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PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Com certeza, A. W. Pink (como assinava em suas cartas e artigos) nunca
imaginaria que, no final do século 20 e ao longo do século 21, dificilmente seria
necessário explicar quem é Pink quando nos dirigindo às pessoas que consideram a
Bíblia como Palavra de Deus e se empenham em compreendê-la, entre outras coisas,
utilizando bons livros.
Vivendo quase em completo anonimato,[1] salvo por aqueles poucos que
assinavam sua revista publicada mensalmente, o valor de Arthur Pink foi descoberto
pelo mundo apenas após sua morte, quando seus artigos passaram a ser reunidos e
publicados na forma de livros. Ian Murray afirma que, mediante a ampla circulação de
seus escritos após a sua morte, ele se tornou um dos autores evangélicos mais influentes
na segunda metade do século 20.[2] Foi D. Martyn Lloyd-Jones quem disse: “Não
desperdice o seu tempo lendo Barth e Brunner. V
ocê não receberá nada deles que o
ajude na pregação. Leia Pink!”.
Já Richard Belcher, um pastor que tem escrito alguns livros sobre a vida e obra
do nosso autor, disse o seguinte:
“Nós não o idolatramos. Mas o reconhecemos como um homem de Deus
ímpar, que pode nos ensinar por meio da sua caneta. Ele
verdadeiramente ‘nasceu para escrever’, e todas as circunstâncias de sua
vida, mesmo as negativas que ele não entendeu,[3] levaram-no ao
cumprimento desse propósito ordenado por Deus”.
John Thornbury, autor de vários livros, inclusive uma excelente biografia sobre
David Brainerd,[4] disse o seguinte:
“Sua influência abrange o mundo todo e hoje um exército poderoso de
pregadores de várias denominações está usando seus materiais e
pregando a congregações, grandes e pequenas, as verdades que ele
extraiu da Palavra de Deus. Eu o honro por sua coragem, discernimento,
perspicuidade, equilíbrio, e acima de tudo por seu amor apaixonado pelo
Deus trino”.
No Brasil, Arthur Pink é relativamente bem conhecido, graças à publicação de
dois dos seus livros mais conhecidos: The Sovereignty of God[5] e The Attributes of
God.[6] Mas o legado de Pink é bem maior que isso! Seus escritos reunidos compõem
mais de quarenta livros, merecendo destaque especial o seu comentário sobre Hebreus
(1307 págs.)[7] e sobre o Evangelho de João (1160 págs.)[8].
Os capítulos que compreendem Os Dez Mandamentos foram primeiramente
publicados em Studies in the Scriptures[9] – uma revista mensal editada por Pink e
devotada à exposição da Palavra. Esses artigos apareceram nas edições de janeiro a
dezembro de 1941. Na edição de janeiro, antes de passar à exposição propriamente
dita, Pink disse o seguinte:
“Durante os últimos dezenove anos, temos escrito vários artigos sobre a
Lei Moral; todavia, sentimo-nos constrangidos a devotar as primeiras
páginas das edições ao longo de 1941 (se o Senhor permitir) a uma
consideração do Decálogo Divino. Algumas das nossas razões para fazê-
lo são as seguintes: por causa da grande importância que o próprio Deus
atribui ao mesmo; porque estamos plenamente persuadidos que não pode
haver nenhuma esperança com fundamento sólido quanto a um genuíno
reavivamento da piedade entre os crentes, e da moralidade entre os
incrédulos, até que os Dez Mandamentos ganhem novamente o seu lugar
apropriado em nossas afeições, pensamentos e vidas; porque alguns dos
nossos amigos têm requisitado que o façamos; e porque vários dos
nossos leitores têm sido ensinados erroneamente sobre isso – alguns por
dispensacionalistas, outros por antinomianos”.
Em A. W. Pink, encontramos a mesma teologia de C. H. Spurgeon,[10] a quem
muito admirava, e uma eloquência e paixão pela verdade semelhantes ao do grande
Príncipe dos Pregadores. Falando sobre John Bunyan, autor do famoso clássico cristão
O Peregrino, Spurgeon disse que, se o furássemos, jorraria Bíblia, e não sangue, em
razão de que Bunyan estava saturado da Bíblia. O mesmo era verdade do próprio
Spurgeon, e de Pink, facilmente percebido nos escritos destes.[11] As últimas palavras
de Pink antes de morrer, ao lado de sua esposa, foram: “As Escrituras explicam a si
mesmas”.[12] Que declaração final apropriada para um homem que dedicou sua vida
ao entendimento e explicação da Palavra de Deus!
Embora não seja exaustiva, a exposição de Pink sobre a Lei Moral de Deus é
bíblica, fazendo com que recordemos muitas vezes a explicação que o Senhor Jesus deu
sobre a mesma no seu famoso Sermão do Monte.[13] Que este livro possa levar muitos
dos servos de Deus a encararem a sua Lei com seriedade, honrando a Deus por meio do
ensino e cumprimento desta, que sempre foi o alvo e o objetivo do autor. Sim, que
durante a leitura você possa exclamar, juntamente com o salmista: “Oh! Quanto amo a
tua lei! É a minha meditação em todo o dia” (Sl 119.97).
Felipe Sabino de Araújo Neto
29 de janeiro de 2009
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Existem duas coisas que são indispensáveis à vida do cristão: primeira, um
claro conhecimento do dever; e segundo, uma conscienciosa prática do dever
correspondente a esse conhecimento. Como não podemos ter uma bem firmada
esperança sem obediência, assim também não podemos ter uma regra segura de
obediência sem conhecimento. Embora possa haver conhecimento sem prática; todavia,
não é possível a prática da vontade de Deus sem conhecimento. Portanto, para que
pudéssemos estar informados do que devemos fazer, e o que devemos evitar, agradou
ao Soberano e Juiz de toda a terra prescrever para nós leis para o regulamento das
nossas ações. Quando tínhamos miseravelmente desfigurado a Lei da natureza,
originalmente escrita em nosso coração, de modo tal que muitos de seus mandamentos
não eram mais legíveis, pareceu bem ao Senhor transcrever essa Lei nas Escrituras – e
nos Dez Mandamentos temos um sumário da mesma.
Primeiro consideremos a sua promulgação. A maneira na qual o Decálogo foi
formalmente entregue a Israel inspirou muito medo, mas estava repleta de valiosas
instruções para nós. Primeiro, o povo recebeu ordens de passar dois dias se
preparando, por meio de uma purificação cerimonial de todas as impurezas externas,
antes que estivessem aptos a permanecer na presença de Deus (Êx 19.10, 11). Isso nos
ensina que uma séria preparação do coração e da mente tem de ser feita antes que
venhamos esperar na presença de Deus as suas ordenanças e receber uma palavra da
sua boca; e que se Israel teve de se santificar para aparecer diante de Deus no Sinai,
quanto muito mais nós devemos nos santificar, para que possamos estar adequados para
aparecer diante de Deus no céu. Em seguida, o monte em que Deus apareceu teve de ser
cercado, com uma estrita proibição de que ninguém deveria se aproximar da montanha
sagrada (19.12, 13). Isso nos ensina que Deus é infinitamente superior a nós, e a maior
reverência lhe é devida, e nos mostra o quanto a sua Lei é estrita.
Em seguida, temos a descrição da assustadora manifestação na qual Yahweh
apareceu para entregar a sua Lei (Êx 19.18, 19), que foi planejada para afetar o povo
de Israel com temor pela sua autoridade e mostrar que, se Deus era tão terrível para dar
a sua Lei, quanto mais ele não será quando vier nos julgar pela violação dela? Quando
Deus entregou os Dez Mandamentos, o povo foi tão grandemente afetado que eles
rogaram a Moisés que atuasse como mediador e intérprete entre Deus e eles (20.18,
19). Isso nos ensina que, quando a Lei é dada diretamente por Deus, isso é (em si
mesmo) a ministração de condenação e morte, mas como foi entregue a nós pelo
Mediador, Cristo, podemos ouvir e observá-la (veja Gl 3.19; Gl 6.2; 1Co 9.21). Assim,
Moisés subiu ao monte e recebeu a Lei, escrita pelo próprio dedo de Deus sobre tábuas
de pedra, significando que o nosso coração é, naturalmente, tão duro que nada, a não
ser o dedo de Deus, pode fazer qualquer impressão de sua Lei nele. Aquelas tábuas
foram quebradas por Moisés em seu santo zelo (Êx 32.19), e Deus as escreveu uma
segunda vez (34.1). Isso quer dizer que a Lei da natureza foi escrita em nosso coração
na criação, quebrada quando caímos em Adão, e reescrita na regeneração (Hb 10.16).
Mas alguém pode perguntar: “Não foi a Lei totalmente revogada pela vinda de
Cristo ao mundo? V
ocê nos traria debaixo daquele horrível jugo de escravidão que
jamais alguém foi capaz de suportar? O Novo Testamento não declara expressamente
que não estamos debaixo da Lei, mas debaixo da graça; que Cristo nasceu sob a Lei
para livrar seu povo dali em diante? Não é uma tentativa de intimidar a consciência do
homem com a autoridade do Decálogo uma imposição legalista, totalmente em
desacordo com a liberdade cristã que o Salvador trouxe pela sua obediência até a
morte?”. Respondemos assim: longe de a Lei ter sido abolida pela vinda de Cristo a
esse mundo, ele próprio declarou enfaticamente: “Não cuideis que vim destruir a lei ou
os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o
céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja
cumprido” (Mt 5.17, 18). É verdade, o cristão não está debaixo da Lei como uma
Aliança de Obras, nem como uma ministração de condenação, mas ele está debaixo
dela como uma regra de vida e um meio de santificação.
Segundo, consideremos suas singularidades. Isso aparece primeiro no fato de
que essa revelação de Deus no Sinai – a qual deveria servir para todas as eras
vindouras como a grande expressão de sua santidade e a soma dos deveres do homem –
foi acompanhada com tal fenômeno atemorizador que a própria maneira da sua
publicação mostrou claramente que Deus mesmo atribuiu ao Decálogo importância
peculiar. Os Dez Mandamentos foram pronunciados por Deus em voz audível, com o
acompanhamento amedrontador de nuvens e trevas, trovões e raios e o som de uma
trombeta, e foram as únicas partes da Divina Revelação assim pronunciadas – nenhum
dos preceitos cerimoniais ou civis foi assim distinto. Aquelas Dez Palavras, e somente
elas, foram escritas pelo dedo de Deus sobre tábuas de pedra, e somente elas foram
depositadas na arca santa para salvaguarda. Assim, na honra única conferida ao
Decálogo, podemos perceber sua grande importância no governo divino.
Terceiro, consideremos sua fonte, que é o amor. Pouquíssima ênfase tem sido
dada ao seu divino prefácio: “Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o
SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”. Não obstante a
grandeza assombrosa e majestade solene que acompanharam a promulgação da Lei, ela
teve seu fundamento no amor. A Lei procedia de Deus como uma clara expressão de
seu caráter, tanto como o gracioso Redentor como também o justo Senhor do seu povo.
A conclusão óbvia e o princípio importantíssimo que deve ser tirado dessa
compreensão é essa: a redenção necessita de conformidade ao caráter e à ordem de
Deus naqueles que são redimidos. Não apenas a dádiva do Decálogo por Deus foi um
ato de amor, mas o amor foi a base sobre a qual ele foi recebido pelo seu povo, e
somente assim poderia existir uma conformidade, e essencial similitude, entre um Deus
redentor e um povo redimido. As palavras finais do segundo mandamento, “faço
misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus
mandamentos” (ARA), deixam claro como cristal que a única obediência que Deus
aceita é a que provém de um coração afetuoso. O Salvador declarou que as exigências
da Lei se resumiam em amar a Deus de todo o nosso coração e ao nosso próximo como
a nós mesmos.
Quarto, consideremos sua perpetuidade. Que o Decálogo é uma obrigação para
todo homem em cada geração sucessiva é evidente a partir de muitas considerações.
Primeiro, como a expressão necessária e imutável da retidão de Deus, sua autoridade
sobre todos os agentes morais torna-se inevitável: o caráter do próprio Deus deve
mudar antes que a Lei (a regra do seu governo) possa ser revogada. Essa é a Lei que foi
dada ao homem na sua criação, da qual a sua subsequente apostasia não pôde livrá-lo.
A Lei Moral está fundamentada em relações que subsistem onde quer que haja criaturas
dotadas de razão e vontade. Segundo, o próprio Cristo prestou à Lei uma obediência
perfeita, deixando-nos, desse modo, um exemplo, que devemos seguir os seus passos.
Terceiro, o apóstolo dos gentios levantou especificamente a questão: “Anulamos, pois,
a lei pela fé?”, e respondeu: “De maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei” (Rm
3.31). Finalmente, a perpetuidade da Lei aparece no ato de Deus escrevê-la no coração
do seu povo quando do seu novo nascimento (Jr 31.33; Ez. 36.26, 27).
Quinto, diremos uma palavra sobre o número dos mandamentos da Lei Moral,
dez sendo indicativo de sua completude. Isso é enfatizado na Escritura por serem
expressamente designados como “as dez palavras” (Êx 34.28, ARA), que indica que
formavam por si um todo constituído do necessário, e não mais que o necessário,
complemento de suas partes. Foi em razão desse significado simbólico do número que
as pragas sobre o Egito foram precisamente dez, formando como tal um círculo
completo de julgamentos divinos. E foi pela mesma razão que as transgressões dos
hebreus no deserto foram permitidas a prosseguir até que o mesmo número tivesse sido
alcançado: quando tinham pecado já “dez vezes” (Nm 14.21) encheram a medida das
suas iniquidades. Daí também a consagração dos dízimos ou décima parte: toda a
produção era representada por dez, e uma parte era separada para o Senhor, como sinal
de que tudo provinha dele e era dele.
Sexto, consideremos sua divisão. Como Deus nunca age sem uma boa razão,
podemos ter certeza de que ele tinha algum desígnio em escrever a Lei sobre duas
tábuas. Esse desígnio é evidente na superfície, pois a própria substância desses
preceitos, que juntos compreendem a soma da justiça, separa-os em dois grupos
distintos, o primeiro com respeito às nossas obrigações para com Deus, e o segundo as
nossas obrigações para com os homens; o primeiro tratando do que pertence ao culto de
Deus; o último, dos deveres de caridade em nossas relações sociais. Extremamente sem
valor é aquela justiça que se abstém de atos de violência contra o nosso próximo,
enquanto retemos da Majestade dos céus a glória que lhe é devida. Igualmente vão é
fingir ser adorador de Deus se nos recusarmos àqueles deveres de amor ao nosso
próximo. A abstenção da fornicação é mais do que neutralizada se eu, com blasfêmia,
tomo o nome do Senhor em vão, enquanto o mais formal dos cultos é rejeitado por ele
se eu roubar ou mentir.
Nem os deveres do culto divino ocupam a primeira tábua simplesmente porque
eles são, como Calvino designa, “a cabeça da religião”; mas, como ele corretamente
acrescenta, eles são “a sua própria alma, constituindo toda a sua vida e vigor”, pois
sem o temor a Deus, os homens não preservam nenhuma igualdade e amor entre si
mesmos. Se o princípio da piedade estiver ausente, seja qual for a justiça, misericórdia
e temperança que os homens possam praticar entre si, é vão aos olhos do céu; enquanto
que, se Deus ocupa o seu lugar de direito em nosso coração e vida, venerando-o como
o Árbitro do certo e do errado, isso nos constrangerá a tratar equitativamente o nosso
próximo. Opiniões têm variado sobre como as Dez Palavras foram divididas, se a
quinta terminava a primeira tábua ou começava a segunda. Pessoalmente, inclinamo-
nos, decididamente, à primeira: porque os pais se situam para nós no lugar de Deus
enquanto somos jovens; porque na Escritura os pais nunca são vistos como “próximo” –
em uma igualdade; e porque cada um dos cinco primeiros mandamentos contém a frase
“o SENHOR teu Deus”, que não é encontrada em qualquer dos cinco restantes.
Sétimo, consideremos sua espiritualidade. “A Lei é espiritual” (Rm 7.14) não
somente porque procede de um Legislador espiritual, mas porque demanda mais do que
a mera obediência de conduta externa, a saber, a obediência interna do coração na sua
maior extensão. É somente quando percebemos que o Decálogo atinge pensamentos e
desejos do coração que descobrimos o quanto existe em nós mesmos em direta
oposição a ele. Deus requer a verdade “no íntimo” (Sl 51.6) e proíbe o menor desvio
de santidade até nas nossas imaginações. O fato de a Lei tomar conhecimento das
nossas mais secretas disposições e intenções, demandar a santa regulação de nossa
mente, afeições e vontade, e exigir que toda a nossa obediência proceda do amor,
demonstra de imediato sua origem divina. Nenhuma outra lei jamais professou governar
o espírito do homem, mas aquele que sonda o coração exige nada menos. Essa alta
espiritualidade da Lei foi evidenciada por Cristo quando ele insistiu que um olhar de
cobiça era adultério e que a ira maligna era uma quebra do sexto mandamento.
Oitavo, consideremos seu ofício. A primeira utilidade da Lei Moral é revelar a
única retidão que é aceitável a Deus, e, ao mesmo tempo, revelar a nós a nossa falta de
retidão. O pecado tem cegado nosso julgamento, nos enchido de amor próprio, e
trabalhado em nós um falso sentido de nossa própria suficiência. Mas se nos
comparamos seriamente com as altas e santas demandas da Lei de Deus, ficamos
cientes da nossa insolência sem fundamento, convencidos de nossa imundície e culpa, e
feitos conscientes da nossa falta de força para fazer o que é requerido de nós. Calvino,
em suas Institutas da Religião Cristã (Livro II, Cap. 7, seção 7), diz: “Desta sorte, a
lei é como que um espelho no qual contemplamos nossa incapacidade, então resultante
desta a iniquidade, por fim a maldição proveniente de ambas”. Seu segundo uso é
reprimir os transgressores, os quais, ainda que não se preocupem com a glória de Deus
nem em agradá-lo, todavia se refreiam de muitos atos externos de pecado pelo medo de
sua terrível penalidade. Embora isso não os recomende a Deus, é um benefício para a
comunidade na qual eles vivem. Terceiro, a Lei é a regra de vida do crente, para dirigi-
lo e mantê-lo dependente da graça divina.
Nono, consideremos suas sanções. Não somente o Senhor nos trouxe sob
infinitas obrigações por nos haver redimido da escravidão do pecado, não somente tem
ele dado ao seu povo tal visão e sentimento de sua majestade inspiradora de temor,
como gerado neles uma reverência por sua soberania; mas ele foi servido de
providenciar persuasões adicionais para nós nos aquiescermos à sua autoridade,
cumprirmos alegremente sua ordenança, e termos aversão ao que ele proíbe, por
promessas e ameaças acrescentadas, dizendo: “Porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus
zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração
daqueles que me odeiam e faço misericórdia a milhares[14] dos que me amam e aos
que guardam os meus mandamentos”. Assim, somos informados de que aqueles que
cumprem os seus comandos não laborarão em vão, bem como os rebeldes não
escaparão impunemente.
E décimo e finalmente, consideremos sua interpretação. “Teu mandamento”,
diz o salmista, “é amplíssimo”[15] (119.96). Tão abrangente é a Lei Moral que sua
autoridade se estende a todas as ações morais de nossas vidas. O restante das
Escrituras é apenas um comentário sobre os Dez Mandamentos, quer nos estimulando à
obediência por meio de argumentos, persuadindo-nos por promessas, refreando-nos da
transgressão por ameaças, ou nos compelindo a um e refreando do outro por exemplos
registrados nas porções históricas. Corretamente compreendidos, os preceitos do Novo
Testamento são apenas explicações, amplificações e aplicações dos Dez Mandamentos.
Deveria ser cuidadosamente observado que nas coisas expressamente ordenadas ou
proibidas existe sempre implicado mais do que é formalmente declarado. Mas sejamos
mais específicos. Primeiro, em cada mandamento, o principal dever ou pecado é
tomado como representativo de todos os pecados ou deveres menores, e o ato público é
tomado como representativo de todas as afeições relacionadas. Seja qual for o pecado
especificamente nomeado, todos os pecados do mesmo gênero, com todas as suas
causas e provocações, são proibidos, pois Cristo explicou o sexto mandamento como
condenando não apenas o assassinato real, mas também a ira precipitada no coração.
Segundo, quando algum vício é proibido, a virtude oposta é prescrita, e quando alguma
virtude é ordenada, o vício contrário é condenado. Por exemplo, no terceiro
mandamento Deus proíbe o tomar seu nome em vão; portanto, por consequência
necessária, a santificação do seu nome é ordenada. E como o oitavo proíbe roubar,
então ele requer o dever oposto – ganhar o nosso sustento e pagar pelo que recebemos
(Ef 4.28).
1. O PRIMEIRO MANDAMENTO
“Então falou Deus todas estas palavras: Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei
da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20.1, 2). Esse prefácio à Lei Moral deve
ser considerado como tendo igual referência a todos os Dez Mandamentos (e não ao
primeiro apenas), contendo como ele contém os mais pesados argumentos para reforçar
a nossa obediência a eles. Como é o costume de reis e governadores afixar seus nomes
e títulos antes dos editos por eles emitidos, para obter maior atenção e veneração ao
que publicam, assim também o grande Deus, o Rei dos reis, estando para proclamar
uma Lei aos seus súditos, para que pudesse afetá-los com uma reverência mais
profunda pela sua autoridade e fazê-los temer mais transgredir aqueles estatutos que são
decretados por tão poderosa Potestade e tão gloriosa Majestade, proclama seu augusto
Nome sobre eles.
O que exatamente acaba de ser apontado acima foi claramente estabelecido por
aquelas palavras de Moisés para Israel, que inspiram temor: “Para temeres este nome
glorioso e terrível, o SENHOR, teu Deus” (Dt 28.58). “Eu sou o SENHOR teu Deus”. A
palavra para “Senhor” é “Yahweh”, que é o Supremo, Eterno e autoexistente, a força do
qual é (como foi) soletrada para nós em aquele “que era, e que é, e que há de vir” (Ap
4.8). A palavra para “Deus” é “Eloim”, o plural de Eloá, pois embora ele seja um em
natureza, todavia é três em suas Pessoas. E esse Yahweh, o Supremo Objeto de culto, é
“teu Deus”, porque no passado ele foi teu Criador, no presente é o teu Soberano, e no
futuro será teu Juiz. Além do mais, Ele é o “Deus” dos seus eleitos por relação pactual,
e, portanto, seu Redentor. Assim, a nossa obediência à sua Lei é reforçada por essas
considerações: sua autoridade absoluta, gerando temor em nós – ele é “o SENHOR teu
Deus”; seus benefícios e misericórdias, produzindo amor em nós – “que te tirou da casa
(antitípica) da servidão”.
“[Tu] não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3) é o primeiro
mandamento. Vamos considerar rapidamente o seu significado. Notamos o seu número
singular: “tu” e não “vós”, dirigido a cada pessoa separadamente, porque cada um de
nós está em questão ali. “Não terás outros deuses” tem a força de tu não possuirás,
buscarás, desejarás, amarás ou cultuarás nenhum outro. Não terás “outros deuses”, eles
são chamados assim não porque sejam, quer por natureza ou ofício (Sl 82.6), mas
porque o coração corrupto dos homens os inventa e estima como tal – como em “o deus
deles é o ventre” (Fl 3.19). “Diante de mim” ou “minha face”, a força da qual é mais
bem constatada pela sua palavra a Abraão: “Anda em minha presença e sê perfeito” ou
“correto” (Gn 17.1) – conduza-se tendo em mente que você está sempre em minha
presença, que meus olhos estão continuamente sobre você. Isso é muito perscrutador.
