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Sandra Rummer
A PRIMEIRA ESPOSA Nas mãos
do Bárbaro
Série sangue árabe -2
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Sábado, dia do meu casamento...
Epílogo
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
FICHA TÉCNICA – 1 EDIÇÃO-BRASIL- 2017
Todos os direitos reservados à autora Sandra Rummer Copyright ©2017
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no
Brasil em 2009.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução em todo ou parte em quaisquer meios sem
autorização prévia. A reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte.
Título: A Primeira Esposa Subtítulo: Nas mãos do Bárbaro Série Sangue Árabe Autora Sandra
Rummer Todos os personagens desta obra são fictícios.
Registro de marca e propriedade intelectual Plágio é crime! Lei 9.610 Pena de três anos a um
ano ou multa.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
Jamile, uma mulher marcada por um passado vergonhoso. É mandada
por seus pais para Marrocos, onde ela viverá com seu tio Ali Abdul Aila.
Malvista por eles é forçada a trabalhar na casa como empregada. Um
mal-entendido a coloca em maus lençóis. Surge então, Said Farrah Haji que
se torna seu salvador.
Amargo engano, pois a tirania só começou...
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
Capítulo 1
Jamile Abdul Aila Triste, cansada e acalorada, me sentei no banco.
Fitei o pátio, a simetria dominava tudo. Rodeado por uma galeria de arcos,
sustentado por quatro colunas em cada um dos cantos. Azulejos azuis e
brancos reproduziam como um espelho os desenhos da fonte que ficava no
meio dele.
Enxuguei minhas lágrimas....
Sequências indesejadas de fatos me levarão a muitos erros. Estava no
meu sangue ser conquistada e venerada. Jamais passou pela minha cabeça
que eu teria que conquistar o amor do meu marido. Ryan fez aquilo que eu
esperava de Zafir, me olhou com paixão, me desejou. Agora tentava alcançar
um estado de ânimo humilde e aceitar meu destino. Aprendi que a
transgressão só leva ao arrependimento e à infelicidade. Passei o limite, fui
atrás do proibido por ser orgulhosa.
Burra!
—Jamile! Por que está sentada aí? —Minha tia rabugenta disse no
árabe. —Vamos! Quero esse pátio todo limpo! Respeite a autoridade nesta
casa!
Eu me levantei e peguei a vassoura.
—Sim senhora! Depois posso caminhar na Medina?
—Quando limpar o pátio, os banheiros, pode! Mas não sei se dará
tempo, se escurecer, seu tio não deixará você sair.
Eu assenti para ela com raiva do meu destino. Meu tio regia a casa
com vara de ferro. Na opinião de tio Ali, qualquer pessoa que violasse as
regras dele, ficava estigmatizada para sempre; ele me recordaria dessa
desobediência durante muitos anos.
Allah! Joias? Roupas?
As roupas estavam tudo lá, guardadas em caixas. As joias, meu pai as
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
tomou para si, disse que era para eu não fazer nenhuma loucura com elas.
Que me daria só depois que eu casasse novamente.
Isso se eu me casasse!
Respirei fundo e olhei minhas mãos cheias de calos.
Quem te viu e quem te vê! Suspirei.
Ao menos trabalhando eu gozava de paz gerada pelo silêncio. Era
para mim um privilégio luxuoso. Era quando eu estava livre do meu tio, que
me vinha com regras e mais regras que vinham juntas com a leitura do livro
sagrado. As atitudes erradas que tomei a um ano atrás gerou consequências.
A venda da impunidade foi tirada dos meus olhos, agora estava difícil ver a
minha nova realidade. E a luz no fim do túnel eu ainda não enxergava, mas
me esforçava para vê-la, tentando manter minha calma, a minha paz de
espírito e uma sabedoria que nunca tive.
Meu tio me dizia que eu merecia um homem para me domar. Zafir
poderia ter feito isso, mas ele não me amou o suficiente para isso. Hoje
entendo que vivi com ele numa época que os negócios não estavam bem, e as
cobranças eram grandes. Foi uma somatória de coisas que nos levou a nos
afastarmos....
O futuro me reservaria algo bom? Haveria para mim uma luz no fim
do túnel?
—Jamile.
Eu me virei para o meu tio.
—Sim, meu tio.
—Receberemos um convidado importante, ele está de passagem pelo
Marrocos. Ficará hospedado no quarto de hóspedes. Limpe e arrume-o. Ah,
use o lenço quando ele estiver aqui. Ele é muito tradicional. Evite olhá-lo nos
olhos. Tenha uma posição serviçal.
Revoltou-me ter que usar o lenço na casa, mas eu não era livre. Estava
presa naquela arapuca. Eu, como de costume, assenti fazendo uma reverência
para ele.
—Sim, Sid.
—Você ainda tem jeito, Jamile. Vou te moldar como um vaso de
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NACIONAIS-ACHERON
barro. No começo vai doer, mas depois você será um vaso bonito e de honra
na minha casa.
—Sim, Sid. —Eu disse com a cabeça baixa.
Quando ele se virou, funguei alto. Ele se virou para mim e me deu um
olhar duro.
—Eu ouvi!
Eu abri minha boca e fechei. Sorri sem graça para ele, mas não recebi
um sorriso de volta. Ao contrário, ele fechou a cara. Os minutos passaram até
que eu desviasse meus olhos dos dele e voltasse a varrer o pátio interno.
Areia, areia e mais areia. O vento as trazia para dentro de casa. Eu as
encontrava em todos os lugares. A tarefa de retirá-las parecia não ter fim.
—Jamile. —Ouvi a voz de minha prima, Selima. Sabia que era ela por
causa da entonação alegre de sua voz. A sua outra irmã gêmea, idêntica a ela,
era amarga, sempre séria, fechada.
Allah! Raissa me lembrava alguém do passado: “Eu”.
—Hoje teremos convidados.
Eu suspirei.
—Eu sei, seu pai me disse.
—Não, não é esse que me refiro. Esse que dormirá aqui, é dono dessa
casa. Ele passa uma vez por ano para ver o imóvel e cobrar o aluguel.
—Entendi. Quem é o convidado então?
—O noivo da minha irmã. Hoje ele virá com seus pais.
Raissa fora prometida desde o seu nascimento. O noivo dela era um
homem de classe média, cabelos negros, olhos da mesma cor, alto, forte e de
sorriso fácil. Eu não gostei dele, pelo simples fato de ver a maneira como ele
me olhou. E problemas era uma coisa que eu agora ficava distante.
Eu forcei um sorriso.
—Sei quem é. Bem, eu não vou vê-los pois pensei em dormir mais
cedo.
Ela me olhou espantada.
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—Dormir?
—É, dormir.
—Quem disse que irá conseguir se recolher mais cedo. Meu tio, com
certeza vai querer que você os sirva e esteja a disposição.
Eu fitei as roupas dela, que cobriam todo o seu corpo, mas colorida.
Diferente das minhas negras, sem vida, largas. Acho que meu tio queria que
eu me sentisse a gata borralheira.
—Vou pedir então para ele me dispensar.
Ela sorriu e balançou a cabeça como se não acreditasse que eu
conseguiria e confirmou com suas palavras: —Boa sorte com essa tarefa.
Estranhei minha prima estar conversando comigo sem receber uma
reprimenda.
—Bem, se ele não me dispensar, ao menos, hoje ficarei livre de ouvir
as leis do livro sagrado. E você não deveria estar falando comigo. Eu sou a
laranja podre da família. Esqueceu?
Ela olhou para os lados para não ver se não vinha ninguém.
—Não, não me esqueci. Eles me lembram disso o tempo todo. Mas,
não estou aqui por livre e espontânea vontade. Mamãe pediu para avisá-la.
Por isso acredito que você não vai se livrar desse jantar facilmente.
—Ah, está explicado. Obrigada por avisar.
Antes de ir, ela me falou baixo: —Quanto ao outro convidado, ele é o
caminho para o pecado. Então, evite olhá-lo nos olhos. Existe um boato entre
as mulheres que se olharmos muito tempo para ele, Said leva o nosso
coração.
Eu perguntei curiosa.
—Ele deve ser muito bonito?
Ela se abanou, mostrado seu lado imaturo por causa da sua tenra
idade, vinte anos. Já fui assim um dia, me impressionava com as coisas
facilmente.
—Allah! como é, mas perto daquele deus, somos meras mortais, um
homem como ele, jamais olharia para nós. —Ela suspirou então. — Tão lindo
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como Zafir. Não tinha uma mulher na sua festa que não te olhasse com
inveja.
—É, você já me disse isso.
—Ainda me pergunto: como você pôde fazer o que fez?
O meu estômago retorceu-se incontrolavelmente. Havia mais verdade
naquela pergunta melodramática do que eu gostaria de admitir. Eu joguei
meu casamento pela janela. Eu o destruí com minhas próprias mãos.
Coloquei Zafir num pedestal também. Desde então, ele nunca mais saiu de lá.
Intocável. Um homem incapaz de amar, um homem de negócios. O
descrédito, que ele pudesse um dia mudar, veio mais forte ainda quando eu
soube do seu passado promíscuo. E meu orgulho me fez deixá-lo ali, onde eu
o tinha colocado.
Tentei tirar proveito do meu casamento, da melhor forma possível.
Usufruir daquilo que ele poderia me dar, sem neuras. Os bens materiais que
eu tanto valorizava. Foi difícil ver Zafir apaixonado e encarar o quanto eu me
enganei com ele. Me deparar com a triste realidade que eu poderia o ter
conquistado, foi como um tapa na cara, pois entendi que era só ter acreditado.
Eu ainda a olhava sem responder. Infeliz. Tia Zenaide surgiu na porta.
—Selima. Deixe Jamile trabalhar. Pedi para você apenas lhe
comunicar do jantar e não iniciar uma conversa.
Ela assentiu com a cabeça.
—Sim, mamãe.
Eu desviei meus olhos de tia Zenaide e comecei a varrer.
—E você! Jamile. Está fazendo corpo mole? Já era para ter terminado
esse serviço. Vamos!
Ainda tocada pela conversa eu baixei a cabeça, respirando fundo em
um nítido esforço para manter as minhas emoções sob controle. Sem olhar
para ela, falei, enquanto varria: —Já estou acabando.
—Quando acabar, deixe os banheiros para depois e vá até o quarto de
hóspedes limpá-lo. Acenda o bukhur para perfumar o ambiente. Troque os
lençóis e a toalha de banho.
—Está certo. —Eu parei de varrer, e assenti com a cabeça.
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Quando ela saiu, trêmula deixei que minhas lágrimas caíssem
amargas.
Allah! Se eu tivesse a cabeça que eu tinha hoje, faria tudo diferente.
Eu teria lutado por meu casamento, jamais teria me envolvido com Ryan, e
jamais teria cogitado a segunda esposa.
Olha aonde eu cheguei com tudo isso! Mais humilhada, impossível!
