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Configuração institucional e gestão do Sistema Único de Saúde:
problemas e desafios*
Institutional configuration and administration
of Brazil’s National Health System (SUS): problems and challenges
Jairnilson Silva Paim1
Carmen Fontes Teixeira 1
*
Texto elaborado para a
Comissão de Políticas,
Planejamento e Gestão em
Saúde da ABRASCO, como
subsídio aos debates da 13a
Conferência Nacional de
Saúde, outubro de 2007.
1
Instituto de Saúde
Coletiva, Universidade
Federal da Bahia.
1819
ARTIGOARTICLE
Abstract This paper analyzes the ‘institutionali-
ty’ of Brazil’s National Health System, stressing
crucial aspects to be dealt with, due to a return to
the Public Health Reform Project. The reflection
focus on the System´s institutional configura-
tion, covering issues related to the process for its
political and management conduct, rooted in
the authoritarian/patrimonialistic organizational
culture of the Brazilian State, entangled in red
tape and colonized by private interests. It describes
matters such as strategic resources/services man-
agement, hobbled by legal constraints imposed
through economic policies, e.g. the Fiscal Liability
Act; the inadequacy of subsidiary ‘alternatives’
suggested by managerialistic reforms cutting the
System management processes; and the markedly
amateur approach to administration due to the
shortage of trained professionals and the ongoing
clout of the old-boy network and pork-barrel pol-
itics when appointing civil servants to all level
management positions. It presents arguments urg-
ing the introduction and consolidation of institu-
tional innovations, similar to State Foundations
created under private law, and discusses strategies
to strengthen the governing capacities of the
System´s managing institutions, mainly the in-
troduction of professional management with spe-
cific training and qualifications.
Key words Institutionality of Brazil´s National
Health System, Health management policy, Man-
agement alternatives
Resumo O trabalho analisa a problemática da
“institucionalidade” do SUS, destacando alguns
nós críticos a serem enfrentados para a retoma-
da do projeto da Reforma Sanitária Brasileira. A
reflexão diz respeito à configuração institucio-
nal do SUS, abarcando também aspectos relati-
vos ao processo de condução político-geren-
cial do sistema, parte da cultura organizacional
do Estado brasileiro, patrimonialista, autoritá-
rio, burocrático e colonizado por interesses pri-
vados. Descreve um conjunto de problemas, como
o “engessamento” da gestão, por conta das limi-
tações legais estabelecidas em função da política
econômica, a exemplo da Lei de Responsabilida-
de Fiscal, a inadequação das “alternativas” sub-
sidiárias das reformas gerencialistas, que geram
a fragmentação do processo de gestão, e o marca-
do amadorismo conseqüente à insuficiência de
quadros profissionalizados, reprodução de práti-
cas clientelistas e corporativas na indicação de
ocupantes dos cargos de direção em todos os ní-
veis. São apresentados argumentos favoráveis à
introdução e consolidação de inovações institu-
cionais, a exemplo das fundações estatais de di-
reito privado e discute-se estratégias de fortale-
cimento da capacidade de governo das institui-
ções gestoras do SUS, em particular a profissio-
nalização da gestão e a formação profissional
nesta área.
Palavras-chave Institucionalidade do SUS, Po-
lítica de gestão da saúde, Alternativas de gestão
1820
Paim,J.S.&Teixeira,C.F.
O processo da reforma sanitária brasileira é um
projeto civilizatório, ou seja, pretende produzir
mudanças dos valores prevalentes na sociedade bra-
sileira, tendo a saúde como eixo de transformação
e a solidariedade como valor estruturante. O pro-
jeto do SUS é uma política de construção da demo-
cracia que visa a ampliação da esfera pública, a
inclusão social e a redução das desigualdades.Todas
as propostas devem ter como principal objetivo a
melhoria das condições de saúde da população bra-
sileira, a garantia dos direitos do cidadão, o respei-
to aos pacientes e a humanização da prestação de
serviços1
.
Introdução
O projeto da Reforma Sanitária Brasileira (RSB),
ao postular a garantia do direito à saúde como
componente da cidadania, indicava um conjun-
to de mudanças no Estado, na sociedade e na
cultura, visando a melhoria da situação de saúde
e das condições de vida da população. Como
parte dessa totalidade de mudanças ,defendia o
princípio de que a saúde era um direito de todos e
um dever do Estado, propondo a instalação de
um Sistema Único de Saúde, democrático e des-
centralizado, com responsabilidades estabeleci-
das para as três esferas de governo.
Quando o tema central da 13ª Conferência
Nacional de Saúde remete à expressão políticas
de Estado, é justamente para ressaltar um com-
promisso e uma obrigação permanentes que não
devem se submeter a interesses conjunturais de
governos, partidos e corporações. Os governos
responsáveis pela saúde no regime presidencia-
lista brasileiro, embora concentrem-se no Exe-
cutivo (federal, estadual e municipal), devem in-
teragir com o Legislativo e serem fiscalizados pelo
Judiciário e Ministério Público. De acordo com a
legislação, essas diferentes esferas devem se rela-
cionar de forma solidária (harmônica ou pactu-
ada) para cumprir políticas nascidas da socieda-
de, como o SUS, articulando os diversos setores
do Estado com o propósito de assegurar saúde e
qualidade de vida para todos.
Enquanto processo, a Reforma Sanitária en-
frentou-se com obstáculos consideráveis nos úl-
timos vinte anos, apesar das conquistas indiscu-
tíveis. Além da insuficiência e instabilidade do fi-
nanciamento público para o SUS, persistem pro-
blemas de gestão, especialmente no que diz res-
peito aos estabelecimentos de saúde como hos-
pitais e serviços de atenção básica. A falta de pro-
fissionalização de gestores, a descontinuidade
administrativa, o clientelismo político e a interfe-
rência político-partidária no funcionamento dos
serviços comprometem a reputação do SUS pe-
rante os cidadãos e a expectativa dos servidores
públicos enquanto trabalhadores e partícipes de
um projeto civilizatório do escopo da Reforma
Sanitária Brasileira.
A reforma neoliberal iniciada na década pas-
sada, centrada num modelo gerencialista e na
desresponsabilização do Estado para com par-
cela significativa dos direitos sociais conquista-
dos, além de não resolver os problemas mencio-
nados, criou outros com a disseminação de or-
ganizações sociais, OSCIPs, cooperativas e outras
formas de terceirização da gestão e precarização
do trabalho em saúde. A polarização entre a ad-
ministração direta e a desresponsabilização esta-
tal embotou a busca de alternativas que, respei-
tando os princípios e diretrizes da Reforma Sani-
tária e do SUS, fossem capazes de superar os pro-
blemas aludidos e assegurassem efetividade, qua-
lidade e eficiência nos serviços prestados pelo SUS.
Desse modo, cabe examinar impasses e pers-
pectivas para um sistema de saúde que se preten-
de universal, integral, descentralizado e demo-
crático, cujo processo de institucionalização não
está descolado da natureza do Estado nem das
características da sociedade brasileira. Nesse sen-
tido, o objetivo desse trabalho é identificar e ana-
lisar a problemática da “institucionalidade” do
SUS, destacando alguns problemas que nos pa-
recem “nós críticos” a serem desatados, tendo
em vista a retomada e intensificação do projeto
da Reforma Sanitária Brasileira.
Uma nova“institucionalidade” para o SUS?
Quando o SUS se encontra próximo de alcançar
a sua maioridade, faz-se necessário reforçar cer-
tos propósitos que complementem e reforcem
os princípios e diretrizes relativos à universalida-
de, integralidade, participação, descentralização
e eqüidade. Assim, efetividade, resolutividade, le-
gitimação, eficiência e sustentabilidade constitu-
em elementos centrais para o seu desenvolvimen-
to. No caso da sustentabilidade, assenta-se em
pelo menos cinco pilares: 1) econômico-finan-
ceiro; 2) jurídico-legal; 3) participação e controle
social; 4) constituição de sujeitos; 5) nova “insti-
tucionalidade”.
Os três primeiros pilares têm sido contem-
plados de certa forma desde o início do SUS. A
luta pela sustentabilidade econômico-financeira
atravessou a infância e a adolescência do SUS e,
1821
Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007
presentemente, persiste na regulamentação da
Emenda Constitucional 29 e, especialmente, na
tramitação do PL 01/2003. No caso da sustenta-
bilidade jurídico-legal, a inclusão do direito à saú-
de no texto constitucional e as leis orgânicas da
saúde asseguraram as bases jurídicas para a sus-
tentação do SUS. A participação e o controle so-
cial, junto ao movimento da RSB, evitaram re-
trocessos no arcabouço jurídico, envolvendo atu-
almente cerca de 150.000 conselheiros de saúde.
A constituição de sujeitos individuais e coletivos
comprometidos com o desenvolvimento do SUS
e com o projeto da RSB tem ampliado, progres-
sivamente, as bases sociopolíticas do movimen-
to sanitário e tem permitido a reprodução de
quadros solidários e de novas entidades identifi-
cadas com a Reforma Sanitária.
Contudo, o recurso a tais pilares não tem
sido suficiente para evitar retrocessos na gestão
do SUS após experiências exitosas de governos
municipais e estaduais comprometidos com seus
propósitos. São inúmeros os exemplos de des-
continuidade administrativa, às vezes entre as
forças de uma mesma coligação política ou entre
correntes ou grupos de um mesmo partido. Ca-
sos como Santos, Campinas, Porto Alegre, Sal-
vador, São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul,
entre outros, apontam para a necessidade de
construir formatos institucionais que reduzam a
vulnerabilidade do SUS, assegurem certa prote-
ção face às turbulências da vida político-partidá-
ria e possibilitem, simultaneamente, a efetivida-
de, eficiência e eficácia da gestão.
O termo “institucionalidade” refere-se, em
primeiro lugar, à configuração institucional, isto
é, ao desenho do SUS enquanto uma macro-or-
ganização, composta por um conjunto de insti-
tuições, situadas em várias esferas de governo –
federal, estadual e municipal - que desempenham
funções diversas, como financiamento, gestão,
prestação de serviços, formação de recursos hu-
manos e produção de insumos. Aponta para o
elemento instituído de uma organização, deter-
minada pelos propósitos de governo, método e
pela História, conforme o postulado da coerên-
cia2
. E possibilita, sobretudo, pensar elementos
instituintes capazes de revigorarem a “alma ins-
titucional”, na medida em que problematizem o
“motivo para que” e o “motivo por que” de uma
instituição hipercomplexa3
. A definição e redefi-
nição de atribuições e competências de cada uma
dessas instituições que compõem o SUS, a exem-
plo do MS, das SES e das SMS, bem, como das
instituições a elas articuladas, como Agências
(ANS, ANVISA) e Fundações (FUNASA, FIO-
CRUZ, etc.), em cada esfera de governo, consti-
tuem desafios no processo de reforma. Por ou-
tro lado, a “blindagem” do SUS mediante nova
“institucionalidade” assegurando a profissiona-
lização da gestão e carreiras específicas (gestor,
saúde da família, administração hospitalar, etc.)
requer um novo ente jurídico da organização do
Estado exclusivamente voltado para o SUS, com
lógicas flexíveis, descentralizadas e ágeis de ges-
tão que poderiam ser representadas pela seguin-
te construção: preservação de princípios, auto-
nomia de meios e pactuação de fins.
Assim, a problemática da “institucionalida-
de” do SUS abarca um conjunto de aspectos rela-
tivos ao processo de condução político-gerencial,
isto é, à prática de gestão do sistema, processo
complexo que, se por um lado pretende adotar
como referencial os princípios incorporados à le-
gislação do SUS, quais sejam, descentralização
com comando único em cada esfera de governo e
participação social no processo decisório, por
outro reproduz práticas políticas arraigadas na
cultura organizacional do Estado brasileiro, no-
tadamente na área social. Não cabe, portanto,
confundir público com estatal, especialmente
quando um Estado, como o brasileiro, é patri-
monialista, autoritário, burocrático e colonizado
por interesses privados, melhor dizendo, um “Es-
tado burocrático enxertado de patrimonialismo”4
.
