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O debate sobre Estado Laico e Diversidade Religiosa
aconteceu no auditório do IFRJ (Maracanã) no dia 03/09/12.
O Professor Tiago Barros (Filosofia – IFRJ – Maracanã) foi quem
organizou o debate juntamente com seus alunos.
Participaram do debate o Babalawo Ivanir dos Santos, o
Pastor Alexandre Cabral e Sergio Viula, ateu e administrador
do blog Fora do Armário. Um representante da Igreja Católica
também foi convidado, o Frei Isidoro Mazzarolo, mas ele foi
convocado para uma reunião interna da Igreja e não pode
comparecer.
O vídeo é basicamente áudio, mas este não ficou perfeito.
Por isso, a transcrição aqui apresentada. As perguntas e
respostas não foram transcritas, mas podem ser ouvidas a
partir do minuto 1:08:09.
IVANIR DOS SANTOS
Obs: Na carência de uma foto melhor, escolhi essa do
programa Na Moral.
FALA DE IVANIR Á MESA:
Eu vou sair daqui correndo, porque tenho uma reunião
com o Ministério Público para exigir do MP que dê
garantia constitucional de liberdade de culto, que é uma
função do Estado.
Então, esse foi o motivo pelo qual nasceu a Caminhada
pela Liberdade Religiosa. Mas esse motivo não é só
pelo que aconteceu em 2008 (fechamento de terreiros
por traficantes estimulados por pastores em algumas
favelas do Rio). Infelizmente, a sociedade brasileira,
quando se trata de religiões de matriz africana – e
quando eu digo isso, refiro-me mais ao Candomblé, ao
mesmo tempo que o pessoal de Umbanda – sabe o que
é perseguição. Quando falam sobre essas pessoas, dizem
que elas são macumbeiras. Fulano é do negócio. Só que
macumba é um instrumento musical. Não tem nada a
ver com religião. Macumbeiro é o cara que toca esse
instrumento. Não é o religioso. Tudo aquilo que é
confessado fora dos padrões da religião oficial é tido
como demoníaco. E aí vai todo mundo que não é da
matriz cristã. Mas, não são todos os cristãos que são
assim.
Então, o motivo da Caminhada tem a ver com isso, mas
vocês sabem também que, não são todos os evangélicos,
não vou generalizar, mas um determinado grupo de
neopentecostais que se você resolve colocar o Zeca
Pagodinho para ouvir em casa mais animado, o cara
põe o Gospel dele mais alto do que o seu Zeca
Pagodinho. (risos) Ou não é? Aí, se você coloca mais
alto ainda, o cara aumenta ainda mais, porque é de
Satanás. Aquilo ali é do Demônio. É disso que nós
estamos falando: É de você não respeitar o direito do
outro. Ou você achar que só vale o que está no seu
Caminho. Se estiver no seu Caminho, você está
maravilhoso, mas, se não, você já diz: Vai pro inferno.
Quer dizer... A sociedade tem uma diversidade grande,
não é? O Criador, quando criou o ser humano, deu a
ele o livre arbítrio. Nós não temos livre arbítrio? Ele não
disse qual é o Caminho. Ele disse é aqui ou lá? Ele
não disse. Isso aí vai da interpretação das pessoas. É o
ser humano que acredita daquela forma e diz que
daquela forma é melhor. Mas, na verdade Ele não disse
isso. Cada um segue da forma que toca seu coração. E
o livre arbítrio tem uma coisa mais maravilhosa ainda:
Até de você poder duvidar dEle. Você pode até acreditar
que Ele não existe. É um direito que Ele te deu.
Não posso te demonizar a partir disso. Você não
acredita nEle, eu vou fazer o quê? Porque Ele te deu
esse direito.
O que eu estou chamando a atenção de vocês é que
ninguém tem o direito de, a partir de sua fé religiosa,
perseguir o outro porque não segue da forma como você
compreende. É disso que nós vamos falar.
Então, a Caminhada [em defesa da liberdade religiosa]
tem esse motivo. Eu tenho uma chamada na Globo, não
é? Porque a Caminhada é para todos, porque a
Caminhada não é para convencer ninguém a entrar para
a religião de ninguém. Não é esse o objetivo da
Caminhada. A Caminhada são pessoas cidadãs que
pedem que haja respeito. Porque você não respeita
aquilo que não conhece. Se você não conhece, aquilo te
mete medo. O preconceito faz você ficar afastado.
Então, essa Caminhada é composta hoje de
candomblecista, umbandista, kardecista, católico...
Acabei de receber uma ligação, ainda há pouco, antes
de vir para cá. Era da Arquidiocese do Rio, porque Dom
Orani [Tempesta] deve ir abrir a Caminhada. Ele vai
para a comitiva de imprensa comigo e deve abrir a
Caminhada. Então, ele está retribuindo o gesto, porque o
importante mesmo foi encontrar com o Papa. Você
imagina? O Papa recebeu o Babalawo aqui, né? E com
isso ele está dizendo para vocês que não pode
discriminar. Se o Papa recebeu, não é? Não é assim
que funciona? Não é você que não vai me receber, não
é? Vai dizer que eu sou do Demônio? Ele não disse
isso. Então, a Igreja Católica teve esse gesto que está
sendo um gesto importante para a sociedade. E um
detalhe nessa Caminhada, que eu estou achando muito
bonita, é que vai aumentar o número de evangélicos.
Eles nunca vão, na verdade. Quando vai, é um ou outro
amigo evangélico, não é? O pastor sozinho mais dois,
porque, como é que você vai explicar na sua igreja que
você caminhou com aquela turma que é do Demônio?
Aí, encrenca, né? (risos) Mas, aconteceu, não sei se
vocês viram, que eu fui ao debate “Na Moral” [programa
do Bial] com o Malafaia, né? Eu faço convite a ele
para ir à Caminhada. Ele tá todo enrolado até agora
para dizer se ele vai ou não. (risos) Mas, nós estamos
esperando, não é? Porque nós não vamos discriminar
ninguém. Esse é que é o ponto fundamental.
Então, essa Caminhada tem justamente esse impacto,
porque ela não é só de religiosos. Ela também é de
quem não é religioso. É por cidadania. É um movimento
parecido com o que Luther King fez nos Estados Unidos
pelos direitos civis. Esse é que é o ponto. E o que
Mandela também construiu na África do Sul contra o
“apartheid”, contra o preconceito, contra a discriminação.
É isso que nós buscamos. E por isso, ela tem crescido.
Eu acho que ela já é uma conquista muito grande e a
maior conquista é essa de eu estar aqui, porque minha
agenda hoje está muito difícil. Eu vou sair daqui
correndo, vou para uma reunião com os órgãos públicos
e vim falar com os jovens, né? Eu sou pedagogo, sou
educador, então eu disse: Eu tenho que ir lá. São
jovens, imagina. Porque o jovem tem uma coisa muito
bonita, não é? Eu tenho uma noção na minha vida que
é o seguinte: A guerra do Vietnã - os jovens
americanos se convenceram de que aquela guerra era
uma atrocidade. Os jovens da Europa ajudaram muito a
lutar contra o “apartheid”. Quando você acredita em
alguma coisa, tem a cabeça mais aberta, porque está
descobrindo como o mundo é grande, está ‘descobrindo
a pólvora’, aí quando se engaja na luta, isso é muito
bom. E vocês têm um papel muito importante e o que
me preocupa é que cresce a discriminação religiosa nas
escolas.
Quando você tem uma escola que tem uma diretora
neopentecostal, a primeira coisa que ela faz é dizer que
todo mundo tem que ler um versículo da Bíblia. Só que
o Estado é laico. Isso aqui [IFRJ] é laico. Vocês estão
num espaço que é laico. Os funcionários aqui são
funcionários públicos num Estado laico. Mas tem gente
que confunde e quer impor sua religião a seus alunos.
Ou discriminar outros alunos que não são da sua
religião. Eu dou um exemplo: Tem escola pública que
não tem mais festa junina, festa de São João. Chamam
agora de festa do milho. Porque, na verdade, falou o
nome do São João, já está lascado. Isso é um absurdo.
Porque isso faz parte da cultura das pessoas. Você
pode até, como religioso, dizer que seu filho não vai
dançar ‘quadrilha’ por causa da sua religião. Você pode
sinalizar a escola para isso, mas você não impor aos
outros alunos a sua fé religiosa, a sua compreensão
religiosa. Isso está acontecendo em várias escolas
públicas. Aí, o menino que é evangélico começa a
discriminar o outro que não é da sua religião. Isso está
acontecendo nas escolas. Então, a juventude precisa
entender que o Criador quando criou o primeiro homem...
E pouca gente sabe que Ele o criou na África, não é?
Uma vez eu estava conversando com um pastor e achei
engraçado isso que quando eu falei isso para ele, ele
ficou me olhando e eu perguntei: Mas não foi, não,
pastor? Aí ele olhou para a minha cara e eu perguntei:
Onde era o Éden? Aí, o pastor encheu o peito: “Era
entre o rio Tigre e o rio Eufrates.” E eu perguntei: E
nascem onde o rio Tigre e o rio Eufrates? Eles
passam no Oriente Médio, mas não são lá. São na
África. Então, não tem como você dizer que não era lá.
E o continente africano é um continente extremamente
diverso. Até hoje, é muito diverso, então Ele não criou
só uma forma de você se relacionar. São povos que
têm um pouco dessa visão – a visão do respeito e da
compreensão. E o melhor da Caminhada é isso, porque
a Caminhada não tem só coisas religiosas, mas também
culturais: tem Capoeirista, tem Maculelê, tem Maracatu,
tem gente de todo o país. Esse é um dado novo nessa
Caminhada. Essa [do dia 06/09/13, cinco dias depois do
debate], a gente não tem previsão, porque pela
mobilização popular para a Caminhada, perdemos o
controle, e o fato de você caminhar com o outro que
não é da sua religião e poder entender o outro... tem
os Wiccanos – aquela turma da bruxinha. Só entender
que ali são pessoas que acreditam de forma diferente de
você...
Você vê o muçulmano e o judeu na Caminhada,
enquanto lá no Oriente Médio tem tiro pra cá, briga pra
lá, e você vê que religião é motivo de brigas e de
ódios em alguns lugares, e aqui não é. E é isso que é
o legado dessa Caminhada – essa diversidade, esse
respeito, porque pelo fato de ser candomblecista, não
posso discriminar uma pessoa que é evangélica.
Quando eu fui ao debate [Na Moral], eu não esperava
que fosse uma guerra: “Ih, rapaz, um candomblecista e
o Malafaia... Vai sair tiro.” Não é assim que o pessoal
pensa? “Ih, vai ter Demônio pra cá, o outro vai dizer
que é seita pra lá.” (risos) Não era isso que o pessoal
pensava? “Ih, vamos ver! Porque o negócio lá vai
esquentar. O cara vai expulsar o Demônio.” Não é
assim? (risos)
Mas não foi assim que aconteceu. Porque, primeiro, o
Criador não dá a ninguém o direito de falar assim dessa
forma imperativa. Ele pode te usar como instrumento
para falar uma mensagem dele, mas ninguém pode falar
por Ele e dizer que é só assim. O debate mostrou isso
claramente.
Segundo, eu tinha que entrar naquele debate e passar
para os evangélicos que eu respeito os evangélicos.
Embora muitos deles não respeitem a minha religião, eu
respeito. Então, se eu tratasse mal o pastor, soaria
muito ruim, né? Então, eu tinha que mostrar uma
postura de respeito, porque não era ele. Era o que ele
representava como segmento religioso. Eu não podia
agir com ele como eles agiam conosco. Tinha que ser
pedagógico. Por isso que eu fui muito respeitoso. Eu
tinha mais um motivo para isso. Pasmem vocês: Senão,
eu não entrava em casa. Eu sou casado com uma
evangélica. Para surpresa de vocês. Ela se chama Rute.
A irmã se chama Ester. O irmão é Neemias. (risos)
Velho Testamento puro. (mais risos) Eu estaria proibido
de entrar em casa. Imaginem eu, um Babalawo, uma
pessoa iniciada na África para Ifá [nome do oráculo
Africano], o grande culto de Ifá; iniciado na Bahia para
Orixá; casado com uma pessoa que foi criada na
Assembleia de Deus. Só que agora ela virou batista,
mas foi criada na Assembleia naquela época em que se
usava cabelo até aqui, saia lá no chão e eram
chamados de “os bíblias”, lembram? Então, eu tinha que,
na verdade, pensar em tudo isso. Tudo isso era um
modo preconceituoso de se referir a um evangélico. Eu
pensava assim: Eu tenho que entrar em casa...
E só para vocês entenderem, eu viajo todo ano para a
Nigéria, porque eu tenho que prestar contas do meu Edé
lá, a uma sociedade religiosa. Quando eu viajo, eu saio
daqui, vou para Joanesburgo, para depois ir para Laos.
Quando eu chego a Joanesburgo, está lá a minha Bíblia
que ela botou ali. Eu digo: “Ih, caramba.” E ela: “É
para você levar... [e mais não sei o quê].” Aí, quando
eu volto, eu digo para ela: “Fiz um ebó para você ter
uma vida melhor” [Ebó = oferenda dedicada a um Orixá]
(risos). Você manda a Bíblia por um lado, eu faço um
ebó por outro. E é assim.
O que eu estou querendo dizer para vocês é: Quando
você acredita, eu não posso achar que você vai orar
por mim, e que isso vai ser uma coisa ruim. Não é
essa a discussão. Eu não posso achar que se você
acredita, você não pode dizer aquilo em que acredita,
mas quando eu for dizer o que eu acredito, você
também não terá o direito de dizer que aquilo é ruim.
Entendeu o que eu estou dizendo? Essa é a diferença.
O problema é quando você extrapola isso. Passa ao
desrespeito: Você não respeita o outro e passa a falar
para o outro como se você fosse a única verdade.
Então, a Caminhada tem esse sentido didático. Ela tem
crescido muito. A cada ano, ela cresce. Eu acho que
esse ano ela tem um apelo popular maior. Eu acho que
o debate mexeu com esse apelo popular. Os jovens,
pelo que me falam da Internet – eu não sou de Internet
– tem havido muita mobilização entre os jovens. E eu
fico feliz com os ateus também que estão apoiando tudo
isso. Eu fico feliz que uma escola como essa, na
semana da Caminhada, faça uma conversa dessa. Eu
não vim aqui para convencer ninguém a ir ali do lado,
a virar em alguma coisa, a receber um Caboclo. Não é
isso. (risos) Na verdade, o princípio da Caminhada é que
as pessoas se respeitem. Tratem-se com carinho, porque
um dos mandamentos que o africano Moisés - porque
ele era africano; ele nasceu no Egito - tem gente que
se esqueceu disso, que pensa que ele era o Charlton
Heston, aquele loiro dos olhos azuis. (risos) Não era,
não. Ele era um negão cheio de neguinhas atrás dele
atravessando lá. (risos) Está lá na Bíblia: O cara não
nasceu no Egito? O povo hebreu torna-se povo no Egito,
onde foi escravo por 400 anos. Eles eram todos de
tribos nômades. Um dia, estavam num lugar, outro dia
estavam em outro. Eles vão se formar povo no Egito.
Então, quando ele subiu ao monte para receber os
mandamentos, um deles foi o quê? “Ama o próximo
como a ti mesmo.” Não mandou odiar. Não mandou
odiar. Uma pessoa que é cristã não pode disseminar o
ódio. O ódio divide famílias. Eu conheço famílias hoje em
que se alguém for casar na Igreja Católica e tiver
alguém evangélico na família, não pode ir lá assistir o
casamento. Que maluquice é essa? Que medo é esse?
Eu conheço famílias em que o jovem vira neopentecostal
e a primeira coisa que ele quer fazer é quebrar Nossa
Senhora Aparecida – a Santa preta. Isso é um absurdo.
Isso divide famílias. Religião nenhuma pode dividir família.
Você pode ter sua opção religiosa, mas família é família.
Então, eu chamo atenção para isso: Quando uma religião
começa a dividir pessoas, ela não está funcionando bem.
Não funciona bem. Cada um tem a sua praia. E até o
não acreditar tem que ser respeitado por isso. Não pode
ser discriminado e nem perseguido por essa razão. E
esse é o motivo da nossa Caminhada em Defesa da
Liberdade Religiosa no Estado Laico.
Eu chamo atenção para isso: Funcionários públicos que
tem religião, porque todo mundo tem a sua, que passam
a querer impor sua visão religiosa para todos. Volto a
dizer: O cara fala do que ele acredita. Eu, sendo uma
pessoa educada, vou ouvi-lo. Posso seguir ou não. O
que não pode é, porque eu não vou seguir, eu passar
a dizer que é do Demônio. O mais triste de tudo isso
é que as acusações de ‘Demônio’, ‘feiticeiro’, quem foi
acusado de tudo isso? Quem? Cristo! Dizem – eu não
tenho certeza, mas dizem – que ele era dos Essênios. E
os Essênios eram herbalistas. Eram curadores.