Quando acabei de varrer o pátio fui até o quarto de hóspedes e o varri,
tirando mais areia. Depois de levar a areia para o lixo, voltei para a área de
serviço e peguei um balde com água, desinfetante e na outra mão um rodo
com pano.
Coloquei a essência no bukhur e comecei a passar o pano no quarto.
Quando finalizei essa tarefa tirei a colcha da cama e os lençóis e fronhas.
Abri a porta do enorme guarda-roupa e quando fui pegar a roupa de cama
limpa, vi minha caixa de roupas e maquiagens num canto do armário.
Estremeci.
Lembrei-me de meu pai dizendo: —Excesso de bagagem. Você não
os levará. Entenda! Você nunca mais irá usá-los.
Eu, a despeito do que meu pai tinha me falado, enfiei uns dez na mala,
junto com as roupas escuras e largas que meu pai tinha comprado para eu
viajar. Junto com eles meus cremes e maquiagens.
Logo que eu cheguei, minha tia me ajudou com as malas, e guardou
tudo nessa caixa. Com as mesmas falas "você nunca mais irá usá-los, vou
guardá-los nessa caixa para você ter como lembrança da vida que você jogou
fora."
Com um suspiro, eu a tirei de lá e a abri. Peguei um lindo vestido
vermelho tubinho. O coloquei na cama, passei a mão no tecido acetinado com
nostalgia.
Num impulso, fechei a porta do quarto e resolvi colocá-lo. Fui até o
banheiro e tirei o hijad (o véu) e minha abaya (longo vestido preto). E
coloquei o vestido. Descalça me olhei no espelho. Lágrimas surgiram nos
meus olhos. Eu as limpei com raiva. Fui até a caixa e peguei a maquiagem.
Com destreza, por anos de prática, me maquiei. Marquei meus olhos com
delineador, rímel e lápis. Por último o batom cor de terra.
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
Com um suspiro, olhei meu rosto no pequeno espelho. Que
transformação. Era como se o patinho feio se tornasse num cisne. No quarto
tinha um bem maior, que daria para ver meu corpo inteiro.
Entrei no quarto e fiquei de frente para ele.
Said Farrah Haji —Senhor Haji, é uma honra recebê-lo em minha
casa.
Essa casa pertenceu à família de Ali Abdul Aila há muitos anos atrás.
Mas por causa de uma dívida de jogo, eles perderam tudo. Eu comprei a casa
e permiti que eles permanecessem com o pagamento de um aluguel baixo. Só
que Ali não estava mais cumprindo o contrato.
Já fazia seis meses que ele não me pagava um centavo. Todo ano eu
visitava a bela casa para ver como estava a sua conservação. Ela era tão
antiga que poderia ser considerada um patrimônio histórico.
—Senhor Aila, você conhece a finalidade da minha visita. Além de
ver a propriedade, precisamos conversar sobre o aluguel. Como sabe, sou um
homem de negócios e não fica bem para a minha imagem essa situação. Se eu
relevar o que me deve, muitos se sentirão no direito de não me pagar
também.
Os músculos do corpo de Ali retesaram-se de imediato.
—Allah! —Ele levou as mãos para cima. —Eu sei, eu irei pagar. Hoje
mesmo receberei o dote do casamento de minha filha Raissa e poderei acertar
tudo.
—Ótimo. Omã virá, então, essa semana receber.
—Sim, senhor Haji.
Eu assenti para ele.
—Vou para o meu quarto guardar minha bagagem e depois veremos a
casa juntos. Me espere no pátio interno.
—Sim, senhor Haji.
Ele fez uma reverência e deixou a sala. Eu me virei sentido ao
corredor que daria aos quartos. Meus olhos deram nas gêmeas me olhando na
soleira da porta, curiosas. Uma delas corou ante o meu olhar e logo entrou na
cozinha, a outra demorou-se um pouco mais, antes de sumir de minhas vistas
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
também.
Jamile
Allah! Zafir não poupara despesas. O vestido era realmente lindo.
Fiquei na ponta dos pés em frente ao espelho, me imaginando com sapatos de
saltos altos.
Isso era passado. Engoli meu choro. Zafir jamais fez economia
comigo...nada. Tudo que eu pedia ele me dava. Nossa casa proclamava o
quanto éramos ricos.
Allah! Agora acabou a riqueza e meu prestígio em ser a esposa de
Zafir Youssef Xarif.
Quando me casei, eu senti como se ele fosse educar um cavalo de
corrida promissor, querendo me transformar na esposa perfeita. Mas não era
isso que eu sonhava. Eu esperava que ele me amasse. Que ele me dissesse
que me amava. Que seus olhos gentis, se tornassem quentes.
—Deixe-me entender isso direito. A odalisca acompanha o quarto? —
Ouvi uma voz grave nas minhas costas.
Allah! Fechei os olhos. Aquela era a última coisa que queria que
acontecesse. Com o coração agitado, me virei e dei com aqueles olhos negros
que se fixaram no meu rosto. Estava diante de um homem másculo, bonito.
Ele parecia um bárbaro do deserto. Usava um Dishdasha bege, o relógio de
ouro brilhava no seu pulso.
Era o hóspede.
Seus olhos negros passaram por meu busto e meu colo visível, depois,
por minhas curvas acentuada pelo vestido justo e por uma de minhas pernas
na fenda daquele vestido. Precisei me esforçar para manter o rosto
inexpressivo, o corpo rijo e implacável.
Allah! Meu tio iria me bater! Ele um dia já havia me ameaçado.
Eu não conseguia falar, de tão passada que eu estava. Só pensava
agora nas consequências.
Eu sabia que precisava reagir, mas os fogos dos olhos dele passando
por meu corpo pareciam me queimar, me deixando mais sem atitude. Foi
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
então que seus olhos escuros se encontraram com os meus, e mergulhou na
minha alma como se fosse uma adaga.
—Said! —Eu iniciei.
Allah! Não! Piorei. O que Selima tinha me contado sobre seus olhos
me vieram com tanta força que eu o chamei pelo nome. Passei a língua nos
lábios, nervosa, isso piorou as coisas, pois ele sorriu.
O que eu estava fazendo? Loucura. Isso me desesperou.
Ele se virou para fechar a porta.
— Eu não sou uma odalisca. Isso tudo é um mal-entendido!
Não! Não podia perder tempo com explicações; eu colocaria minhas
roupas, e mais tarde ele nem repararia mais em mim. Precisava sair dali e
rápido. Com o coração acelerado batendo com força, eu disse rouca: —
Preciso ir, com licença...
Corri para o banheiro e fechei a porta, peguei minhas roupas e tirei o
vestido e me troquei com pressa. Abri a porta e dei com aquele homem me
olhando. Tentando entender essa confusão. Assustada com a força do olhar
dele, eu me virei, mas desequilibrada, tropecei no tapete e cai no chão num
baque.
Ouviu uma exclamação em voz baixa e, de repente, as mãos estavam
em mim, erguendo-me. Sentiu a eletricidade do seu toque firme, tão
masculino e forte e aquele cheiro másculo emanando do corpo dele. Olhei
para cima e dei com o rosto belo, mas implacável, vi o desejo naquelas
pupilas dilatadas. O tempo parou e havia apenas nós dois. Eu mal consegui
falar, nem mesmo respirar. Contra a minha vontade, meus olhos devoraram
cada detalhe daquele rosto. Os longos cílios negros, o nariz aquilino, a boca
máscula.
Seus olhos desceram para os meus lábios e ficaram ali. Seu rosto foi
descendo. Allah! Eu prendi a respiração. Quando seus lábios estavam quase
próximo dos meus, ele parou, como se hesitasse. Estremeci. Seus olhos
procuraram os meus novamente cheios de sombras. Como se ele tivesse sido
atingido por um golpe físico, ele então me soltou.
E eu, sem dizer nada apertei meus passos e sai do quarto. No corredor
encontrei a gêmea má. Sei, pois seus olhos endureceram.
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
Allah! A maquiagem! Desde que eu tinha colocado os pés nessa casa,
eu nunca a usei. E agora...
—Jamile, Jamile, já foi se oferecer para o nosso hóspede?
Ajeitei meu lenço nos cabelos.
—Não! Claro que não!
—Então, como explica seu rosto pintado como uma mulher vulgar?
Uma espetaculosa!
Eu engoli em seco.
—Raissa, eu só passei para me lembrar dos velhos tempos.
Ela balançou a cabeça.
—Você não me engana Jamile. Vou contar tudo para o papai.
Cerrei os olhos, bloqueando a visão dela por um segundo. Obriguei o
meu corpo se acalmar, a respiração se normalizar, dominando as minhas
emoções. Depois de tantos anos de prática, sabia exatamente o que fazer.
Eu abri meus olhos e ergui minha voz, dizendo duramente: —Eu não
fiz por mal. A minha maquiagem estava no quarto de hóspedes e eu num
impulso passei. Me pintei sem maldade.
Mas ela não se deixou abater por minha ira.
—Sem maldade? Aposto que arrumou para o senhor Haji. Nada boba
você!
O noivo dela surgiu no corredor dizendo.
—Raissa. Sua mãe está te chamando...— Quando ele me viu, parou
de falar e seus olhos faiscaram quando viram meu rosto pintado e ele sorriu.
—Olá, Jamile.
—Amanhã, você não escapa. —Ela disse me ameaçando.
Ela se virou e saiu seguida por aquele idiota.
Cinza, assim que estava a minha vida.
Acordar cedo, me dar conta todo dia que serei discriminada e tratada
como uma empregada, ouvir as repetições dos versos do livro sagrado pelo
meu tio como se eu fosse uma débil mental. Não poder ter uma conversa
PERIGOSAS
NACIONAIS-ACHERON
normal com minhas primas, pois segundo eles, eu poderia desvirtuá-las.
Agora eu tinha mais um item da minha grande lista para me preocupar.
Respirei fundo.
Eu me recusava a chorar!
Bufei, dei mais alguns passos e entrei no meu quarto. Fui ao banheiro
e lavei todo o meu rosto, tirando toda a maquiagem. Fazendo essa tarefa me
lembrei que eu ainda precisava arrumar o quarto do hóspede. Na pressa de
sair eu tinha deixado tudo desarrumado.
Allah! Que vergonha! Coloquei a mão no meu rosto que ficou
vermelho quando me lembrei novamente do ocorrido. Me senti dentro
daqueles filmes pastelões, em que as pessoas nos tomavam como idiotas.
Bem, o negócio agora era ter calma e tentar passar despercebida por
todos.
Caminhando de um lado para o outro, nervosa, dei um tempo, para
não correr o risco de pegar Said no seu quarto. Quando entendi que o tempo
de espera fora o suficiente, caminhei pelo corredor. Mesmo assim, com muito
medo de reencontrá-lo.
A porta dele estava fechada, hesitei antes de bater nela. Nenhuma
resposta. Coloquei meus ouvidos e não ouvi som algum. Respirei fundo e
abri a porta. Como previsto, ele não estava. Agradeci a Allah por isso.
