1. Gênero: uma breve introdução ao
conceito
e a seus usos no campo da saúde
Simone G Diniz, FSP – USP - aula introdutória Gênero e Saúde Materna 2023
2. Gênero, uma breve introdução
• a emergência do conceito de
gênero,
• distinguindo gênero, sexo e
sexualidade
• algumas das vertentes teóricas,
narrativas
• essencialismos, em saúde
• valor da pluralidade e
diversidade
• exemplos de uso dos conceitos
• aplicações na luta política e na
construção do conhecimento.
Sugestão: podcast Praia dos Ossos
3. • Gosto das várias ondas do
feminismo, entendendo que
são construções das
mulheres daqueles
contextos.
• Referência aos filmes
Sufragistas, Histeria, Enola e
She is beautiful when she’s
angry)
4. • Gênero como o sexo socialmente construído, ou
nas palavras de Rubin, o conjunto de disposições
pelas quais uma sociedade transforma a
sexualidade biológica (e reprodução,
acrescentamos) em produtos da atividade
humanidade, e na qual essas necessidades
humanas transformadas são satisfeitas
Rubin, Gayle. "The traffic in women: Notes on the" political economy" of sex." (1975).
Rubin, Gayle. "Thinking sex: Notes for a radical theory of the politics of sexuality." Social perspectives in Lesbian and Gay Studies; A reader (1984): 100-133.
5. Joan Scott: desconstruir os vícios do
pensamento ocidental, como a oposição
tida como universal e atemporal entre
homem e mulher.
Gênero como um saber sobre as
diferenças sexuais: as relações gênero
seriam relações de poder, sendo uma
primeira forma de dar sentido a estas
relações.
Gênero como a percepção sobre as
diferenças sexuais, hierarquizadas
dentro de uma maneira de pensar
engessada e dual
Gênero e análise história
6. Essencialismos
• O essencialismo de gênero é
um conceito usado para
examinar a atribuição de
qualidades fixas, intrínsecas e
inatas a mulheres e homens,
de base biológica
• Durante o feminismo da
segunda onda, Simone de
Beauvoir e outras feministas
nas décadas de 1960 e 1970
teorizavam que as diferenças
de gênero eram socialmente
construída
7. História oficial do feminismo, do gênero e da
sexualidade na chamada segunda onda
• 1970s: essencialistas e ingênuos
• 1980s: feminismo da diferença
• 1990s: pós-estruturalismo, enfim
Simplificação da complexa história
dos feminismos ocidentais, que
repetida e erroneamente, posiciona
feministas pós-estruturalistas como
as ‘primeiras’ a desafiar a categoria
“mulher” como sujeito e objeto do
conhecimento feminista.
Hemmings, Clare. "Contando estórias feministas." Revista Estudos Feministas 17.1 (2009): 215-241.
8.
9. “Um voto de desconfiança na medicina patriarcal”
(Boston Women’s Health Book Collective. New Our Bodies, Ourselves: A Health Book for and by Women. Penguin Books, Limited, 1989)
com muitas consequências epistemológicas e políticas
Versões inovadoras do corpo - mudança nas práticas de
saúde, entendidas como ações políticas
10. 1.3. Saúde da mulher, saúde integral da mulher – o PAISM
• Programação em saúde, reforma sanitária
• “Nosso corpo nos pertence” e direitos sociais
• Um ativo movimento de saúde da mulher: material educativo
• A Carta de Itapecerica de 1984: saúde e política
• A noção de “cidadania reprodutiva”: uma agenda ampla
Diniz, Simone. "Materno-infantilism, feminism and maternal health policy in Brazil." Reproductive health matters 20.39 (2012): 125-132.
