada área [...]. Em cada país a arquitetura de formação de redes reproduz-se em centros locais e regionais, de forma que o sistema todo fique interconectado em âmbito global. Os territórios em torno desses nós desempenham uma função cada vez mais subordinada, às vezes perdendo a importância (ou até mesmo a função). (CASTELLS, 2003:407)
  • 44. 43 Refletindo esta complexa geometria da sociedade em rede, que aproxima o distante mas distancia o próximo, novas formas de segregação socioespacial emergiram nas cidades globalizadas. Concentrando-se nos países centrais, sedes dos mais importantes pontos nodais da rede de fluxos, Castells mostrou a diversidade de formas de organizar o espaço urbano nas cidades capitalistas do final do milênio. Porém, algumas características comuns parecem se fazer notar. Ao falar, por exemplo, das modificações nas metrópoles europeias, o autor apresenta a centralidade do que os norte-americanos chamariam de central business district. O centro de negócios é, como nos Estados Unidos, o motor econômico da cidade em rede com a economia global. [...] Prospera em processamento de informação e funções de controle. Geralmente é completado por instalações de turismo e viagens. É um nó na rede intermetropolitana. Portanto, o centro de negócios não existe por si mesmo, mas pela sua conexão com outros locais equivalentes organizados em uma rede que forma a unidade real de gerenciamento, inovação e trabalho. (CASTELLS, 2003:426) De forma semelhante ao que ocorre entre a metrópole global e seu entorno, os estratos sociais dominantes, que operam na rede global e comandam os centros de negócios das metrópoles, buscam constituir espaços segregados em suas cidades. Embora a localização destes bairros em relação ao centro metropolitano possa variar, não se altera o fato de que se constituem em espaços reservados para a elite globalizada. A nova elite política-empresarial-tecnocrática realmente cria espaços exclusivos tão segregados e distantes do conjunto da cidade em geral, quanto os bairros burgueses da sociedade industrial, mas, como a classe profissional é maior, em escala muito maior. (CASTELLS, 2003:426) Em oposição aos bairros de elite, estão as localidades urbanas onde residem as camadas populares. Mais uma vez atento à realidade europeia do final do milênio, Castells apresenta três tipos principais desses bairros que, naquele continente, são suburbanos. Há os subúrbios tradicionais das classes trabalhadoras, frequentemente organizados perto de grandes conjuntos habitacionais [...]. Existem as novas cidades [...], habitadas por pessoas mais jovens e de classe média, cuja idade dificultou-lhes entrar no mercado de moradias da metrópole. E também há os guetos periféricos de conjuntos habitacionais mais antigos, como o La Courneuve em Paris, onde populações formadas por novos imigrantes e famílias trabalhadoras pobres sentem sua exclusão do “direito à cidade”. (CASTELLS, 2003:426)
  • 45. 44 No entanto, mesmo os bairros populares da Europa poderiam ser considerados privilegiados diante do quadro tétrico apresentado por Mike Davis no livro Planeta Favela. Nele, Davis chama a atenção para o fato de que a urbanização da humanidade nos dias atuais ocorre quase inteiramente devido ao aumento percentual da população urbana nos países pobres. O crescimento da população rural já teria estancado e o pico da população mundial, estimado em 10 bilhões de pessoas, deve ser atingido em meados deste século. Noventa e cinco por cento desse aumento final da humanidade ocorrerá nas áreas urbanas dos países em desenvolvimento, cuja população dobrará para quase 4 bilhões de pessoas na próxima geração. De fato, a população urbana conjunta da China, da Índia e do Brasil já é quase igual à da Europa e da América do Norte. Além disso, a escala e a velocidade da urbanização do Terceiro Mundo amesquinham completamente a Europa vitoriana. Londres, em 1910, era sete vezes maior do que em 1800, mas Daca (Bangladesh), Kinshasa (Congo) e Lagos (Nigéria), hoje, são aproximadamente quarenta vezes maiores do que eram em 