TRABALHO INSTALACAO ELETRICA EM EDIFICIO FINAL.docx
(20240100-PT).... Super Interessante.pdf
1. APRENDIZAGEM E SONHO
O PARADOXO DECIFRADO
NEUROCIÊNCIA
SAÚDE
O COLESTEROL BOM
PREJUDICA
O CORAÇÃO?
ASTRONOMIA
A PROCURA
DE SINAIS
EXTRATERRESTRES
O PIOR DIA DE
ISAAC ASIMOV
HISTÓRIA
MATERIAIS ENTRE A
REALIDADE E A FICÇÃO
FÍSICA & QUÍMICA
13 LOCAIS
ASSOMBRADOS EM
PORTUGAL
MISTÉRIO
NÚMERO 309
MENSAL ○ JANEIRO 2024
ENTREVISTA
JERÓNIMO PIZARRO,
EDITOR E AUTOR
DE FERNANDO PESSOA
ARTE & HISTÓRIA
FRANCISCOD’HOLANDA,
EXPOENTEDORENASCIMENTO
PORTUGUÊS
2. VIVER A HISTÓRIA
COM PAIXÃO
A
G
O
R
A
À
V
E
N
D
A
!
Mergulhe na Idade do Ferro
e descubra uma das culturas
mais fascinantes da Europa, a
Celta, pelas mãos de grandes
especialistas.
Descubra, pela pena de alguns dos
mais conhecidos investigadores
portugueses, a época de Ouro dos
Descobrimentos e da expansão
marítima portuguesa.
CELTAS
GUERREIROS,ARTISTAS E DRUIDAS
EDIÇÃO BIBLIOTECA
CELTAS
GUERREIROS,
ARTISTAS
E
DRUIDAS
EDIÇÃO
BIBLIOTECA
PALEOARTE
Onde e quando surgiu
o nosso impulso artístico
VALE DO CÔA
GRUTA DO ESCOURAL
MISTÉRIO
GRUTA DO ESCOURAL
GRUTA DO ESCOURAL
MISTÉRIO
MISTÉRIO
Marco do paleolítico
no Alentejo
VALE DO CÔA
VALE DO CÔA
Território de
memória
MISTÉRIO
MISTÉRIO
Stonehenge e outros
santuários megalíticos
PALEOARTE
Conheça a formação de Portugal
como Nação através de grandes
historiadores: conhecerá os
protagonistas, os momentos
decisivos, os desafios e as bases
do futuro império.
PORTUGAL
ORIGENS
DE
UMA
NAÇAO
PORTUGAL
PORTUGAL
ÉPOCADE OURO DAEXPANSÃO MARÍTIMA
EDIÇÃO BIBLIOTECA
PORTUGAL
ÉPOCA
DE
OURO
DA
EXPANSÃO
MARÍTIMA
4. 4 SUPER
64 Motor
Notícias do setor automóvel por José
Manuel González.
90 Tecnocultura
Javier Moreno e La edad del prone.
98 Alegoria
História por Óscar Curieses.
58 A matemática pode
prever pandemias
Ao simular possíveis cenários epidémicos.
68 Lucidez terminal
O mistério dos episódios de lucidez men-
tal inesperada que ocorrem antes da
morte.
74 Gorduras boas e más
Estudá-las ajudará a acabar com a
epidemia de obesidade que está a fazer
tantas vítimas.
78 Dados indígenas
Luta das comunidades nativas pela
soberania da informação .
84 Com que sonham os
animais?
O sono REM não é exclusivo dos humanos.
92 O pior dia
de Isaac Asimov
O robot que deixou o escritor perplexo.
ENTREVISTA
20 Jerónimo Pizarro
Editor e autor de Fernando Pessoa.
RÚBRICAS
6 Falando de ciência
Ciência, sonhos, visões e drogas,
por Miguel Ángel Sabadell.
REPORTAGENS
8 Materiais
surpreendentes
Entre a realidade e a ficção.
14 O colesterol «bom»
pode ser prejudicial?
Descobrimos até que ponto é bom ter
níveis elevados deste colesterol.
24 Projeto SETI
À procura de sinais extraterrestres.
28 A pegada ecológica de
um hambúrguer vegetariano
Uma dieta à base de vegetais é realmente-
tão boa quanto cremos para o planeta?
34 Microbiota e
saúde mental
As bactérias que povoam o nosso intestino
influenciam as nossas emoções.
40 Podemos aprender
enquanto dormimos?
Durante o sono, a mente pode desenvolver
processos de pensamento complexos.
46 Assombrados ou apenas
assustadores?
13 lugares de Portugal que podem fazer ar-
repiar, até os mais céticos.
53 Francisco de Holanda
Expoente do renascimento português.
14
ISTOCK
Sumário
6. POR MIGUEL ÁNGEL
SABADELL
Físico
SHUTTERSTOCK
Prémio Nobel da Medicina
Peter Medawar afirmou que,
se perguntarmos a um cien-
tista o que é o método cien-
tífico, «ele adotará uma expressão si-
multaneamente solene e evasiva: solene,
porque sente que deve exprimir uma opi-
nião; evasiva, porque pensa como poderá
esconder o facto de não ter opinião a ex-
primir». Segundo o físico Michael Brooks,
um cientista dirá algo como: «Bem, te-
mos uma ideia e de-
pois testamo-la com
uma experiência.
Muito simples, mas
evita responder a
uma questão funda-
mental: de onde vem
essa ideia? Como diz
uma citação apócrifa
de Albert Einstein, «o segredo da criati-
vidade é saber esconder as suas fontes».
É edificante rever algumas dessas fontes
que não gostamos que sejam conhecidas.
Por exemplo, as drogas, que desempe-
nharam um papel importante na desco-
berta da reação em cadeia da polimerase,
conhecida como PCR, por Kary Mullis.
Mullis nunca negou que tem consu-
mido alucinogénios regularmente desde
1966. Acredita que as drogas são uma
ferramenta maravilhosa para abrir a men-
te a conhecimentos que de outra forma
seriam inacessíveis. Quando lhe pergun-
taram numa entrevista à BBC se teria
descoberto a PCR sem a ajuda do LSD,
Mullis respondeu: «Duvido. Duvido seria-
mente». Para Mullis, tomar LSD foi «uma
experiência que me abriu a mente... mui-
to mais importante do que qualquer curso
que fiz». Esta ideia estava bem estabe-
lecida entre os pioneiros da computação
gráfica nos anos 1980 e 1990. Na edição
de julho de 1991 da revista GQ, dizia-se
que o consumo de drogas era generali-
zado entre eles. O artigo citava o antigo
diretor do Programa de Interface Humana
da Intel, Chip Krauskorp, que dizia que a
empresa tinha todo o gosto em contratar
engenheiros toxicodependentes porque
eram trabalhadores «muito, muito bri-
lhantes». O artigo também citava Ralph
Abraham, agora professor emérito de ma-
temática na Universidade da Califórnia
em Santa Cruz, confessando que tinha
sido um «fornecedor de psicadélicos»
para a comunidade matemática. Não há
dúvida», acrescentou Abraham nesse re-
latório, «que a revolução psicadélica dos
anos 60 teve um efeito profundo na his-
O PROCESSO DE CRIAÇÃO CIENTÍFICA TEM UMA PARTE IRRACIONAL QUE NEM SEMPRE É
MENCIONADA. MUITAS DESCOBERTAS FUNDAMENTAIS FORAM PRODUZIDAS POR CAMINHOS
QUE NEM SEMPRE SEGUIRAM UM MÉTODO RACIONAL E PRECISO.
CIÊNCIA, SONHOS, VISÕES E DROGAS
Muitos investigadores e
cientistas utilizaram
regularmente drogas
para inspirar as suas
experiências e
desenvolver o seu
trabalho.
O
CURIOSIDADE FALAR DE CIÊNCIA...
6 SUPER
7. AGENCIA
SINC
ASC
tória dos computadores, da computação
gráfica e da matemática». Uma tradição
que se manteve ao longo do século XX.
Nos primeiros anos deste século, a revis-
ta Nature publicou uma série de artigos
que revelavam que o consumo de drogas
não era invulgar entre os cientistas. Num
inquérito informal aos seus leitores, dos
1437 inquiridos, 20% admitiram utilizar
drogas como o modafinil, que se usa pa-
ra combater a sonolência excessiva, pa-
ra melhorar o desempenho cerebral. Tal
como os artistas, os cientistas procuram
inspiração onde quer que a encontrem:
o célebre psicólogo e filósofo William
James realizou grande parte das suas
investigações sob a influência de óxido
nitroso.
A HISTÓRIA DA CIÊNCIA ENSINA-NOS QUE
MUITAS DESCOBERTAS FUNDAMENTAIS FORAM
FEITAS DE FORMA POUCO RACIONAL. Assim,
em 1921, o farmacologista alemão Otto
Loewi teve um sonho que lançou as ba-
ses da neurociência. O seu trabalho deu
origem à teoria química da transmissão
nervosa e à descoberta dos neurotrans-
missores. Loewi contou a sua descoberta:
«Na noite anterior ao domingo de Páscoa
desse ano, acordei, acendi a luz e fiz al-
gumas anotações num pequeno pedaço
de papel. Depois voltei a dormir. Às seis
horas da manhã, lembrei-me que tinha
escrito algo de grande importância, mas
não consegui decifrar os rabiscos. Loe-
wi tentou durante todo o dia recordar o
sonho... sem sucesso. E às três horas da
manhã a ideia voltou: «era a conceção
de uma experiência para determinar se a
hipótese da transmissão química que eu
tinha proposto há 17 anos era correcta
ou não». Uma experiência que realizou
no seu laboratório antes do nascer do sol
e que se tornou um clássico.
Um dos sonhos científicos mais céle-
bres é o do químico August Kelulé, que
fez a sua grande descoberta depois de
adormecer num omnibus (autocarro pu-
xado por cavalos) em Londres, em 1855:
«Passei parte da noite a passar para o
papel pelo menos esboços destas formas
de sonho». Todas as empresas farmacêu-
ticas do mundo têm uma grande dívida
para com ele, porque lhes forneceu o
segredo da estrutura molecular, uma ba-
se que continua sólida após mais de um
século e meio.
As «visões» desempenharam um papel
importante na obra do cientista renas-
centista Girolamo Cardano, nascido em
Pavia em 1501. No ano anterior à sua
morte, Cardano escreveu a sua autobio-
grafia (uma das primeiras da história),
na qual descreve em pormenor as suas
deambulações sexuais, as suas doenças,
os seus maus momentos e, sobretudo,
onde se inspirou para a sua obra científi-
ca, que foi verdadeiramente prolífica. Co-
mo confessou, os seus amigos e colegas
estavam convencidos de que a sua obra
era o produto de «ser profundamente de-
dicado ao estudo e possuir uma grande
memória, quando nada disso é verdade».
Porque, na verdade, tudo foi possível
graças «aos serviços do meu espírito as-
sistente»: ele era visitado pelos espíritos
de familiares, anjos e demónios. A sua
intuição matemática ultrapassava a mera
reflexão consciente.
Algumas das chamadas «visões cien-
tíficas» são incrivelmente semelhantes
às dos místicos religiosos. Veja-se, por
exemplo, a que aconteceu ao inclassifi-
cável Nikola Tesla quando tinha 22 anos
e passeava com alguns amigos nas ruas
de Budapeste, em 1881. Encantado com
a visão de um belo pôr do sol, come-
çou a recitar alguns versos de Goethe
quando, de repente, parou a meio de
uma estrofe: viu um campo magnético
flamejante a rodar devido a um anel de
eletroímanes. No interior do anel, viu
uma engenhoca de ferro que podia ser
ligada a esses eletroímanes para a fa-
zer girar. Parado na rua, Tesla exclamou:
«Aqui podem ver o meu motor.... vejam
como o faço funcionar ao contrário». Os
seus amigos assustados sacudiram-no
até conseguirem trazê-lo de volta a este
mundo. Quando Tesla regressou ao seu
laboratório, construiu o seu famoso mo-
tor de corrente alterna.
Os sonhos, as alucinações induzidas
por drogas, as visões... são essa parte
irracional do processo de criação cientí-
fica que muitas vezes evita-se mencionar
quando se fala de ciência. Até as pal-
pitações têm a sua importância. Basta
perguntar ao físico italiano Enrico Fermi,
quando tentava compreender as reações
nucleares. Os resultados que obtinha no
laboratório não faziam sentido e Fermi
pensou que talvez conseguisse perceber
melhor o que se passava se colocasse um
bloco de chumbo entre a fonte de neu-
trões e o alvo: isso filtraria os neutrões
mais lentos e tornaria o bombardeamen-
to mais controlável. Fermi deu instruções
precisas sobre como construir um tal
bloco de chumbo, mas quando chegou
a altura de o instalar.... Ele não sabia
porquê, mas algo dentro dele lhe dizia
que não o devia fazer. «Inventei todas
as desculpas possíveis para adiar a colo-
cação do fragmento de chumbo no sítio.