Enfrentar o desafio de construir uma “nova
institucionalidade” para o SUS significa, portan-
to, debruçar-se sobre os problemas e desafios que
emanam da atual configuração macro-organiza-
cional do sistema e do processo de gestão nos
vários níveis do sistema, de modo a subsidiar a
identificação de propostas alternativas que contri-
buam para o fortalecimento e a consolidação de
práticas coerentes com os princípios e valores da
Reforma Sanitária. Daí a necessidade de ressaltar
o caráter republicano do SUS e a Reforma Sanitá-
ria Brasileira como um projeto civilizatório.
Com isso, espera-se contribuir para o enfren-
tamento dos impasses gerados pelo Estado bra-
sileiro para o pleno desenvolvimento do SUS, en-
tre os quais se destacam: as reformas neoliberais;
o clientelismo político; as políticas de ajuste ma-
croeconômico; o monetarismo prevalecente nas
políticas econômicas; e o desrespeito às disposi-
ções transitórias da Constituição e à Lei Orgânica
da Saúde quanto ao financiamento a partir de
decisões da chamada área econômica dos gover-
nos. Evidentemente que não se pretende ser exaus-
tivo neste texto e sim demarcar uma posição fa-
vorável à introdução e consolidação de inovações
institucionais e, principalmente, à incorporação
1822
Paim,J.S.&Teixeira,C.F.
de estratégias voltadas ao fortalecimento da ca-
pacidade de governo, isto é, da capacidade políti-
co-gerencial das instituições gestoras do SUS.
Institucionalização do SUS:
problemas e desafios
O processo de institucionalização da gestão do
Sistema Único de Saúde pode ser caracterizado
como um movimento pendular de descentrali-
zação/centralização, regido pelo esforço de se im-
plantar o pacto federativo incorporado à Cons-
tituição de 1988. Esse processo, desencadeado
fundamentalmente a partir de 1993, com o mo-
vimento em torno da “ousadia de cumprir a lei”,
tem sido pontuado, ao longo dos últimos quinze
anos, pela elaboração e implementação de políti-
cas e estratégias que incidem sobre a missão das
instituições gestoras em cada esfera de governo,
estabelecendo a configuração das relações inter-
governamentais.
Esse movimento descentralizador foi inicia-
do com a implementação das Normas Operacio-
nais Básicas de 1993 (NOB 01/93)5
e especial-
mente a Norma Operacional Básica de 1996
(NOB 01/96)6
, que induziram a redefinição de
funções e competências das três esferas de gover-
no (federal, estadual e municipal) no que se refe-
re à gestão, organização e prestação de serviços
de saúde, através da transferência de recursos
(financeiros, basicamente, mas também físicos,
humanos e materiais) do nível federal e estadual
para os municípios7
.
O processo de (re)centralização, com ênfase
no fortalecimento do papel das Secretarias Esta-
duais de Saúde, foi desencadeado com a elabora-
ção e implementação da Norma Operacional da
Assistência à Saúde (2001/2002), instrumento de
política que pretendia estimular a regionalização
da assistência através da organização de siste-
mas microrregionais de saúde, capazes de garan-
tir economia de escala na compra de insumos e a
integralidade da atenção, a partir da implemen-
tação de redes de serviços que articulassem os
vários níveis de atenção.
Esse processo foi temporariamente interrom-
pido com a mudança de governo em 2003, insta-
lando-se um debate acerca da opção excessiva-
mente “normativa” adotada durante a década de
90, o que culminou com a aprovação dos Pactos
da Saúde, em 2006, novo instrumento de política
que pretende instituir um processo de negociação
permanente entre gestores, no sentido de garantir
a implementação de políticas e ações prioritárias.
Com isso, o Ministério da Saúde tenta subs-
tituir a estratégica adotada anteriormente, qual
seja, a de induzir a tomada de decisões no âmbi-
to estadual e municipal a partir de incentivos fi-
nanceiros, por uma outra centrada no compro-
misso político entre os gestores, a ser construído
no espaço das Comissões Intergestores Triparti-
te, ao nível nacional, e das Comissões Intergesto-
res Bipartites, em cada estado, mediante a assi-
natura de “Termos de Compromisso” pactuados
politicamente.
Esse movimento pode ser interpretado de vá-
rios ângulos. Do ponto de vista político mais ge-
ral, essa reorientação pode ser atribuída à exis-
tência de concepções distintas acerca da forma
de exercício do poder nos atores que compõem
as diversas forças políticas em cena no processo
de construção do SUS, as quais se expressam nos
discursos e nas decisões adotadas pelos dirigen-
tes das instituições gestoras nos diversos níveis.
A alternância de poder, ou seja, a mudança dos
dirigentes que ocuparam cargos na “era FHC”,
para os que assumiram o comando do MS no
governo Lula, explica, em parte, a crítica à opção
“normativa” e a adoção de uma perspectiva polí-
tica pretensamente mais democrática.
O aspecto mais importante a ser considera-
do nos parece, entretanto, a existência de concep-
ções distintas acerca da “Imagem-Objetivo” do
SUS quanto à sua configuração institucional, po-
dendo-se identificar a existência de grupos mu-
nicipalistas mais “ortodoxos” e grupos que de-
fendem um certo “federalismo” na reestrutura-
ção da distribuição de poder no processo de cons-
trução do sistema. Cabe registrar, ademais, a
ocorrência de mudanças de concepções, quando
se constata certa alteração da posição política que
determinados atores ocupam na estrutura de
poder do SUS, o que revela predominância de
um “realismo político” articulado a interesses
político-partidários, que se sobrepõem ao deba-
te acerca das funções e competências de cada es-
fera para governo no âmbito do SUS.
O cenário político-institucional no qual se
apresenta a problemática da organização e ges-
tão do sistema, dos serviços e dos recursos do
SUS é, assim, extremamente dinâmico, instável,
não só por conta da natureza do processo de
descentralização/centralização descrito breve-
mente acima, mas, sobretudo, pela mudança na
correlação de forças que se configuram no âmbi-
to das instituições e das instâncias colegiadas que
agregam gestores do sistema, como é o caso das
Comissões Intergestores e mesmo dos órgãos
representativos dos gestores – CONASS, CONA-
1823
Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007
SEMS – no Conselho Nacional de Saúde e nos
seus correlatos estaduais e municipais.
Nesse cenário, até mesmo a identificação dos
problemas relativos à configuração institucional
e ao processo de Gestão do SUS não é fácil, uma
vez que é auto-referente, variando segundo o
ponto de vista dos vários atores em situação,
melhor dizendo, depende do referencial teórico e
dos interesses e projetos políticos envolvidos na
análise feita por cada ator.
Assumindo como perspectiva a defesa dos
princípios constitucionais e admitindo a possi-
bilidade e mesmo a necessidade de se buscar so-
luções criativas aos problemas existentes, cabe
destacar alguns nós críticos, relativos ao desenho
(estrutura organizacional) e ao processo de ges-
tão do SUS, quais sejam:
1) Falta de clareza e insuficiência de consenso
em torno da “Imagem-Objetivo” do SUS, princi-
palmente no que respeita ao seu desenho macro-
organizacional, permanecendo implícito no de-
bate político da área, distintas imagens, recober-
tas pela retórica do “SUS que queremos”;
2) Em decorrência disso, não se chega a esta-
belecer um consenso em torno da missão, isto é,
das funções e competências das diversas esferas
de governo, reproduzindo-se, entre os diversos
âmbitos - federal, estadual e municipal – e tam-
bém em cada esfera, a tensão e o conflito de com-
petências entre as diversas instituições, mediadas
pela negociação, e agora, “pactuação”, em torno
de responsabilidades e recursos, em que pese uma
parcela destes já serem transferidos de forma
automática, fundo a fundo;
3) Insuficiente coordenação interna na dire-
ção nacional do SUS, o que se reflete no debate
em torno da necessidade de um“Ministério Úni-
co da Saúde”, quer pela fragmentação institucio-
nal que se verifica ao interior do MS (resultante
da integração orgânica, porém não funcional das
estruturas e culturas oriundas do antigo Inamps
e de outros órgãos vinculados ao antigo MS,
como a Funasa), cabendo agregar também a fal-
ta de articulação entre o MS e as agências execu-
tivas (ANS e ANVISA), cujos dirigentes e staff por
vezes não se identificam como parte do SUS;
4) Dificuldades na comunicação/informação
entre os três níveis de governo do SUS, em parte
decorrente da heterogeneidade existente em ter-
mos do desenvolvimento institucional das Secre-
tarias Estaduais e Municipais de Saúde (reflexo
da heterogeneidade estrutural do país e da he-
rança do antigo sistema), mas também fruto da
“contaminação” das relações intergovernamen-
tais por interesses político-partidários;
5) Falta de gestão profissionalizada, ou seja,
persistência de marcado “amadorismo” na ges-
tão do sistema em todos os níveis, tanto pela
escassez de quadros qualificados ao exercício das
múltiplas e complexas tarefas relacionadas com
a condução, planejamento, programação, audi-
toria, controle e avaliação, regulação e gestão de
recursos e serviços, quanto pelo fato da persis-
tência de clientelismo político na indicação dos
ocupantes dos cargos e funções de direção em
todos os níveis do sistema;
6) Fragilidade institucional e ineficiência da
gestão de sistemas, serviços e recursos, em parte
pela insuficiência no processo de incorporação
de tecnologias de gestão adequadas ao manejo
de organizações complexas, seja na área de pla-
nejamento, orçamentação, avaliação, regulação,
sistemas de informação, seja na área de gestão de
serviços, como hospitais e outras unidades de
saúde que demandam a utilização de tecnologias
e instrumentos de gestão modernos e adequados
às especificidades das organizações de saúde;
7) “Engessamento” do processo de gestão de
serviços e recursos estratégicos, a exemplo de in-
sumos e força de trabalho, por conta das limita-
ções legais estabelecidas em função das opções
de política econômica, a exemplo da Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal que limita o gasto público
nas diversas esferas de governo, dificultando a
realização de concursos para admissão de pesso-
al, algo que incide drasticamente no sistema de
saúde, sabidamente um setor de produção “tra-
balho intensivo”;
8) Inadequação das “alternativas” adotadas
para a superação das limitações apontadas no
item anterior, subsidiárias das propostas de re-
formas gerencialistas, que geram a fragmenta-
ção do processo de gestão do sistema, com perda
da capacidade do gestor – federal, estadual e
municipal – em imprimir a direcionalidade pre-
tendida no processo de implementação das polí-
ticas e programas do SUS;
9) Dificuldade de articulação intersetorial en-
tre o sistema de saúde e as demais instituições
gestoras de políticas e programas na área econô-
mica e social, em parte pela existência de culturas
organizacionais diversas, que reproduzem con-
cepções e práticas de gestão, planejamento, pro-
gramação e avaliação diferentes, em parte pela
insuficiência dos esforços de construção de um
patamar de diálogo e cooperação entre setores
de modo a potencializar os efeitos das ações e
serviços de saúde nos vários níveis do SUS;
10) Modus operandi do controle social pro-
vocando as tensões e disputas nem sempre perti-
1824
Paim,J.S.&Teixeira,C.F.
nentes abrangendo as competências e a legitimi-
dade entre as instâncias executivas do SUS e o
aparato do controle social, o que demanda a
ampliação do debate em torno da prática de con-
trole social no SUS hoje, especialmente a análise
da “captura” dos espaços de participação e con-
trole social por organizações fortemente corpo-
rativas, representativas de grupos populacionais
específicos ou de segmentos de corporações de
profissionais e trabalhadores de saúde.
Uma nova configuração institucional
para o SUS?
A reforma neoliberal promovida na década de
90 utilizou parte da argumentação em defesa da
“publicização” do Estado para torná-lo menos
público. A busca de alternativas para uma nova
“institucionalidade” do SUS passa pela necessi-
dade de garantir o seu caráter público e não, ne-
cessariamente, pela sua subordinação à chama-
da “administração direta do Estado”, protegen-
do-o da descontinuidade administrativa e de in-
tercorrências derivadas de manobras da política
partidária.