11. Apropriar-se do corpo
Questionar o poder médico
Gráfico, “sex-positive”
Cartilhas da Fund. Carlos Chagas da Série “Este Sexo que é Nosso” 1984-1985
usadas pelo PAISM (edição da PMSP em 1989)
12. Os conceitos e as conferências da ONU
década de 90 (Rio, Viena, Cairo e Pequim)
O deslocamento da questão do planejamento familiar para além do
problema da suposta explosão demográfica (Rio, 1992)
O marco dos Direitos Humanos das Mulheres: direitos reprodutivos
e direitos sexuais. Violência de gênero e direitos humanos e
questão de saúde (Viena, 1993)
Institucionalização dos direitos reprodutivos: saúde reprodutiva
no marcos desses direitos (Cairo, 1994)
Os direitos reprodutivos foram pensados como direitos sexuais:
poder usufruir do sexo sem riscos
O advento dos direitos sexuais, legitimados na Conferência de
Pequim. Saúde, gênero e sexualidade (Beijing, 1995)
13. • Os "direitos reprodutivos“
definidos hetero-
normativamente, cuja
preocupação maior é o
controle pelas "mulheres"
sobre sua saúde e
fecundidade, em relação
aos "homens", geralmente percebida
como obstáculos a esse controle (seja como
maridos, parceiros, profissionais de saúde,
autoridades religiosas ou legisladores);
• “Direitos sexuais" que surgiu
simultaneamente dos
movimentos de direitos gays e
lésbicos e da epidemia de HIV /
AIDS, mas ainda muito
enquadrada nos binários
"gays" e "lésbicas" e no artefato
biomédico e achatado de "homens que fazem sexo com
homens "(MSM).
Problemas de apenas juntar esses dois clusters, acrescentando um "B", "T" e, em
seguida, um "Q" para o anteriormente existente "L" e "G", um casamento arranjado
entre dois clãs muito diferentes.
Petchesky, Rosalind P. (22 March 2006). "On the unstable marriage of reproductive and sexual rights: the case for a trial separation". Conscience.
“Saúde e direitos reprodutivos e sexuais” (tudo junto)
14. Sexualidade binária e diversidade sexual
• Distinguimos o sexo do gênero, e da
sexualidade, dimensões distintas ainda
intimamente relacionadas.
• Entendemos que gênero é
performativo (Butler), ou seja, é o
resultado do que fazemos
cotidianamente, como nos vestimos,
falamos, desejamos, nos relacionamos,
de forma “feminina” “masculina”.
• Assim, o binário feminino-masculino é
uma moldura inadequada para
entender a realidade, e esta
compreensão traz vastas
consequências políticas.
https://www.youtube.com/watch?v=bKl2LQUuD5s
A sigla está cada vez maior e mais INCLUSIVA, hoje colocamos em pauta
LESBICAS, GAYS, BISSEXUAL, TRANSEXUAIS, TRANSGÊNEROS, QUEER,
INTERSEXUAL, ASSEXUAIS, PANSEXUAIS
15. Mas das reflexões de Judith
Butler, quero trazer aqui
duas questões:
• a ideia de que algumas
pessoas e corpos são
merecedores de luto e
lamento
• e outras não são, e que há
uma diferença na
“apreensão” da experiência
e seu “reconhecimento”
• Exemplo: a vagina-escola
16. Exemplos de uso dos conceitos
Gênero como uma lente des-patriarcalizadora
Novos olhos
se abrindo
sob nossas
velhas pálpebras
A. Rich
Ela usava o conceito de gênero?
When We Dead Awaken: Writing as Re-Vision
Audre Lord, amiga e Adrienne Rich
17. Feminismo, gênero e justiça epistêmica
Sarah White-Gosss Menstrual blood painting
https://br.pinterest.com/pin/27443878950015422/
“A menstruação é o útero chorando
lágrimas de sangue porque não
concebeu um novo ser”
(meu professor de Fisiologia, 1979)
Feminismo e o direito de contar sua
versão do mundo : justiça
epistêmica e a condição humana
Quem tem autoridade de falar pelas
mulheres? E fazer ciência?
