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UMBERTO NEVES
Este conto avulso compõe a obra de mesmo nome, a qual compreende cinco
Contos completos em 34 páginas.
5 PAU - OU 15 PILA DE CONTOS
Eu gostava de observar situações de rua na Capital dos Gaúchos, sejam as
cantorias, quando um vivente puxava o fole da gaita, sobretudo quando acabava
de ter chegado lá dos Pampas, do Pago, seja da Fronteira, seja bem de dentro do
interior do Rio Grande, mais prá perto da terra de Érico Veríssimo, mais pro lado
chegado da terra da uva e do vinho, portanto, a meio caminho de Cruz Alta, ou
mais pro centro adentro, o Rio Parto... de gaita e garganta e cuia. Mala não, pra
não carregar demais a liberdade do bom vivente, pois mala às vezes a Prenda, a
bota larga e pesada de couro e demais, a cinta lavrada em osso amarrando a
bombacha. Mas, se mala mesmo, essa haveria de estar aos cuidados da Prenda,
pois, se quanto pior, melhor o menos pior, lugar de Prenda, pra esse tipo de
gaúcho é lado a lado seguindo os caminhos que a gaita dá: abre e indica.
Guri assim, eu vi, na Capital dos Gaúchos, histórias pra contar ao mundo.
Naquelas ruas da capital, era gente abarcada com todo o tipo de raiz e chás, que
pareciam, em plena capital civilizada, estarem em plena Floresta Amazônica.
Vendiam, também, pomadas bem cheirosas e milagrosas. Guardavam serpentes
estranhas em sacos escuros e enormes que, em mais de hora prometiam mostrar,
e mostrar, e mostrar, para quem não arredasse o pé, e assim tu, caro amigo, já
pode imediatamente fazer o paralelo com as audiências da televisão. Cruzavam,
corajosa e arriscadamente em meio a facas, comiam fogo e tudo o mais. Eram,
sim, artistas de rua ganhando a vida. Mas, meu caro leitor amigo e bagual, em
algum lugar do mundo alguém é capaz de tanto? Tão variados espetáculos? Tão
arriscados que nem domador de leão de circo? Tão grande talento em prender
até público atrasado para receber o dinheiro no banco? Eu fiquei muito
impressionado. Um piá que se achegou por perto me disse: "Sabe o meu sonho? É
jogar no Inter. Mas, se quiserem me empurrar pro Grêmio, não morrerei de fome,
porque, tenho certeza de que, com o talento desses feitos desses artistas, já sou
capaz de sonhar em ser um artista de rua quase tanto quanto sonhava em ser
jogador de bola desde que me conheço por gente no mundo."
Eu achei aquilo impressionante, alguém sonhar em ser um daqueles artistas de
rua, tanto quanto se sonha em ser jogador de bola nesse país. Mas isso revelava
aquele encanto, aquela magia, aquela técnica que nem Animadores de Serpente
na Ásia seriam capazes. Eu não lembro a prosa que tive com esse piá, mas,
certamente, haveria de dizer, do alto da minha contidão, que não me achava
talento para tal ofício, nem o da animação, nem o comercial. Me via como uma
sombra observadora, mas, mesmo jovem, a encarnação do espírito narrativo, eu
me sentia mais confortável em observar tanto ofício, talento e beleza para contar
nos livros.
A terra dos Veríssimo, do Quintana eu acreditei que, se um Ronaldinho
tropeçasse no bico da bola, como me pareceu que aquele Guri era o que era, que
ou lhe encarnasse a melodia da voz de Erechim, e de tantos outros que
atravessaram o Rio Grande fazendo moda, ou não faltaria, na melhor hora, um ar
poético, criador e narrativo a pôr história em tanta ousadia popular: eu me via
assim, sim.