Somos muito aptos a descansar contentes se pudermos apenas aprovar-nos a nós
mesmos diante dos homens e manter uma bela demonstração de piedade externamente;
mas Yahweh perscruta o mais íntimo do nosso ser e não podemos esconder dele
qualquer concupiscência secreta ou ídolo escondido.
Vamos, em seguida, considerar o dever positivo imposto por esse primeiro
mandamento. Numa breve afirmação, é isso: você escolherá, adorará e servirá a
Yahweh como teu Deus, e a ele somente. Sendo quem é – teu Criador e Rei, a Soma de
toda a excelência, o supremo Objeto de adoração – ele não admite rival e ninguém pode
competir com ele. Veja então a absoluta racionalidade desta demanda e a loucura de
infringi-la. Esse mandamento requer de nós uma disposição e conduta adequadas à
relação que temos com o Senhor como nosso Deus, que é o único objeto adequado do
nosso amor e o único capaz de satisfazer a alma. Requer que tenhamos um amor por ele
mais forte do que todas as outras afeições, que o tomemos como a nossa mais alta
porção, que o sirvamos e obedeçamos a ele supremamente. Requer que todos aqueles
serviços e atos de adoração que rendemos ao verdadeiro Deus sejam feitos com a mais
alta sinceridade e devoção (implicados no “diante de mim”), excluindo a negligência
de um lado e a hipocrisia do outro.
Ao apontar os deveres requeridos por esse mandamento não podemos fazer
melhor do que citar o Catecismo Maior de Westminster. “Os deveres exigidos no
primeiro mandamento são – o conhecer e reconhecer Deus como único verdadeiro Deus
e nosso Deus (1Cr 28.9; Dt 26.17, etc.), e adorá-lo e glorificá-lo como tal (Sl 95.6, 7;
Mt 4.10, etc.); pensar (Ml 3.16) e meditar (Sl 63.6) nele, lembrar-nos dele (Ec 12.1),
altamente apreciá-lo (Sl 71.19), honrá-lo (Ml 1.6), adorá-lo (Is 45.23), escolhê-lo (Js
24.15), amá-lo (Dt 6.5), desejá-lo (Sl 73.25) e temê-lo (Êx 14.31); crer nele, confiando
(Is 26.4), esperando (Sl 103.7), deleitando-nos (Sl 37.4) e regozijando-nos nele (Sl
32.11); ter zelo por ele (Rm 12.11); invocá-lo, dando-lhe todo louvor e agradecimentos
(Fl 4.6), prestando-lhe toda a obediência e submissão do homem todo (Jr 7.23); ter
cuidado de o agradar em tudo (1Jo 3.22), e tristeza quando ele é ofendido em qualquer
coisa (Jr 31.18; Sl 119.136); e andar humildemente com ele (Mq 6.8)”.
Aqueles deveres podem ser resumidos nesses principais. Primeiro, a busca
diligente e por toda a vida de um maior conhecimento de Deus como ele é revelado na
sua Palavra e obras, porque nós não podemos adorar um Deus desconhecido. Segundo,
o amor de Deus com todas as nossas faculdades e forças, que consiste de uma pintura
sincera dele, e profunda alegria nele, e um santo zelo por ele. Terceiro, o temor de
Deus, que consiste no respeito para com sua majestade, suprema reverência por sua
autoridade, e um desejo por sua glória: como o amor de Deus é o motivo inicial da
obediência, assim o temor de Deus é o grande dissuasor da desobediência. Quarto, a
adoração de Deus de acordo com as indicações dele, para a qual as principais ajudas
são essas: estudo e meditação da Palavra, oração, e por em prática o que nos é
ensinado.
“Não terás outros deuses diante de mim.” Isto é, não darás a qualquer um ou a
qualquer coisa no céu ou na terra que habite a confiança do coração, veneração em
amor, e dependência que é devida apenas ao verdadeiro Deus; não transferirás para
outro o que pertence somente a ele. Nem devemos tentar dividi-los entre Deus e algum
outro, porque nenhum homem pode servir a dois senhores. Os grandes pecados
proibidos por esse mandamento são esses: primeiro, uma ignorância desejada de Deus
e de sua vontade por desprezar aqueles meios pelos quais podemos nos relacionar com
ele; segundo, ateísmo ou negação de Deus; terceiro, idolatria ou o estabelecimento de
deuses falsos e fictícios; quarto, desobediência e vontade própria ou desafio aberto a
Deus; e quinto, todas afeições desordenadas e não moderadas ou o estabelecer de
nossos corações e mentes sobre outros objetos.
São idólatras e transgressores desse mandamento os que fazem um “deus” como
imaginado pelas suas próprias mentes. Tais são os unitarianos, que negam que existam
três Pessoas na Trindade. Assim são os católicos romanos, que suplicam à mãe do
Salvador e afirmam que o papa tem poder para perdoar pecados. Assim são a vasta
maioria dos arminianos, que creem em uma Divindade derrotada e desapontada. Tais
são os sensuais epicureus (Fl 3.19), porque existem ídolos internos bem como externos.
“Esses homens têm posto seus ídolos em seus corações” (Ez 14.3). O apóstolo Paulo
fala da “cobiça que é idolatria” (Cl 3.5) e, por raciocínio imparcial, são todos os
desejos imoderados. O objeto ao qual rendemos esses desejos e serviços que são
devidos somente ao Senhor é o nosso “Deus”, seja o que for: o ego, o ouro, a fama, o
prazer ou os amigos. O que é o nosso Deus? A que a nossa vida é devotada?
2. O SEGUNDO MANDAMENTO
“Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em
cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te
encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que
visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me
odeiam. E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus
mandamentos” (Êx 20.4-6). Embora esse segundo mandamento esteja intimamente
relacionado ao primeiro, há, todavia, uma clara distinção entre eles, que pode ser
expressa de várias formas. Assim como o primeiro mandamento se refere à escolha do
verdadeiro Deus como o nosso Deus, o segundo trata da nossa verdadeira profissão de
sua adoração; assim como o primeiro fixa o objeto, esse fixa o modo da adoração
religiosa. Como no primeiro mandamento Yahweh havia se proclamado como sendo o
verdadeiro Deus, assim aqui ele revela a sua natureza e como deve ser honrado.
“Não farás para ti imagem de escultura… Não te encurvarás a elas nem as
servirás.” Este mandamento bate contra um desejo ou, deveríamos dizer, uma doença,
que está profundamente enraizada no coração humano, a saber, trazer alguma ajuda para
o culto de Deus além daquilo que ele indicou – ajuda material, coisas que podem ser
percebidas pelos sentidos. E não é difícil encontrar a razão para isso: Deus é
incorpóreo, invisível, e pode ser percebido somente por um princípio espiritual; e,
visto que esse princípio está morto no homem caído, ele naturalmente busca o que
esteja de acordo com a sua carnalidade. Mas como é diferente com aqueles que foram
vivificados pelo Espírito Santo! Ninguém que verdadeiramente conheça a Deus como
uma realidade viva precisa de qualquer imagem para ajudar nas suas devoções;
ninguém que goze de comunicação diária com Cristo exije quaisquer quadros dele para
ajudá-lo a orar e adorar, pois o concebe pela fé e não por fantasia.
“Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança”. Condenar
toda estatuária e pinturas é um manifesto reforço desse preceito: não é a esperteza de
fazer, mas a estupidez em adorá-las que é condenada – como está claro nas palavras
“não te encurvarás a elas”, e a partir do fato de que o próprio Deus logo após ordenou a
Israel: “Farás também dois querubins de ouro; de ouro batido os farás” para o
propiciatório (Êx 25.18) e depois a serpente de bronze. Visto que Deus é um ser
espiritual, invisível e onipotente, representá-lo como sendo de uma forma material e
limitada é uma falsidade e um insulto à sua majestade. Sob essa mais extrema
corrupção de modo – culto de imagem – todos os modos errôneos de homenagem divina
são aqui proibidos. O culto legítimo a Deus não pode ser profanado por nenhum ritual
de superstição.
Esse segundo mandamento nada mais é que a forma negativa de dizer: “Deus é
Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24).
Se for perguntado: quais são os deveres aqui requeridos? A resposta é: “O segundo
mandamento exige receber, observar e manter puros e completos todo culto religioso e
ordenanças como Deus instituiu em sua Palavra (Dt 32.46, 47; Mt 28.20; At 2.42; 1Tm
6.13, 14); particularmente, a oração e a ação de graças em nome de Cristo (Fp 4.6; Ef
5.20); a leitura, pregação e escuta da Palavra (Dt 17.18, 19; At 15.21; 2Tm 4.2, etc.); a
administração e recebimento dos sacramentos (Mt 28.19; 1Co 11.21-30); o governo e a
disciplina da igreja (Mt 18.15, 17; 16.19; 1Co 5); o ministério e manutenção disso (Ef
4.11, 12, etc.); o jejum religioso (1Co 8.5); o jurar em nome de Deus (Dt 6.13) e fazer
promessa a ele (Is 19.21; Sl 76.11); bem como a desaprovação, detestação e oposição a
todo culto falso (At 16.16, 17, etc.); e de acordo com o lugar de chamado da pessoa,
removê-la, e todos os monumentos de idolatria (Dt 7.5; Is 30.22)” – Confissão de Fé de
Westminster. A isso simplesmente acrescentaríamos: é requerida de nós uma diligente
preparação antes de entrarmos em qualquer exercício santo (Ec 5.1) e uma correta
disposição mental no ato em si. Por exemplo, não devemos ouvir ou ler a Palavra
apenas para satisfazer a curiosidade, mas para aprendermos como melhor agradar a
Deus.
Ao proibir as imagens, Deus, por paridade de raciocínio, proíbe todos os outros
modos e meios de culto não indicados por ele. Todas as formas de culto, mesmo ao
próprio verdadeiro Deus, que sejam contrárias ou diversas do que o Senhor prescreveu
na sua Palavra – que é chamado pelo apóstolo de “culto de si mesmo” (Cl 2.23, ARA)
–, juntamente com toda a corrupção do verdadeiro culto a Deus e todas as inclinações
do coração na direção de superstições no serviço de Deus são repreendidas por esse
mandamento. Nenhum espaço, seja qual for, é aqui permitido à faculdade inventiva do
homem. Cristo condenou a lavagem religiosa das mãos, porque era um acréscimo
humano aos regulamentos divinos. De maneira semelhante, esse mandamento denuncia a
paixão moderna pelo ritualismo (a eliminação da simplicidade no culto divino), como
também as virtudes mágicas atribuídas ou mesmo as influências especiais da Santa
Ceia, ainda mais o uso do crucifixo. Então ele também condena uma negligência do
culto de Deus, o deixar sem fazer o serviço que Deus tem ordenado.
As Escrituras estabelecem para nós limites para o culto, aos quais não podemos
adicionar nada nem diminuir. Na aplicação desse princípio, precisamos distinguir
exatamente entre os substanciais e os incidentais do culto. Qualquer coisa que os
homens procurem impor sobre nós como parte do culto divino, se não for
expressamente requerido de nós nas Escrituras – tais como dobrar os joelhos ao nome
de Jesus, fazer o sinal da cruz etc. – deve ser abominada. Mas se certas circunstâncias e
modificações do culto são praticadas por aqueles com quem nos encontramos, ainda
que não estejam expressamente mencionadas nas Escrituras, devemos nos submeter a
elas somente se tenderem à decência e ordem, e não distraírem da solenidade e
devoção do culto espiritual. Essa foi uma regra sábia ensinada por Ambrósio: “Se não
for ofender nem ser ofendido, conforme-se aos costumes legais das igrejas aonde
chegar”. É uma grave quebra desse mandamento se negligenciamos qualquer das
ordenanças do culto que Deus indicou. Tal é também se nos engajamos no mesmo
hipocritamente, com frieza de afeição, divagação da mente, falta de zelo santo ou com
descrença, honrando a Deus com os nossos lábios enquanto os nossos corações estão
longe dele.
Este mandamento é reforçado por três razões. A primeira é tirada da Pessoa que
pronuncia julgamento sobre aquelas que o quebram. Ele é descrito por seu
relacionamento, “teu Deus”; pela força de seu poder, porque a palavra hebraica para
“Deus” aqui é “o Forte”, capaz de vingar sua honra e punir todos os insultos; e por uma
similitude tomada do estado de união matrimonial, onde a infidelidade resulta em
punição sumária – ele é um “Deus zeloso”. É o Senhor falando da maneira que os
homens falam, intimando que não poupará aqueles que zombam dele. “Com deuses
estranhos o provocaram a zelos; com abominações o irritaram… A zelos me
provocaram com aquilo que não é Deus” (Dt 32.16-21ss).
Em segundo lugar, há a ameaça de um doloroso julgamento: “que visito a
iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me
odeiam”. “Que visito” é uma expressão figurativa, que significa que, após um espaço de
tempo, no qual Deus parece não ter tomado conhecimento ou se esquecido, ele então
mostra pela sua providência que ele tem observado os maus caminhos e feitos dos
homens. “Deixaria eu de castigar por estas coisas, diz o SENHOR, ou não se vingaria a
minha alma de uma nação como esta?” (Jr 5.9, e cf. 32.18; Mt 23.34-36). Isso foi
designado para deter o homem da idolatria por um apelo a suas afeições naturais. “A
maldição do Senhor repousa com justiça não somente sobre a pessoa de um homem
ímpio, mas também em toda a sua família” (J. Calvino). É uma coisa terrível passar
para os filhos uma falsa concepção de Deus, seja por preceitos ou por exemplos. A
penalidade infligida corresponde ao crime: não é apenas por que Deus castiga o filho
pelas ofensas cometidas pelos pais, mas por que ele os coloca na mesma transgressão e
então trata com eles nesses termos, porque o exemplo dos pais não é autorização
suficiente para que os filhos pequem.
Em terceiro lugar, há um bendito encorajamento à obediência, na forma de uma
promessa graciosa: “E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que
guardam os meus mandamentos”. Para o mesmo efeito, ele nos assegura: “O justo anda
na sua sinceridade; bem-aventurados serão os seus filhos depois dele” (Pv 20.7). O
amor a Deus é evidenciado pela guarda dos seus mandamentos. Os papistas afirmam
que o uso que eles fazem de imagens é com o objetivo de promover o amor, mantendo
uma imagem visível como uma ajuda; mas Deus diz que é porque eles o odeiam. Essa
promessa de mostrar misericórdia a milhares de descendentes daqueles que
verdadeiramente amam a Deus não expressa um princípio universal, como é claro nos
casos de Isaque tendo um Esaú ímpio, e Davi, um Absalão. “O Legislador nunca teve a
intenção de estabelecer nesse caso regra tão invariável, que o derrogaria de sua própria
livre escolha… Quando o Senhor exibe um exemplo dessa bênção, ele fornece uma
prova do seu constante e perpétuo favor aos seus adoradores” (J. Calvino). Observe
que aqui, como em outros lugares das Escrituras (p.ex.: Jd 14), Deus fala de “milhares”
(e não “milhões”, como fazem, com frequência, os homens) daqueles que o amam e que
manifestam a genuinidade do seu amor guardando os seus mandamentos. O seu rebanho
é “pequeno” (Lc 12.32). Que motivo para dar graças a Deus têm aqueles que são
nascidos de pais piedosos, cujos pais não entesouraram ira para eles, mas orações!
3. O TERCEIRO MANDAMENTO
“Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o SENHOR não terá por
inocente o que tomar o seu nome em vão” (Êx 20.7). Como o segundo mandamento diz
respeito à maneira que Deus deve ser adorado (a saber, de acordo com a sua vontade
revelada); assim, esse nos ordena a cultuá-lo com aquela disposição de espírito que
seja compatível com a dignidade e solenidade de tal exercício e com a majestade
daquele com quem temos a ver: isto é, com a mais alta sinceridade, humildade e
reverência. “Para temeres este nome glorioso e temível, o SENHOR teu Deus” (Dt 28.58).
Ó, que altos pensamentos deveríamos abrigar de tal ser! Em que santo temor devíamos
nos manter diante dele! “O fim desse preceito é que o Senhor terá a majestade do seu
nome sustentada por nós como sendo inviolavelmente sagrada. O que quer que
pensemos e o que quer que venhamos a dizer dele deveriam ter o gosto de sua
excelência, corresponder ao sagrado sublime do seu nome, e tender à exaltação de sua
magnificência” (J. Calvino). Qualquer coisa pertinente a Deus deveria ser falada com a
maior sobriedade.
Esforcemo-nos, em primeiro lugar, em apontar o escopo e a abrangência desse
mandamento. Por o nome do SENHOR nosso Deus quer-se dizer Deus mesmo, como ele é
dado a conhecer a nós, incluindo todas as coisas por meio das quais ele foi servido
para se revelar: sua Palavra, seus títulos, seus atributos, suas ordenanças e suas obras.
O nome de Deus representa sua própria natureza e ser, como nos salmos 20.1 e 135.3,
João 1.12 etc. Às vezes, o nome de Deus é usado sem propor a nós uma finalidade
apropriada. E existem apenas duas finalidades que podem autorizar o nosso uso de
qualquer um dos seus nomes, títulos ou atributos: para a sua glória e para a nossa
própria edificação e de outros. Qualquer coisa além disso é frívolo e perverso, não
fornecendo base suficiente para fazermos menção de tão grande e santo nome, que é
cheio de glória e majestade. A menos que o nosso discurso seja designado para o
avanço da glória divina ou a promoção do benefício daqueles a quem falamos, não
temos justificativa para ter o nome inefável de Deus em nossos lábios. Ele se considera
altamente insultado quando mencionamos o seu nome para propósitos vãos.
O nome de Deus é tomado em vão por nós quando o usamos sem a devida
consideração e reverência. Sempre que fazemos menção daquele diante de quem os
serafins velam os seus rostos, deveríamos ponderar séria e solenemente sobre sua
infinita majestade e glória, e inclinarmos os nossos corações na mais profunda
prostração diante desse nome. Como podem aqueles que pensam e falam do grande
Deus promíscua e aleatoriamente, usar seu nome com reverência quando todo o resto do
discurso deles é cheio de tolices e vaidade? Esse nome não deve ser ostentado ou
jogado de lá para cá em línguas soltas. Ó, meu caro leitor, adquira o hábito de
considerar solenemente de quem é o nome que você está para pronunciar. É o nome
daquele que está presente com você, que está ouvindo você pronunciá-lo. Ele é zeloso
por sua honra, e vingar-se-á terrivelmente daqueles que o têm menosprezado.
O nome de Deus é usado em vão quando é empregado hipocritamente, quando
professamos ser o seu povo e não somos. O Israel de outrora foi culpado desse pecado:
“Ouvi isto, casa de Jacó, que vos chamais do nome de Israel, e saístes das águas de
Judá, que jurais pelo nome do SENHOR, e fazeis menção do Deus de Israel, mas não em
verdade nem em justiça” (Is 48.1). Eles usavam o nome de Deus, mas não obedeciam à
revelação nele contida, e assim violavam esse terceiro mandamento (cp. Mt 7.22, 23).
Quando usando o nome de Deus, devemos fazê-lo de um modo que seja verdadeiro ao
seu significado e às suas implicações. Portanto, ele nos diz: “E por que me chamais
Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu digo?” (Lc 6.46). De maneira semelhante, somos
culpados desse horrível pecado quando desempenhamos deveres sagrados frívola e
mecanicamente, não estando neles as nossas afeições. Oração sem prática é blasfêmia,
e falar com Deus com os nossos lábios enquanto os nossos corações estão longe dele
não é outra coisa senão zombarmos dele e aumentar a nossa condenação.
O nome de Deus é tomado em vão quando juramos com leviandade e
irreverência, usando o nome de Deus com tão pouco respeito como demonstraríamos
pelo nome de um homem, ou quando juramos falsamente e somos culpados de perjúrio.
Quando nos colocamos em juramento e atestamos que é verdade aquilo que não
sabemos ser verdade, ou que sabemos ser falso, somos culpados de um dos mais graves
pecados que o homem pode cometer, pois chamou solenemente o grande Deus para
testemunhar aquilo que o pai da mentira o impulsionou a dizer. “E aquele que jurar na
terra, jurará pelo Deus da verdade” (Is 65.16) e, portanto, cabe a ele considerar bem se
o que ele testifica é verdade ou não. Ah! É lamentável que os juramentos tenham se
tornado tão excessivamente multiplicados entre nós – estando impregnados, por assim
dizer, no corpo político – e geralmente tão desdenhado, que a enormidade dessa ofensa
é escassamente considerada. “E nenhum de vós pense mal no seu coração contra o seu
próximo, nem ameis o juramento falso; porque todas estas são coisas que eu odeio, diz
o SENHOR” (Zc 8.17).
E o que se dirá daquela vasta multidão de juramentos profanos que poluem a
nossa linguagem e ferem os nossos ouvidos, por uma vil mistura de execrações e
blasfêmias em sua conversação comum! “A sua garganta é um sepulcro aberto…
peçonha de áspides está debaixo de seus lábios; cuja boca está cheia de maldição e
amargura” (Rm 3.13,14). Extremamente vã é a irrefletida alegação deles de que não
pretendem fazer mal, vã suas desculpas de que todos os companheiros fazem o mesmo,
vão o argumento que é meramente para aliviar seus sentimentos! Que loucura é quando
homens enfurecem você, atacar Deus e provocá-lo bem mais que outros possam
provocar você! Mas ainda que os companheiros deles não os censurem, a polícia não
os prenda, nem o magistrado os castigue, todavia, “o SENHOR não terá por inocente o
que tomar o seu nome em vão”. “Visto que amou a maldição, ela lhe sobrevenha…
assim como se vestiu de maldição, como sua roupa, assim ela penetre nas suas
entranhas, como água, e em seus ossos como azeite” (Sl 109.17, 18). Deus é
terrivelmente inflamado por esse pecado, e, no exercício comum desse crime insultante
aos céus, a nossa terra tem incorrido em culpa terrível.
Tornou-se quase impossível andar pelas ruas ou andar em companhia misturada
sem ouvir o sagrado nome de Deus tratado com desprezo blasfemo. As novelas de hoje,
o teatro, e até o rádio (e mais ultimamente a televisão, o cinema e a imprensa) são
terríveis ofensores, e, sem dúvida, esse é um dos temíveis pecados contra ele, pelo qual
Deus está agora derramando seus julgamentos sobre nós. Há muito tempo ele disse a
Israel: “Porque… a terra chora por causa da maldição; os pastos do deserto se
secam; porque a sua carreira é má, e a sua força não é reta” (Jr 23.10). E ele ainda é o
mesmo: “o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão”. Severo
castigo será a sua porção, se não nessa vida, com toda a certeza na eternidade, na vida
que está por vir.
4. O QUARTO MANDAMENTO
“Lembra-te do dia do sábado (Shabbath),[16] para o santificar. Seis dias
trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado (Shabbath) do SENHOR
teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo,
nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas
portas” (Êx 20.8-10). Esse mandamento denota que Deus é o SENHOR soberano do nosso
tempo, o qual deve ser usado e aproveitado por nós exatamente como ele aqui
especificou. Deve ser notado, cuidadosamente, que ele consiste de duas partes, que
estão interligadas. “Seis dias trabalharás” (e não ‘poderás trabalhar’) é tão
divinamente exigido de nós quanto “lembra-te do dia do Shabbath para o santificar”. É
um preceito que requer de nós diligência para cumprir aquela vocação e estado de vida
na qual a divina providência nos colocou, para desempenhar seus ofícios com cuidado
e consciência. A vontade revelada de Deus é que o homem trabalhe e não passe o seu
tempo a toa; que ele trabalhe não cinco dias na semana, mas seis.