1950. (DAVIS, 2006:14) Porém, ao contrário da urbanização clássica, vinculada à industrialização, a explosão das cidades do mundo periférico se dá, na maioria dos casos, em um contexto de desindustrialização. Este talvez seja o principal sinal da vinculação entre esse processo e a ampliação das desigualdades, pois as cidades incham sem oferecer condições de subsistência digna a suas populações. Negando que isto seja uma conseqüência inevitável do atual estágio do capitalismo, Davis assinala que a urbanização sem crescimento [...] é mais obviamente herança de uma conjuntura política global — a crise mundial da dívida externa do final da década de 1970 e a subseqüente reestruturação das economias do Terceiro Mundo sob a liderança do FMI nos anos 1980 — do que uma lei férrea do progresso da tecnologia. (DAVIS, 2006:23) A urbanização em curso nos países periféricos, de fato, parece prescindir do crescimento econômico. Ao contrário, pode se dar mesmo em contextos de recessão aguda, como o caso de cidades africanas que mantiveram taxas de crescimento de mais de 4% ao ano enquanto a economia de seus países encolheu em um ritmo de mais de 2% anuais no mesmo período (DAVIS, 2006:24). O segredo desse “sucesso” estaria em políticas que acabaram por inviabilizar o auto-sustento dos camponeses e esvaziar o meio rural.
  • 46. 45 Um a um os governos nacionais, mergulhados em dívidas, submeteram-se a planos de ajuste estrutural (PAEs) e à condicionalidade do FMI. Os pacotes de insumos agrícolas subsidiados e aprimorados e a construção de infra-estrutura rural foram drasticamente reduzidos. Quando as iniciativas de “modernização” camponesa das nações latino-americanas e africanas foram abandonadas, os camponeses foram submetidos à estratégia econômica de “pegar ou largar” das instituições financeiras internacionais. A desregulamentação do mercado nacional empurrou os produtores agrícolas para o mercado global de commodities, no qual os camponeses de porte médio e pobres acharam difícil competir. Os PAEs e as políticas de liberação econômica representaram a convergência das forças mundiais de desruralização e das políticas nacionais que promoviam a descampesinação. (Bryceson, Deborah. “Disappearing peasantries? Rural labour redundancy in the neo-liberal era and beyond”. Apud: DAVIS, 2006:25) Como os camponeses vítimas da política de cercamentos da Inglaterra na aurora da industrialização, a população expulsa do meio rural nesta passagem de século teve que buscar formas de sobreviver e acabou acorrendo às cidades. Sua atual exclusão da economia formal a aproxima mais do proletariado medieval de que nos falou Castel do que do moderno operariado industrial. Mas suas condições de vida não são muito diferentes daquelas descritas por Engels com relação aos trabalhadores ingleses. Sua forma típica de moradia é o que chamamos de favela, semelhante ou mesmo idêntica aos casebres sujos e decadentes da Manchester vitoriana, senão pior do que eles. Certamente, o assunto é indelicado, mas um problema fundamental da vida da cidade [...]. Durante 10 mil anos as sociedades urbanas lutaram contra o acúmulo mortal de seus próprios dejetos; até as cidades mais ricas simplesmente atiram seus excrementos nos cursos d’água ou lançam-nos em algum oceano próximo. As megacidades pobres de hoje — Nairóbi, Lagos, Mumbai, Daca e outras — são montanhas fétidas [...] que assustariam até os vitorianos mais insensíveis. [...] Além disso, a intimidade constante com os dejetos alheios [...], como sabiam os vitorianos, demarca verdadeiramente duas humanidades existenciais. (DAVIS, 2006:143) As péssimas condições sanitárias são apenas um dos vários elementos da chamada crise urbana do novo milênio, que se materializa nas favelas. No Brasil, embora as áreas urbanas carentes sofram também com condições sanitárias inadequadas (numa dimensão que hoje, porém, não se compara aos grandes enclaves de pobreza da África e Ásia) e com sua localização em áreas sujeitas a desastres (como enchentes e deslizamentos), chama mais atenção o problema da violência urbana.