É dever do SUS cuidar da vida e da saúde das
pessoas que não podem ser comprometidas pe-
los humores, crenças, ideologias e vaidades dos
dirigentes de plantão. Daí a necessidade de prote-
gê-lo da descontinuidade administrativa e de in-
tercorrências desastrosas da gestão, posto que
estão em jogo a vida e a saúde das pessoas. Cabe
destacar a pertinência de investigar e debater no-
vos formatos institucionais que possibilitem ao
SUS cumprir o seu dever e alcançar o devir con-
cebido pela Reforma Sanitária Brasileira
Apesar de polêmico, este tema merece estudo,
reflexão, crítica e proposições, pois as evidências
acumuladas vêm comprovando que as forças inter-
nas do SUS, sociais e políticas, esgotaram sua capa-
cidade de promover por si a ruptura com os proce-
dimentos desvirtuados pelo atual paradigma das
políticas de Estado6
. Cabe reconhecer que a Refor-
ma Democrática do Estado, preconizada pela RSB
e iniciada pelo SUS, foi comprometida pela der-
rota do parlamentarismo que possibilitaria uma
burocracia estável e responsável (accountability)
e pelo clientelismo e favoritismo políticos que
comprometem a governança (capacidade de go-
verno) sob o pretexto da “governabilidade”.
Ao contrário do discurso da Reforma Neoli-
beral do Estado, publicizar o SUS sem privatizá-
lo significa assegurar uma autonomia relativa
frente ao Estado, aos governos e aos partidos
políticos, a partir da concepção de Estado ampli-
ado. Tal proposta não deve ser confundida com
privatização ou desresponsabilização do Estado
na garantia do direito à saúde, mas um esforço
de submetê-lo ao controle público e democráti-
co mediante gestão compartilhada pela socieda-
de civil, trabalhadores da saúde e governo. Uni-
versidades federais, fundações públicas, institu-
tos de pesquisa e agências de cultura têm experi-
mentado arranjos organizacionais nessa direção
e poderiam ser um ponto de partida para en-
frentar essa discussão, como sugere um dos seus
formuladores: O SUS precisa caminhar, em uma
fórmula intermediária, que mantém o caráter pú-
blico, mas precisamos criar uma autarquia espe-
cial do SUS [...] Um grande problema das organi-
zações estatais é a gestão exclusiva através do go-
verno e uma autarquia especial pode não se tornar
instrumento partidário9
.
Um debate dessa natureza extrapola os limi-
tes das instâncias de gestão colegiada do SUS de-
vendo envolver,necessariamente,os distintos ato-
res políticos, governamentais e não governamen-
tais, de modo a ressoar nos Conselhos de Saúde
e nas Conferências de Saúde, no Congresso Na-
cional, nos espaços de comunicação social, na
mídia, por interessar a toda a população. A 13a
Conferência Nacional de Saúde pode ser o espa-
ço em que esse tema seja incorporado à Agenda
da Reforma Sanitária, discutindo-se uma estra-
tégia de ampliação e qualificação do debate, en-
volvendo especialistas na área e autoridades po-
líticas, organizações internacionais e estudiosos
do tema ao nível internacional.
O desenvolvimento dos estudos e debates
necessários ao processo de tomada de uma deci-
são dessa magnitude não deve, entretanto, invia-
bilizar a adoção de propostas alternativas, de
médio e pequeno alcance, que já estão sendo dis-
cutidas e elaboradas em vários estados e municí-
pios brasileiros, com vistas ao enfrentamento dos
problemas listados no item anterior10
.
Nessa perspectiva, cabe considerar a propos-
ta de criação de Fundações Estatais de Direito Pri-
vado que podem vir a ser uma alternativa defen-
sável contra a proliferação de privatizações, ter-
ceirizações, organizações sociais e outras formas
de delegação de responsabilidade sobre a gestão
de programas, serviços e recursos do SUS, que
tendem a provocar sua fragmentação e desmon-
te. A tentativa de implantação açodada de organi-
zações sociais, por exemplo, mostrou-se desas-
trosa em algumas situações11
. Ainda assim, há
quem defenda a sua revisão em função do caráter
público do SUS no sentido de alterar certos dis-
1825
Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007
positivos da legislação original e de corrigir limi-
tações e desvirtuamentos verificados. De acordo
com essa perspectiva de análise, as fundações es-
tatais provavelmente exigirão, além de uma lei com-
plementar, uma lei ordinária que especifique sua
maior autonomia administrativa principalmente
no plano orçamentário, não sendo, portanto, razoá-
vel esperar aprovação para breve12
.
O que é fundação estatal?
Não obstante certas diferenças de concepção e de
ênfase entre a proposta do Ministério de Plane-
jamento, Gestão e Orçamento e aquela apresen-
tada para o debate pela Secretaria da Saúde do
Estado da Bahia (SESAB), verifica-se um cres-
cente consenso de que a Fundação Estatal repre-
senta uma inovação institucional com grandes
vantagens para a operação do SUS em compara-
ção aos formatos de autarquia, autarquia espe-
cial (universidades federais e agências), empresa
e fundação públicas. O governo federal colocou
um texto para consulta pública e debate com a
seguinte definição:
A fundação estatal é forma jurídica que integra
a administração pública indireta, ao lado das au-
tarquias, das fundações públicas de direito público
(fundações autárquicas), dos consórcios públicos
de direito público ou privado, das empresas públi-
cas e das sociedades de economia mista. É regida
pelo regime jurídico do direito privado, ao lado das
empresas públicas e sociedades de economia mista
e dos consórcios de direito privado.
Goza de autonomia gerencial, orçamentária e
financeira, tal como as empresas estatais.[...] O
direito de propriedade, a finalidade institucional e
o sistema de governança são públicos, assim como
nos órgãos de administração direta, nas autarqui-
as e nas fundações públicas. O sistema de gover-
nança inclui a participação de representantes da
sociedade civil para promover o maior alinhamen-
to possível entre as atividades da entidade e as ne-
cessidades e expectativas dos cidadãos. Observa um
regime administrativo mínimo, assim como as
empresas estatais13
.
Ainda assim, a Fundação Estatal não pode
ser vista como uma panacéia, diante da natureza
do Estado brasileiro e dos limites da reforma
política proposta, nem visa resolver os grandes
nós da Reforma Sanitária, mas deve ser conside-
rada como uma das alternativas inovadoras para
a gestão de organizações complexas, como é o
caso dos hospitais da rede própria do SUS, que
sob essa modalidade de gestão poderiam fazer
frente aos problemas decorrentes das amarras à
legislação que rege licitações para compra de
material e insumos, bem como teriam maior li-
berdade de ação para contratação de força de
trabalho necessária à melhoria do funcionamento
dos serviços.
A criação de Fundações Estatais também
pode ser uma alternativa para a gestão de recur-
sos estratégicos envolvidos em uma extensa rede
de serviços, como é o caso da gestão de pessoal
empregado em programas ou áreas específicas,
a exemplo da proposta de criação da Fundação
Estatal para a Saúde da Família14
, elaborada pela
equipe que dirige a Atenção Básica do SUS na
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Esta foi
amplamente debatida na 7ª Conferência Estadu-
al de Saúde da Bahia, sendo recomendada por
quatro dos cinco grupos de discussão e aprova-
da na plenária final por 70% dos delegados. Por-
tanto, a academia deve debruçar-se sobre o tema
e analisá-lo da forma mais fundamentada possí-
vel, pois o movimento sanitário, conselheiros,
delegados e gestores precisam dispor dos elemen-
tos necessários para a escolha e decisão informa-
das sobre tal questão.
Como se pode perceber, o debate e a experi-
mentação de alternativas pode se dar em duas
dimensões da “institucionalidade” do SUS, ou
seja, ao nível da macro-organização do SUS, pro-
blematizando-se a possibilidade de constituição
de uma “autarquia” que proteja o SUS das influ-
ências conjunturais, político-partidárias, corpo-
rativas e outras, ao tempo em que se desenvolve,
no curto prazo, um processo de experimentação
de alternativas gerenciais em áreas críticas que
permitam aos gestores, notadamente aos gesto-
res estaduais e municipais, nos municípios de
médio e grande porte, retomarem e/ou consoli-
darem o processo de condução do SUS em dire-
ção à Imagem-Objetivo definida na legislação
constitucional e infraconstitucional.
Superar o clientelismo,
o corporativismo e o amadorismo
Os avanços conquistados na descentralização e a
engenharia política exercitada para garantir o co-
mando único em cada esfera de governo, diante
da especificidade da Federação brasileira, não de-
vem obscurecer a vulnerabilidade do sistema às
mudanças de governos, de gestores e de partidos.
O debate em torno de mudanças na estrutu-
ra organizacional do sistema como um todo, com
eventual redefinição das relações intergoverna-
1826
Paim,J.S.&Teixeira,C.F.
mentais, assim como a introdução de mudanças
na estrutura organizacional do Ministério de Saú-
de, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde é,
portanto, o ponto de partida para a adoção de
medidas que resultem no fortalecimento da ca-
pacidade de governo das instituições gestoras do
SUS em seu respectivo âmbito de atuação.
Além disso, pensamos ser necessário um in-
vestimento redobrado na formação e constitui-
ção de sujeitos,lideranças,técnicos,gerentes,“qua-
dros”,enfim,dotados de capacidade técnica e com-
promisso político com o processo de Reforma
Sanitária e a defesa do SUS democrático, qualifi-
cados a atuarem em diversos espaços e níveis de
gestão e de condução política do sistema.
Trata-se da chamada “profissionalização da
gestão do SUS”, que já vem sendo discutida há
alguns anos, sem que tenham sido adotadas
medidas concretas para a criação da carreira de
“gestor do SUS”, o que implicaria a valorização
dos profissionais que se dedicam cotidianamen-
te às atividades de caráter gerencial nas diversas
esferas de gestão e nos diversos níveis organiza-
cionais do sistema.
Nessa perspectiva, é necessário que os órgãos
responsáveis pela gestão do trabalho em saúde,
seja no âmbito federal, estadual e municipal, avan-
cem com a elaboração de propostas concretas
para o estabelecimento de plano de cargos, car-
reiras e salários específico para o âmbito políti-
co-gerencial, de modo a estimular a realização de
concursos públicos que levem em conta a quali-
ficação e a experiência dos profissionais no exer-
cício dessas funções.
Algumas estimativas acerca do número de
postos gerenciais no âmbito do SUS dão conta
da necessidade de formação e capacitação de algo
em torno de 100 a 120 mil profissionais, muito
dos quais já vêm sendo formados e capacitados
através de cursos de especialização em várias áreas,
oferecidos por universidades públicas e privadas,
bem como, mais recentemente, através de cursos
de mestrado profissionalizante oferecidos por
alguns programas de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva do país, a exemplo da ENPS/FIOCRUZ,
UERJ e ISC/UFBA.
Tais iniciativas contam com apoio institucio-
nal do Ministério da Saúde e de Secretarias Esta-
duais e Municipais de Saúde, constituindo um
dos desdobramentos dos esforços que vêm sen-
do realizados nos últimos anos em torno da im-
plementação de programas e atividades de for-
mação e educação permanente dos profissionais
e trabalhadores do SUS.
Na área gerencial, entretanto, a contraparti-
da das instituições gestoras, em termos da valo-
rização diferencial dos sujeitos formados por es-
tes cursos, nem sempre se consolida, na medida
em que prevalece a prática de distribuição de car-
gos na estrutura administrativa em função dos
interesses político-partidários ou pressões cor-
porativas que obrigam os gestores a buscar ga-
rantir a “governabilidade” da sua gestão, repro-
duzindo-se, assim, o deplorável amadorismo que
caracteriza a gestão do SUS em várias áreas.
O enfrentamento e superação desses proble-
mas passa, ao nosso ver, pelo fortalecimento de
algumas iniciativas em curso, notadamente na
área de planejamento e avaliação, desenvolvidas
pelo MS, a exemplo do PlanejaSUS, bem como
por iniciativas desencadeadas pelo CONASS e
CONASEMS, a exemplo da implementação da
Avaliação da Gestão Descentralizada do SUS
(CONASS) e a capacitação em larga escala de
dirigentes e técnicos na área de gestão de siste-
mas e serviços, como é o caso da experiência de-
senvolvida no estado do Ceará. A expansão de
cursos de graduação em gestão de saúde e a im-
plantação da graduação em Saúde Coletiva15
se-
riam outros caminhos mais ousados.