O cheiro do quarto estava tomado pelo perfume dele, sobrepondo-se a
fragrância aromática da alfazema que saía do bukhur. Um cheiro
maravilhoso, bem másculo, combinava com o dono. Era tão marcante que
parecia que ele estava no quarto agora. Balancei a cabeça para tirar aqueles
belos olhos negros da minha mente.
Arrumei a cama com os lençóis limpos e depois coloquei a colcha por
cima. Fui até o banheiro e encontrei meu vestido dobrado num canto do
gabinete e meu estojo de maquiagem. Peguei tudo e guardei na caixa e depois
coloquei dentro do guarda-roupa.
Sai do quarto carregando o rodo e o balde que tinham ficado lá. Fui
até área de serviço. Minha tia quando me viu apertou os lábios, contrariada.
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—Você já limpou os banheiros?
—Não deu tempo.
—Então vá logo. Hoje a casa está cheia. Temos convidados. Você me
ajudará na cozinha e na hora de servi-los.
—Sim, minha tia.
—Então vai! Vamos! Por que ainda está na minha frente!
Eu me virei rápido e trombei com alguém.
Allah!
O peito era duro como um granito, e aquele perfume maravilhoso.
Com o coração batendo em disparada dentro do meu peito, com a respiração
ofegante ergui meu rosto e dei com os olhos negros de Said. Seu semblante
era sério.
—Jamile! Olha para onde anda! —Meu tio que estava ao lado dele me
repreendeu.
Dei um passo atrás. Apertei meus olhos e me lamentei para mim
mesma num sussurro.
O que estava acontecendo comigo hoje!
Abri meus olhos e encarei meu tio e apenas acenei com a cabeça para
ele com um sim, consciente dos olhos negros de Said sobre mim. Com o
coração agitado, baixei a cabeça e me afastando deles, caminhei em direção a
área de serviço. O perfume dele fixo na minha memória olfativa.
Levou vinte minutos para eu limpar os banheiros. Então, lavei as
mãos e fui para a cozinha. Minha tia estava atrapalhada com as panelas. O
cheiro de queimado estava no ar.
—Graças a Allah você chegou. Mexa essa carne para mim. Enquanto
eu lido com esse molho.
—A senhora parece nervosa, minha tia.
—Claro! Hoje é um dia importante para a minha Raissa. Ao contrário
de você, ela está feliz com esse casamento.
Senti o rosto esquentar e desvie meu olhar dela, sentindo uma lágrima
furtiva rolar no meu rosto sem que eu tivesse controle. Não respondi para a
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minha tia. Não adiantava. Enquanto mexia a carne refleti sobre as condições
do meu casamento.
Na época não tive a oportunidade que Raissa estava tendo de
conhecer melhor seu noivo. Zafir sempre fora muito ocupado. Meu
casamento fora arranjado pelos pais dele. Só nos conhecemos no dia do nosso
casamento. Mas desde o momento que coloquei meus olhos sobre Zafir, ele
me atraiu. Na nossa lua-de-mel, aqui no Marrocos, ele se mostrou uma pessoa
prestativa, educada, encantadora. Não tinha como eu não me apaixonar.
Claro que eu o amei!
Tremendo por dentro, contive minhas emoções e me concentrei
naquilo que eu estava fazendo. A carne parecia bem cozida, mexendo-a com
a colher de pau, disse: —Tia, acho que já está bom.
Ela se aproximou de mim e provou.
—Sim, está.
O jantar marroquino era diferente dos nossos ingleses, as mesas eram
baixas e sentava-se sobre almofadas.
Os pratos eram trazidos pouco a pouco. Uma empregada ou um
membro da família (sempre uma mulher) levava antes uma bacia de metal
com sabão no meio, às vezes feito de esculturas artesanais, e água em volta.
As mãos são lavadas e uma toalha é oferecida para secá-las. Os marroquinos
têm o costume de beber chá verde com hortelã (menta) e açúcar antes e
depois da refeição. Agradecem a Deus dizendo "Bismillah".
As mulheres se sentavam separadas dos homens. Então eu teria que
servir duas mesas.
—Eu vou lá na sala e dar uma olhada se você já pode servir. Aguarde
aqui para eu te chamar. E lembre-se, ficará tudo por sua conta.
Eu forcei um sorriso.
—Está certo, tia.
Ela me estudou com o semblante sério antes de ir. Como se
perguntando se ela poderia mesmo confiar em mim.
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Ajeitei meu lenço nos cabelos, para que eles ficassem bem presos.
Separei a bacia, a jarra o sabão para o ritual de lavar as mãos. Coloquei a
toalha nos ombros e aguardei. Titia logo surgiu na cozinha e fez sinal dizendo
que eu poderia começar a servir.
Com o coração batendo como um tambor, caminhei até a sala de
jantar. Parei na entrada e observei todos muito a vontade, se falando
alegremente. Meu coração se apertou no peito e nessa hora eu senti na pele a
dor da rejeição. Eles praticamente me excluíram da família. Eu estava ali de
favor e trabalhava para pagar o que eu comia, e o teto sob a minha cabeça.
Todos os olhares se voltaram para mim quando me aproximei da mesa
dos homens. Eu podia sentir os olhos do nosso ilustre convidado e pude ver
de esguelha os olhos do noivo de Raissa postados em mim, sempre com
aquele sorriso irônico nos lábios.
Esse homem não presta!
Caminhei primeiro até meu tio com a bacia com pouca água e o jarro.
Meu tio lavou suas mãos e eu despejei sobre elas mais água para tirar o
excesso de sabonete, depois a toalhinha para secar. Depois fui até o futuro
sogro de Raissa, e fiz o mesmo processo. Agora era a vez do noivo dela, ele
se lavou e eu o ajudei como fiz com os outros. Quando eu estava me
dirigindo a Said. Senti a mão gelada de Samir correndo meu tornozelo por
baixo do meu vestido.
Na hora estaquei.
Allah!
Eu o encarei surpresa. Embora eu carregasse a fama de ser uma
'ulalaat il-Haya (sem vergonha) ibn iš-šarmuuTa (filha da P...) E ele com
certeza sabia desse meu passado, eu não esperava tamanha ousadia. Saí de lá
com pressa e com uma tremedeira danada. Despejei a bacia já cheia de água
em um balde e fui em direção a Said. Quando nossos olhos se encontraram,
percebi a hostilidade do seu olhar.
Allah! Será que ele tinha reparado no gesto de Samir? E agora achava
que eu tinha dado tamanha liberdade para isso?
Se ele pensasse que se dane! Era apenas mais um na minha coleção de
pessoas que estavam a ali para me julgar e sem se importar com minha defesa
PERIGOSAS
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me condenar.
Empinei meu nariz.
Meus passos incertos soaram pelo piso conforme eu caminhava na
direção dele. Um misto de sentimentos por causa dos últimos
acontecimentos, deixaram meus nervos em frangalhos. Por isso, minhas mãos
tremiam quando me inclinei com a bacia e a coloquei sobre a mesa para ele
lavar suas mãos. Despejei a água do jarro sobre as mãos dele, mas por causa
do meu nervosismo, sem querer, deixei cair um pouco em seu colo. Na hora
ele se remexeu quando sentiu o gelado nas pernas e barriga.
Eu ergui o jarro e com meus olhos assustados e o encarei. Quando
nossos olhos se encontraram, eu enrubesci.
—Perdoe-me, foi sem querer. — Disse fugindo do seu olhar
perturbadoramente quente e lhe entreguei a toalha. Ele enxugou a mão sem
tirar seus olhos de mim, e depois passou no seu Dishdash molhado.
Quando me ergui para levar as coisas, fitei meu tio que me olhava
com os olhos duros. Com certeza ele viu o que aconteceu.
Eu definitivamente tinha acordado com os dois pés esquerdos.
Fui em direção às mulheres e fiz esse mesmo processo com cada uma
delas. Titia, Selima, Raissa e a sogra dela. Quando finalizei. Caminhei até a
cozinha e peguei o bule e despejei o chá com menta em xícaras. Tive que
fazer duas viagens até a cozinha, para que todos fosse servido. Fiz tudo de
cabeça baixa e de forma serviçal.
Samir foi o último a ser servido. Quando me inclinei para ele pegar a
xícara, ele soprou no meu ouvido: "linda". Abruptamente eu me ergui. Meus
olhos procuraram os dele, e eu o fuzilei com o olhar. Mas isso ao contrário de
inibi-lo, só o fez sorrir mais aberto para mim. A bandeja tremeu na minha
mão e enfurecida me afastei dele em direção a cozinha, mas antes de alcançá-
la pude ver os olhos negros de Said postados em mim. E pela hostilidade que
vi neles, ele tinha percebido algo.
Entrei na cozinha e agitada caminhei de um lado para o outro
tentando me acalmar. Só porque eu tinha um passado vergonhoso que, com
certeza Raissa contou para Samir, ele se achava no direito de me assediar.
O jantar todo foi assim, eu indo de lá para cá, servindo e sentindo
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todos tipos de olhares direcionados para mim: Especulativos, repressores,
furiosos, curiosos...no final do jantar vi meu tio e minha tia cochichando
enquanto olhavam para mim. Eu odiei aquilo. Era um aviso de uma conversa
séria mais tarde comigo.
Quando eu vim para cá, eu sabia que eu ia arder no mármore do
inferno, mas juro que eu não sabia que seria tão insuportavelmente quente.
Agora todos estavam conversando. Meu tio dando atenção para o
futuro sogro de Raissa e Said. E outro grupinho, Samir, sua mãe, titia, a
noiva-cadáver e Selima.
Eu, andando de um lado para o outro tirando as coisas das mesas
enquanto todos se socializavam. Numa dessas minhas idas para a cozinha,
minha tia me segurou, suas mãos no meu braço como garras: —Jamile. Não
pense que sairá impune disso. Eu vi quando derramou água no convidado.
Isso foi imperdoável.
—Não derramei por querer.
—É esse ponto que eu queria chegar. Por que justo nele? Com certeza
para chamar sua atenção. Pois saiba que sua vida social acabou. Acredite,
ninguém vai te livrar das lições que terá conosco.
A expressão era sempre ferina, ela estava constantemente mal-
humorada. Sua voz sempre afiada para me atingir. Definitivamente, eu era
uma impostora. Eles não estavam felizes comigo ali.
Um eco da série de choques que eu sentira naquele dia provocou-me
tremores por todo o corpo, mas ao mesmo tempo, minha ira rebelde também
me invadiu e ergui meu queixo para dizer: —Não fiz de propósito.
O silêncio impregnou o ambiente enquanto os olhos duros estavam
fixos nos meus: —Não seja tão hipócrita a ponto de questionar minha palavra
com respeito a isso, ou de querer discuti-la. Com o passado que carrega,
duvido! Agora vai! Continue seu trabalho. Depois lave a louça e só então terá
direito de comer o que sobrou.
Eu assenti para ela sem discutir e pisando duro, voltei a fazer o meu
trabalho.
Allah! Dai-me forças!
