O documento descreve a restauração do antigo Hotel Sete de Setembro na cidade do Rio de Janeiro. Durante as obras, ruínas de uma antiga edificação foram descobertas, revelando que o local era ocupado por oficinas do construtor Antonio Jannuzzi. Uma pesquisa histórica foi realizada para entender a estrutura pré-existente e como ela influenciou a construção do hotel. Novas informações permitiram indicar um novo local para a construção de uma cisterna, evitando trabalhos desnecessários.
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construção da cisterna desenvolvemos um plano
de ação com as seguintes etapas:
• Levantamento de dados sobre a história da
área na qual o Hotel está inserido;
• Levantamento de dados sobre a edificação
anterior ao Hotel;
• Levantamento de dados sobre a construção do
Hotel;
• Pesquisa iconográfica do Hotel e da
edificação que o precedia;
• Adequação dos pontos de fuga de fotografias
antigas de ambas as construções, de forma a
possibilitar a superposição das mesmas;
• Realização de sondagens para a pesquisa de
subsolo no segundo local destinado à
cisterna.
Resultados
Cada etapa acima mencionada conduziu aos
seguintes resultados:
• Identificação das ruínas da edificação pré-
existente ao Hotel
A pesquisa sobre a área na qual o Hotel foi
construído mostrou que as ruínas encontradas sob
o pátio interno, onde construiríamos a nova
cisterna, eram vestígios das antigas oficinas, que
pertenciam a Antonio Jannuzzi, no morro da
Viúva.
Figura 3: Oficinas e depósitos da empresa de
Jannuzzi, no morro da Viúva, ao fundo à
esquerda, s/data VIANNA, 2001, p.79).
Antonio Jannuzzi foi um construtor italiano
que atuou no Rio de Janeiro, nas últimas décadas
do século XIX e nas primeiras do século XX.
Trata-se de um dos grandes personagens no
cenário da arquitetura carioca da época, pois
esteve envolvido em projetos e obras de grande
vulto, tais como os edifícios da antiga Avenida
Central e suntuosos palacetes em bairros nobres
da cidade do Rio de Janeiro e outras cidades do
Estado como Petrópolis e Valença2
.
Jannuzzi possuía uma empresa, a Antonio
Jannuzzi & Cia, criada em 1875, que atuava como
um escritório de arquitetura e construtora,
incluindo oficinas e depósitos de materiais de
construção. Através de um anúncio, publicado na
revista Architectura no Brasil em 1923, percebe-
se a variedade de serviços oferecidos pela Antonio
Jannuzzi & Cia. Verifica-se neste anúncio a
menção às oficinas:
Figura 4: Anúncio da empresa de Jannuzzi
(ARCHITECTURA NO BRASIL, nov.,
1921)
• Dados sobre as oficinas, edificações que
existiam no local, antes da construção do Hotel
As oficinas que Antônio Jannuzzi possuía no
Morro da Viúva compunham um verdadeiro
complexo formado pelas pedreiras de granito,
oficinas a vapor de serraria, carpintaria e
serralherias, depósitos de madeiras, pedras e toda
espécie de materiais de construção, além da seção
de transportes. Possuía cerca de 11000 m2
, com
um cais de cerca de 120 metros, ao longo da
costa, provido de um “possante” guindaste
movido à eletricidade (JANNUZZI Apud
GRIECO, 2005, p.4).
2
Segundo Bettina Zellner Grieco (2005), Antonio Jannuzzi
também foi responsável por projetos de casas operárias,
sugeridas como solução para o problema habitacional, pelo
qual o Rio passava naquela época.
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Figura 5: Área externa das oficinas e depósitos.
(GRIECO, 2005, p.5)
Figura 6: Área interna de uma das oficinas
(GRIECO, 2005, p.5).
Nos vestígios encontrados foi possível
identificar, uma rampa e bases de pedra, talhadas
na forma de grandes paralelepípedos com ganchos
de ferro.
Figura 7: Vista das bases, julho/2005 (BOUSQUET).
Figura 8: Vista das bases, julho/2005 (BOUSQUET).
Figura 9: Vista da área de escavações, ago. 2005
(BOUSQUET).
• Informações sobre a construção do Hotel
O Hotel Sete de Setembro foi construído em
apenas 14 meses (FERRAZ, HERMES, 2001,
p.23), nos terrenos da oficina de Jannuzzi, para
acomodar os hóspedes ilustres que viriam para a
Exposição do Centenário da Independência. Foi
construído de forma apressada apesar de não ter
sido concluído a tempo para Exposição.
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O fato de a construção ter sido efetuada às
pressas e no local da oficina de Jannuzzi abre a
possibilidade de compreendermos algumas
peculiaridades dos aspectos construtivos do Hotel,
que vêm sendo observadas no decorrer dos
trabalhos de restauração, tais como: a variedade
de materiais construtivos utilizados, a ausência de
certos acabamentos da construção, a quebra da
simetria absoluta e a ausência de vão central, tão
comum em edifícios que seguem princípios da
arquitetura clássica como o Hotel3
.