Cabe destacar, inclusive, a necessidade de se
qualificar o debate em torno das estratégias de
educação permanente de profissionais e traba-
lhadores do SUS, de modo a não apenas valori-
zar a incorporação de conhecimentos científicos
e tecnologias de gestão no âmbito gerencial, se-
não que problematizar a dimensão ética dos pro-
cessos de formação e capacitação de pessoal em
todos os níveis, sem dúvida. Essa constituição de
novos sujeitos sociais representa uma das “trin-
cheiras” mais importantes no processo de reto-
mada da luta pela Reforma Sanitária Brasileira.
Especificamente no âmbito da formação de
dirigentes e técnicos qualificados a exercer fun-
ções de liderança na formulação e implementa-
ção de propostas político-gerenciais nos vários
níveis de organização e gestão do SUS, é importan-
te ressaltar os compromissos com a qualidade e o
reconhecimento da subjetividade, com a inova-
ção e efetividade das ações, com a necessidade de
valorização do esforço de “humanização” das re-
lações interpessoais e com o desenvolvimento de
práticas fundamentadas em valores como o res-
peito à diferença e a preservação e defesa da vida.
Comentáriosfinais
A Reforma Sanitária Brasileira enfatizava uma
totalidade de mudanças passando pela Reforma
1827
Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007
Agrária, Reforma Urbana, Reforma Tributária,
Reforma Universitária, ou ainda uma Reforma
Intelectual e Moral como propunha o filósofo da
práxis Antônio Gramsci. Embora inconclusa, a
Reforma Sanitária não tem uma agenda esgota-
da. Pelo contrário, tem muito o que avançar no
seu processo, considerando a radicalidade do seu
projeto. A radicalização da democracia e a con-
quista da hegemonia política e cultural na socie-
dade civil pelos partidos socialistas e classes po-
pulares, com seus intelectuais orgânicos, poderão
contribuir para a consolidação do SUS, sob con-
trole público e, especialmente, para incidir no
componente contraditório e revolucionário da
reforma que é a saúde numa sociedade capitalis-
ta16
. Conter o caráter patogênico do capital e re-
direcionar o Estado para regular o mercado, ga-
rantindo os direitos sociais conquistados na Cons-
tituição de 1988, deve ser um dos pressupostos de
uma política conseqüente de desenvolvimento.
Apesar de a Reforma Sanitária propor a cons-
trução de um Sistema Único de Saúde, o sistema
de serviços de saúde ainda é fragmentado e su-
bordinado a lógicas distintas: desde o interesse
público ao objetivo de lucro e acumulação de
capital, passando por espaços de realização de
privilégio de corporações e de trocas clientelistas
de partidos políticos. O SUS pode ser um grande
exemplo de política pública democrática e des-
centralizada, mas os cidadãos têm pago uma alta
taxa de maus tratos e de desumanização nas filas
e nos serviços de saúde estatais e privados con-
tratados. O fortalecimento do SUS passa pela
garantia de um financiamento estável para o seu
custeio e investimento na sua expansão que, no
âmbito federal, deveria corresponder, no míni-
mo, a 30% do orçamento da seguridade social,
segundo as disposições transitórias da Consti-
tuição de 1988. A aprovação do PL 01/2003 re-
presenta um passo necessário, embora insufici-
ente para a sustentação do SUS.
Não pode haver contingenciamento de recur-
sos para a saúde enquanto a população é desas-
sistida e morre pela falta ou precariedade do aten-
dimento. Não deve haver complacência da Justi-
ça diante de governantes que não cumprem a
Constituição, sabotando os parcos recursos de-
vidos para a saúde. A mídia, que tem sido tão
diligente para denunciar o“caos do SUS”e o“apa-
gão da saúde”, precisa contribuir no debate so-
bre as causas desses fenômenos e na identifica-
ção dos responsáveis.
O SUS é uma conquista e um patrimônio do
povo brasileiro. E a população precisa tomar
conhecimento das suas lutas, de sua história para
melhor compreender a ação dos seus algozes e
pretensos coveiros, bem como os interesses es-
púrios que não ousam explicitar na esfera públi-
ca. Este é um dos paradoxos do SUS: seu sucesso
como política pública pode significar um fracas-
so na atenção às pessoas, já que melhorias no
financiamento, infra-estrutura, gestão e organi-
zação, apesar de fundamentais, não são suficien-
tes para mudar o “modelo de desatenção”15
e as-
segurar o direito à saúde.
Portanto, o essencial do processo de cons-
trução do SUS implica a mudança do modelo de
atenção á saúde, em busca de efetividade, quali-
dade e humanização das relações entre presta-
dores de serviços e usuários, como parte de um
processo mais geral de mudança nas concepções
acerca da saúde e no desenvolvimento das práti-
cas de saúde. Além disso, o SUS, para ser efetivo,
supõe uma Reforma Democrática do Estado para
torná-lo realmente público. O controle social ins-
taurado através de conferências e conselhos, as-
sim como a gestão participativa dele resultante,
não tem sido suficiente para superar as amarras
burocráticas, aparentemente criadas para que ele
não venha a dar certo: Uma das práticas que mais
favorece a corrupção no setor público é a distri-
buição de cargos sem base em critérios técnicos,
visando apenas garantir “pedaços” da máquina
pública a partidos políticos ou grupos constituí-
dos, que transformam os cargos em balcões de ne-
gócios para troca de favores ou apoio em futuras
campanhas políticas. Isso é ainda muito mais gra-
ve quando acontece com serviços públicos dos quais
depende a vida e a saúde das pessoas.17
Daí a necessidade de experimentar novos for-
matos institucionais permeáveis à gestão com-
partilhada pela sociedade civil, trabalhadores da
saúde e governo, com garantia de um corpo téc-
nico estável através de seleção pública e carreiras
específicas. A proposta de Fundações Estatais
pode ser uma das alternativas. Os modelos de
administração direta e de administração indireta
(autarquias, fundações e empresas públicas)
podem ser considerados, igualmente, estatais.
Fora posições ideológicas, não há nada que indi-
que qualidade e compromissos maiores para os
órgãos da administração direta. Pelo contrário,
usualmente perdem em eficiência, eficácia e efeti-
vidade, além de serem mais facilmente reféns das
manobras da política partidária, do clientelismo,
do fisiologismo e do favoritismo.
Entretanto, a aposta no modelo jurídico de
Fundação Estatal não está livre das vicissitudes
de um processo político democrático. Pode-se
estabelecer as regras do jogo, mas não se garan-
1828
Paim,J.S.&Teixeira,C.F.
tem os resultados. Na dependência da correla-
ção de forças, essa proposta pode apresentar-se
mais conservadora ou progressista. Assim, a
omissão, vacilação ou recuo das forças progres-
sistas pode resultar no fortalecimento de proje-
tos políticos neoliberais, conservadores, tecno-
cráticos e corporativos. Mesmo admitindo-se a
vitória das forças progressistas, a experiência do
SUS indica que não basta a criação de uma lei
para tornar uma situação irreversível. Antes da
existência do SUS, já houve experiência de gestão
pública mais flexível, como fundações e autar-
quias, a exemplo da Fundação de Saúde do Esta-
do da Bahia (FUSEB) e Instituto de Saúde do
Estado da Bahia (ISEB), responsáveis pela ope-
ração da rede de serviços da SESAB que sofre-
ram, posteriormente, retrocessos e turbulências
institucionais e depois extintas, enquadrando e
engessando a gestão da saúde ao formato da
administração direta, com sérias conseqüências
para a descentralização, eficiência e eficácia da
gestão18
. Do mesmo modo, a tradição da supe-
restrutura jurídico-política brasileira pode levar
o judiciário a se colocar no sentido contrário à
modernização pretendida na gestão pública da
saúde, caso a proposta de fundação estatal não
esteja bem fundamentada juridicamente, assen-
tada em pareceres de constitucionalistas reno-
mados, fortalecendo certa jurisprudência perti-
nente para seus propósitos virtuosos.
As fundações estatais, enfim, podem estabe-
lecer contratos de gestão, especificando objeti-
vos, metas, atividades e recursos, em vez de insis-
tir no pagamento por procedimentos entre entes
públicos. Pode instituir formas de trabalho não
precarizadas, com carreiras específicas e ingresso
por concurso público. Têm a possibilidade de
contribuir para a redução de cargos de confiança
derivados de indicação político-partidária e de
ampliar o controle social no cotidiano da gestão
através de conselhos curadores e consultivos, sem
prejuízo das atribuições dos conselhos de saúde
respectivos. Finalmente, a indicação de dirigen-
tes, em vez de se constituir em moeda de troca
nos arranjos político-partidários sob o pretexto
do alcance da “governabilidade”, poderá passar,
a partir de critérios de qualificação técnica, pelo
crivo dos conselhos de saúde e/ou Parlamento,
sendo nomeados pelo Executivo por um período
de cinco ou seis anos.
Ao contrário do projeto de criação da Agência
Federal de Prevenção e Controle de Doenças
(APEC), mediante Medida Provisória (MP 33, 19/
02/02) 19
de acordo com o protótipo do CDC
americano e com“proposições mais truculentas e
retrógradas que as desenvolvidas pela polícia sa-
nitária”20
, sob a retórica da“publicização”, flexibi-
lização e melhora da remuneração de sanitaris-
tas, a proposta das fundações estatais tem o po-
tencial de fortalecer o movimento por uma Re-
forma Democrática de Estado centrada na cida-
dania, na liberdade e na sustentabilidade do SUS.
Portanto, os que defendem efetivamente o
SUS e a Reforma Sanitária Brasileira precisam
discutir alternativas de gestão que superem os
obstáculos construídos pelos seus oponentes, seja
pela burocracia estatal, seja pela área econômica,
seja pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Cabe à
sociedade civil exigir do Estado Brasileiro respon-
sabilidade social e o dever com a saúde e a quali-
dade de vida dos cidadãos. E às forças progres-
sistas, em vez de caírem numa “estatolatria” sec-
tária ou defenderem um Estado abstrato, cum-
pre compreender a natureza do Estado brasilei-
ro realmente existente e acioná-lo como espaço
de disputa de projetos e de luta de classes. E o
SUS necessário que queremos precisa implodir
este Estado de mal-estar que conhecemos: patri-
monialista, privatizado, autoritário, burocrático
e clientelista.
A “Reforma do Estado” empreendida na dé-
cada de 90 para torná-lo “gerencial”, regulador,
fora da produção econômica e da prestação de
serviços é distinta de uma Reforma Democrática
do Estado para torná-lo efetivamente público.
Esta passa pela radicalização da democracia e da
Reforma Sanitária Brasileira, implantação da
Seguridade Social e desenvolvimento do SUS, e
pela formulação e condução de políticas contra-
hegemônicas.
1829
Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007
Colaboradores
JS Paim e CF Teixeira participaram igualmente
de todas as etapas da elaboração do artigo.
Bresser-Pereira LC. Organizações sociais ou funda-
ções estatais? A Tarde 2007 Out 8; p.11.
Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. Secretaria de Gestão Projeto Fundação Esta-
tal: principais aspectos In: Anexo I Quadros Compa-
rativos das Formas Jurídico-Institucionais.Quadro I.
Brasília: Ministério do Planejamento; 2007. p.48-51.
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Fundação
Estatal Saúde da Família: proposta para debate. 3º
versão; setembro de 2007. 64p.
Paim JS. Desafios para a saúde coletiva no século
XXI. Salvador: EDUFBA; 2006.
Paim JS. Reforma Sanitária Brasileira: contribuição
para a compreensão e crítica [tese]. Salvador (Ba):
Universidade Federal da Bahia; 2007.
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. CEBES con-
dena o loteamento político de cargos na saúde. 12
Junho de 2007. No prelo 2007.
Paim JS. Saúde Política e Reforma Sanitária. Salva-
dor: CEPS-ISC; 2002.
Brasil. Ministério da Saúde. Medida Provisória nº
33, 19 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre os Siste-
mas Nacionais de Epidemiologia, de Saúde Ambi-
ental e de Saúde Indígena, cria a Agência Federal
de Prevenção e Controle de Doenças - APEC, e dá
outras providências. Diário Oficial da União 2002;
fev. [acessado 2007 outubro 10]. Disponível
em: http://www.ipef.br/legislacao/bdlegislacao/ar-
quivos/11917.rtf
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva. Outra emenda pior que o soneto. APEC-
novas ameaças ao processo de descentralização da
saúde. Boletim Abrasco 2002; 84:2-3.