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Amor era um sentimento do qual eu nem mais me lembrava. Eu só via
ódio nos olhos deles. Acho que o único que aparentava gostar de mim um
pouco, mas não podia transparecer, era meu tio, irmão de meu pai. E acredito
que isso se deva ao fato de eu ter o seu sangue.
Tirei toda a mesa de cabeça baixa. Fazendo o máximo possível para
não ser notada. Meus pés estavam cheios de bolhas. Sempre andei com
sapatos de saltos altos. Mas, na minha antiga vida de princesa, eu andava
como se levitasse, agora eu me sentia como se eu marchasse.
Acabou meu nariz em pé, acabou meu desejo por joias, acabou meu
desejo de qualquer outra coisa que não fosse o carinho, o amor das pessoas
por mim. Eu queria conquistá-las, mas eu não sabia como. Quando coloquei o
vestido, foi apenas para lembrar um pouco de tudo que eu tinha nas mãos e
perdi.
Lembrei-me de um verso que eu vivia de Khalil Gibran: "Aprendi o
silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os
maldosos..." Essa agora era o meu novo "eu". Totalmente mudada.
Comecei a lavar louça, mas quando via a água correndo, me deu
vontade de usar o banheiro. Fechei a torneira e passei pela sala me
esgueirando pelos cantos, de cabeça baixa. Alcancei o banheiro e tão logo
fechei a porta atrás de mim, fiz xixi.
Ahhhhhhhh! Alívio....
Quando finalizei me limpei e lavei as mãos. Ainda pensativa, abri a
porta.
Allah! Levei um susto, quando dei com Samir parado em frente a
minha porta no corredor, quase dei um encontrão nele.
Nossos olhos se encontraram. Aquele sorriso de sempre, surgiu em
seu rosto. Eu me virei, mas antes de ir, sua mão pegou meu braço como
garras, a outra tampou a minha boca. Seus olhos então me olharam
predadores e ele veio para cima de mim. Ele me empurrou para dentro do
banheiro e tentou fechar a porta com o pé. Mas eu lutei, para que isso não
acontecesse.
—Não! Nã... —Eu disse quando sua mão saiu da minha boca, mas
seus lábios tomaram os meus calando o meu grito.
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Não sei quanto tempo isso levou até que ouvir uma voz estridente: —
Samir! —Era a voz de Raissa atrás de nós. Ele ficou tenso, e eu aproveitei e
mordi seus lábios. Samir me soltou e a encarou com a boca suja de sangue
sem fala. Ela, como ódio, olhou para mim. — Sua vadia! Sua detestável!
— Essa mulher me atacou!
Eu me defendi: —Mentira dele, os olhos dele sempre foram maus
para mim.
Ele tentou falar.
— Rai...
— Cala a boca! — Ela disse para ele.
O grito dela e a exclamação dele chamaram a atenção de todos, pois
logo o corredor se encheu de olhares curiosos vendo a cena. Raissa estava lá,
vermelha, olhando para mim e para Samir com ira nos olhos.
Ela voou em mim e me acertou as faces e olhando para ele gritou: —
Não haverá mais casamento! Seu idiota, porco! —Esbravejou.
Chorando, saiu correndo esbarrando em todos os presentes, abrindo
passagem. Selima correu atrás dela.
Ela acreditou em mim?
Se sim, não deixaria de me odiar por eu ter provocado o desejo em
seu noivo.
Samir saiu de fininho e seus pais o acompanharam. Eu fitei meu tio
que me olhava furioso, vermelho de raiva. Said que até agora estava na sala,
se uniu para ver a confusão no corredor. Minha tia estendeu para Ali um
cinto, que ele pegou com um sorriso maldoso e avançou sobre mim.
—Não! —Eu gritei e tentei entrar no banheiro, mas ele me alcançou.
Recebi cintadas nas pernas, nos braços. Me inclinei quando ele
começou a me bater nas costas.
—Pare! Não bata nela! —O som veio de trás, um som ameaçador,
sentir uma pontada de medo. Em sua voz continha uma autoridade que que
não poderia ser negada ou ignorada. Tanto que meu tio parou de me bater.
Eu fitei o dono daquela voz. Said estava ali na porta do banheiro.
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Enorme, com aquela aura superior, nos encarando com o olhar duro.
—Senhor Haji. —Meu tio Ali disse, instantaneamente me liberando e
dando um passo atrás. Disse cuidadoso. — Melhor o senhor não se meter.
Você não a conhece, não se deixe encantar por esses olhos inocentes.
Said me observou em silêncio por alguns minutos. Como se me disse
que agora eu estava nas mãos dele. Fiz o mesmo, mas suplicando com os
olhos para que ele me livrasse de toda aquela confusão.
Seus olhos voltaram-se para o meu tio com expressão sombria e
irritada.
—Mesmo assim, não bata nela! —Said disse com voz firme, precisa,
aterradora, mesmo num baixo volume, sem precisar elevá-la. Isso fez meu
coração bater forte no peito. Desde que cheguei, essa era a primeira vez que
alguém tomava partido por mim.
—O senhor não viu o que ela fez? Ela acabou com a felicidade de
minha filha. Não haverá mais casamento. Até o senhor foi atingido
indiretamente. Sem esse dote, eu não conseguirei pagar o aluguel!
Said olhou para mim como se pensasse. Eu o encarava emudecida,
com os olhos embaçados pelas lágrimas abundantes e que molhavam todo o
meu rosto.
—Faremos o seguinte. Eu ficarei com ela, ela trabalhará de
empregada na minha casa em troca do aluguel.
Meu tio o fitou confuso, e depois olhou para mim, seus olhos foram
ficando mais e mais duros conforme ele me olhava. Ele encarou Said
novamente.
—Eu não sei. Meu irmão me confiou os cuidados com ela. A
responsabilidade de lhe dar um corretivo é toda minha. Por favor, digo e
repito, não se encante por esses belos olhos. Foi pega em adultério. Ela é
ardilosa, fútil.
Percebi que Said ficou desconfortável com essa informação sobre
minha pessoa. Seus olhos então procuraram os meus. Vi uma tempestade
dentro deles. Ele estudou meu rosto, os olhos negros profundos movendo-se
sobre a minha aparência, e um lento sorriso se espalhou em seu rosto. Ele
então disse: —Sempre gostei de desafios. E como disse, você tem uma dívida
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comigo, então não terá outra solução.
Allah! Estremeci de medo. Não sei se seria boa ideia estar nas mãos
dele. Eu me perdi nos pensamentos e olhei para as minhas mãos, me sentindo
um cachorro sem dono. Então, fitei os olhos gelados de Said que estavam
postados no meu tio, esperando a resposta dele. Meu tio estava ali pensativo,
sem saber o que fazer.
—Tudo bem. Ela trabalhará para o senhor. — Ali disse, correndo a
cinta nas mãos, nervosamente. Minha tia que deveria estar escutando tudo,
surgiu na porta e me olhou com ódio nos olhos.
—Ela terá que dormir no emprego. —Said anunciou.
Meu tio respirou fundo: —Tudo bem.
Eu me senti como se fizesse parte de um filme de terror, imaginando
que tipo de situação a personagem passaria a qualquer momento. E tudo que
você só sabe era que seria algo terrível.
Said estendeu a mão para Ali para fechar o acordo. Meu tio pegou a
mão dele e apertou suas mãos. Quando eles soltaram as mãos, seus olhos
negros voltaram-se para mim.
—Qual é o seu nome?
Eu, que estava perdida em pensamentos confusos, me endireitei.
Limpando meu rosto de lágrimas que ainda teimavam em descer respondi: —
Jamile.
—Arrume suas malas. Partiremos amanhã cedo.
Eu assenti para ele.
—Ela tem louça para lavar. — Minha tia avisou, com ira nos olhos.
—Termine seu serviço e depois arrume suas malas. —Ele disse me
olhando por um tempo antes de se virar.
Seus olhos fixaram em todos que imediatamente entenderam o recado
e deixaram o corredor. Eu, ainda trêmula por tudo que aconteceu e pelo meu
futuro incerto, me sentei na privada, tentando imaginar que tipo de vida eu
levaria lá.
Escutei, então, os brados indignados que vinham do quarto ao lado.
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Era a minha tia e meu tio brigando entre si. Isso acabou surtindo um efeito
bom em mim. A caldeira do inferno tinha sido aumentada, e sair de lá seria
bom. Se não fosse por essa proposta, eu teria apanhado muito e receberia
todo tipo de represaria dos meus tios.
Allah! Me lembrei da maquiagem. Mesmo que eu conseguisse provar
que eu fui vítima, quando ele soubesse que Samir me viu maquiada, ele iria
me massacrar, me acusando de incitar o desejo nele e eu teria que me
acostumar à ideia que a porta do meu cárcere se encerraria de fato. Ele jamais
me arrumaria um marido e eu o serviria para sempre como empregada.
Agora com Said, eu poderia trabalhar para pagar a dívida do meu tio e
quando ela se finalizasse, eu pediria para prosseguir com meu trabalho. Faria
um pé de meia e depois tentaria viver minha vida. Poderia até voltar para a
Inglaterra.
Sim! Positivo! Eu precisava pensar positivo!
Capítulo 2
Senti um alívio feroz quando deixei aquela casa. Quase chorei de
felicidade. Na despedida, me deram um beijo no rosto de praxe, mas sem
sentimento algum. Talvez até alívio. Como se cumprissem um protocolo.
Raissa naturalmente não me beijou e de quebra me olhava com ódio nos
olhos. Ao olhar para ela, me vi. Odiei Khadija por inveja, puro despeito.
Agora eu pagava por isso.
Estava deixando para trás um remoinho de humilhações, violência e
abusos de autoridade. Lembranças que eu queria esquecer. Caminhei até a
porta com Said, rumo a minha nova vida.
Por que não a liberdade?
Eu ansiava esquecer toda a injustiça sofrida com meus tios, que me
atormentou durante um ano em que eu estive com eles. As portas se fecharam
atrás de nós com estrondo. Fechei os olhos, lágrimas desceram dos meus
olhos. Respirei fundo o ar fresco da manhã. Ouviu pela primeira vez o canto
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dos pássaros debaixo de uma árvore ao sol. Prestei atenção nos movimentos
dos carros. Pessoas caminhando em direção as lojas naquela parte da Medina.
Todo esse tempo que estive com eles, consegui apenas uma vez
caminhar entre as lojas. Isso porque, fui com um objetivo. Minha tia tinha me
pedido para comprar farinha. Aprisionada.
E agora? Eu estava indo para a outra gaiola, só que dourada? Limpei
as lágrimas, e ajeitei o hijad preto escondendo meus cabelos. Sabendo que
minha aparência deixava a desejar, vestida com aquela abaya negra.
Aparência?
Há muito tempo eu não sabia o que era me arrumar, desde aquele
dia....
Allah! No mínimo quando Said me viu com aquele vestido, ele me
enxergou como uma vadia, ou uma cavadora de ouro.
Respirei fundo.
—Vamos? —Ouvi a voz de Said.