Certo dia eu caminhava pela Voluntários da Pátria, quadra à frente do Mercado
Público em sentido à rodoviária, entardecer do dia. Nesse tipo de horário,
verifiquei uma atividade de rua diferente. Ao contrário daqueles artistas
encantadores de tudo, de pouco mas demorado público, era uma turma, numa
rua e noutra, que fazia truque com uma bolinha entre três tampinhas (ou
baciazinhas). Não me demorarei em descrever essa atividade, que não é alheia a
tanta gente, e todos sabem que são atividades malandras, pois envolvem altas
apostas em dinheiro vivo, apostadores dissimulados do próprio grupo, para atrair
apostadores desavisados, e truques muito bem dominados pelo controlador, que
praticamente nunca perde. Se, nos artistas encantadores do dia tu não precisavas
adquirir uma palha, e estaria maravilhado, de tão encantador o show que tu
pagarias em ingresso, seja lá, do teatro ou cinema, nesses da noite, seria melhor
tu cruzares uma outra rua, mas dificilmente haveria uma esquina vazia, de bacia e
bolinha... pois eu nunca caí nessa. Um médico não precisa ter câncer. Um escritor
nunca cai. Eu quero explicar um episódio concreto que observei em terceira
pessoa.
Eu estava do alto de um quarto de hotel, simples, pela região necessária, mas
pontual. Dava até para ouvir toda a conversa. Eu decidi que naquela noite eu
presenciaria todo o desenrolar dessas cenas do truque de rua. A coisa começou,
como de costume, por volta das 19 horas. Aposta 20 pila, leva 40; aposta 50 pila,
leva 100, e assim em diante. As notas praticamente brilhavam na mão do jogador,
habilidoso, feito anéis ou relógios de ouro. As notas brilhavam e apareciam mais
que as bolinhas traçadas em baciazinhas, que, na verdade, se apareciam eram
ilusão ou desapareciam com extrema facilidade. Parece que as bolinhas eram de
sombra, ilusão de ótica, e por isso nunca ocupavam lugar físico, quando você
tivesse certeza que estava em uma das três baciazinhas. O fato observado é que
muita gente apostou e perdeu em cerca de 2 horas observadas, e quem mais
apostou e só quem ganhou, eu não tive dúvida que era do grupo, que era
combinado para atrair apostadores.
Então passou um que se identificou como paulista. Ops, paulista! O jogador
sabia que se tratava de um desavisado, mas uma presa fácil, mas, no caso, uma
presa que poderia torrar fortunas.
- Quanto? Disse o paulista.
- Quanto tiveres, eu dobro. Disse o truqueiro.
- Eu aposto em dólar, porque não troquei no câmbio.
- Paulista em dólar... o que tens?
- 100 dólares...
- 100... 200... bom.
A conta, amigo? Aqui, a única conta exata era a ciência de mais uma presa. 100
dólares na mão, dobrado no meio de 200 em notas de 50 reais, ou pilas, como foi
dito. E o jogo é feito, eu juro que vi a bolinha preta - preta ou sombreada - em
todos os mundos, e meu Deus. Eu já teria apostado também, sem fazer ideia em
qual bacia essa danada foi parar: danou-se, pensei, porque eu não faço ideia.
- Aqui, eu aposto que está aqui. Disse o paulista em dólar.
- Eu pago, eu pago.
Acho que são bacias em chapéus furados. O truqueiro primeiro levantou aquela
que tinha, para provar que não precisava nem mostrar a aposta errada.
- Eu aposto mais 100.
- Eu dobro, 200.
- Pensando melhor, eu aposto 100 em cada uma das três baciazinhas, conquanto
que, naquela que eu acertar, me pague a conversão correta.
- Conversão, que conversão...
- A conversão do câmbio, não sabe?
- Conversão, conversão. Deixa de conversa, 300 pila de dola, eu pago 600 pila,
mas tem que apostar tudo numa bacia só.
“Sic”, resmungou um apostador do grupo disfarçado. "Eu vi na TV hoje que o
dola tá a 3. 100, é 300. A gente tá ganhando muito dinheiro, se perder um pouco,
nem liga que amanhã a gente troca e tu vai vê."
- Eu aposto, não vou arriscar muito, 100, mas só numa mesmo.
- 100, 200... ok, ótimo. Brilhou, já tremendo de alegria o truqueiro.