Quando finalmente o fui colocar, disse
para comigo: ‘Não! Não quero esse peda-
ço de chumbo, o que quero é um pedaço
de parafina’. Peguei no primeiro pedaço
de parafina que encontrei e coloquei-o
no sítio onde o chumbo deveria ter fica-
do. E funcionou».
A conclusão? Que a ciência nem sem-
pre é aquele método racional e preciso
que os cientistas gostam de contar; o
intangível e irracional é também uma
fonte de descoberta incrivelmente pode-
rosa. e
OS CIENTISTAS
PROCURAM
INSPIRAÇÃO ONDE
QUER QUE A POSSAM
ENCONTRAR
KaryMullisreconheceuqueasdrogasdesempe-
nharamumpapelimportantenassuasdescobertas.
Loewisonhoucomaconceçãodeumaexperiência
paraasuateoriaquímicadatransmissãonervosa.
SUPER 7
8. 8 SUPER
F Í S I C A & Q U Í M I C A
MATER
ENTRE A REALIDA
A literatura e o cinema criaram uma multiplicidade de matérias-primas
extraordinárias que conferem poder e força a quem as possui. Na Terra,
alguns minerais, tecidos e fibras sintéticas são semelhantes em dureza
ou resistência, mas nunca chegam a possuir as suas propriedades únicas
e incríveis. Será que alguma vez seremos capazes de os fabricar?
Texto de EUGENIO MANUEL FERNÁNDEZ AGUILAR, físico
SURPREEND
8 SUPER
10. 10 SUPER
s materiais ficcionais são uma
parte importante da litera-
tura, do cinema e de outros
meios de comunicação rela-
cionados com a cultura pop.
Desde o mithril de Tolkien
ao adamantium dos X-Men,
estes materiais inventados
captaram a imaginação de
milhões de pessoas em todo
o mundo. Embora não exis-
tam na vida real, muitas vezes
partilham características com materiais reais que exis-
tem. Neste artigo, vamos explorar alguns dos materiais
fictícios mais populares na ficção e compará-los com
materiais reais que se lhes assemelham.
O FEIXE CORTANTE DE VIDRIAGON. Game of Thrones apre-
senta o famoso vidriagon, um tipo de vidro vulcânico
que é extremamente duro e resistente. O termo vi-
driagon é uma tradução criativa de dragonglass. Por
isso, também lhe podemos chamar «vidro de dragão».
Na Terra, temos uma rocha ígnea vulcânica com a qual
é frequentemente comparada: a obsidiana. É preta
(ou verde-escura) e tem um brilho vítreo. Além disso,
pode ser cortada para formar arestas vivas, tal como
o vidriagon. O que não sabemos é se a obsidiana ma-
taria os Caminhantes Brancos, como acontece com o
material fictício da série. No entanto, tem sido muito
utilizada na joalharia, no artesanato e no fabrico de vá-
rias ferramentas.
O INDESTRUTÍVEL BESKAR. Beskar é um material fictício
no universo da Guerra das Estrelas que é usado na
série de televisão The Mandalorian. Este material é
altamente valorizado e é considerado um dos metais
mais resistentes da galáxia. É durável, quase indestru-
tível e tem a capacidade de suportar até os golpes mais
duros. O Beskar é utilizado para fabricar as armaduras
dos Mandalorianos, que são um grupo de elite de guer-
reiros que seguem um código de honra e tradição. A
armadura de Beskar é extremamente resistente e po-
de proteger o utilizador de uma variedade de ataques,
incluindo blasters e sabres de luz. Para além da sua
capacidade protetora, o beskar é também usado como
moeda na cultura mandaloriana.
Na Terra, existem vários materiais e minerais que
podem ser comparados ao beskar em termos de re-
As armaduras
Mandaloriana
são feitas de
beskar, que é
altamente
resistente a
ataques e até
aos sabres de
luz.
A fibra de carbono é
extremamente
resistente. Esta fibra
sintética é muito
utilizada nas indústrias
aeronáutica, espacial e
automóvel.
O
LUCASFILM
LTD
SHUTTERSTOCK
11. SUPER 11
Um material semelhante ao mithril do Senhor dos Anéis
poderia ser a fibra de carbono, que é muito resistente e leve
sistência e durabilidade. Um deles é o diamante, que
é uma das substâncias mais duras conhecidas pelo ho-
mem e é capaz de resistir a arranhões e cortes muito
duros. No entanto, o diamante não é tão resistente ao
impacto como o beskar. O aço temperado, por outro
lado, é submetido a um processo de arrefecimento
rápido após o aquecimento para melhorar a sua resis-
tência. O aço temperado é muito forte e é utilizado em
aplicações pesadas, como ferramentas e equipamentos
industriais.
MITHRIL: ARMADURA LIGEIRA. O Mithril é um material fictí-
cio que aparece na obra O Senhor dos Anéis , de J.R.R.
Tolkien, passada no universo da Terra Média. O metal
é muito apreciado pela sua resistência e leveza. O Mi-
thril é descrito como um metal brilhante e prateado,
semelhante à platina. É muito escasso e é encontrado
nas minas de Moria. No enredo (aviso de spoiler), o per-
sonagem principal, Frodo Baggins, recebe uma cota de
malha de mithril como presente do seu amigo Bilbo.
Esta armadura protege-o de ataques e é de grande va-
lor para a história. A cota de malha de mithril também
desempenha um papel importante na batalha final da
peça, onde ajuda a proteger o personagem principal de
um golpe mortal. O mithril é também utilizado no fa-
brico de armaduras e armas.
Como noutros casos, temos materiais reais que po-
dem assemelhar-se um pouco ao mithril. Um deles é a
fibra de carbono. Trata-se de uma fibra sintética feita de
carbono, muito forte e resistente, mas também muito
leve. A fibra de carbono é frequentemente utilizada em
aplicações de alta tecnologia, como a aeronáutica e a in-
dústria automóvel, devido à sua combinação única de
resistência e leveza. Mas talvez a mais adaptável a uma
cota de malha seja o Kevlar, que é muito forte e leve e
é utilizado numa variedade de aplicações militares e de
segurança, bem como nas indústrias aeroespacial, da
construção e do desporto. Também aparece em cintos
de segurança como reforço e em pneus topo de gama.
ADAMANTIUM: O ESQUELETO INDESTRUTÍVEL. O Adaman-
tium é um metal fictício que envolve os ossos e as
garras do Wolverine, personagem da Marvel Comics. O
Adamantium é um metal extremamente raro e caro de
produzir, criado pelo cientista fictício Myron MacLain,
que utilizou um processo secreto para o fabricar. É
um metal indestrutível, resistente ao calor, ao frio e
à corrosão. É um metal tão duro que até a maioria dos
heróis mais poderosos da Marvel têm dificuldade em
destruí-lo.
Existe um composto binário real que pode ser compara-
do ao adamantium, o nitreto de boro cúbico (c-BN). O
C-BN é um material sintético criado a partir do nitreto
de boro e é frequentemente utilizado em ferramentas de
corte e polimento, uma vez que é um dos materiais mais
duros do mundo (risca o diamante). É resistente a altas
temperaturas, quimicamente estável e muito resisten-
te à abrasão. Ao contrário do adamantium, o c-BN não
é indestrutível e pode estilhaçar-se ou partir-se sob
pressão suficiente. O Dr. Robert Wentorf descobriu este
material em 12 de fevereiro de 1957 nos laboratórios da
General Electric. A empresa patenteou-o mais tarde e
começou a comercializá-lo em 1969.
VIBRANIUM: O ALIENÍGENA. O vibranium, conhecido pela
sua capacidade de absorver energia e força extrema,
O diamante é um dos
materiais mais duros
conhecidos pelo
homem. O
Adamantium é um
metal que reveste os
ossos e as garras do
Wolverine,
personagem criado
pela Marvel. Este
metal é resistente ao
frio, ao calor e à
corrosão. A maioria
dos heróis é incapaz
de o destruir.
TKM
ARCHIVE
ALBUM
12. 12 SUPER
também se encontra no Universo Marvel. Trata-se de
um mineral extraterrestre encontrado apenas na re-
gião de Wakanda, em África. O filme Pantera Negra
começa com a história de como um meteorito compos-
to por vibranium caiu na região. A partir daí, detalha
que o material é utilizado em muitos outros aspectos
da tecnologia wakandana, como na criação do traje
do personagem Pantera Negra, que lhe dá capacidades
sobre-humanas como força, velocidade e resistência
superiores. Mas o vibranium aparece em outros filmes
e banda desenhada, como no filme dos Vingadores.
Neste caso, o personagem Capitão América usa um es-
cudo feito de vibranium. O escudo do Capitão América
é conhecido pela sua indestrutibilidade e capacidade
de absorver golpes e projéteis, o que o torna uma arma
extremamente poderosa.
Na vida real, existem alguns materiais que podem ter
propriedades semelhantes ao vibranium em termos de
resistência e durabilidade, como o titânio ou o aço de
alta qualidade. No entanto, estes materiais não têm a
capacidade de absorver energia da mesma forma que
o vibranium tem no universo Marvel. O titânio é uti-
lizado na indústria aeroespacial, devido à sua elevada
resistência e baixo peso. É normalmente utilizado na
construção de aviões, foguetões e satélites. Também
é utilizado na produção de implantes médicos, como
substitutos de ossos, devido à sua capacidade de ser
biocompatível com o corpo humano. Além disso, o
titânio é resistente à corrosão e a temperaturas eleva-
das, o que o torna ideal para utilização em aplicações
que exijam elevada resistência à oxidação e ao calor. É
também utilizado na indústria militar e de defesa para
a produção de armas e armaduras.
KRYPTONITE: O PONTO FRACO DO SUPER-HOMEM. A
kryptonite é um mineral fictício na história do Super-
-Homem, originário do seu planeta natal, Krypton.
É uma substância radioativa que afeta negativamente
os kryptonianos, como o Super-Homem, enfraque-
cendo as suas capacidades e, em casos extremos, até
matando-os. Alguns minerais, como a autunite e a tor-
bernite, podem ter um brilho esverdeado semelhante
ao da kryptonite na ficção, mas não têm qualquer
efeito radioativo nos seres humanos ou noutros seres
vivos. Por outro lado, a exposição prolongada a ma-
teriais radioativos como o urânio, o plutónio e o rádio
pode ser perigosa para a saúde humana e causar doen-
ças como o cancro e outros problemas médicos. Assim,
se combinarmos o brilho esverdeado da autunite ou da
torbenite com a radioatividade do urânio, do plutónio
ou do rádio num só material, teremos uma kryptonite
humana.
SABRES DE CRISTAL KYBER. No universo da Guerra das
Estrelas, os cristais Kyber são uma espécie de cristal
altamente energético e sensível à Força, utilizado na
construção de sabres de luz Jedi e Sith. Estes cristais
são muito raros e encontram-se em locais sagrados,
como o planeta Ilum. Os Jedi consideram os cristais
Kyber sagrados e tratam-nos com grande reverência,
enquanto os Sith os vêem como uma ferramenta para
ganhar mais poder e controlo. Para construir um sabre
O escudo do Capitão América é outro objeto feito de vibranium.
É indestrutível e capaz de absorver golpes e projéteis, o que o
torna uma arma muito poderosa.
Na imagem, uma cena de Superman Returns, 2006. A kryptonite é
um material originário do planeta natal do Super-Homem,
Krypton, e tem a capacidade de o enfraquecer.
SHUTTERSTOCK
ALBUM
13. SUPER 13
O Jedi sintoniza o cristal
Kyber através de meditação
profunda, mas se o cristal
não o aceitar, não
funcionará
de luz, um Jedi tem de encontrar um cristal Kyber e
sintonizá-lo com a Força através de meditação profun-
da. Se o Jedi não tiver a força certa ou se o cristal não o
aceitar, o cristal não funcionará.