Só então percebi a porta aberta do veículo preto. Sem encará-lo muito
nos olhos, eu assenti para ele com um gesto de cabeça. Deslizei para o
assento de couro marrom. Said se sentou no banco da frente ao lado do
motorista. Quase não dormi a noite, pensando em tudo que aconteceu, na
guinada que deu minha vida. Tentei deixar que o barulho suave do motor me
acalmasse. Mas foi em vão. Eu estava agitada demais.
Fitei o retrovisor do carro e encontrei os olhos sérios e observadores
de Said em mim. Limpei minha garganta, mas não saiu dela som algum.
Foi então que ele me disse: —Descanse. Serão cinco horas e meia de
carro até Marrakesh. No meio do caminho paramos para almoçar.
Meu coração se agitou no peito. Assenti para ele e desviei meu olhar
dos profundos olhos negros dele e direcionei-os para a janela, mas sem nada
ver.
Almoçar com ele…Pensei.
Said para mim era um mistério. Eu não me admirava em nada que ele
o fosse. Eu nunca participei de nenhum assunto da casa. Era tratada apenas
como uma empregada. Quando meu tio usava seu tempo precioso para falar
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comigo, era apenas para recitar o livro sagrado e me dar versículos para
decorar. Se eu não os decorasse até o dia seguinte, ele não poderia participar
da refeição, isso até eu decorar.
Era uma espécie de passaporte, pedágio para eu me comer. A
tecnologia deixou a idade das trevas para trás, mas minha sociedade machista
continuava a viver nela. Eles eram ainda movidos pelas formas bárbaras. As
mulheres cordeirinhos de homens predadores.... Meu estômago revirou com
esses pensamentos e eu os afastei.
O trajeto longo, muito. Depois de uma hora de viagem, as casas e
estabelecimentos foram ficando para trás e agora estavam cada vez mais
rareando na paisagem. Meus olhos foram ficando pesados pela noite mal
dormida. Resolvi me deitar no banco do carro para tirar um cochilo. Me
encolhi. Eu só queria o escuro agora.
Acordei mais tarde com um toque nos ombros.
—Jamile.
Meu coração acelerou, um rubor atingiu meu rosto quando me
lembrei a onde eu estava. Me levantei e dei com os olhos negros de Said
postados em mim. Ele estava do lado de fora do carro e tinha aberto minha
porta.
Me endireitei no banco e deslizando saí do carro. Percebi que
estávamos no estacionamento de um restaurante, acima dele balançava a
bandeira da Itália.
Restaurante Italiano?
—Está com fome?
Eu assenti para ele com um sim. Ele me observou.
—Você tem língua? Ou a cortaram?
—Tenho.
—Ótimo, então faça uso dela. Não gosto de monólogos. Já comeu
comida italiana?
Eu baixei meus olhos.
Sim! Eu adorava comida Italiana. Zafir sempre que podia me levava.
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Meu coração se apertou com um sentimento de tristeza. As dores passadas
me atacaram novamente. Rejeição.
—Eu te fiz uma pergunta?
Pisquei, quebrando minhas memórias e ergui meu rosto para ele. Said
me olhava impaciente.
—Eu gosto muito.
Said me estudou antes de dizer: —Pelo visto frequentou restaurantes
assim.
—Sim. — Era aquela ligação entre o passado e o meu agora presente.
A liberdade que eu tinha, e agora a prisão, a obrigação. Essa consciência me
deixou mais no chão. A melancolia que ela me engoliu por inteiro com essas
lembranças como uma maldição.
Eu o fitei, ele me estudava. Quando nossos olhos se encontraram, ele
disse impaciente: —Vamos!
Eu assenti e caminhamos lado a lado em direção à porta de vidro do
restaurante. Alguns passos depois eu tropecei. Dedos seguraram meu braço e
por pouco não caí no chão. Me endireitei. Suas mãos me soltaram.
—Você parece que tem dois pés esquerdos. —Ele disse.
Eu respirava com dificuldade, odiando o olhar de diversão que vi no
rosto dele. Então me lembrei de ontem à noite no quarto dele, quando caí
como manga madura no chão. Senti meu rosto vermelho, e não consegui
deixar de sorrir sem graça.
—Geralmente não sou tão atrapalhada.
Seus olhos negros ficaram mais intensos e desceram para os meus
lábios, fazendo meu coração palpitar mais rápido no peito.
Não! Não! Eu não podia me apaixonar por ele. Baixei meu rosto.
Eu tinha medo do meu “eu apaixonado”. Eu estava indo muito bem
até agora, eu podia estar numa prisão, mas a paz do meu coração “livre” era
inigualável. Um dia eu me transformei de um gatinho manso em um felino
com garras e dentes.
Ele disse rude, cortando meus pensamentos: —Sabe que seus olhos
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passam pureza? Mas isso não me engana, eu sei o que se esconde por trás
dessa aparência. Vamos!
As palavras dele me atingiram, trazendo dor ao meu peito. Ele
avançou sem me esperar. Eu fiquei ali parada por um tempo. Anda! Pare de
agir como vítima!
Forcei meus passos até alcançá-lo. Conforme caminhava ao lado dele,
briguei com meu coração para parar de bater daquele jeito. Tentei acalmar
minha respiração, dizendo para mim mesma: Foi ótimo.
Melhor!
Não fique assim!
Pés no chão sempre!
Foco!
Mas isso nada adiantou. Caminhando no interior do restaurante
charmoso, eu não consegui parar uma lágrima quente que desceu queimando
a minha bochecha.
O que estava acontecendo comigo? A limpei com raiva.
Said Allah! Ela chorava?
Essa mulher estava me atingindo de uma maneira estranha. Era uma
briga de sentimentos dentro de mim. Num momento eu a queria, em outros eu
a desprezava.
Eu não estava acostumado ao caos dos sentimentos que ela estava me
provocando. No pouco tempo que eu a tinha conhecido, ela me fez sentir algo
que há muito eu não sentia.
Era algo ilógico. Tudo era contra ela. Mas todos os argumentos, seu
passado e todas as dificuldades não tinham me preparado para a complicação
dos meus sentimentos. Essa força repugnante de emoções.
Como eu poderia entender e manter meus pensamentos seguros se ela
toda hora me passava uma imagem?
A de mulher fatal, então ingênua. Ousada, então tímida. Medrosa,
então orgulhosa....
Agora mesmo um flash de vulnerabilidade brilhava em seu rosto.
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O Maître me indicou uma mesa vazia perto da janela. Assenti para ele
ainda com aqueles pensamentos viciosos na minha cabeça. A verdade era que
ela atiçou aquele desejo dormente em mim. Ela mexeu com todas as minhas
fantasias sexuais quando eu a vi naquele vestido.
Me virei para ela. Ela veio na minha direção com a cabeça baixa.
Cabeça e corpo todo coberto, diferente da mulher que ficou gravada como
fogo na minha mente.
Eu precisava vê-la assim, dentro dos nossos costumes. Respirei fundo
e afastei a cadeira para ela se sentar. O Maître nos deu o cardápio. Ela olhou
para mim e depois se escondeu atrás dele. Minutos depois ela o colocou na
mesa: —E então?
—Não sei.
—Como não sabe? Não conseguiu escolher um prato?
—Eu sou apenas uma empregada. Quanto pretende gastar?
—Não se preocupe com isso. Pode pedir o que quiser.
Jamile Meu coração se apertou agitou no peito com sua resposta.
Allah! Muito estranho. Eu podia pedir o que eu quisesse porque ele era rico?
Ou tinha algo por trás disso tudo?
—Que tipo de empregada eu serei?
Said deu uma risada de canto. Meu coração imediatamente se agitou
no peito. Lindo! Isso o definia. Ao mesmo tempo que eu constatava isso, seu
sorriso me preocupava.
—Não tenho nada definido ainda para você.
Meu coração conseguiu ficar mais agitado do que estava. Nessa hora
o garçom se aproximou: —Senhor. Já fizeram suas escolhas? Posso anotar o
pedido?
Said pegou o cardápio e pediu: —Lasanha e alcachofra à moda
romana. —Ele me olhou por trás do cardápio. —Posso pedir o mesmo para
você?
—Só lasanha.
—O que irão beber?
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—Suco de abacaxi e você Jamile?
—O mesmo.
O garçom anotou o pedido e se afastou. Eu encarei Said, cheia de
dúvidas na cabeça.
—E então?
Said que olhava pela janela me encarou.
—E então o quê?
—Disse para o meu tio que eu trabalharia para o senhor. Estava
mentindo? Tudo isso não passou de um jogo para me ... levar para a ...?
A severidade dele se atenuara. Ele não exibia mais aquela expressão
enigmática. Agora seus olhos negros observavam-me atentamente, até
demais. Meu coração se agitou no peito.
Said disse com voz aveludada.
—Eu te livrei de ser espancada. Nunca me agradou esse tipo de coisa.
Senti o clima na casa muito pesado, e agi.
—Só isso?
Ele riu.
—E você acha pouco?
—Não foi isso que eu quis dizer.
—Não existe nenhum jogo. Mas posso pensar a respeito.
Eu fiquei branca. Ela não queria acreditar nos meus ouvidos. Senti
vontade de gritar.
—Eu não serei sua a....mante!
Said sorriu friamente para mim, como se apreciasse meu nervosismo.
—Isso ainda não decidi. Só o que sei é que sou seu dono. Paguei
pelos seus serviços e não foi barato.
Eu engoli em seco. Os olhos de Said endureceram.
—Não sei porque tanto pudor. Conheço toda a sua história, nos
mínimos detalhes. Eu e seu tio tivemos uma conversa ontem. Não adianta
passar uma imagem que não é. Isso não funcionará comigo. E lembre-se que
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eu vi como você é realmente.
Allah! Ele estava se referindo ao dia que ele me viu vestida no quarto
dele daquele jeito. Minha respiração se agitou.
—Isso é con...tra os costumes. —Gaguejei. —Não posso ser sua
amante.
Said se recostou na cadeira e deu um sorriso debochado, cruzando os
braços na frente do peito como o profeta.
—Não sou muçulmano. Se quiser pode deixar de usar o hijad, usar
roupas mais descontraídas. —Ele então falou num tom baixo e debochado.
Isso me abalou. —Mas sugiro que num país onde a maioria é muçulmana,
você não tire o lenço agora, só faça isso quando estivermos na minha casa.
Então, você poderá andar mais à vontade.
Allah! Isso não era bom.
Eu tirei do meu rosto a surpresa e demonstrei toda a minha seriedade
quando perguntei: —Num país onde a maioria é muçulmana como disse, por
que você não segue os costumes?
Ele sorriu friamente.
—Meu pai era norte americano. Veio para o Marrocos a trabalho e se
casou com minha mãe que era órfã. Nem ele, nem ela, eram presos às
tradições.
Eu engoli em seco e resolvi explicar toda aquela confusão.
—Aquele dia... Quando eu estava no seu quarto. Eu usava um dos
meus vestidos. Estava apenas revivendo o passado, nada mais que isso. —
Meus olhos foram tomados por um brilho triste.
