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A ‘‘INVENÇÃO DA TRADIÇÃO’’
           E O PAPEL DO DESIGN.
                                                                      Cesar Queiroz
                                                               Sócio e Estrategista da 2DA




                           ‘Nada parece mais antigo e, enraizado em um passado imemorial, que a
                           pompa que circula a monarquia britânica em suas cerimônias públicas.1’

                           Mas, segundo Hobsbawm, essa pompa, cuja aparência e símbolo
                           remetem ao passado remoto é, na verdade, produto do final do século XIX.

                           Interessante, não? O que é visceralmente sentido como algo originado
                           no passado remoto é, ao contrário, invenção recente, cujas credenciais
                           apontam para tal passado que, na verdade, inexiste.

                           Roper2, ao retratar a ‘invenção da tradição’ na constituição da nação
                           escocesa, aponta três aspectos importantes no processo:

                           1. A invenção do épico poema Ossian;
                           2. A invenção do Kilt;
01                         3. A invenção do Tartan.




     Poema Ossian (Foto Wikipédia)       Kilt                                    Tartan




                           1 HOBSBAWM,   Eric and RANGER, Terence. The invention of tradition (1983).
                           2   Idem 1
O poema Ossian que, supostamente, foi ‘descoberto’” em 1760
                                                                         popularizou a ideia de que a cultura escocesa é distinta e antiga. No
                                                                         entanto, essa cultura não existiu. Antes do final do século XVII tal
                                                                         grupo de pessoas era excedente da Irlanda. Partilhava, pois, da nação
                                                                         irlandesa. Da mesma forma, o kilt e o Tartan, aparatos nacionais
                                                                         que distinguem hoje os escoceses, são produtos modernos e não
                                                                         se originaram na antiguidade como se acredita. O Kilt foi inventado
                                                                         por um industrialista de nome Thomas Rawlinson e sua rápida
                                                                         adoção se deu em 1768. O Tartan, representante de famílias como
A ‘‘invenção da tradição’’ e o papel do design.




                                                                         é conhecido hoje, nunca existiu no passado com essa função.

                                                                         A velha história: muitas tradições são, de fato, invenções.

                                                                         Uma coisa é certa e previsível na construção de grupos, sejam eles
                                                                         nações, instituições e outros: as pessoas, intuitivamente, criam
                                                                         bandeiras; desenvolvem rituais e cerimônias, criam hinos, uniformes,
                                                                         imagens, símbolos, heróis, histórias e, quando podem, monumentos.
                                                                         Inventam-se tradições.

                                                                         Em 2008, por exemplo, residentes do Kosovo celebraram sua
                                                                         independência com a nova bandeira (figura 1). Unilateralmente,
                                                                         declararam independência da Sérvia.




02




                                                  Figura 1: Bandeira do Kosovo que unilateralmente declarou independência da Sérvia.
Olins3 cita o caso da Guerra civil Americana. Em pouco tempo,
                                                  meses ou quase semanas em 1860, quando se deu início a recessão,
                                                  toda a estrutura dos confederados, que buscava independência
                                                  da união, estava posta. Rituais, símbolos, uniformes, bandeira,
                                                  hino, constituição, possibilitando criar coesão, desenvolver
                                                  novos e destruir antigos lealismos, marcar territórios, reforçar
                                                  novas idéias e criar uma nova forma de fazer e de enxergar.

                                                  Toda essa parafernália tangível constitui o reflexo, a ponta
A ‘‘invenção da tradição’’ e o papel do design.




                                                  visível de mudanças profundas em transformação. Visões,
                                                  sonhos, forma de olhar, valores, normas, aspirações, ideais.
                                                  Ao mesmo tempo em que reflete, o conjunto de imagens
                                                  e símbolos reforça e impulsiona as mudanças.