Engraçado, né? Os Essênios eram como um Babalawo,
eram curadores, usavam as ervas para curar as pessoas.
Eu lembro que uma vez, conversando com um Pastor,
eu disse assim: Onde andou Cristo, Pastor, dos 13 aos
30? Aí, ele encheu o peito: “Não, Ivanir, tu não sabe,
não, mas eu acho que ele estava aprendendo a levitar,
a multiplicar o pão, a multiplicar o peixe...” Aí, eu disse:
Ah, fazendo feitiço? (risos) Aí, ele tomou um susto.
Porque, rapaz, para você isso é milagre... Por outro
lado, é feitiço. Ou não é isso? Jesus também era
feiticeiro. Vocês conhecem a história do julgamento. Ele
foi justamente acusado disso – de fazer feitiço. Eu quero
dizer para as pessoas que o Criador, quando quer te
usar como instrumento, usa em qualquer religião em que
você estiver. Em qualquer religião, ele cura a pessoa.
Tem um cara sentado lá recebendo um Preto Velho, né?
Quanta gente já foi à Umbanda e saiu curada? Seja o
kardecista, seja o católico, seja o evangélico, onde Ele
achar que vai fazer sua obra, Ele faz, e não escolhe o
lugar.
Então, eu quero chamar a atenção para o fato de que
nenhuma religião tem o direito de se colocar acima de
qualquer outra. Nenhuma. O que a gente não pode é
brincar com a fé dos outros. Fé é ‘eu acredito’. Eu
sempre digo brincando que se eu estiver ali e o cara
estiver em frente a um poste dizendo ‘vai me curar,
Ivanir’, eu vou ficar lá do lado dele. Talvez eu também
receba a graça do poste, mas se o poste demorar
muito, eu vou embora. Eu só não tenho o direito de
ridicularizar o que ele está acreditando. Eu não tenho o
direito de fazer isso.
Então, na Caminhada, eu espero ver vocês lá no
domingo. Vai ter um show do Dudu Nobre no final, para
quem gosta. Vem muita gente de fora. Muita gente de
outros estados. A Caminhada vai crescer muito. E muitos
jovens.
Nesse momento, vocês estão querendo acertar a
manifestação. Não é assim que vocês estão? ‘Onde tem
manifestação, eu tô mais ou menos’, mas quando
começaram a quebrar...
Na primeira, estava todo mundo animado. Mobilizou A, B
e C, mas agora estão catando uma outra para ter uma
Causa. O jovem é assim: está sempre buscando uma
causa. E não tem uma só causa. Tem várias no Brasil
que são importantes, é claro. Nessa, está em voga a
democracia. Eu costumo dizer que esses grupos são
fascistas. Esses grupos que fazem isso são fascistas. O
fascismo começa assim: Você persegue um, depois você
persegue o outro, e, finalmente, persegue a quem achou
que não ia ser perseguido.
Nós temos que ter um Estado Democrático de Direito,
um Estado Laico, que respeite o direito de cada um de
ser o que achar que tem que ser.
Então, eu quero agradecer por terem me convidado. Fiz
um esforço danado hoje. Pedi ao pessoal para colocar
na agenda, porque vocês são jovens, vocês são
esperança. Se, no Brasil, a gente não conseguir fazer o
jovem entender que tem que ter uma visão mais
aberta... Eu acho que isso é que é legal: essa
inquietude de vocês. Essa inconformidade de vocês. Essa
forma de ser solidário, isso é muito bom para a
sociedade. Foi por isso que cancelei boa parte dos meus
compromissos para estar com vocês, na esperança de
que possamos fazer um mundo cada vez melhor.
Axé e um abraço para todos vocês.
Babalawo Ivanir dos Santos - Auditório do IFRJ - Foto por Sergio Viula
(APLAUSOS)
ALEXANDRE CABRAL
OBS: Foto de outro evento por falta de outra melhor
FALA DE ALEXANDRE À MESA
Depois do show do meu Pai aqui ao lado, que é meu
amigo... nós já tivemos muitas ocasiões na UERJ, muitos
encontros promovidos pelo PROEPER, que é o Programa
de Estudos e Pesquisas das Religiões. Nós fizemos parte
de muitos eventos, às vezes, falando em momentos
distintos. E minha admiração pelo Pai Ivanir só vem
crescendo. Sobretudo, porque no Brasil, alguém de uma
tadição afro-brasileira levantar a bandeira de unidade, de
respeito ao próximo, da dignidade do ser humano, é
raríssimo. Você tem na Bahia um dos personagens
históricos, mas no Brasil hoje, o Ivanir é uma espécie
de arauto da cultura de inclusão, de paz.
E, ao lado, tenho meu amigo Sergio - que vai falar
melhor dele - que se auto-intitula “ex-ex-gay”. É a coisa
mais curiosa do mundo: um “ex-ex-gay” [Sergio interrompe
jocosamente, dizendo: “Amo muito tudo isso!”]
(gargalhadas) Ele é um grande amigo meu, hoje ateu,
mas foi Pastor batista. Como ateu, ele foi lá na igreja
duas vezes falar e eu fiquei preocupado, porque as
pessoas quase se converteram por causa dele, porque
ele falou tão bem sobre as implicações da negativas das
leituras bíblicas no Brasil: homofobia e assim por diante.
E lá na igreja tem tantos gays que as pessoas quase
foram para o lado dele. (risos) Me perguntaram “qual é
a igreja dele?” Eu respondi: Ele é ateu, rapaz. Não
frequenta igreja. Já teve um dia.
Eu queria começar falando desse tema a partir de três
histórias minhas. A primeira é a história de um padre
(não vou dizer o nome dele, porque se sair na Internet,
eu tenho certeza que ele vai ser perseguido). Um padre
jesuíta, antropólogo, trabalhávamos eu e ele na favela do
Morro Santa Marta. Um belo dia, ele foi fazer a
pesquisa dele de campo para o doutorado dele em
antropologia – se eu não me engano, foi no México – e
ele chegou para mim: “Alexandre, eu não tenho padre
para ficar no meu lugar. Você celebraria no meu lugar?”
Eu respondi: Cara, eu sou pastor presbiteriano, já
perseguido, mas eu não vou me dar mal, não. Quem
vai se dar mal é você. Era uma época em que o
tráfico estava pesado – uma briga entre o Comando
Vermelho e o Terceiro Comando. Não tinha como entrar
lá. E ele chegou para mim e perguntou: “Você vai?” E
não tinha como eu dizer não. Respondi: Vou, mas o
que é que eu faço? Ele disse: “Ah, entrega uma
mensagem.” Eu perguntei: Posso falar como católico? Eu
estudei em seminário católico, quis ser padre jesuíta.
Posso celebrar como um padre celebraria? Ele disse que
sim. Eu celebrei igual a um padre, só não celebrei a
Eucaristia, porque isso daria um problema para ele fora
do comum. Durante um mês, toda sexta-feira, eu
celebrava com eles, mas não podia chamar de Missa,
porque não tinha Eucaristia. As pessoas foram vindo
maciçamente. No final, me perguntaram se eu atenderia
confissão. Eu disse: Eu não tenho esse poder, mas se
vocês quiserem conversar comigo... “A gente pode
conversar com você? Você nos passa alguma coisa?
Tipo o equivalente à penitência católica?” Eu disse: Claro.
Apesar de que eu não gosto muito de penitência, mas
vá lá... Não gosto de culpa, não gosto dessas coisas.
Quando eu saí de lá, voltou o padre. O padre me
chamou, porque ia celebrar uma Missa em gratidão por
esse favor de atender por ele. E ele falou: “Olha, eu
gostaria de avisar a vocês que ele não é padre.” -
Como assim? - “Ele é pastor presbiteriano.” E o pessoal
começou a dizer “Então, traz ele pra cá pra ficar com a
gente.” E aí o padre me disse: “Alexandre, você ensinou
a eles sobre os documentos da Igreja, as leituras
oficiais. Eles dizem que você citou o Concílio Vaticano
II.” - que foi iniciado por João XXIII e terminado por
Paulo VI - “Mas você foi mais católico que protestante.”
Eu disse: Mas, aqui eu vim para ser católico e não
para ser evangélico, que, aliás, é uma palavra inventada
por Lutero.
Segunda história minha: Um casal de homossexuais me
procurou há alguns anos. Muito pobre. Um deles
confeccionava roupas para uma escola de samba do
grupo de acesso [Rio de Janeiro]. O segundo era
cabelereiro, que é quase uma ‘profissão gay’. Antigamente
era assim. As travestis e os homossexuais trabalhavam
em salão. Eles me falaram assim: “Sabemos que o
senhor é muito liberal. Duas ONGs nos indicaram o
senhor para fazer nosso casamento.” Eu perguntei: Onde
é que vai ser? Eles disseram: “Campo Grande.” (risos)
Eu morava em Copacabana. “O senhor pega o caminho
tal, pula não sei aonde, pega o cipó...” (risos) Saí 7:30
da manhã e cheguei às 10h. Me perdi e tudo. Quando
eu chego lá, eu digo: Eu vim para o casamento. Estou
procurando o fulano e o beltrano. Responderam: “Ah, é
aqui.” Era um barraco sem piso e, dentro da casa, não
tinha divisória. O banheiro era só uma toalha que dividia
do resto da casa. E eu falei: Onde é que vai ser
casamento? Me disseram: “Aqui nessa entrada.” Gente,
sem brincadeira, não cabiam 10 pessoas. Eu perguntei:
Quantas pessoas vêm. Eles disseram: “Ah, vem um
pessoal lá do terreiro.” Eles eram candomblecistas. Eu
perguntei: “Virá algum Babalorixá de vocês?” Eles
disseram que já estava chegando.
Eu perguntei o nome dele, e disse ‘Pai fulano, celebra
comigo?’ Aí, vem a introjeção do preconceito legitimado
pelos cristãos. Ele falou assim: “Essa celebração é cristã.
É de vocês. Eu não posso participar dela.” Eu respondi
assim: Mas, era você que deveria estar celebrando. Eles
são filhos-de-santo do Candomblé. Eu é que sou o
intruso aqui. Faz o seguinte: Eu dou uma palavra e
você celebra o resto. E aí, os filhos-de-santo dele
disseram: “A gente quer uma bênção cristã.” Aí, eu
disse: Então, eu não celebro. Eu sou filho de Oxaguian
com Iemanjá. E se eu não celebrar em nome desses
dois, eu não celebro esse culto aqui. Ficou aquele clima
na casa. O Pai-de-Santo falou: “Então, eu dou uma
palavra.” Eu respondi: Então, chega aqui comigo. Eles
botaram assim um monte de pedras, que era um lugar
para eu ficar mais alto do que eles. Não sei o porquê
dessa bobeira. (risos) Eles botaram assim um pano atrás
de mim e, de repente, começaram a gritar uns bichos:
“glalalá, glalalá, glalalá.” Tinha cinco galinhas brigando.
(gargalhadas) Eu falei “meu Deus, o que é isso?” Um
CD com músicas do Padre Marcelo Rossi que tocava. E
me perguntaram se eu gostava? (risos) Eu disse: Claro
que eu não gosto disso. Vocês podiam cantar em
Yorubá, músicas do Candomblé, ou então MPB, que é
muito mais bonita do que música Gospel. (risos) Chico
Buarque, Vinícius de Moraes. Esse negócio de vitória, de
Demônio, eu acho tudo isso um saco. Então, não vai ter
música, disseram. Eu falei: Tá bem. Vamos celebrar.
Quando acabou, eles não tinham um real para pagar a
igreja e eu também não cobrei nada. Eles me
agradeceram com um ‘bolo’ de papel toalha. Embaixo
tinha coxinha, risole e quibe. Aí, eu falei assim para
eles: “Eu não quero, porque eu não como isso. Se eu
comer, vou me arrebentar até chegar em casa. São três
horas de viagem. Posso passar mal. Aí, eles disseram
um negócio bonito à beça: “Esse é o nosso trabalho
que nós fizemos para o senhor.” Perguntei: “nosso
trabalho” no sentido do Candomblé? Eles disseram: “Sim”.
Eu respondi: Então, eu aceito. (risos) Essa foi a segunda
história.
A terceira história foi a seguinte: Uma menina ateia me
procura em 2003, e me pergunta: “O senhor poderia
celebrar meu casamento?” Olhei a agenda. Num sábado.
Celebro. Em Botafogo. “Eu sou ateia.” – disse ela. Qual
é o problema. Nós vamos celebrar o amor de vocês,
não os dogmas da minha tradição. “Meu noivo também
é” – acrescentou ela. Aí, chega ele. Eu pergunto: Por
que vocês me procuraram? Não estou entendendo. Dois
ateus e eu protestante. “Porque diziam que você aceitava
ateus” – responderam.
Realmente, isso é irrelevante para mim. Eu quero saber
como é a história do amor de vocês. Ela responde:
“Mas, eu sou ateia por causa do meu pai. Nós somos
de família judaica. Meu pai se matou. Procuramos alguns
sacerdotes e eles nos disseram que nós fomos
amaldiçoados e que não abençoariam a nossa união.”
Em 2009, o Brasil era o nono país com o maior índice
de suicídios no mundo. E dizem as estatísticas – eu
conversava com uma psiquiatra que estuda isso – que o
Brasil é um dos países em que a curva de suicídios
mais cresce no mundo. Eu falei para eles: Eu não
estou entendendo o que tem o amor de vocês com a
maldição... A resposta deles foi que se eles
abençoassem a união, eles estariam corroborando essa
maldição. Eu perguntei: Quem foi o idiota que falou
isso? Não vou citar a tradição, porque existe mais de
uma tradição religiosa entre eles.
Eu falei: Vou fazer esse casamento.
Quando eu chego, a avó dela é batista. Aí, ela chegou
– e eu de estola sacerdotal que é assim que a tradição
reformada faz, nada de terno e gravata que é idiotice
americana, e disse assim: “Pastor, pelo amor de Deus,
TACA Jesus neles.” (gargalhadas) “Taca Jesus neles.”
Moral da história: Eu disse a ela: Eu vou falar de
Jesus, mas de uma outra forma. Comecei o casamento
dizendo assim: Gostaria de começar com uma pergunta
de Carlos Drumond de Andrade em seu poema Amar:
“Que pode uma criatura, senão entre outras criaturas
amar? Amar e esquecer. Amar e malamar. Amar,
desamar e amar, mas sempre, até de olhos vidrados,
amar.”
Eu comecei dizendo assim: Se a Bíblia diz que Deus é
amor, isso quer dizer o seguinte: Que Deus tem o nome
dos amantes. Portanto, quem ama não precisa nem se
lembrar que Ele existe, porque sente Ele na história,
costurando mundos diversos, que caminham com um
passo só. Não falei de Deus a celebração inteira. A
velha me amaldiçoou. Até hoje eu sinto a força. (risos)
O casal ficou meu amigo. Casei a irmã dela. Casei a
tia dela. A mãe dela era psicanalista, ateia por causa da
questão lá do marido que se matou. Casei vários
clientes dela também.
Contei essas histórias, por quê? Porque somente um
Estado Laico abre o campo para que a gente se
obrigue a ouvir a diferença.
Eu sou funcionário de um Instituto Federal também, que
é o Colégio Pedro II, igual a esse, e fui professor da
UERJ também, e eu dou graças a Deus, graças a Deus
por trabalhar em instituições laicas, porque nelas nós
temos espaço para que a discordância não seja motivos
para legitimar práticas de ódio; para que as divergências
possam entrar em convergência; e a gente possa saber
que a vida é conflitiva. Ela é plural. E se não for
assim, ela perde seu dinamismo. Somente o Estado laico,
que não é ateu, que não impõe o ateísmo como uma
espécie de prática de fé às avessas, somente um Estado
laico nos permite ouvir as diferenças e crescer com elas,
apesar dos grupos hegemônicos ainda serem cristãos.
Segundo a UNB, nós temos três principais preconceitos
no Brasil: Ex-presidiários, homossexuais e ateus. O
Estado laico nos obriga a abrir os ouvidos a essas
diferenças, porque ele tem que legislar e executar suas
leis, não a serviço de maiorias numéricas, mas na
possibilidade das divergências estarem em convivência.
Um autor italiano diz que um bom Estado laico tem que
pensar na possibilidade do ateísmo sempre. Eu traduzi
um outro autor, que é homossexual, e acho que católico,
maravilhoso da Itália. Ele diz uma coisa bonita: O Estado
laico tem que legislar pensando que as pessoas têm a
possibilidade de escolher o inferno. Ou seja, de não
escolherem as práticas morais e ritualísticas e cúlticas
das tradições majoritárias cristãs. Tem que legislar
pensando nessa possibilidade. É claro que eu, como
protestante, sou avesso a muitas das minhas tradições.