Aquele que nunca trabalha está incapacitado para a adoração. O trabalho serve
para abrir caminho para a adoração, assim como a adoração nos prepara para o
trabalho. O fato que qualquer homem possa escapar à observância desta primeira
metade do mandamento é uma triste reflexão sobre a nossa ordem social moderna, e
mostra quão longe nos distanciamos do plano e ideal divino. Quanto mais diligentes e
fiéis formos ao desempenhar os deveres dos seis dias, mais valorizaremos o descanso
do sétimo. Assim será visto que a indicação do Shabbath não foi qualquer restrição
arbitrária sobre a liberdade do homem, mas uma provisão misericordiosa para o seu
bem: que ele foi planejado como um dia de alegria e não de melancolia. É a dispensa
graciosa do Criador nos livrando da nossa vida de labuta mundana por um dia em sete,
concedendo-nos um antegozo daquela vida futura e melhor diante da qual a presente não
é mais que uma provação, quando podemos nos voltar inteiramente daquilo que é
material para aquilo que é espiritual e, portanto, sermos equipados para pegar com
nova consagração e renovadas energias o trabalho dos dias seguintes.
Deveria ser assim bastante evidente que essa lei para regulamentação do tempo
do homem não era uma lei temporária, criada para alguma dispensação, mas é contínua
e perpétua no propósito de Deus: o Shabbath foi feito “para o homem” (Mc 2.27) e não
simplesmente para o judeu; ele foi feito para o bem do homem. O que foi mostrado
acima sobre as duas partes desse estatuto divino recebe clara e irrefutável confirmação
na razão dada para o seu reforço: “porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o
mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou” (v. 11). Observe bem o duplo
desdobramento disso: o augusto Criador dignou-se em apresentar um exemplo diante
de suas criaturas em cada aspecto: ele trabalhou por “seis dias”, e ele “ao sétimo dia
descansou”! Dever-se-ia também ser apontado que a indicação do trabalho para o
homem não é a consequência do pecado: antes da Queda – Deus o colocou “no jardim
do Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2.15, ARA).
A permanente natureza ou perpetuidade desse duplo mandamento é também
evidenciada pelo fato que nas razões acima mencionadas para seu reforço nada havia
que fosse particularmente pertinente à nação de Israel; pelo contrário, fala com voz de
trombeta a toda a raça humana. Além disso, a esse estatuto não foi dado um lugar na lei
cerimonial de Israel, que era para ser deixada quando Cristo tivesse dado cumprimento
aos seus tipos, mas na Lei Moral, que foi escrita pelos dedos do próprio Deus sobre
tábuas de pedra, para nos dar o significado de sua natureza permanente. Finalmente,
deve-se mostrar que os próprios termos desse mandamento deixam inequivocadamente
claro que ele não foi designado somente para os judeus, pois era igualmente obrigatório
para qualquer gentio que habitasse entre eles. Mesmo não estando eles em aliança com
Deus, nem debaixo da lei cerimonial, deles era exigido que guardassem o santo
Shabbath – “não farás nenhuma obra… nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas
portas” (v. 10)!
“O sétimo dia é o Shabbath do SENHOR teu Deus”. Note bem que não é dito
(aqui, ou em qualquer outro lugar das Escrituras) “o sétimo dia da semana”, mas
simplesmente “o sétimo dia”, ou seja, o dia seguinte aos seis de trabalho. Para os
judeus era o sétimo dia da semana, a saber, o sábado, mas para nós ele é – como o
“outro dia” que Hebreus 4.8 claramente declara – o primeiro dia da semana, porque o
Shabbath não apenas comemora a obra da criação, mas agora também celebra a ainda
maior obra da redenção. Assim, o SENHOR dispôs as palavras nesse quarto mandamento
de modo a se ajustarem a ambas as dispensações, e desse modo afirmar a sua
perpetuidade. O Shabbath cristão vai da meia noite de sábado à meia noite de
domingo: está claro a partir de João 20.1 que ele começa antes do nascer do sol e,
portanto, podemos concluir que começa na meia noite de sábado; enquanto de João
20.19 aprendemos (a partir do fato de que ele não é ali chamado “a noite do segundo
dia”) que continua durante a noite, e que a nossa adoração também deve continuar.
Mas embora o Shabbath cristão não comece até a meia noite de sábado, a nossa
preparação para ele deve começar mais cedo, ou de que outra maneira nós poderemos
obedecer à sua exigência expressa: “não farás nenhuma obra”? No Shabbath deve
haver um completo descanso durante todo o dia, não apenas de recreações naturais e de
fazer o nosso próprio prazer (Is 58.13), mas de toda atividade mundana. A esposa
necessita de um dia de descanso tanto quanto o marido, sim, sendo a “parte mais fraca”,
ainda mais. Coisas tais como mingau e sopa podem ser preparadas no sábado e
aquecidas no Shabbath, de modo que possamos estar inteiramente livres para nos
deleitarmos no SENHOR e nos entregar completamente à sua adoração e serviço. Vejamos
que não trabalhemos nem fiquemos acordados até tarde na noite de sábado, para não
transgredirmos o dia do SENHOR ficando até tarde na cama ou nos fazendo de sonolentos
para os santos deveres.
Esse mandamento deixa claro que Deus deve ser adorado no lar, o que, sem
dúvida, inculca a prática do culto doméstico. Ele é dirigido mais especificamente que
qualquer dos outros nove mandamentos aos chefes de famílias e empregadores, porque
Deus requer que eles vejam que todos que estão sob seu encargo observem o Shabbath.
Para eles, Deus diz mais diretamente: “lembra-te do Shabbath para o santificar”. Ele é
para ser estritamente posto de lado para a honra do Deus três vezes santo, gasto no
exercício de santa contemplação, meditação e adoração. Porque é o dia que ele fez (Sl
118.24), não podemos fazer nada para desfazê-lo. Esse mandamento proíbe a omissão
de qualquer dever exigido, um desempenho descuidado do mesmo, ou enfado neles.
Quanto mais fielmente guardarmos esse mandamento, mais preparados estaremos para
obedecer aos outros nove.
Três classes de trabalho, e somente três, podem se encaixar no “Shabbath
Santo”. Trabalhos de necessidade, que são aqueles que não poderiam ter sido feitos no
dia anterior e que não podem ser relegados para o dia seguinte – tais como cuidar do
gado. Trabalhos de misericórdia, que são aqueles que a compaixão requer que
desempenhemos para com outras criaturas – tais como ministrar aos doentes. Trabalhos
de piedade, que são o culto a Deus em público e em privado. Precisamos vigiar e lutar
contra as primeiríssimas sugestões de Satã para corromper os nossos corações, desviar
as nossas mentes ou nos perturbar nos deveres sagrados, pedindo, sinceramente, em
oração por ajuda para meditar sobre a Palavra de Deus para reter o que ele nos dá. O
SENHOR faz a sagrada observância do seu dia de bênção especial; e, contrariamente, ele
visita a profanação do Shabbath com especial maldição (veja Ne 13.17,18), como a
nossa terra culpada está provando agora do seu amargo custo.
“Um Shabbath bem gasto traz uma semana contente
E fortalece para os labores do amanhã;
Mas um Shabbath profanado, o que quer que possa ser ganho
É um certo precursor de desgraça”.
5. O QUINTO MANDAMENTO
Esse mandamento para honrar o pai e a mãe é muito mais abrangente em seu
escopo do que parece à primeira vista. Ele não deve ser restrito ao nosso pai e mãe
literal, mas deve ser aplicado aos nossos superiores. “O fim do preceito é que, uma vez
que o Senhor Deus deseja a preservação da ordem que ele indicou, os graus de
proeminência estabelecidos por ele deveriam ser inviolavelmente preservados. A soma
disso, portanto, será que deveríamos reverenciar aqueles a quem Deus exaltou com
qualquer autoridade acima de nós, e deveríamos a eles render honra, obediência e
gratidão… Mas, como esse preceito é excessivamente repugnante à depravação da
natureza humana, cujo desejo ardente de exaltação dificilmente admitirá submissão, ele
foi, portanto, proposto como um exemplo daquele tipo de superioridade que é
naturalmente mais amigável e menos odioso, porque isso poderia mais facilmente
abrandar e inclinar as nossas mentes para o hábito da submissão” (J. Calvino).
Para que nenhum dos nossos leitores – nessa era socialista e comunista, quando
a insubordinação e a ilegalidade é o mau espírito dos nossos dias – se oponha a essa
interpretação abrangente do mandamento, vamos ponderar as seguintes considerações.
Primeiro, “honra” pertence primária e principalmente a Deus. Secundariamente, e por
derivação, pertence também àqueles a quem ele dignificou e fez nobres em seu reino,
levantando-os sobre os outros, concedendo-lhes títulos e domínio sobre os demais.
Deveríamos reverenciar a esses tanto quanto reverenciamos nossos pais e mães. Nas
Escrituras, a palavra “honra” tem uma aplicação extensa, como se pode ver em 1
Timóteo 5.17; 1 Pedro 2.17 etc. Em segundo lugar, observe que o título “pai” é dado a
reis (1Sm 24.11; Is 49.23), mestres (2Rs 5.13), e ministros do evangelho (2Rs 2.12; Gl
4.19).
“Portanto não se deve duvidar que Deus deixou aqui uma regra universal para a
nossa conduta, a saber, que a cada um a quem sabemos ter sido colocado em autoridade
acima de nós por sua indicação, devemos render reverência, obediência, gratidão e
todos os outros serviços em nosso poder. Nem faz qualquer diferença se eles são
merecedores dessa honra ou não. Porque qualquer que seja o caráter deles, ainda não é
sem a indicação da providência divina que eles alcançaram aquela posição por conta
de o Supremo Legislador ter ordenado que fossem honrados. Ele ordena
particularmente reverência aos nossos pais, que nos trouxeram à essa vida” (J.
Calvino). Dificilmente é necessário ser dito que o dever reforçado aqui é de natureza
recíproca – aquele de inferiores implicando uma obrigação correspondente sobre os
superiores –; mas o espaço limitado nos obriga a considerar aqui somente os deveres
daqueles que estão sujeitos aos seus superiores.
Primeiro, consideremos os deveres dos filhos em relação aos seus pais. Eles
devem amá-los e reverenciá-los, sendo temerosos de ofendê-los devido ao respeito que
têm por eles. Uma veneração filial genuína deve atuar nos filhos, de modo que se
abstenham de qualquer coisa que possa entristecer ou ofender os seus pais. Os filhos
devem ser submissos a eles: veja o bendito exemplo que Cristo deixou (Lc 2.51). “Vós,
filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto é agradável ao Senhor” (Cl 3.20).
Após Davi ser ungido para o trono, ele ainda cumpriu as ordens de seu pai cuidando do
rebanho (1Sm 16.19). Eles devem dar ouvidos às instruções deles e imitar-lhes as
práticas piedosas (Pv 6.20). Sua linguagem deve ser sempre respeitosa e seus gestos
demonstrarem submissão. Embora José fosse altamente exaltado no Egito, ele
“inclinou-se à terra diante” de seu pai (Gn 48.12). E note como o rei Salomão honrou
sua mãe (1Rs 2.19). E tanto quanto sejam capazes e seus pais tenham necessidade, eles
devem sustentá-los na velhice (1Tm 5.16).
Em segundo lugar, observemos nossos deveres para com governadores e
magistrados, a quem Deus estabeleceu acima de nós. Esses são representantes e vice-
regentes de Deus, sendo investidos de autoridade vinda dele: “por mim reinam os reis”
(Pv 8.15). Deus ordenou a autoridade civil para o bem geral da humanidade, pois se
não fosse por isso, os homens seriam bestas selvagens saqueando-se uns aos outros. Se
o temor dos magistrados não restringisse aqueles que lançaram fora o temor de Deus, se
eles não estivessem amedrontados dos castigos temporais, estaríamos tão salvos entre
leões e tigres como estaríamos entre os homens. Os governantes devem ser honrados em
nossos pensamentos, tendo deles uma ideia de representantes oficiais de Deus sobre a
terra (Ec 10.20; Rm 13.1 e At 23.5); eles devem ser honrados em nossos discursos,
apoiando seu ofício e autoridade, porque do perverso está escrito: “não receiam
blasfemar das autoridades” (2Pe 2.10, ARC). Devemos obedecer a eles: “Sujeitai-vos
a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às
autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para
louvor dos que praticam o bem” (1Pe 2.13, 14, ARA). Nós devemos render “a quem
tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra”
(Rm 13.7). E devemos orar por eles (1Tm 2.1, 2).
Em terceiro lugar, consideremos os deveres dos servos para com seus
senhores. Eles devem obedecer a eles. “Vós, servos, obedecei em tudo a vossos
senhores segundo a carne, não servindo só na aparência, como para agradar aos
homens, mas em simplicidade de coração, temendo a Deus” (Cl 3.22). Eles devem ser
diligentes no dever, buscando promover o interesse dos seus senhores, “mostrando toda
a boa lealdade” (Tt 2.10; Ef 6.5-7). Eles devem sofrer pacientemente suas repreensões
e correções, “não sendo respondões” (Tt 2.9, ARA). Tão estritamente Deus impõe
sobre os servos uma submissão quieta aos seus senhores que, mesmo quando um servo
não deu motivo para uma repreensão, ainda assim deveria sofrer silenciosamente a
infundada ira do seu senhor. “Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos seus
senhores, não somente aos bons e humanos, mas também aos maus. Porque é coisa
agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, sofra agravos,
padecendo injustamente. Porque, que glória será essa, se, pecando, sois esbofeteados e
sofreis? Mas se, fazendo o bem, sois afligidos e o sofreis, isso é agradável a Deus”
(1Pe 2.18-20). Ó, a que distância temos nos desviado dos padrões divinos!
Finalmente, devemos mencionar os pastores e seus rebanhos, ministros e o seu
povo, porque entre eles também existe tal relação de superiores e inferiores, ficando
sob a direção desse quinto mandamento. “Obedecei a vossos pastores, e sujeitai-vos a
eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas; para
que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil” (Hb 13.17).
Cristo revestiu seus servos de tanta autoridade que ele declara: “Quem vos ouve a vós,
a mim me ouve; e quem vos rejeita a vós, a mim me rejeita; e quem a mim me rejeita,
rejeita aquele que me enviou” (Lc 10.16). Portanto, novamente: “Os presbíteros que
governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que
trabalham na palavra e na doutrina” (1Tm 5.17). Essa “duplicada honra” é aquela de
respeito e sustento. “E o que é instruído na palavra reparta de todos os seus bens com
aquele que o instrui” (Gl 6.6; 1Co 9.11). Como é solene essa advertência: “Eles,
porém, zombaram dos mensageiros de Deus, e desprezaram as suas palavras, e
mofaram dos seus profetas; até que o furor do SENHOR tanto subiu contra o seu povo, que
mais nenhum remédio houve” (2Cr 36.16).
A esse preceito é acrescentada essa promessa como um motivo e encorajamento
à obediência: “Para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te
dá”. Primeiro, como uma promessa do Antigo Testamento, essa deve ser considerada
como tipificando a vida eterna prometida pelo evangelho, visto que Canaã era uma
figura do céu. E, em segundo lugar, ela é repetida no Novo Testamento (Ef 6.2, 3 e 1Pe
3.10), visto que, frequentemente, o modo de Deus é prolongar uma vida obediente e
santa. E, em terceiro lugar, todas as promessas de bênçãos terrestres, contudo, implicam
necessariamente essa condição: elas serão literalmente cumpridas em nós se for para
promover a nossa eterna felicidade – de outro modo, seriam ameaças e não promessas.
Em sua misericórdia, Deus, com frequência, abrevia essa promessa e chama os seus
amados ao lar, para estar consigo.
6. O SEXTO MANDAMENTO
“Não matarás” (Êx 20.13). Nos primeiros cinco mandamentos, temos visto
como Deus salvaguarda a sua glória; nos cinco seguintes, contemplaremos como ele
providencia a segurança e o bem-estar dos homens: (1) para a proteção da pessoa do
homem; (2) para santidade e o bem de sua família (“não adulterarás”); (3) para a
segurança de sua propriedade e riquezas (“não furtarás”); (4) para a sua reputação ou
bom nome (“não dirás falso testemunho contra o teu próximo”). Finalmente, como uma
cerca forte envolvendo toda a Lei, Deus não apenas proíbe crimes externados, mas
impulsos íntimos maléficos em nossos pensamentos e sentimentos (“não cobiçarás”). É
a primeira dessas regulamentações que se relaciona especialmente com o nosso
próximo que vamos agora considerar: “não matarás”.
Esse sexto mandamento proíbe o bárbaro e desumano pecado do assassinato,
que é o primogênito do Diabo, que foi “homicida desde o princípio” (Jo 8.44). É o
primeiro crime sobre o qual lemos após a queda de Adão e Eva, por meio do qual a
corrupção transmitida aos seus descendentes foi pavorosamente demonstrada por Caim.
Seu rancor e inimizade incitaram-lhe para matar Abel, porque “as suas obras eram más
e as de seu irmão, justas” (1Jo 3.12). Mas esse mandamento não é restrito à proibição
do crime real de assassinato. Ele proíbe também todos os graus e causas de assassinato,
tais como ira e ódio irracional, difamação e vingança, e qualquer outra coisa que possa
prejudicar a segurança do nosso próximo ou nos tentar para que o vejamos perecer
quando estiver em nosso poder ajudá-lo e socorrê-lo.
Comecemos apontando que nem toda morte de um homem é assassinato. Não é
assim na execução da justiça, quando o magistrado sentencia o assassino, porque ele
está revestido de autoridade legal para condenar criminosos à pena de morte, e, se
falhar em fazer isso, Deus o acusará de pecado. “Quem derramar o sangue do homem,
pelo homem o seu sangue será derramado” (Gn 9.6). Essas palavras declaram o
princípio geral e imutável. “O teu olho não perdoará; vida por vida, olho por olho,
dente por dente, mão por mão, pé por pé” (Dt 19.21). Essa é a ordem de Deus ao
magistrado. Tampouco é o derramamento de sangue numa guerra justa passível de
acusação de assassinato. É legal pegar em armas contra um invasor ou para recuperar o
que foi injustamente levado. Dessa forma, Davi perseguiu os amalequitas que tinham
levado as suas esposas cativas. É legal também punir alguma grande injúria ou erro.
Davi fez guerra contra os amonitas por terem ultrajado os seus embaixadores (2Sm 10).
Como existem alguns que condenam essa afirmativa e denunciam toda guerra
como ilegal nessa dispensação cristã, nós salientemos que, quando os soldados vieram
ao predecessor de Cristo atrás de instrução dizendo “que faremos?” (Lc 3.14), ele não
disse “não lutem mais, abandonem as suas vocações”, mas lhes deu direções sobre
como deveriam se conduzir. Quando o centurião veio ao Salvador e extraiu argumentos
da sua profissão de militar, nosso Senhor não condenou a sua profissão, nem o reprovou
por ocupar tal cargo. Pelo contrário, ele elogiou muito a sua fé (Lc 7.8, 9). Quando
interrogado por Pilatos, Cristo declarou: “O meu reino não é deste mundo; se o meu
reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos
judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (Jo 18.36). Essas palavras implicam
claramente que, embora os meios carnais fossem impróprios para o avanço do reino
espiritual de Cristo, todavia, seu estado de humilhação não o havia impedido de
assumir o cetro real, e seus seguidores poderiam legalmente ter lutado para defender o
seu título.
Existe uma outra exceção, a saber, a morte acidental, à qual não cabe acusação
de assassinato, isto é, quando a vida é tirada sem qualquer intenção de fazê-lo. Nós
encontramos tal caso mencionado nas Escrituras, como quando cortando madeira o
machado escorregasse e, não intencionalmente, matasse alguém que estivesse perto (Dt
19.5). Para esses matadores inocentes, o Senhor indicou cidades de refúgio, onde
poderiam encontrar asilo seguro do vingador de sangue. Mas é bom chamar a atenção
para o fato de que devemos estar empenhados em coisas legais. De outro modo, se
estamos empenhados em coisas ilegais, e isso levar à morte de alguém, não poderemos
deixar de levar a culpa de assassinato (cf. Êx 21.22-24).
Consideremos em seguida os casos de assassinato. Suicídio é autoassassinato, e
é um dos crimes mais desesperados que podem ser cometidos. Porquanto esse crime
impede o arrependimento da parte de quem o perpetra, ele está além do perdão. Tais
criaturas são tão abandonadas por Deus que não podem se preocupar com a sua
salvação eterna, visto que passam para a presença imediata do seu Juiz com suas mãos
cheias do seu próprio sangue. Assim são os suicidas, porque eles destroem não apenas
o seu corpo, mas as suas almas também. O assassinato de outra pessoa é o crime mais
hediondo. Ele atormenta a consciência do seu perpetrador com remorsos horríveis, de
modo que ele próprio frequentemente se entrega à justiça. Aqueles que são assessores
são também culpados de assassinato, tal como os mandantes (2Sm 11.15; 12.9), ou que
consentem nisso (como Pilatos), ou ocultam (cf. Dt 21.6, 7, por clara implicação).
Esse mandamento não apenas proíbe a perpetração de assassinato; mas, do
mesmo modo, todas as causas e ocasiões que levem a ele. As principais delas são a
inveja e a ira. A inveja já foi bem descrita como “a ferrugem de uma alma cancerosa, o
vício nojento que transforma a felicidade alheia em miséria nossa”. Caim primeiro
invejosamente se lamentou do sucesso do sacrifício do seu irmão, e isso rapidamente o
induziu a matar. Assim, também, a ira injustificada e desordenada, se for abrigada no
coração, se transformará no veneno de um ódio implacável. Uma ira como essa não é
somente a causa, mas é verdadeiramente um tipo de assassinato, como é claro a partir
do ensinamento de Cristo em Mateus 5.21, 22.
Deveria ser salientado que a ira não é, como a inveja, simplesmente, e em si
mesma, ilegal. Existe uma ira virtuosa que, longe de ser pecado, é uma graça nobre e
digna de louvor (cf. Mc 3.5). Ser movido com indignação pela causa de Deus quando
sua glória é degradada, seu nome desonrado, seu santuário poluído e seu povo
caluniado, é uma ira santa. Existe também uma ira inocente e permitida quando somos
injustamente provocados por ofensas contra nós, mas aqui temos que estar muito em
guarda para “não pecar” (Ef 4.26). Uma ira viciosa e pecaminosa, que escurece o
entendimento e faz alguém agir como em frenesi, é uma que não tem causa e nem
limites. Jonas 4.1 dá uma ilustração de uma ira infundada. A ira é imoderada quando é
violenta e excessiva ou quando continua a ferver. “Não se ponha o sol sobre a vossa
ira” (Ef 4.26); se isso acontecer, a escória da malícia estará no seu coração na manhã
seguinte!
Para encerrar, vamos dar algumas regras para restringir e reprimir a ira. (1)
Trabalhe e ore por um espírito manso e humilde. Pense com humidade sobre você
mesmo e você não ficará irado se outros o menosprezarem. Toda contenda procede do
orgulho (Pv 3.10). Quanto menos orgulho você tiver, mais fácil será suportar o
desprezo dos outros. (2) Pense sempre na infinita paciência e indulgência de Deus.