                                                  Essas ‘tradições inventadas’, como diz Hobsbawm, ‘são um
                                                  conjunto de práticas normalmente direcionadas, tacitamente ou
                                                  não, por regras aceitas de natureza simbólica que buscam inculcar
                                                  certos valores e normas de comportamento por repetição e que
                                                  implicam, automaticamente, continuidade com o passado.4’

                                                  Elas buscam estabelecer conexões com o passado histórico, mas
                                                  essas conexões são, na melhor das hipóteses, tênues e frágeis. Elas
                                                  forjam, suportam e estruturam inovações de pensamentos, visões e
                                                  ideais, quando conectam, de forma inventada, com o suposto passado
                                                  histórico. Dessa forma, legitimam as mudanças em andamento

                                                  A parafernália visível, simbólica e comportamental, portanto,
                                                  exterioriza-se e, assim, reforça as mudanças em andamento
03                                                e, ao mesmo tempo, busca estabelecer ‘conexões’ com o
                                                  passado, que sabemos não existir.

                                                  O interessante, diz Olins, é que as ferramentas usadas para
                                                  projetar novas empresas ou reposicionar as existentes, são
                                                  as mesmas usadas para projetar nações em surgimento,
                                                  lembrando, claro, a diferença de tecnologia de hoje. Afinal,
                                                  organizações, assim como nações, são grupos de pessoas.

                                                  A ponta visível das mudanças em andamento é a exteriorização
                                                  de um sistema compartilhado de significados, que Fons
                                                  Trompenaars5 chama de cultura.Ela dita como agimos, a que
                                                  prestamos atenção e o que valorizamos. É, no final das
                                                  contas, um forte gerador de comportamentos.




                                                  3 OLINS, Wally. Corporate Identity - Making business strategy visible through design (1989).
                                                  4 Idem   1
                                                  5 TROMPENNARS, Fons and HAMPDEN-TURNER, Charles. Riding in the waves of culture (1998).
Na camada exterior da cultura residem os produtos e os artefatos
                                                  explícitos (figura 2). Linguagem, comida, bebida, casas, monumentos,
                                                  agricultura, moda, arte, cerimônias, rituais. No caso específico de
                                                  empresas, incluímos sua arquitetura, cores, formas, símbolos,
                                                  documentos, jeito de conversar e se portar, vocabulário, histórias.

                                                  A camada intermediária, não visível, é constituída pelas normas
                                                  e valores. Norma é o senso compartilhado de um grupo do que é
                                                  certo ou errado. Valor é o senso compartilhado do que é bom
A ‘‘invenção da tradição’’ e o papel do design.




                                                  ou ruim. Enquanto o risco é esperado em uma empresa, em outra
                                                  o que é essencialmente esperado é a estabilidade. Ou, enquanto
                                                  o certo é encarar desafios, em outros contextos, é permanecer
                                                  na zona de conforto.

                                                  E, por fim, o núcleo ou camada interna é composto pelas premissas
                                                  e pressupostos de um grupo que direcionam a forma peculiar
                                                  de interpretar as coisas. Em muitas organizações, por exemplo,
                                                  pressupõe-se que o desenvolvimento humano e organizacional se
                                                  dá mediante situações desafiadoras, enquanto em outras, que esse
                                                  desenvolvimento se dá mediante contextos seguros e estáveis.




                                                                                  atos e Produto
                                                                             Artef              s


04                                                                                   as e Valor
                                                                                 Norm          es

                                                                                          supos
                                                                                        es
                                                                                                 tos
                                                                                  Pr




                                                                                        Implícitos




                                                                                      Explícitos


                                                  Figura 2: Modelo de Cultura de Trompenaars6”



                                                  6 Idem   5
Essa cultura é a cola, o cimento que une e conecta as pessoas e
                                                  equipes. Ela confere unidade, representa linguagem, símbolos,
                                                  valores, normas, pressupostos compartilhados. Ela é a resposta
                                                  a um dos pré-requisitos de construção identitária: as pessoas
                                                  desejam pertencer, precisam saber o que representam, a quem
                                                  devem lealdade. Entra, assim, a força do simbolismo. Dificilmente,
                                                  haverá grupos eficazes de pessoas sem que haja pertencimento
                                                  e propósito.
A ‘‘invenção da tradição’’ e o papel do design.