Já fui expulso [de igreja], mas o que importa é que tem
que ter espaço para isso.
Os homossexuais hoje no Brasil – o país em que mais
se mata homossexuais há cinco anos no mundo –
nenhuma lei, nenhuma medida, ou seja, todas as
medidas contra a homofobia que discriminem abertamente,
como a lei Maria da Penha, por exemplo, as práticas de
homicídios e perseguição a homossexuais, nenhuma delas
foi votada por falta de anuência da bancada evangélica,
porque a bancada evangélica hoje, em alguns lugares
do país, chegou a 1/3 do quórum das Câmaras, das
Assembleias, e assim por diante, e eles negociam votos
para que essas medidas possam cair e não serem
votadas. Isso quer dizer o seguinte: é que ainda falta
ratificar esse caráter laico do Estado, porque as práticas
ainda de perseguição aos candomblecistas, aos
umbandistas, aos homossexuais, aos ateus ainda são
uniformes na política brasileira.
Saiu na revista Carta Capital esse ano uma matéria
sobre as medidas da Frente Parlamentar Evangélica do
país [eu posso falar abertamente porque sou dessa
tradição. Estou falando da minha casa]. Eu estava lendo
que eles propuseram no interior de São Paulo um
banheiro gay para que homossexuais não se misturassem
com o que eles consideram ‘homem’ e ‘mulher’. E isso
a ser aplicado nas escolas. Mas, peraí... uma criança de
cinco, seis anos, vai querer ir ao banheiro e, de
repente, não pode. Isso é uma medida parlamentar... Mas
essa revista Carta Capital documenta uma igreja, não vou
citar o nome, que negocia 70% dos votos ao PSDB na
última eleição se eles liberassem os impostos para o
crescimento de algumas igrejas e organizações suas. Eles
conseguem mais 200.000m2
para construir uma catedral
com isenção de impostos e eles garantiram 80% dos
votos. Voto de cabresto. Curral eleitoral. Isso quer dizer
o seguinte: Nós, evangélicos, palavra inventada por
Lutero, para se referir àqueles que eram livres, porque
não seguiam os ditames do Papa, mas seguiam a
liberdade do evangelho que se manifesta na consciência
humana. Essa palavra hoje significa justamente a antítese
do diálogo e da liberdade. Estou falando da prática da
maior parte, porque sei das exceções.
Isso quer dizer que é preciso ratificar o caráter laico do
Estado, porque os negros até o século dezoito nesse
país eram chamados de ‘macacos sem rabo’. E a
Igreja oficial em Roma dizia que eles não tinham alma
humana, a não ser que fossem batizados nas colônias
cristãs. Se um senhor de engenho batizasse um negro,
ele se tornava humano.
No século dezenove, tem uma carta entre um padre no
Rio e de um Bispo na Bahia em que ele diz assim:
Está havendo muitas revoltas aqui ao meu redor. O que
eu faço, senhor Bispo, para contê-las? O Bispo
responde: Lembre a eles que hoje eles gritam por
liberdade e podem ser livres hoje, mas porque não são
humanos, não ganham a eternidade amanhã. Mas, se
forem presos hoje, tornando-se cristãos, podem ser livres
eternamente após a morte.
É isso. É o medo.
Muitos dos negros eram muçulmanos quando entraram no
país. Muitos mantiveram sua cultura, seu culto aos
Orixás. Aqui no Brasil, eles são demonizados, e nós,
evangélicos, somos os principais responsáveis, desde a
metade do século vinte até hoje, pela demonização. Em
Nilópolis houve uma pesquisa sobre a diminuição de
terreiros e centros de Candomblé e Umbanda. Mais de
70% de diminuição em alguns lugares por causa das
investidas maciças de muitos evangélicos. Perto da
minha casa no Flamengo, na Rua Bento Lisboa, a
Tenda Espírita da Umbanda, um grupo de evangélicos
entrou lá (tá no Youtube a fala de uns deles). O que
foi que eles fizeram? Eles ajudaram a libertar aquele
povo dos seus ídolos e Demônios (tom sarcástico).
QUEBRARAM o centro. Em nome de quem? Em nome
de Jesus. Um camarada que na lei judaica foi morto
como herege, um blasfemo. E de acordo com a lei
romana, ele era um insubmisso político, conforme os
relatos dos Evangelhos. Quer dizer, um cara que morreu
com uma dupla exclusão. Nunca foi cristão. Sempre foi
judeu. A mãe dele nunca foi cristã. Sempre foi judia. Os
primeiros ‘cristãos’ morreram como judeus, não como
cristãos, mas em nome desse camarada, que foi um
excluído, talvez o maior do Ocidente, é que você pratica
novas crucificações. O Estado laico, nesse sentido, dizem
os autores, preserva o único sentimento cristão que vale
a pena: A ideia de que não são mais necessárias as
crucificações.
Ou seja, não há mais espaço nos países de civilização
moderna para a política ‘democrática’ de novas cruzes.
Se o nosso voto das mulheres no Brasil só se deu na
década de 1930, entre os muçulmanos, na maior parte
de seus povos, o voto feminino se deu a partir do
século 12. Quem é o fundamentalista?
Ah, não tudo bem. A Bíblia manda perseguir
homossexuais do sexo masculino, mas manda não usar
barba; manda apedrejar homem que não tem barba; e
manda não comer... ca-ma-rão! (risos) Manda a mulher
menstruada ficar dentro do seu quarto, e não tocar as
paredes até às 7 horas da noite. Se ela tocar as
paredes, são mais sete dias de clausura. Quem pratica
isso? Significa que a mensagem do amor não foi bem
entendida, mas todas as oportunidades de discriminar
certos grupos para a legitimação, geralmente do homem,
portanto do sexo masculino, acima de 30 anos,
sacerdote, com uma moral sacerdotal - esses foram os
elementos privilegiados. Então, nós temos recortes bíblicos
que seguem interesses de grupos que se tornaram
majoritários, mesmo que quantitativamente menores, mas a
lei deles é a lei da nossa história até hoje. Se a gente
não garante a laicidade do Estado, a gente vai ser
obrigado a ter novas caças às bruxas. Uma nova caça
às bruxas: novos Demônios sendo perseguidos, novas
práticas de exclusão, novos gays sendo assassinados, e
todo mundo cinicamente dizendo que é isso que Deus
quer. Espero que vocês não queiram, e que Deus
somente queira a nossa liberdade. Obrigado.
Pastor Alexandre Cabral diante do auditório do IFRJ (Maracanã) –
dia 03/09/13 – Foto: Sergio Viula
(APLAUSOS)
SERGIO VIULA
OBS: Foto de outro evento por falta de outra melhor
FALA DE SERGIO À MESA
Alexandre merece mesmo [os aplausos]. Ele é um pastor
fantástico. Eu gosto muito dele. Tive o privilégio de
conhecê-lo já tem algum tempo e já estive na igreja
dele umas quatro ou cinco vezes. Já fui umas quatro ou
cinco vezes lá. Eu é que quase me converti na igreja
ou me re-converti. Mas, é o que disse ao povo dele:
Olha, se alguém se converter ao ateísmo aqui, vai para
o inferno. Então, por favor, fiquem longe. (risos) Porque,
quando eu fui à igreja do Alexandre, a minha intenção
era realmente dialogal. Era de trocar ideias, era de
conversar. E isso que ele falou – que não fica cantando
lá corinho, hino evangélico, canção gospel – é verdade.
Era uma ou outra canção selecionada. A maior parte das
músicas do hinário que eles produziram para a igreja é
Caetano Veloso, é Chico Buarque, Gal Costa, Maria
Betânia, Ney Matogrosso. (risos) É verdade, eles adoram
a Deus com música desse tipo. Eu achei fantástico. Eu
fiquei impressionado com a igreja. E é uma igreja muito
amorosa, muito querida.
Com relação ao Candomblé, eu não preciso nem falar,
né? O Ivanir realmente é uma pessoa que é uma
estrela. Não digo isso no sentido artístico; é uma estrela
porque tem brilho próprio mesmo. Ele é fantástico. A
forma dele se colocar nesse programa [Na Moral] me
tocou muito. Adicionei-o como amigo no Facebook e
mandei mensagem pra ele (risos).
E como o Alexandre falou, eu fui pastor batista
realmente. Eu trabalhei muito tempo com a Igreja Batista
[mesmo antes de ser batista]. Eu tive um envolvimento
profundo. Quem me ouve hoje não consegue me
imaginar pastor, porque nem eu mesmo consigo mais me
ver pastor. Quando eu falo “fui pastor”, isso soa tão
distante de mim hoje. E aqui não vai nenhuma crítica ao
Alexandre como pastor, não, porque ele é um pastor de
um gênero diferente. Mas, aquele Sergio que era pastor
batista era muito fundamentalista. Meu Deus do céu,
quando eu falo sobre fundamentalismo hoje, tem gente
que acha que eu estou falando sobre fundamentalismo
como que de fora, como alguém de fora, que nunca
soube o que era ser crente, muito menos batista, por
exemplo, e está falando porque tem algum recalque,
algum ressentimento, alguma vingança... (risos) Por que é
que eles pensam que viado sempre é babadeiro, hein?
(mais risos) Tudo tem fofoca, confusão, barulho, gritaria.
Eu fico passado com isso.
Na realidade, quando eu falo a respeito do
fundamentalismo, eu falo sobre isso porque eu tive
experiência profunda com isso. Não só no sentido de
falar, de defender, mas também de ser ferido pelo
fundamentalismo. Eu sei quanto dói na carne da gente
acreditar em certas coisas e depois perceber que elas
eram falaciosas, mentirosas e até maldosas. E também o
quanto dói nos outros que acreditaram em você. Isso
não quer dizer que eu esteja jogando o bebê com a
água fora, não. Uma pessoa pode ser batista,
presbiteriana, reformada em geral, pode ser pentecostal
de qualquer denominação, e ser uma pessoa maravilhosa.
Eu virei para a minha mãe uma vez, que frequenta a
Igreja Evangélica Maranta, aquela do Paulo César Brito,
e falei: Mãe, quer saber de uma coisa? Nessa questão
aqui (a senhora e a igreja), quem ganha é a igreja em
ter a senhora lá dentro. Não é a senhora, por estar lá
dentro, que sai ganhando. Quando a senhora vai para a
igreja, a senhora leva consigo uma herança, um acervo
existencial de bondade, de hospitalidade, de carinho, de
respeito ao outro que só enriquece a igreja, porque se
gente como a senhora saísse da igreja, não sobraria
nada que prestasse. Ainda bem que a senhora está lá e
mais um bando de gente igual à senhora - muita gente
boa mesmo. Gente que é capaz de tirar a roupa do
corpo para cobrir o nu, fazendo aquilo Jesus ensinou:
“Toda vez que o fizeste a um destes pequeninos a mim
o fizeste.” Ele se referia a vestir, alimentar, visitar. Pois
bem, a minha mãe é assim. E como ela, eu conheço
um monte de gente da igreja dela que me viu com 16
anos, quando me converti à Igreja Evangélica. E quando
eu digo “me converti à Igreja Evangélica” sempre tem
alguém para me perguntar: “Mas você não se converteu
a Jesus?” Tanto faz o termo que você use. O que eu
quero estabelecer aqui é um momento de diferença: Eu
era católico e passei a ser evangélico. Se você for
pensar que Jesus está aqui e está ali, eu não sei se
se pode dizer que deixar de ser católico e passar a ser
evangélico signifique converter-se a Jesus, não é? A
menos que você diga que o católico não serve a Jesus.
E isso também é complicado do ponto de vista do
pluralismo religioso.
Então, quando eu me converti ao Evangelicalismo,
primeiro pentecostal e depois tradicional, eu me tornei
uma pessoa que vestia a camisa com tudo. Eu comprei
o boi inteiro. Não deixei o rabo de fora ou o chifre de
fora. Levei tudo para casa. E eu comecei a aplicar
aqueles princípios todos, com a maior honestidade, na
minha vida. Ao ponto de muito cedo me envolver com o
trabalho missionário. Deixar um emprego aqui na Petróleo
Ipiranga, aqui do lado, para trabalhar como missionário
voluntário. Não tinha um centavo envolvido. Todo o apoio
financeiro que viesse para o trabalho era dado pela
igreja voluntariamente. E por isso mesmo não se podia
contar com isso com toda a certeza. E aí entra aquela
coisa de fé, não é? Eu vou, porque Deus mandou. Vou
pela fé. Vou fazer a obra de Deus e tal, pregar o
Evangelho. E, realmente, tive algumas experiências
incríveis tentando levar a Palavra de Deus – como eu
também a chamava – às pessoas que ainda não tinham
ouvido, pelo menos daquela maneira que eu achava que
devia ser pregada. Esse era mais um sinal de
fundamentalismo. Mas, posso dizer que era muito bem
intencionado.
Por isso, eu ainda vejo hoje, mesmo em pessoas muito
fundamentalistas, religiosamente falando, um quê de
honestidade. Digo algumas, não todas. Esses pastores
vedetes que você vê aí na televisão - esses caras -
não têm nenhuma boa vontade e nem boa intenção. Não
se engane. Eu conheço os bastidores. Já fui pastor. Eu
lidei com essa gente. Eles não têm nenhuma boa
intenção. Agora, o pessoal que ouve, acredita e segue é
como aquele Sergio Viula com 16 anos que entrou na
ABI (Associação Brasileira de Imprensa [tinha um culto
da Maranata lá, às quartas-feiras]), ouviu uma pregação,
acreditou honestamente e investiu a vida toda, seguindo
aquele versículo de Jesus: O Reino de Deus é
semelhante a um homem que, encontrando um tesouro
num campo, vai e vende tudo o que tem e compra
aquele terreno. Ou como um homem que encontra uma
pérola de grande valor, vende tudo o que tem e a
compra. E foi mais ou menos isso: Eu investi a vida
toda, empatei a vida toda na igreja [ênfase do
debatedor]. E eu saí da igreja, não foi porque eu era
gay. Isso é importante colocar. Tem gente que pensa “o
cara queria soltar a franga e saiu da igreja. Trocou o
Cordeiro pela franga.” (risos) Mas não foi isso.
Na verdade tem muita gente gay que é crente. Aliás,
vou dizer uma coisa para vocês: Tem mais gente gay
na igreja do que na Parada Gay. A Parada Gay está
cheia de hétero que vai ali e fica de olho nas
garotinhas: Olha que gostosinha! Será que é sapatão?
Será que não é? Querendo dar em cima. (risos) É... Tá
cheio de machinho querendo pegar umazinha. E tem
umas garotinhas que vão lá também, porque tem uns
caras bem gostosos na Parada Gay, não é? (risos) Elas
tentam, não é? Vai que... Marcelo Antony... [referindo-se
ao personagem dele em Amor à Vida]... (gargalhadas).
Então, tem mais gente hétero numa Parada Gay do que
você imagina, mas também tem mais gente gay dentro
da igreja do que talvez na Parada Gay. Tudo enrustido.
Tudo enrustido. E alguns resolvidos. Alguns já entenderam
que o que eles são, eles são e pronto! Se eles querem
acreditar em Deus e servir a Deus, isso é outra história.
E podem continuar lá, servindo numa boa.
Mas eu quando saí da igreja, saí por outras questões.
Foram questões filosóficas mesmo, teológicas. Eu passei
a descrer que houvesse uma razão que fosse plausível,
que pudesse ser verificada, que pudesse ser demonstrada
para que eu acreditasse que esse Deus e não qualquer
outro era o Deus verdadeiro. Quando eu comecei a
questionar isso, eu abri questionamentos para pensar em
todos os outros Deuses também. Será que qualquer um
dos outros é verdadeiro no sentido de que é tão real
quanto essa água que eu bebo [o debatedor ergue o
copo de sobre a mesa], só que de outra substância?
Essa era a questão.
Quando eu saí da igreja há 10 anos atrás, eu fui muito
honesto com a igreja. Eu disse exatamente por que era
que eu a estava deixando. Os pastores, meus amigos,
que vinham conversar comigo ficavam perplexos e
perguntavam: “Mas, Sergio, você não tem medo do
inferno, não?”
Recorrem logo ao inferno quando não têm argumento,
não é?
“Você não tem medo de ir para o inferno, preocupação
de não entrar no céu?”