Agora eu vi bem, tive a certeza que essa bolinha foi parar na primeira bacia da
esquerda. O paulista também, foi o que indicou. O truqueiro, dessa vez, abriu logo
a mesma, para provar que nada. E nem abriu a que, supostamente, seria a
correta. O suposto companheiro olhou com indicação, hora de perder alguma
coisa, senão daria desconfiança, e já tinha um bolo grande de pessoas em volta.
- 500, eu tenho 500 dólares.
O público em volta foi à loucura, o cara vai perder 500...
- Tu não tem mais?
- Pensando melhor, aposto 300 a 600, e se ganhar, aposto os 500 a 1000.
Olhos e mãos brilharam feito ouro no céu, os truqueiros estavam cientes de que
tinham feito a vida. Comecemos, com 300, 600...
- Só um segundo, vou trocar essa bolinha, acho que ela está cansada.
E pegou, do bolso, uma que, me pareceu, se não mais nova, mais palpável...
- Aqui, eu aposto que está aqui. Disse o paulista em dólar, indicando a posição
central.
Dito e feito e 600 pila reais pros óio, pensaram os comparsas, se a três ainda, é
agora que... nós vai e racha...
- Os 500. 500 pila de dóla, eu já dobro em 1000 pila e já.
- 500, verdinhos de Deus...
Ninguém viu que a bola preta e sombreada, num cruzar de dedo e outro, já nem
era a mesma... Lá do alto eu vi bem. Deve ter ficado enterrada em algum lugar.
Levantou a aposta, e deu vento.
- Puts, perdi os últimos 500 dólares.
- É do jogo, foi o combinado.
E num instante, ninguém mais viu truqueiros. O paulista seguiu seu rumo, mas o
impressionante foi o espanto de todo aquele bolo de pessoas, que viu o cidadão
perder uma fortuna. Eu, por minha vez, passei a noite inteira em claro, sem
acreditar em tudo o que vi.
Era domingo, um domingo de verão na capital dos gaúchos. Eu fiz longas
caminhadas, em igrejas e parques da cidade. Ao entardecer, pensei comigo, não
vou estar no quarto de hotel para me atentar a presenciar uma tortura daquelas.
Raramente bebo algum álcool, mas havia bares chamativos, músicas e pessoas
acolhedoras, decidi sentar num desses e me demorar um tanto. Me demorei com
uma cerveja das bem geladas que, para quem raramente bebe, já dançaram os
neurônios até aos céus. Reparei bem, para não ter nenhuma dúvida, que de
repente se fazia presente aquele Paulista que havia perdido uma fortuna na noite
anterior naquele tipo de jogo. Eu, incorporado em prosa, não tive coragem de
interpelá-lo, mas observei que este estava com uma aparência, um semblante
muito bom, parecia, inclusive, estar envolto em grande felicidade. Isso me
intrigou, pois, ou esse cara é um desleixado, ou teria dinheiro demais.
Como eu estava sem dormir até esse momento, imaginei que eu poderia estar
fazendo confusões mentais, mas tive a certeza do bom semblante do nosso
amigo.
Voltei para o hotel, fui dormir porque, realmente, meu organismo já fazia essa
exigência sobretudo depois dessa pequena dose gelada. Eu acordei cedo, por
volta das 5 horas da manhã, fui ao Moinhos de Vento, depois ao Parcão
Farroupilha. Retornei ao meu quarto por volta das 10 horas, dormi mais cerca de
2 horas e, acordei para o almoço. Foi aí que me veio um detalhe: eu tive a certeza,
agora com a consciência bem descansada, que o amigo Paulista pagou alguma
coisa da conta, no bar, em notas de reais, e que essas notas transpareceram, bem,
em notas de 50 a 100 reais, não havia nenhuma em dólar. Essas imagens já me
eram tão presentes e vivas quanto as temerosas da noite dos truques. Saí para
almoçar.
Num almoço simples bem localizado, fartei-me de felicidade, de ciência e
verdade. Na televisão, o noticiário informava e mostrava, ao vivo e em cores, o
truqueiro e seus comparsas sendo presos ao tentarem trocar dólares falsos na
casa de câmbio.