  • 47. 46 A antiga dualidade centro-periferia se desfez, para dar lugar a uma nova: lugares seguros versus lugares violentos. A captura de assentamentos precários pelo comércio varejista de drogas impôs, nesses territórios, uma nova sociabilidade, violenta e implementada de forma paralela aos aparatos de segurança do Estado. Embora presente em apenas alguns dos assentamentos precários do país, a territorialização das favelas pelo tráfico de drogas contribuiu para construir no imaginário urbano a identificação de todas as favelas e periferias precárias com “lugares violentos”. (ROLNIK, 2008:11) Aviva-se, assim, entre as camadas de renda alta e média da população, uma concepção semelhante à das “classes perigosas”, comum entre a nascente burguesia industrial na passagem entre os séculos XVIII e XIX. Naquela época, temiam-se as sublevações operárias. Hoje, temem-se os novos excluídos da cidade globalizada. A essa formação de enclaves “fora do controle estatal” corresponde, na outra ponta do espectro, a auto-segregação das elites e classes médias, gerando — esta também — territórios de exceção. Os chamados “lugares seguros” são espaços fechados e exclusivos, nos quais a multiplicidade da cidade não penetra. São cercados, vigiados por câmaras e protegidos por dispositivos eletrônicos e um exército de seguranças privados. Entre esses dois polos, a “cidade das ruas”, estruturada a partir de espaços e equipamentos públicos, fenece, exposta e desprotegida, por não contar com comandos e milícias nem com aparatos sofisticados e guardas particulares. (ROLNIK, 2008:11) Longe de ser uma realidade exclusiva do Brasil, os enclaves fortificados que servem de habitação para parcela das camadas privilegiadas também podem ser encontrados em outros países com grandes desigualdades socioeconômicas, como a África do Sul, a Venezuela e, of course, os EUA (DAVIS, 2006:122). Mas, além destes países, as fortalezas de luxo se tornam cada vez mais comuns em países subdesenvolvidos ou emergentes, não só como garantia de segurança, mas também como sinal distintivo das elites globalizadas. Ironicamente, muitos deles recebem nomes que remetem ao sul da Califórnia, região que o próprio Mike Davis apontou como extremamente representativa do conservadorismo político e social de seu país. Assim, “Beverly Hills” não existe apenas no código postal 90210 dos Estados Unidos; também é, ao lado de Utopia e Dreamland, um subúrbio do Cairo, uma rica cidade particular “cujos habitantes podem manter distância da vista e da gravidade da pobreza e da violência e da política islamita que parecem impregnar as localidades”. Do mesmo modo, Orange County é um condomínio fechado de casas amplas em estilo californiano, que valem 1 milhão de dólares, [...] nos arredores de Pequim. [...] Long Beach, que o New York Times chamou de “epicentro da falsa Los Angeles da China”,
  • 48. 47 também fica ao norte de Pequim, espalhando-se às margens de uma nova superautoestrada de seis pistas. Já Palm Springs é um enclave policiadíssimo de Hong Kong [...]. (DAVIS, 2006:120-1) A China, por sinal, assim como o restante do leste da Ásia, apresentaria o modelo de urbanização mais próximo da forma clássica, isto é, vinculado à industrialização (DAVIS, 2006:22-3). Este seria, porém, o único diferencial entre o processo de favelização em curso naquele país e a multiplicação de espaços de carência urbana alhures, pois a quantidade de favelados na China, segundo estimativas da ONU, equivaleria à população total do Brasil: 193,8 milhões de pessoas, representando 37,8% da população urbana chinesa. Esse percentual de população urbana residindo em favelas seria maior que o da Coreia do Sul (37,0%) e do Brasil (36,6%), segundo as mesmas estimativas (DAVIS, 2006:34). Discutindo o termo slum, utilizado por ele no título de seu livro,2 Davis informa que em sua primeira acepção, de 1812, a palavra seria “sinônimo de racket, ‘estelionato’ ou ‘comércio criminoso’”, mas