Artigo apresentado em 27/09/2007
Aprovado em 11/10/2007
Versão final apresentada em 13/10/2007
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20.
Gestão e desafios do SUS

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  • 1. Configuração institucional e gestão do Sistema Único de Saúde: problemas e desafios* Institutional configuration and administration of Brazil’s National Health System (SUS): problems and challenges Jairnilson Silva Paim1 Carmen Fontes Teixeira 1 * Texto elaborado para a Comissão de Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde da ABRASCO, como subsídio aos debates da 13a Conferência Nacional de Saúde, outubro de 2007. 1 Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. 1819 ARTIGOARTICLE Abstract This paper analyzes the ‘institutionali- ty’ of Brazil’s National Health System, stressing crucial aspects to be dealt with, due to a return to the Public Health Reform Project. The reflection focus on the System´s institutional configura- tion, covering issues related to the process for its political and management conduct, rooted in the authoritarian/patrimonialistic organizational culture of the Brazilian State, entangled in red tape and colonized by private interests. It describes matters such as strategic resources/services man- agement, hobbled by legal constraints imposed through economic policies, e.g. the Fiscal Liability Act; the inadequacy of subsidiary ‘alternatives’ suggested by managerialistic reforms cutting the System management processes; and the markedly amateur approach to administration due to the shortage of trained professionals and the ongoing clout of the old-boy network and pork-barrel pol- itics when appointing civil servants to all level management positions. It presents arguments urg- ing the introduction and consolidation of institu- tional innovations, similar to State Foundations created under private law, and discusses strategies to strengthen the governing capacities of the System´s managing institutions, mainly the in- troduction of professional management with spe- cific training and qualifications. Key words Institutionality of Brazil´s National Health System, Health management policy, Man- agement alternatives Resumo O trabalho analisa a problemática da “institucionalidade” do SUS, destacando alguns nós críticos a serem enfrentados para a retoma- da do projeto da Reforma Sanitária Brasileira. A reflexão diz respeito à configuração institucio- nal do SUS, abarcando também aspectos relati- vos ao processo de condução político-geren- cial do sistema, parte da cultura organizacional do Estado brasileiro, patrimonialista, autoritá- rio, burocrático e colonizado por interesses pri- vados. Descreve um conjunto de problemas, como o “engessamento” da gestão, por conta das limi- tações legais estabelecidas em função da política econômica, a exemplo da Lei de Responsabilida- de Fiscal, a inadequação das “alternativas” sub- sidiárias das reformas gerencialistas, que geram a fragmentação do processo de gestão, e o marca- do amadorismo conseqüente à insuficiência de quadros profissionalizados, reprodução de práti- cas clientelistas e corporativas na indicação de ocupantes dos cargos de direção em todos os ní- veis. São apresentados argumentos favoráveis à introdução e consolidação de inovações institu- cionais, a exemplo das fundações estatais de di- reito privado e discute-se estratégias de fortale- cimento da capacidade de governo das institui- ções gestoras do SUS, em particular a profissio- nalização da gestão e a formação profissional nesta área. Palavras-chave Institucionalidade do SUS, Po- lítica de gestão da saúde, Alternativas de gestão
  • 2. 1820 Paim,J.S.&Teixeira,C.F. O processo da reforma sanitária brasileira é um projeto civilizatório, ou seja, pretende produzir mudanças dos valores prevalentes na sociedade bra- sileira, tendo a saúde como eixo de transformação e a solidariedade como valor estruturante. O pro- jeto do SUS é uma política de construção da demo- cracia que visa a ampliação da esfera pública, a inclusão social e a redução das desigualdades.Todas as propostas devem ter como principal objetivo a melhoria das condições de saúde da população bra- sileira, a garantia dos direitos do cidadão, o respei- to aos pacientes e a humanização da prestação de serviços1 . Introdução O projeto da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), ao postular a garantia do direito à saúde como componente da cidadania, indicava um conjun- to de mudanças no Estado, na sociedade e na cultura, visando a melhoria da situação de saúde e das condições de vida da população. Como parte dessa totalidade de mudanças ,defendia o princípio de que a saúde era um direito de todos e um dever do Estado, propondo a instalação de um Sistema Único de Saúde, democrático e des- centralizado, com responsabilidades estabeleci- das para as três esferas de governo. Quando o tema central da 13ª Conferência Nacional de Saúde remete à expressão políticas de Estado, é justamente para ressaltar um com- promisso e uma obrigação permanentes que não devem se submeter a interesses conjunturais de governos, partidos e corporações. Os governos responsáveis pela saúde no regime presidencia- lista brasileiro, embora concentrem-se no Exe- cutivo (federal, estadual e municipal), devem in- teragir com o Legislativo e serem fiscalizados pelo Judiciário e Ministério Público. De acordo com a legislação, essas diferentes esferas devem se rela- cionar de forma solidária (harmônica ou pactu- ada) para cumprir políticas nascidas da socieda- de, como o SUS, articulando os diversos setores do Estado com o propósito de assegurar saúde e qualidade de vida para todos. Enquanto processo, a Reforma Sanitária en- frentou-se com obstáculos consideráveis nos úl- timos vinte anos, apesar das conquistas indiscu- tíveis. Além da insuficiência e instabilidade do fi- nanciamento público para o SUS, persistem pro- blemas de gestão, especialmente no que diz res- peito aos estabelecimentos de saúde como hos- pitais e serviços de atenção básica. A falta de pro- fissionalização de gestores, a descontinuidade administrativa, o clientelismo político e a interfe- rência político-partidária no funcionamento dos serviços comprometem a reputação do SUS pe- rante os cidadãos e a expectativa dos servidores públicos enquanto trabalhadores e partícipes de um projeto civilizatório do escopo da Reforma Sanitária Brasileira. A reforma neoliberal iniciada na década pas- sada, centrada num modelo gerencialista e na desresponsabilização do Estado para com par- cela significativa dos direitos sociais conquista- dos, além de não resolver os problemas mencio- nados, criou outros com a disseminação de or- ganizações sociais, OSCIPs, cooperativas e outras formas de terceirização da gestão e precarização do trabalho em saúde. A polarização entre a ad- ministração direta e a desresponsabilização esta- tal embotou a busca de alternativas que, respei- tando os princípios e diretrizes da Reforma Sani- tária e do SUS, fossem capazes de superar os pro- blemas aludidos e assegurassem efetividade, qua- lidade e eficiência nos serviços prestados pelo SUS. Desse modo, cabe examinar impasses e pers- pectivas para um sistema de saúde que se preten- de universal, integral, descentralizado e demo- crático, cujo processo de institucionalização não está descolado da natureza do Estado nem das características da sociedade brasileira. Nesse sen- tido, o objetivo desse trabalho é identificar e ana- lisar a problemática da “institucionalidade” do SUS, destacando alguns problemas que nos pa- recem “nós críticos” a serem desatados, tendo em vista a retomada e intensificação do projeto da Reforma Sanitária Brasileira. Uma nova“institucionalidade” para o SUS? Quando o SUS se encontra próximo de alcançar a sua maioridade, faz-se necessário reforçar cer- tos propósitos que complementem e reforcem os princípios e diretrizes relativos à universalida- de, integralidade, participação, descentralização e eqüidade. Assim, efetividade, resolutividade, le- gitimação, eficiência e sustentabilidade constitu- em elementos centrais para o seu desenvolvimen- to. No caso da sustentabilidade, assenta-se em pelo menos cinco pilares: 1) econômico-finan- ceiro; 2) jurídico-legal; 3) participação e controle social; 4) constituição de sujeitos; 5) nova “insti- tucionalidade”. Os três primeiros pilares têm sido contem- plados de certa forma desde o início do SUS. A luta pela sustentabilidade econômico-financeira atravessou a infância e a adolescência do SUS e,
  • 3. 1821 Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007 presentemente, persiste na regulamentação da Emenda Constitucional 29 e, especialmente, na tramitação do PL 01/2003. No caso da sustenta- bilidade jurídico-legal, a inclusão do direito à saú- de no texto constitucional e as leis orgânicas da saúde asseguraram as bases jurídicas para a sus- tentação do SUS. A participação e o controle so- cial, junto ao movimento da RSB, evitaram re- trocessos no arcabouço jurídico, envolvendo atu- almente cerca de 150.000 conselheiros de saúde. A constituição de sujeitos individuais e coletivos comprometidos com o desenvolvimento do SUS e com o projeto da RSB tem ampliado, progres- sivamente, as bases sociopolíticas do movimen- to sanitário e tem permitido a reprodução de quadros solidários e de novas entidades identifi- cadas com a Reforma Sanitária. Contudo, o recurso a tais pilares não tem sido suficiente para evitar retrocessos na gestão do SUS após experiências exitosas de governos municipais e estaduais comprometidos com seus propósitos. São inúmeros os exemplos de des- continuidade administrativa, às vezes entre as forças de uma mesma coligação política ou entre correntes ou grupos de um mesmo partido. Ca- sos como Santos, Campinas, Porto Alegre, Sal- vador, São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul, entre outros, apontam para a necessidade de construir formatos institucionais que reduzam a vulnerabilidade do SUS, assegurem certa prote- ção face às turbulências da vida político-partidá- ria e possibilitem, simultaneamente, a efetivida- de, eficiência e eficácia da gestão. O termo “institucionalidade” refere-se, em primeiro lugar, à configuração institucional, isto é, ao desenho do SUS enquanto uma macro-or- ganização, composta por um conjunto de insti- tuições, situadas em várias esferas de governo – federal, estadual e municipal - que desempenham funções diversas, como financiamento, gestão, prestação de serviços, formação de recursos hu- manos e produção de insumos. Aponta para o elemento instituído de uma organização, deter- minada pelos propósitos de governo, método e pela História, conforme o postulado da coerên- cia2 . E possibilita, sobretudo, pensar elementos instituintes capazes de revigorarem a “alma ins- titucional”, na medida em que problematizem o “motivo para que” e o “motivo por que” de uma instituição hipercomplexa3 . A definição e redefi- nição de atribuições e competências de cada uma dessas instituições que compõem o SUS, a exem- plo do MS, das SES e das SMS, bem, como das instituições a elas articuladas, como Agências (ANS, ANVISA) e Fundações (FUNASA, FIO- CRUZ, etc.), em cada esfera de governo, consti- tuem desafios no processo de reforma. Por ou- tro lado, a “blindagem” do SUS mediante nova “institucionalidade” assegurando a profissiona- lização da gestão e carreiras específicas (gestor, saúde da família, administração hospitalar, etc.) requer um novo ente jurídico da organização do Estado exclusivamente voltado para o SUS, com lógicas flexíveis, descentralizadas e ágeis de ges- tão que poderiam ser representadas pela seguin- te construção: preservação de princípios, auto- nomia de meios e pactuação de fins. Assim, a problemática da “institucionalida- de” do SUS abarca um conjunto de aspectos rela- tivos ao processo de condução político-gerencial, isto é, à prática de gestão do sistema, processo complexo que, se por um lado pretende adotar como referencial os princípios incorporados à le- gislação do SUS, quais sejam, descentralização com comando único em cada esfera de governo e participação social no processo decisório, por outro reproduz práticas políticas arraigadas na cultura organizacional do Estado brasileiro, no- tadamente na área social. Não cabe, portanto, confundir público com estatal, especialmente quando um Estado, como o brasileiro, é patri- monialista, autoritário, burocrático e colonizado por interesses privados, melhor dizendo, um “Es- tado burocrático enxertado de patrimonialismo”4 . Enfrentar o desafio de construir uma “nova institucionalidade” para o SUS significa, portan- to, debruçar-se sobre os problemas e desafios que emanam da atual configuração macro-organiza- cional do sistema e do processo de gestão nos vários níveis do sistema, de modo a subsidiar a identificação de propostas alternativas que contri- buam para o fortalecimento e a consolidação de práticas coerentes com os princípios e valores da Reforma Sanitária. Daí a necessidade de ressaltar o caráter republicano do SUS e a Reforma Sanitá- ria Brasileira como um projeto civilizatório. Com isso, espera-se contribuir para o enfren- tamento dos impasses gerados pelo Estado bra- sileiro para o pleno desenvolvimento do SUS, en- tre os quais se destacam: as reformas neoliberais; o clientelismo político; as políticas de ajuste ma- croeconômico; o monetarismo prevalecente nas políticas econômicas; e o desrespeito às disposi- ções transitórias da Constituição e à Lei Orgânica da Saúde quanto ao financiamento a partir de decisões da chamada área econômica dos gover- nos. Evidentemente que não se pretende ser exaus- tivo neste texto e sim demarcar uma posição fa- vorável à introdução e consolidação de inovações institucionais e, principalmente, à incorporação