Numa conta meio atrapalhada e aproximada, acredito que o Paulista deva ter
tido um lucro de 600 reais a custo zero. Paus e pilas, na polícia e no câmbio. No
câmbio, na polícia.

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5 PAU - OU, 15 PILA DE CONTO

  • 1. UMBERTO NEVES Este conto avulso compõe a obra de mesmo nome, a qual compreende cinco Contos completos em 34 páginas. 5 PAU - OU 15 PILA DE CONTOS Eu gostava de observar situações de rua na Capital dos Gaúchos, sejam as cantorias, quando um vivente puxava o fole da gaita, sobretudo quando acabava de ter chegado lá dos Pampas, do Pago, seja da Fronteira, seja bem de dentro do interior do Rio Grande, mais prá perto da terra de Érico Veríssimo, mais pro lado chegado da terra da uva e do vinho, portanto, a meio caminho de Cruz Alta, ou mais pro centro adentro, o Rio Parto... de gaita e garganta e cuia. Mala não, pra não carregar demais a liberdade do bom vivente, pois mala às vezes a Prenda, a bota larga e pesada de couro e demais, a cinta lavrada em osso amarrando a bombacha. Mas, se mala mesmo, essa haveria de estar aos cuidados da Prenda, pois, se quanto pior, melhor o menos pior, lugar de Prenda, pra esse tipo de gaúcho é lado a lado seguindo os caminhos que a gaita dá: abre e indica. Guri assim, eu vi, na Capital dos Gaúchos, histórias pra contar ao mundo. Naquelas ruas da capital, era gente abarcada com todo o tipo de raiz e chás, que pareciam, em plena capital civilizada, estarem em plena Floresta Amazônica. Vendiam, também, pomadas bem cheirosas e milagrosas. Guardavam serpentes estranhas em sacos escuros e enormes que, em mais de hora prometiam mostrar, e mostrar, e mostrar, para quem não arredasse o pé, e assim tu, caro amigo, já pode imediatamente fazer o paralelo com as audiências da televisão. Cruzavam, corajosa e arriscadamente em meio a facas, comiam fogo e tudo o mais. Eram, sim, artistas de rua ganhando a vida. Mas, meu caro leitor amigo e bagual, em algum lugar do mundo alguém é capaz de tanto? Tão variados espetáculos? Tão arriscados que nem domador de leão de circo? Tão grande talento em prender até público atrasado para receber o dinheiro no banco? Eu fiquei muito impressionado. Um piá que se achegou por perto me disse: "Sabe o meu sonho? É jogar no Inter. Mas, se quiserem me empurrar pro Grêmio, não morrerei de fome, porque, tenho certeza de que, com o talento desses feitos desses artistas, já sou capaz de sonhar em ser um artista de rua quase tanto quanto sonhava em ser jogador de bola desde que me conheço por gente no mundo." Eu achei aquilo impressionante, alguém sonhar em ser um daqueles artistas de rua, tanto quanto se sonha em ser jogador de bola nesse país. Mas isso revelava aquele encanto, aquela magia, aquela técnica que nem Animadores de Serpente na Ásia seriam capazes. Eu não lembro a prosa que tive com esse piá, mas, certamente, haveria de dizer, do alto da minha contidão, que não me achava talento para tal ofício, nem o da animação, nem o comercial. Me via como uma sombra observadora, mas, mesmo jovem, a encarnação do espírito narrativo, eu me sentia mais confortável em observar tanto ofício, talento e beleza para contar nos livros.