Existem materiais reais que têm algumas caracterís-
ticas em comum com os cristais Kyber. Por exemplo,
há cristais que têm propriedades piezoelétricas, o que
significa que podem gerar uma carga elétrica quando
sujeitos a pressão. Existem também cristais com ele-
vada condutividade térmica e elétrica, o que pode ser
semelhante à capacidade dos cristais Kyber para cana-
lizar energia. A turmalina é um exemplo de um mineral
com propriedades piroelétricas e piezoelétricas. Em
termos da sua semelhança com os cristais Kyber da
Guerra das Estrelas, a turmalina é um material pie-
zoelétrico, o que significa que é capaz de converter
energia mecânica em energia elétrica. Esta proprie-
dade pode ser semelhante à capacidade dos cristais
Kyber de armazenar e libertar energia sob a forma de
um feixe de sabre de luz. No entanto, é importante
notar que a turmalina não tem outras propriedades
exclusivas dos cristais Kyber, como a capacidade de
mudar de cor ou o seu papel na Força no universo da
Guerra das Estrelas. Devido à sua capacidade de gerar
uma carga elétrica a partir da pressão, a turmalina é
utilizada em aplicações como sensores de pressão, mi-
crofones e altifalantes.
UNOBTAINIUM: A PEDRA FILOSOFAL. Existem muitos outros
materiais famosos em filmes, livros e banda desenha-
da. Alguns exemplos são o uru, um mineral metálico
da primeira lua existente a partir do qual é feito o mar-
telo de Thor, ou as dezenas de materiais mencionados
na saga Star Trek, como o neutrónio. Em todo o caso,
são sempre materiais com capacidades extraordinárias
que combinam as características de vários minerais
ou rochas. Embora a pedra filosofal seja um conceito
do universo alquimista, podemos dizer — alargando o
termo — que cada universo ficcional tem a sua própria
pedra filosofal. Embora por vezes nem sequer mudem
o nome, como em Harry Potter ou Fullmetal Alche-
mist. Mas há um termo mais moderno que se refere a
este material todo-poderoso: unobtainium. É normal-
mente utilizado como um termo genérico na ficção
científica para se referir a um material ou substância
hipotética que é extremamente rara, valiosa ou difícil
de obter. É impossível de obter no mundo real, daí o
termo «inatingível «. O termo tem sido utilizado des-
de o final dos anos 50 pelos engenheiros aeroespaciais
para se referirem a materiais invulgares ou dispendio-
sos. Será que o futuro da exploração espacial nos trará
diferentes espécies de unobtainium? Iremos descobrir
nas próximas décadas. e
A turmalina é o mineral que mais se assemelha aos cristais Kyber. É um
material piezoelétrico, que converte energia mecânica em energia elétrica.
Os cristais Kyber nos
sabres canalizam
energia. Os Jedi
consideram-nos
sagrados.
O martelo de Thor também
tem poderes. É feito de uru,
um mineral metálico.
ASC
ALBUM
IVAR
LEIDUS
14. 14 SUPER
S A Ú D E
Foi demonstrado
que é benéfico
baixar o LDL
enquanto sobe o
HDL, o que não é o
mesmo que dizer
que é benéfico
aumentar o HDL.
ISTOCK
14 SUPER
15. SUPER 15
QUANDO O EXCESSO DE
O colesterol elevado é uma das principais
preocupações dos portugueses, de acordo
com os dados do Inquérito Europeu de Saúde,
realizadopeloInstitutoNacionaldeEstatística.
Além disso, os níveis elevados favorecem o
aparecimento de doenças cardiovasculares,
a principal causa de morte nos países
ocidentais. As mensagens sobre o «bom» e
o «mau» colesterol podem ser enganadoras.
Até que ponto é importante ter níveis elevados
de colesterol «bom», e pode mesmo ser
prejudicial em vez de saudável?
Texto de JAVIER GRANDA REVILLA,
jornalista especializado em saúde
colesterol ‘bom’
colesterol ‘bom’
PREJUDICA O
CORAÇÃO
SUPER 15
16. 16 SUPER
colesterol é formado no fígado
a partir de alimentos gordos
como a gema de ovo, alguns
tipos de carne ou queijo. É
um componente essencial em
muitas partes do corpo, para
além de desempenhar um pa-
pel fundamental no sangue.
Por exemplo, é essencial nas
membranas celulares, para
produzir hormonas, vitamina
D ou substâncias para digerir
os alimentos. E também na mielina, a substância que
reveste os nervos, facilitando a condução dos impulsos
elétricos.
Foi descrito pela primeira vez em 1769. O crédito foi
atribuído a François Poulletier de la Salle. Mas só em
1815 é que recebeu o seu primeiro nome: o químico
Michel-Eugéne Chevreul batizou-a de «colesterina».
Posteriormente, o neologismo «colesterol» foi cunha-
do pela combinação das palavras gregas chole (bílis,
porque se encontrava originalmente neste órgão) e ste-
reos, que significa sólido.
Mas a verdade é que o colesterol é mais conhecido
pela sua presença no plasma sanguíneo: o seu excesso
pode fazer com que se transforme em placa ateromatosa
quandocombinadocomoutrosprodutos.Estaacumula-
ção, conhecida como aterosclerose (ou arteriosclerose),
pode provocar o estreitamento e até a obstrução das
artérias, o que, por sua vez, pode levar a ataques car-
díacos, tromboses, embolias, aneurismas ou acidentes
vasculares cerebrais, entre outras complicações.
Existem três tipos principais de colesterol,três lipo-
proteínas que são formadas por uma combinação de
lípidos — ou seja, gorduras — e proteínas que devem
estar unidas para se deslocarem no sangue. O primeiro
tipo de lipoproteínas são as lipoproteínas de alta densi-
dade (HDL), que são popularmente conhecidas como o
colesterol «bom», transportando o colesterol de outras
partes do corpo para o fígado, que o elimina, mantendo
as artérias limpas.
O segundo tipo são as lipoproteínas de baixa den-
sidade (LDL), vulgarmente designada por colesterol
«mau», uma vez que níveis elevados acumulam placas
nas artérias e podem causar a longo prazo efeitos graves
na saúde.
Por último, as lipoproteínas de muito baixa densida-
de (VLDL) transportam triglicéridos, o tipo de gordura
mais comum no organismo.
OS NÍVEIS DE COLESTEROL LDL AUMENTAM DEVIDO A UMA COM-
BINAÇÃO DE UMA MÁ ALIMENTAÇÃO — RICA EM GORDURA — E
UM ESTILO DE VIDA SEDENTÁRIO. Para além disso, o tabaco
reduz o colesterol HDL (especialmente nas mulheres)
e aumenta o LDL. O aumento pode também dever-se
a causas genéticas, como nos doentes com hipercoles-
terolemia familiar, a outras doenças ou ao consumo de
fármacos. Os níveis tendem a aumentar com a idade.
A obesidade também aumenta os valores. «Quando
falamos de colesterol, estamos a falar de prevenir as
doenças cardiovasculares, que são a principal causa de
morte no mundo.», adverte o Professor Lluis Masana,
catedrático da Universidade Rovira Virgili e responsável
pela Unidade de Investigação em Lípidos e Arterios-
O
NIH-LIBRARY
Via das lipoproteínas endógenas (VLDL e LDL).
Músculo/coração/
tecido adiposo
Fígado
Intestino
Tecidos
extra-hepáticos
Sangue
VLDL IDL LDL
Aterogénese
TG TG
LPL
LDL-R
colesterol
FA
TG
colesterol
CE
ApoB-100
LDL-R
ApoB-100
ApoE
ApoC-II
Lipaselipoproteica(LPL)
LDL-R
EC: COLESTEROL ESTERIFICADO
TG: TRIGLICERÍDEOS
FA: ÁCIDOS GORDOS
CE
TG
CE
TG CE
17. SUPER 17
clerose (URLA) e pela Unidade de Medicina Vascular e
Metabolismo (UVASMET).
O Dr. José Luis Zamorano é outro investigador de
referência no domínio do colesterol, bem como vi-
ce-presidente da Sociedade Europeia de Cardiologia
(ESC) e diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital
Universitário Ramón y Cajal de Madrid. Como subli-
nha, um aspeto fundamental é começar a ser ativo e
a ter uma alimentação saudável desde a infância, por-
que os maus hábitos higiénico-dietéticos provocam o
aparecimento da chamada «linha gorda» nas artérias,
que é o precursor da placa de ateroma e do aumento do
risco cardiovascular. «A solução não é única: nos anos
50, demonstrou-se que passa por uma dieta mais sau-
dável — como a dieta mediterrânica —, mais exercício e
cuidados médicos. Primeiro surgiram as estatinas, me-
dicamentos que representaram um grande avanço no
controlo dos níveis de colesterol LDL. Embora tenham
salvado milhares de vidas, por vezes não atingem os
objetivos terapêuticos, sobretudo em doentes de risco
muito elevado, sendo necessários outros tratamentos.
Desde então, tivemos avanços como a ezetimiba ou o
ácido bempedóico. Ou, mais recentemente, com mais
fármacos inovadores. Todos eles nos permitem dizer
que é muito difícil não ter um doente sob controlo»,
resume.
É perigoso ter níveis elevados de colesterol «bom»?
Estudos a longo prazo, como o de Framingham (rea-
lizado nessa cidade de Massachusetts desde 1948),
estabeleceram que o colesterol LDL deve ser o mais
baixo possível, porque é muito aterogénico, ou se-
ja, cria muitas placas ateromatosas. Mas, então, será
saudável ter o colesterol HDL o mais elevado possí-
vel, como já foi referido muitas vezes nos últimos 50
anos? Não, de acordo com estudos recentes, como o
REGARDS, publicado no início de 2023, que estudou
23 901 pessoas nos Estados Unidos e concluiu que ter
demasiado colesterol «bom» pode mesmo ser preju-
dicial. A Dr.ª Nathalie Pamir, professora de medicina
cardiovascular na Faculdade de Medicina da Universi-
Estudos demonstraram que também é indesejável ter
muito alto o colesterol bom, ou HDL
Os médicos insistem que a sociedade deve empenhar-se na
educação sócio-sanitária e higiénico-dietética desde a infância,
com ênfase numa alimentação correta.
SHUTTERSTOCK
ISTOCK
As lipoproteínas de
baixa densidade, LDL
ou colesterol mau,
num nível elevado,
podem acumular-se
nas artérias e causar
graves efeitos na
saúde.
18. dade de Health & Science de Oregon (EUA) e principal
autora do estudo, disse esperar que estes resultados
levem a uma revisão do algoritmo de previsão do risco
de doença cardiovascular.
A mesma conclusão foi alcançada num estudo com
6000 pacientes apresentado no congresso da Sociedade
Europeia de Cardiologia, em Viena, em agosto de 2018:
os investigadores da Universidade Emory, em Atlanta
(EUA), que o realizaram, sublinharam que níveis eleva-
dos de colesterol HDL aumentam o risco de sofrer um
ataque cardíaco ou de morrer por qualquer causa car-
diovascular. As razões para este facto ainda estão a ser
investigadas.
NÃO EXISTE NENHUM ESTUDO CIENTÍFICO QUE DEMONSTRE
QUE É BENÉFICO AUMENTAR O HDL SEM BAIXAR O LDL. É o
que diz o doutor Zamorano. «De facto, um medi-
camento que apenas aumentava o HDL teve de ser
retirado do mercado. Foi demonstrado que é muito
benéfico baixar o LDL enquanto se aumenta o HDL, o
que não é o mesmo que dizer que é benéfico aumentar
apenas o HDL: isso não é verdade. O objetivo é man-
ter o LDL muito baixo, porque é a principal causa da
doença aterosclerótica».
O doutor Masana, que acaba de apresentar vários
trabalhos no congresso da Sociedade Europeia de Ate-
rosclerose em Mannheim, na Alemanha, salienta que
a redução do colesterol LDL é especialmente benéfica
em doentes com elevado risco de doença cardiovas-
O que é realmente importante é reduzir os níveis de LDL,
que é responsável pela doença aterosclerótica
GETTY Níveis elevados
de colesterol
HDL aumentam o
risco de ataque
cardíaco ou de
morte por causas
cardiovasculares.
18 SUPER
19. cular. «Os valores devem ser especialmente baixos,
sobretudo naqueles que já tiveram um primeiro evento
cardiovascular. Ou que, sem o terem tido, têm fatores
que aceleram o processo, como a diabetes: se isto for
conseguido, pode reduzir o número de eventos cardio-
vasculares em 20%», descreve. Do seu ponto de vista,
uma das principais dificuldades é o facto de, nos doen-
tes de risco elevado e muito elevado, se começar «em
geral» com tratamentos «que não são adequados para
conseguir as reduções que se têm mostrado eficazes:
começa-se com doses baixas de medicamentos e depois
não se muda. Este é um tipo de comportamento que
nós, médicos, temos e que se chama «inércia terapêuti-
ca», o que significa que a dose só é aumentada em 40%
dos casos».
E como é que podemos melhorar o nosso estilo de vida?
O doutor Zamorano aposta na educação nas escolas. «É
muito difícil ver uma pessoa com menos de 20 anos que
recicla mal o lixo ou que deita um pedaço de papel para
a rua ou pela janela do carro. E a chave é a educação que
se aprende na escola, por isso, se queremos ter um ver-
dadeiro impacto na sociedade, temos de nos concentrar
na educação sanitária e higiénico-dietética nos primei-
ros anos de vida», afirma.