Quando falar, contestar, é arriscado
O silêncio é cúmplice da violência
18. Gênero e seus sentidos no parto: violência
• Corpo feminino como necessitado de correção, disciplina, tutela, controle
(abordagem correcional)
• Sexo como sujo, necessitado de punição (tutela religiosa das práticas e políticas
públicas)
• Limpo x sujo, superior x inferior, primitivo x civilizado, decente x indecente, seguro
x inseguro
• Solidariedade x Cumplicidade institucional – profissionais e gestores
19. Gênero, hierarquias sexuais e reprodutivas, e violência
(baseado em Gayle Rubin, 1984)*
Todas as combinações/ sinergias são possíveis: interseccionalidades
Brancas, casadas, heterossexuais, >=classe média
Presidiárias
Soropositivas (HIV, sífilis etc)
Adolescentes, “idosas” (>35)
Solteiras
Trabalhadoras do sexo
Usuárias de drogas
Doentes mentais
Pobres
Moradoras de rua
Negras, nordestinas
Lésbicas Deficientes físicas
Transgender
*Thinking Sex: Notes for a Radical Theory of the Politics of Sexuality, in Carole Vance, ed., Pleasure and Danger, (Routledge & Kegan, Paul, 1984
Mattar, Laura Davis, and Carmen Simone Grilo Diniz. "Hierarquias reprodutivas: maternidade e desigualdades no exercício de direitos humanos pelas
mulheres." Interface-Comunicação, Saúde, Educação 16.40 (2012): 107-120.
Doentes em geral (diabetes, lupus, HA)
Hierarquias de
maternidades
A respeitabilidade da
maternidade/ reprodução é
dependente daquela da
parceria sexual
21. VISÍVEIS: (apesar de problemas de sub-registro)
Mortalidade
Morbidade grave (near-miss, mais recente)
Via de parto - parto normal ou cesárea
MENOS VISÍVEIS em si e na associação com desfechos (-): registro irregular ou ausente
Integridade corporal e lesões iatrogênicas (cesárea, episiotomia, fórceps etc.)
Efeitos adversos do uso de medicamentos, (ocitocina, anestesia, redução da IG, etc.)
Acompanhantes (presença ou proibição)
Promoção do bem-estar materno (“dimensões cosméticas”)
MENOS VISÍVEIS AINDA, OU INVISÍVEIS (sem registro)
Kristeller (pressão fúndica)
Experiências traumáticas (violência, TEPT)
Efeitos dos procedimentos (médio prazo) sobre a relação mãe-bebê amamentação, sexualidade etc.
Estudos longitudinais / coortes, mortalidade
Sofrimento /, depressão, saúde mental, conforto materno
Promoção do bem-estar materno (“dimensões relacionais”)
Prevenção do efeito nocebo na saúde materno-infantil (cmunicação etc.)
Cegueira de gênero – avanços desde 2012
Iceberg: Visibilidade e invisibilidade de gênero dos desfechos em saúde materna
23. Papel das intervenção na idade gestacional com maior granularidade: risco de mortalidade neonatal
24. Diferenças na IG em dias e semanas:
Escolaridade da mãe e tipo de parto
25. Diferenças na IG em dias e semanas:
Raça/cor e fonte de financiamento
26.
27. Formas de violência no parto
e no aborto
• Violência física
• Violência verbal/emocional
• Violência institucional
• Violência sexual
28. O contexto político
• Censura ao termo violência obstétrica
(em vão)
• Gênero e justiça epistêmica: se nós não
fizermos, quem fará?
• Liberdade epistêmica: a necessidade de
subverter o conhecimento misógino
• O poder de palavras e narrativas e
transformar a experiência percebida em
experiência reconhecida: muito mudou!
Mulher punida por responder ao marido
Exercício de imaginação 2023
Depois da ruína dos últimos
anos, quais as nossas
esperanças?