Quantas afrontas ele leva de nós. Quão seguidamente damos a ele ocasião de estar
irado conosco; todavia, ele “não nos trata segundo os nossos pecados”. Que esse
grande exemplo seja nosso. (3) Cuidado com o preconceito contra alguém, pois isso,
certamente, fará que você interprete incorretamente as suas ações. Lute contra os
primeiros despontar da inveja e da ira; quando insultado, debite à ignorância ou à não
intencionalidade. (4) Afaste-se das pessoas cheias de ira (Pv 22.24, 25); o fogo se
espalha rapidamente.
7. O SÉTIMO MANDAMENTO
“Não adulterarás” (Êx 20.14). As virtudes da pureza são as bases das relações
domésticas. Como a família é o fundamento da sociedade humana, a classe de deveres
aqui envolvidos é secundária somente àquela que preserva a existência do homem.
Sendo assim, imediatamente seguindo o mandamento que declara a sacralidade da vida
humana, há esse preceito que é uma cerca em volta do mais alto relacionamento entre as
criaturas, salvaguardando assim a santa função da procriação da vida. Nada é mais
essencial para a ordem social que o relacionamento sobre o qual todos os outros estão
subsequentemente baseados, seja zelosamente protegido contra todas as formas de
ataque. O mandamento é uma simples, não qualificada e irrevogável, negativa: “Não
cometerás” (ARA). Nenhum argumento é usado, nenhuma razão é dada, porque nenhum
é requerido. Esse pecado é tão destrutivo e danoso que a mera menção do seu nome é
em si causa suficiente para essa dura proibição.
Esse mandamento notifica claramente que Deus exige o corpo tanto quanto a
alma para o seu serviço. “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que
apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o
vosso culto racional” (Rm 12.1). “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo
mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências… se pelo Espírito mortificardes
as obras do corpo, vivereis” (Rm 6.12; 8.13). “Mas o corpo não é para a prostituição,
senão para o Senhor, e o Senhor para o corpo… Não sabeis vós que os vossos corpos
são membros de Cristo? Tomarei, pois, os membros de Cristo, e fá-los-ei membros de
uma meretriz? Não, por certo… glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso
espírito” (1Co 6.13, 15, 20). Para um cristão, esse pecado infame é um sacrilégio. “Ou
não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós,
proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1Co 6.19). Se Cristo ficou
indignado quando viu a casa de seu Pai transformada em covil de ladrões, quão mais
abominável aos seus olhos deve ser aquela perversidade que deprecia o templo do
Espírito Santo numa pocilga imunda!
“Não adulterarás”. Essa proibição foi preparada para guardar a santidade do
lar; pois, estritamente falando, “adultério” é um crime que somente uma pessoa casada
pode cometer – “fornicação” é o nome quando praticada por alguém solteiro. Como
aquele com quem temos a ver é inefavelmente puro e santo, portanto ele requer que nos
apartemos de toda a impureza. Esse mandamento diz respeito mais especialmente ao
governo das afeições e paixões, a guarda das nossas mentes e corpos numa disposição
tão casta que nada impuro ou indecente possa nos contaminar. Isso requer a disciplina
apropriada daquelas inclinações que Deus implantou para o progresso da espécie
humana. Portanto, devemos evitar tudo que possa ser ocasião para esse pecado, usando
todos os meios e métodos próprios para prevenir todas as tentações a ele.
O modo como Deus considera o pecado da impureza já ficou claro mediante
muitas passagens da sua Palavra. Esse pecado, mesmo da parte de um homem solteiro,
é chamado de grande maldade contra Deus (Gn 39.9). Então, quanto mais inescusável e
intolerável é ele por parte de uma pessoa casada! A punição temporal atribuída a ele
debaixo da lei civil de Israel era não menos que a morte, a mesma que era atribuída ao
assassinato. Jó o chama de “uma infâmia… fogo que consome até à perdição” (31.11,
12). Muito dessa perversidade é praticada em segredo; mas, embora os seus
perpetradores possam escapar ao julgamento dos homens, eles não escaparão ao
julgamento dos céus, porque está escrito: “aos que se dão à prostituição, e aos
adúlteros, Deus os julgará” (Hb 13.4). “Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras,
nem os adúlteros… herdarão o reino de Deus” (1Co 6.9, 10).
“O pecado do adultério dificilmente não é tão enorme quanto o de assassinato.
O último destrói a existência temporal do homem, e o primeiro destrói tudo que faz a
existência ser um benefício. Se todos adotassem a licenciosidade dos adúlteros, os
homens em pouco tempo seriam reduzidos à degradação das bestas selvagens” (R. L.
Dabney). Para prevenir esse pecado, Deus instituiu a ordenança do casamento. “Mas,
por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu
próprio marido” (1Co 7.2).[17] O pecado do adultério é, portanto, a violação da
aliança e voto do casamento, e assim acrescenta perjúrio à infidelidade. A imoralidade
é um pecado contra o corpo (1Co 6.18). O desprazer de Deus contra esse pecado é
visto no fato que ele ordenou as coisas de modo que a própria natureza visita o mesmo
com pesadas penalidades em todas as partes do complexo ser do homem. “Não erreis:
Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará.
Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no
Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna” (Gl 6.7, 8).
Embora o casamento seja um remédio divinamente indicado para a impureza
sexual, isso não concede ao homem a licença para fazer de si mesmo uma besta. “Que
as pessoas casadas não venham a supor que todas as coisas são legalmente permitidas a
elas. Cada homem deveria observar a sobriedade para com a sua esposa, e cada
esposa, reciprocamente, para com o seu marido; ambos conduzindo-se de modo a nada
fazer que fique impróprio ao decoro e à temperança do casamento. Porque assim
deveria o casamento contraído no Senhor ser regulado pela moderação e modéstia, e
não partir para a lascívia mais vil. Tal sensualidade tem sido estigmatizada por
Ambrósio com uma severa – porém, não desmerecida – censura, quando ele chama
aqueles que em suas relações conjugais não têm contemplação com a modéstia de os
adúlteros de suas próprias esposas” (J. Calvino).
Que nenhum homem se gabe com a ideia de que não pode ser acusado de falta
de castidade, pois tem se abstido do ato propriamente dito, enquanto o seu coração é
uma cloaca de imaginações e desejos aviltantes. Porque a Lei de Deus é “espiritual”
(Rm 7.14), ela não somente proíbe os grosseiros atos externos de depravação, mas
também proíbe e condena a falta de castidade do coração – todas as imaginações e
pensamentos ilegais. Como existe o assassinato de coração, assim também existe o
adultério de coração, e aqueles que cometem impureza especulativa e prostituem seus
pensamentos e imaginações à impura aceitação da cobiça são culpados de transgredir
este mandamento: “Qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração
cometeu adultério com ela” (Mt 5.28). Portanto, descobrimos que o apóstolo não se
contentou em dizer que é melhor para o homem casar-se do que se contaminar com uma
prostituta, mas “é melhor casar do que abrasar-se” (1Co 7.9) – abrigar paixão
consumidora.
Ainda que o pecado de adultério seja mencionado sozinho nesse preceito, as
regras pelas quais esses mandamentos devem ser interpretados (cf. capítulos anteriores)
nos obrigam a entender que todas as outras espécies de impurezas são proibidas sob
essa desse grande pecado. Qualquer coisa que contamine o corpo é proibida aqui; o
adultério é expressamente mencionado porque todas as outras contaminações morais se
encaminham para ele. Pela maldade daquilo que todos os homens sabem ser errado,
somos exortados a abominar qualquer paixão ilegal. Como todas as maneiras de
castidade em nossos pensamentos, discursos e ações são ordenados pela perfeita regra
de Deus, assim qualquer coisa que seja no mínimo contrária e prejudicial a uma
castidade e modéstia sem mancha é proibida aqui. Qualquer outra união sexual, a não
ser aquela do casamento, é maldita aos olhos de Deus.
Esse mandamento proíbe todos os graus ou aproximações ao pecado que proíbe,
como olhar para cobiçar. Sua força é: “Tu de modo algum injuriará a castidade do seu
próximo ou o tentarás à impureza”. Isso requer que nos abstenhamos de vestimenta sem
modéstia, palavreado indelicado, intemperança na comida e na bebida que excitam as
paixões, e tudo que tenha qualquer tendência a induzir contra a castidade em nós
mesmos ou nos outros. Que os jovens especialmente fixem em suas mentes que toda a
conduta impura antes do casamento da parte do homem ou da mulher é um erro
cometido contra o casamento futuro. Mesmo que esse mandamento seja expresso na
forma de uma proibição negativa, ele ainda impõe positivamente todos os deveres
opostos, tais como a pureza do corpo, o preenchimento da mente com assuntos
sagrados, a colocação de nossas afeições nas coisas do alto e o uso do nosso tempo em
ocupações proveitosas.
Apresento algumas regras e sugestões para se evitar esse pecado: (1) Cultivar
um senso habitual da presença divina, percebendo que “os olhos do SENHOR estão em
todo lugar, contemplando os maus e os bons” (Pv 15.3). (2) Manter uma estrita
vigilância sobre os sentidos; pois, com muita frequência, esses são as avenidas que ao
invés de permitir a entrada de correntes agradáveis para refrescar, em geral deixam
entrar barro e lama para poluir a alma. Faça um pacto com os seus olhos (Jó 31.1).
Feche os seus ouvidos contra qualquer conversa obscena. Não leia nada que contamine.
Vigie os seus pensamentos, e trabalhe prontamente para expelir os que forem perversos.
(3) Pratique a sobriedade e a temperança (1Co 9.27). Aqueles que indulgem em
glutonaria e bebedice geralmente descobrem que seus excessos levam à cobiça. (4)
Exercite-se numa ocupação honesta e legal; está provado que a ociosidade é tão fatal a
muitos como a intemperança a outros. Evite a companhia do perverso. (5) Dedique-se
muito à oração fervorosa, implorando a Deus que limpe o seu coração (Sl 119.37)
“Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade
contra Deus?” (Tg 4.4). Isso se refere ao pecado do adultério espiritual: é o amor ao
mundo fazendo o coração estranho a Deus, as cobiças carnais atraindo a alma e
levando-a para longe dele. Há mais do que suficiente no próprio Deus para satisfazer,
mas ainda existe aquilo no crente que deseja encontrar sua felicidade na criatura.
Existem graus desse pecado, como é natural. Como pode haver adultério físico em
pensamento e desejo que não termina em ato consumado, assim o cristão pode
secretamente ansiar pelo mundo ainda que não se torne um completo mundano.
Devemos conferir essas inclinações quando os nossos corações são excessivamente
arrastados na direção de confortos e satisfações materiais. Deus é um Deus ciumento, e
nada o provoca mais que preferirmos coisas básicas antes que a ele próprio, ou dar a
outros aquela afeição ou estima que pertence a ele somente. Não abandone o seu
“primeiro amor” (Ap 2.4), não esqueça aquele com quem você está desposado (2Co
11.2).
8. O OITAVO MANDAMENTO
“Não furtarás” (Êx 20.15). A raiz da qual o roubo procede é o
descontentamento com a porção com que Deus tem concedido, e disto uma cobiça do
que ele vem retendo de nós e concedido a outros. Com sua usual acuidade, Calvino
acertou em cheio quando escreveu: “Essa lei é ordenada para os nossos corações tanto
quanto para as nossas mãos, de modo que o homem possa estudar tanto para proteger a
propriedade como promover o interesse de outros”. Como o anterior, esse preceito
também diz respeito ao governo das nossas afeições, ao colocar limites devidos aos
nossos desejos pelas coisas mundanas, para que não possam exceder o que a boa
providência de Deus determinou para nós. Por conseguinte, a conformidade daquela
oração: “Afasta de mim a vaidade e a palavra mentirosa; não me dês nem a pobreza
nem a riqueza; mantém-me do pão da minha porção de costume; para que, porventura,
estando farto não te negue, e venha a dizer: Quem é o SENHOR? Ou que, empobrecendo,
não venha a furtar, e tome o nome de Deus em vão” (Pv 30.8, 9).
“Não furtarás”. O dever positivo aqui nos impõe isso: tu preservarás por todos
os meios apropriados, e até além, tanto os seus bens como os do seu próximo. Esse
mandamento requer diligência e esforço apropriados para assegurar uma competência
em nós mesmos e nas nossas famílias, para que possamos não expor por meio das
nossas faltas nós mesmos e eles àqueles apuros que são a consequência da preguiça e
da negligência. Dessa forma, devemos procurar “as coisas honestas, perante todos os
homens” (Rm 12.17). Mas, ainda mais, esse mandamento é a lei do amor com respeito
aos bens do nosso próximo. Ele requer honestidade e retidão nos nossos negócios com
os outros, estando fundamentado sobre aquele primeiro princípio prático de toda a
conduta humana: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho
também vós” (Mt 7.12). Assim, esse mandamento coloca um sagrado cerco ao redor da
propriedade, na qual ninguém pode adentrar legalmente sem o consentimento do
proprietário.
O fato solene e impressionante que merece ser apontado é que o primeiro
pecado cometido pela espécie humana envolveu furto: Eva tomou (furtou) do fruto
proibido. Assim, também, o primeiro pecado registrado contra Israel depois que eles
entraram na terra de Canaã foi o de furto: Acã roubou de entre o espólio (Js 7.21). Da
mesma maneira, o primeiro pecado que contaminou a igreja cristã primitiva foi o
roubo: Ananias, com Safira, sua mulher, “reteve parte do preço” (At 5.2). Como é
frequente ser esse o primeiro pecado cometido externamente por crianças! E, portanto,
esse divino preceito deveria ser ensinado a elas desde a mais tenra infância. Há alguns
anos, visitamos uma família, e nossa anfitriã nos relatou como ela havia naquele dia
secretamente observado sua filha (com aproximadamente quatro anos de idade) entrar
num quarto onde estava um grande cacho de uvas. A criancinha olhou para elas cheia de
vontade, subiu na mesa e, então, disse: “Fora daqui, Satã. Está escrito: ‘Não furtarás’”,
e correu para fora do aposento.
“Não furtarás”. A mais alta forma desse pecado é quando ele é cometido contra
Deus, o que é sacrilégio. Na antiguidade, ele acusou Israel desse crime: “Roubará o
homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e
nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda esta
nação” (Ml 3.8, 9). Mas existem outras maneiras pelas quais essa transgressão pode ser
cometida além da recusa em sustentar financeiramente a causa de Deus sobre a terra.
Deus é roubado quando retemos a glória que a ele é devida, e somos ladrões espirituais
quando arrogamos para nós mesmos a honra e o louvor que só a ele pertencem. Os
arminianos são grandes transgressores aqui, atribuindo ao livre-arbítrio o que é
produzido pela livre graça. “Não me escolhestes vós a mim”, disse Cristo, “mas eu vos
escolhi a vós” (Jo 15.16) “Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus,
mas em que ele nos amou a nós” (1Jo 4.10).
Outra maneira pela qual roubamos a Deus é por um desempenho infiel da nossa
mordomia. O que Deus confiou a nós pode ser tão ultrajado por nosso mau
gerenciamento, como se estivéssemos interferindo nos negócios de alguém ou
saqueando os bens do nosso vizinho. Esse mandamento requer de nós que
administremos as nossas propriedades do mundo, sejam elas grandes ou pequenas, com
diligência suficiente para provermos para nós e aqueles que dependem de nós. A
preguiça é uma espécie de roubo. Ela faz o papel do zangão e leva o resto da colmeia a
nos sustentar. Assim, prodigalidade é também uma forma de roubo, visto que a
extravagância e o esbanjamento são desperdícios dos recursos que Deus nos deu
quando se vive desordenadamente. Aquele que permanece num emprego secular que
exige dele trabalhar no Dia do Senhor está roubando de Deus o tempo que deveria ser
devotado à sua adoração. Antes de continuar, deve ser apontado que aquele que entra
no ministério do evangelho sem ser chamado por Deus, pretendendo obter uma vida
fácil e confortável, é um “ladrão e salteador” (Jo 10.1).
“Não furtarás”. Propaganda enganosa é uma brecha nesse mandamento.
Comerciantes são culpados quando adulteram ou apresentam mal as suas mercadorias, e
também quando deliberadamente enganam os seus fregueses no peso ou no troco.
Exploração é outra forma de roubo. O apóstolo Paulo admoesta: “Ninguém oprima ou
engane a seu irmão em negócio algum” (1Ts 4.6). Contrair dívidas para sustentar
luxúria e vaidade é roubo, como também o é não conseguir pagar as dívidas
decorrentes da compra do essencial. Um homem que transfere uma propriedade para a
sua esposa exatamente antes de ir à falência é ladrão aos olhos de Deus, e assim
também o é qualquer falido que, mais tarde, prospere financeiramente e, então, não
pague seus credores integralmente. São ladrões o homem ou a mulher que empresta e
não devolve. Esse mandamento é quebrado pelos inquilinos que negligentemente
estragam a propriedade e móveis do locador. Sonegação no pagamento de impostos é
outra forma de roubo; Cristo nos deixou um exemplo melhor (Mt 17.24). Aposta é ainda
outra forma de roubo, pois por ela os homens obtêm dinheiro pelo qual não realizaram
nenhum trabalho honesto.
Esse velho adágio é verdadeiro: “O que quer que venha das costas do Diabo vai
para a barriga do Diabo”. Certo é que Deus manda uma maldição sobre o que é obtido
pela força ou fraude: é posto num saco furado e pela Providência logo desaparece.
Deus, pelo seu justo julgamento, geralmente transforma um pecado no castigador de
outro e o que é obtido pelo roubo é perdido pela intemperança e uma vida abreviada.
Por isso está escrito: “As rapinas dos ímpios os destruirão, porquanto se recusam a
fazer justiça” (Pv 21.7); e novamente: “Como a perdiz, que choca ovos que não pôs,
assim é aquele que ajunta riquezas, mas não retamente; no meio de seus dias as deixará,
e no seu fim será um insensato” (Jr 17.11). Muitas vezes, Deus levanta aqueles que
lidam com eles, da mesma forma que eles lidaram com os outros. O temível
crescimento desse crime na sociedade moderna é devido à falha em impor a punição
adequada. Se o leitor está consciente de ter defraudado alguém no passado, não é
suficiente confessar esse pecado a Deus. No mínimo, uma restituição dobrada deve ser
feita (Lc 19.8 e 2Sm 12.6) – se o lesado estiver morto, então aos seus descendentes; se
ele não tiver descendentes, então a alguma instituição de caridade pública.
Aqui estão umas poucas sugestões de ajuda para evitar os pecados proibidos e
para o desempenho daqueles deveres inculcados por esse oitavo mandamento. (1)
Engaje-se num trabalho honesto ou, se é uma pessoa de recursos, em alguma vocação
honrosa, buscando promover o bem público. As pessoas que nada fazem são tentadas a
causar dano. (2) Lute contra o espírito do egoísmo procurando o bem-estar dos outros.
(3) Combata a luxúria e a cobiça dando liberalmente aos que estão em necessidade. (4)
Se o seu Salvador foi crucificado entre dois ladrões para que o dom da salvação
pudesse ser seu, não traga nenhuma reprovação sobre o nome dele por algum ato de
desonestidade. (5) Cultive a graça do contentamento. Para isto, considere
frequentemente a vaidade de todas as coisas temporais, pratique a submissão à divina
providência, medite muito sobre as promessas divinas (tais como Hb 13.5, 6), seja
moderado em todas as coisas, coloque as suas afeições nas coisas do alto, e lembre-se
diariamente da sorte terrena de Cristo.
9. O NONO MANDAMENTO
“Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Êx 20.16). Tome essas
palavras simplesmente em seu valor nominal e elas proibirão apenas o horrível crime
de perjúrio ou o dar falso testemunho num tribunal. Mas o que é verdade quanto aos
mandamentos anteriores, também o é aqui: muito mais está implícito e inculcado do que
aquilo especificamente afirmado. Como temos tão frequentemente afirmado, cada um
dos Dez Mandamentos enuncia um princípio geral, e não apenas são proibidos todos os
outros pecados que estejam ligados ao nomeado e proibido, juntamente com todas as
causas e tendências a isso, mas a virtude oposta é definitivamente requerida, com tudo
que a alimenta e promove. Assim, em seu significado mais abrangente, esse nono
mandamento repreende qualquer palavra nossa que possa ferir a reputação do nosso
próximo, seja ela pronunciada em público ou em privado. Isso dificilmente precisaria
de qualquer argumentação, pois se restringirmos esse mandamento a seus termos
literais, ele não teria nenhuma influência sobre ninguém, salvo aquela pequena minoria
que é chamada a dar testemunho numa corte de justiça.
Em sua aplicação mais abrangente, esse mandamento tem a ver com o controle
do nosso falar, que é uma das faculdades distintivas e enobrecedoras que Deus
concedeu ao homem. As Escrituras nos dizem que “a morte e a vida estão no poder da
língua” (Pv 18.21), que “a língua benigna é árvore de vida” (Pv 15.4), e que uma
descontrolada é “um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal” (Tg
3.8). Que as nossas palavras não são para serem pronunciadas de maneira leviana ou
impensada fica claro por aquela inefável e solene afirmação de nosso Senhor: “Mas eu
vos digo que de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia
do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás
condenado” (Mt 12.36, 37). Ó, quanto precisamos de oração! “Põe, ó SENHOR, uma
guarda à minha boca; guarda a porta dos meus lábios” (Sl 141.3). Os deveres referentes
às nossas línguas podem ser resumidos em duas palavras: nosso falar deve ser sempre
verdadeiro e expresso em amor (Ef 4.15). Dessa forma, como o oitavo mandamento
providencia a segurança da propriedade do nosso próximo; assim, o nono é designado
para preservar seu bom nome pelo nosso falar a verdade sobre ele em amor.
Negativamente, esse nono mandamento proíbe todo pronunciamento falso e
injurioso quanto ao nosso próximo; positivamente, ele inculca a conservação da
verdade. “O fim desse preceito é que, porque Deus, que é a própria a Verdade, execra
uma mentira, deveríamos preservar a verdade sem o mínimo engano” (J. Calvino).
Veracidade é a estrita observância da verdade em todas as nossas comunicações. A
importância e a necessidade disso aparecem a partir do fato de que quase tudo que a
humanidade sabe é derivado das comunicações. O valor daquelas declarações que
aceitamos dos outros depende inteiramente da sua veracidade e exatidão. Se elas forem
falsas, são sem valor, enganosas e maléficas. Veracidade não é apenas uma virtude, mas
é também a raiz de todas as outras virtudes e o fundamento de todo caráter reto. Nas
Escrituras, portanto, “verdade” é sempre sinônimo de “retidão”. O homem piedoso é
aquele que “fala a verdade no seu coração” (Sl 15.2). O homem que “pratica a
verdade” (Jo 3.21) cumpriu o seu dever. É pela verdade que o Espírito Santo santifica a
alma (Jo 17.17).
A forma positiva desse nono mandamento é encontrada nessas palavras: “Falai
a verdade cada um com o seu próximo” (Zc 8.16). Assim, o primeiro pecado proibido é
o da mentira. Ora, uma mentira propriamente dita consiste de três elementos ou
ingredientes: falar o que não é verdade; deliberadamente fazê-lo; e fazê-lo com uma
intenção de enganar. Nem toda falsidade é uma mentira; podemos estar mal informados
ou enganados, e sinceramente pensar que estamos afirmando fatos e, consequentemente,
não temos nenhuma intenção de enganar aos outros. Por outro lado, nós podemos narrar
o que é verdade, e ainda mentir ao fazê-lo, como nos seguintes exemplos: poderíamos
relatar o que é verdade, e, todavia, crer ser uma mentira, proferindo tal coisa com o
intuito de enganar; ou poderíamos mencionar as palavras figuradas de outra pessoa, e
fingir que ela quis dizer literalmente, como foi o caso com aqueles que deram falso
testemunho contra Cristo (Mt 20.60). A pior forma de mentira (entre os homens) é
quando, maliciosamente, nós inventamos uma falsidade com o propósito de prejudicar a
reputação do nosso próximo, que é o que está mais especialmente em vista nos termos
do nono mandamento.