EM TERMOS DE LINHAS DE INVESTIGAÇÃO PROMISSORAS, cita,
entre outros, os resultados publicados em março nos
Estados Unidos com o ácido bempedóico, bem como
outros novos medicamentos, como os inibidores da
PCSK9, que conseguiram a remissão da placa de ate-
roma. A este respeito, um outro novo medicamento
que está a ser testado, e que aguarda a publicação dos
resultados, poderia reduzir o colesterol com uma úni-
ca injeção de seis em seis meses. «É um campo que
ainda tem muito para oferecer aos doentes», conclui
Zamorano. Quanto ao futuro, destaca a linha de inves-
tigação que está a estudar que, ao reduzir o colesterol
tão intensamente como está a ser proposto, não só se
está a prevenir a doença, como também a tratá-la. «A
pessoa que teve um enfarte e tem uma lesão coronária
deve saber que, se baixarmos muito o colesterol, pode-
mos reduzir e estabilizar essa lesão ou qualquer outra
que tenha, porque quem tem uma, normalmente tem
várias», conclui. e
SHUTTERSTOCK
Novos medicamentos
já demonstraram ser
muito eficazes na
redução da placa de
ateroma e um novo
medicamento pode
reduzir o colesterol
com uma injeção de
seis em seis meses.
A dieta mediterrânica e a
prática de exercício físico
evitariam a formaçãoda
chamada«estriagorda»nas
artérias, um precursor da
placa de ateroma.
SUPER 19
SHUTTERSTOCK
20. «Pessoa escreveu poemas que quase ninguém mais tinha escrito no
mundo, no início do século XX, como «Ode Marítima» (1915), uma das
maiores obras das vanguardas históricas...»
Jerónimo Pizarro
E N T R E V I S T A
erónimo Pizarro é
professor, tradu-
tor, crítico e editor,
responsável por
um grande núme-
ro de edições de
e sobre Fernando
Pessoa. Professor
da Universidade
dos Andes, titular
da Cátedra de Estu-
dos Portugueses do
Instituto Camões e
Prémio Eduardo Lourenço (2013), Jerónimo Pizarro fala à
Super Interessante de uma das suas grandes paixões, que
é também um dos nossos maiores orgulhos nacionais.
Já iremos conversar sobre o tópico principal desta en-
trevista, que é a sua relação especial com Fernando
Pessoa como editor, tradutor e crítico. Mas antes, para
enquadrar os nossos leitores, fale-nos um pouco mais
globalmente sobre a sua relação com Portugal e dessa
ponte que o Jerónimo Pizarro faz com a Colômbia, seu
país de origem.
Portugal foi o lugar da minha expansão de vida, de es-
tudos, até, por assim dizer, de respiração. Se eu tinha
problemas respiratórios, morar em Lisboa por quase
onze anos foi um tratamento feliz. De uma Lisboa que
hoje está a desaparecer (ou já estava, mas não da mesma
forma, se pensarmos na obra de Marina Tavares Dias),
guardo recordações de felicidade, de
harmonia entre o corpo e o espírito.
Eu nunca precisei de nenhum turis-
ta para reconhecer um tesouro bem
guardado e sempre soube que Portu-
gal era um «cantinho» em que podia
acantonar-me ou abrigar-me com
sossego. Sou dos que sente os olhos
vencidos por uma emoção silenciosa
quando vê o Tejo antes de aterrar em
Lisboa; quando vê o Douro enquanto
entra no Porto. Mas nunca fui de ca-
pelas, apenas de freguesias, isto é, de
uma vida de bairro, e sempre serei o
que revisita certas ruas e os habitantes dessas ruas como
mais um português «afuerino», como mais um «etrange
étranger» (e estou a pensar em Lina Meruane e em Fer-
nando Pessoa).
Em que momento da sua vida Fernando Pessoa se lhe tor-
nou uma revelação? Como é que um colombiano decide
que quer tornar-se especialista num autor português tão
«complexo e controverso»? O que o fez tomar a decisão
de mergulhar a fundo na sua obra?
Digamos que o «desassossego» é o nome de uma depen-
dência e que eu caí nela. Caí quando li muito novo o tal
Livro, caí quando já em estádio doutorando afundei no ar-
quivo, caí quando fui perpassado por certos versos e cer-
tas sensações. Ser colombiano é um «acto de fé», como
diria Jorge Luis Borges, mas podemos abdicar desse acto e
com alguma obstinação (estou a pensar em Herman Hes-
se) mergulhar noutros universos, até para respirar com as
divisões impostas por outros compassos. Eu estudei quase
dois anos antropologia e pensei muito em questões como a
«otredad», a alteridade e a tolerância. De certa forma, es-
tava a «voar outro», como Pessoa, antes de tentar perce-
ber questões como fingimento, despersonalização e hete-
ronimismo. Pessoa é complexo, sim; afinal, é Campos que
declara: «O Super-homem será, não o mais duro, mas o
mais complexo!». E é controverso, sim; afinal, é António
Mora que afirma: «Há pontos em que nem é útil, nem pos-
sível ser conciso, como aqueles em que a explanação é de
um assunto complexo, ou a demonstração de um assunto
controverso, onde as objecções hão-de ser previstas e res-
pondidas, e as diversas formas da in-
terpretação revistas e classificadas».
E para quem queira iniciar-se na
primeira leitura do poeta, que obra
ou obras aconselharia, na sua visão
de especialista em Fernando Pessoa?
Bom, eu sou leitor antes do que es-
pecialista, nem sempre percebo o
lugar de Pessoa em certos planos
curriculares (e os motivos para ex-
cluir obras como o Livro do Desas-
sossego), mas para simplificar, e
responder, talvez sugeria começar
J
É Campos que
declara: «O
Super-homem
será, não o mais
duro, mas o mais
complexo!»
Entrevista de ELSA REGADAS
20 SUPER
22. por um poema de Álvaro de Campos: «Tabacaria». Es-
sa «espécie de epopeia do fracasso absoluto», para citar
Robert Bréchon, já operou alguns milagres: tornou-se
uma revelação para múltiplos tradutores e estudio-
sos que acabaram por viajar a Portugal por causa desse
«chamado» negativo ou distópico. Sempre devíamos
começar por essas obras que nos transformam, das quais
não saímos do mesmo jeito que entramos.
FP é, claramente, o poeta português mais conhecido fora
de fronteiras. O que é que o distingue realmente de outros
autores portugueses importantes e o faz ser tão apreciado
pelo mundo fora, quase 100 anos passados da sua morte?
Pessoa escreveu poemas que quase ninguém mais tinha
escrito no mundo, no início do século XX, como «Ode
Marítima» (1915), uma das maiores obras das vanguardas
históricas, publicada numa revista, Orpheu, que procu-
rou ser «a soma e a síntese de todos os movimentos li-
terários modernos». Pessoa aprofundou questões como
a existência (Kierkegaard), a mentira artística (Wilde),
o teatro no teatro (Pirandello), e outras afins, que mar-
caram, no século passado, determinadas obras, nomea-
damente algumas existencialistas, ficcionais e absurdas.
Pessoa soube criar os seus precursores e canonizar os seus
mestres, entre os quais, Antero de Quental, Cesário Verde
e Camilo Pessanha. Pessoa apropriou-se de uma cidade,
Lisboa, através de um livro, o Desassossego, que deixou
órfão de cidade e ciumento a Saramago. Pessoa soube
criticar o provincianismo e ser universal, no sentido de
«focar num ponto nítido e universalmente transmissível
a intelectualização da sensação». Pessoa foi, como Borges
disse de Shakespeare, «everything and nothing» e «La
identidad fundamental de existir, soñar y representar le
inspiró pasajes famosos». Pessoa sonhou com voltar a ser
Camões, Shakespeare, Goethe, Maeterlinck, Whitman, e
tantos outros. Pessoa teve infindáveis projectos e filoso-
fias... Quis ser «plural como o universo».
Relativamente à correspondência de Pessoa, que
constitui uma parte significativa para a compreensão
dos seus escritos, e na qual mergulhou, há alguma
correspondência específica que considere particular-
mente reveladora? E de entre a sua biblioteca, o que
destacaria como sendo mais claramente influenciador
da sua obra?
A meu ver, não deixa de ser paradoxal que já existam
pelo menos sete biografias de Pessoa (duas portuguesas,
duas espanholas, uma americana, uma francesa e uma
brasileira) e ainda não exista um epistolário completo,
até porque as biografias tendem a depender da corres-
pondência (um caso exemplar é Flaubert, mas também
Joyce), e porque no caso de Pessoa existia uma grande
lacuna: as cartas de e para a família. De certa forma, a
vida literária de Pessoa nasceu de uma troca de cartas
(as do Chevalier de Pas, por exemplo) e a vida profissio-
nal de Pessoa viveu do «import/export» de missivas,
sendo ele um «correspondente estrangeiro em casas
comerciais». De Pessoa temos muitas cartas, mas esta-
mos longe de ter todas; e temos ignorado muitos ras-
cunhos. Para mim, por exemplo, foi revelador um ras-
cunho de carta de Pessoa para Pacheco (cf. «Fernando
Pessoa e José Pacheco: Entre uma polémica e uma carta
sem resposta»), publicado no âmbito do centenário da
revista Contemporânea, em que Pessoa confronta, no
papel, o «antigo camarada», acusando-o de se adaptar
ao «meio académico e oficial».
Já sobre a Biblioteca, e em modo de homenagem, gosta-
va apenas de citar um texto de José Barreto: «Trata-se
de John Mackinnon Robertson, um intelectual que foi
escritor prolífico, filósofo racionalista, político liberal,
crítico literário, etc., morto em 1933, dois anos antes de
Pessoa. Robertson, escritor prolífico, deixou uma obra
impressionante de mais de cem títulos. Figura um pou-
co esquecida, após a morte, na própria Inglaterra, mas
cuja obra, como pude constatar com surpresa, exerceu
notável influência sobre Fernando Pessoa, que tinha nas
suas estantes nada menos que 23 obras dele [...], muitas
delas anotadas a lápis à margem. Num critério mera-
mente quantitativo, isto faz de Robertson, e de longe,
o autor melhor representado na biblioteca de Pessoa
(ou no que ela era no momento da morte), entre todos
os géneros literários. Infelizmente, quase só em função
das datas de edição desses livros é que é possível situar a
data da sua aquisição ou leitura por Pessoa» (A Arca de
Pessoa – Novos Ensaios).
Os heterónimos, que atravessam toda a obra de Pessoa,
acrescentam várias camadas de complexidade, sobre-
tudo se sairmos da esfera dos mais célebres. É possível
virmos a conhecer plenamente a totalidade da sua obra,
ou só no ano de 2198 (!), conforme ele profetizou?
Confesso que tenho dúvidas. Os «estudos pessoanos»
estão estranhamente limitados e Pessoa gera muitos
anticorpos. Falta uma consciência nacional que ponha
em acção uma série de novos projectos. Mas se Portu-
gal não é ambicioso em termos da promoção da língua
e da cultura portuguesas, porque o seria em termos da
edição e do estudo de Fernando Pessoa? Aliás, na Co-
lômbia acontece algo semelhante com o Gabriel García
Márquez: é declarado o maior escritor do país, mas é
pouco estudado, em 2013 era quase impossível encon-
trar livros de Gabo nas livrarias do país, e depois da sua
morte, em 2014, o espólio foi para os EUA (Harry Ran-
som Center, The University of Texas at Austin) e ainda
não existe um Centro de Estudos dedicado à sua obra.
22 SUPER
Considerado
por Eduardo
Lourenço como
uma espécie
de «último
heterónimo de
Pessoa», Pizarro
tem sido um dos
mais incansáveis
editores do
grande poeta
português.
23. E quanto ao «verdadeiro eu» de Pessoa, é possível co-
nhecê-lo? As múltiplas vozes heteronímicas refletem a
identidade e visão que tinha do mundo, ou considera que
são produto de um amplo imaginário criativo que pode
obscurecer a verdadeira intenção do autor?
Essa é uma discussão interminável, que passa por acredi-
tarmos mais na unidade ou na multiplicidade pessoana.