                                                  Eis, portanto, o importante papel da cultura e seus símbolos. Nas
                                                  palavras do Olins7 ‘a organização funciona apenas se as pessoas
                                                  possuem um senso de pertencimento compartilhado, se são
                                                  orgulhosas da empresa e do que ela faz, se compartilham uma
                                                  cultura comum, se existem acordos sobre o comportamento
                                                  aceito e o não aceito, se entendem, explicita e implicitamente,
                                                  os objetivos e ambições do negócio como um todo.’”

                                                  Embora não possuam bandeiras ou hinos, as empresas possuem
                                                  uma logo e um nome. Cultuam símbolos, rituais, histórias, heróis
                                                  e mitos. Têm, tácita ou explicitamente, códigos de conduta,
                                                  normas, valores, pressupostos. Possuem formas de olhar, de
                                                  ser, de pensar, paradigmas. Se, de um lado, tem-se a identidade
                                                  nacional, do outro, a identidade corporativa. A invenção da
                                                  tradição é, assim, chave para o sucesso das marcas.


                                                  Nesse contexto, qual o papel do design?

05                                                Acredito que, no mundo corporativo, no qual o fim não é a
                                                  autoexpressão do artista, mas o cumprimento da missão do negócio,
                                                  o design tem papel fundamental na expressão do que torna a
                                                  organização única e relevante: seus valores, crenças, visão, promessa,
                                                  aspirações, ambições, forma de olhar, ou seja, a identidade corporativa.
                                                  Falando a mesma coisa, porém na linguagem do branding8, o design
                                                  é responsável por representar a idéia da marca, sua arquitetura e
                                                  personalidade: a essência corporativa.

                                                  O design, nessa perspectiva, é a essência corporativa representada
                                                  em imagem, em som, em textura, em cheiro, em sabor. A marca
                                                  assim ganha vida e não somente conecta como também engaja
                                                  emocionalmente as pessoas, sejam elas internas ou externas à
                                                  organização. O design é o motor das emoções. Estimula as pessoas,
                                                  possibilita experiências reais com a marca e, principalmente, estabelece
                                                  com elas fortes laços emocionais, afinal parte da comunicação humana
                                                  é inconsciente e não verbal. No fundo, os símbolos movem as pessoas,
                                                  refletem e ao mesmo tempo fortalecem quem é, de fato, a empresa.



                                                  7 Idem3
                                                  8Branding corporativo aqui é visto como o processo pelo qual as organizações continuamente
                                                  se questionam quem são, mantendo ou desenvolvendo assim sua razão de existir, razão que
                                                  deve ser relevante para as pessoas dentro e fora da empresa.
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César Queiroz | A Invenção da tradição e o papel do design