Quão vil e abominável esse pecado se torna visível a partir das seguintes
considerações. É um pecado que faz uma pessoa mais parecida com o Diabo. O Diabo
é espírito e, portanto, pecados grosseiramente carnais não correspondem à sua natureza.
Seus pecados são mais refinados e intelectuais, tais como orgulho, malícia, engano e
falsidade. Ele “é mentiroso, e pai da mentira” (Jo 8.44), e quanto mais malícia entra na
composição de qualquer mentira, mais proximamente alguém se assemelha a ele. Tal
pecado é, portanto, o mais contrário à natureza e caráter de Deus, porque ele é o
“SENHOR Deus da verdade” (Sl 31.5), e por isso somos informados de que “os lábios
mentirosos são abomináveis ao SENHOR” (Pv 12.22). Como Satanás é um mentiroso e o
pai da mentira, e como Deus é o SENHOR Deus da verdade, assim seus filhos se
assemelham a ele nisso: “eles são meu povo, filhos que não mentirão” (Is 63.8). Deus
tem ameaçado o mais atemorizante castigo sobre “todos os mentirosos, a sua parte será
no lago que arde com fogo e enxofre” (Ap 21.8).
Ah! A que alturas terríveis esse pecado tem subido. Ele tem se tornado tão
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  • 1.
  • 2. PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA Com certeza, A. W. Pink (como assinava em suas cartas e artigos) nunca imaginaria que, no final do século 20 e ao longo do século 21, dificilmente seria necessário explicar quem é Pink quando nos dirigindo às pessoas que consideram a Bíblia como Palavra de Deus e se empenham em compreendê-la, entre outras coisas, utilizando bons livros. Vivendo quase em completo anonimato,[1] salvo por aqueles poucos que assinavam sua revista publicada mensalmente, o valor de Arthur Pink foi descoberto pelo mundo apenas após sua morte, quando seus artigos passaram a ser reunidos e publicados na forma de livros. Ian Murray afirma que, mediante a ampla circulação de seus escritos após a sua morte, ele se tornou um dos autores evangélicos mais influentes na segunda metade do século 20.[2] Foi D. Martyn Lloyd-Jones quem disse: “Não desperdice o seu tempo lendo Barth e Brunner. V ocê não receberá nada deles que o ajude na pregação. Leia Pink!”. Já Richard Belcher, um pastor que tem escrito alguns livros sobre a vida e obra do nosso autor, disse o seguinte: “Nós não o idolatramos. Mas o reconhecemos como um homem de Deus ímpar, que pode nos ensinar por meio da sua caneta. Ele verdadeiramente ‘nasceu para escrever’, e todas as circunstâncias de sua vida, mesmo as negativas que ele não entendeu,[3] levaram-no ao cumprimento desse propósito ordenado por Deus”. John Thornbury, autor de vários livros, inclusive uma excelente biografia sobre David Brainerd,[4] disse o seguinte: “Sua influência abrange o mundo todo e hoje um exército poderoso de pregadores de várias denominações está usando seus materiais e pregando a congregações, grandes e pequenas, as verdades que ele extraiu da Palavra de Deus. Eu o honro por sua coragem, discernimento, perspicuidade, equilíbrio, e acima de tudo por seu amor apaixonado pelo Deus trino”. No Brasil, Arthur Pink é relativamente bem conhecido, graças à publicação de dois dos seus livros mais conhecidos: The Sovereignty of God[5] e The Attributes of God.[6] Mas o legado de Pink é bem maior que isso! Seus escritos reunidos compõem mais de quarenta livros, merecendo destaque especial o seu comentário sobre Hebreus (1307 págs.)[7] e sobre o Evangelho de João (1160 págs.)[8].
  • 3. Os capítulos que compreendem Os Dez Mandamentos foram primeiramente publicados em Studies in the Scriptures[9] – uma revista mensal editada por Pink e devotada à exposição da Palavra. Esses artigos apareceram nas edições de janeiro a dezembro de 1941. Na edição de janeiro, antes de passar à exposição propriamente dita, Pink disse o seguinte: “Durante os últimos dezenove anos, temos escrito vários artigos sobre a Lei Moral; todavia, sentimo-nos constrangidos a devotar as primeiras páginas das edições ao longo de 1941 (se o Senhor permitir) a uma consideração do Decálogo Divino. Algumas das nossas razões para fazê- lo são as seguintes: por causa da grande importância que o próprio Deus atribui ao mesmo; porque estamos plenamente persuadidos que não pode haver nenhuma esperança com fundamento sólido quanto a um genuíno reavivamento da piedade entre os crentes, e da moralidade entre os incrédulos, até que os Dez Mandamentos ganhem novamente o seu lugar apropriado em nossas afeições, pensamentos e vidas; porque alguns dos nossos amigos têm requisitado que o façamos; e porque vários dos nossos leitores têm sido ensinados erroneamente sobre isso – alguns por dispensacionalistas, outros por antinomianos”. Em A. W. Pink, encontramos a mesma teologia de C. H. Spurgeon,[10] a quem muito admirava, e uma eloquência e paixão pela verdade semelhantes ao do grande Príncipe dos Pregadores. Falando sobre John Bunyan, autor do famoso clássico cristão O Peregrino, Spurgeon disse que, se o furássemos, jorraria Bíblia, e não sangue, em razão de que Bunyan estava saturado da Bíblia. O mesmo era verdade do próprio Spurgeon, e de Pink, facilmente percebido nos escritos destes.[11] As últimas palavras de Pink antes de morrer, ao lado de sua esposa, foram: “As Escrituras explicam a si mesmas”.[12] Que declaração final apropriada para um homem que dedicou sua vida ao entendimento e explicação da Palavra de Deus! Embora não seja exaustiva, a exposição de Pink sobre a Lei Moral de Deus é bíblica, fazendo com que recordemos muitas vezes a explicação que o Senhor Jesus deu sobre a mesma no seu famoso Sermão do Monte.[13] Que este livro possa levar muitos dos servos de Deus a encararem a sua Lei com seriedade, honrando a Deus por meio do ensino e cumprimento desta, que sempre foi o alvo e o objetivo do autor. Sim, que durante a leitura você possa exclamar, juntamente com o salmista: “Oh! Quanto amo a tua lei! É a minha meditação em todo o dia” (Sl 119.97).
  • 4. Felipe Sabino de Araújo Neto 29 de janeiro de 2009
  • 5. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS Existem duas coisas que são indispensáveis à vida do cristão: primeira, um claro conhecimento do dever; e segundo, uma conscienciosa prática do dever correspondente a esse conhecimento. Como não podemos ter uma bem firmada esperança sem obediência, assim também não podemos ter uma regra segura de obediência sem conhecimento. Embora possa haver conhecimento sem prática; todavia, não é possível a prática da vontade de Deus sem conhecimento. Portanto, para que pudéssemos estar informados do que devemos fazer, e o que devemos evitar, agradou ao Soberano e Juiz de toda a terra prescrever para nós leis para o regulamento das nossas ações. Quando tínhamos miseravelmente desfigurado a Lei da natureza, originalmente escrita em nosso coração, de modo tal que muitos de seus mandamentos não eram mais legíveis, pareceu bem ao Senhor transcrever essa Lei nas Escrituras – e nos Dez Mandamentos temos um sumário da mesma. Primeiro consideremos a sua promulgação. A maneira na qual o Decálogo foi formalmente entregue a Israel inspirou muito medo, mas estava repleta de valiosas instruções para nós. Primeiro, o povo recebeu ordens de passar dois dias se preparando, por meio de uma purificação cerimonial de todas as impurezas externas, antes que estivessem aptos a permanecer na presença de Deus (Êx 19.10, 11). Isso nos ensina que uma séria preparação do coração e da mente tem de ser feita antes que venhamos esperar na presença de Deus as suas ordenanças e receber uma palavra da sua boca; e que se Israel teve de se santificar para aparecer diante de Deus no Sinai, quanto muito mais nós devemos nos santificar, para que possamos estar adequados para aparecer diante de Deus no céu. Em seguida, o monte em que Deus apareceu teve de ser cercado, com uma estrita proibição de que ninguém deveria se aproximar da montanha sagrada (19.12, 13). Isso nos ensina que Deus é infinitamente superior a nós, e a maior reverência lhe é devida, e nos mostra o quanto a sua Lei é estrita. Em seguida, temos a descrição da assustadora manifestação na qual Yahweh apareceu para entregar a sua Lei (Êx 19.18, 19), que foi planejada para afetar o povo de Israel com temor pela sua autoridade e mostrar que, se Deus era tão terrível para dar a sua Lei, quanto mais ele não será quando vier nos julgar pela violação dela? Quando Deus entregou os Dez Mandamentos, o povo foi tão grandemente afetado que eles rogaram a Moisés que atuasse como mediador e intérprete entre Deus e eles (20.18, 19). Isso nos ensina que, quando a Lei é dada diretamente por Deus, isso é (em si mesmo) a ministração de condenação e morte, mas como foi entregue a nós pelo Mediador, Cristo, podemos ouvir e observá-la (veja Gl 3.19; Gl 6.2; 1Co 9.21). Assim,
  • 6. Moisés subiu ao monte e recebeu a Lei, escrita pelo próprio dedo de Deus sobre tábuas de pedra, significando que o nosso coração é, naturalmente, tão duro que nada, a não ser o dedo de Deus, pode fazer qualquer impressão de sua Lei nele. Aquelas tábuas foram quebradas por Moisés em seu santo zelo (Êx 32.19), e Deus as escreveu uma segunda vez (34.1). Isso quer dizer que a Lei da natureza foi escrita em nosso coração na criação, quebrada quando caímos em Adão, e reescrita na regeneração (Hb 10.16). Mas alguém pode perguntar: “Não foi a Lei totalmente revogada pela vinda de Cristo ao mundo? V ocê nos traria debaixo daquele horrível jugo de escravidão que jamais alguém foi capaz de suportar? O Novo Testamento não declara expressamente que não estamos debaixo da Lei, mas debaixo da graça; que Cristo nasceu sob a Lei para livrar seu povo dali em diante? Não é uma tentativa de intimidar a consciência do homem com a autoridade do Decálogo uma imposição legalista, totalmente em desacordo com a liberdade cristã que o Salvador trouxe pela sua obediência até a morte?”. Respondemos assim: longe de a Lei ter sido abolida pela vinda de Cristo a esse mundo, ele próprio declarou enfaticamente: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido” (Mt 5.17, 18). É verdade, o cristão não está debaixo da Lei como uma Aliança de Obras, nem como uma ministração de condenação, mas ele está debaixo dela como uma regra de vida e um meio de santificação. Segundo, consideremos suas singularidades. Isso aparece primeiro no fato de que essa revelação de Deus no Sinai – a qual deveria servir para todas as eras vindouras como a grande expressão de sua santidade e a soma dos deveres do homem – foi acompanhada com tal fenômeno atemorizador que a própria maneira da sua publicação mostrou claramente que Deus mesmo atribuiu ao Decálogo importância peculiar. Os Dez Mandamentos foram pronunciados por Deus em voz audível, com o acompanhamento amedrontador de nuvens e trevas, trovões e raios e o som de uma trombeta, e foram as únicas partes da Divina Revelação assim pronunciadas – nenhum dos preceitos cerimoniais ou civis foi assim distinto. Aquelas Dez Palavras, e somente elas, foram escritas pelo dedo de Deus sobre tábuas de pedra, e somente elas foram depositadas na arca santa para salvaguarda. Assim, na honra única conferida ao Decálogo, podemos perceber sua grande importância no governo divino. Terceiro, consideremos sua fonte, que é o amor. Pouquíssima ênfase tem sido dada ao seu divino prefácio: “Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”. Não obstante a grandeza assombrosa e majestade solene que acompanharam a promulgação da Lei, ela teve seu fundamento no amor. A Lei procedia de Deus como uma clara expressão de seu caráter, tanto como o gracioso Redentor como também o justo Senhor do seu povo.
  • 7. A conclusão óbvia e o princípio importantíssimo que deve ser tirado dessa compreensão é essa: a redenção necessita de conformidade ao caráter e à ordem de Deus naqueles que são redimidos. Não apenas a dádiva do Decálogo por Deus foi um ato de amor, mas o amor foi a base sobre a qual ele foi recebido pelo seu povo, e somente assim poderia existir uma conformidade, e essencial similitude, entre um Deus redentor e um povo redimido. As palavras finais do segundo mandamento, “faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos” (ARA), deixam claro como cristal que a única obediência que Deus aceita é a que provém de um coração afetuoso. O Salvador declarou que as exigências da Lei se resumiam em amar a Deus de todo o nosso coração e ao nosso próximo como a nós mesmos. Quarto, consideremos sua perpetuidade. Que o Decálogo é uma obrigação para todo homem em cada geração sucessiva é evidente a partir de muitas considerações. Primeiro, como a expressão necessária e imutável da retidão de Deus, sua autoridade sobre todos os agentes morais torna-se inevitável: o caráter do próprio Deus deve mudar antes que a Lei (a regra do seu governo) possa ser revogada. Essa é a Lei que foi dada ao homem na sua criação, da qual a sua subsequente apostasia não pôde livrá-lo. A Lei Moral está fundamentada em relações que subsistem onde quer que haja criaturas dotadas de razão e vontade. Segundo, o próprio Cristo prestou à Lei uma obediência perfeita, deixando-nos, desse modo, um exemplo, que devemos seguir os seus passos. Terceiro, o apóstolo dos gentios levantou especificamente a questão: “Anulamos, pois, a lei pela fé?”, e respondeu: “De maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei” (Rm 3.31). Finalmente, a perpetuidade da Lei aparece no ato de Deus escrevê-la no coração do seu povo quando do seu novo nascimento (Jr 31.33; Ez. 36.26, 27). Quinto, diremos uma palavra sobre o número dos mandamentos da Lei Moral, dez sendo indicativo de sua completude. Isso é enfatizado na Escritura por serem expressamente designados como “as dez palavras” (Êx 34.28, ARA), que indica que formavam por si um todo constituído do necessário, e não mais que o necessário, complemento de suas partes. Foi em razão desse significado simbólico do número que as pragas sobre o Egito foram precisamente dez, formando como tal um círculo completo de julgamentos divinos. E foi pela mesma razão que as transgressões dos hebreus no deserto foram permitidas a prosseguir até que o mesmo número tivesse sido alcançado: quando tinham pecado já “dez vezes” (Nm 14.21) encheram a medida das suas iniquidades. Daí também a consagração dos dízimos ou décima parte: toda a produção era representada por dez, e uma parte era separada para o Senhor, como sinal de que tudo provinha dele e era dele. Sexto, consideremos sua divisão. Como Deus nunca age sem uma boa razão, podemos ter certeza de que ele tinha algum desígnio em escrever a Lei sobre duas
  • 8. tábuas. Esse desígnio é evidente na superfície, pois a própria substância desses preceitos, que juntos compreendem a soma da justiça, separa-os em dois grupos distintos, o primeiro com respeito às nossas obrigações para com Deus, e o segundo as nossas obrigações para com os homens; o primeiro tratando do que pertence ao culto de Deus; o último, dos deveres de caridade em nossas relações sociais. Extremamente sem valor é aquela justiça que se abstém de atos de violência contra o nosso próximo, enquanto retemos da Majestade dos céus a glória que lhe é devida. Igualmente vão é fingir ser adorador de Deus se nos recusarmos àqueles deveres de amor ao nosso próximo. A abstenção da fornicação é mais do que neutralizada se eu, com blasfêmia, tomo o nome do Senhor em vão, enquanto o mais formal dos cultos é rejeitado por ele se eu roubar ou mentir. Nem os deveres do culto divino ocupam a primeira tábua simplesmente porque eles são, como Calvino designa, “a cabeça da religião”; mas, como ele corretamente acrescenta, eles são “a sua própria alma, constituindo toda a sua vida e vigor”, pois sem o temor a Deus, os homens não preservam nenhuma igualdade e amor entre si mesmos. Se o princípio da piedade estiver ausente, seja qual for a justiça, misericórdia e temperança que os homens possam praticar entre si, é vão aos olhos do céu; enquanto que, se Deus ocupa o seu lugar de direito em nosso coração e vida, venerando-o como o Árbitro do certo e do errado, isso nos constrangerá a tratar equitativamente o nosso próximo. Opiniões têm variado sobre como as Dez Palavras foram divididas, se a quinta terminava a primeira tábua ou começava a segunda. Pessoalmente, inclinamo- nos, decididamente, à primeira: porque os pais se situam para nós no lugar de Deus enquanto somos jovens; porque na Escritura os pais nunca são vistos como “próximo” – em uma igualdade; e porque cada um dos cinco primeiros mandamentos contém a frase “o SENHOR teu Deus”, que não é encontrada em qualquer dos cinco restantes. Sétimo, consideremos sua espiritualidade. “A Lei é espiritual” (Rm 7.14) não somente porque procede de um Legislador espiritual, mas porque demanda mais do que a mera obediência de conduta externa, a saber, a obediência interna do coração na sua maior extensão. É somente quando percebemos que o Decálogo atinge pensamentos e desejos do coração que descobrimos o quanto existe em nós mesmos em direta oposição a ele. Deus requer a verdade “no íntimo” (Sl 51.6) e proíbe o menor desvio de santidade até nas nossas imaginações. O fato de a Lei tomar conhecimento das nossas mais secretas disposições e intenções, demandar a santa regulação de nossa mente, afeições e vontade, e exigir que toda a nossa obediência proceda do amor, demonstra de imediato sua origem divina. Nenhuma outra lei jamais professou governar o espírito do homem, mas aquele que sonda o coração exige nada menos. Essa alta espiritualidade da Lei foi evidenciada por Cristo quando ele insistiu que um olhar de cobiça era adultério e que a ira maligna era uma quebra do sexto mandamento.
  • 9. Oitavo, consideremos seu ofício. A primeira utilidade da Lei Moral é revelar a única retidão que é aceitável a Deus, e, ao mesmo tempo, revelar a nós a nossa falta de retidão. O pecado tem cegado nosso julgamento, nos enchido de amor próprio, e trabalhado em nós um falso sentido de nossa própria suficiência. Mas se nos comparamos seriamente com as altas e santas demandas da Lei de Deus, ficamos cientes da nossa insolência sem fundamento, convencidos de nossa imundície e culpa, e feitos conscientes da nossa falta de força para fazer o que é requerido de nós. Calvino, em suas Institutas da Religião Cristã (Livro II, Cap. 7, seção 7), diz: “Desta sorte, a lei é como que um espelho no qual contemplamos nossa incapacidade, então resultante desta a iniquidade, por fim a maldição proveniente de ambas”. Seu segundo uso é reprimir os transgressores, os quais, ainda que não se preocupem com a glória de Deus nem em agradá-lo, todavia se refreiam de muitos atos externos de pecado pelo medo de sua terrível penalidade. Embora isso não os recomende a Deus, é um benefício para a comunidade na qual eles vivem. Terceiro, a Lei é a regra de vida do crente, para dirigi- lo e mantê-lo dependente da graça divina. Nono, consideremos suas sanções. Não somente o Senhor nos trouxe sob infinitas obrigações por nos haver redimido da escravidão do pecado, não somente tem ele dado ao seu povo tal visão e sentimento de sua majestade inspiradora de temor, como gerado neles uma reverência por sua soberania; mas ele foi servido de providenciar persuasões adicionais para nós nos aquiescermos à sua autoridade, cumprirmos alegremente sua ordenança, e termos aversão ao que ele proíbe, por promessas e ameaças acrescentadas, dizendo: “Porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam e faço misericórdia a milhares[14] dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos”. Assim, somos informados de que aqueles que cumprem os seus comandos não laborarão em vão, bem como os rebeldes não escaparão impunemente. E décimo e finalmente, consideremos sua interpretação. “Teu mandamento”, diz o salmista, “é amplíssimo”[15] (119.96). Tão abrangente é a Lei Moral que sua autoridade se estende a todas as ações morais de nossas vidas. O restante das Escrituras é apenas um comentário sobre os Dez Mandamentos, quer nos estimulando à obediência por meio de argumentos, persuadindo-nos por promessas, refreando-nos da transgressão por ameaças, ou nos compelindo a um e refreando do outro por exemplos registrados nas porções históricas. Corretamente compreendidos, os preceitos do Novo Testamento são apenas explicações, amplificações e aplicações dos Dez Mandamentos. Deveria ser cuidadosamente observado que nas coisas expressamente ordenadas ou proibidas existe sempre implicado mais do que é formalmente declarado. Mas sejamos mais específicos. Primeiro, em cada mandamento, o principal dever ou pecado é
  • 10. tomado como representativo de todos os pecados ou deveres menores, e o ato público é tomado como representativo de todas as afeições relacionadas. Seja qual for o pecado especificamente nomeado, todos os pecados do mesmo gênero, com todas as suas causas e provocações, são proibidos, pois Cristo explicou o sexto mandamento como condenando não apenas o assassinato real, mas também a ira precipitada no coração. Segundo, quando algum vício é proibido, a virtude oposta é prescrita, e quando alguma virtude é ordenada, o vício contrário é condenado. Por exemplo, no terceiro mandamento Deus proíbe o tomar seu nome em vão; portanto, por consequência necessária, a santificação do seu nome é ordenada. E como o oitavo proíbe roubar, então ele requer o dever oposto – ganhar o nosso sustento e pagar pelo que recebemos (Ef 4.28).