Mas eu tendo a concordar com Onésimo Almeida, quan-
do defende que há um sujeito com umas certas coorde-
nadas mínimas que foi, sempre, consistente e, embora
fosse humano, teve uma curiosidade infinita e mudou
de opinião sobre certos assuntos. «Pessoa era múltiplo,
mas não era tudo, embora às vezes pareça ser tudo para
todos. Longe mesmo disso. Era o que eram as coisas por
que se interessou. [...] Havia muitas realidades que de
modo nenhum cabiam na sua metafísica, por mais vasta
e abrangente, nem tão-pouco foram alguma vez contem-
pladas. [...] É possível analisar-lhe os temas, as obsessões
recorrentes e detectar-lhe as constantes, as insistências,
o núcleo duro do seu pensamento, em contacto e con-
tágio com tantos pensadores, mas sempre marcado pelo
golpe genial da sua inteligência, que disseca imediata-
mente e reduz a cacos tudo o que lê. Mas uma coerên-
cia de fundo acaba por emergir, embora com fronteiras
muito abertas, indefinidas e às vezes incoerentes. [...] é
possível captar-lhe as linhas fundamentais da sua mun-
dividência» (Pessoa, Portugal e o Futuro).
Considerando a natureza enigmática e simbólica da es-
crita de Pessoa e as múltiplas interpretações da sua obra
ao longo dos anos, pensa que alguma vez será possível os
especialistas chegarem a um consenso interpretativo?
Espero que não, e é um não não isento de um sorriso. E
já foram três não! Prefiro o dissenso,
a heterodoxia. Disse Eduardo Lou-
renço: «Escrevendo Heterodoxia,
o meu propósito era em certos ter-
mos, muito claro, na medida em que
queria demarcar uma atitude. Um
domínio, um território. Que me pu-
sesse fora dos campos delimitados
por qualquer ortodoxia, de qualquer
género que fosse. Tinha, pelo me-
nos, esse significado negativo» (Ex-
presso, 16 de Janeiro de 1988). Entre
muitos pesadelos possíveis, um seria
o sonho lúgubre de uma ortodoxia
pessoana. O que espero não é esse
consenso, mas uma maior plurali-
dade e expansão. E internacionalização. Faz muita falta
sair de corredores estreitos, de gabinetes pouco areja-
dos. Faz falta alguma coragem e independência crítica.
Faz falta ter uma base de dados bibliográfica de referên-
cia. Faz falta criticar a crítica, expandir as discussões.
Nem sequer em termos da decifração de certas palavras
manuscritas espero um consenso, embora nesse campo
as opções sejam maiores. Diz João Dionísio: «No que diz
respeito à dimensão mais técnica da atividade editorial,
a decifração, estou convencido de que este tempo tem
vindo a chegar, a velocidades diferentes, para a maior
parte dos papéis de Pessoa. No entanto, porque a edição
não se esgota na técnica e tem, pelo menos, uma compo-
nente teórica (visível nas diferentes noções de texto que
subjazem a diferentes edições de Pessoa), além de ter
uma componente comercial, duvido de que o consenso
e a forma definitiva sejam alcançáveis. Julgo mesmo que
seria empobrecedor caso a componente teórica fosse ra-
surada a troco de um consenso utilitário sobre a forma
do texto pessoano» (Doença Bibliográfica).
Em 2017, foi coautor do ensaio Como Fernando Pessoa
Pode Mudar a Sua Vida. Como é que Fernando Pessoa
pode mudar vidas?
E como é que ainda pode mudar vidas! Pessoa não tem
deixado de ser actual nem espero que o deixe de ser tão
cedo. Muitas das chamadas «lições» desse livro ainda
são actuais. Carlos Pittella e eu temos aprendido mui-
to a ler Pessoa, e não apenas em termos factuais ou de
conhecimento examinável, mas em termos pessoais,
de «lições de vida». Ambos acreditamos em dimen-
sões mais lúdicas e espirituais da vida, ambos consi-
deramos que Pessoa é um conjunto de grandes textos,
mas também uma série de histórias, emoções e curio-
sidades. Ambos queríamos um livro
que fosse além de Pessoa, o Poeta,
e que o retratasse em mais aspectos
e âmbitos da vida e da obra. Ambos
consideramos necessário um diá-
logo com How Proust Can Change
Your Life (1997), de Alain de Bot-
ton, e com livros em que o rigor e o
conhecimento não rivalizam com a
criatividade nem com a divulgação.
Que conselho deixaria a um estu-
dante que deseje especializar-se aca-
demicamente em Fernando Pessoa?
Que mantenha a mente aberta, que
não se deixe «sensurar» (com «s»,
de sensibilidade) e não trate Pessoa como uma ilha, mas
como parte de um arquipélago, de uma constelação, de
um lugar e de um tempo concretos.
Apresente-nos sumariamente «Ler Pessoa», o seu livro-
-síntese sobre um dos maiores escritores do século XX.
Após ter editado e traduzido Pessoa, após ter mantido
uma revista académica internacional dedicada aos estu-
dos pessoanos, hoje sinto, com gratidão, que ler Pessoa me
levou um dia a descobrir «toda uma literatura», quer a do
próprio Pessoa, que utilizou essa expressão, quer a escrita
em português. Ler Pessoa costuma levar a ler mais Pessoa,
a percorrer os livros da sua biblioteca particular, a estudar
os seus críticos mais alquímicos e os seus diversos biógra-
fos. Espero que este livro convide a essas leituras e a novas
releituras. A entrar e sair desse vasto universo. e
Pessoa teve
infindáveis
projectos e
filosofias... Quis
ser «plural como
o universo»
SUPER23
24. 24 SUPER
A S T R O N O M I A
O NOVO PROJETO DO SETI
O projeto SETI procura
sinais tecnológicos de
banda estreita, uma vez
que só a tecnologia pode
produzir este tipo de sinal.
Por outras palavras, teria
de ser um sinal de
tecnologia extraterrestre.
GETTY
24 SUPER
25. SUPER 25
O novo projeto SETI (Search for Extra
Terrestrial Intelligence) tem como objetivo
captar sinais de banda estreita, aqueles
que não podem ser produzidos pela natureza
e que só responderiam à emissão por
extraterrestres. O sonho de encontrar provas
de vida inteligente fora da Terra.
Texto de NANDO CARMONA,
divulgador de ciência, especialista em
observação e fotografia planetária
SUPER 25
26. 26 SUPER
obsessão pela procura de in-
dícios de outras civilizações
na nossa galáxia continua
através do SETI, que há um
mês lançou um dos seus mais
excitantes projetos financia-
dos pela NASA, procurando
registos tecnológicos de rádio
com o maior telescópio to-
talmente orientável da Terra
(Green Bank) de 100 metros,
na Virgínia Ocidental. Es-
ta pesquisa é sensível a sinais emitidos a milhares de
anos-luz de distância e as observações abrangem uma
largura de banda de 800 MHz, permitindo o contacto
com uma grande fração da Via Láctea. Até agora, mais
de 42 000 estrelas foram rastreadas e mais de 64 mi-
lhões de sinais candidatos foram detetados até à data,
estando previstas mais observações num futuro pró-
ximo.
QUE TIPO DE SINAIS PROCURAMOS? Este projeto centra-se
na procura de marcas tecnológicas de banda estreita
em extensão espetral ou frequência, e só a tecnologia
pode produzir tais sinais. Ou seja, se nos apercebês-
semos de um sinal de banda estreita vindo de fora do
nosso sistema solar, teria de ser um sinal de tecnologia
extraterrestre, uma vez que os processos naturais só
produzem sinais de banda larga. Um sinal de banda
estreita significa que a sua energia está concentrada
numa gama estreita de frequências, e são tão inte-
ressantes porque um sinal extraterrestre de banda
estreita forneceria provas inequívocas da existência
de outra civilização. Este grau de certeza é invulgar na
procura de bioassinaturas (substâncias ou fenómenos
que fornecem provas científicas de vida passada ou
presente), mas que são frequentemente dificultadas
pelo problema dos falsos positivos. Além disso, as assi-
naturas tecnológicas têm outras vantagens: um custo
muito mais baixo do que a pesquisa de assinaturas
biológicas; um volume de pesquisa que é um milhão
de vezes maior do que a bolha local relativamente pe-
quena que leva à pesquisa de assinaturas biológicas;
um nível mais elevado de confiança na interpretação
das deteções, porque não pode ser invocado nenhum
processo natural para explicar as assinaturas; ou o po-
tencial para avanços profundos no conhecimento se
um sinal incluir informação que possa ser descodifi-
cada.
Na tecnologia humana, os sinais de banda estreita
seriam os telemóveis, os satélites ou o wi-fi. O desafio
é encontrar estes sinais, mas a partir do espaço, e po-
der afirmar com certeza que não provêm de nenhuma
tecnologia terrestre.
A minha colaboração neste projeto consiste em
identificar sinais de interesse provenientes da as-
tronomia tal como a conhecemos, mas também em
identificar os sinais mais promissores nos dados SE-
TI, classificando as interferências de radiofrequência
(RFI) que serão utilizadas para gerar um conjunto de
treino rotulado para uma aplicação de aprendizagem
automática que está a ser desenvolvida. Esta aplica-
ção melhorará a robustez, a precisão e a velocidade
das futuras pesquisas SETI e estará disponível para a
comunidade de radioastronomia como software de
código aberto. Embora a maior parte das RFI possa
ser classificada com ferramentas clássicas, os algorit-
mos mais tradicionais continuam a ser muito bons se
soubermos o que estamos à procura, como é o caso
dos sinais de banda estreita. Mas se o sinal tiver uma
forma ou características diferentes, é possível que
um algoritmo de inteligência artificial o detete me-
lhor do que um algoritmo normal, que o perderia; é
aqui que entram as ferramentas de aprendizagem au-
A
ISTOCK
Encontrar marcas
tecnológicas no espaço tem
múltiplas vantagens: um
custo muito inferior ao da
procura de assinaturas
biológicas, um volume de
pesquisa muito maior e um
nível de confiança mais
elevado na interpretação
das deteções.
27. SUPER 27
tomática. O treino de um algoritmo para melhorar a
classificação de sinais candidatos, tais como RFI ou
sinais extraterrestres, requer um conjunto de treino
etiquetado.
COMO CLASSIFICAMOS OS SINAIS DE INTERESSE? Todos os
sinais de banda estreita detetados pelo pipeline de
processamento de dados são considerados candi-
datos de "Nível 1". A maioria (99,5%) destes sinais é
automaticamente classificada como RFI (Radio Fre-
quency Interference) e apenas os restantes 0,5% são
considerados candidatos de "Nível 2", que seriam os
sinais mais promissores e que classificamos a partir da
plataforma SETI. Para que um sinal seja a primeira as-
sinatura tecnológica extraterrestre detetada, teria de
subir para o Nível 5, o que exigiria um exame offline
adicional pela equipa científica, confirmação através
de observações adicionais e revisão por pares. Os da-
dos que classifico aparecem sob a forma de espectros
dinâmicos (por vezes conhecidos como "espectrogra-
mas" ou "gráficos em cascata"), que são imagens 2D em
que as linhas representam tempos consecutivos, as co-
lunas representam frequências consecutivas e os pixéis
representam a potência do sinal. Espectros dinâmicos
com dimensões de 500 x 446 pixéis, abrangendo 298
Hz em frequência e 150 sg em tempo, revelam a estru-
tura tempo-frequência de cada sinal candidato.
ONDE É QUE ESTAMOS À PROCURA DE ASSINATURAS TECNO-
LÓGICAS? Os exoplanetas estão a ser observados com a
ideia de que a vida pode ter evoluído noutros planetas
da mesma forma que evoluiu na Terra. Estes poderão
ser os melhores locais para procurar sinais de tecno-
logia extraterrestre, com especial incidência na zona
de trânsito terrestre, também designada por ETZ. Su-
ponhamos que um observador extraterrestre que olha
para a Terra consegue ver o seu trânsito através da fa-
ce do Sol (isso seria uma região com um par de graus
ou meio grau de largura, aproximadamente a largura
da Lua no céu). Supondo que possíveis inteligências
extraterrestres nesta parte do céu poderiam ter des-
coberto a Terra através do método do trânsito, isso
poderia torná-la um lugar melhor para procurar men-
sagens. Há dois anos, o telescópio foi apontado para a
estrela mais próxima de nós, Proxima Centauri, e ao
analisar os dados resultantes descobriram um único si-
nal candidato com uma duração de mais de 5 horas que
intrigou toda a gente. Depois, apontaram o telescópio
para longe da estrela e olharam para uma parte dife-
rente do céu durante algumas vezes e viram que o sinal
só aparecia quando o apontavam para a Proxima Cen-
tauri. Por isso, pensaram que poderia ser localizado, o
que seria muito, muito excitante... mas o problema é
que existem tecnologias terrestres que também pare-
cem localizadas, por exemplo, satélites terrestres que
podem emitir sinais lá em cima e criar um falso alar-
me, como acabou por acontecer neste caso.