acrescenta que, no período “das décadas de 1830 e 1840, os pobres já moravam em slums em vez de praticá-los” (DAVIS, 2006:32). O nosso termo favela, por seu turno, é uma alusão à incursão militar e destruição do Arraial de Canudos, no sertão da Bahia, em 1897. Embora de origem menos preconceituosa, a história do termo não deixa de ser reveladora da matriz produtora de desigualdade da sociedade brasileira. No beligerante arraial baiano, a tropa do governo ficara na região de um morro chamado Favela, sendo esse o nome de uma planta resistente, que causava irritação no contato com a pele humana. Por abrigar pessoas que haviam tomado parte naquele conflito, o Morro da Providência foi popularmente batizado de Morro da Favela. O apelido pegou, e na década de 1920 as colinas tomadas por barracões e casebres passaram a ser conhecidas como favelas. (MATTOS, 2007:29) Os históricos das acepções estadunidense e brasileira parecem se complementar na tarefa de conceituar o fenômeno da favela. Esta é, ao mesmo tempo, um espaço visto como marginal, segregado do restante do tecido urbano, e fruto do descumprimento das funções sociais atribuídas ao Estado. Atualmente, para analisar a favelização como um fenômeno global, deve-se recorrer a estimativas feitas com base na definição da ONU, criticada por Davis devido a seu apego à 2 O livro Planeta Favela se chama, em seu idioma original, Planet of the Slums.
  • 49. 48 [...] definição clássica de favela, caracterizada por excesso de população, habitações pobres ou informais, acesso inadequado a água potável e condições sanitárias e insegurança da posse da moradia. Essa definição operacional, [...] [que] evita as “dimensões sociais”, mais difíceis de medir, [...] é, na prática, um gabarito bem conservador do que se classifica como favela; muitos leitores ficarão surpresos com a conclusão nada empírica da ONU de que somente 19,6% dos mexicanos urbanos moram em favelas (em geral os especialistas locais admitem que quase dois terços dos mexicanos moram em colônias populares ou cortiços mais antigos). (DAVIS, 2006:33-4) Mesmo com tais restrições, as projeções da ONU para 2005 estimavam uma população de um bilhão de moradores em favelas. Nos países ricos, os favelados seriam apenas 6% da população urbana, mas chegariam a impressionantes 78% dos moradores de cidades dos países pobres (DAVIS, 2006:34). Não é sem razão que o autor alerta para a nova cara das metrópoles no século que começa, fazendo a comparação justamente com as primeiras cidades criadas pelo ser humano. Assim, as cidades do futuro, em vez de feitas de vidro e aço, como fora previsto por gerações anteriores de urbanistas, serão construídas em grande parte de tijolo aparente, palha, plástico reciclado, blocos de cimento e restos de madeira. Em vez das cidades de luz arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano do século XXI instala-se na miséria, cercada de poluição, excrementos e deterioração. Na verdade, o bilhão de habitantes urbanos que moram nas favelas pós-modernas podem mesmo olhar com inveja as ruínas das robustas casas de barro de Çatal Hüyük, na Anatólia, construídas no alvorecer da vida urbana há 9 mil anos. (DAVIS, 2006:29) 1.2 Cidade, desigualdade e segregação: interpretações das ciências sociais A história, a geografia e a sociologia, entre outras disciplinas, procuraram explicar, compreender ou interpretar a vida social em contínua transformação no mundo contemporâneo. Como símbolo e foco privilegiado destas mudanças, a cidade se tornou tema recorrente das ciências sociais, nas quais se constituíram, ao longo de décadas, as principais linhas interpretativas do fenômeno urbano. Entre os temas concernentes aos estudos urbanos, a segregação socioespacial ganhou lugar de destaque. A tentativa de compreender a distribuição desigual de segmentos socieconômicos, étnicos, religiosos ao longo do espaço urbano mobilizou, desde o início do século XX, os maiores esforços dos estudiosos