—Sim, revivendo um passado cheio de glamour, riquezas e que você
daria tudo para tê-lo de volta.
Meus olhos brilharam, eu dominei minhas emoções, me esforçando
para que minhas lágrimas não caíssem.
—Exatamente. —Ergui meu queixo. —Mas não pelo glamour ou
pelas riquezas como está dizendo. Quando coloquei aquele vestido eu estava
me lembrando do meu ex-marido.
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Said riu.
—Allah! Essa é boa! Você trai o pobre coitado e quer que eu acredite
que morria de amores por ele?
Eu baixei meus olhos tristes.
—Eu sei que errei. Quando me olhei no espelho com aquele vestido,
pensei em como tudo poderia ter sido diferente.
Ele fez um "hah!" Antes de dizer: —Carregada com toda aquela
maquiagem! Você quer que eu acredite nisso? —Ele rebateu em tom seco. —
Não faça esse papel de Madalena arrependida. Isso só piora as coisas para
você e pena me leva ao asco.
A esperança zombou de mim, fazendo-me acreditar que eu tinha uma
chance. Uma pequena, quase inexistente chance de ele acreditar nas minhas
palavras, mas ainda uma chance. Isso foi cruel. Mau. Agora...
Said Jamile me olhou a princípio sem se mexer. Como se o mundo a
sua volta tivesse parado e ela somente ouvisse sua respiração ofegante.
Vi o quanto minhas palavras a afetaram a ponto do sangue fugir de
seu rosto. Então, desviou seus olhos dos meus e eu assisti rolar uma lágrima
solitária em suas faces rosadas. Apertei minhas mãos debaixo da mesa com
furor e desviei os olhos da sua figura frágil.
Lágrimas de crocodilo! Ela estava jogando comigo para me
conquistar?
Por que ela estava vestida daquele jeito no meu quarto? Para me
impressionar? E depois vir com essa história triste para eu cair como um
patinho?
O que havia nessa mulher que me perturbava dessa forma?
Allah!
Pior que desde que a vi no quarto vestida daquele jeito ela não me
saia mais da cabeça! O que era isso? Uma praga de um fetiche?
Meu coração bateu descompassado; meu sangue correu denso e
enjoativo quando pensei na possibilidade de estar nas mãos dela, isso fez
todos os meus músculos se retesarem.
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Uma voz, vinda do fundo da minha alma, relembrou-me que desde a
morte de Layla eu vivia de luto. A parte estranha, a parte mais complexa e até
mesmo mais extraordinária, era que essa mulher a minha frente conseguiu
mexer comigo, ela me fez abraçar meu bárbaro interior, me fez por um
momento esquecer a minha tristeza. E outra voz mais forte me fazia
reconhecer a verdade por trás de todo aquele prazer, eu a queria para mim.
Independentemente do quão contraditório pudesse ser em sua efemeridade.
Agora ela era minha.
Eu possuía sua vida por causa do pagamento de uma dívida. Só de
pensar nisso a adrenalina correu densa nas minhas veias, fazendo meu
coração se agitar.
Tudo aconteceu por um impulso, mas dentro de mim cresceu esse
estranho prazer de tê-la nas minhas mãos. E agora? Ela seria minha cura? Ou
minha ruína?
Sorri com o rosto voltado para a janela ao me lembrar da imagem
surpresa de seu rosto quando eu lhe disse que não era muçulmano e que as
regras não se aplicavam a mim. Deve ter sido aterrador saber que eu não
estava preso aos costumes.
Tirei o sorriso do rosto e respirei fundo. Quando a encarei nossos
olhos se encontraram. Ah. Já tinha percebido isso, ela adorava me observar
quando eu não estava olhando. Segurei por um tempo seu olhar. Ela,
constrangida, o desviou dos meus. O Garçom nessa hora surgiu e começou a
nos servir e voltei a minha atenção para o meu prato, mas totalmente
consciente dela. Como um felino que conhece todos os movimentos da sua
presa.
—Eu preciso ir ao banheiro. —Ela me disse como um coelhinho
assustado quando finalizamos o almoço.
Eu não queria vê-la assim. Queria que aquela máscara de boa moça
caísse.
—Tudo bem. Te espero no carro.
Jamile Eu fui até o banheiro. E estava me sentindo nauseada com
tudo isso. O sentimento de angústia que senti com suas palavras colaboraram
muito para isso. Vi o quanto eu estava mudada. Se fosse outra Jamile,
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usufruiria com o que ele me daria. Sim, pois com certeza, sendo sua amante,
eu teria muitas regalias e o fato de ele não seguir os costumes seria muito
bem-vindo. Só que hoje eu pensava diferente. Eu estava vivendo as falas de
Zafir " Espero que não enxergue o preço das coisas e sim o valor das pessoas.
" Elas agora não eram mais como um eco na minha cabeça, elas desceram
para o meu coração, e se fixaram na minha alma.
Hoje eu queria ser amada. Tinha trinta e três anos nas costas. Não
estava na flor da idade. Eu não era mais uma jovenzinha despreocupada, com
aquela mentalidade que eu tinha uma vida pela frente. A idade já estava
começando a pesar.
Uma coisa eu sabia, quando Said olhava para mim com interesse nos
olhos, era difícil me lembrar de que se eu caísse na lábia dele, eu seria usada
e descartada.
Said me atraia, sim! Mas eu teria que lidar com isso. E lutaria
bravamente com esse sentimento que eu não tinha direito de sentir. Se me
deixasse levar por ele, aí sim, ele não me valorizaria.
Olhe para você! Por que agora se tornou tão importante que ele te
valorize?
Não! Eu faria isso por mim mesma! Eu que precisava me valorizar!
Pensei no motivo de eu estar com ele.... Said com certeza tinha agido
por impulso.
E agora? Ele estava sentindo uma espécie de arrependimento tardio?
Com certeza ele achava que eu tinha ido ao quarto dele de propósito,
como se tivesse armado tudo para conquistá-lo. Lembro-me de suplicar-lhe
com os olhos para que ele agisse, de alguma maneira, na hora que meu tio me
batia. Mas jamais imaginei que eu seria uma moeda de troca entre ele e meu
tio.
Em frente ao espelho, tirei o lenço e abri a torneira. Lavei as mãos e
passei água no rosto e pescoço tentando me acalmar e me deixar alerta. Dei
um passo para trás. O espelho exibia meus cabelos negros lisos e um pouco
emaranhados. Os meus olhos negros receosos tentando manter a compostura.
Passei o dedo pelos cabelos e coloquei o hijad novamente.
Quem sabe Said só tenha falado tudo aquilo para me assustar? E que
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chegando em sua casa, toda a nebulosidade de suas palavras se desfaria e eu
trabalharia realmente para ele?
Saí do banheiro e fui em direção a saída. Senti o sol ardido
queimando a pele do meu rosto e ar estava abafado. Mesmo assim, Said
estava lá, encostado ao carro, com a expressão carregada e um cigarro entre
os dedos. O vício só comprovava o que ele tinha me dito sobre não seguir os
costumes. Eu me arrepiei. Quando ele me viu, aprumou o corpo e jogou o
cigarro fora. Entrou no carro sem abrir a porta para mim.
Allah! Abrir a porta do carro para mim?
Caia na realidade! Você para ele é uma simples empregada!
Entrei no carro fresco pelo ar condicionado ligado e fiquei atrás da
cabeleira negra dele. Assim não corria o risco de encontrar seus olhos no
retrovisor do carro. Passei a viagem restante imersa em pensamentos ou
fitando tudo lá fora, mas geralmente sem nada ver. A paisagem passou diante
dos meus olhos em um estado confuso de nervosismo e negação.
Duas horas e meia depois, chegamos ao nosso destino. O motorista
entrou num caminho ladeado por palmeiras. À medida que o carro se
aproximava dos enormes portões, estes se abriram automaticamente.
— Lar, doce lar. — Said disse. Ele estava ironizando? Ou disse
satisfeito?
Percorremos o caminho ladeado por palmeiras frondosas. Surgiu
então uma grande construção da cor branca. O palácio era formado por várias
edificações lindamente conectadas por pátios e jardins. Nenhuma igual à
outra. Algumas com torres, outras com domos, todos os muros cobertos de
trepadeiras.
O carro parou diante da construção mais alta, de dois andares com
portas e colunas douradas. Na entrada, na grande varanda, os empregados
trajando kandura brancos estavam alinhados e sorriram para ele, se curvando
em reverência quando ele saiu do carro.
Mesmo vivendo com Zafir numa casa enorme, nunca tivemos esse
tipo de pompa. Sempre testemunhei demonstrações de respeito, mas o que eu
via agora era algo diferente. Eles o tratavam de forma especial. Vi nos olhos
deles aquela alegria genuína. Said deu um sorriso de menino recebendo os
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cumprimentos, demonstrando seu sentimento recíproco. Do interior da casa,
saiu uma senhora grisalha e um menininho de uns dois anos, bem branquinho
e de cabelos negros. Ele veio correndo em direção a Said e agarrou suas
pernas o chamando de pai.
Allah!
Said era casado?
Viúvo?
Separado?
Claro! Um homem bonito, rico, que beirava seus trinta e nove anos
tem um passado. Ele não ficaria solteiro.
Said o pegou no colo e lhe deu um beijo no rosto. Eu resolvi sair do
carro e quando me aproximei deles, ele chamou a mulher, Zilá, e colocou a
criança nos braços dela. A criança começou a chorar.
—Leve-o para dentro.
Depois que ela entrou, Said me encarou.
—Esse é meu filho, Bashir. Não quero que ele se apegue a você. Por
isso, não quero que tenha nenhum tipo de contato com ele. Está me
entendendo? —Ele me disse de forma bem seca.
Assenti com a cabeça para ele, muda.
—Vamos!
Deixamos para trás a luz do sol e o calor. Entramos numa sala que
transmitia calma e frescor. Era linda! O teto da sala era formado por uma
abóbada azul e dourada de cair o queixo.
Uma empregada veio nos receber quando cruzamos um arco grande e
paramos no meio da sala. A senhora também não usava lenço. Estava vestida
com o Jelabiah, uma roupa tradicional, semelhante a uma túnica longa até os
pés da cor branca.
—Senhor Haji, bom dia.
—Bom dia. — Said me olhou por um tempo. Então acenou como se
tivesse chegado a uma conclusão. —Essa é Jamile. Arrume para ela o quarto
ao lado do meu...
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Ao lado do dele?
—Sim senhor.
Vi o motorista segui-la com minhas malas.
— Me acompanhe.
Eu o segui, mas nem consegui reparar no lugar, caminhei muda como
se tivesse indo para o matadouro. Ele abriu uma grande porta que deu numa
linda biblioteca. Quando entramos no interior dela, ele fechou a porta atrás de
nós. Se virou para mim e se aproximou. Sua fragrância almiscarada tomou
conta de mim novamente.
A frieza no olhar dele me avisou que ele me olhava como se tratasse
de negócios agora.