QUAL É O ESTADO ATUAL DO PROJETO? Todos os sinais que
analisámos até agora parecem ser devidos a RFI, mas
até agora nenhum deles chegou ao nível 5, o que impli-
caria um sinal extraterrestre. Os sistemas planetários
alvo estão no campo observado durante a missão prin-
cipal do telescópio Kepler da NASA. A partir de 1 de
abril, as classificações de sinais deste projeto já ultra-
passaram o objetivo inicial de construir um conjunto
de treino rotulado com pelo menos 20 000 entradas.
O objetivo mais ambicioso é obter 100 000 entradas, o
que é importante porque irá melhorar o desempenho
do classificador RFI.
QUANTAS ESTRELAS DEVEM SER OBSERVADAS PARA GARANTIR A
DETEÇÃO? Ninguém sabe. É possível que um sinal esteja
presente nos dados existentes ou que venha a ser re-
gistado nas próximas sessões de observação. Também é
possível que um sinal não seja detetado durante a nos-
sa vida. O pioneiro do SETI, Frank Drake (1930-2022),
opinou que poderiam ser necessárias observações de
10 milhões de estrelas para permitir uma deteção bem
sucedida. Com financiamento adequado, poderíamos
acelerar a nossa pesquisa e observar um milhão de es-
trelas nos próximos 5 anos. e
A procura de assinaturas tecnológicas está a ser feita
em exoplanetas, onde a vida poderia ter evoluído da
mesma forma que evoluiu na Terra
ALBERT
CASTÁN
RENE
HELLER
Os espectrogramas ou espectrogramas dinâmicos são imagens 2D
que revelam a estrutura tempo-frequência de cada sinal classificado.
28. 28 SUPER
A M B I E N T E
A PEGADA
ECOLÓGICA DO MEU
HAMBÚRGUER
VEGETARIANO
Dizem-nos constantemente que uma alimentação à
base de plantas é melhor para a nossa saúde e para
o planeta, mas será sempre assim?
Os substitutos
vegetais da carne
continuam a ser
produtos complexos
cujos benefícios são
especulativos. Reduzir
o problema a «vegetal-
bom, carne-mau» é
simplificar a situação.
Texto de BRENDA CHÁVEZ, jornalista
SHUTTERSTOCK
30. 30 SUPER
s cientistas e as organiza-
ções internacionais — como
o Painel de Peritos das Nações
Unidas sobre as Alterações
Climáticas, a OMS e a FAO —
recomendam dietas à base de
plantas para proteger a saúde
e reduzir os gases com efeito
de estufa (GEE). Incluem-se
em iniciativas de política ali-
mentar: EAT-Lancet Planetary
Health Diet, o Pacto Ecológico
Europeu ou a Estratégia do Prado ao Prato, que consi-
deram a necessidade de capacitar os consumidores para
facilitar as suas escolhas. «Também promove o respei-
to pelos animais e evita a sua exploração», afirma Javier
Moreno, da ONG Animal Equality.
A produção de carne é responsável por 14,5% das emis-
sões de gases com efeito de estufa, quase 60% da produção
alimentar, o dobro dos vegetais. Exige mais terra, água,
rações e outros fatores de produção.
A revista The Economist batizou 2019 como «O ano do
veganismo», e o vegetarianismo também está no auge. O
seu crescimento representa a maior perturbação no se-
tor alimentar em meio século. O Global Plant-based Food
Market Report afirma que o mercado será de cerca de 18
mil milhões de dólares até 2023; a Bloomberg Intelligence
estima 160 mil milhões de dólares até 2030. O mercado de
carne vegetal cresceu de US $ 3,6 bilhões em 2020 para US
$ 4,2 bilhões em 2021, de acordo com MarketsandMarkets.
E o Good Food Institute indica que, em 2030, a carne culti-
vada em laboratório será competitiva com a carne real. Um
negócio suculento que atrai multinacionais, milionários
e celebridades, mas será sempre melhor para o planeta e
para a saúde? Reduzir a sustentabilidade a «vegetal = bom,
carne = mal» simplifica questões complexas.
ALTERNATIVAS À CARNE E HORTÍCULAS. Os supermercados e as
cadeias de fast food vendem alternativas à base de plantas,
mas a procura de carne está a aumentar em todo o mundo,
tal como a procura de peixe, laticínios e ovos. Um estudo
daUniversidadeJohnsHopkinscomparaestessubstitutos,
a carne criada em laboratório e a carne animal, em termos
económicos, políticos, ambientais, de saúde pública e de
bem-estar dos animais. Conclui que são melhores do que
a carne, mas precisam de ser mais bem analisados antes
de se poder presumir que resolvem estes desafios: são
produtos complexos com diversos fatores de produção,
longas cadeias de abastecimento e impactos em diferentes
setores. Além disso, não trarão benefícios para a saúde, o
ambiente ou o bem-estar animal se não compensarem o
consumo de carne, que cresceu duas vezes mais depressa
do que a população no último meio século.
A maioria das alternativas podem ser ambientalmente
melhores do que a carne de bovino, mas as hortícolas ga-
nham em quase todas as categorias, os substitutos à base
de plantas têm mais pegada e a carne de criação mais do
que estes, também utilizam mais água e energia do que a
maioria dos peixes de viveiro, e muitos dos seus supostos
benefícios são especulação: ainda não são comercializa-
dos, as empresas mantêm segredos que dificultam o seu
escrutínio e financiam (ou encomendam) grande parte da
sua investigação, como acontece com os substitutos à base
de plantas, o que põe em causa a sua objetividade.
CADEIAS DE ABASTECIMENTO. A pegada de carbono não é o
único indicador da sustentabilidade, que varia consoan-
te a sua origem, o local onde vivemos, a sua embalagem e
o seu transporte. Por vezes, os seus materiais provêm de
monoculturas de milho, açúcar, cereais ou soja com ele-
vadas emissões, que monopolizam a terra, alteram a sua
utilização, têm impacto nas comunidades e na biodiversi-
dade, percorrem (tal como os produtos) longas distâncias
fora de época, criando mais emissões de GEE do que ou-
tros de origem animal. A Dra. María Dolores Raigón, que
investiga solos e alimentos produzidos industrialmente e
organicamente, aconselha «a não consumir processados
vegetais de materiais que se encontram a milhares de qui-
lómetros de distância».
Uma análise efetuada pela Our World In Data (Univer-
sidade de Oxford) indica que as emissões de gases com
efeito de estufa provenientes dos sistemas alimentares re-
presentam um quarto a um terço do total. Podem exceder
1,5 graus de aquecimento global e ameaçar dois graus, aci-
ma dos quais se prevêem efeitos catastróficos. Provêm da
desflorestação, do metano, dos combustíveis fósseis, das
cadeias de abastecimento, da refrigeração, do transporte e
do armazenamento. O tomate de estufa pode ter o dobro
da pegada de alguns tipos de carne de porco ou de frango. E
alguns queijos, mais do que certos tipos de carne de porco.
O que não é consumido é importante: um quarto das
emissões relacionadas com os alimentos é causado pelo
O
SHUTTERSTOCK
Por vezes, as
matérias-primas para
estes substitutos da carne
provêm de monoculturas
que se apoderam da terra,
alteram a sua utilização e
têm impacto nas
comunidades e na
biodiversidade.
31. SUPER 31
desperdício individual e de empresas. Com a sua prepara-
ção, os agregados familiares perdem um oitavo da energia
utilizada na exploração agrícola, de acordo com a consul-
tora McKinsey.
SUBSTITUIÇÕES SUSTENTÁVEIS. Um americano médio con-
some 2147 frangos, 71 perus, 31 porcos, 10,8 vacas, 1700
peixes e 17 000 mariscos durante a sua vida. Com o con-
sequente gasto de energia, água e emissões. De acordo
com o Departamento de Agricultura dos EUA, em 2020
foram abatidos 10 mil milhões de animais, na sua maio-
ria galinhas. A substituição de metade destes animais
por alternativas à base de plantas até 2030 poderia evi-
tar emissões equivalentes às produzidas por 47,5 milhões
de automóveis. Mas, para além de reduzir o consumo de
carne, fazer escolhas sustentáveis implica saber pelo que
substituir estes animais.
Quando se opta por uma dieta à base de plantas, a carne
e os laticínios devem ser trocados em primeiro lugar. Se
for menos carnívoro, trocar a carne de vaca por frango ou
porco. A maior parte da sua pegada depende também da
sua produção industrial, extensiva ou biológica.
A eliminação de toda a carne exclui a produção eco-
lógica. Em áreas onde as hortícolas e os frutos secos são
escassos, esta pode ser uma opção mais sustentável do
que depender de fontes externas. Os sistemas holísticos
que integram o gado — silvopastorícia ou pecuária exten-
siva de pequena escala — estão entre as utilizações mais
eficientes da terra e podem aumentar a biodiversidade
nativa.
ALIMENTOS ULTRA-PROCESSADOS À BASE DE PLANTAS. «Uma
dieta baseada em vegetais pode reduzir o risco de doenças
cardíacas, diabetes e obesidade», afirma Veronica Larco,
OSustainable Food Trust acredita que
uma mudança global para uma dieta
baseada em vegetais é perigosamente sim-
plista, com muitas partes da Europa (como
em outros lugares) dependendo de proteí-
nas importadas com custo ambiental.
AscientistasRobinWhiteeMaryBethHall,do
InstitutoPolitécnicodaVirgíniaedoDepar-
tamentodeAgriculturadosEUA,calcularam
em2017oqueaconteceriasetodosos328
milhõesdepessoasdoseupaíssetornassem
veganseasterrasutilizadasparaacriaçãode
gadofossemconvertidasemculturaspara
consumohumano,concluindoque:
○ Os resíduos agrícolas aumentariam, uma
vez que não haveria animais para os comer. A
sua queima produziria dois milhões de tone-
ladas de C02
por ano.
○ Quase todos os adubos seriam produzi-
dos pela indústria química, acrescentando
mais 23 milhões de toneladas de emissões
por ano.
○ Estehipotético país vegan, em compa-
ração com as emissões atuais (incluindo a
indústria pecuária), reduziria as emissões em
28%, mas sem satisfazer as necessidades
nutricionais da sua população em cálcio, vita-
minas A, B12 e alguns ácidos gordos, devido
aos nutrientes dos alimentos.
○ Aquantidade de alimentos disponíveis
aumentaria 23%, as culturas produzem mais
por hectare do que a maioria das explora-
ções pecuárias.
○ Os animaislibertados teriam de ser abati-
dos, ir para santuários ou museus.
A revista Lancet Planetary Health refere que
o consumo diário de carne no Reino Unido
diminuiu 17% na última década. Os vege-
tarianos e vegans aumentaram de 2% para
5% entre 2008 e 2019. Estas alterações são
equivalentes a uma redução de 35% na uti-
lização dos solos, uma redução de 23% na
água destinada ao gado e uma redução de
28% nas emissões de gases com efeito de
estufa provenientes da agricultura. Mas pa-
ra cumprir os objetivos nacionais — menos
30% de consumo de carne até 2030 — esta
redução teria de ser mais do que duplicada.
E se o mundo se tornasse vegan?
Um quarto das emissões relacionadas com a alimentação
provém de resíduos individuais e de empresas
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A PEGADA DE CARBONO
DOS ALIMENTOS
Libras de CO2
por dose
Vitela
Queijo
Porco
Aves de capoeira
Leite
Ovos
Arroz
Leguminosas
Cenouras
Batatas
Carne
Outros
Peixe
e marisco
Laticínios
Bebidas
Ovos Legumes
Leguminosas
Frutos
Evitar a
carne
Dicas para reduzir a sua pegada
de carbono alimentar
Emissões por
tipo de alimento
A carne e
os produtos
lácteos são
responsáveis por
75% da
pegada de
carbono dos
alimentos Reciclar e
reutilizar
Comprar produtos
locais e sazonais
Os gases com
efeito de estufa
também provêm
dos alimentos
Poupar água
Reduzir
diariamente
Cozinhar de
forma eficiente
Seguir uma dieta à
base de plantas
Rejeitar o
plástico de
utilização única
32. 32 SUPER
da ProVeg Espanha. Paradoxalmente, hoje em dia, fabri-
ca-se «junk food vegetal», alimentos ultra-processados
produzidos industrialmente com aditivos. Michael Pollan
em Saber Comer (Debate) afirma: «Se é uma planta, co-
me-a. Se é feito numa planta, não comas».