  • 11. 1. O PRIMEIRO MANDAMENTO “Então falou Deus todas estas palavras: Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20.1, 2). Esse prefácio à Lei Moral deve ser considerado como tendo igual referência a todos os Dez Mandamentos (e não ao primeiro apenas), contendo como ele contém os mais pesados argumentos para reforçar a nossa obediência a eles. Como é o costume de reis e governadores afixar seus nomes e títulos antes dos editos por eles emitidos, para obter maior atenção e veneração ao que publicam, assim também o grande Deus, o Rei dos reis, estando para proclamar uma Lei aos seus súditos, para que pudesse afetá-los com uma reverência mais profunda pela sua autoridade e fazê-los temer mais transgredir aqueles estatutos que são decretados por tão poderosa Potestade e tão gloriosa Majestade, proclama seu augusto Nome sobre eles. O que exatamente acaba de ser apontado acima foi claramente estabelecido por aquelas palavras de Moisés para Israel, que inspiram temor: “Para temeres este nome glorioso e terrível, o SENHOR, teu Deus” (Dt 28.58). “Eu sou o SENHOR teu Deus”. A palavra para “Senhor” é “Yahweh”, que é o Supremo, Eterno e autoexistente, a força do qual é (como foi) soletrada para nós em aquele “que era, e que é, e que há de vir” (Ap 4.8). A palavra para “Deus” é “Eloim”, o plural de Eloá, pois embora ele seja um em natureza, todavia é três em suas Pessoas. E esse Yahweh, o Supremo Objeto de culto, é “teu Deus”, porque no passado ele foi teu Criador, no presente é o teu Soberano, e no futuro será teu Juiz. Além do mais, Ele é o “Deus” dos seus eleitos por relação pactual, e, portanto, seu Redentor. Assim, a nossa obediência à sua Lei é reforçada por essas considerações: sua autoridade absoluta, gerando temor em nós – ele é “o SENHOR teu Deus”; seus benefícios e misericórdias, produzindo amor em nós – “que te tirou da casa (antitípica) da servidão”. “[Tu] não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3) é o primeiro mandamento. Vamos considerar rapidamente o seu significado. Notamos o seu número singular: “tu” e não “vós”, dirigido a cada pessoa separadamente, porque cada um de nós está em questão ali. “Não terás outros deuses” tem a força de tu não possuirás, buscarás, desejarás, amarás ou cultuarás nenhum outro. Não terás “outros deuses”, eles são chamados assim não porque sejam, quer por natureza ou ofício (Sl 82.6), mas porque o coração corrupto dos homens os inventa e estima como tal – como em “o deus deles é o ventre” (Fl 3.19). “Diante de mim” ou “minha face”, a força da qual é mais bem constatada pela sua palavra a Abraão: “Anda em minha presença e sê perfeito” ou “correto” (Gn 17.1) – conduza-se tendo em mente que você está sempre em minha
  • 12. presença, que meus olhos estão continuamente sobre você. Isso é muito perscrutador. Somos muito aptos a descansar contentes se pudermos apenas aprovar-nos a nós mesmos diante dos homens e manter uma bela demonstração de piedade externamente; mas Yahweh perscruta o mais íntimo do nosso ser e não podemos esconder dele qualquer concupiscência secreta ou ídolo escondido. Vamos, em seguida, considerar o dever positivo imposto por esse primeiro mandamento. Numa breve afirmação, é isso: você escolherá, adorará e servirá a Yahweh como teu Deus, e a ele somente. Sendo quem é – teu Criador e Rei, a Soma de toda a excelência, o supremo Objeto de adoração – ele não admite rival e ninguém pode competir com ele. Veja então a absoluta racionalidade desta demanda e a loucura de infringi-la. Esse mandamento requer de nós uma disposição e conduta adequadas à relação que temos com o Senhor como nosso Deus, que é o único objeto adequado do nosso amor e o único capaz de satisfazer a alma. Requer que tenhamos um amor por ele mais forte do que todas as outras afeições, que o tomemos como a nossa mais alta porção, que o sirvamos e obedeçamos a ele supremamente. Requer que todos aqueles serviços e atos de adoração que rendemos ao verdadeiro Deus sejam feitos com a mais alta sinceridade e devoção (implicados no “diante de mim”), excluindo a negligência de um lado e a hipocrisia do outro. Ao apontar os deveres requeridos por esse mandamento não podemos fazer melhor do que citar o Catecismo Maior de Westminster. “Os deveres exigidos no primeiro mandamento são – o conhecer e reconhecer Deus como único verdadeiro Deus e nosso Deus (1Cr 28.9; Dt 26.17, etc.), e adorá-lo e glorificá-lo como tal (Sl 95.6, 7; Mt 4.10, etc.); pensar (Ml 3.16) e meditar (Sl 63.6) nele, lembrar-nos dele (Ec 12.1), altamente apreciá-lo (Sl 71.19), honrá-lo (Ml 1.6), adorá-lo (Is 45.23), escolhê-lo (Js 24.15), amá-lo (Dt 6.5), desejá-lo (Sl 73.25) e temê-lo (Êx 14.31); crer nele, confiando (Is 26.4), esperando (Sl 103.7), deleitando-nos (Sl 37.4) e regozijando-nos nele (Sl 32.11); ter zelo por ele (Rm 12.11); invocá-lo, dando-lhe todo louvor e agradecimentos (Fl 4.6), prestando-lhe toda a obediência e submissão do homem todo (Jr 7.23); ter cuidado de o agradar em tudo (1Jo 3.22), e tristeza quando ele é ofendido em qualquer coisa (Jr 31.18; Sl 119.136); e andar humildemente com ele (Mq 6.8)”. Aqueles deveres podem ser resumidos nesses principais. Primeiro, a busca diligente e por toda a vida de um maior conhecimento de Deus como ele é revelado na sua Palavra e obras, porque nós não podemos adorar um Deus desconhecido. Segundo, o amor de Deus com todas as nossas faculdades e forças, que consiste de uma pintura sincera dele, e profunda alegria nele, e um santo zelo por ele. Terceiro, o temor de Deus, que consiste no respeito para com sua majestade, suprema reverência por sua autoridade, e um desejo por sua glória: como o amor de Deus é o motivo inicial da obediência, assim o temor de Deus é o grande dissuasor da desobediência. Quarto, a
  • 13. adoração de Deus de acordo com as indicações dele, para a qual as principais ajudas são essas: estudo e meditação da Palavra, oração, e por em prática o que nos é ensinado. “Não terás outros deuses diante de mim.” Isto é, não darás a qualquer um ou a qualquer coisa no céu ou na terra que habite a confiança do coração, veneração em amor, e dependência que é devida apenas ao verdadeiro Deus; não transferirás para outro o que pertence somente a ele. Nem devemos tentar dividi-los entre Deus e algum outro, porque nenhum homem pode servir a dois senhores. Os grandes pecados proibidos por esse mandamento são esses: primeiro, uma ignorância desejada de Deus e de sua vontade por desprezar aqueles meios pelos quais podemos nos relacionar com ele; segundo, ateísmo ou negação de Deus; terceiro, idolatria ou o estabelecimento de deuses falsos e fictícios; quarto, desobediência e vontade própria ou desafio aberto a Deus; e quinto, todas afeições desordenadas e não moderadas ou o estabelecer de nossos corações e mentes sobre outros objetos. São idólatras e transgressores desse mandamento os que fazem um “deus” como imaginado pelas suas próprias mentes. Tais são os unitarianos, que negam que existam três Pessoas na Trindade. Assim são os católicos romanos, que suplicam à mãe do Salvador e afirmam que o papa tem poder para perdoar pecados. Assim são a vasta maioria dos arminianos, que creem em uma Divindade derrotada e desapontada. Tais são os sensuais epicureus (Fl 3.19), porque existem ídolos internos bem como externos. “Esses homens têm posto seus ídolos em seus corações” (Ez 14.3). O apóstolo Paulo fala da “cobiça que é idolatria” (Cl 3.5) e, por raciocínio imparcial, são todos os desejos imoderados. O objeto ao qual rendemos esses desejos e serviços que são devidos somente ao Senhor é o nosso “Deus”, seja o que for: o ego, o ouro, a fama, o prazer ou os amigos. O que é o nosso Deus? A que a nossa vida é devotada?
  • 14. 2. O SEGUNDO MANDAMENTO “Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam. E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos” (Êx 20.4-6). Embora esse segundo mandamento esteja intimamente relacionado ao primeiro, há, todavia, uma clara distinção entre eles, que pode ser expressa de várias formas. Assim como o primeiro mandamento se refere à escolha do verdadeiro Deus como o nosso Deus, o segundo trata da nossa verdadeira profissão de sua adoração; assim como o primeiro fixa o objeto, esse fixa o modo da adoração religiosa. Como no primeiro mandamento Yahweh havia se proclamado como sendo o verdadeiro Deus, assim aqui ele revela a sua natureza e como deve ser honrado. “Não farás para ti imagem de escultura… Não te encurvarás a elas nem as servirás.” Este mandamento bate contra um desejo ou, deveríamos dizer, uma doença, que está profundamente enraizada no coração humano, a saber, trazer alguma ajuda para o culto de Deus além daquilo que ele indicou – ajuda material, coisas que podem ser percebidas pelos sentidos. E não é difícil encontrar a razão para isso: Deus é incorpóreo, invisível, e pode ser percebido somente por um princípio espiritual; e, visto que esse princípio está morto no homem caído, ele naturalmente busca o que esteja de acordo com a sua carnalidade. Mas como é diferente com aqueles que foram vivificados pelo Espírito Santo! Ninguém que verdadeiramente conheça a Deus como uma realidade viva precisa de qualquer imagem para ajudar nas suas devoções; ninguém que goze de comunicação diária com Cristo exije quaisquer quadros dele para ajudá-lo a orar e adorar, pois o concebe pela fé e não por fantasia. “Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança”. Condenar toda estatuária e pinturas é um manifesto reforço desse preceito: não é a esperteza de fazer, mas a estupidez em adorá-las que é condenada – como está claro nas palavras “não te encurvarás a elas”, e a partir do fato de que o próprio Deus logo após ordenou a Israel: “Farás também dois querubins de ouro; de ouro batido os farás” para o propiciatório (Êx 25.18) e depois a serpente de bronze. Visto que Deus é um ser espiritual, invisível e onipotente, representá-lo como sendo de uma forma material e limitada é uma falsidade e um insulto à sua majestade. Sob essa mais extrema corrupção de modo – culto de imagem – todos os modos errôneos de homenagem divina são aqui proibidos. O culto legítimo a Deus não pode ser profanado por nenhum ritual
  • 15. de superstição. Esse segundo mandamento nada mais é que a forma negativa de dizer: “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24). Se for perguntado: quais são os deveres aqui requeridos? A resposta é: “O segundo mandamento exige receber, observar e manter puros e completos todo culto religioso e ordenanças como Deus instituiu em sua Palavra (Dt 32.46, 47; Mt 28.20; At 2.42; 1Tm 6.13, 14); particularmente, a oração e a ação de graças em nome de Cristo (Fp 4.6; Ef 5.20); a leitura, pregação e escuta da Palavra (Dt 17.18, 19; At 15.21; 2Tm 4.2, etc.); a administração e recebimento dos sacramentos (Mt 28.19; 1Co 11.21-30); o governo e a disciplina da igreja (Mt 18.15, 17; 16.19; 1Co 5); o ministério e manutenção disso (Ef 4.11, 12, etc.); o jejum religioso (1Co 8.5); o jurar em nome de Deus (Dt 6.13) e fazer promessa a ele (Is 19.21; Sl 76.11); bem como a desaprovação, detestação e oposição a todo culto falso (At 16.16, 17, etc.); e de acordo com o lugar de chamado da pessoa, removê-la, e todos os monumentos de idolatria (Dt 7.5; Is 30.22)” – Confissão de Fé de Westminster. A isso simplesmente acrescentaríamos: é requerida de nós uma diligente preparação antes de entrarmos em qualquer exercício santo (Ec 5.1) e uma correta disposição mental no ato em si. Por exemplo, não devemos ouvir ou ler a Palavra apenas para satisfazer a curiosidade, mas para aprendermos como melhor agradar a Deus. Ao proibir as imagens, Deus, por paridade de raciocínio, proíbe todos os outros modos e meios de culto não indicados por ele. Todas as formas de culto, mesmo ao próprio verdadeiro Deus, que sejam contrárias ou diversas do que o Senhor prescreveu na sua Palavra – que é chamado pelo apóstolo de “culto de si mesmo” (Cl 2.23, ARA) –, juntamente com toda a corrupção do verdadeiro culto a Deus e todas as inclinações do coração na direção de superstições no serviço de Deus são repreendidas por esse mandamento. Nenhum espaço, seja qual for, é aqui permitido à faculdade inventiva do homem. Cristo condenou a lavagem religiosa das mãos, porque era um acréscimo humano aos regulamentos divinos. De maneira semelhante, esse mandamento denuncia a paixão moderna pelo ritualismo (a eliminação da simplicidade no culto divino), como também as virtudes mágicas atribuídas ou mesmo as influências especiais da Santa Ceia, ainda mais o uso do crucifixo. Então ele também condena uma negligência do culto de Deus, o deixar sem fazer o serviço que Deus tem ordenado. As Escrituras estabelecem para nós limites para o culto, aos quais não podemos adicionar nada nem diminuir. Na aplicação desse princípio, precisamos distinguir exatamente entre os substanciais e os incidentais do culto. Qualquer coisa que os homens procurem impor sobre nós como parte do culto divino, se não for expressamente requerido de nós nas Escrituras – tais como dobrar os joelhos ao nome
  • 16. de Jesus, fazer o sinal da cruz etc. – deve ser abominada. Mas se certas circunstâncias e modificações do culto são praticadas por aqueles com quem nos encontramos, ainda que não estejam expressamente mencionadas nas Escrituras, devemos nos submeter a elas somente se tenderem à decência e ordem, e não distraírem da solenidade e devoção do culto espiritual. Essa foi uma regra sábia ensinada por Ambrósio: “Se não for ofender nem ser ofendido, conforme-se aos costumes legais das igrejas aonde chegar”. É uma grave quebra desse mandamento se negligenciamos qualquer das ordenanças do culto que Deus indicou. Tal é também se nos engajamos no mesmo hipocritamente, com frieza de afeição, divagação da mente, falta de zelo santo ou com descrença, honrando a Deus com os nossos lábios enquanto os nossos corações estão longe dele. Este mandamento é reforçado por três razões. A primeira é tirada da Pessoa que pronuncia julgamento sobre aquelas que o quebram. Ele é descrito por seu relacionamento, “teu Deus”; pela força de seu poder, porque a palavra hebraica para “Deus” aqui é “o Forte”, capaz de vingar sua honra e punir todos os insultos; e por uma similitude tomada do estado de união matrimonial, onde a infidelidade resulta em punição sumária – ele é um “Deus zeloso”. É o Senhor falando da maneira que os homens falam, intimando que não poupará aqueles que zombam dele. “Com deuses estranhos o provocaram a zelos; com abominações o irritaram… A zelos me provocaram com aquilo que não é Deus” (Dt 32.16-21ss). Em segundo lugar, há a ameaça de um doloroso julgamento: “que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam”. “Que visito” é uma expressão figurativa, que significa que, após um espaço de tempo, no qual Deus parece não ter tomado conhecimento ou se esquecido, ele então mostra pela sua providência que ele tem observado os maus caminhos e feitos dos homens. “Deixaria eu de castigar por estas coisas, diz o SENHOR, ou não se vingaria a minha alma de uma nação como esta?” (Jr 5.9, e cf. 32.18; Mt 23.34-36). Isso foi designado para deter o homem da idolatria por um apelo a suas afeições naturais. “A maldição do Senhor repousa com justiça não somente sobre a pessoa de um homem ímpio, mas também em toda a sua família” (J. Calvino). É uma coisa terrível passar para os filhos uma falsa concepção de Deus, seja por preceitos ou por exemplos. A penalidade infligida corresponde ao crime: não é apenas por que Deus castiga o filho pelas ofensas cometidas pelos pais, mas por que ele os coloca na mesma transgressão e então trata com eles nesses termos, porque o exemplo dos pais não é autorização suficiente para que os filhos pequem. Em terceiro lugar, há um bendito encorajamento à obediência, na forma de uma promessa graciosa: “E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos”. Para o mesmo efeito, ele nos assegura: “O justo anda
  • 17. na sua sinceridade; bem-aventurados serão os seus filhos depois dele” (Pv 20.7). O amor a Deus é evidenciado pela guarda dos seus mandamentos. Os papistas afirmam que o uso que eles fazem de imagens é com o objetivo de promover o amor, mantendo uma imagem visível como uma ajuda; mas Deus diz que é porque eles o odeiam. Essa promessa de mostrar misericórdia a milhares de descendentes daqueles que verdadeiramente amam a Deus não expressa um princípio universal, como é claro nos casos de Isaque tendo um Esaú ímpio, e Davi, um Absalão. “O Legislador nunca teve a intenção de estabelecer nesse caso regra tão invariável, que o derrogaria de sua própria livre escolha… Quando o Senhor exibe um exemplo dessa bênção, ele fornece uma prova do seu constante e perpétuo favor aos seus adoradores” (J. Calvino). Observe que aqui, como em outros lugares das Escrituras (p.ex.: Jd 14), Deus fala de “milhares” (e não “milhões”, como fazem, com frequência, os homens) daqueles que o amam e que manifestam a genuinidade do seu amor guardando os seus mandamentos. O seu rebanho é “pequeno” (Lc 12.32). Que motivo para dar graças a Deus têm aqueles que são nascidos de pais piedosos, cujos pais não entesouraram ira para eles, mas orações!
  • 18. 3. O TERCEIRO MANDAMENTO “Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão” (Êx 20.7). Como o segundo mandamento diz respeito à maneira que Deus deve ser adorado (a saber, de acordo com a sua vontade revelada); assim, esse nos ordena a cultuá-lo com aquela disposição de espírito que seja compatível com a dignidade e solenidade de tal exercício e com a majestade daquele com quem temos a ver: isto é, com a mais alta sinceridade, humildade e reverência. “Para temeres este nome glorioso e temível, o SENHOR teu Deus” (Dt 28.58). Ó, que altos pensamentos deveríamos abrigar de tal ser! Em que santo temor devíamos nos manter diante dele! “O fim desse preceito é que o Senhor terá a majestade do seu nome sustentada por nós como sendo inviolavelmente sagrada. O que quer que pensemos e o que quer que venhamos a dizer dele deveriam ter o gosto de sua excelência, corresponder ao sagrado sublime do seu nome, e tender à exaltação de sua magnificência” (J. Calvino). Qualquer coisa pertinente a Deus deveria ser falada com a maior sobriedade. Esforcemo-nos, em primeiro lugar, em apontar o escopo e a abrangência desse mandamento. Por o nome do SENHOR nosso Deus quer-se dizer Deus mesmo, como ele é dado a conhecer a nós, incluindo todas as coisas por meio das quais ele foi servido para se revelar: sua Palavra, seus títulos, seus atributos, suas ordenanças e suas obras. O nome de Deus representa sua própria natureza e ser, como nos salmos 20.1 e 135.3, João 1.12 etc. Às vezes, o nome de Deus é usado sem propor a nós uma finalidade apropriada. E existem apenas duas finalidades que podem autorizar o nosso uso de qualquer um dos seus nomes, títulos ou atributos: para a sua glória e para a nossa própria edificação e de outros. Qualquer coisa além disso é frívolo e perverso, não fornecendo base suficiente para fazermos menção de tão grande e santo nome, que é cheio de glória e majestade. A menos que o nosso discurso seja designado para o avanço da glória divina ou a promoção do benefício daqueles a quem falamos, não temos justificativa para ter o nome inefável de Deus em nossos lábios. Ele se considera altamente insultado quando mencionamos o seu nome para propósitos vãos. O nome de Deus é tomado em vão por nós quando o usamos sem a devida consideração e reverência. Sempre que fazemos menção daquele diante de quem os serafins velam os seus rostos, deveríamos ponderar séria e solenemente sobre sua infinita majestade e glória, e inclinarmos os nossos corações na mais profunda prostração diante desse nome. Como podem aqueles que pensam e falam do grande
  • 19. Deus promíscua e aleatoriamente, usar seu nome com reverência quando todo o resto do discurso deles é cheio de tolices e vaidade? Esse nome não deve ser ostentado ou jogado de lá para cá em línguas soltas. Ó, meu caro leitor, adquira o hábito de considerar solenemente de quem é o nome que você está para pronunciar. É o nome daquele que está presente com você, que está ouvindo você pronunciá-lo. Ele é zeloso por sua honra, e vingar-se-á terrivelmente daqueles que o têm menosprezado. O nome de Deus é usado em vão quando é empregado hipocritamente, quando professamos ser o seu povo e não somos. O Israel de outrora foi culpado desse pecado: “Ouvi isto, casa de Jacó, que vos chamais do nome de Israel, e saístes das águas de Judá, que jurais pelo nome do SENHOR, e fazeis menção do Deus de Israel, mas não em verdade nem em justiça” (Is 48.1). Eles usavam o nome de Deus, mas não obedeciam à revelação nele contida, e assim violavam esse terceiro mandamento (cp. Mt 7.22, 23). Quando usando o nome de Deus, devemos fazê-lo de um modo que seja verdadeiro ao seu significado e às suas implicações. Portanto, ele nos diz: “E por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu digo?” (Lc 6.46). De maneira semelhante, somos culpados desse horrível pecado quando desempenhamos deveres sagrados frívola e mecanicamente, não estando neles as nossas afeições. Oração sem prática é blasfêmia, e falar com Deus com os nossos lábios enquanto os nossos corações estão longe dele não é outra coisa senão zombarmos dele e aumentar a nossa condenação. O nome de Deus é tomado em vão quando juramos com leviandade e irreverência, usando o nome de Deus com tão pouco respeito como demonstraríamos pelo nome de um homem, ou quando juramos falsamente e somos culpados de perjúrio. Quando nos colocamos em juramento e atestamos que é verdade aquilo que não sabemos ser verdade, ou que sabemos ser falso, somos culpados de um dos mais graves pecados que o homem pode cometer, pois chamou solenemente o grande Deus para testemunhar aquilo que o pai da mentira o impulsionou a dizer. “E aquele que jurar na terra, jurará pelo Deus da verdade” (Is 65.16) e, portanto, cabe a ele considerar bem se o que ele testifica é verdade ou não. Ah! É lamentável que os juramentos tenham se tornado tão excessivamente multiplicados entre nós – estando impregnados, por assim dizer, no corpo político – e geralmente tão desdenhado, que a enormidade dessa ofensa é escassamente considerada. “E nenhum de vós pense mal no seu coração contra o seu próximo, nem ameis o juramento falso; porque todas estas são coisas que eu odeio, diz o SENHOR” (Zc 8.17). E o que se dirá daquela vasta multidão de juramentos profanos que poluem a nossa linguagem e ferem os nossos ouvidos, por uma vil mistura de execrações e blasfêmias em sua conversação comum! “A sua garganta é um sepulcro aberto… peçonha de áspides está debaixo de seus lábios; cuja boca está cheia de maldição e
  • 20. amargura” (Rm 3.13,14). Extremamente vã é a irrefletida alegação deles de que não pretendem fazer mal, vã suas desculpas de que todos os companheiros fazem o mesmo, vão o argumento que é meramente para aliviar seus sentimentos! Que loucura é quando homens enfurecem você, atacar Deus e provocá-lo bem mais que outros possam provocar você! Mas ainda que os companheiros deles não os censurem, a polícia não os prenda, nem o magistrado os castigue, todavia, “o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão”. “Visto que amou a maldição, ela lhe sobrevenha… assim como se vestiu de maldição, como sua roupa, assim ela penetre nas suas entranhas, como água, e em seus ossos como azeite” (Sl 109.17, 18). Deus é terrivelmente inflamado por esse pecado, e, no exercício comum desse crime insultante aos céus, a nossa terra tem incorrido em culpa terrível. Tornou-se quase impossível andar pelas ruas ou andar em companhia misturada sem ouvir o sagrado nome de Deus tratado com desprezo blasfemo. As novelas de hoje, o teatro, e até o rádio (e mais ultimamente a televisão, o cinema e a imprensa) são terríveis ofensores, e, sem dúvida, esse é um dos temíveis pecados contra ele, pelo qual Deus está agora derramando seus julgamentos sobre nós. Há muito tempo ele disse a Israel: “Porque… a terra chora por causa da maldição; os pastos do deserto se secam; porque a sua carreira é má, e a sua força não é reta” (Jr 23.10). E ele ainda é o mesmo: “o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão”. Severo castigo será a sua porção, se não nessa vida, com toda a certeza na eternidade, na vida que está por vir.