  • 2. A terra dos Veríssimo, do Quintana eu acreditei que, se um Ronaldinho tropeçasse no bico da bola, como me pareceu que aquele Guri era o que era, que ou lhe encarnasse a melodia da voz de Erechim, e de tantos outros que atravessaram o Rio Grande fazendo moda, ou não faltaria, na melhor hora, um ar poético, criador e narrativo a pôr história em tanta ousadia popular: eu me via assim, sim. Certo dia eu caminhava pela Voluntários da Pátria, quadra à frente do Mercado Público em sentido à rodoviária, entardecer do dia. Nesse tipo de horário, verifiquei uma atividade de rua diferente. Ao contrário daqueles artistas encantadores de tudo, de pouco mas demorado público, era uma turma, numa rua e noutra, que fazia truque com uma bolinha entre três tampinhas (ou baciazinhas). Não me demorarei em descrever essa atividade, que não é alheia a tanta gente, e todos sabem que são atividades malandras, pois envolvem altas apostas em dinheiro vivo, apostadores dissimulados do próprio grupo, para atrair apostadores desavisados, e truques muito bem dominados pelo controlador, que praticamente nunca perde. Se, nos artistas encantadores do dia tu não precisavas adquirir uma palha, e estaria maravilhado, de tão encantador o show que tu pagarias em ingresso, seja lá, do teatro ou cinema, nesses da noite, seria melhor tu cruzares uma outra rua, mas dificilmente haveria uma esquina vazia, de bacia e bolinha... pois eu nunca caí nessa. Um médico não precisa ter câncer. Um escritor nunca cai. Eu quero explicar um episódio concreto que observei em terceira pessoa. Eu estava do alto de um quarto de hotel, simples, pela região necessária, mas pontual. Dava até para ouvir toda a conversa. Eu decidi que naquela noite eu presenciaria todo o desenrolar dessas cenas do truque de rua. A coisa começou, como de costume, por volta das 19 horas. Aposta 20 pila, leva 40; aposta 50 pila, leva 100, e assim em diante. As notas praticamente brilhavam na mão do jogador, habilidoso, feito anéis ou relógios de ouro. As notas brilhavam e apareciam mais que as bolinhas traçadas em baciazinhas, que, na verdade, se apareciam eram ilusão ou desapareciam com extrema facilidade. Parece que as bolinhas eram de sombra, ilusão de ótica, e por isso nunca ocupavam lugar físico, quando você tivesse certeza que estava em uma das três baciazinhas. O fato observado é que muita gente apostou e perdeu em cerca de 2 horas observadas, e quem mais apostou e só quem ganhou, eu não tive dúvida que era do grupo, que era combinado para atrair apostadores. Então passou um que se identificou como paulista. Ops, paulista! O jogador sabia que se tratava de um desavisado, mas uma presa fácil, mas, no caso, uma presa que poderia torrar fortunas. - Quanto? Disse o paulista. - Quanto tiveres, eu dobro. Disse o truqueiro. - Eu aposto em dólar, porque não troquei no câmbio. - Paulista em dólar... o que tens? - 100 dólares... - 100... 200... bom.
  • 3. A conta, amigo? Aqui, a única conta exata era a ciência de mais uma presa. 100 dólares na mão, dobrado no meio de 200 em notas de 50 reais, ou pilas, como foi dito. E o jogo é feito, eu juro que vi a bolinha preta - preta ou sombreada - em todos os mundos, e meu Deus. Eu já teria apostado também, sem fazer ideia em qual bacia essa danada foi parar: danou-se, pensei, porque eu não faço ideia. - Aqui, eu aposto que está aqui. Disse o paulista em dólar. - Eu pago, eu pago. Acho que são bacias em chapéus furados. O truqueiro primeiro levantou aquela que tinha, para provar que não precisava nem mostrar a aposta errada. - Eu aposto mais 100. - Eu dobro, 200. - Pensando melhor, eu aposto 100 em cada uma das três baciazinhas, conquanto que, naquela que eu acertar, me pague a conversão correta. - Conversão, que conversão... - A conversão do câmbio, não sabe? - Conversão, conversão. Deixa de conversa, 300 pila de dola, eu pago 600 pila, mas tem que apostar tudo numa bacia só. “Sic”, resmungou um apostador do grupo disfarçado. "Eu vi na TV hoje que o dola tá a 3. 100, é 300. A gente tá ganhando muito dinheiro, se perder um pouco, nem liga que amanhã a gente troca e tu vai vê." - Eu aposto, não vou arriscar muito, 100, mas só numa mesmo. - 100, 200... ok, ótimo. Brilhou, já tremendo de alegria o truqueiro. Agora eu vi bem, tive a certeza que essa bolinha foi parar na primeira bacia da esquerda. O paulista também, foi o que indicou. O truqueiro, dessa vez, abriu logo a mesma, para provar que nada. E nem abriu a que, supostamente, seria a correta. O suposto companheiro olhou com indicação, hora de perder alguma coisa, senão daria desconfiança, e já tinha um bolo grande de pessoas em volta. - 500, eu tenho 500 dólares. O público em volta foi à loucura, o cara vai perder 500... - Tu não tem mais? - Pensando melhor, aposto 300 a 600, e se ganhar, aposto os 500 a 1000. Olhos e mãos brilharam feito ouro no céu, os truqueiros estavam cientes de que tinham feito a vida. Comecemos, com 300, 600... - Só um segundo, vou trocar essa bolinha, acho que ela está cansada.