O queijo vegan é produzido a partir de gorduras e
proteínas de soja ou de frutos secos fermentados. Tem es-
pessantes e aromatizantes (naturais ou industriais) para
dar sabor e textura; proteínas de grão-de-bico, ervilha ou
batata para estabilizar e texturizar; óleo de canola, coco,
palma, cártamo para dar cremosidade; base de sementes
em muitos cremes para barrar; acidificantes e intensifica-
dores de sabor. A caseína (proteína do leite) é substituída
por fungos e micróbios e, por vezes, é adicionado coalho
microbiano, um coagulante de fungos, leveduras ou bo-
lores. É mais sustentável porque a utilização da água e da
terra é mais produtiva; não confina nem mata os animais,
mas «é aconselhável reduzir o consumo de produtos
transformados devido à sua baixa densidade de nutrien-
tes de elevado valor biológico, à sua elevada concentração
de sal, açúcares refinados, gorduras saturadas ou aditi-
vos que aumentam a sua carga química, e devido ao seu
acondicionamento excessivo, mesmo nos produtos bioló-
gicos», afirma Raigón.
NEM TODAS AS PEGADAS SÃO IGUAIS. A produção de um qui-
lo de vaca requer cerca de 15 000 litros de água, ou seja,
87 banheiras. Se for arroz, um sexto desse valor. Maçãs
e bananas, 20 vezes menos. «Os produtos que utilizam
os recursos hídricos para além da capacidade dos ecos-
sistemas não são sustentáveis. Se desflorestam ou são
prejudiciais para a saúde, deveriam ter os dias conta-
dos», afirma Florent Marcellesi, antigo deputado europeu
dos Verdes. Os cereais, a fruta e os legumes têm o menor
impacto ambiental, utilizam muito menos terra, pro-
cessamento e energia e tendem a criar menos gases com
efeito de estufa do que as proteínas animais com menos
emissões. A carne de bovino tem o impacto mais elevado,
variando consoante a forma como é criada. Normalmente,
utiliza 28 vezes mais terra e onze vezes mais água do que as
aves de capoeira ou a carne de porco. Os ruminantes utili-
zam 20 vezes mais terra e mais gases com efeito de estufa
do que as hortícolas.
A digestão dos animais poligástricos (vacas, ovelhas, ca-
bras)gerametano,30vezespiordoqueoCO2
—aprincipal
causa do aquecimento global — mas de curta duração. Os
animais monogástricos (galinhas, porcos) emitem menos
metano e utilizam menos terra, mas não são alternativas
sustentáveis à carne de ruminantes: a indústria avícola é a
maior utilizadora mundial de forragens. A pegada hídrica
dos frangos é 1,5 vezes superior à das ervilhas e hortícolas.
As aves de capoeira têm uma pegada hídrica inferior à dos
suínos. O estrume das galinhas e dos porcos pode preju-
dicar os ecossistemas se criar concentrações elevadas de
azoto e fósforo. Este último emite metano e óxido nitroso
que se acumulam na atmosfera durante décadas, contri-
buindo para o aquecimento 300 vezes mais do que o CO2
.
O peixe e o marisco selvagens não produzem metano,
o seu impacto ambiental é menor do que o dos animais
terrestres e utilizam menos água e terra. No entanto, a
sua sobrepesca afeta o ambiente e as economias locais. Os
peixes e mariscos da aquicultura emitem GEE quase equi-
valentes à produção de ovinos.
A carne de bovino tem o maior impacto ambiental, embora varie consoante
a forma como é criada. Normalmente, utiliza 28 vezes mais terra e onze
vezes mais água do que as aves de capoeira ou a carne de porco
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SHUTTERSTOCK
TRENDS
IN
ECOLOGY
AND
EVOLUTION
Aumento
das emissões
de metano
A produção
de 1 quilo de
carne de bovino
consome 15 000
litros de água,
o equivalente a
87 banheiras.
A digestão de
animais
poligástricos,
como vacas e
ovelhas, gera
metano, 30
vezes pior do
que o CO2
.
A produção de um quilo
de arroz requer um sexto
da quantidade de água
que um quilo de carne
de vaca.
Alterações
climáticas
Aumento da
prevalência de
infeções
33. SUPER 33
Os ovos têm as emissões mais baixas de todos os produ-
tos pecuários, mas exigem uma maior gestão do estrume.
Quanto aos laticínios, em 2017, as treze maiores empresas
do mundo emitiram mais GEE do que a empresa petrolí-
fera ConocoPhillips, colocando estes produtos entre os
vinte maiores emissores. A sua utilização dos solos e as
suas emissões são superiores às das aves de capoeira.
LEGUMES—TODOSSUSTENTÁVEIS?OWorldResourcesInstitute
calcula que comer metade da quantidade de carne de vaca
pode travar a expansão agrícola e sustentar uma população
globalde10milmilhõesdepessoas.«Aagriculturadeveser
orientada por princípios de sustentabilidade e respeito. A
gestão deve incentivar práticas que protejam os ecossiste-
mas e evitem danos à biodiversidade», diz Lacro.
À medida que a produção se intensifica, os impactos
da agricultura e da pecuária agravam-se, explica Raigón:
«Se estiverem em zonas de elevado valor ecossistémico,
a perda de património natural é grave. São necessárias
abordagens mais sustentáveis, do ponto de vista econó-
mico, social e ambiental. No Mar Menor e em Doñana, a
fauna local deveria ter sido protegida e as práticas agríco-
las, os produtos químicos e a exploração da água deveriam
ter sido limitados. O princípio do «poluidor-pagador»
não está a ser respeitado, os danos são pagos pelos cida-
dãos através de impostos, custos de saúde e subsídios».
Javier Gúzman, da ONG Justicia Alimentaria, acrescen-
ta: «A Espanha sofre de problemas de disponibilidade de
água, de sobre-exploração dos aquíferos e de um mode-
lo de exportação que, nos últimos 20 anos, aumentou os
hectares de terras irrigadas. Com a crise climática, chegou
a altura de decidir em que utilizar a água: para alimentar
as pessoas ou para cultivar abacates, mangas e morangos
para exportar?»
Em comparação com outras culturas, os abacates têm
uma grande pegada hídrica, tal como os frutos secos: uma
única amêndoa na Califórnia requer mais de um litro. Um
estudo de 2018 calculou que o seu leite tem mais impacto
ambiental do que o leite de soja ou de vaca, devido ao seu
menor teor de proteínas.
A escala também é fundamental, os micróbios do arroz
emitem uma grande quantidade de metano e óxido nitro-
so. Como o arroz alimenta milhões de pessoas em todo o
mundo, as suas emissões de gases com efeito de estufa re-
presentam 50% das emissões de todas as culturas.
Asleguminosas,emboraexijammaisterraeáguadoque
outras culturas, convertem o azoto do ar em nutrientes e
podem reduzir os fertilizantes.
«A agroecologia é a melhor alternativa para um futuro
saudável,sustentáveleamigodosanimais»,afirmaMarcel-
lesi. A FAO propõe-a como um modelo sustentável. Raigón
explica as suas virtudes: «Não utiliza produtos químicos
tóxicos,aumentaadiversidadedasculturas,reduzadepen-
dênciaeasemissõesdegasescomefeitodeestufa,incentiva
a produção e o consumo locais, favorece a resiliência, a se-
gurança alimentar, a justiça social e o desenvolvimento
rural». Moreno aconselha «uma grande variedade de ali-
mentos de origem vegetal (leguminosas, frutas, legumes,
cereaisintegrais,frutossecos,sementes),dandoprioridade
aos alimentos frescos, minimamente processados e locais,
bem como informar-se sobre as suas práticas agrícolas para
escolher as sustentáveis e éticas». e
Como demonstram o Ipes-Food e a plataforma científica
ALEPH2020, muitas grandes multinacionais industriais da
carne estão por detrás de muitos substitutos à base de plantas e
de carne de laboratório:
A JBS, o maior produtor mundial de aves de capoeira e de carne
de bovino e o segundo de carne de suíno, é acionista maioritário
da BioTech Foods (carne de cultura) e da Vivera (com mais de
cem referências de salmão e frango veganos na Alemanha, nos
Países Baixos e no Reino Unido).
A Tyson Foods e a Smithfield, entre as principais empresas de
carne dos EUA, criaram divisões para produzir nuggets e salsi-
chas vegetais.
A Impossible Foods está associada à Burger King.
Vall Companys, o maior integrador de macro-explorações de
frangos e suínos em Espanha, lançou a Zyrcular Foods em 2019,
produzindo substitutos de carne a partir de ervilhas, trigo e soja
importados. Os seus produtos estão disponíveis em vários su-
permercados sob a sua marca privada.
Grandes empresas
de carne atrás de
produtos veganos?
SHUTTERSTOCK
SHUTTERSTOCK
Nos últimos
anos, o número
de hectares
irrigados em
Espanha
aumentou.
Escolha comer
uma variedade de
alimentos à base
de plantas,
especialmente
alimentos
frescos, locais e
não processados.
SHUTTERSTOCK
34. 34 SUPER
S A Ú D E
Vários estudos
confirmaram que
a microbiota
desempenha um
papel importante
na formação de
novos neurónios e
nos processos de
memorização.
ISTOCK
34 SUPER
35. SUPER 35
MI
CRO
BIO
TAE
SAÚDE
MENTAL
Por mais surpreendente que possa parecer, existe uma estreita relação entre a nossa
saúde mental e física e as bactérias que povoam o nosso intestino. Em particular,
as nossas emoções estão ligadas à microbiota, um conjunto de «micróbios bons» do
nosso corpo que se encontra maioritariamente no intestino e que estimula a secreção de
substâncias bioquímicas que promovem o bom humor, como a serotonina ou a dopamina,
bem como a prevenção de doenças e o reforço do sistema imunitário.
Texto de HENAR LÓPEZ SENOVILLA, jornalista
SUPER 35
36. 36 SUPER
nosso corpo é povoado por
milhares de milhões de mi-
crorganismos. São bactérias
que se encontram em diferen-
tes partes do nosso organismo
e que desempenham diferentes
funções, todas elas de impor-
tância vital para o equilíbrio do
nosso corpo e mente . Um tipo
de bactérias é particularmente
relevante: as que compõem a
microbiota intestinal.
«A palavra microbiota refere-se ao conjunto de bac-
térias que são boas para o nosso corpo e que vivem em
simbiose connosco. Pode dizer-se que o nosso corpo
é o mundo em que elas vivem e, por sua vez, nós não
podemos viver sem elas. As bactérias que compõem a
microbiota humana distribuem-se por locais específi-
cos, como o trato digestivo, o trato urogenital, a pele
ou a conjuntiva dos olhos. O conjunto de bactérias que
se encontra em cada local é diferente e está relacio-
nado com o papel que desempenha», explica Natalia
Sánchez, doutorada em Biotecnologia pela Universi-
dade Autónoma de Barcelona, que foi premiada pelo
programa L’Oréal-Unesco For Women in Science 2022.
«De todas estas populações bacterianas, a que tem
sido mais estudada é a microbiota intestinal, que é a
que tem a maior variabilidade e número de espécies
bacterianas e uma das mais importantes para a saúde
humana», continua.
A Dra. María Dolores de la Puerta, uma das maiores
especialistas no assunto e autora do livro Un intestino
feliz. Como a microbiota melhora a sua saúde mental
e ajuda-o a gerir as suas emoções: «O intestino é a
parte do corpo que alberga a maior quantidade e di-
versidade de «micróbios bons», com os quais vivemos
em coexistência saudável. São sobretudo bactérias,
mas num intestino saudável também temos fungos,
leveduras, vírus, fagos, protozoários, archaea, etc.
A atividade e o equilíbrio destas bactérias é impor-
tante. A atividade e o equilíbrio destas bactérias boas
no intestino, que constituem a chamada microbiota
intestinal, são cruciais para manter a saúde não só di-
gestiva mas também neuropsicológica.
Porquê? Por duas razões: devido à relação entre o cé-
rebro e o intestino, e devido às moléculas geradas pela
microbiota intestinal, que influenciam diretamente o
nosso humor.
A MICROBIOTA E O SISTEMA NERVOSO. A ligação entre as
nossas bactérias intestinais e o sistema nervoso central
é conhecida como o eixo microbiota-intestino-cére-
bro. A doutora De la Puerta explica como funciona:
«Em primeiro lugar, pensemos que temos tantos neu-
rónios (as células que constituem o sistema nervoso)
no intestino como em toda a espinal medula. Estes
neurónios intestinais formam o chamado «sistema
nervoso entérico». E estão em contacto contínuo e
em relação permanente com a microbiota intestinal,
uma vez que coincidem nesta parte do corpo e se afe-
tam mutuamente. Por isso, ao nível das sensações e das
emoções, podemos dizer que o intestino é outro órgão
da nossa mente», explica.