  • 4. 1822 Paim,J.S.&Teixeira,C.F. de estratégias voltadas ao fortalecimento da ca- pacidade de governo, isto é, da capacidade políti- co-gerencial das instituições gestoras do SUS. Institucionalização do SUS: problemas e desafios O processo de institucionalização da gestão do Sistema Único de Saúde pode ser caracterizado como um movimento pendular de descentrali- zação/centralização, regido pelo esforço de se im- plantar o pacto federativo incorporado à Cons- tituição de 1988. Esse processo, desencadeado fundamentalmente a partir de 1993, com o mo- vimento em torno da “ousadia de cumprir a lei”, tem sido pontuado, ao longo dos últimos quinze anos, pela elaboração e implementação de políti- cas e estratégias que incidem sobre a missão das instituições gestoras em cada esfera de governo, estabelecendo a configuração das relações inter- governamentais. Esse movimento descentralizador foi inicia- do com a implementação das Normas Operacio- nais Básicas de 1993 (NOB 01/93)5 e especial- mente a Norma Operacional Básica de 1996 (NOB 01/96)6 , que induziram a redefinição de funções e competências das três esferas de gover- no (federal, estadual e municipal) no que se refe- re à gestão, organização e prestação de serviços de saúde, através da transferência de recursos (financeiros, basicamente, mas também físicos, humanos e materiais) do nível federal e estadual para os municípios7 . O processo de (re)centralização, com ênfase no fortalecimento do papel das Secretarias Esta- duais de Saúde, foi desencadeado com a elabora- ção e implementação da Norma Operacional da Assistência à Saúde (2001/2002), instrumento de política que pretendia estimular a regionalização da assistência através da organização de siste- mas microrregionais de saúde, capazes de garan- tir economia de escala na compra de insumos e a integralidade da atenção, a partir da implemen- tação de redes de serviços que articulassem os vários níveis de atenção. Esse processo foi temporariamente interrom- pido com a mudança de governo em 2003, insta- lando-se um debate acerca da opção excessiva- mente “normativa” adotada durante a década de 90, o que culminou com a aprovação dos Pactos da Saúde, em 2006, novo instrumento de política que pretende instituir um processo de negociação permanente entre gestores, no sentido de garantir a implementação de políticas e ações prioritárias. Com isso, o Ministério da Saúde tenta subs- tituir a estratégica adotada anteriormente, qual seja, a de induzir a tomada de decisões no âmbi- to estadual e municipal a partir de incentivos fi- nanceiros, por uma outra centrada no compro- misso político entre os gestores, a ser construído no espaço das Comissões Intergestores Triparti- te, ao nível nacional, e das Comissões Intergesto- res Bipartites, em cada estado, mediante a assi- natura de “Termos de Compromisso” pactuados politicamente. Esse movimento pode ser interpretado de vá- rios ângulos. Do ponto de vista político mais ge- ral, essa reorientação pode ser atribuída à exis- tência de concepções distintas acerca da forma de exercício do poder nos atores que compõem as diversas forças políticas em cena no processo de construção do SUS, as quais se expressam nos discursos e nas decisões adotadas pelos dirigen- tes das instituições gestoras nos diversos níveis. A alternância de poder, ou seja, a mudança dos dirigentes que ocuparam cargos na “era FHC”, para os que assumiram o comando do MS no governo Lula, explica, em parte, a crítica à opção “normativa” e a adoção de uma perspectiva polí- tica pretensamente mais democrática. O aspecto mais importante a ser considera- do nos parece, entretanto, a existência de concep- ções distintas acerca da “Imagem-Objetivo” do SUS quanto à sua configuração institucional, po- dendo-se identificar a existência de grupos mu- nicipalistas mais “ortodoxos” e grupos que de- fendem um certo “federalismo” na reestrutura- ção da distribuição de poder no processo de cons- trução do sistema. Cabe registrar, ademais, a ocorrência de mudanças de concepções, quando se constata certa alteração da posição política que determinados atores ocupam na estrutura de poder do SUS, o que revela predominância de um “realismo político” articulado a interesses político-partidários, que se sobrepõem ao deba- te acerca das funções e competências de cada es- fera para governo no âmbito do SUS. O cenário político-institucional no qual se apresenta a problemática da organização e ges- tão do sistema, dos serviços e dos recursos do SUS é, assim, extremamente dinâmico, instável, não só por conta da natureza do processo de descentralização/centralização descrito breve- mente acima, mas, sobretudo, pela mudança na correlação de forças que se configuram no âmbi- to das instituições e das instâncias colegiadas que agregam gestores do sistema, como é o caso das Comissões Intergestores e mesmo dos órgãos representativos dos gestores – CONASS, CONA-
  • 5. 1823 Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007 SEMS – no Conselho Nacional de Saúde e nos seus correlatos estaduais e municipais. Nesse cenário, até mesmo a identificação dos problemas relativos à configuração institucional e ao processo de Gestão do SUS não é fácil, uma vez que é auto-referente, variando segundo o ponto de vista dos vários atores em situação, melhor dizendo, depende do referencial teórico e dos interesses e projetos políticos envolvidos na análise feita por cada ator. Assumindo como perspectiva a defesa dos princípios constitucionais e admitindo a possi- bilidade e mesmo a necessidade de se buscar so- luções criativas aos problemas existentes, cabe destacar alguns nós críticos, relativos ao desenho (estrutura organizacional) e ao processo de ges- tão do SUS, quais sejam: 1) Falta de clareza e insuficiência de consenso em torno da “Imagem-Objetivo” do SUS, princi- palmente no que respeita ao seu desenho macro- organizacional, permanecendo implícito no de- bate político da área, distintas imagens, recober- tas pela retórica do “SUS que queremos”; 2) Em decorrência disso, não se chega a esta- belecer um consenso em torno da missão, isto é, das funções e competências das diversas esferas de governo, reproduzindo-se, entre os diversos âmbitos - federal, estadual e municipal – e tam- bém em cada esfera, a tensão e o conflito de com- petências entre as diversas instituições, mediadas pela negociação, e agora, “pactuação”, em torno de responsabilidades e recursos, em que pese uma parcela destes já serem transferidos de forma automática, fundo a fundo; 3) Insuficiente coordenação interna na dire- ção nacional do SUS, o que se reflete no debate em torno da necessidade de um“Ministério Úni- co da Saúde”, quer pela fragmentação institucio- nal que se verifica ao interior do MS (resultante da integração orgânica, porém não funcional das estruturas e culturas oriundas do antigo Inamps e de outros órgãos vinculados ao antigo MS, como a Funasa), cabendo agregar também a fal- ta de articulação entre o MS e as agências execu- tivas (ANS e ANVISA), cujos dirigentes e staff por vezes não se identificam como parte do SUS; 4) Dificuldades na comunicação/informação entre os três níveis de governo do SUS, em parte decorrente da heterogeneidade existente em ter- mos do desenvolvimento institucional das Secre- tarias Estaduais e Municipais de Saúde (reflexo da heterogeneidade estrutural do país e da he- rança do antigo sistema), mas também fruto da “contaminação” das relações intergovernamen- tais por interesses político-partidários; 5) Falta de gestão profissionalizada, ou seja, persistência de marcado “amadorismo” na ges- tão do sistema em todos os níveis, tanto pela escassez de quadros qualificados ao exercício das múltiplas e complexas tarefas relacionadas com a condução, planejamento, programação, audi- toria, controle e avaliação, regulação e gestão de recursos e serviços, quanto pelo fato da persis- tência de clientelismo político na indicação dos ocupantes dos cargos e funções de direção em todos os níveis do sistema; 6) Fragilidade institucional e ineficiência da gestão de sistemas, serviços e recursos, em parte pela insuficiência no processo de incorporação de tecnologias de gestão adequadas ao manejo de organizações complexas, seja na área de pla- nejamento, orçamentação, avaliação, regulação, sistemas de informação, seja na área de gestão de serviços, como hospitais e outras unidades de saúde que demandam a utilização de tecnologias e instrumentos de gestão modernos e adequados às especificidades das organizações de saúde; 7) “Engessamento” do processo de gestão de serviços e recursos estratégicos, a exemplo de in- sumos e força de trabalho, por conta das limita- ções legais estabelecidas em função das opções de política econômica, a exemplo da Lei de Res- ponsabilidade Fiscal que limita o gasto público nas diversas esferas de governo, dificultando a realização de concursos para admissão de pesso- al, algo que incide drasticamente no sistema de saúde, sabidamente um setor de produção “tra- balho intensivo”; 8) Inadequação das “alternativas” adotadas para a superação das limitações apontadas no item anterior, subsidiárias das propostas de re- formas gerencialistas, que geram a fragmenta- ção do processo de gestão do sistema, com perda da capacidade do gestor – federal, estadual e municipal – em imprimir a direcionalidade pre- tendida no processo de implementação das polí- ticas e programas do SUS; 9) Dificuldade de articulação intersetorial en- tre o sistema de saúde e as demais instituições gestoras de políticas e programas na área econô- mica e social, em parte pela existência de culturas organizacionais diversas, que reproduzem con- cepções e práticas de gestão, planejamento, pro- gramação e avaliação diferentes, em parte pela insuficiência dos esforços de construção de um patamar de diálogo e cooperação entre setores de modo a potencializar os efeitos das ações e serviços de saúde nos vários níveis do SUS; 10) Modus operandi do controle social pro- vocando as tensões e disputas nem sempre perti-
  • 6. 1824 Paim,J.S.&Teixeira,C.F. nentes abrangendo as competências e a legitimi- dade entre as instâncias executivas do SUS e o aparato do controle social, o que demanda a ampliação do debate em torno da prática de con- trole social no SUS hoje, especialmente a análise da “captura” dos espaços de participação e con- trole social por organizações fortemente corpo- rativas, representativas de grupos populacionais específicos ou de segmentos de corporações de profissionais e trabalhadores de saúde. Uma nova configuração institucional para o SUS? A reforma neoliberal promovida na década de 90 utilizou parte da argumentação em defesa da “publicização” do Estado para torná-lo menos público. A busca de alternativas para uma nova “institucionalidade” do SUS passa pela necessi- dade de garantir o seu caráter público e não, ne- cessariamente, pela sua subordinação à chama- da “administração direta do Estado”, protegen- do-o da descontinuidade administrativa e de in- tercorrências derivadas de manobras da política partidária. É dever do SUS cuidar da vida e da saúde das pessoas que não podem ser comprometidas pe- los humores, crenças, ideologias e vaidades dos dirigentes de plantão. Daí a necessidade de prote- gê-lo da descontinuidade administrativa e de in- tercorrências desastrosas da gestão, posto que estão em jogo a vida e a saúde das pessoas. Cabe destacar a pertinência de investigar e debater no- vos formatos institucionais que possibilitem ao SUS cumprir o seu dever e alcançar o devir con- cebido pela Reforma Sanitária Brasileira Apesar de polêmico, este tema merece estudo, reflexão, crítica e proposições, pois as evidências acumuladas vêm comprovando que as forças inter- nas do SUS, sociais e políticas, esgotaram sua capa- cidade de promover por si a ruptura com os proce- dimentos desvirtuados pelo atual paradigma das políticas de Estado6 . Cabe reconhecer que a Refor- ma Democrática do Estado, preconizada pela RSB e iniciada pelo SUS, foi