  • 4. E pegou, do bolso, uma que, me pareceu, se não mais nova, mais palpável... - Aqui, eu aposto que está aqui. Disse o paulista em dólar, indicando a posição central. Dito e feito e 600 pila reais pros óio, pensaram os comparsas, se a três ainda, é agora que... nós vai e racha... - Os 500. 500 pila de dóla, eu já dobro em 1000 pila e já. - 500, verdinhos de Deus... Ninguém viu que a bola preta e sombreada, num cruzar de dedo e outro, já nem era a mesma... Lá do alto eu vi bem. Deve ter ficado enterrada em algum lugar. Levantou a aposta, e deu vento. - Puts, perdi os últimos 500 dólares. - É do jogo, foi o combinado. E num instante, ninguém mais viu truqueiros. O paulista seguiu seu rumo, mas o impressionante foi o espanto de todo aquele bolo de pessoas, que viu o cidadão perder uma fortuna. Eu, por minha vez, passei a noite inteira em claro, sem acreditar em tudo o que vi. Era domingo, um domingo de verão na capital dos gaúchos. Eu fiz longas caminhadas, em igrejas e parques da cidade. Ao entardecer, pensei comigo, não vou estar no quarto de hotel para me atentar a presenciar uma tortura daquelas. Raramente bebo algum álcool, mas havia bares chamativos, músicas e pessoas acolhedoras, decidi sentar num desses e me demorar um tanto. Me demorei com uma cerveja das bem geladas que, para quem raramente bebe, já dançaram os neurônios até aos céus. Reparei bem, para não ter nenhuma dúvida, que de repente se fazia presente aquele Paulista que havia perdido uma fortuna na noite anterior naquele tipo de jogo. Eu, incorporado em prosa, não tive coragem de interpelá-lo, mas observei que este estava com uma aparência, um semblante muito bom, parecia, inclusive, estar envolto em grande felicidade. Isso me intrigou, pois, ou esse cara é um desleixado, ou teria dinheiro demais. Como eu estava sem dormir até esse momento, imaginei que eu poderia estar fazendo confusões mentais, mas tive a certeza do bom semblante do nosso amigo. Voltei para o hotel, fui dormir porque, realmente, meu organismo já fazia essa exigência sobretudo depois dessa pequena dose gelada. Eu acordei cedo, por volta das 5 horas da manhã, fui ao Moinhos de Vento, depois ao Parcão Farroupilha. Retornei ao meu quarto por volta das 10 horas, dormi mais cerca de 2 horas e, acordei para o almoço. Foi aí que me veio um detalhe: eu tive a certeza, agora com a consciência bem descansada, que o amigo Paulista pagou alguma coisa da conta, no bar, em notas de reais, e que essas notas transpareceram, bem, em notas de 50 a 100 reais, não havia nenhuma em dólar. Essas imagens já me eram tão presentes e vivas quanto as temerosas da noite dos truques. Saí para almoçar.
  • 5. Num almoço simples bem localizado, fartei-me de felicidade, de ciência e verdade. Na televisão, o noticiário informava e mostrava, ao vivo e em cores, o truqueiro e seus comparsas sendo presos ao tentarem trocar dólares falsos na casa de câmbio. Numa conta meio atrapalhada e aproximada, acredito que o Paulista deva ter tido um lucro de 600 reais a custo zero. Paus e pilas, na polícia e no câmbio. No câmbio, na polícia.