Eu dizia para eles o seguinte: Olha, primeiro, eu não
tenho razão plausível, verificável, para acreditar que esse
inferno de que vocês estão me falando seja mais real
do que o Tártaro grego, ou – sei lá – que o Olimpo, ou
o Hades. Entendem? Não tenho motivo para pensar que
seja melhor. Eu não tenho razão para acreditar que
Jeová é melhor do que Zeus. Eu não tenho razão para
acreditar que Jesus é mais verdadeiro, como divindade,
que Hércules ou outro semideus qualquer lá da Grécia.
Então, eles ficavam sem argumento realmente. O que
eles podiam dizer pra mim? Repetir o que a Bíblia fala?
Já sei. E isso não prova nada.
Agora, eu não estava pedindo a ninguém para se
converter ao ateísmo. Até porque, para mim, o ateísmo
não é fé. Não é matéria de fé. Você pode ser ateu
simplesmente por rebeldia, como esse casal judeu
[referindo-se ao casal que o Pastor Alexandre mencionou
anteriormente]. Tipo: Estou revoltado com o rabino, então
Deus que vá para o inferno. Não quero mais saber.
Este é o ateísmo que não tem fundamento, não tem
base. Ele é totalmente emocional. Tão emocional quanto
a maior parte das fés que vocês veem por aí. Sem
nenhum substrato racional ou argumentativo. É apenas
reação.
Agora, eu pensava de uma forma um pouco mais
‘pesada’ em relação a isso. Eu não estava magoado
com a igreja, e por isso não queria saber de Deus.
Não. Eu não tinha razão para acreditar em Deus. Dizer
que a natureza é linda, e que ela é testemunho de
Deus, não é suficiente. Porque o cara que é ufólogo vai
me dizer que a natureza é testemunho de que os ETs
estiveram aqui e que plantaram tudo isso aí, ou soltaram
qualquer organismo unicelular, microscópico, que foi
evoluindo até chegar ao que Darwin descobriu. Isso tudo
não passa de mais uma crença.
Agora, as crenças não são erradas em si mesmas do
ponto de vista moral, ainda que elas possam não ter
base demonstrada, verificada. Seja como for, elas não
são imorais por causa disso. Eu posso ser crente em
alguma coisa que não seja verdadeira. Como disse o
próprio Ivanir, você pode orar para um poste, para uma
máquina de fotografar [pega a câmera de sobre a mesa
e mostra]. Esse é um direito seu. Ou você pode
acreditar num Deus mais elaborado.
Eu particularmente – não estou puxando o saco do
Ivanir, não – tenho uma simpatia muito maior pelo
Candomblé agora no meio do meu ateísmo – vejam
como são as coisas – do que pelo Deus cristão,
muçulmano ou judeu. Deuses que dançam - para mim -
são muito mais interessantes do que Deuses que julgam,
entendeu?
Agora, por isso mesmo é que eu digo o seguinte: Não
basta ser ateu, porque você pode ser ateu e
suficientemente idiota para ser homofóbico, para ser
antirreligioso, para ser machista, para ser xenófobo, para
ser uma série de outras coisas. Se você é ateu,
agnóstico, ou qualquer outra coisa, até mesmo crente em
alguma “coisa” e não é humanista, você não está nem
na metade do caminho para ser alguém que mereça ser
ouvido. Não está nem na metade do caminho. Você
precisa mesmo ter um compromisso com o humanismo
acima de tudo.
E o que eu quero dizer com ‘humanismo’? Eu quero
dizer aquela preocupação de que, independentemente das
pessoas terem outra vida, ou não, o que interessa é
essa vida. Vamos discutir essa. Se você acredita em
sete céus, num céu, não tem céu; se você acredita que
reencarna, não reencarna; se você acredita que reencarna
pra depois desencarnar e virar nada; se reencarna para
virar Deus, como crê o Induísmo; se reencarna para, de
repente, ir para outro plano, como diz o Espiritismo; e
vai por aí afora – isso é outra questão. O que interessa
para a gente agora é esse momento, é essa vida. Por
isso é que eu tenho que pensar em categorias
humanistas.
O Estado laico combina com o humanismo. O Estado
laico não combina com o fundamentalismo. Nem mesmo
com o fundamentalismo ateu. Não combina. Não deem
ouvidos a ateus que passam o tempo todo na Internet
debochando de religioso, mas não têm muito para dizer...
tanto quanto Silas Malafaia, e Feliciano, e outros aí não
têm muito para dizer sobre religião também. Agora, se
um ateu é humanista; se um agnóstico é humanista; se
um cético é humanista; se um crente em qualquer
divindade é humanista, então aqui nós temos uma pedra
de toque que pode ser ponto de convergência para
todos discutirem temas que realmente interessam, porque
o que interessa, no final das contas – para mim – é
saber se não sou só eu que estou comendo bem nessa
sociedade, mas se outros também estão se alimentando;
se não sou só que eu que estou sendo bem atendido
num hospital, mas se outros que também chegam ali
recebem atendimento; se não sou só eu que estou
recebendo educação, mas se outros chegam ali e
recebem educação também. E vai por ai afora.
Então, eu posso me colocar no lugar do outro e pensar
em categorias humanistas. Agora, se eu pensar em
categorias fundamentalistas, eu quero que o meu grupo
se dê bem e o resto que se dane; vá para o inferno.
E eu não vou nem esperar ir para o inferno, não. Vou
dar um empurrãozinho para ir mais rápido. Eu vou matar
homossexuais na esquina, porque esse cara é um
condenado. Eu vou matar candomblecistas e umbandistas
na favela – não vou nem deixar vestir branco – porque
é um condenado. E vai por aí afora.
Mas é aquela coisa: Se você começa a perseguir todos
os que são diferentes, não vai sobrar nem você, porque
você também é diferente de alguém. Ninguém é igual a
ninguém.
Então, o Estado laico abre espaço para isso: Como é
que eu faço para viver a pluralidade com as diferenças?
Mas não é tolerância que a gente quer, não. A gente
quer respeito. Porque tolerar significa o seguinte: Eu te
dou espaço, concedendo a você uma coisa que talvez
você nem mereça, mas como eu sou tão superior, tão
evoluído, eu vou conceder. Aproveite bem. Se pisar na
jaca, eu tiro. Isso é tolerância. Isso não presta também.
Pode ser bom – lógico – num país como o Irã, num
país como o Iraque, num país como – sei lá – como
Uganda, que estão perseguindo homossexuais lá a torto
e a direito. Mas, isso está longe de ser o ideal.
Quando você olha para a ex-União Soviética – a Rússia
e os países em volta – você vê muita homofobia
institucional. O que o Vladimir Putin está fazendo agora
é o repeteco de uma história de fascismo, literalmente –
como o Ivanir falou muito bem também. Putin tem falado
que os homossexuais não podem fazer propaganda.
Silenciar uma categoria, seja ela qual for, é condena-la à
não-existência, à marginalidade.
Quando Putin fala em propaganda, ele não está falando
que alguém vai chegar na televisão, e vai dizer: Olha,
para você que está vivendo infeliz, tenho uma solução
para você – homossexualidade; vai resolver todos os seus
problemas.
Não é desse tipo de coisa que Putin está falando. Isso
é um absurdo. O que ele está dizendo é que os LGBT
não podem se manifestar. Não podem sequer citar a
palavra ‘gay’.
Quatro holandeses foram presos na Rússia há pouco
tempo, porque foram fazer um documentário. Quer dizer,
eu não posso nem ter o direito de produzir conhecimento
sobre fatos, sobre realidade, sobre cultura, porque eu não
posso fazer ‘propaganda’. Fazer propaganda não é só
veicular propaganda; é produzi-la também, ainda que eu
não a veicule dentro da Rússia, porque estou usando a
Rússia como palco. E eles não querem isso.
Então, esse tipo de comportamento que o Vladimir Putin
está tendo agora, e que outros governos estão fazendo
também – o de Uganda, como eu disse antes. O do Irã,
então, nem se fala: adolescentes gays são enforcados
em praça pública. Agora, em pleno século 21!!! Isso é
inaceitável. [Adendo: e há evangélicos alimentando esse
ódio sistematicamente. Entenda como.]
Agora, o Brasil é um país que aprendeu a fazer as
coisas de um modo bem cínico. Eu não penduro em
praça pública, mas eu bato com lâmpada fluorescente na
cara no meio da Avenida Paulista. Então, a gente
precisa de um governo (governo é o braço executivo,
legislativo e judiciário do Estado), a gente precisa de um
governo que pense nessas coisas. Mas o governo não
se sensibiliza à toa. Se as massas não falarem, o
governo não se sensibiliza. Tem que vir da margem para
o centro mesmo. Porque não está tudo no centro. No
centro tem muitos interesses corporativos que impedem os
interesses das margens. E a gente está nas margens.
Ainda que possamos estar um pouco acima na pirâmide
social em relação a outros, a gente está muito abaixo
dos verdadeiros poderosos desse país em termos de
força. E a gente precisa ter voz.
Então, quando você ouvir alguém defender direitos LGBT,
não fique pensando que é privilégio, não, como esse
IMBECIL desse pastor televisivo fala toda hora. É público.
Por isso é que eu estou dizendo. Aparece toda hora na
televisão. Mas, não é privilégio. A vida não é privilégio.
A vida é direito básico. Respeito à individualidade é
direito básico.
Quando se fala em casamento é muito importante se
pensar o seguinte: É lindo o fato do Alexandre ter sido
chamado para celebrar o casamento de um casal gay e
chamar um Pai-de-Santo para participar, porque essas
pessoas acreditam no casamento como uma forma de
sacramento; uma coisa que santifica a relação. Mas,
casamento não é monopólio de igreja e nem religião
alguma. Casamento é direito civil. É o Estado que
regulamenta. E isso se dá porque o casamento tem uma
relação com bens, com direitos, com segurança. Uma
pessoa casada com outra, que constrói um patrimônio em
conjunto, quando elas se separam tem que haver uma
regulamentação que estabeleça, em caso de litígio, quem
fica com o quê. Eu não posso deixar alguém
desabrigado por causa de uma briguinha de casal. Eu
não posso deixar alguém levar tudo o que é meu, ou
eu levar tudo que é de alguém, e ninguém poder
discutir isso, porque não existe legislação para isso. Um
morre, e logo vem um parente e toma, e você está no
meio da rua.
Eu conheço um cara - gay também - que era casado
com um homem mais velho do que ele, com quem ele
viveu até a morte. Cuidou dele até morrer com todo o
carinho. Era uma pessoa extremamente carinhosa. Amava
esse homem. Ele ficou deprimido várias semanas depois
da morte dele. E ele foi expulso da própria casa, a
casa que ele montou junto com o parceiro dele, porque
a família do falecido chegou lá e colocou esse meu
amigo para fora. Por quê? Porque só estava registrado
no nome de um [o falecido] e não tinha ainda a
parceria civil como agora tem, graças ao Supremo
Tribunal Federal. Não graças ao Congresso brasileiro,
infelizmente. Mas ainda bem que há juízes que fazem
valer a Constituição brasileira. Agora é um direito
garantido. Você pode fazer a parceria civil e converter
em casamento, ou fazer o casamento direto no cartório,
graças ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que
regulamentou isso.
Então, não se está falando de privilégios. Está se
falando de existência. Está se falando de direitos básicos,
direitos fundamentais do ser humano. E se você fere um
direito; se você deixa um direito ser negociado, você
coloca em risco todos os outros direitos, porque não há
ninguém nem no céu, nem na terra, e nem debaixo da
terra garantindo esses direitos. A única coisa que garante
esses direitos é o diálogo democrático. É só isso. É
isso ou guerra. Ou a gente tem diplomacia, ou a gente
tem guerra. Não tem jeito. E, aí, na guerra você mata
um monte, mas também pode morrer, e ninguém está
garantido de coisa alguma do mesmo jeito. É a mesma
M. e talvez elevada à milésima potência.
Na política, pelo menos, a gente pode discutir, a gente
pode esclarecer esses direitos e procurar preserva-los.
Então, quando você vir os direitos de qualquer ser
humano garantidos, celebre. Eu celebro quando vejo os
direitos dos negros avançando; eu celebro quando eu
vejo os direitos das mulheres avançando; eu celebro
quando eu vejo a garantia da liberdade para as crenças
religiosas avançando, porque ela quer dizer também que
eu posso deixar de crer e não ser preso, como já
aconteceu no passado. Já houve ateus presos e até
mortos porque não criam. [Adendo: e ainda há pena de
morte. Saiba mais.]
Então, o que a gente tem que fazer é construir um país
que pense direitos, cidadania, respeito, pluralismo,
laicismo, e não um país que dê o braço ao
fundamentalismo, muitas vezes atrás de palavrinhas
bonitas “em nome da família, da moral e dos bons
costumes” e a cambada que faz isso é a cambada de
pilantras que já tem representantes presos, felizmente,
como aconteceu recentemente. Marcos Pereira é um
deles. Vivia derrubando os outros com o terno mágico
dele, o terno ungido. Está preso sob a acusação de
estupro. O Donadon também pastor, deputado, está preso
por corrupção. Então, essa história de que a família...
Ah, Magno Malta, um dos maiores inimigos dos LGBT
no Congresso, falando horrores, dizendo que o negócio é
o que dizem as Escrituras. Sabiam que ele separou da
mulher dele e se casou de novo com uma deputada
que também se separou do marido? E sabia que se eu
for levar ao pé da letra o que diz a Bíblia, eu vou ter
que dizer que os dois estão em adultério? E se o
adultério leva ao inferno como diz o Apocalipse, eles
estão condenados? O que Jesus disse foi que se
alguém repudiar sua mulher, exceto em caso de
adultério, ele comete adultério se casar de novo e a
repudiada também, casando com outro. Os dois
repudiaram seus parceiros e casaram-se. São adúlteros
de acordo com as Escrituras. Vamos falar das Escrituras
literalmente? Estão condenados, então. Eles estão
juntinhos comigo naquela passagem que fala que ficarão
de fora os sodomitas, os efeminados... os ADÚLTEROS.
Magno Malta, bem-vindo ao clube, bunita! (risos)
É, mas é esse tipo de gente que faz esse discurso. O
PSC? Olha, DEUS ME LIVRE – o ateu vai dizer agora.
A propaganda do PSC é uma vergonha. Os caras
vão lá e colocam: Em defesa da família. Eles nem
precisam usar a palavra LGBT. Eles falam nas
entrelinhas. Eles estão reafirmando apenas como família
apenas o casal heterossexual, monogâmico e com
filhinho. Só. Isso é uma estupidez. Ainda mais numa
sociedade plural como a nossa.
A gente precisa pensar num Estado laico, batalhar por
um Estado laico, não negociar esse Estado laico. E isso
não significa que os religiosos devam ficar fora da
política. Isso significa que argumentos religiosos que não
possam ser justificados por via da razão pública não
podem determinar o comportamento do Estado.
Agora, o Estado laico garantirá o direito de todos
cultuarem ou de não cultuarem; de crerem ou não
crerem; de escreverem a respeito de sua fé ou de
escreverem a respeito da falta dela. E está ótimo! Está
bom demais! O resto, a gente constrói com trabalho,
com dedicação e com união. Mas enquanto houver
tentativa de impor, seja a sexualidade, crença, a tentativa
de branquear a sociedade, a tentativa de banir as
religiões que não fazem parte do mainstream... Enquanto
isso acontecer, a nossa sociedade vai ser essa coisa
capenga, esquizofrênica, esquisita que a gente quer
chamar de ‘um país maravilhoso’, mas que está longe de
ser maravilhoso. A única coisa que a gente pode dizer
que, no Brasil, é fantástica, é a natureza - que estava
aqui muito antes da gente chegar. Depois que a gente
chegou aqui, isso aqui bagunçou. A gente está tentando
organizar até hoje. Já avançamos um pouco. Já estamos
melhores que alguns países aí, mas a gente está muito
aquém do melhor. E a gente se contenta com muito
pouco. Vamos começar a exigir mais e trabalhar por
mais. E respeitar o outro. Eu não tenho problema
nenhum em ir lá num churrasco de Exu e comer uma
carne deliciosa. Não tenho problema nenhum em ir a
uma beijada de Erê e comer um docinho maravilhoso.
Não tenho problema nenhum em ir à igreja do Alexandre
e ele orar por mim [Alexandre em tom de brincadeira:
Vou tirar Demônio dele]. [gargalhadas de Sergio e do
auditório]
Eles [os Demônios] nem dão bola. Entraram gostaram e
ficaram. Agora eles têm uso capião. [Sergio entra na
brincadeira]
Mas eu sei que se eles oram por mim, é porque
querem o melhor para mim. E eu fico feliz quando eles
podem ouvir também que não tenho crença, porque não
vejo razões plausíveis, verificadas, demonstradas, bem
arrazoadas para acreditar na existência de um Deus. Se
isso pode ser dito sem que alguém se ofenda e puxe
um navalha, então a gente está numa sociedade
civilizada. Se não, a gente ainda não saiu do tempo da
pedra, e talvez aquele homem da era da pedra fosse
melhor do que a gente. É isso aí, gente.