  • 1. A ‘‘INVENÇÃO DA TRADIÇÃO’’ E O PAPEL DO DESIGN. Cesar Queiroz Sócio e Estrategista da 2DA ‘Nada parece mais antigo e, enraizado em um passado imemorial, que a pompa que circula a monarquia britânica em suas cerimônias públicas.1’ Mas, segundo Hobsbawm, essa pompa, cuja aparência e símbolo remetem ao passado remoto é, na verdade, produto do final do século XIX. Interessante, não? O que é visceralmente sentido como algo originado no passado remoto é, ao contrário, invenção recente, cujas credenciais apontam para tal passado que, na verdade, inexiste. Roper2, ao retratar a ‘invenção da tradição’ na constituição da nação escocesa, aponta três aspectos importantes no processo: 1. A invenção do épico poema Ossian; 2. A invenção do Kilt; 01 3. A invenção do Tartan. Poema Ossian (Foto Wikipédia) Kilt Tartan 1 HOBSBAWM, Eric and RANGER, Terence. The invention of tradition (1983). 2 Idem 1
  • 2. O poema Ossian que, supostamente, foi ‘descoberto’” em 1760 popularizou a ideia de que a cultura escocesa é distinta e antiga. No entanto, essa cultura não existiu. Antes do final do século XVII tal grupo de pessoas era excedente da Irlanda. Partilhava, pois, da nação irlandesa. Da mesma forma, o kilt e o Tartan, aparatos nacionais que distinguem hoje os escoceses, são produtos modernos e não se originaram na antiguidade como se acredita. O Kilt foi inventado por um industrialista de nome Thomas Rawlinson e sua rápida adoção se deu em 1768. O Tartan, representante de famílias como A ‘‘invenção da tradição’’ e o papel do design. é conhecido hoje, nunca existiu no passado com essa função. A velha história: muitas tradições são, de fato, invenções. Uma coisa é certa e previsível na construção de grupos, sejam eles nações, instituições e outros: as pessoas, intuitivamente, criam bandeiras; desenvolvem rituais e cerimônias, criam hinos, uniformes, imagens, símbolos, heróis, histórias e, quando podem, monumentos. Inventam-se tradições. Em 2008, por exemplo, residentes do Kosovo celebraram sua independência com a nova bandeira (figura 1). Unilateralmente, declararam independência da Sérvia. 02 Figura 1: Bandeira do Kosovo que unilateralmente declarou independência da Sérvia.
  • 3. Olins3 cita o caso da Guerra civil Americana. Em pouco tempo, meses ou quase semanas em 1860, quando se deu início a recessão, toda a estrutura dos confederados, que buscava independência da união, estava posta. Rituais, símbolos, uniformes, bandeira, hino, constituição, possibilitando criar coesão, desenvolver novos e destruir antigos lealismos, marcar territórios, reforçar novas idéias e criar uma nova forma de fazer e de enxergar. Toda essa parafernália tangível constitui o reflexo, a ponta A ‘‘invenção da tradição’’ e o papel do design. visível de mudanças profundas em transformação. Visões, sonhos, forma de olhar, valores, normas, aspirações, ideais. Ao mesmo tempo em que reflete, o conjunto de imagens e símbolos reforça e impulsiona as mudanças. Essas ‘tradições inventadas’, como diz Hobsbawm, ‘são um conjunto de práticas normalmente direcionadas, tacitamente ou não, por regras aceitas de natureza simbólica que buscam inculcar certos valores e normas de comportamento por repetição e que implicam, automaticamente, continuidade com o passado.4’ Elas buscam estabelecer conexões com o passado histórico, mas essas conexões são, na melhor das hipóteses, tênues e frágeis. Elas forjam, suportam e estruturam inovações de pensamentos, visões e ideais, quando conectam, de forma inventada, com o suposto passado histórico. Dessa forma, legitimam as mudanças em andamento A parafernália visível, simbólica e comportamental, portanto, exterioriza-se e, assim, reforça as mudanças em andamento 03 e, ao mesmo tempo, busca estabelecer ‘conexões’ com o passado, que sabemos não existir. O interessante, diz Olins, é que as ferramentas usadas para projetar novas empresas ou reposicionar as existentes, são as mesmas usadas para projetar nações em surgimento, lembrando, claro, a diferença de tecnologia de hoje. Afinal, organizações, assim como nações, são grupos de pessoas. A ponta visível das mudanças em andamento é a exteriorização de um sistema compartilhado de significados, que Fons Trompenaars5 chama de cultura.Ela dita como agimos, a que prestamos atenção e o que valorizamos. É, no final das contas, um forte gerador de comportamentos. 3 OLINS, Wally. Corporate Identity - Making business strategy visible through design (1989). 4 Idem 1 5 TROMPENNARS, Fons and HAMPDEN-TURNER, Charles. Riding in the waves of culture (1998).