Em segundo lugar, «as bactérias boas do intestino,
a microbiota intestinal, produzem dois grandes ti-
pos de moléculas: os neurotransmissores e os ácidos
gordos de cadeia curta. Ambos condicionam o nosso
humor. Por exemplo, estas moléculas influenciam a
secreção de serotonina, responsável pelas sensações
de alegria e felicidade, e que é gerada em 90% no in-
testino. Ou o ácido gama-aminobutírico (GABA), que
está associado à nossa sensação de calma e de paz, é
também produzido por moléculas criadas pela micro-
biota», continua.
O
ASC
Colon
Recetores SFCA
Tecido adiposo branco
Tecido adiposo castanho
FFAR 2 / GPR 43
FFAR 3 / GPR 41
GPR 109 A
OLER 78
Atividade simpática
Circuito neural intestino-cérebro
Gluconeogénese intestinal
Apetite
Oxidação de
ácidos gordos
Oxidação de
ácidos gordos
Insulina
Inflamação
GLP 1
+ PYY
Célula l Célula L
Renina
Pressão arterial
Lipólise
Acumulação de gordura
Leptina
Ativação de macrófagos
Termogénese
Oxidação de ácidos gordos
Artéria renal
SCFAS
SCFAS
Nervo periférico Tecido adiposo
Cérebro
Fígado
Músculos
Pâncreas
37. SUPER 37
«As substâncias bioquímicas segregadas pelas bac-
térias que compõem a microbiota podem entrar na
corrente sanguínea, atravessar a barreira hemato-
-encefálica e chegar aos neurónios do cérebro, onde
desencadeiam a sua função. A isto junta-se o facto de as
bactérias intestinais estarem em contacto com os neu-
rónios do sistema nervoso entérico (ou intestinal), pelo
que a influência da microbiota no sistema nervoso, quer
diretamente através do cérebro, quer através do intesti-
no, é direta e rápida», confirma a Dra. Natalia Sánchez.
Em contrapartida, um desequilíbrio na microbiota
foi observado numa série de patologias, tais como per-
turbações emocionais como a depressão, perturbações
do espetro do autismo e patologias neurodegenerati-
vas como a doença de Parkinson ou de Alzheimer. Isto
relaciona diretamente estes «micróbios bons» do in-
testino com as doenças neurodegenerativas.
MICROBIOTA E DOENÇAS DEGENERATIVAS. Estudos científi-
cos demonstraram que a microbiota desempenha um
papel importante na formação de novos neurónios e
nos processos de memorização. Diferentes ensaios clí-
nicos analisaram terapias baseadas em alterações da
composição da microbiota, transplantando fezes de
pessoas saudáveis para pacientes com patologias como
a doença de Parkinson e observando uma melhoria em
diferentes sintomas associados a esta doença.
«Isto reflete a influência que a microbiota exerce
sobre o sistema nervoso num contexto patológico e
abre caminho a novas linhas terapêuticas. Poderíamos
prevenir ou tratar problemas mentais com probióti-
cos ou compostos que melhoram a nossa composição
bacteriana? Tudo parece indicar que sim. De facto, já
existem terapias à base de probióticos para distúrbios
mentais como a depressão, e a sua administração re-
duziu a gravidade da patologia que apresentavam»,
continua Natalia Sánchez.
Poderíamos dizer que a microbiota pode influenciar
a progressão de uma patologia neurodegenerativa por
ação ou omissão: «Uma microbiota saudável estaria
A influência da microbiota no sistema nervoso, diretamente via
cérebro ou via intestino, é direta e rápida. O seu desequilíbrio
observa-se em patologias como a depressão
Foi recentemente demons-
trado que adquirimos a
nossa microbiota no útero da
nossa mãe. «No momento do
nascimento, há variações na
composição bacteriana, con-
soante se trate de uma cesariana
ou de um parto natural, em que
a microbiota vaginal se impreg-
na na pele do recém-nascido.
Desta forma, modificamos a mi-
crobiota durante os primeiros
anos de vida, que serão cruciais
para o estabelecimento das co-
lónias bacterianas dominantes
da nossa microbiota pessoal»,
explica Natalia Sánchez, dou-
torada em Biotecnologia pela
Universidade Autónoma de Bar-
celona, premiada pelo programa
L’Oréal-Unesco For Women in
Science’2022.
Microbiota e
nascimento
A microbiota já é adquirida no
útero da mãe. A microbiota
vaginal penetra na pele do
bebé e vai mudando durante
os primeiros anos de vida.
Os metabolitos
bacterianos na interface
materno-fetal conduzem
a alterações
epigenéticas que
afetam a imunidade fetal
(por exemplo, SCFA do
intestino materno).
A IgG materna está
envolvida na transferência
transplacentária de
bactérias que afetam a
imunidade da
descendência.
A colonização microbiana
do feto pode determinar a
programação imunológica
antes do nascimento.
Translocação
bacteriana do intestino
para a placenta.
A IgG ou IgA no leite
materno reveste
potencialmente as
bactérias e pode
influenciar a microbiota
ou a imunidade pós-natal.
Os metabolitos
bacterianos podem
também passar para o
leite materno a partir
do intestino materno.
Translocação
bacteriana do
intestino para as
glândulas mamárias.
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LIBRARY
38. 38 SUPER
a promover a melhoria sintomatológica do paciente.
Pelo contrário, uma carência severa de microbiota
contribuiria para a progressão da patologia e poderia
mesmo provocar ou acelerar o aparecimento da doen-
ça», acrescenta.
Nas patologias neurodegenerativas, além do envolvi-
mento neuronal, há também alterações imunológicas,
endócrinas e metabólicas, áreas em que a microbiota
também tem uma forte influência.
A MICROBIOTA E SISTEMA IMUNITÁRIO. O fortalecimento do
nosso sistema imunitário pela microbiota também se
canaliza de duas formas: em primeiro lugar, as bac-
térias boas que compõem a microbiota exercem um
efeito protetor contra outros microrganismos pato-
génicos, combatendo-os e competindo pelo mesmo
espaço. A microbiota é capaz de segregar substâncias
anti-inflamatórias, contribuindo para o equilíbrio do
sistema imunitário, e deteta e apresenta antigénios de
diferentes agentes patogénicos, estimulando a respos-
ta imunitária.
Em segundo lugar, para além deste «escudo pro-
tetor», é necessário destacar as funções essenciais
desempenhadas pela microbiota na digestão e ab-
sorção de diferentes substâncias e a sua capacidade
de neutralizar os agentes cancerígenos da dieta: «As
bactérias que compõem a microbiota possuem cer-
tas enzimas que lhes permitem digerir substâncias
que as nossas células intestinais não conseguem me-
tabolizar», explica a Dra. Natalia Sánchez. «Podem
converter açúcares complexos em açúcares simples,
que por sua vez fermentam em ácidos gordos de ca-
deia curta que podemos utilizar como combustível
energético para o organismo. Estão também envolvi-
das na síntese de muitas vitaminas, como a vitamina
K, a vitamina B ou a biotina, e ajudam-nos também a
adquirir minerais como o ferro e o cálcio».
Desta forma, estabelece-se uma ligação direta entre
a microbiota e a alimentação, o que explica como os
maus hábitos alimentares alteram a nossa composição
bacteriana e este desequilíbrio pode acelerar o apareci-
mento de uma patologia ou aumentar a sua gravidade.
De facto, a alimentação é um dos quatro pilares
principais em que assenta a estabilidade do nosso mi-
crobiota: «A nível externo, a microbiota é afetada por
quatro fatores, que são a alimentação, a atividade física,
o sono e o controlo do stress», explica a doutora De la
Puerta.
«Como a microbiota é um órgão vivo e modelável,
é afetado por fatores externos como a alimentação e o
stress, mas isso também nos permite conceber estraté-
gias para alterar a sua composição», acrescenta a Dra.
Natalia Sánchez.
MICROBIOTA E ALIMENTAÇÃO. «A alimentação é muito
importante, pois as nossas bactérias alimentam-se do
que comemos e isso favorece o desenvolvimento de
Amicrobiota afeta a nossa fisiologia geral e, se a sua
composição for alterada, gera a chamada disbiose, que
desencadeia problemas de todo o tipo, sejam eles metabó-
licos, imunológicos, cardíacos, pró-tumorais, emocionais ou
endócrinos. «A perturbação dos micróbios do tubo diges-
tivo e dos intestinos, conhecida como disbiose, contribui
para alterar a saúde digestiva, estando implicada no apa-
recimento de sintomas como digestões pesadas, gases,
inchaço ou alterações do ritmo do trânsito intestinal, diarreia
e/ou obstipação. Ao nível da pele e das mucosas, a disbiose
pode também estar relacionada com eczema, comichão ou
secura excessiva. Está igualmente associada a dores de ca-
beça e enxaquecas, à fadiga física e mental e a numerosas
perturbações psicológicas. Se a microbiota for perturbada,
a sua atividade metabólica altera-se, favorecendo a produ-
ção de substâncias pró-inflamatórias negativas», explica a
doutora De la Puerta.
Disbiose
Um desequilíbrio na
microbiota pode influenciar
a progressão da doença
neurodegenerativa.
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39. SUPER 39
alguns microrganismos ou de outros. É por isso que
devemos encorajar a ingestão de alimentos fermenta-
dos (iogurte, kefir, kombucha, chucrute, etc.), fibra
de qualidade e polifenóis, uma substância contida em
muitos frutos (frutos vermelhos, romã, etc.), bem co-
mo azeite, chocolate e café», explica De la Puerta.
«Os probióticos e os prebióticos favorecem o cresci-
mento de populações bacterianas saudáveis», confirma
Natalia Sánchez. «E muitos alimentos têm a capacidade
de atuar como tal. Exemplos de probióticos são o kefir,
a kombucha, o chucrute e outros alimentos fermenta-
dos. Mas não é apenas o tipo de alimentos que geramos:
o número de refeições que fazemos por dia também po-
de alterar a composição da microbiota devido à ativação
mais frequente do sistema gastrointestinal».
MICROBIOTA, STRESS E EXERCÍCIO FÍSICO. Outro aspeto a
considerar é o exercício físico e o stress. Nos últimos
anos, foi demonstrado que níveis elevados de stress,
para além de afectarem diferentes aspetos da nossa
fisiologia, alteram a composição e o equilíbrio das po-
pulações microbianas do nosso organismo, facilitando
a fixação de microrganismos pouco úteis ou mesmo
negativos para a nossa saúde e gerando um ambiente
de inflamação intestinal que está associado a patolo-
gias como a síndrome do cólon irritável.
Baixos níveis de stress permitirão que a nossa mi-
crobiota se mantenha saudável e, consequentemente,
o nosso organismo. Por sua vez, a atividade física e um
estilo de vida ativo ajudam a manter uma microbiota
saudável.
Neste equilíbrio mente-corpo, é também essencial
destacar a relação entre a microbiota e o sono: «A
atividade da microbiota permite-nos manter ritmos
circadianos estáveis que regulam muitas atividades no
corpo, incluindo os ciclos de vigília e sono. A ligação
entre o sono e a microbiota é bidirecional. Por um lado,
a serotonina, 90% da qual é gerada no intestino, é con-
vertida em melatonina, que é a hormona responsável
pela indução do sono e pela manutenção de um sono
de qualidade durante toda a noite. Por conseguinte, a
riqueza e a diversidade da microbiota intestinal estão
intimamente ligadas a uma maior eficiência do sono
e a uma duração e qualidade ótimas do mesmo. Além
disso, um sono de qualidade contribui também para
manter a estabilidade da nossa microbiota», explica a
doutora De la Puerta.
Em suma, a saúde é um estado dinâmico influenciado
por uma multiplicidade de circunstâncias vitais, entre
as quais a microbiota intestinal desempenha um papel
muito importante: «A microbiota intestinal não é um
mero espetador do que acontece com a nossa saúde,
mas uma atriz que age e interage connosco a todo o mo-
mento. Por conseguinte, as nossas bactérias intestinais
contribuem de muitas formas para a manutenção de um
estado saudável», conclui a doutora De la Puerta. e
Níveis elevados de stress, para além de afetarem diferentes
aspetos da nossa fisiologia, alteram a composição e o
equilíbrio das populações microbianas do organismo
O tipo de alimentos que
ingerimos e o número de
refeições que fazemos
podem alterar a composição
da microbiota. O exercício
físico também promove uma
microbiota saudável.
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C É R E B R O
A redução das
horas de sono,
por exemplo em
crianças e
adolescentes,
pode afetar a
memória e o
desenvolvimento
da linguagem.
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Esta é uma das grandes incógnitas sobre o sono e, embora continue
por resolver, os avanços científicos são firmes e indicam que a mente,
enquanto dorme, é capaz de desenvolver processos de pensamento muito
mais complexos do que imaginamos.
Texto de MAURICIO HDEZ CERVANTES, jornalista
PODEMOS
APRENDER
ENQUANTO
DORMIMOS?