Auditório do IFRJ (Maracanã) – dia 03/09/13 – Foto: Sergio Viula
(APLAUSOS)
PERGUNTAS DO AUDITÓRIO:
Essa primeira fala de cada debatedor foi seguida por um
momento para perguntas do auditório e respostas dos
debatedores. Essa parte não foi transcrita devido ao fato
de que demandaria o dobro do tempo para ser
compilada.
Porém, as perguntas e as respostas podem ser ouvidas
a partir do minuto 1:08:09 do vídeo. Acesse o link:
http://www.youtube.com/watch?v=XZUlwka3x2w
TRANSCRIÇÃO, ÁUDIO-VÍDEO E PUBLICAÇÃO
REALIZADOS POR SERGIO VIULA E VEÍCULADOS NO
BLOG FORA DO ARMÁRIO EM PRIMEIRA MÃO. LINK:
http://www.foradoarmario.net/2013/09/video-e-transcricao-debate-
estado-laico.html
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Debate   estado laico e diversidade religiosa - ifrj

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Debate estado laico e diversidade religiosa - ifrj

  • 1. O debate sobre Estado Laico e Diversidade Religiosa aconteceu no auditório do IFRJ (Maracanã) no dia 03/09/12. O Professor Tiago Barros (Filosofia – IFRJ – Maracanã) foi quem organizou o debate juntamente com seus alunos. Participaram do debate o Babalawo Ivanir dos Santos, o Pastor Alexandre Cabral e Sergio Viula, ateu e administrador do blog Fora do Armário. Um representante da Igreja Católica também foi convidado, o Frei Isidoro Mazzarolo, mas ele foi convocado para uma reunião interna da Igreja e não pode comparecer. O vídeo é basicamente áudio, mas este não ficou perfeito. Por isso, a transcrição aqui apresentada. As perguntas e respostas não foram transcritas, mas podem ser ouvidas a partir do minuto 1:08:09.
  • 2. IVANIR DOS SANTOS Obs: Na carência de uma foto melhor, escolhi essa do programa Na Moral. FALA DE IVANIR Á MESA: Eu vou sair daqui correndo, porque tenho uma reunião com o Ministério Público para exigir do MP que dê garantia constitucional de liberdade de culto, que é uma função do Estado. Então, esse foi o motivo pelo qual nasceu a Caminhada pela Liberdade Religiosa. Mas esse motivo não é só pelo que aconteceu em 2008 (fechamento de terreiros por traficantes estimulados por pastores em algumas favelas do Rio). Infelizmente, a sociedade brasileira, quando se trata de religiões de matriz africana – e quando eu digo isso, refiro-me mais ao Candomblé, ao mesmo tempo que o pessoal de Umbanda – sabe o que é perseguição. Quando falam sobre essas pessoas, dizem que elas são macumbeiras. Fulano é do negócio. Só que macumba é um instrumento musical. Não tem nada a
  • 3. ver com religião. Macumbeiro é o cara que toca esse instrumento. Não é o religioso. Tudo aquilo que é confessado fora dos padrões da religião oficial é tido como demoníaco. E aí vai todo mundo que não é da matriz cristã. Mas, não são todos os cristãos que são assim. Então, o motivo da Caminhada tem a ver com isso, mas vocês sabem também que, não são todos os evangélicos, não vou generalizar, mas um determinado grupo de neopentecostais que se você resolve colocar o Zeca Pagodinho para ouvir em casa mais animado, o cara põe o Gospel dele mais alto do que o seu Zeca Pagodinho. (risos) Ou não é? Aí, se você coloca mais alto ainda, o cara aumenta ainda mais, porque é de Satanás. Aquilo ali é do Demônio. É disso que nós estamos falando: É de você não respeitar o direito do outro. Ou você achar que só vale o que está no seu Caminho. Se estiver no seu Caminho, você está maravilhoso, mas, se não, você já diz: Vai pro inferno. Quer dizer... A sociedade tem uma diversidade grande, não é? O Criador, quando criou o ser humano, deu a ele o livre arbítrio. Nós não temos livre arbítrio? Ele não disse qual é o Caminho. Ele disse é aqui ou lá? Ele não disse. Isso aí vai da interpretação das pessoas. É o ser humano que acredita daquela forma e diz que daquela forma é melhor. Mas, na verdade Ele não disse isso. Cada um segue da forma que toca seu coração. E o livre arbítrio tem uma coisa mais maravilhosa ainda: Até de você poder duvidar dEle. Você pode até acreditar
  • 4. que Ele não existe. É um direito que Ele te deu. Não posso te demonizar a partir disso. Você não acredita nEle, eu vou fazer o quê? Porque Ele te deu esse direito. O que eu estou chamando a atenção de vocês é que ninguém tem o direito de, a partir de sua fé religiosa, perseguir o outro porque não segue da forma como você compreende. É disso que nós vamos falar. Então, a Caminhada [em defesa da liberdade religiosa] tem esse motivo. Eu tenho uma chamada na Globo, não é? Porque a Caminhada é para todos, porque a Caminhada não é para convencer ninguém a entrar para a religião de ninguém. Não é esse o objetivo da Caminhada. A Caminhada são pessoas cidadãs que pedem que haja respeito. Porque você não respeita aquilo que não conhece. Se você não conhece, aquilo te mete medo. O preconceito faz você ficar afastado. Então, essa Caminhada é composta hoje de candomblecista, umbandista, kardecista, católico... Acabei de receber uma ligação, ainda há pouco, antes de vir para cá. Era da Arquidiocese do Rio, porque Dom Orani [Tempesta] deve ir abrir a Caminhada. Ele vai para a comitiva de imprensa comigo e deve abrir a Caminhada. Então, ele está retribuindo o gesto, porque o importante mesmo foi encontrar com o Papa. Você imagina? O Papa recebeu o Babalawo aqui, né? E com isso ele está dizendo para vocês que não pode discriminar. Se o Papa recebeu, não é? Não é assim
  • 5. que funciona? Não é você que não vai me receber, não é? Vai dizer que eu sou do Demônio? Ele não disse isso. Então, a Igreja Católica teve esse gesto que está sendo um gesto importante para a sociedade. E um detalhe nessa Caminhada, que eu estou achando muito bonita, é que vai aumentar o número de evangélicos. Eles nunca vão, na verdade. Quando vai, é um ou outro amigo evangélico, não é? O pastor sozinho mais dois, porque, como é que você vai explicar na sua igreja que você caminhou com aquela turma que é do Demônio? Aí, encrenca, né? (risos) Mas, aconteceu, não sei se vocês viram, que eu fui ao debate “Na Moral” [programa do Bial] com o Malafaia, né? Eu faço convite a ele para ir à Caminhada. Ele tá todo enrolado até agora para dizer se ele vai ou não. (risos) Mas, nós estamos esperando, não é? Porque nós não vamos discriminar ninguém. Esse é que é o ponto fundamental. Então, essa Caminhada tem justamente esse impacto, porque ela não é só de religiosos. Ela também é de quem não é religioso. É por cidadania. É um movimento parecido com o que Luther King fez nos Estados Unidos pelos direitos civis. Esse é que é o ponto. E o que Mandela também construiu na África do Sul contra o “apartheid”, contra o preconceito, contra a discriminação. É isso que nós buscamos. E por isso, ela tem crescido. Eu acho que ela já é uma conquista muito grande e a maior conquista é essa de eu estar aqui, porque minha agenda hoje está muito difícil. Eu vou sair daqui correndo, vou para uma reunião com os órgãos públicos e vim falar com os jovens, né? Eu sou pedagogo, sou
  • 6. educador, então eu disse: Eu tenho que ir lá. São jovens, imagina. Porque o jovem tem uma coisa muito bonita, não é? Eu tenho uma noção na minha vida que é o seguinte: A guerra do Vietnã - os jovens americanos se convenceram de que aquela guerra era uma atrocidade. Os jovens da Europa ajudaram muito a lutar contra o “apartheid”. Quando você acredita em alguma coisa, tem a cabeça mais aberta, porque está descobrindo como o mundo é grande, está ‘descobrindo a pólvora’, aí quando se engaja na luta, isso é muito bom. E vocês têm um papel muito importante e o que me preocupa é que cresce a discriminação religiosa nas escolas. Quando você tem uma escola que tem uma diretora neopentecostal, a primeira coisa que ela faz é dizer que todo mundo tem que ler um versículo da Bíblia. Só que o Estado é laico. Isso aqui [IFRJ] é laico. Vocês estão num espaço que é laico. Os funcionários aqui são funcionários públicos num Estado laico. Mas tem gente que confunde e quer impor sua religião a seus alunos. Ou discriminar outros alunos que não são da sua religião. Eu dou um exemplo: Tem escola pública que não tem mais festa junina, festa de São João. Chamam agora de festa do milho. Porque, na verdade, falou o nome do São João, já está lascado. Isso é um absurdo. Porque isso faz parte da cultura das pessoas. Você pode até, como religioso, dizer que seu filho não vai dançar ‘quadrilha’ por causa da sua religião. Você pode sinalizar a escola para isso, mas você não impor aos outros alunos a sua fé religiosa, a sua compreensão
  • 7. religiosa. Isso está acontecendo em várias escolas públicas. Aí, o menino que é evangélico começa a discriminar o outro que não é da sua religião. Isso está acontecendo nas escolas. Então, a juventude precisa entender que o Criador quando criou o primeiro homem... E pouca gente sabe que Ele o criou na África, não é? Uma vez eu estava conversando com um pastor e achei engraçado isso que quando eu falei isso para ele, ele ficou me olhando e eu perguntei: Mas não foi, não, pastor? Aí ele olhou para a minha cara e eu perguntei: Onde era o Éden? Aí, o pastor encheu o peito: “Era entre o rio Tigre e o rio Eufrates.” E eu perguntei: E nascem onde o rio Tigre e o rio Eufrates? Eles passam no Oriente Médio, mas não são lá. São na África. Então, não tem como você dizer que não era lá. E o continente africano é um continente extremamente diverso. Até hoje, é muito diverso, então Ele não criou só uma forma de você se relacionar. São povos que têm um pouco dessa visão – a visão do respeito e da compreensão. E o melhor da Caminhada é isso, porque a Caminhada não tem só coisas religiosas, mas também culturais: tem Capoeirista, tem Maculelê, tem Maracatu, tem gente de todo o país. Esse é um dado novo nessa Caminhada. Essa [do dia 06/09/13, cinco dias depois do debate], a gente não tem previsão, porque pela mobilização popular para a Caminhada, perdemos o controle, e o fato de você caminhar com o outro que não é da sua religião e poder entender o outro... tem os Wiccanos – aquela turma da bruxinha. Só entender
  • 8. que ali são pessoas que acreditam de forma diferente de você... Você vê o muçulmano e o judeu na Caminhada, enquanto lá no Oriente Médio tem tiro pra cá, briga pra lá, e você vê que religião é motivo de brigas e de ódios em alguns lugares, e aqui não é. E é isso que é o legado dessa Caminhada – essa diversidade, esse respeito, porque pelo fato de ser candomblecista, não posso discriminar uma pessoa que é evangélica. Quando eu fui ao debate [Na Moral], eu não esperava que fosse uma guerra: “Ih, rapaz, um candomblecista e o Malafaia... Vai sair tiro.” Não é assim que o pessoal pensa? “Ih, vai ter Demônio pra cá, o outro vai dizer que é seita pra lá.” (risos) Não era isso que o pessoal pensava? “Ih, vamos ver! Porque o negócio lá vai esquentar. O cara vai expulsar o Demônio.” Não é assim? (risos) Mas não foi assim que aconteceu. Porque, primeiro, o Criador não dá a ninguém o direito de falar assim dessa forma imperativa. Ele pode te usar como instrumento para falar uma mensagem dele, mas ninguém pode falar por Ele e dizer que é só assim. O debate mostrou isso claramente. Segundo, eu tinha que entrar naquele debate e passar para os evangélicos que eu respeito os evangélicos. Embora muitos deles não respeitem a minha religião, eu respeito. Então, se eu tratasse mal o pastor, soaria muito ruim, né? Então, eu tinha que mostrar uma
  • 9. postura de respeito, porque não era ele. Era o que ele representava como segmento religioso. Eu não podia agir com ele como eles agiam conosco. Tinha que ser pedagógico. Por isso que eu fui muito respeitoso. Eu tinha mais um motivo para isso. Pasmem vocês: Senão, eu não entrava em casa. Eu sou casado com uma evangélica. Para surpresa de vocês. Ela se chama Rute. A irmã se chama Ester. O irmão é Neemias. (risos) Velho Testamento puro. (mais risos) Eu estaria proibido de entrar em casa. Imaginem eu, um Babalawo, uma pessoa iniciada na África para Ifá [nome do oráculo Africano], o grande culto de Ifá; iniciado na Bahia para Orixá; casado com uma pessoa que foi criada na Assembleia de Deus. Só que agora ela virou batista, mas foi criada na Assembleia naquela época em que se usava cabelo até aqui, saia lá no chão e eram chamados de “os bíblias”, lembram? Então, eu tinha que, na verdade, pensar em tudo isso. Tudo isso era um modo preconceituoso de se referir a um evangélico. Eu pensava assim: Eu tenho que entrar em casa... E só para vocês entenderem, eu viajo todo ano para a Nigéria, porque eu tenho que prestar contas do meu Edé lá, a uma sociedade religiosa. Quando eu viajo, eu saio daqui, vou para Joanesburgo, para depois ir para Laos. Quando eu chego a Joanesburgo, está lá a minha Bíblia que ela botou ali. Eu digo: “Ih, caramba.” E ela: “É para você levar... [e mais não sei o quê].” Aí, quando eu volto, eu digo para ela: “Fiz um ebó para você ter uma vida melhor” [Ebó = oferenda dedicada a um Orixá]
  • 10. (risos). Você manda a Bíblia por um lado, eu faço um ebó por outro. E é assim. O que eu estou querendo dizer para vocês é: Quando você acredita, eu não posso achar que você vai orar por mim, e que isso vai ser uma coisa ruim. Não é essa a discussão. Eu não posso achar que se você acredita, você não pode dizer aquilo em que acredita, mas quando eu for dizer o que eu acredito, você também não terá o direito de dizer que aquilo é ruim. Entendeu o que eu estou dizendo? Essa é a diferença. O problema é quando você extrapola isso. Passa ao desrespeito: Você não respeita o outro e passa a falar para o outro como se você fosse a única verdade. Então, a Caminhada tem esse sentido didático. Ela tem crescido muito. A cada ano, ela cresce. Eu acho que esse ano ela tem um apelo popular maior. Eu acho que o debate mexeu com esse apelo popular. Os jovens, pelo que me falam da Internet – eu não sou de Internet – tem havido muita mobilização entre os jovens. E eu fico feliz com os ateus também que estão apoiando tudo isso. Eu fico feliz que uma escola como essa, na semana da Caminhada, faça uma conversa dessa. Eu não vim aqui para convencer ninguém a ir ali do lado, a virar em alguma coisa, a receber um Caboclo. Não é isso. (risos) Na verdade, o princípio da Caminhada é que as pessoas se respeitem. Tratem-se com carinho, porque um dos mandamentos que o africano Moisés - porque ele era africano; ele nasceu no Egito - tem gente que se esqueceu disso, que pensa que ele era o Charlton
  • 11. Heston, aquele loiro dos olhos azuis. (risos) Não era, não. Ele era um negão cheio de neguinhas atrás dele atravessando lá. (risos) Está lá na Bíblia: O cara não nasceu no Egito? O povo hebreu torna-se povo no Egito, onde foi escravo por 400 anos. Eles eram todos de tribos nômades. Um dia, estavam num lugar, outro dia estavam em outro. Eles vão se formar povo no Egito. Então, quando ele subiu ao monte para receber os mandamentos, um deles foi o quê? “Ama o próximo como a ti mesmo.” Não mandou odiar. Não mandou odiar. Uma pessoa que é cristã não pode disseminar o ódio. O ódio divide famílias. Eu conheço famílias hoje em que se alguém for casar na Igreja Católica e tiver alguém evangélico na família, não pode ir lá assistir o casamento. Que maluquice é essa? Que medo é esse? Eu conheço famílias em que o jovem vira neopentecostal e a primeira coisa que ele quer fazer é quebrar Nossa Senhora Aparecida – a Santa preta. Isso é um absurdo. Isso divide famílias. Religião nenhuma pode dividir família. Você pode ter sua opção religiosa, mas família é família. Então, eu chamo atenção para isso: Quando uma religião começa a dividir pessoas, ela não está funcionando bem. Não funciona bem. Cada um tem a sua praia. E até o não acreditar tem que ser respeitado por isso. Não pode ser discriminado e nem perseguido por essa razão. E esse é o motivo da nossa Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa no Estado Laico. Eu chamo atenção para isso: Funcionários públicos que tem religião, porque todo mundo tem a sua, que passam
  • 12. a querer impor sua visão religiosa para todos. Volto a dizer: O cara fala do que ele acredita. Eu, sendo uma pessoa educada, vou ouvi-lo. Posso seguir ou não. O que não pode é, porque eu não vou seguir, eu passar a dizer que é do Demônio. O mais triste de tudo isso é que as acusações de ‘Demônio’, ‘feiticeiro’, quem foi acusado de tudo isso? Quem? Cristo! Dizem – eu não tenho certeza, mas dizem – que ele era dos Essênios. E os Essênios eram herbalistas. Eram curadores. Engraçado, né? Os Essênios eram como um Babalawo, eram curadores, usavam as ervas para curar as pessoas. Eu lembro que uma vez, conversando com um Pastor, eu disse assim: Onde andou Cristo, Pastor, dos 13 aos 30? Aí, ele encheu o peito: “Não, Ivanir, tu não sabe, não, mas eu acho que ele estava aprendendo a levitar, a multiplicar o pão, a multiplicar o peixe...” Aí, eu disse: Ah, fazendo feitiço? (risos) Aí, ele tomou um susto. Porque, rapaz, para você isso é milagre... Por outro lado, é feitiço. Ou não é isso? Jesus também era feiticeiro. Vocês conhecem a história do julgamento. Ele foi justamente acusado disso – de fazer feitiço. Eu quero dizer para as pessoas que o Criador, quando quer te usar como instrumento, usa em qualquer religião em que você estiver. Em qualquer religião, ele cura a pessoa. Tem um cara sentado lá recebendo um Preto Velho, né? Quanta gente já foi à Umbanda e saiu curada? Seja o kardecista, seja o católico, seja o evangélico, onde Ele achar que vai fazer sua obra, Ele faz, e não escolhe o lugar.