  • 4. Na camada exterior da cultura residem os produtos e os artefatos explícitos (figura 2). Linguagem, comida, bebida, casas, monumentos, agricultura, moda, arte, cerimônias, rituais. No caso específico de empresas, incluímos sua arquitetura, cores, formas, símbolos, documentos, jeito de conversar e se portar, vocabulário, histórias. A camada intermediária, não visível, é constituída pelas normas e valores. Norma é o senso compartilhado de um grupo do que é certo ou errado. Valor é o senso compartilhado do que é bom A ‘‘invenção da tradição’’ e o papel do design. ou ruim. Enquanto o risco é esperado em uma empresa, em outra o que é essencialmente esperado é a estabilidade. Ou, enquanto o certo é encarar desafios, em outros contextos, é permanecer na zona de conforto. E, por fim, o núcleo ou camada interna é composto pelas premissas e pressupostos de um grupo que direcionam a forma peculiar de interpretar as coisas. Em muitas organizações, por exemplo, pressupõe-se que o desenvolvimento humano e organizacional se dá mediante situações desafiadoras, enquanto em outras, que esse desenvolvimento se dá mediante contextos seguros e estáveis. atos e Produto Artef s 04 as e Valor Norm es supos es tos Pr Implícitos Explícitos Figura 2: Modelo de Cultura de Trompenaars6” 6 Idem 5
  • 5. Essa cultura é a cola, o cimento que une e conecta as pessoas e equipes. Ela confere unidade, representa linguagem, símbolos, valores, normas, pressupostos compartilhados. Ela é a resposta a um dos pré-requisitos de construção identitária: as pessoas desejam pertencer, precisam saber o que representam, a quem devem lealdade. Entra, assim, a força do simbolismo. Dificilmente, haverá grupos eficazes de pessoas sem que haja pertencimento e propósito. A ‘‘invenção da tradição’’ e o papel do design. Eis, portanto, o importante papel da cultura e seus símbolos. Nas palavras do Olins7 ‘a organização funciona apenas se as pessoas possuem um senso de pertencimento compartilhado, se são orgulhosas da empresa e do que ela faz, se compartilham uma cultura comum, se existem acordos sobre o comportamento aceito e o não aceito, se entendem, explicita e implicitamente, os objetivos e ambições do negócio como um todo.’” Embora não possuam bandeiras ou hinos, as empresas possuem uma logo e um nome. Cultuam símbolos, rituais, histórias, heróis e mitos. Têm, tácita ou explicitamente, códigos de conduta, normas, valores, pressupostos. Possuem formas de olhar, de ser, de pensar, paradigmas. Se, de um lado, tem-se a identidade nacional, do outro, a identidade corporativa. A invenção da tradição é, assim, chave para o sucesso das marcas. Nesse contexto, qual o papel do design? 05 Acredito que, no mundo corporativo, no qual o fim não é a autoexpressão do artista, mas o cumprimento da missão do negócio, o design tem papel fundamental na expressão do que torna a organização única e relevante: seus valores, crenças, visão, promessa, aspirações, ambições, forma de olhar, ou seja, a identidade corporativa. Falando a mesma coisa, porém na linguagem do branding8, o design é responsável por representar a idéia da marca, sua arquitetura e personalidade: a essência corporativa. O design, nessa perspectiva, é a essência corporativa representada em imagem, em som, em textura, em cheiro, em sabor. A marca assim ganha vida e não somente conecta como também engaja emocionalmente as pessoas, sejam elas internas ou externas à organização. O design é o motor das emoções. Estimula as pessoas, possibilita experiências reais com a marca e, principalmente, estabelece com elas fortes laços emocionais, afinal parte da comunicação humana é inconsciente e não verbal. No fundo, os símbolos movem as pessoas, refletem e ao mesmo tempo fortalecem quem é, de fato, a empresa. 7 Idem3 8Branding corporativo aqui é visto como o processo pelo qual as organizações continuamente se questionam quem são, mantendo ou desenvolvendo assim sua razão de existir, razão que deve ser relevante para as pessoas dentro e fora da empresa.