  • 21. 4. O QUARTO MANDAMENTO “Lembra-te do dia do sábado (Shabbath),[16] para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado (Shabbath) do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas” (Êx 20.8-10). Esse mandamento denota que Deus é o SENHOR soberano do nosso tempo, o qual deve ser usado e aproveitado por nós exatamente como ele aqui especificou. Deve ser notado, cuidadosamente, que ele consiste de duas partes, que estão interligadas. “Seis dias trabalharás” (e não ‘poderás trabalhar’) é tão divinamente exigido de nós quanto “lembra-te do dia do Shabbath para o santificar”. É um preceito que requer de nós diligência para cumprir aquela vocação e estado de vida na qual a divina providência nos colocou, para desempenhar seus ofícios com cuidado e consciência. A vontade revelada de Deus é que o homem trabalhe e não passe o seu tempo a toa; que ele trabalhe não cinco dias na semana, mas seis. Aquele que nunca trabalha está incapacitado para a adoração. O trabalho serve para abrir caminho para a adoração, assim como a adoração nos prepara para o trabalho. O fato que qualquer homem possa escapar à observância desta primeira metade do mandamento é uma triste reflexão sobre a nossa ordem social moderna, e mostra quão longe nos distanciamos do plano e ideal divino. Quanto mais diligentes e fiéis formos ao desempenhar os deveres dos seis dias, mais valorizaremos o descanso do sétimo. Assim será visto que a indicação do Shabbath não foi qualquer restrição arbitrária sobre a liberdade do homem, mas uma provisão misericordiosa para o seu bem: que ele foi planejado como um dia de alegria e não de melancolia. É a dispensa graciosa do Criador nos livrando da nossa vida de labuta mundana por um dia em sete, concedendo-nos um antegozo daquela vida futura e melhor diante da qual a presente não é mais que uma provação, quando podemos nos voltar inteiramente daquilo que é material para aquilo que é espiritual e, portanto, sermos equipados para pegar com nova consagração e renovadas energias o trabalho dos dias seguintes. Deveria ser assim bastante evidente que essa lei para regulamentação do tempo do homem não era uma lei temporária, criada para alguma dispensação, mas é contínua e perpétua no propósito de Deus: o Shabbath foi feito “para o homem” (Mc 2.27) e não simplesmente para o judeu; ele foi feito para o bem do homem. O que foi mostrado acima sobre as duas partes desse estatuto divino recebe clara e irrefutável confirmação na razão dada para o seu reforço: “porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou” (v. 11). Observe bem o duplo
  • 22. desdobramento disso: o augusto Criador dignou-se em apresentar um exemplo diante de suas criaturas em cada aspecto: ele trabalhou por “seis dias”, e ele “ao sétimo dia descansou”! Dever-se-ia também ser apontado que a indicação do trabalho para o homem não é a consequência do pecado: antes da Queda – Deus o colocou “no jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2.15, ARA). A permanente natureza ou perpetuidade desse duplo mandamento é também evidenciada pelo fato que nas razões acima mencionadas para seu reforço nada havia que fosse particularmente pertinente à nação de Israel; pelo contrário, fala com voz de trombeta a toda a raça humana. Além disso, a esse estatuto não foi dado um lugar na lei cerimonial de Israel, que era para ser deixada quando Cristo tivesse dado cumprimento aos seus tipos, mas na Lei Moral, que foi escrita pelos dedos do próprio Deus sobre tábuas de pedra, para nos dar o significado de sua natureza permanente. Finalmente, deve-se mostrar que os próprios termos desse mandamento deixam inequivocadamente claro que ele não foi designado somente para os judeus, pois era igualmente obrigatório para qualquer gentio que habitasse entre eles. Mesmo não estando eles em aliança com Deus, nem debaixo da lei cerimonial, deles era exigido que guardassem o santo Shabbath – “não farás nenhuma obra… nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas” (v. 10)! “O sétimo dia é o Shabbath do SENHOR teu Deus”. Note bem que não é dito (aqui, ou em qualquer outro lugar das Escrituras) “o sétimo dia da semana”, mas simplesmente “o sétimo dia”, ou seja, o dia seguinte aos seis de trabalho. Para os judeus era o sétimo dia da semana, a saber, o sábado, mas para nós ele é – como o “outro dia” que Hebreus 4.8 claramente declara – o primeiro dia da semana, porque o Shabbath não apenas comemora a obra da criação, mas agora também celebra a ainda maior obra da redenção. Assim, o SENHOR dispôs as palavras nesse quarto mandamento de modo a se ajustarem a ambas as dispensações, e desse modo afirmar a sua perpetuidade. O Shabbath cristão vai da meia noite de sábado à meia noite de domingo: está claro a partir de João 20.1 que ele começa antes do nascer do sol e, portanto, podemos concluir que começa na meia noite de sábado; enquanto de João 20.19 aprendemos (a partir do fato de que ele não é ali chamado “a noite do segundo dia”) que continua durante a noite, e que a nossa adoração também deve continuar. Mas embora o Shabbath cristão não comece até a meia noite de sábado, a nossa preparação para ele deve começar mais cedo, ou de que outra maneira nós poderemos obedecer à sua exigência expressa: “não farás nenhuma obra”? No Shabbath deve haver um completo descanso durante todo o dia, não apenas de recreações naturais e de fazer o nosso próprio prazer (Is 58.13), mas de toda atividade mundana. A esposa necessita de um dia de descanso tanto quanto o marido, sim, sendo a “parte mais fraca”, ainda mais. Coisas tais como mingau e sopa podem ser preparadas no sábado e
  • 23. aquecidas no Shabbath, de modo que possamos estar inteiramente livres para nos deleitarmos no SENHOR e nos entregar completamente à sua adoração e serviço. Vejamos que não trabalhemos nem fiquemos acordados até tarde na noite de sábado, para não transgredirmos o dia do SENHOR ficando até tarde na cama ou nos fazendo de sonolentos para os santos deveres. Esse mandamento deixa claro que Deus deve ser adorado no lar, o que, sem dúvida, inculca a prática do culto doméstico. Ele é dirigido mais especificamente que qualquer dos outros nove mandamentos aos chefes de famílias e empregadores, porque Deus requer que eles vejam que todos que estão sob seu encargo observem o Shabbath. Para eles, Deus diz mais diretamente: “lembra-te do Shabbath para o santificar”. Ele é para ser estritamente posto de lado para a honra do Deus três vezes santo, gasto no exercício de santa contemplação, meditação e adoração. Porque é o dia que ele fez (Sl 118.24), não podemos fazer nada para desfazê-lo. Esse mandamento proíbe a omissão de qualquer dever exigido, um desempenho descuidado do mesmo, ou enfado neles. Quanto mais fielmente guardarmos esse mandamento, mais preparados estaremos para obedecer aos outros nove. Três classes de trabalho, e somente três, podem se encaixar no “Shabbath Santo”. Trabalhos de necessidade, que são aqueles que não poderiam ter sido feitos no dia anterior e que não podem ser relegados para o dia seguinte – tais como cuidar do gado. Trabalhos de misericórdia, que são aqueles que a compaixão requer que desempenhemos para com outras criaturas – tais como ministrar aos doentes. Trabalhos de piedade, que são o culto a Deus em público e em privado. Precisamos vigiar e lutar contra as primeiríssimas sugestões de Satã para corromper os nossos corações, desviar as nossas mentes ou nos perturbar nos deveres sagrados, pedindo, sinceramente, em oração por ajuda para meditar sobre a Palavra de Deus para reter o que ele nos dá. O SENHOR faz a sagrada observância do seu dia de bênção especial; e, contrariamente, ele visita a profanação do Shabbath com especial maldição (veja Ne 13.17,18), como a nossa terra culpada está provando agora do seu amargo custo. “Um Shabbath bem gasto traz uma semana contente E fortalece para os labores do amanhã; Mas um Shabbath profanado, o que quer que possa ser ganho É um certo precursor de desgraça”.
  • 24.
  • 25. 5. O QUINTO MANDAMENTO Esse mandamento para honrar o pai e a mãe é muito mais abrangente em seu escopo do que parece à primeira vista. Ele não deve ser restrito ao nosso pai e mãe literal, mas deve ser aplicado aos nossos superiores. “O fim do preceito é que, uma vez que o Senhor Deus deseja a preservação da ordem que ele indicou, os graus de proeminência estabelecidos por ele deveriam ser inviolavelmente preservados. A soma disso, portanto, será que deveríamos reverenciar aqueles a quem Deus exaltou com qualquer autoridade acima de nós, e deveríamos a eles render honra, obediência e gratidão… Mas, como esse preceito é excessivamente repugnante à depravação da natureza humana, cujo desejo ardente de exaltação dificilmente admitirá submissão, ele foi, portanto, proposto como um exemplo daquele tipo de superioridade que é naturalmente mais amigável e menos odioso, porque isso poderia mais facilmente abrandar e inclinar as nossas mentes para o hábito da submissão” (J. Calvino). Para que nenhum dos nossos leitores – nessa era socialista e comunista, quando a insubordinação e a ilegalidade é o mau espírito dos nossos dias – se oponha a essa interpretação abrangente do mandamento, vamos ponderar as seguintes considerações. Primeiro, “honra” pertence primária e principalmente a Deus. Secundariamente, e por derivação, pertence também àqueles a quem ele dignificou e fez nobres em seu reino, levantando-os sobre os outros, concedendo-lhes títulos e domínio sobre os demais. Deveríamos reverenciar a esses tanto quanto reverenciamos nossos pais e mães. Nas Escrituras, a palavra “honra” tem uma aplicação extensa, como se pode ver em 1 Timóteo 5.17; 1 Pedro 2.17 etc. Em segundo lugar, observe que o título “pai” é dado a reis (1Sm 24.11; Is 49.23), mestres (2Rs 5.13), e ministros do evangelho (2Rs 2.12; Gl 4.19). “Portanto não se deve duvidar que Deus deixou aqui uma regra universal para a nossa conduta, a saber, que a cada um a quem sabemos ter sido colocado em autoridade acima de nós por sua indicação, devemos render reverência, obediência, gratidão e todos os outros serviços em nosso poder. Nem faz qualquer diferença se eles são merecedores dessa honra ou não. Porque qualquer que seja o caráter deles, ainda não é sem a indicação da providência divina que eles alcançaram aquela posição por conta de o Supremo Legislador ter ordenado que fossem honrados. Ele ordena particularmente reverência aos nossos pais, que nos trouxeram à essa vida” (J. Calvino). Dificilmente é necessário ser dito que o dever reforçado aqui é de natureza recíproca – aquele de inferiores implicando uma obrigação correspondente sobre os superiores –; mas o espaço limitado nos obriga a considerar aqui somente os deveres
  • 26. daqueles que estão sujeitos aos seus superiores. Primeiro, consideremos os deveres dos filhos em relação aos seus pais. Eles devem amá-los e reverenciá-los, sendo temerosos de ofendê-los devido ao respeito que têm por eles. Uma veneração filial genuína deve atuar nos filhos, de modo que se abstenham de qualquer coisa que possa entristecer ou ofender os seus pais. Os filhos devem ser submissos a eles: veja o bendito exemplo que Cristo deixou (Lc 2.51). “Vós, filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto é agradável ao Senhor” (Cl 3.20). Após Davi ser ungido para o trono, ele ainda cumpriu as ordens de seu pai cuidando do rebanho (1Sm 16.19). Eles devem dar ouvidos às instruções deles e imitar-lhes as práticas piedosas (Pv 6.20). Sua linguagem deve ser sempre respeitosa e seus gestos demonstrarem submissão. Embora José fosse altamente exaltado no Egito, ele “inclinou-se à terra diante” de seu pai (Gn 48.12). E note como o rei Salomão honrou sua mãe (1Rs 2.19). E tanto quanto sejam capazes e seus pais tenham necessidade, eles devem sustentá-los na velhice (1Tm 5.16). Em segundo lugar, observemos nossos deveres para com governadores e magistrados, a quem Deus estabeleceu acima de nós. Esses são representantes e vice- regentes de Deus, sendo investidos de autoridade vinda dele: “por mim reinam os reis” (Pv 8.15). Deus ordenou a autoridade civil para o bem geral da humanidade, pois se não fosse por isso, os homens seriam bestas selvagens saqueando-se uns aos outros. Se o temor dos magistrados não restringisse aqueles que lançaram fora o temor de Deus, se eles não estivessem amedrontados dos castigos temporais, estaríamos tão salvos entre leões e tigres como estaríamos entre os homens. Os governantes devem ser honrados em nossos pensamentos, tendo deles uma ideia de representantes oficiais de Deus sobre a terra (Ec 10.20; Rm 13.1 e At 23.5); eles devem ser honrados em nossos discursos, apoiando seu ofício e autoridade, porque do perverso está escrito: “não receiam blasfemar das autoridades” (2Pe 2.10, ARC). Devemos obedecer a eles: “Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem” (1Pe 2.13, 14, ARA). Nós devemos render “a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra” (Rm 13.7). E devemos orar por eles (1Tm 2.1, 2). Em terceiro lugar, consideremos os deveres dos servos para com seus senhores. Eles devem obedecer a eles. “Vós, servos, obedecei em tudo a vossos senhores segundo a carne, não servindo só na aparência, como para agradar aos homens, mas em simplicidade de coração, temendo a Deus” (Cl 3.22). Eles devem ser diligentes no dever, buscando promover o interesse dos seus senhores, “mostrando toda a boa lealdade” (Tt 2.10; Ef 6.5-7). Eles devem sofrer pacientemente suas repreensões
  • 27. e correções, “não sendo respondões” (Tt 2.9, ARA). Tão estritamente Deus impõe sobre os servos uma submissão quieta aos seus senhores que, mesmo quando um servo não deu motivo para uma repreensão, ainda assim deveria sofrer silenciosamente a infundada ira do seu senhor. “Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos seus senhores, não somente aos bons e humanos, mas também aos maus. Porque é coisa agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, sofra agravos, padecendo injustamente. Porque, que glória será essa, se, pecando, sois esbofeteados e sofreis? Mas se, fazendo o bem, sois afligidos e o sofreis, isso é agradável a Deus” (1Pe 2.18-20). Ó, a que distância temos nos desviado dos padrões divinos! Finalmente, devemos mencionar os pastores e seus rebanhos, ministros e o seu povo, porque entre eles também existe tal relação de superiores e inferiores, ficando sob a direção desse quinto mandamento. “Obedecei a vossos pastores, e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil” (Hb 13.17). Cristo revestiu seus servos de tanta autoridade que ele declara: “Quem vos ouve a vós, a mim me ouve; e quem vos rejeita a vós, a mim me rejeita; e quem a mim me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lc 10.16). Portanto, novamente: “Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina” (1Tm 5.17). Essa “duplicada honra” é aquela de respeito e sustento. “E o que é instruído na palavra reparta de todos os seus bens com aquele que o instrui” (Gl 6.6; 1Co 9.11). Como é solene essa advertência: “Eles, porém, zombaram dos mensageiros de Deus, e desprezaram as suas palavras, e mofaram dos seus profetas; até que o furor do SENHOR tanto subiu contra o seu povo, que mais nenhum remédio houve” (2Cr 36.16). A esse preceito é acrescentada essa promessa como um motivo e encorajamento à obediência: “Para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá”. Primeiro, como uma promessa do Antigo Testamento, essa deve ser considerada como tipificando a vida eterna prometida pelo evangelho, visto que Canaã era uma figura do céu. E, em segundo lugar, ela é repetida no Novo Testamento (Ef 6.2, 3 e 1Pe 3.10), visto que, frequentemente, o modo de Deus é prolongar uma vida obediente e santa. E, em terceiro lugar, todas as promessas de bênçãos terrestres, contudo, implicam necessariamente essa condição: elas serão literalmente cumpridas em nós se for para promover a nossa eterna felicidade – de outro modo, seriam ameaças e não promessas. Em sua misericórdia, Deus, com frequência, abrevia essa promessa e chama os seus amados ao lar, para estar consigo.
  • 28.
  • 29. 6. O SEXTO MANDAMENTO “Não matarás” (Êx 20.13). Nos primeiros cinco mandamentos, temos visto como Deus salvaguarda a sua glória; nos cinco seguintes, contemplaremos como ele providencia a segurança e o bem-estar dos homens: (1) para a proteção da pessoa do homem; (2) para santidade e o bem de sua família (“não adulterarás”); (3) para a segurança de sua propriedade e riquezas (“não furtarás”); (4) para a sua reputação ou bom nome (“não dirás falso testemunho contra o teu próximo”). Finalmente, como uma cerca forte envolvendo toda a Lei, Deus não apenas proíbe crimes externados, mas impulsos íntimos maléficos em nossos pensamentos e sentimentos (“não cobiçarás”). É a primeira dessas regulamentações que se relaciona especialmente com o nosso próximo que vamos agora considerar: “não matarás”. Esse sexto mandamento proíbe o bárbaro e desumano pecado do assassinato, que é o primogênito do Diabo, que foi “homicida desde o princípio” (Jo 8.44). É o primeiro crime sobre o qual lemos após a queda de Adão e Eva, por meio do qual a corrupção transmitida aos seus descendentes foi pavorosamente demonstrada por Caim. Seu rancor e inimizade incitaram-lhe para matar Abel, porque “as suas obras eram más e as de seu irmão, justas” (1Jo 3.12). Mas esse mandamento não é restrito à proibição do crime real de assassinato. Ele proíbe também todos os graus e causas de assassinato, tais como ira e ódio irracional, difamação e vingança, e qualquer outra coisa que possa prejudicar a segurança do nosso próximo ou nos tentar para que o vejamos perecer quando estiver em nosso poder ajudá-lo e socorrê-lo. Comecemos apontando que nem toda morte de um homem é assassinato. Não é assim na execução da justiça, quando o magistrado sentencia o assassino, porque ele está revestido de autoridade legal para condenar criminosos à pena de morte, e, se falhar em fazer isso, Deus o acusará de pecado. “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado” (Gn 9.6). Essas palavras declaram o princípio geral e imutável. “O teu olho não perdoará; vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé” (Dt 19.21). Essa é a ordem de Deus ao magistrado. Tampouco é o derramamento de sangue numa guerra justa passível de acusação de assassinato. É legal pegar em armas contra um invasor ou para recuperar o que foi injustamente levado. Dessa forma, Davi perseguiu os amalequitas que tinham levado as suas esposas cativas. É legal também punir alguma grande injúria ou erro. Davi fez guerra contra os amonitas por terem ultrajado os seus embaixadores (2Sm 10). Como existem alguns que condenam essa afirmativa e denunciam toda guerra como ilegal nessa dispensação cristã, nós salientemos que, quando os soldados vieram
  • 30. ao predecessor de Cristo atrás de instrução dizendo “que faremos?” (Lc 3.14), ele não disse “não lutem mais, abandonem as suas vocações”, mas lhes deu direções sobre como deveriam se conduzir. Quando o centurião veio ao Salvador e extraiu argumentos da sua profissão de militar, nosso Senhor não condenou a sua profissão, nem o reprovou por ocupar tal cargo. Pelo contrário, ele elogiou muito a sua fé (Lc 7.8, 9). Quando interrogado por Pilatos, Cristo declarou: “O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (Jo 18.36). Essas palavras implicam claramente que, embora os meios carnais fossem impróprios para o avanço do reino espiritual de Cristo, todavia, seu estado de humilhação não o havia impedido de assumir o cetro real, e seus seguidores poderiam legalmente ter lutado para defender o seu título. Existe uma outra exceção, a saber, a morte acidental, à qual não cabe acusação de assassinato, isto é, quando a vida é tirada sem qualquer intenção de fazê-lo. Nós encontramos tal caso mencionado nas Escrituras, como quando cortando madeira o machado escorregasse e, não intencionalmente, matasse alguém que estivesse perto (Dt 19.5). Para esses matadores inocentes, o Senhor indicou cidades de refúgio, onde poderiam encontrar asilo seguro do vingador de sangue. Mas é bom chamar a atenção para o fato de que devemos estar empenhados em coisas legais. De outro modo, se estamos empenhados em coisas ilegais, e isso levar à morte de alguém, não poderemos deixar de levar a culpa de assassinato (cf. Êx 21.22-24). Consideremos em seguida os casos de assassinato. Suicídio é autoassassinato, e é um dos crimes mais desesperados que podem ser cometidos. Porquanto esse crime impede o arrependimento da parte de quem o perpetra, ele está além do perdão. Tais criaturas são tão abandonadas por Deus que não podem se preocupar com a sua salvação eterna, visto que passam para a presença imediata do seu Juiz com suas mãos cheias do seu próprio sangue. Assim são os suicidas, porque eles destroem não apenas o seu corpo, mas as suas almas também. O assassinato de outra pessoa é o crime mais hediondo. Ele atormenta a consciência do seu perpetrador com remorsos horríveis, de modo que ele próprio frequentemente se entrega à justiça. Aqueles que são assessores são também culpados de assassinato, tal como os mandantes (2Sm 11.15; 12.9), ou que consentem nisso (como Pilatos), ou ocultam (cf. Dt 21.6, 7, por clara implicação). Esse mandamento não apenas proíbe a perpetração de assassinato; mas, do mesmo modo, todas as causas e ocasiões que levem a ele. As principais delas são a inveja e a ira. A inveja já foi bem descrita como “a ferrugem de uma alma cancerosa, o vício nojento que transforma a felicidade alheia em miséria nossa”. Caim primeiro invejosamente se lamentou do sucesso do sacrifício do seu irmão, e isso rapidamente o
  • 31. induziu a matar. Assim, também, a ira injustificada e desordenada, se for abrigada no coração, se transformará no veneno de um ódio implacável. Uma ira como essa não é somente a causa, mas é verdadeiramente um tipo de assassinato, como é claro a partir do ensinamento de Cristo em Mateus 5.21, 22. Deveria ser salientado que a ira não é, como a inveja, simplesmente, e em si mesma, ilegal. Existe uma ira virtuosa que, longe de ser pecado, é uma graça nobre e digna de louvor (cf. Mc 3.5). Ser movido com indignação pela causa de Deus quando sua glória é degradada, seu nome desonrado, seu santuário poluído e seu povo caluniado, é uma ira santa. Existe também uma ira inocente e permitida quando somos injustamente provocados por ofensas contra nós, mas aqui temos que estar muito em guarda para “não pecar” (Ef 4.26). Uma ira viciosa e pecaminosa, que escurece o entendimento e faz alguém agir como em frenesi, é uma que não tem causa e nem limites. Jonas 4.1 dá uma ilustração de uma ira infundada. A ira é imoderada quando é violenta e excessiva ou quando continua a ferver. “Não se ponha o sol sobre a vossa ira” (Ef 4.26); se isso acontecer, a escória da malícia estará no seu coração na manhã seguinte! Para encerrar, vamos dar algumas regras para restringir e reprimir a ira. (1) Trabalhe e ore por um espírito manso e humilde. Pense com humidade sobre você mesmo e você não ficará irado se outros o menosprezarem. Toda contenda procede do orgulho (Pv 3.10). Quanto menos orgulho você tiver, mais fácil será suportar o desprezo dos outros. (2) Pense sempre na infinita paciência e indulgência de Deus. Quantas afrontas ele leva de nós. Quão seguidamente damos a ele ocasião de estar irado conosco; todavia, ele “não nos trata segundo os nossos pecados”. Que esse grande exemplo seja nosso. (3) Cuidado com o preconceito contra alguém, pois isso, certamente, fará que você interprete incorretamente as suas ações. Lute contra os primeiros despontar da inveja e da ira; quando insultado, debite à ignorância ou à não intencionalidade. (4) Afaste-se das pessoas cheias de ira (Pv 22.24, 25); o fogo se espalha rapidamente.
  • 32.