  • 13. Então, eu quero chamar a atenção para o fato de que nenhuma religião tem o direito de se colocar acima de qualquer outra. Nenhuma. O que a gente não pode é brincar com a fé dos outros. Fé é ‘eu acredito’. Eu sempre digo brincando que se eu estiver ali e o cara estiver em frente a um poste dizendo ‘vai me curar, Ivanir’, eu vou ficar lá do lado dele. Talvez eu também receba a graça do poste, mas se o poste demorar muito, eu vou embora. Eu só não tenho o direito de ridicularizar o que ele está acreditando. Eu não tenho o direito de fazer isso. Então, na Caminhada, eu espero ver vocês lá no domingo. Vai ter um show do Dudu Nobre no final, para quem gosta. Vem muita gente de fora. Muita gente de outros estados. A Caminhada vai crescer muito. E muitos jovens. Nesse momento, vocês estão querendo acertar a manifestação. Não é assim que vocês estão? ‘Onde tem manifestação, eu tô mais ou menos’, mas quando começaram a quebrar... Na primeira, estava todo mundo animado. Mobilizou A, B e C, mas agora estão catando uma outra para ter uma Causa. O jovem é assim: está sempre buscando uma causa. E não tem uma só causa. Tem várias no Brasil que são importantes, é claro. Nessa, está em voga a democracia. Eu costumo dizer que esses grupos são fascistas. Esses grupos que fazem isso são fascistas. O fascismo começa assim: Você persegue um, depois você
  • 14. persegue o outro, e, finalmente, persegue a quem achou que não ia ser perseguido. Nós temos que ter um Estado Democrático de Direito, um Estado Laico, que respeite o direito de cada um de ser o que achar que tem que ser. Então, eu quero agradecer por terem me convidado. Fiz um esforço danado hoje. Pedi ao pessoal para colocar na agenda, porque vocês são jovens, vocês são esperança. Se, no Brasil, a gente não conseguir fazer o jovem entender que tem que ter uma visão mais aberta... Eu acho que isso é que é legal: essa inquietude de vocês. Essa inconformidade de vocês. Essa forma de ser solidário, isso é muito bom para a sociedade. Foi por isso que cancelei boa parte dos meus compromissos para estar com vocês, na esperança de que possamos fazer um mundo cada vez melhor. Axé e um abraço para todos vocês.
  • 15. Babalawo Ivanir dos Santos - Auditório do IFRJ - Foto por Sergio Viula (APLAUSOS) ALEXANDRE CABRAL OBS: Foto de outro evento por falta de outra melhor FALA DE ALEXANDRE À MESA Depois do show do meu Pai aqui ao lado, que é meu amigo... nós já tivemos muitas ocasiões na UERJ, muitos encontros promovidos pelo PROEPER, que é o Programa de Estudos e Pesquisas das Religiões. Nós fizemos parte de muitos eventos, às vezes, falando em momentos distintos. E minha admiração pelo Pai Ivanir só vem crescendo. Sobretudo, porque no Brasil, alguém de uma tadição afro-brasileira levantar a bandeira de unidade, de respeito ao próximo, da dignidade do ser humano, é
  • 16. raríssimo. Você tem na Bahia um dos personagens históricos, mas no Brasil hoje, o Ivanir é uma espécie de arauto da cultura de inclusão, de paz. E, ao lado, tenho meu amigo Sergio - que vai falar melhor dele - que se auto-intitula “ex-ex-gay”. É a coisa mais curiosa do mundo: um “ex-ex-gay” [Sergio interrompe jocosamente, dizendo: “Amo muito tudo isso!”] (gargalhadas) Ele é um grande amigo meu, hoje ateu, mas foi Pastor batista. Como ateu, ele foi lá na igreja duas vezes falar e eu fiquei preocupado, porque as pessoas quase se converteram por causa dele, porque ele falou tão bem sobre as implicações da negativas das leituras bíblicas no Brasil: homofobia e assim por diante. E lá na igreja tem tantos gays que as pessoas quase foram para o lado dele. (risos) Me perguntaram “qual é a igreja dele?” Eu respondi: Ele é ateu, rapaz. Não frequenta igreja. Já teve um dia. Eu queria começar falando desse tema a partir de três histórias minhas. A primeira é a história de um padre (não vou dizer o nome dele, porque se sair na Internet, eu tenho certeza que ele vai ser perseguido). Um padre jesuíta, antropólogo, trabalhávamos eu e ele na favela do Morro Santa Marta. Um belo dia, ele foi fazer a pesquisa dele de campo para o doutorado dele em antropologia – se eu não me engano, foi no México – e ele chegou para mim: “Alexandre, eu não tenho padre para ficar no meu lugar. Você celebraria no meu lugar?” Eu respondi: Cara, eu sou pastor presbiteriano, já perseguido, mas eu não vou me dar mal, não. Quem
  • 17. vai se dar mal é você. Era uma época em que o tráfico estava pesado – uma briga entre o Comando Vermelho e o Terceiro Comando. Não tinha como entrar lá. E ele chegou para mim e perguntou: “Você vai?” E não tinha como eu dizer não. Respondi: Vou, mas o que é que eu faço? Ele disse: “Ah, entrega uma mensagem.” Eu perguntei: Posso falar como católico? Eu estudei em seminário católico, quis ser padre jesuíta. Posso celebrar como um padre celebraria? Ele disse que sim. Eu celebrei igual a um padre, só não celebrei a Eucaristia, porque isso daria um problema para ele fora do comum. Durante um mês, toda sexta-feira, eu celebrava com eles, mas não podia chamar de Missa, porque não tinha Eucaristia. As pessoas foram vindo maciçamente. No final, me perguntaram se eu atenderia confissão. Eu disse: Eu não tenho esse poder, mas se vocês quiserem conversar comigo... “A gente pode conversar com você? Você nos passa alguma coisa? Tipo o equivalente à penitência católica?” Eu disse: Claro. Apesar de que eu não gosto muito de penitência, mas vá lá... Não gosto de culpa, não gosto dessas coisas. Quando eu saí de lá, voltou o padre. O padre me chamou, porque ia celebrar uma Missa em gratidão por esse favor de atender por ele. E ele falou: “Olha, eu gostaria de avisar a vocês que ele não é padre.” - Como assim? - “Ele é pastor presbiteriano.” E o pessoal começou a dizer “Então, traz ele pra cá pra ficar com a gente.” E aí o padre me disse: “Alexandre, você ensinou a eles sobre os documentos da Igreja, as leituras oficiais. Eles dizem que você citou o Concílio Vaticano
  • 18. II.” - que foi iniciado por João XXIII e terminado por Paulo VI - “Mas você foi mais católico que protestante.” Eu disse: Mas, aqui eu vim para ser católico e não para ser evangélico, que, aliás, é uma palavra inventada por Lutero. Segunda história minha: Um casal de homossexuais me procurou há alguns anos. Muito pobre. Um deles confeccionava roupas para uma escola de samba do grupo de acesso [Rio de Janeiro]. O segundo era cabelereiro, que é quase uma ‘profissão gay’. Antigamente era assim. As travestis e os homossexuais trabalhavam em salão. Eles me falaram assim: “Sabemos que o senhor é muito liberal. Duas ONGs nos indicaram o senhor para fazer nosso casamento.” Eu perguntei: Onde é que vai ser? Eles disseram: “Campo Grande.” (risos) Eu morava em Copacabana. “O senhor pega o caminho tal, pula não sei aonde, pega o cipó...” (risos) Saí 7:30 da manhã e cheguei às 10h. Me perdi e tudo. Quando eu chego lá, eu digo: Eu vim para o casamento. Estou procurando o fulano e o beltrano. Responderam: “Ah, é aqui.” Era um barraco sem piso e, dentro da casa, não tinha divisória. O banheiro era só uma toalha que dividia do resto da casa. E eu falei: Onde é que vai ser casamento? Me disseram: “Aqui nessa entrada.” Gente, sem brincadeira, não cabiam 10 pessoas. Eu perguntei: Quantas pessoas vêm. Eles disseram: “Ah, vem um pessoal lá do terreiro.” Eles eram candomblecistas. Eu perguntei: “Virá algum Babalorixá de vocês?” Eles disseram que já estava chegando.
  • 19. Eu perguntei o nome dele, e disse ‘Pai fulano, celebra comigo?’ Aí, vem a introjeção do preconceito legitimado pelos cristãos. Ele falou assim: “Essa celebração é cristã. É de vocês. Eu não posso participar dela.” Eu respondi assim: Mas, era você que deveria estar celebrando. Eles são filhos-de-santo do Candomblé. Eu é que sou o intruso aqui. Faz o seguinte: Eu dou uma palavra e você celebra o resto. E aí, os filhos-de-santo dele disseram: “A gente quer uma bênção cristã.” Aí, eu disse: Então, eu não celebro. Eu sou filho de Oxaguian com Iemanjá. E se eu não celebrar em nome desses dois, eu não celebro esse culto aqui. Ficou aquele clima na casa. O Pai-de-Santo falou: “Então, eu dou uma palavra.” Eu respondi: Então, chega aqui comigo. Eles botaram assim um monte de pedras, que era um lugar para eu ficar mais alto do que eles. Não sei o porquê dessa bobeira. (risos) Eles botaram assim um pano atrás de mim e, de repente, começaram a gritar uns bichos: “glalalá, glalalá, glalalá.” Tinha cinco galinhas brigando. (gargalhadas) Eu falei “meu Deus, o que é isso?” Um CD com músicas do Padre Marcelo Rossi que tocava. E me perguntaram se eu gostava? (risos) Eu disse: Claro que eu não gosto disso. Vocês podiam cantar em Yorubá, músicas do Candomblé, ou então MPB, que é muito mais bonita do que música Gospel. (risos) Chico Buarque, Vinícius de Moraes. Esse negócio de vitória, de Demônio, eu acho tudo isso um saco. Então, não vai ter música, disseram. Eu falei: Tá bem. Vamos celebrar. Quando acabou, eles não tinham um real para pagar a igreja e eu também não cobrei nada. Eles me
  • 20. agradeceram com um ‘bolo’ de papel toalha. Embaixo tinha coxinha, risole e quibe. Aí, eu falei assim para eles: “Eu não quero, porque eu não como isso. Se eu comer, vou me arrebentar até chegar em casa. São três horas de viagem. Posso passar mal. Aí, eles disseram um negócio bonito à beça: “Esse é o nosso trabalho que nós fizemos para o senhor.” Perguntei: “nosso trabalho” no sentido do Candomblé? Eles disseram: “Sim”. Eu respondi: Então, eu aceito. (risos) Essa foi a segunda história. A terceira história foi a seguinte: Uma menina ateia me procura em 2003, e me pergunta: “O senhor poderia celebrar meu casamento?” Olhei a agenda. Num sábado. Celebro. Em Botafogo. “Eu sou ateia.” – disse ela. Qual é o problema. Nós vamos celebrar o amor de vocês, não os dogmas da minha tradição. “Meu noivo também é” – acrescentou ela. Aí, chega ele. Eu pergunto: Por que vocês me procuraram? Não estou entendendo. Dois ateus e eu protestante. “Porque diziam que você aceitava ateus” – responderam. Realmente, isso é irrelevante para mim. Eu quero saber como é a história do amor de vocês. Ela responde: “Mas, eu sou ateia por causa do meu pai. Nós somos de família judaica. Meu pai se matou. Procuramos alguns sacerdotes e eles nos disseram que nós fomos amaldiçoados e que não abençoariam a nossa união.” Em 2009, o Brasil era o nono país com o maior índice de suicídios no mundo. E dizem as estatísticas – eu conversava com uma psiquiatra que estuda isso – que o
  • 21. Brasil é um dos países em que a curva de suicídios mais cresce no mundo. Eu falei para eles: Eu não estou entendendo o que tem o amor de vocês com a maldição... A resposta deles foi que se eles abençoassem a união, eles estariam corroborando essa maldição. Eu perguntei: Quem foi o idiota que falou isso? Não vou citar a tradição, porque existe mais de uma tradição religiosa entre eles. Eu falei: Vou fazer esse casamento. Quando eu chego, a avó dela é batista. Aí, ela chegou – e eu de estola sacerdotal que é assim que a tradição reformada faz, nada de terno e gravata que é idiotice americana, e disse assim: “Pastor, pelo amor de Deus, TACA Jesus neles.” (gargalhadas) “Taca Jesus neles.” Moral da história: Eu disse a ela: Eu vou falar de Jesus, mas de uma outra forma. Comecei o casamento dizendo assim: Gostaria de começar com uma pergunta de Carlos Drumond de Andrade em seu poema Amar: “Que pode uma criatura, senão entre outras criaturas amar? Amar e esquecer. Amar e malamar. Amar, desamar e amar, mas sempre, até de olhos vidrados, amar.” Eu comecei dizendo assim: Se a Bíblia diz que Deus é amor, isso quer dizer o seguinte: Que Deus tem o nome dos amantes. Portanto, quem ama não precisa nem se lembrar que Ele existe, porque sente Ele na história, costurando mundos diversos, que caminham com um passo só. Não falei de Deus a celebração inteira. A velha me amaldiçoou. Até hoje eu sinto a força. (risos)
  • 22. O casal ficou meu amigo. Casei a irmã dela. Casei a tia dela. A mãe dela era psicanalista, ateia por causa da questão lá do marido que se matou. Casei vários clientes dela também. Contei essas histórias, por quê? Porque somente um Estado Laico abre o campo para que a gente se obrigue a ouvir a diferença. Eu sou funcionário de um Instituto Federal também, que é o Colégio Pedro II, igual a esse, e fui professor da UERJ também, e eu dou graças a Deus, graças a Deus por trabalhar em instituições laicas, porque nelas nós temos espaço para que a discordância não seja motivos para legitimar práticas de ódio; para que as divergências possam entrar em convergência; e a gente possa saber que a vida é conflitiva. Ela é plural. E se não for assim, ela perde seu dinamismo. Somente o Estado laico, que não é ateu, que não impõe o ateísmo como uma espécie de prática de fé às avessas, somente um Estado laico nos permite ouvir as diferenças e crescer com elas, apesar dos grupos hegemônicos ainda serem cristãos. Segundo a UNB, nós temos três principais preconceitos no Brasil: Ex-presidiários, homossexuais e ateus. O Estado laico nos obriga a abrir os ouvidos a essas diferenças, porque ele tem que legislar e executar suas leis, não a serviço de maiorias numéricas, mas na possibilidade das divergências estarem em convivência. Um autor italiano diz que um bom Estado laico tem que pensar na possibilidade do ateísmo sempre. Eu traduzi
  • 23. um outro autor, que é homossexual, e acho que católico, maravilhoso da Itália. Ele diz uma coisa bonita: O Estado laico tem que legislar pensando que as pessoas têm a possibilidade de escolher o inferno. Ou seja, de não escolherem as práticas morais e ritualísticas e cúlticas das tradições majoritárias cristãs. Tem que legislar pensando nessa possibilidade. É claro que eu, como protestante, sou avesso a muitas das minhas tradições. Já fui expulso [de igreja], mas o que importa é que tem que ter espaço para isso. Os homossexuais hoje no Brasil – o país em que mais se mata homossexuais há cinco anos no mundo – nenhuma lei, nenhuma medida, ou seja, todas as medidas contra a homofobia que discriminem abertamente, como a lei Maria da Penha, por exemplo, as práticas de homicídios e perseguição a homossexuais, nenhuma delas foi votada por falta de anuência da bancada evangélica, porque a bancada evangélica hoje, em alguns lugares do país, chegou a 1/3 do quórum das Câmaras, das Assembleias, e assim por diante, e eles negociam votos para que essas medidas possam cair e não serem votadas. Isso quer dizer o seguinte: é que ainda falta ratificar esse caráter laico do Estado, porque as práticas ainda de perseguição aos candomblecistas, aos umbandistas, aos homossexuais, aos ateus ainda são uniformes na política brasileira. Saiu na revista Carta Capital esse ano uma matéria sobre as medidas da Frente Parlamentar Evangélica do país [eu posso falar abertamente porque sou dessa
  • 24. tradição. Estou falando da minha casa]. Eu estava lendo que eles propuseram no interior de São Paulo um banheiro gay para que homossexuais não se misturassem com o que eles consideram ‘homem’ e ‘mulher’. E isso a ser aplicado nas escolas. Mas, peraí... uma criança de cinco, seis anos, vai querer ir ao banheiro e, de repente, não pode. Isso é uma medida parlamentar... Mas essa revista Carta Capital documenta uma igreja, não vou citar o nome, que negocia 70% dos votos ao PSDB na última eleição se eles liberassem os impostos para o crescimento de algumas igrejas e organizações suas. Eles conseguem mais 200.000m2 para construir uma catedral com isenção de impostos e eles garantiram 80% dos votos. Voto de cabresto. Curral eleitoral. Isso quer dizer o seguinte: Nós, evangélicos, palavra inventada por Lutero, para se referir àqueles que eram livres, porque não seguiam os ditames do Papa, mas seguiam a liberdade do evangelho que se manifesta na consciência humana. Essa palavra hoje significa justamente a antítese do diálogo e da liberdade. Estou falando da prática da maior parte, porque sei das exceções. Isso quer dizer que é preciso ratificar o caráter laico do Estado, porque os negros até o século dezoito nesse país eram chamados de ‘macacos sem rabo’. E a Igreja oficial em Roma dizia que eles não tinham alma humana, a não ser que fossem batizados nas colônias cristãs. Se um senhor de engenho batizasse um negro, ele se tornava humano.