comprometida pela der- rota do parlamentarismo que possibilitaria uma burocracia estável e responsável (accountability) e pelo clientelismo e favoritismo políticos que comprometem a governança (capacidade de go- verno) sob o pretexto da “governabilidade”. Ao contrário do discurso da Reforma Neoli- beral do Estado, publicizar o SUS sem privatizá- lo significa assegurar uma autonomia relativa frente ao Estado, aos governos e aos partidos políticos, a partir da concepção de Estado ampli- ado. Tal proposta não deve ser confundida com privatização ou desresponsabilização do Estado na garantia do direito à saúde, mas um esforço de submetê-lo ao controle público e democráti- co mediante gestão compartilhada pela socieda- de civil, trabalhadores da saúde e governo. Uni- versidades federais, fundações públicas, institu- tos de pesquisa e agências de cultura têm experi- mentado arranjos organizacionais nessa direção e poderiam ser um ponto de partida para en- frentar essa discussão, como sugere um dos seus formuladores: O SUS precisa caminhar, em uma fórmula intermediária, que mantém o caráter pú- blico, mas precisamos criar uma autarquia espe- cial do SUS [...] Um grande problema das organi- zações estatais é a gestão exclusiva através do go- verno e uma autarquia especial pode não se tornar instrumento partidário9 . Um debate dessa natureza extrapola os limi- tes das instâncias de gestão colegiada do SUS de- vendo envolver,necessariamente,os distintos ato- res políticos, governamentais e não governamen- tais, de modo a ressoar nos Conselhos de Saúde e nas Conferências de Saúde, no Congresso Na- cional, nos espaços de comunicação social, na mídia, por interessar a toda a população. A 13a Conferência Nacional de Saúde pode ser o espa- ço em que esse tema seja incorporado à Agenda da Reforma Sanitária, discutindo-se uma estra- tégia de ampliação e qualificação do debate, en- volvendo especialistas na área e autoridades po- líticas, organizações internacionais e estudiosos do tema ao nível internacional. O desenvolvimento dos estudos e debates necessários ao processo de tomada de uma deci- são dessa magnitude não deve, entretanto, invia- bilizar a adoção de propostas alternativas, de médio e pequeno alcance, que já estão sendo dis- cutidas e elaboradas em vários estados e municí- pios brasileiros, com vistas ao enfrentamento dos problemas listados no item anterior10 . Nessa perspectiva, cabe considerar a propos- ta de criação de Fundações Estatais de Direito Pri- vado que podem vir a ser uma alternativa defen- sável contra a proliferação de privatizações, ter- ceirizações, organizações sociais e outras formas de delegação de responsabilidade sobre a gestão de programas, serviços e recursos do SUS, que tendem a provocar sua fragmentação e desmon- te. A tentativa de implantação açodada de organi- zações sociais, por exemplo, mostrou-se desas- trosa em algumas situações11 . Ainda assim, há quem defenda a sua revisão em função do caráter público do SUS no sentido de alterar certos dis-
  • 7. 1825 Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007 positivos da legislação original e de corrigir limi- tações e desvirtuamentos verificados. De acordo com essa perspectiva de análise, as fundações es- tatais provavelmente exigirão, além de uma lei com- plementar, uma lei ordinária que especifique sua maior autonomia administrativa principalmente no plano orçamentário, não sendo, portanto, razoá- vel esperar aprovação para breve12 . O que é fundação estatal? Não obstante certas diferenças de concepção e de ênfase entre a proposta do Ministério de Plane- jamento, Gestão e Orçamento e aquela apresen- tada para o debate pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), verifica-se um cres- cente consenso de que a Fundação Estatal repre- senta uma inovação institucional com grandes vantagens para a operação do SUS em compara- ção aos formatos de autarquia, autarquia espe- cial (universidades federais e agências), empresa e fundação públicas. O governo federal colocou um texto para consulta pública e debate com a seguinte definição: A fundação estatal é forma jurídica que integra a administração pública indireta, ao lado das au- tarquias, das fundações públicas de direito público (fundações autárquicas), dos consórcios públicos de direito público ou privado, das empresas públi- cas e das sociedades de economia mista. É regida pelo regime jurídico do direito privado, ao lado das empresas públicas e sociedades de economia mista e dos consórcios de direito privado. Goza de autonomia gerencial, orçamentária e financeira, tal como as empresas estatais.[...] O direito de propriedade, a finalidade institucional e o sistema de governança são públicos, assim como nos órgãos de administração direta, nas autarqui- as e nas fundações públicas. O sistema de gover- nança inclui a participação de representantes da sociedade civil para promover o maior alinhamen- to possível entre as atividades da entidade e as ne- cessidades e expectativas dos cidadãos. Observa um regime administrativo mínimo, assim como as empresas estatais13 . Ainda assim, a Fundação Estatal não pode ser vista como uma panacéia, diante da natureza do Estado brasileiro e dos limites da reforma política proposta, nem visa resolver os grandes nós da Reforma Sanitária, mas deve ser conside- rada como uma das alternativas inovadoras para a gestão de organizações complexas, como é o caso dos hospitais da rede própria do SUS, que sob essa modalidade de gestão poderiam fazer frente aos problemas decorrentes das amarras à legislação que rege licitações para compra de material e insumos, bem como teriam maior li- berdade de ação para contratação de força de trabalho necessária à melhoria do funcionamento dos serviços. A criação de Fundações Estatais também pode ser uma alternativa para a gestão de recur- sos estratégicos envolvidos em uma extensa rede de serviços, como é o caso da gestão de pessoal empregado em programas ou áreas específicas, a exemplo da proposta de criação da Fundação Estatal para a Saúde da Família14 , elaborada pela equipe que dirige a Atenção Básica do SUS na Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Esta foi amplamente debatida na 7ª Conferência Estadu- al de Saúde da Bahia, sendo recomendada por quatro dos cinco grupos de discussão e aprova- da na plenária final por 70% dos delegados. Por- tanto, a academia deve debruçar-se sobre o tema e analisá-lo da forma mais fundamentada possí- vel, pois o movimento sanitário, conselheiros, delegados e gestores precisam dispor dos elemen- tos necessários para a escolha e decisão informa- das sobre tal questão. Como se pode perceber, o debate e a experi- mentação de alternativas pode se dar em duas dimensões da “institucionalidade” do SUS, ou seja, ao nível da macro-organização do SUS, pro- blematizando-se a possibilidade de constituição de uma “autarquia” que proteja o SUS das influ- ências conjunturais, político-partidárias, corpo- rativas e outras, ao tempo em que se desenvolve, no curto prazo, um processo de experimentação de alternativas gerenciais em áreas críticas que permitam aos gestores, notadamente aos gesto- res estaduais e municipais, nos municípios de médio e grande porte, retomarem e/ou consoli- darem o processo de condução do SUS em dire- ção à Imagem-Objetivo definida na legislação constitucional e infraconstitucional. Superar o clientelismo, o corporativismo e o amadorismo Os avanços conquistados na descentralização e a engenharia política exercitada para garantir o co- mando único em cada esfera de governo, diante da especificidade da Federação brasileira, não de- vem obscurecer a vulnerabilidade do sistema às mudanças de governos, de gestores e de partidos. O debate em torno de mudanças na estrutu- ra organizacional do sistema como um todo, com eventual redefinição das relações intergoverna-
  • 8. 1826 Paim,J.S.&Teixeira,C.F. mentais, assim como a introdução de mudanças na estrutura organizacional do Ministério de Saú- de, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde é, portanto, o ponto de partida para a adoção de medidas que resultem no fortalecimento da ca- pacidade de governo das instituições gestoras do SUS em seu respectivo âmbito de atuação. Além disso, pensamos ser necessário um in- vestimento redobrado na formação e constitui- ção de sujeitos,lideranças,técnicos,gerentes,“qua- dros”,enfim,dotados de capacidade técnica e com- promisso político com o processo de Reforma Sanitária e a defesa do SUS democrático, qualifi- cados a atuarem em diversos espaços e níveis de gestão e de condução política do sistema. Trata-se da chamada “profissionalização da gestão do SUS”, que já vem sendo discutida há alguns anos, sem que tenham sido adotadas medidas concretas para a criação da carreira de “gestor do SUS”, o que implicaria a valorização dos profissionais que se dedicam cotidianamen- te às atividades de caráter gerencial nas diversas esferas de gestão e nos diversos níveis organiza- cionais do sistema. Nessa perspectiva, é necessário que os órgãos responsáveis pela gestão do trabalho em saúde, seja no âmbito federal, estadual e municipal, avan- cem com a elaboração de propostas concretas para o estabelecimento de plano de cargos, car- reiras e salários específico para o âmbito políti- co-gerencial, de modo a estimular a realização de concursos públicos que levem em conta a quali- ficação e a experiência dos profissionais no exer- cício dessas funções. Algumas estimativas acerca do número de postos gerenciais no âmbito do SUS dão conta da necessidade de formação e capacitação de algo em torno de 100 a 120 mil profissionais, muito dos quais já vêm sendo formados e capacitados através de cursos de especialização em várias áreas, oferecidos por universidades públicas e privadas, bem como, mais recentemente, através de cursos de mestrado profissionalizante oferecidos por alguns programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do país, a exemplo da ENPS/FIOCRUZ, UERJ e ISC/UFBA. Tais iniciativas contam com apoio institucio- nal do Ministério da Saúde e de Secretarias Esta- duais e Municipais de Saúde, constituindo um dos desdobramentos dos esforços que vêm sen- do realizados nos últimos anos em torno da im- plementação de programas e atividades de for- mação e educação permanente dos profissionais e trabalhadores do SUS. Na área gerencial, entretanto, a contraparti- da das instituições gestoras, em termos da valo- rização diferencial dos sujeitos formados por es- tes cursos, nem sempre se consolida, na medida em que prevalece a prática de distribuição de car- gos na estrutura administrativa em função dos interesses político-partidários ou pressões cor- porativas que obrigam os gestores a buscar ga- rantir a “governabilidade” da sua gestão, repro- duzindo-se, assim, o deplorável amadorismo que caracteriza a gestão do SUS em várias áreas. O enfrentamento e superação desses proble- mas passa, ao nosso ver, pelo fortalecimento de algumas iniciativas em curso, notadamente na área de planejamento e avaliação, desenvolvidas pelo MS, a exemplo do PlanejaSUS, bem como por iniciativas desencadeadas pelo CONASS e CONASEMS, a exemplo da implementação da Avaliação da Gestão Descentralizada do SUS (CONASS) e a capacitação em larga escala de dirigentes e técnicos na área de gestão de siste- mas e serviços, como é o caso da experiência de- senvolvida no estado do Ceará. A expansão de cursos de graduação em gestão de saúde e a im- plantação da graduação em Saúde Coletiva15 se- riam outros caminhos mais ousados. Cabe destacar, inclusive, a necessidade de se qualificar o debate em torno das estratégias de educação permanente de profissionais e traba- lhadores do SUS, de modo a não apenas valori- zar a incorporação de conhecimentos científicos e tecnologias de gestão no âmbito gerencial, se- não que problematizar a dimensão ética dos pro- cessos de formação e capacitação de pessoal em todos os níveis, sem dúvida. Essa constituição de novos sujeitos sociais representa uma das “trin- cheiras” mais importantes no processo de reto- mada da luta pela Reforma Sanitária Brasileira. Especificamente no âmbito da formação de dirigentes e técnicos qualificados a exercer fun- ções de liderança na formulação e implementa- ção de propostas político-gerenciais nos vários níveis de organização e gestão do SUS, é importan- te ressaltar os compromissos com a qualidade e o reconhecimento da subjetividade, com a inova- ção e efetividade das ações, com a necessidade de valorização do esforço de “humanização” das re- lações interpessoais e com o desenvolvimento de práticas fundamentadas em valores como o res- peito à diferença e a preservação e defesa da vida. Comentáriosfinais A Reforma Sanitária Brasileira enfatizava uma totalidade de mudanças passando pela Reforma