  • 33. 7. O SÉTIMO MANDAMENTO “Não adulterarás” (Êx 20.14). As virtudes da pureza são as bases das relações domésticas. Como a família é o fundamento da sociedade humana, a classe de deveres aqui envolvidos é secundária somente àquela que preserva a existência do homem. Sendo assim, imediatamente seguindo o mandamento que declara a sacralidade da vida humana, há esse preceito que é uma cerca em volta do mais alto relacionamento entre as criaturas, salvaguardando assim a santa função da procriação da vida. Nada é mais essencial para a ordem social que o relacionamento sobre o qual todos os outros estão subsequentemente baseados, seja zelosamente protegido contra todas as formas de ataque. O mandamento é uma simples, não qualificada e irrevogável, negativa: “Não cometerás” (ARA). Nenhum argumento é usado, nenhuma razão é dada, porque nenhum é requerido. Esse pecado é tão destrutivo e danoso que a mera menção do seu nome é em si causa suficiente para essa dura proibição. Esse mandamento notifica claramente que Deus exige o corpo tanto quanto a alma para o seu serviço. “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm 12.1). “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências… se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis” (Rm 6.12; 8.13). “Mas o corpo não é para a prostituição, senão para o Senhor, e o Senhor para o corpo… Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei, pois, os membros de Cristo, e fá-los-ei membros de uma meretriz? Não, por certo… glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito” (1Co 6.13, 15, 20). Para um cristão, esse pecado infame é um sacrilégio. “Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1Co 6.19). Se Cristo ficou indignado quando viu a casa de seu Pai transformada em covil de ladrões, quão mais abominável aos seus olhos deve ser aquela perversidade que deprecia o templo do Espírito Santo numa pocilga imunda! “Não adulterarás”. Essa proibição foi preparada para guardar a santidade do lar; pois, estritamente falando, “adultério” é um crime que somente uma pessoa casada pode cometer – “fornicação” é o nome quando praticada por alguém solteiro. Como aquele com quem temos a ver é inefavelmente puro e santo, portanto ele requer que nos apartemos de toda a impureza. Esse mandamento diz respeito mais especialmente ao governo das afeições e paixões, a guarda das nossas mentes e corpos numa disposição tão casta que nada impuro ou indecente possa nos contaminar. Isso requer a disciplina
  • 34. apropriada daquelas inclinações que Deus implantou para o progresso da espécie humana. Portanto, devemos evitar tudo que possa ser ocasião para esse pecado, usando todos os meios e métodos próprios para prevenir todas as tentações a ele. O modo como Deus considera o pecado da impureza já ficou claro mediante muitas passagens da sua Palavra. Esse pecado, mesmo da parte de um homem solteiro, é chamado de grande maldade contra Deus (Gn 39.9). Então, quanto mais inescusável e intolerável é ele por parte de uma pessoa casada! A punição temporal atribuída a ele debaixo da lei civil de Israel era não menos que a morte, a mesma que era atribuída ao assassinato. Jó o chama de “uma infâmia… fogo que consome até à perdição” (31.11, 12). Muito dessa perversidade é praticada em segredo; mas, embora os seus perpetradores possam escapar ao julgamento dos homens, eles não escaparão ao julgamento dos céus, porque está escrito: “aos que se dão à prostituição, e aos adúlteros, Deus os julgará” (Hb 13.4). “Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros… herdarão o reino de Deus” (1Co 6.9, 10). “O pecado do adultério dificilmente não é tão enorme quanto o de assassinato. O último destrói a existência temporal do homem, e o primeiro destrói tudo que faz a existência ser um benefício. Se todos adotassem a licenciosidade dos adúlteros, os homens em pouco tempo seriam reduzidos à degradação das bestas selvagens” (R. L. Dabney). Para prevenir esse pecado, Deus instituiu a ordenança do casamento. “Mas, por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido” (1Co 7.2).[17] O pecado do adultério é, portanto, a violação da aliança e voto do casamento, e assim acrescenta perjúrio à infidelidade. A imoralidade é um pecado contra o corpo (1Co 6.18). O desprazer de Deus contra esse pecado é visto no fato que ele ordenou as coisas de modo que a própria natureza visita o mesmo com pesadas penalidades em todas as partes do complexo ser do homem. “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna” (Gl 6.7, 8). Embora o casamento seja um remédio divinamente indicado para a impureza sexual, isso não concede ao homem a licença para fazer de si mesmo uma besta. “Que as pessoas casadas não venham a supor que todas as coisas são legalmente permitidas a elas. Cada homem deveria observar a sobriedade para com a sua esposa, e cada esposa, reciprocamente, para com o seu marido; ambos conduzindo-se de modo a nada fazer que fique impróprio ao decoro e à temperança do casamento. Porque assim deveria o casamento contraído no Senhor ser regulado pela moderação e modéstia, e não partir para a lascívia mais vil. Tal sensualidade tem sido estigmatizada por Ambrósio com uma severa – porém, não desmerecida – censura, quando ele chama
  • 35. aqueles que em suas relações conjugais não têm contemplação com a modéstia de os adúlteros de suas próprias esposas” (J. Calvino). Que nenhum homem se gabe com a ideia de que não pode ser acusado de falta de castidade, pois tem se abstido do ato propriamente dito, enquanto o seu coração é uma cloaca de imaginações e desejos aviltantes. Porque a Lei de Deus é “espiritual” (Rm 7.14), ela não somente proíbe os grosseiros atos externos de depravação, mas também proíbe e condena a falta de castidade do coração – todas as imaginações e pensamentos ilegais. Como existe o assassinato de coração, assim também existe o adultério de coração, e aqueles que cometem impureza especulativa e prostituem seus pensamentos e imaginações à impura aceitação da cobiça são culpados de transgredir este mandamento: “Qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela” (Mt 5.28). Portanto, descobrimos que o apóstolo não se contentou em dizer que é melhor para o homem casar-se do que se contaminar com uma prostituta, mas “é melhor casar do que abrasar-se” (1Co 7.9) – abrigar paixão consumidora. Ainda que o pecado de adultério seja mencionado sozinho nesse preceito, as regras pelas quais esses mandamentos devem ser interpretados (cf. capítulos anteriores) nos obrigam a entender que todas as outras espécies de impurezas são proibidas sob essa desse grande pecado. Qualquer coisa que contamine o corpo é proibida aqui; o adultério é expressamente mencionado porque todas as outras contaminações morais se encaminham para ele. Pela maldade daquilo que todos os homens sabem ser errado, somos exortados a abominar qualquer paixão ilegal. Como todas as maneiras de castidade em nossos pensamentos, discursos e ações são ordenados pela perfeita regra de Deus, assim qualquer coisa que seja no mínimo contrária e prejudicial a uma castidade e modéstia sem mancha é proibida aqui. Qualquer outra união sexual, a não ser aquela do casamento, é maldita aos olhos de Deus. Esse mandamento proíbe todos os graus ou aproximações ao pecado que proíbe, como olhar para cobiçar. Sua força é: “Tu de modo algum injuriará a castidade do seu próximo ou o tentarás à impureza”. Isso requer que nos abstenhamos de vestimenta sem modéstia, palavreado indelicado, intemperança na comida e na bebida que excitam as paixões, e tudo que tenha qualquer tendência a induzir contra a castidade em nós mesmos ou nos outros. Que os jovens especialmente fixem em suas mentes que toda a conduta impura antes do casamento da parte do homem ou da mulher é um erro cometido contra o casamento futuro. Mesmo que esse mandamento seja expresso na forma de uma proibição negativa, ele ainda impõe positivamente todos os deveres opostos, tais como a pureza do corpo, o preenchimento da mente com assuntos sagrados, a colocação de nossas afeições nas coisas do alto e o uso do nosso tempo em
  • 36. ocupações proveitosas. Apresento algumas regras e sugestões para se evitar esse pecado: (1) Cultivar um senso habitual da presença divina, percebendo que “os olhos do SENHOR estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons” (Pv 15.3). (2) Manter uma estrita vigilância sobre os sentidos; pois, com muita frequência, esses são as avenidas que ao invés de permitir a entrada de correntes agradáveis para refrescar, em geral deixam entrar barro e lama para poluir a alma. Faça um pacto com os seus olhos (Jó 31.1). Feche os seus ouvidos contra qualquer conversa obscena. Não leia nada que contamine. Vigie os seus pensamentos, e trabalhe prontamente para expelir os que forem perversos. (3) Pratique a sobriedade e a temperança (1Co 9.27). Aqueles que indulgem em glutonaria e bebedice geralmente descobrem que seus excessos levam à cobiça. (4) Exercite-se numa ocupação honesta e legal; está provado que a ociosidade é tão fatal a muitos como a intemperança a outros. Evite a companhia do perverso. (5) Dedique-se muito à oração fervorosa, implorando a Deus que limpe o seu coração (Sl 119.37) “Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus?” (Tg 4.4). Isso se refere ao pecado do adultério espiritual: é o amor ao mundo fazendo o coração estranho a Deus, as cobiças carnais atraindo a alma e levando-a para longe dele. Há mais do que suficiente no próprio Deus para satisfazer, mas ainda existe aquilo no crente que deseja encontrar sua felicidade na criatura. Existem graus desse pecado, como é natural. Como pode haver adultério físico em pensamento e desejo que não termina em ato consumado, assim o cristão pode secretamente ansiar pelo mundo ainda que não se torne um completo mundano. Devemos conferir essas inclinações quando os nossos corações são excessivamente arrastados na direção de confortos e satisfações materiais. Deus é um Deus ciumento, e nada o provoca mais que preferirmos coisas básicas antes que a ele próprio, ou dar a outros aquela afeição ou estima que pertence a ele somente. Não abandone o seu “primeiro amor” (Ap 2.4), não esqueça aquele com quem você está desposado (2Co 11.2).
  • 37. 8. O OITAVO MANDAMENTO “Não furtarás” (Êx 20.15). A raiz da qual o roubo procede é o descontentamento com a porção com que Deus tem concedido, e disto uma cobiça do que ele vem retendo de nós e concedido a outros. Com sua usual acuidade, Calvino acertou em cheio quando escreveu: “Essa lei é ordenada para os nossos corações tanto quanto para as nossas mãos, de modo que o homem possa estudar tanto para proteger a propriedade como promover o interesse de outros”. Como o anterior, esse preceito também diz respeito ao governo das nossas afeições, ao colocar limites devidos aos nossos desejos pelas coisas mundanas, para que não possam exceder o que a boa providência de Deus determinou para nós. Por conseguinte, a conformidade daquela oração: “Afasta de mim a vaidade e a palavra mentirosa; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; mantém-me do pão da minha porção de costume; para que, porventura, estando farto não te negue, e venha a dizer: Quem é o SENHOR? Ou que, empobrecendo, não venha a furtar, e tome o nome de Deus em vão” (Pv 30.8, 9). “Não furtarás”. O dever positivo aqui nos impõe isso: tu preservarás por todos os meios apropriados, e até além, tanto os seus bens como os do seu próximo. Esse mandamento requer diligência e esforço apropriados para assegurar uma competência em nós mesmos e nas nossas famílias, para que possamos não expor por meio das nossas faltas nós mesmos e eles àqueles apuros que são a consequência da preguiça e da negligência. Dessa forma, devemos procurar “as coisas honestas, perante todos os homens” (Rm 12.17). Mas, ainda mais, esse mandamento é a lei do amor com respeito aos bens do nosso próximo. Ele requer honestidade e retidão nos nossos negócios com os outros, estando fundamentado sobre aquele primeiro princípio prático de toda a conduta humana: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós” (Mt 7.12). Assim, esse mandamento coloca um sagrado cerco ao redor da propriedade, na qual ninguém pode adentrar legalmente sem o consentimento do proprietário. O fato solene e impressionante que merece ser apontado é que o primeiro pecado cometido pela espécie humana envolveu furto: Eva tomou (furtou) do fruto proibido. Assim, também, o primeiro pecado registrado contra Israel depois que eles entraram na terra de Canaã foi o de furto: Acã roubou de entre o espólio (Js 7.21). Da mesma maneira, o primeiro pecado que contaminou a igreja cristã primitiva foi o roubo: Ananias, com Safira, sua mulher, “reteve parte do preço” (At 5.2). Como é frequente ser esse o primeiro pecado cometido externamente por crianças! E, portanto, esse divino preceito deveria ser ensinado a elas desde a mais tenra infância. Há alguns
  • 38. anos, visitamos uma família, e nossa anfitriã nos relatou como ela havia naquele dia secretamente observado sua filha (com aproximadamente quatro anos de idade) entrar num quarto onde estava um grande cacho de uvas. A criancinha olhou para elas cheia de vontade, subiu na mesa e, então, disse: “Fora daqui, Satã. Está escrito: ‘Não furtarás’”, e correu para fora do aposento. “Não furtarás”. A mais alta forma desse pecado é quando ele é cometido contra Deus, o que é sacrilégio. Na antiguidade, ele acusou Israel desse crime: “Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda esta nação” (Ml 3.8, 9). Mas existem outras maneiras pelas quais essa transgressão pode ser cometida além da recusa em sustentar financeiramente a causa de Deus sobre a terra. Deus é roubado quando retemos a glória que a ele é devida, e somos ladrões espirituais quando arrogamos para nós mesmos a honra e o louvor que só a ele pertencem. Os arminianos são grandes transgressores aqui, atribuindo ao livre-arbítrio o que é produzido pela livre graça. “Não me escolhestes vós a mim”, disse Cristo, “mas eu vos escolhi a vós” (Jo 15.16) “Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós” (1Jo 4.10). Outra maneira pela qual roubamos a Deus é por um desempenho infiel da nossa mordomia. O que Deus confiou a nós pode ser tão ultrajado por nosso mau gerenciamento, como se estivéssemos interferindo nos negócios de alguém ou saqueando os bens do nosso vizinho. Esse mandamento requer de nós que administremos as nossas propriedades do mundo, sejam elas grandes ou pequenas, com diligência suficiente para provermos para nós e aqueles que dependem de nós. A preguiça é uma espécie de roubo. Ela faz o papel do zangão e leva o resto da colmeia a nos sustentar. Assim, prodigalidade é também uma forma de roubo, visto que a extravagância e o esbanjamento são desperdícios dos recursos que Deus nos deu quando se vive desordenadamente. Aquele que permanece num emprego secular que exige dele trabalhar no Dia do Senhor está roubando de Deus o tempo que deveria ser devotado à sua adoração. Antes de continuar, deve ser apontado que aquele que entra no ministério do evangelho sem ser chamado por Deus, pretendendo obter uma vida fácil e confortável, é um “ladrão e salteador” (Jo 10.1). “Não furtarás”. Propaganda enganosa é uma brecha nesse mandamento. Comerciantes são culpados quando adulteram ou apresentam mal as suas mercadorias, e também quando deliberadamente enganam os seus fregueses no peso ou no troco. Exploração é outra forma de roubo. O apóstolo Paulo admoesta: “Ninguém oprima ou engane a seu irmão em negócio algum” (1Ts 4.6). Contrair dívidas para sustentar luxúria e vaidade é roubo, como também o é não conseguir pagar as dívidas decorrentes da compra do essencial. Um homem que transfere uma propriedade para a
  • 39. sua esposa exatamente antes de ir à falência é ladrão aos olhos de Deus, e assim também o é qualquer falido que, mais tarde, prospere financeiramente e, então, não pague seus credores integralmente. São ladrões o homem ou a mulher que empresta e não devolve. Esse mandamento é quebrado pelos inquilinos que negligentemente estragam a propriedade e móveis do locador. Sonegação no pagamento de impostos é outra forma de roubo; Cristo nos deixou um exemplo melhor (Mt 17.24). Aposta é ainda outra forma de roubo, pois por ela os homens obtêm dinheiro pelo qual não realizaram nenhum trabalho honesto. Esse velho adágio é verdadeiro: “O que quer que venha das costas do Diabo vai para a barriga do Diabo”. Certo é que Deus manda uma maldição sobre o que é obtido pela força ou fraude: é posto num saco furado e pela Providência logo desaparece. Deus, pelo seu justo julgamento, geralmente transforma um pecado no castigador de outro e o que é obtido pelo roubo é perdido pela intemperança e uma vida abreviada. Por isso está escrito: “As rapinas dos ímpios os destruirão, porquanto se recusam a fazer justiça” (Pv 21.7); e novamente: “Como a perdiz, que choca ovos que não pôs, assim é aquele que ajunta riquezas, mas não retamente; no meio de seus dias as deixará, e no seu fim será um insensato” (Jr 17.11). Muitas vezes, Deus levanta aqueles que lidam com eles, da mesma forma que eles lidaram com os outros. O temível crescimento desse crime na sociedade moderna é devido à falha em impor a punição adequada. Se o leitor está consciente de ter defraudado alguém no passado, não é suficiente confessar esse pecado a Deus. No mínimo, uma restituição dobrada deve ser feita (Lc 19.8 e 2Sm 12.6) – se o lesado estiver morto, então aos seus descendentes; se ele não tiver descendentes, então a alguma instituição de caridade pública. Aqui estão umas poucas sugestões de ajuda para evitar os pecados proibidos e para o desempenho daqueles deveres inculcados por esse oitavo mandamento. (1) Engaje-se num trabalho honesto ou, se é uma pessoa de recursos, em alguma vocação honrosa, buscando promover o bem público. As pessoas que nada fazem são tentadas a causar dano. (2) Lute contra o espírito do egoísmo procurando o bem-estar dos outros. (3) Combata a luxúria e a cobiça dando liberalmente aos que estão em necessidade. (4) Se o seu Salvador foi crucificado entre dois ladrões para que o dom da salvação pudesse ser seu, não traga nenhuma reprovação sobre o nome dele por algum ato de desonestidade. (5) Cultive a graça do contentamento. Para isto, considere frequentemente a vaidade de todas as coisas temporais, pratique a submissão à divina providência, medite muito sobre as promessas divinas (tais como Hb 13.5, 6), seja moderado em todas as coisas, coloque as suas afeições nas coisas do alto, e lembre-se diariamente da sorte terrena de Cristo.
  • 40.
  • 41. 9. O NONO MANDAMENTO “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Êx 20.16). Tome essas palavras simplesmente em seu valor nominal e elas proibirão apenas o horrível crime de perjúrio ou o dar falso testemunho num tribunal. Mas o que é verdade quanto aos mandamentos anteriores, também o é aqui: muito mais está implícito e inculcado do que aquilo especificamente afirmado. Como temos tão frequentemente afirmado, cada um dos Dez Mandamentos enuncia um princípio geral, e não apenas são proibidos todos os outros pecados que estejam ligados ao nomeado e proibido, juntamente com todas as causas e tendências a isso, mas a virtude oposta é definitivamente requerida, com tudo que a alimenta e promove. Assim, em seu significado mais abrangente, esse nono mandamento repreende qualquer palavra nossa que possa ferir a reputação do nosso próximo, seja ela pronunciada em público ou em privado. Isso dificilmente precisaria de qualquer argumentação, pois se restringirmos esse mandamento a seus termos literais, ele não teria nenhuma influência sobre ninguém, salvo aquela pequena minoria que é chamada a dar testemunho numa corte de justiça. Em sua aplicação mais abrangente, esse mandamento tem a ver com o controle do nosso falar, que é uma das faculdades distintivas e enobrecedoras que Deus concedeu ao homem. As Escrituras nos dizem que “a morte e a vida estão no poder da língua” (Pv 18.21), que “a língua benigna é árvore de vida” (Pv 15.4), e que uma descontrolada é “um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal” (Tg 3.8). Que as nossas palavras não são para serem pronunciadas de maneira leviana ou impensada fica claro por aquela inefável e solene afirmação de nosso Senhor: “Mas eu vos digo que de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado” (Mt 12.36, 37). Ó, quanto precisamos de oração! “Põe, ó SENHOR, uma guarda à minha boca; guarda a porta dos meus lábios” (Sl 141.3). Os deveres referentes às nossas línguas podem ser resumidos em duas palavras: nosso falar deve ser sempre verdadeiro e expresso em amor (Ef 4.15). Dessa forma, como o oitavo mandamento providencia a segurança da propriedade do nosso próximo; assim, o nono é designado para preservar seu bom nome pelo nosso falar a verdade sobre ele em amor. Negativamente, esse nono mandamento proíbe todo pronunciamento falso e injurioso quanto ao nosso próximo; positivamente, ele inculca a conservação da verdade. “O fim desse preceito é que, porque Deus, que é a própria a Verdade, execra uma mentira, deveríamos preservar a verdade sem o mínimo engano” (J. Calvino). Veracidade é a estrita observância da verdade em todas as nossas comunicações. A
  • 42. importância e a necessidade disso aparecem a partir do fato de que quase tudo que a humanidade sabe é derivado das comunicações. O valor daquelas declarações que aceitamos dos outros depende inteiramente da sua veracidade e exatidão. Se elas forem falsas, são sem valor, enganosas e maléficas. Veracidade não é apenas uma virtude, mas é também a raiz de todas as outras virtudes e o fundamento de todo caráter reto. Nas Escrituras, portanto, “verdade” é sempre sinônimo de “retidão”. O homem piedoso é aquele que “fala a verdade no seu coração” (Sl 15.2). O homem que “pratica a verdade” (Jo 3.21) cumpriu o seu dever. É pela verdade que o Espírito Santo santifica a alma (Jo 17.17). A forma positiva desse nono mandamento é encontrada nessas palavras: “Falai a verdade cada um com o seu próximo” (Zc 8.16). Assim, o primeiro pecado proibido é o da mentira. Ora, uma mentira propriamente dita consiste de três elementos ou ingredientes: falar o que não é verdade; deliberadamente fazê-lo; e fazê-lo com uma intenção de enganar. Nem toda falsidade é uma mentira; podemos estar mal informados ou enganados, e sinceramente pensar que estamos afirmando fatos e, consequentemente, não temos nenhuma intenção de enganar aos outros. Por outro lado, nós podemos narrar o que é verdade, e ainda mentir ao fazê-lo, como nos seguintes exemplos: poderíamos relatar o que é verdade, e, todavia, crer ser uma mentira, proferindo tal coisa com o intuito de enganar; ou poderíamos mencionar as palavras figuradas de outra pessoa, e fingir que ela quis dizer literalmente, como foi o caso com aqueles que deram falso testemunho contra Cristo (Mt 20.60). A pior forma de mentira (entre os homens) é quando, maliciosamente, nós inventamos uma falsidade com o propósito de prejudicar a reputação do nosso próximo, que é o que está mais especialmente em vista nos termos do nono mandamento. Quão vil e abominável esse pecado se torna visível a partir das seguintes considerações. É um pecado que faz uma pessoa mais parecida com o Diabo. O Diabo é espírito e, portanto, pecados grosseiramente carnais não correspondem à sua natureza. Seus pecados são mais refinados e intelectuais, tais como orgulho, malícia, engano e falsidade. Ele “é mentiroso, e pai da mentira” (Jo 8.44), e quanto mais malícia entra na composição de qualquer mentira, mais proximamente alguém se assemelha a ele. Tal pecado é, portanto, o mais contrário à natureza e caráter de Deus, porque ele é o “SENHOR Deus da verdade” (Sl 31.5), e por isso somos informados de que “os lábios mentirosos são abomináveis ao SENHOR” (Pv 12.22). Como Satanás é um mentiroso e o pai da mentira, e como Deus é o SENHOR Deus da verdade, assim seus filhos se assemelham a ele nisso: “eles são meu povo, filhos que não mentirão” (Is 63.8). Deus tem ameaçado o mais atemorizante castigo sobre “todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre” (Ap 21.8). Ah! A que alturas terríveis esse pecado tem subido. Ele tem se tornado tão