  • 25. No século dezenove, tem uma carta entre um padre no Rio e de um Bispo na Bahia em que ele diz assim: Está havendo muitas revoltas aqui ao meu redor. O que eu faço, senhor Bispo, para contê-las? O Bispo responde: Lembre a eles que hoje eles gritam por liberdade e podem ser livres hoje, mas porque não são humanos, não ganham a eternidade amanhã. Mas, se forem presos hoje, tornando-se cristãos, podem ser livres eternamente após a morte. É isso. É o medo. Muitos dos negros eram muçulmanos quando entraram no país. Muitos mantiveram sua cultura, seu culto aos Orixás. Aqui no Brasil, eles são demonizados, e nós, evangélicos, somos os principais responsáveis, desde a metade do século vinte até hoje, pela demonização. Em Nilópolis houve uma pesquisa sobre a diminuição de terreiros e centros de Candomblé e Umbanda. Mais de 70% de diminuição em alguns lugares por causa das investidas maciças de muitos evangélicos. Perto da minha casa no Flamengo, na Rua Bento Lisboa, a Tenda Espírita da Umbanda, um grupo de evangélicos entrou lá (tá no Youtube a fala de uns deles). O que foi que eles fizeram? Eles ajudaram a libertar aquele povo dos seus ídolos e Demônios (tom sarcástico). QUEBRARAM o centro. Em nome de quem? Em nome de Jesus. Um camarada que na lei judaica foi morto como herege, um blasfemo. E de acordo com a lei romana, ele era um insubmisso político, conforme os relatos dos Evangelhos. Quer dizer, um cara que morreu
  • 26. com uma dupla exclusão. Nunca foi cristão. Sempre foi judeu. A mãe dele nunca foi cristã. Sempre foi judia. Os primeiros ‘cristãos’ morreram como judeus, não como cristãos, mas em nome desse camarada, que foi um excluído, talvez o maior do Ocidente, é que você pratica novas crucificações. O Estado laico, nesse sentido, dizem os autores, preserva o único sentimento cristão que vale a pena: A ideia de que não são mais necessárias as crucificações. Ou seja, não há mais espaço nos países de civilização moderna para a política ‘democrática’ de novas cruzes. Se o nosso voto das mulheres no Brasil só se deu na década de 1930, entre os muçulmanos, na maior parte de seus povos, o voto feminino se deu a partir do século 12. Quem é o fundamentalista? Ah, não tudo bem. A Bíblia manda perseguir homossexuais do sexo masculino, mas manda não usar barba; manda apedrejar homem que não tem barba; e manda não comer... ca-ma-rão! (risos) Manda a mulher menstruada ficar dentro do seu quarto, e não tocar as paredes até às 7 horas da noite. Se ela tocar as paredes, são mais sete dias de clausura. Quem pratica isso? Significa que a mensagem do amor não foi bem entendida, mas todas as oportunidades de discriminar certos grupos para a legitimação, geralmente do homem, portanto do sexo masculino, acima de 30 anos, sacerdote, com uma moral sacerdotal - esses foram os elementos privilegiados. Então, nós temos recortes bíblicos que seguem interesses de grupos que se tornaram
  • 27. majoritários, mesmo que quantitativamente menores, mas a lei deles é a lei da nossa história até hoje. Se a gente não garante a laicidade do Estado, a gente vai ser obrigado a ter novas caças às bruxas. Uma nova caça às bruxas: novos Demônios sendo perseguidos, novas práticas de exclusão, novos gays sendo assassinados, e todo mundo cinicamente dizendo que é isso que Deus quer. Espero que vocês não queiram, e que Deus somente queira a nossa liberdade. Obrigado. Pastor Alexandre Cabral diante do auditório do IFRJ (Maracanã) – dia 03/09/13 – Foto: Sergio Viula (APLAUSOS)
  • 28. SERGIO VIULA OBS: Foto de outro evento por falta de outra melhor FALA DE SERGIO À MESA Alexandre merece mesmo [os aplausos]. Ele é um pastor fantástico. Eu gosto muito dele. Tive o privilégio de conhecê-lo já tem algum tempo e já estive na igreja dele umas quatro ou cinco vezes. Já fui umas quatro ou cinco vezes lá. Eu é que quase me converti na igreja ou me re-converti. Mas, é o que disse ao povo dele: Olha, se alguém se converter ao ateísmo aqui, vai para o inferno. Então, por favor, fiquem longe. (risos) Porque, quando eu fui à igreja do Alexandre, a minha intenção era realmente dialogal. Era de trocar ideias, era de conversar. E isso que ele falou – que não fica cantando lá corinho, hino evangélico, canção gospel – é verdade.
  • 29. Era uma ou outra canção selecionada. A maior parte das músicas do hinário que eles produziram para a igreja é Caetano Veloso, é Chico Buarque, Gal Costa, Maria Betânia, Ney Matogrosso. (risos) É verdade, eles adoram a Deus com música desse tipo. Eu achei fantástico. Eu fiquei impressionado com a igreja. E é uma igreja muito amorosa, muito querida. Com relação ao Candomblé, eu não preciso nem falar, né? O Ivanir realmente é uma pessoa que é uma estrela. Não digo isso no sentido artístico; é uma estrela porque tem brilho próprio mesmo. Ele é fantástico. A forma dele se colocar nesse programa [Na Moral] me tocou muito. Adicionei-o como amigo no Facebook e mandei mensagem pra ele (risos). E como o Alexandre falou, eu fui pastor batista realmente. Eu trabalhei muito tempo com a Igreja Batista [mesmo antes de ser batista]. Eu tive um envolvimento profundo. Quem me ouve hoje não consegue me imaginar pastor, porque nem eu mesmo consigo mais me ver pastor. Quando eu falo “fui pastor”, isso soa tão distante de mim hoje. E aqui não vai nenhuma crítica ao Alexandre como pastor, não, porque ele é um pastor de um gênero diferente. Mas, aquele Sergio que era pastor batista era muito fundamentalista. Meu Deus do céu, quando eu falo sobre fundamentalismo hoje, tem gente que acha que eu estou falando sobre fundamentalismo como que de fora, como alguém de fora, que nunca soube o que era ser crente, muito menos batista, por exemplo, e está falando porque tem algum recalque,
  • 30. algum ressentimento, alguma vingança... (risos) Por que é que eles pensam que viado sempre é babadeiro, hein? (mais risos) Tudo tem fofoca, confusão, barulho, gritaria. Eu fico passado com isso. Na realidade, quando eu falo a respeito do fundamentalismo, eu falo sobre isso porque eu tive experiência profunda com isso. Não só no sentido de falar, de defender, mas também de ser ferido pelo fundamentalismo. Eu sei quanto dói na carne da gente acreditar em certas coisas e depois perceber que elas eram falaciosas, mentirosas e até maldosas. E também o quanto dói nos outros que acreditaram em você. Isso não quer dizer que eu esteja jogando o bebê com a água fora, não. Uma pessoa pode ser batista, presbiteriana, reformada em geral, pode ser pentecostal de qualquer denominação, e ser uma pessoa maravilhosa. Eu virei para a minha mãe uma vez, que frequenta a Igreja Evangélica Maranta, aquela do Paulo César Brito, e falei: Mãe, quer saber de uma coisa? Nessa questão aqui (a senhora e a igreja), quem ganha é a igreja em ter a senhora lá dentro. Não é a senhora, por estar lá dentro, que sai ganhando. Quando a senhora vai para a igreja, a senhora leva consigo uma herança, um acervo existencial de bondade, de hospitalidade, de carinho, de respeito ao outro que só enriquece a igreja, porque se gente como a senhora saísse da igreja, não sobraria nada que prestasse. Ainda bem que a senhora está lá e mais um bando de gente igual à senhora - muita gente boa mesmo. Gente que é capaz de tirar a roupa do corpo para cobrir o nu, fazendo aquilo Jesus ensinou:
  • 31. “Toda vez que o fizeste a um destes pequeninos a mim o fizeste.” Ele se referia a vestir, alimentar, visitar. Pois bem, a minha mãe é assim. E como ela, eu conheço um monte de gente da igreja dela que me viu com 16 anos, quando me converti à Igreja Evangélica. E quando eu digo “me converti à Igreja Evangélica” sempre tem alguém para me perguntar: “Mas você não se converteu a Jesus?” Tanto faz o termo que você use. O que eu quero estabelecer aqui é um momento de diferença: Eu era católico e passei a ser evangélico. Se você for pensar que Jesus está aqui e está ali, eu não sei se se pode dizer que deixar de ser católico e passar a ser evangélico signifique converter-se a Jesus, não é? A menos que você diga que o católico não serve a Jesus. E isso também é complicado do ponto de vista do pluralismo religioso. Então, quando eu me converti ao Evangelicalismo, primeiro pentecostal e depois tradicional, eu me tornei uma pessoa que vestia a camisa com tudo. Eu comprei o boi inteiro. Não deixei o rabo de fora ou o chifre de fora. Levei tudo para casa. E eu comecei a aplicar aqueles princípios todos, com a maior honestidade, na minha vida. Ao ponto de muito cedo me envolver com o trabalho missionário. Deixar um emprego aqui na Petróleo Ipiranga, aqui do lado, para trabalhar como missionário voluntário. Não tinha um centavo envolvido. Todo o apoio financeiro que viesse para o trabalho era dado pela igreja voluntariamente. E por isso mesmo não se podia contar com isso com toda a certeza. E aí entra aquela coisa de fé, não é? Eu vou, porque Deus mandou. Vou
  • 32. pela fé. Vou fazer a obra de Deus e tal, pregar o Evangelho. E, realmente, tive algumas experiências incríveis tentando levar a Palavra de Deus – como eu também a chamava – às pessoas que ainda não tinham ouvido, pelo menos daquela maneira que eu achava que devia ser pregada. Esse era mais um sinal de fundamentalismo. Mas, posso dizer que era muito bem intencionado. Por isso, eu ainda vejo hoje, mesmo em pessoas muito fundamentalistas, religiosamente falando, um quê de honestidade. Digo algumas, não todas. Esses pastores vedetes que você vê aí na televisão - esses caras - não têm nenhuma boa vontade e nem boa intenção. Não se engane. Eu conheço os bastidores. Já fui pastor. Eu lidei com essa gente. Eles não têm nenhuma boa intenção. Agora, o pessoal que ouve, acredita e segue é como aquele Sergio Viula com 16 anos que entrou na ABI (Associação Brasileira de Imprensa [tinha um culto da Maranata lá, às quartas-feiras]), ouviu uma pregação, acreditou honestamente e investiu a vida toda, seguindo aquele versículo de Jesus: O Reino de Deus é semelhante a um homem que, encontrando um tesouro num campo, vai e vende tudo o que tem e compra aquele terreno. Ou como um homem que encontra uma pérola de grande valor, vende tudo o que tem e a compra. E foi mais ou menos isso: Eu investi a vida toda, empatei a vida toda na igreja [ênfase do debatedor]. E eu saí da igreja, não foi porque eu era gay. Isso é importante colocar. Tem gente que pensa “o
  • 33. cara queria soltar a franga e saiu da igreja. Trocou o Cordeiro pela franga.” (risos) Mas não foi isso. Na verdade tem muita gente gay que é crente. Aliás, vou dizer uma coisa para vocês: Tem mais gente gay na igreja do que na Parada Gay. A Parada Gay está cheia de hétero que vai ali e fica de olho nas garotinhas: Olha que gostosinha! Será que é sapatão? Será que não é? Querendo dar em cima. (risos) É... Tá cheio de machinho querendo pegar umazinha. E tem umas garotinhas que vão lá também, porque tem uns caras bem gostosos na Parada Gay, não é? (risos) Elas tentam, não é? Vai que... Marcelo Antony... [referindo-se ao personagem dele em Amor à Vida]... (gargalhadas). Então, tem mais gente hétero numa Parada Gay do que você imagina, mas também tem mais gente gay dentro da igreja do que talvez na Parada Gay. Tudo enrustido. Tudo enrustido. E alguns resolvidos. Alguns já entenderam que o que eles são, eles são e pronto! Se eles querem acreditar em Deus e servir a Deus, isso é outra história. E podem continuar lá, servindo numa boa. Mas eu quando saí da igreja, saí por outras questões. Foram questões filosóficas mesmo, teológicas. Eu passei a descrer que houvesse uma razão que fosse plausível, que pudesse ser verificada, que pudesse ser demonstrada para que eu acreditasse que esse Deus e não qualquer outro era o Deus verdadeiro. Quando eu comecei a questionar isso, eu abri questionamentos para pensar em todos os outros Deuses também. Será que qualquer um
  • 34. dos outros é verdadeiro no sentido de que é tão real quanto essa água que eu bebo [o debatedor ergue o copo de sobre a mesa], só que de outra substância? Essa era a questão. Quando eu saí da igreja há 10 anos atrás, eu fui muito honesto com a igreja. Eu disse exatamente por que era que eu a estava deixando. Os pastores, meus amigos, que vinham conversar comigo ficavam perplexos e perguntavam: “Mas, Sergio, você não tem medo do inferno, não?” Recorrem logo ao inferno quando não têm argumento, não é? “Você não tem medo de ir para o inferno, preocupação de não entrar no céu?” Eu dizia para eles o seguinte: Olha, primeiro, eu não tenho razão plausível, verificável, para acreditar que esse inferno de que vocês estão me falando seja mais real do que o Tártaro grego, ou – sei lá – que o Olimpo, ou o Hades. Entendem? Não tenho motivo para pensar que seja melhor. Eu não tenho razão para acreditar que Jeová é melhor do que Zeus. Eu não tenho razão para acreditar que Jesus é mais verdadeiro, como divindade, que Hércules ou outro semideus qualquer lá da Grécia. Então, eles ficavam sem argumento realmente. O que eles podiam dizer pra mim? Repetir o que a Bíblia fala? Já sei. E isso não prova nada. Agora, eu não estava pedindo a ninguém para se converter ao ateísmo. Até porque, para mim, o ateísmo
  • 35. não é fé. Não é matéria de fé. Você pode ser ateu simplesmente por rebeldia, como esse casal judeu [referindo-se ao casal que o Pastor Alexandre mencionou anteriormente]. Tipo: Estou revoltado com o rabino, então Deus que vá para o inferno. Não quero mais saber. Este é o ateísmo que não tem fundamento, não tem base. Ele é totalmente emocional. Tão emocional quanto a maior parte das fés que vocês veem por aí. Sem nenhum substrato racional ou argumentativo. É apenas reação. Agora, eu pensava de uma forma um pouco mais ‘pesada’ em relação a isso. Eu não estava magoado com a igreja, e por isso não queria saber de Deus. Não. Eu não tinha razão para acreditar em Deus. Dizer que a natureza é linda, e que ela é testemunho de Deus, não é suficiente. Porque o cara que é ufólogo vai me dizer que a natureza é testemunho de que os ETs estiveram aqui e que plantaram tudo isso aí, ou soltaram qualquer organismo unicelular, microscópico, que foi evoluindo até chegar ao que Darwin descobriu. Isso tudo não passa de mais uma crença. Agora, as crenças não são erradas em si mesmas do ponto de vista moral, ainda que elas possam não ter base demonstrada, verificada. Seja como for, elas não são imorais por causa disso. Eu posso ser crente em alguma coisa que não seja verdadeira. Como disse o próprio Ivanir, você pode orar para um poste, para uma máquina de fotografar [pega a câmera de sobre a mesa