  • 9. 1827 Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007 Agrária, Reforma Urbana, Reforma Tributária, Reforma Universitária, ou ainda uma Reforma Intelectual e Moral como propunha o filósofo da práxis Antônio Gramsci. Embora inconclusa, a Reforma Sanitária não tem uma agenda esgota- da. Pelo contrário, tem muito o que avançar no seu processo, considerando a radicalidade do seu projeto. A radicalização da democracia e a con- quista da hegemonia política e cultural na socie- dade civil pelos partidos socialistas e classes po- pulares, com seus intelectuais orgânicos, poderão contribuir para a consolidação do SUS, sob con- trole público e, especialmente, para incidir no componente contraditório e revolucionário da reforma que é a saúde numa sociedade capitalis- ta16 . Conter o caráter patogênico do capital e re- direcionar o Estado para regular o mercado, ga- rantindo os direitos sociais conquistados na Cons- tituição de 1988, deve ser um dos pressupostos de uma política conseqüente de desenvolvimento. Apesar de a Reforma Sanitária propor a cons- trução de um Sistema Único de Saúde, o sistema de serviços de saúde ainda é fragmentado e su- bordinado a lógicas distintas: desde o interesse público ao objetivo de lucro e acumulação de capital, passando por espaços de realização de privilégio de corporações e de trocas clientelistas de partidos políticos. O SUS pode ser um grande exemplo de política pública democrática e des- centralizada, mas os cidadãos têm pago uma alta taxa de maus tratos e de desumanização nas filas e nos serviços de saúde estatais e privados con- tratados. O fortalecimento do SUS passa pela garantia de um financiamento estável para o seu custeio e investimento na sua expansão que, no âmbito federal, deveria corresponder, no míni- mo, a 30% do orçamento da seguridade social, segundo as disposições transitórias da Consti- tuição de 1988. A aprovação do PL 01/2003 re- presenta um passo necessário, embora insufici- ente para a sustentação do SUS. Não pode haver contingenciamento de recur- sos para a saúde enquanto a população é desas- sistida e morre pela falta ou precariedade do aten- dimento. Não deve haver complacência da Justi- ça diante de governantes que não cumprem a Constituição, sabotando os parcos recursos de- vidos para a saúde. A mídia, que tem sido tão diligente para denunciar o“caos do SUS”e o“apa- gão da saúde”, precisa contribuir no debate so- bre as causas desses fenômenos e na identifica- ção dos responsáveis. O SUS é uma conquista e um patrimônio do povo brasileiro. E a população precisa tomar conhecimento das suas lutas, de sua história para melhor compreender a ação dos seus algozes e pretensos coveiros, bem como os interesses es- púrios que não ousam explicitar na esfera públi- ca. Este é um dos paradoxos do SUS: seu sucesso como política pública pode significar um fracas- so na atenção às pessoas, já que melhorias no financiamento, infra-estrutura, gestão e organi- zação, apesar de fundamentais, não são suficien- tes para mudar o “modelo de desatenção”15 e as- segurar o direito à saúde. Portanto, o essencial do processo de cons- trução do SUS implica a mudança do modelo de atenção á saúde, em busca de efetividade, quali- dade e humanização das relações entre presta- dores de serviços e usuários, como parte de um processo mais geral de mudança nas concepções acerca da saúde e no desenvolvimento das práti- cas de saúde. Além disso, o SUS, para ser efetivo, supõe uma Reforma Democrática do Estado para torná-lo realmente público. O controle social ins- taurado através de conferências e conselhos, as- sim como a gestão participativa dele resultante, não tem sido suficiente para superar as amarras burocráticas, aparentemente criadas para que ele não venha a dar certo: Uma das práticas que mais favorece a corrupção no setor público é a distri- buição de cargos sem base em critérios técnicos, visando apenas garantir “pedaços” da máquina pública a partidos políticos ou grupos constituí- dos, que transformam os cargos em balcões de ne- gócios para troca de favores ou apoio em futuras campanhas políticas. Isso é ainda muito mais gra- ve quando acontece com serviços públicos dos quais depende a vida e a saúde das pessoas.17 Daí a necessidade de experimentar novos for- matos institucionais permeáveis à gestão com- partilhada pela sociedade civil, trabalhadores da saúde e governo, com garantia de um corpo téc- nico estável através de seleção pública e carreiras específicas. A proposta de Fundações Estatais pode ser uma das alternativas. Os modelos de administração direta e de administração indireta (autarquias, fundações e empresas públicas) podem ser considerados, igualmente, estatais. Fora posições ideológicas, não há nada que indi- que qualidade e compromissos maiores para os órgãos da administração direta. Pelo contrário, usualmente perdem em eficiência, eficácia e efeti- vidade, além de serem mais facilmente reféns das manobras da política partidária, do clientelismo, do fisiologismo e do favoritismo. Entretanto, a aposta no modelo jurídico de Fundação Estatal não está livre das vicissitudes de um processo político democrático. Pode-se estabelecer as regras do jogo, mas não se garan-
  • 10. 1828 Paim,J.S.&Teixeira,C.F. tem os resultados. Na dependência da correla- ção de forças, essa proposta pode apresentar-se mais conservadora ou progressista. Assim, a omissão, vacilação ou recuo das forças progres- sistas pode resultar no fortalecimento de proje- tos políticos neoliberais, conservadores, tecno- cráticos e corporativos. Mesmo admitindo-se a vitória das forças progressistas, a experiência do SUS indica que não basta a criação de uma lei para tornar uma situação irreversível. Antes da existência do SUS, já houve experiência de gestão pública mais flexível, como fundações e autar- quias, a exemplo da Fundação de Saúde do Esta- do da Bahia (FUSEB) e Instituto de Saúde do Estado da Bahia (ISEB), responsáveis pela ope- ração da rede de serviços da SESAB que sofre- ram, posteriormente, retrocessos e turbulências institucionais e depois extintas, enquadrando e engessando a gestão da saúde ao formato da administração direta, com sérias conseqüências para a descentralização, eficiência e eficácia da gestão18 . Do mesmo modo, a tradição da supe- restrutura jurídico-política brasileira pode levar o judiciário a se colocar no sentido contrário à modernização pretendida na gestão pública da saúde, caso a proposta de fundação estatal não esteja bem fundamentada juridicamente, assen- tada em pareceres de constitucionalistas reno- mados, fortalecendo certa jurisprudência perti- nente para seus propósitos virtuosos. As fundações estatais, enfim, podem estabe- lecer contratos de gestão, especificando objeti- vos, metas, atividades e recursos, em vez de insis- tir no pagamento por procedimentos entre entes públicos. Pode instituir formas de trabalho não precarizadas, com carreiras específicas e ingresso por concurso público. Têm a possibilidade de contribuir para a redução de cargos de confiança derivados de indicação político-partidária e de ampliar o controle social no cotidiano da gestão através de conselhos curadores e consultivos, sem prejuízo das atribuições dos conselhos de saúde respectivos. Finalmente, a indicação de dirigen- tes, em vez de se constituir em moeda de troca nos arranjos político-partidários sob o pretexto do alcance da “governabilidade”, poderá passar, a partir de critérios de qualificação técnica, pelo crivo dos conselhos de saúde e/ou Parlamento, sendo nomeados pelo Executivo por um período de cinco ou seis anos. Ao contrário do projeto de criação da Agência Federal de Prevenção e Controle de Doenças (APEC), mediante Medida Provisória (MP 33, 19/ 02/02) 19 de acordo com o protótipo do CDC americano e com“proposições mais truculentas e retrógradas que as desenvolvidas pela polícia sa- nitária”20 , sob a retórica da“publicização”, flexibi- lização e melhora da remuneração de sanitaris- tas, a proposta das fundações estatais tem o po- tencial de fortalecer o movimento por uma Re- forma Democrática de Estado centrada na cida- dania, na liberdade e na sustentabilidade do SUS. Portanto, os que defendem efetivamente o SUS e a Reforma Sanitária Brasileira precisam discutir alternativas de gestão que superem os obstáculos construídos pelos seus oponentes, seja pela burocracia estatal, seja pela área econômica, seja pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Cabe à sociedade civil exigir do Estado Brasileiro respon- sabilidade social e o dever com a saúde e a quali- dade de vida dos cidadãos. E às forças progres- sistas, em vez de caírem numa “estatolatria” sec- tária ou defenderem um Estado abstrato, cum- pre compreender a natureza do Estado brasilei- ro realmente existente e acioná-lo como espaço de disputa de projetos e de luta de classes. E o SUS necessário que queremos precisa implodir este Estado de mal-estar que conhecemos: patri- monialista, privatizado, autoritário, burocrático e clientelista. A “Reforma do Estado” empreendida na dé- cada de 90 para torná-lo “gerencial”, regulador, fora da produção econômica e da prestação de serviços é distinta de uma Reforma Democrática do Estado para torná-lo efetivamente público. Esta passa pela radicalização da democracia e da Reforma Sanitária Brasileira, implantação da Seguridade Social e desenvolvimento do SUS, e pela formulação e condução de políticas contra- hegemônicas.
  • 11. 1829 Ciência&SaúdeColetiva,12(Sup):1819-1829,2007 Colaboradores JS Paim e CF Teixeira participaram igualmente de todas as etapas da elaboração do artigo. Bresser-Pereira LC. Organizações sociais ou funda- ções estatais? A Tarde 2007 Out 8; p.11. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Gestão Projeto Fundação Esta- tal: principais aspectos In: Anexo I Quadros Compa- rativos das Formas Jurídico-Institucionais.Quadro I. Brasília: Ministério do Planejamento; 2007. p.48-51. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Fundação Estatal Saúde da Família: proposta para debate. 3º versão; setembro de 2007. 64p. Paim JS. Desafios para a saúde coletiva no século XXI. Salvador: EDUFBA; 2006. Paim JS. Reforma Sanitária Brasileira: contribuição para a compreensão e crítica [tese]. Salvador (Ba): Universidade Federal da Bahia; 2007. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. CEBES con- dena o loteamento político de cargos na saúde. 12 Junho de 2007. No prelo 2007. Paim JS. Saúde Política e Reforma Sanitária. Salva- dor: CEPS-ISC; 2002. Brasil. Ministério da Saúde. Medida Provisória nº 33, 19 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre os Siste- mas Nacionais de Epidemiologia, de Saúde Ambi- ental e de Saúde Indígena, cria a Agência Federal de Prevenção e Controle de Doenças - APEC, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2002; fev. [acessado 2007 outubro 10]. Disponível em: http://www.ipef.br/legislacao/bdlegislacao/ar- quivos/11917.rtf Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Outra emenda pior que o soneto. APEC- novas ameaças ao processo de descentralização da saúde. Boletim Abrasco 2002; 84:2-3. Artigo apresentado em 27/09/2007 Aprovado em 11/10/2007 Versão final apresentada em 13/10/2007 Referências Carta de Brasília. Documento final do 8º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde. Medicina CFM 2005; 156:12-13. Testa M. Pensar em saúde. Porto Alegre: Artes Mé- dicas/ABRASCO; 1992. Testa M. Análisis de instituciones hipercomplejas. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Huci- tec; Buenos Aires: Lugar Editorial; 1997. p.17-70. Nogueira MA. As possibilidades da política. Idéias para a reforma democrática do Estado. Rio de Janei- ro: Paz e Terra; 1998. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Único de Saú- de. Descentralização das ações e serviços de saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprir a Lei. NOB 01/93. Brasília: Ministério da Saúde; 1993. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Único de Saú- de. Gestão plena com responsabilidade pela saúde do cidadão. NOB 01/96. Brasília: Ministério da Saú- de; 1997. Levcovitz E, Lima LD, Machado CV. Políticas de Saúde nos anos 90: relações intergovernamentais e o papel das Normas Operacionais Básicas. Rev C S Col 2001; 6(2):269-291. ABRASCO, CEBES, ABRES, Rede Unida, AMPASA. Manifesto: Reafirmando compromissos pela saúde dos brasileiros. Brasília: ABRASCO, CEBES, ABRES, Rede Unida, AMPASA; 2005. Campos GWS. O público, o estatal, o privado e o particular nas políticas públicas de saúde. In: Hei- mann LS, Ibanhes LC, Barboza R. O público e o pri- vado na saúde. São Paulo: Hucitec; 2005. p. 89-110. Trevisan LN, Junqueira LAP. Construindo o “pacto de gestão” do SUS: da descentralização tutelada à gestão em rede. Rev C S Col 2007; 123(4):893-902. Pinto ICM. Ascensão e queda de uma questão na agenda governamental: o caso das organizações so- ciais da saúde na Bahia [tese]. Salvado (Ba): Univer- sidade Federal da Bahia; 2004. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20.