—Não sou de fazer jogos bobos. Sou muito direto e eu a quero para
mim. Luxuria, êxtase. Chame como quiser.
Suas palavras me arrepiaram e eu falei sem pestanejar: — Não serei
sua amante. Me dê qualquer outra coisa para fazer.
Ele baixou a cabeça sorrindo e a meneando de um lado para o outro.
Quando a ergueu, vi um traço de aborrecimento vindo novamente em sua
expressão. O tempo congelou entre nós. Suas narinas se dilataram: —Chega
de jogos. Deveria se sentir honrada que eu a deseje, mesmo sabendo quem
está por trás dessa aparência inocente. Eu não estive com uma mulher há
bastante tempo. Estou limpo. Você comigo terá, em troca, uma vida
confortável. Estipularemos um tempo para que a dívida seja toda sanada. Eu
serei a formiga e você a cigarra. Enquanto eu trabalho, você canta para mim.
O que acha?
—Você está louco? —Eu perguntei duramente. Eu queria gritar com
ele, mas mordi a língua. — Eu não sou uma prostituta!
Ele riu e deu um passo mais à frente, meu coração disparou. Minha
respiração se atenuou: —Mas eu não disse que você era. Pense que é uma
troca simples. Você usufrui de tudo que eu tenho e eu a tenho na minha cama.
—Você joga tudo que tem como se eu o quisesse, como se assim você
pudesse dormir comigo?
Cada polegada de mim estava em chamas. Seus lábios se esticaram
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com um sorriso lindo, charmoso, sedutor. Seus lindos olhos me levando com
um vertiginoso efeito sobre mim.
—Não estaríamos dormindo, Jamile. —Ele disse com ironia.
Pisquei para ele aturdida e tentei suprimir a raiva que borbulhava para
a superfície.
—A resposta é não.
Ele se aproximou mais.
—Ah, Jamile. Eu conheço as mulheres. Não me jogue palavras de
negação. Você é uma mulher quente. Se não o fosse assim, não teria um
amante.
Minha raiva cresceu de tal forma que lhe acertei as faces tão forte
quanto pude.
Allah! Tirei a trave de uma granada e ela estava agora prestes a
explodir na minha frente. Em choque fiquei o olhando, me admirando do que
eu tinha feito.
Sua louca!
Bater num homem árabe?
Said estava lá: a surpresa em seu rosto, seu peito subindo e descendo
rapidamente e com uma súbita fome em seus olhos enquanto olhava para
mim.
"O que foi que eu fiz?"Foi meu último pensamento antes que ele
desse um passo para frente e esmagasse seus lábios contra os meus. Eu
estremeci. Não eram punitivos, e sim envolventes, doces. Ele tinha gosto de
menta e tabaco, era a coisa mais gostosa que eu já tinha experimentado. Sua
língua se chocando com a minha e seus dentes mordiscaram meu lábio
inferior. Meu corpo traidor tremia, violentamente. Eu nunca experimentei um
desejo assim, tão ardente. Senti, então, na barriga seu cume duro e isso me foi
como um sinal de alerta.
O afastei um pouco e me livrei dos lábios dele, enfiando meu rosto
em seu peito cheiroso.
— Não, por favor não!
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Ele respirava pesadamente, abraçado a mim. Talvez tentando colocar
seus pensamentos em ordem. Agarrou o meu lenço e puxou minha cabeça
para eu olhar para ele. Seus olhos exibiam toda a sua frustração.
—Seu corpo me deseja. Senti isso aquele dia no meu quarto. Se eu
não tivesse me afastado, você teria permitido que eu a beijasse. E agora eu te
provei isso. Por que esse jogo comigo agora? Por que me rejeita? —Ele me
perguntou tudo em luta, seus olhos eram tempestuosos, sua testa estava
franzida.
—Eu não estou fazendo jogo algum.
—Não? — Ele me soltou, olhando-me duro. —Não percebe o que
está acontecendo entre nós?
— Não há nada acontecendo entre nós. —Eu disse de queixo erguido.
Seus olhos brilharam nos meus.
— Mentirosa. —Ele passou a mão pelo cabelo, parecia angustiado. —
Se pensa em me conquistar se fazendo de difícil, pode esquecer!
Fechei por um momento meus olhos e neguei lentamente.
—Estou cansada. Eu poderia ir para o meu quarto?
—Descansar? Se não vai ficar comigo, terá que pagar de alguma
maneira sua estadia, concorda? Você não é uma hóspede. Lembra?
Meu queixo caiu e eu olhei para ele perplexa.
—Eu estou acalorada. Não poderei nem tomar um banho?
Said sorriu friamente.
—Não me olhe com essa cara. Eu te possuo agora, lembre-se disso! E
quando eu tenho uma coisa, eu controlo. Essa é a razão por eu ser um homem
bem-sucedido e você fará o que eu mandar.
Allah! Coisa?
Meu coração se apertou. Ainda chocada perguntei: —Você vai me
obrigar a fazer algo que não quero fazer?
Ele franziu a testa, irritado.
—Eu não faço sexo com mulheres à força, se é a isso que você está se
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referindo. Eu não preciso, também. Tenho mulheres solteiras desimpedidas o
suficiente se atirando para mim. Ah, algumas casadas se oferecem, lógico que
elas são expertas, não dão bandeira como você. Desculpe desapontá-la.
Eu senti meu sangue subir para o rosto por sua observação venenosa.
— De maneira nenhuma estou desapontada, Sr. Haji. Posso ir para o
quarto e apenas me trocar, meu amo?
—É essa a sua resposta? Prefere se matar de trabalhar nessa casa do
que estar na minha cama cantando no meu ouvido? Se meu beijo foi bom,
imagine o resto.
Eu estremeci, mas disse de forma convincente: —Sim, mesmo
porque, como disse, tem mulheres de sobra e não quero ser mais uma na sua
cama.
—Não será mais uma, mas exclusiva.
—Por quê? Se tem mulheres a sua escolha, por que insiste comigo?
—Você é diferente. —Ele disse calmamente.
— Diferente como?
Ele deu um passo à frente, me olhando por vários momentos, e não
conseguia ler sua expressão. Fiquei mais desconfortável a cada segundo que
passava. Por fim ele respondeu: — Apenas diferente.
Ele balançou a cabeça lentamente, seus olhos parecendo pensativos.
—Jamile. —Ele disse como se estivesse provando meu nome na sua língua.
— Eu vi você naquele vestido, você sabe. E desde então, te quero na minha
cama. Simples, como um mais um são dois. Surpresa?
Meus lábios tremeram e fiquei sem ar. Minhas bochechas aqueceram
e o encarei com surpresa.
— Não foi minha intenção te provocar.
— Seu tio me disse que você sabia que eu me hospedaria naquele
quarto. Deve ter falado de mim, que sou um homem rico, então acendeu uma
lâmpada na sua cabeça: porque não provocá-lo e então passar uma imagem
inocente? Você queria me deixar de quatro, apaixonado?
—Eu não fiz nada disso. Você não pode estar falando sério!
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—Eu não nasci ontem.
Balancei a cabeça, lutando para manter meus olhos fixos nos dele.
— Eu não fiz nada disso! —Repeti minhas falas.
Ele riu ironicamente.
—Jamile, Jamile, Jamile. Eu estive lá. Assisti de perto seu labor. Vi
como era sua vida. Vi a maneira que era tratada. O não pensa que não reparei.
O que pensou? Que eu seria seu salvador? Ficaria perdidamente apaixonado
por você? Vai para o seu quarto! Pode ir!
Ele deu um passo para trás. Eu engoli em seco. Não respondi por um
momento. Eu estava muito ofegante. Ele me olhava de cara fechada.
— Eu não sei onde é meu quarto.
Ele bufou, e disse entredentes: — Me acompanhe!
Eu assenti para ele. Meu corpo doía clamando pelo dele, mas eu me
mantive firme em afastá-lo de mim. Saímos da biblioteca. Algumas
empregadas que limpavam o local pararam o que estavam fazendo por um
breve tempo e me estudaram com os olhos.
Atravessamos o vestíbulo, os passos ecoando no lindo piso de
mármore branco e preto. Entramos num corredor com colunas trabalhadas. O
sol entrava pelas janelas, cortinas lindas e leves balançavam com o vento.
Grandes mosaicos decoravam as paredes e grandes abajures de cobre
pendiam do pé-direito alto.
Passamos por mais um ambiente que conduzia à parte externa. As
rosas desabrochadas e o perfume me fizeram lembrar do jardim de rosas da
minha antiga casa. Senti uma súbita pontada ao pensar em tudo que perdi
com meu orgulho. Estava pagando meus pecados.
Said se deteve diante de uma grande porta e a abriu para mim. O
quarto era espaçoso. O pé-direito alto exalava elegância, as cores eram
harmoniosas, tons pastéis e dourado. Do outro lado a porta do que parecia um
banheiro. A cama era de casal, minha mala estava em cima dela.
Eu o encarei. Ele exibia uma carranca. Com certeza não estava
acostumado a ser contrariado. Me lembrei das palavras de meu tio, quando
me falou de sua ida até a casa.
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—Antes de ir, gostaria de esclarecer uma coisa. Meu tio, antes de
você chegar, me disse que você era tradicionalista e que seguia os costumes.
Por que eu me vestiria daquele jeito sabendo que tipo de homem você era?
—Nunca disse a ele que seguia os costumes. Você pode estar
inventando tudo isso. —Ele me disse seco. Parecia uma mula empacada.
—Sabe o que eu acho, você está com medo. —Disse ousada,
passando uma segurança que eu não sentia.
Ele gargalhou, parecia um sádico.
—Eu? Medo?
Eu não me abalei e o encarei séria.
—Sim. Você deve ter sofrido no passado, com alguma mulher que te
magoou e vê o tempo todo a imagem dessa mulher em mim. Ergue então um
muro de proteção para proteger seus sentimentos. E percebi, que não importa
que eu diga, você está determinado a não me ver com bons olhos.
Ele permanecia imóvel, com o rosto endurecendo e levantando o
queixo. Seu corpo rígido como pedra. Eu não sabia se ele estava magoado,
confuso ou irritado. Mas uma coisa era certa, eu mexi na ferida.
Ele finalmente disse: —Isso que me disse, não muda as coisas. Eu
vejo uma mulher bonita, com um corpo de matar, e eu, um cara louco de
desejo por ela.
Ele deu um passo na minha direção, pegando meu lenço o puxou me
forçando a olhá-lo, sua mão acariciando meu pescoço, para cima e para
baixo. A outra mão na minha cintura me trazendo para ele. Na hora minha
respiração se atenuou e meu coração se agitou no peito. Ele continuou: —
Vejo como as pupilas dela se dilatam de desejo quando a olho assim, bem de
pertinho. Sinto o coração dela batendo rápido, seus seios endurecidos quando
a beijo. Vejo mil e um noites ao lado dela, transando até que ela grite
implorando para que eu a penetre.
Eu engoli em seco e fechei meus olhos. Ele então me beijando o rosto
carinhosamente: —Sem passado, sem futuro, só o presente entre nós.