• As coincidências estruturais entre as oficinas
e a edificação principal e o anexo do Hotel
Elaboramos uma pesquisa iconográfica sobre
o Hotel e sobre o complexo de oficinas do
Jannuzzi. Durante os trabalhos de investigação
encontramos fotografias dos dois conjuntos,
praticamente obtidas a partir do mesmo ângulo.
Logo, adequamos os pontos de fuga das imagens a
fim de possibilitar a superposição das mesmas.
Esta operação revelou a coincidência nas formas
do perímetro dos volumes das edificações das
oficinas com as do Hotel4
. Logo, levantamos a
hipótese de que grande parte do baldrame de
pedra, que compõe a estrutura do Hotel pode ter
sido aproveitada da estrutura das edificações das
oficinas.
Figura 10: Esquema comparativo foto
(VIANNA,2001, p.79).
3
“O edifício é um exemplo raro de arquitetura neogrega no
Brasil. A referência, entretanto é muito sutil e restrita.
Contrariamente à boa regra acadêmica, não tem vão central, o
que confere à fachada uma aparência canhestra.”(ROCHA-
PEIXOTO In:CZAJKOWSKI, 2000)
4
A coincidência dos formatos dos perímetros verifica-se,
inclusive na forma de um dos volumes do Hospital Fernandes
Figueira, situado em lote vizinho ao Hotel.
Figura 11:Esquema comparativo antigas instalações
da Antônio Jannuzzi & Cia , foto
(VIANNA, 2001, p.75).
• Obtenção de dados mais completos sobre a
estrutura da edificação que está sendo
restaurada;
Os dados obtidos a partir da operação citada
acima contribuíram para melhor compreensão da
estrutura do Hotel, o que por sua vez também
contribui para ampliar as informações que
fundamentam o projeto da construção de novas
estruturas, previsto no projeto de restauração do
imóvel em questão.
• Possibilidade de construção da nova cisterna
sem “refazimentos” de trabalhos;
A informação gerada pela iconografia
possibilitou a indicação de um novo local para
construção da cisterna. Escolhemos uma área do
terreno que não havia registro de edificações na
época em que o mesmo era ocupado pelas
oficinas. Supomos que provavelmente a área do
subsolo estaria livre de impedimentos, o que foi
confirmado pelas sondagens5
.
5
A sondagem foi elaborada no trecho do terreno situado entre
a edificação principal e o anexo do Hotel. Foram feitos 5 furos,
um em cada vértice e um no centro do retângulo do perímetro
da cisterna projetada.
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Figura 12: Nova área para instalação
da cisterna, janeiro/ 2006.
Conclusões
Como considerações finais do presente trabalho,
destacamos as seguintes conclusões:
• A constatação da importância da elaboração
de uma pesquisa histórica criteriosa sobre a
construção da edificação histórica para
nortear os projetos de intervenção e
restauração. A pesquisa histórica aliada a
prospecções arqueológicas deve ser
considerada como a primeira etapa de um
projeto de restauração;
• A comprovação de que a pesquisa histórica
pode definir caminhos de atuação que evitem
o “retrabalhar” e o dispêndio de recursos, ou
seja, a economia destes recursos que, de um
modo geral, são tão parcos em obras de
restauração.
No estudo de caso apresentado, o conhecimento
da história da arquitetura teria influenciado
diretamente nas decisões do projeto de
restauração e teríamos poupado tempo e recursos.
Por fim,
• A possibilidade da pesquisa histórica criar
novas frentes de investigação e de elucidar
outras questões sobre o objeto de estudo.
Uma determinada investigação sempre
fornece novos desdobramentos, que ampliam
o universo de conhecimento sobre
determinado assunto. A investigação incitada,
a partir da necessidade de solucionar a
questão da construção da nova cisterna,
forneceu subsídios para novas pesquisas tais
como: dados sobre o contexto no qual o Hotel
foi construído, especificações dos materiais e
técnicas construtivas aplicadas na construção
do Hotel, dados sobre o construtor Antônio
Jannuzzi e sua empresa, referências sobre
outras edificações construídas no entorno e
informações sobre as modificações ocorridas
no próprio espaço urbano daquela região do
Morro da Viúva.
Referências
(1) ARCHITECTURA NO BRASIL, ano 1, n.2,
nov.1921.
(2) CZAJKOWSKI, Jorge (Coord.) Guia da
arquitetura eclética no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo, 2000.
(3) FERRAZ, João; HERMES, Maria Helena. Projeto
de restauração e uso do Hotel Sete de setembro. Rio
de Janeiro: UFRJ, 2001.
(4) GRIECO, B. Z. Arquitetura Residencial de
Antonio Jannuzzi. 2005. 310 f. (Mestrado em
Arquitetura ) – PROARQ , UFRJ, Rio de Janeiro.
(5) VIANNA, L. F. Rio de Janeiro – Imagens da
Aviação Naval 1916 – 1923. Rio de Janeiro:
Argumento, 2001.
E-mail dos autores
1. Professora Dra. FAU/UFRJ Maria Angela Dias –
magelias@uol.com.br
2. Professora Dra. FAU/UFRJ Cláudia Nóbrega –
claudiacln@uol.com.br
3. Mestranda PROARQ/FAU/UFRJ Arquiteta Francyla
Bousquet – fbousquet@urbi.com.br