  • 36. e mostra]. Esse é um direito seu. Ou você pode acreditar num Deus mais elaborado. Eu particularmente – não estou puxando o saco do Ivanir, não – tenho uma simpatia muito maior pelo Candomblé agora no meio do meu ateísmo – vejam como são as coisas – do que pelo Deus cristão, muçulmano ou judeu. Deuses que dançam - para mim - são muito mais interessantes do que Deuses que julgam, entendeu? Agora, por isso mesmo é que eu digo o seguinte: Não basta ser ateu, porque você pode ser ateu e suficientemente idiota para ser homofóbico, para ser antirreligioso, para ser machista, para ser xenófobo, para ser uma série de outras coisas. Se você é ateu, agnóstico, ou qualquer outra coisa, até mesmo crente em alguma “coisa” e não é humanista, você não está nem na metade do caminho para ser alguém que mereça ser ouvido. Não está nem na metade do caminho. Você precisa mesmo ter um compromisso com o humanismo acima de tudo. E o que eu quero dizer com ‘humanismo’? Eu quero dizer aquela preocupação de que, independentemente das pessoas terem outra vida, ou não, o que interessa é essa vida. Vamos discutir essa. Se você acredita em sete céus, num céu, não tem céu; se você acredita que reencarna, não reencarna; se você acredita que reencarna pra depois desencarnar e virar nada; se reencarna para virar Deus, como crê o Induísmo; se reencarna para, de repente, ir para outro plano, como diz o Espiritismo; e
  • 37. vai por aí afora – isso é outra questão. O que interessa para a gente agora é esse momento, é essa vida. Por isso é que eu tenho que pensar em categorias humanistas. O Estado laico combina com o humanismo. O Estado laico não combina com o fundamentalismo. Nem mesmo com o fundamentalismo ateu. Não combina. Não deem ouvidos a ateus que passam o tempo todo na Internet debochando de religioso, mas não têm muito para dizer... tanto quanto Silas Malafaia, e Feliciano, e outros aí não têm muito para dizer sobre religião também. Agora, se um ateu é humanista; se um agnóstico é humanista; se um cético é humanista; se um crente em qualquer divindade é humanista, então aqui nós temos uma pedra de toque que pode ser ponto de convergência para todos discutirem temas que realmente interessam, porque o que interessa, no final das contas – para mim – é saber se não sou só eu que estou comendo bem nessa sociedade, mas se outros também estão se alimentando; se não sou só que eu que estou sendo bem atendido num hospital, mas se outros que também chegam ali recebem atendimento; se não sou só eu que estou recebendo educação, mas se outros chegam ali e recebem educação também. E vai por ai afora. Então, eu posso me colocar no lugar do outro e pensar em categorias humanistas. Agora, se eu pensar em categorias fundamentalistas, eu quero que o meu grupo se dê bem e o resto que se dane; vá para o inferno. E eu não vou nem esperar ir para o inferno, não. Vou
  • 38. dar um empurrãozinho para ir mais rápido. Eu vou matar homossexuais na esquina, porque esse cara é um condenado. Eu vou matar candomblecistas e umbandistas na favela – não vou nem deixar vestir branco – porque é um condenado. E vai por aí afora. Mas é aquela coisa: Se você começa a perseguir todos os que são diferentes, não vai sobrar nem você, porque você também é diferente de alguém. Ninguém é igual a ninguém. Então, o Estado laico abre espaço para isso: Como é que eu faço para viver a pluralidade com as diferenças? Mas não é tolerância que a gente quer, não. A gente quer respeito. Porque tolerar significa o seguinte: Eu te dou espaço, concedendo a você uma coisa que talvez você nem mereça, mas como eu sou tão superior, tão evoluído, eu vou conceder. Aproveite bem. Se pisar na jaca, eu tiro. Isso é tolerância. Isso não presta também. Pode ser bom – lógico – num país como o Irã, num país como o Iraque, num país como – sei lá – como Uganda, que estão perseguindo homossexuais lá a torto e a direito. Mas, isso está longe de ser o ideal. Quando você olha para a ex-União Soviética – a Rússia e os países em volta – você vê muita homofobia institucional. O que o Vladimir Putin está fazendo agora é o repeteco de uma história de fascismo, literalmente – como o Ivanir falou muito bem também. Putin tem falado que os homossexuais não podem fazer propaganda. Silenciar uma categoria, seja ela qual for, é condena-la à não-existência, à marginalidade.
  • 39. Quando Putin fala em propaganda, ele não está falando que alguém vai chegar na televisão, e vai dizer: Olha, para você que está vivendo infeliz, tenho uma solução para você – homossexualidade; vai resolver todos os seus problemas. Não é desse tipo de coisa que Putin está falando. Isso é um absurdo. O que ele está dizendo é que os LGBT não podem se manifestar. Não podem sequer citar a palavra ‘gay’. Quatro holandeses foram presos na Rússia há pouco tempo, porque foram fazer um documentário. Quer dizer, eu não posso nem ter o direito de produzir conhecimento sobre fatos, sobre realidade, sobre cultura, porque eu não posso fazer ‘propaganda’. Fazer propaganda não é só veicular propaganda; é produzi-la também, ainda que eu não a veicule dentro da Rússia, porque estou usando a Rússia como palco. E eles não querem isso. Então, esse tipo de comportamento que o Vladimir Putin está tendo agora, e que outros governos estão fazendo também – o de Uganda, como eu disse antes. O do Irã, então, nem se fala: adolescentes gays são enforcados em praça pública. Agora, em pleno século 21!!! Isso é inaceitável. [Adendo: e há evangélicos alimentando esse ódio sistematicamente. Entenda como.] Agora, o Brasil é um país que aprendeu a fazer as coisas de um modo bem cínico. Eu não penduro em praça pública, mas eu bato com lâmpada fluorescente na cara no meio da Avenida Paulista. Então, a gente
  • 40. precisa de um governo (governo é o braço executivo, legislativo e judiciário do Estado), a gente precisa de um governo que pense nessas coisas. Mas o governo não se sensibiliza à toa. Se as massas não falarem, o governo não se sensibiliza. Tem que vir da margem para o centro mesmo. Porque não está tudo no centro. No centro tem muitos interesses corporativos que impedem os interesses das margens. E a gente está nas margens. Ainda que possamos estar um pouco acima na pirâmide social em relação a outros, a gente está muito abaixo dos verdadeiros poderosos desse país em termos de força. E a gente precisa ter voz. Então, quando você ouvir alguém defender direitos LGBT, não fique pensando que é privilégio, não, como esse IMBECIL desse pastor televisivo fala toda hora. É público. Por isso é que eu estou dizendo. Aparece toda hora na televisão. Mas, não é privilégio. A vida não é privilégio. A vida é direito básico. Respeito à individualidade é direito básico. Quando se fala em casamento é muito importante se pensar o seguinte: É lindo o fato do Alexandre ter sido chamado para celebrar o casamento de um casal gay e chamar um Pai-de-Santo para participar, porque essas pessoas acreditam no casamento como uma forma de sacramento; uma coisa que santifica a relação. Mas, casamento não é monopólio de igreja e nem religião alguma. Casamento é direito civil. É o Estado que regulamenta. E isso se dá porque o casamento tem uma relação com bens, com direitos, com segurança. Uma
  • 41. pessoa casada com outra, que constrói um patrimônio em conjunto, quando elas se separam tem que haver uma regulamentação que estabeleça, em caso de litígio, quem fica com o quê. Eu não posso deixar alguém desabrigado por causa de uma briguinha de casal. Eu não posso deixar alguém levar tudo o que é meu, ou eu levar tudo que é de alguém, e ninguém poder discutir isso, porque não existe legislação para isso. Um morre, e logo vem um parente e toma, e você está no meio da rua. Eu conheço um cara - gay também - que era casado com um homem mais velho do que ele, com quem ele viveu até a morte. Cuidou dele até morrer com todo o carinho. Era uma pessoa extremamente carinhosa. Amava esse homem. Ele ficou deprimido várias semanas depois da morte dele. E ele foi expulso da própria casa, a casa que ele montou junto com o parceiro dele, porque a família do falecido chegou lá e colocou esse meu amigo para fora. Por quê? Porque só estava registrado no nome de um [o falecido] e não tinha ainda a parceria civil como agora tem, graças ao Supremo Tribunal Federal. Não graças ao Congresso brasileiro, infelizmente. Mas ainda bem que há juízes que fazem valer a Constituição brasileira. Agora é um direito garantido. Você pode fazer a parceria civil e converter em casamento, ou fazer o casamento direto no cartório, graças ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que regulamentou isso.
  • 42. Então, não se está falando de privilégios. Está se falando de existência. Está se falando de direitos básicos, direitos fundamentais do ser humano. E se você fere um direito; se você deixa um direito ser negociado, você coloca em risco todos os outros direitos, porque não há ninguém nem no céu, nem na terra, e nem debaixo da terra garantindo esses direitos. A única coisa que garante esses direitos é o diálogo democrático. É só isso. É isso ou guerra. Ou a gente tem diplomacia, ou a gente tem guerra. Não tem jeito. E, aí, na guerra você mata um monte, mas também pode morrer, e ninguém está garantido de coisa alguma do mesmo jeito. É a mesma M. e talvez elevada à milésima potência. Na política, pelo menos, a gente pode discutir, a gente pode esclarecer esses direitos e procurar preserva-los. Então, quando você vir os direitos de qualquer ser humano garantidos, celebre. Eu celebro quando vejo os direitos dos negros avançando; eu celebro quando eu vejo os direitos das mulheres avançando; eu celebro quando eu vejo a garantia da liberdade para as crenças religiosas avançando, porque ela quer dizer também que eu posso deixar de crer e não ser preso, como já aconteceu no passado. Já houve ateus presos e até mortos porque não criam. [Adendo: e ainda há pena de morte. Saiba mais.] Então, o que a gente tem que fazer é construir um país que pense direitos, cidadania, respeito, pluralismo, laicismo, e não um país que dê o braço ao fundamentalismo, muitas vezes atrás de palavrinhas
  • 43. bonitas “em nome da família, da moral e dos bons costumes” e a cambada que faz isso é a cambada de pilantras que já tem representantes presos, felizmente, como aconteceu recentemente. Marcos Pereira é um deles. Vivia derrubando os outros com o terno mágico dele, o terno ungido. Está preso sob a acusação de estupro. O Donadon também pastor, deputado, está preso por corrupção. Então, essa história de que a família... Ah, Magno Malta, um dos maiores inimigos dos LGBT no Congresso, falando horrores, dizendo que o negócio é o que dizem as Escrituras. Sabiam que ele separou da mulher dele e se casou de novo com uma deputada que também se separou do marido? E sabia que se eu for levar ao pé da letra o que diz a Bíblia, eu vou ter que dizer que os dois estão em adultério? E se o adultério leva ao inferno como diz o Apocalipse, eles estão condenados? O que Jesus disse foi que se alguém repudiar sua mulher, exceto em caso de adultério, ele comete adultério se casar de novo e a repudiada também, casando com outro. Os dois repudiaram seus parceiros e casaram-se. São adúlteros de acordo com as Escrituras. Vamos falar das Escrituras literalmente? Estão condenados, então. Eles estão juntinhos comigo naquela passagem que fala que ficarão de fora os sodomitas, os efeminados... os ADÚLTEROS. Magno Malta, bem-vindo ao clube, bunita! (risos) É, mas é esse tipo de gente que faz esse discurso. O PSC? Olha, DEUS ME LIVRE – o ateu vai dizer agora. A propaganda do PSC é uma vergonha. Os caras
  • 44. vão lá e colocam: Em defesa da família. Eles nem precisam usar a palavra LGBT. Eles falam nas entrelinhas. Eles estão reafirmando apenas como família apenas o casal heterossexual, monogâmico e com filhinho. Só. Isso é uma estupidez. Ainda mais numa sociedade plural como a nossa. A gente precisa pensar num Estado laico, batalhar por um Estado laico, não negociar esse Estado laico. E isso não significa que os religiosos devam ficar fora da política. Isso significa que argumentos religiosos que não possam ser justificados por via da razão pública não podem determinar o comportamento do Estado. Agora, o Estado laico garantirá o direito de todos cultuarem ou de não cultuarem; de crerem ou não crerem; de escreverem a respeito de sua fé ou de escreverem a respeito da falta dela. E está ótimo! Está bom demais! O resto, a gente constrói com trabalho, com dedicação e com união. Mas enquanto houver tentativa de impor, seja a sexualidade, crença, a tentativa de branquear a sociedade, a tentativa de banir as religiões que não fazem parte do mainstream... Enquanto isso acontecer, a nossa sociedade vai ser essa coisa capenga, esquizofrênica, esquisita que a gente quer chamar de ‘um país maravilhoso’, mas que está longe de ser maravilhoso. A única coisa que a gente pode dizer que, no Brasil, é fantástica, é a natureza - que estava aqui muito antes da gente chegar. Depois que a gente chegou aqui, isso aqui bagunçou. A gente está tentando organizar até hoje. Já avançamos um pouco. Já estamos
  • 45. melhores que alguns países aí, mas a gente está muito aquém do melhor. E a gente se contenta com muito pouco. Vamos começar a exigir mais e trabalhar por mais. E respeitar o outro. Eu não tenho problema nenhum em ir lá num churrasco de Exu e comer uma carne deliciosa. Não tenho problema nenhum em ir a uma beijada de Erê e comer um docinho maravilhoso. Não tenho problema nenhum em ir à igreja do Alexandre e ele orar por mim [Alexandre em tom de brincadeira: Vou tirar Demônio dele]. [gargalhadas de Sergio e do auditório] Eles [os Demônios] nem dão bola. Entraram gostaram e ficaram. Agora eles têm uso capião. [Sergio entra na brincadeira] Mas eu sei que se eles oram por mim, é porque querem o melhor para mim. E eu fico feliz quando eles podem ouvir também que não tenho crença, porque não vejo razões plausíveis, verificadas, demonstradas, bem arrazoadas para acreditar na existência de um Deus. Se isso pode ser dito sem que alguém se ofenda e puxe um navalha, então a gente está numa sociedade civilizada. Se não, a gente ainda não saiu do tempo da pedra, e talvez aquele homem da era da pedra fosse melhor do que a gente. É isso aí, gente.
  • 46. Auditório do IFRJ (Maracanã) – dia 03/09/13 – Foto: Sergio Viula (APLAUSOS)
  • 47. PERGUNTAS DO AUDITÓRIO: Essa primeira fala de cada debatedor foi seguida por um momento para perguntas do auditório e respostas dos debatedores. Essa parte não foi transcrita devido ao fato de que demandaria o dobro do tempo para ser compilada. Porém, as perguntas e as respostas podem ser ouvidas a partir do minuto 1:08:09 do vídeo. Acesse o link: http://www.youtube.com/watch?v=XZUlwka3x2w TRANSCRIÇÃO, ÁUDIO-VÍDEO E PUBLICAÇÃO REALIZADOS POR SERGIO VIULA E VEÍCULADOS NO BLOG FORA DO ARMÁRIO EM PRIMEIRA MÃO. LINK: http://www.foradoarmario.net/2013/09/video-e-transcricao-debate- estado-laico.html COMPARTILHE.