Meus mamilos endureceram e eu comecei a respirar com dificuldade,
puxando ao ar. Abri meus olhos e vi seus olhos negros brilhando, me
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observando.
Eu respirei fundo e o afastei de mim. Meu rosto se contorceu e as
lagrimas escorreram nele. O nó na minha garganta era muito grande para eu
dizer qualquer coisa.
— Coloque roupas confortáveis de trabalho, você tem dez minutos.
Mandarei Abiá, a governanta, te passar o serviço. E tira esse lenço horrível!
Ele não combina com você! — Ele disse secamente aquelas palavras e saiu.
Said Saí do quarto dela e fui em direção a sala. Com os nervos à flor
da pele, caminhei pelo palácio pensativo. Eu a conhecia bem. Jamile era
esperta, usava meu passado para me atingir. Eu não deveria me abalar, mas
suas palavras conseguiram me tocar.
Considerando sua situação, deveria ter um comportamento submisso,
pedir desculpas. Entretanto, me encarava nos olhos, o queixo erguido de
modo rebelde, os lábios carnudos apertados. Allah! Aqueles lábios eram para
mim uma perdição! Essa mulher me deixava louco. Quanto mais ela me
afastava, mais vontade eu tinha de tê-la para mim, domá-la.
Se fazendo de vítima! Tudo encenação.
Era bem melhor atriz do que eu supusera. Tanto que, às vezes, ela me
tocava com sua vulnerabilidade, quase me deixando seduzir por seus
encantos. Nessa hora meu instinto protetor crescia e a vontade de lhe
proporcionar proteção.
Mas eu não podia me enganar com ela!
Encontrei a governanta saindo da cozinha. No colo dela meu filho
choroso. Ele quando me viu estendeu os bracinhos para mim. Eu o peguei no
colo. Ele parou de chorar na hora. Eu sorri para ele.
—Por que está chorando, hein rapaz?
—Sheik Haji, graças a Deus encontrou uma babá jovem.
Allah! Abiá pensava que essa seria a função de Jamile.
—Ela não é babá, ela vai ajudar no serviço da casa.
Ela me olhou atônita. Eu sei porque ela me olhava assim. Nossa
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sociedade era machista e eu não encontrava uma mulher jovem para cuidar de
Bashir, por mais que eu procurasse. Que mulher trabalharia para um homem
viúvo? Todas as minhas empregadas eram de meia idade, solteironas, a
maioria sem família.
—Allah! Mas não era isso que procurávamos? Zoraide não está dando
conta do menino. Ela agora deu para ter dor na coluna e eu tenho meu serviço
para fazer.
—Ela ficará um bom tempo para que meu filho se apegue a ela e ao
mesmo tempo não ficará muito para que isso aconteça. Quando ela for
embora ele sentirá sua falta.
—Vossa majestade precisa casar.
—Eu sei. Por causa de Bashir tenho pensado nisso. — Dei um beijo
no meu filho que passava o carrinho no meu rosto.
—Não sei por que a trouxe. Não estamos precisando de mais
empregados, o andamento da casa tem sido bom. O que peço para ela fazer?
Todos já têm seus serviços já estipulados.
—Ela vai cuidar do pátio. —Eu disse irritado.
—Allah! Mas o serviço é muito pesado.
Estávamos no outono, ventava muito e naquela área tinha se
acumulado muitas folhas de árvores. Senti meu peito apertar. Disse a mim
mesmo se tratar de raiva. Mas não era apenas raiva, eu estava me condoendo
por Jamile. Mas era necessário criar uma situação para que caísse a sua
máscara. Ela já estava me irritando com aquela atitude de boa moça e eu
queria ver até quando aquela imagem dela ficaria quando ela se deparasse
com todo aquele serviço pesado. Seu comportamento trouxe consequências.
E ela certamente não gostará nadinha delas!
—Não discuta. Vá até o quarto dela e a leve ao seu novo local de
trabalho.
—Sei que não tenho o direito de me intrometer em sua vida. Mas se
me permite, gostaria de tirar uma dúvida?
Ela queria saber o porquê eu lhe dei o quarto ao lado do meu. Pois
pelo serviço que ela iria fazer, não era o serviço de uma amante. Eu lhe
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neguei qualquer explicação.
—Como disse, não tem esse direito. Está dispensada. E pode deixar
que eu fico com Bashir, hoje não vou para o escritório.
Ela se inclinou.
—Sim, majestade.
Jamile Eu estava pronta para o trabalho. Tinha tirado meu lenço e
prendido meus cabelos negros, longos, no alto da cabeça. Deixei exposto meu
Jelabiah, uma túnica longa e leve. Ela me cobria até os pés, bastante colorida
que eu usava embaixo da abaya. Como Said não seguia os costumes, eu não
ia usá-la. Eu não ia cozinhar de calor dentro dela.
A governanta surgiu no meu quarto quando eu estava na janela,
olhando para a linda vista lá de fora. O sol irradiava para a piscina de águas
cristalinas, bem convidativa.
Allah! E pensar que eu tinha tudo isso e não valorizava.
—Está pronta para começar seu serviço? —Ela me perguntou, me
medindo dos pés à cabeça, curiosa.
—Sim. —Disse séria para ela.
—Que papel você faz na vida do sheik? É filha de algum parente
distante?
O meu corpo se contraiu, os meus ombros caíram.
Allah! Sheik? Isso explicava aquele jeito arrogante, aquela pose de
todo poderoso.
E parente distante? Allah! Se eu fosse, seria de alguém que ele queria
se vingar, isso sim!
—Não, não sou nada dele.
Ela franziu a testa para mim.
—Está certo. Me acompanhe.
Caminhamos juntas pelo palácio. Quando passamos na sala, vi Said
sentado no meio de vários carrinhos e brinquedos espalhados no chão. O
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menininho corria pela casa com um na mão fazendo som de motor de carro.
Quando ele me viu, me mediu de cima a baixo com expressão impiedosa.
Desviei meus olhos dele e evitando seu olhar. Ele parecia mais quieto e
austero, como se isso fosse possível. O garotinho foi até onde eu estava.
—Olha! —Me mostrou o caminhãozinho azul.
Eu sorri para ele dizendo: —Lindo!
O menininho sorriu para mim.
—Bashir, pare de correr e sente-se aqui com o papai! —Said disse
com voz autoritária.
Bashir não se moveu e pegou a minha mão.
—Vem! —Ele me chamou para brincar.
—Eu não posso.
Said surgiu, fazendo meu coração disparar. Ergueu o menino e o
pegou no colo, sem olhar para mim se afastou com ele, como se eu tivesse
alguma doença contagiosa. Eu apertei meus lábios contrariada, achando tudo
aquilo um absurdo. Continuei meu caminho. Abiá estava mais à frente,
parada observando tudo.
Ela, quando me viu indo em sua direção, continuou a me guiar.
Seguimos pela varanda contornando o palácio até uma grande área cheia de
árvores. As folhas estavam amarelas e caindo, por causa do vento.
— Limpe todas essas folhas. Aqui está o rastelo, a pá e o saco de lixo.
O quê? Era esse serviço? Era claro que quando eu terminasse de
tirar as folhas as outras cairiam, seria um trabalho sem fim!
—É irracional tirar todas essas folhagens. Está caindo mais. Veja! —
Eu disse apontando as folhas caindo da árvore aos montes, naquele momento.
—E está ventando muito. Vou tirá-las, mas será como se eu não tivesse
tirado. Cada porção que eu tirar, cairá mais com esse vento e espalhará o
resto.
—Não discuta, são ordens do sheik.
Allah! Os homens bárbaros me pareciam mais encantadores se
comparados a ele!
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Eu respirei fundo, e cheia de raiva, me virei. Caminhei para o interior
da casa. Abiá foi atrás de mim, curiosa. Said estava lá sorrindo para o filho.
Quando ele me viu entrar com aquela energia negra toda, não moveu um
músculo e me olhou impassível.
—O serviço que me deu não tem lógica.
Abiá pegou o menino e saiu da sala. Said se levantou.
—Não estou entendendo?
—Está entendendo, sim senhor.
— Como você é dramática.
—Dramática? Você viu o vento lá fora? Eu não vou vencer em
rastelar tudo aquilo e cairá mais folhas, é um serviço sem fim.
— Toquei no ponto fraco, certo?
—Meu ponto fraco? Passei um ano fazendo serviço pesado na casa de
meu tio, mas nada se compara a isso!
Said se aproximou de mim.
—Lembre-se que eu te livrei de coisa pior. Não ficaria só naquele dia
você apanhar. Seu tio ia fazer disso uma prática por conta do casamento
desfeito de sua filha.
—O todo poderoso Sheik Haji! Nós, simples mortais nos resta
enfrentar o que nos espera. Deve ser uma sensação fantástica eu estar nas
suas mãos agora, precisando de você.
Um fantasma de um sorriso cintilou em seus lábios.
— Tem um jeito de você se livrar disso. Tenho que lidar com uma
pequena amostra de você, mas anseio por mais.
Meu coração acelerou, eu balancei a cabeça em negativa.
—Eu não sou assim.
—Eu já vi isso antes. Não sei se sabe, tenho uma casa na Inglaterra e
lá as mulheres quentes se aproximam de mim, o tempo todo, mas nenhuma
delas me fizeram arder como você.
Ele caminhou em minha direção, eu fui privada de oxigênio. Olhei em
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seus olhos, cada centímetro de mim tão quente quando me lembrei do beijo
dele.
Com aquele beijo eu tinha sido despojada de todos os seus sentidos,
assim como ele. Com apenas a memória do que aconteceu entre nós,
instantaneamente esvaneceu a minha raiva e me veio uma estranha agitação
por dentro.
Senti um rebuliço dentro dele também quando seus olhos encontraram
os meus. Percebi o quanto ele estava excitado. Suas pupilas estavam
dilatadas, seu peito subia e descia e ele parou pertinho de mim.
—E então? Se matar de trabalhar ou ser tratada como uma rainha?
Eu engoli em seco, sentindo como se ele tivesse tirado as forças dos
músculos das minhas pernas. Eu o encarei altiva e sorri friamente.
—Deve ser duro um homem como você receber um não de uma
mulher.
Ele sorriu friamente.
—Não minha cara, já recebi não. Eu era bem mais jovem e lidei muito
bem com isso. Mas nessa negativa tinha um detalhe, eu tinha me passado
como um plebeu. Até hoje me pergunto se ela soubesse do meu título, me
negaria algo?
—Sheik? Você me disse que é filho de um americano e sua mãe era
órfã.
—Sim verdade. Minha mãe tinha sangue real e nem sabia. Ela era
filha única do Sheik Al Salim Haji, ele teve um relacionamento extraconjugal
com a empregada e a fez entregar a criança para um orfanato. Só que sua
esposa nunca teve filhos, ele então, com um arrependimento tardio a
reconheceu. E eu, como neto e único homem da família herdei a herança e
seu título depois de sua morte. Isso responde sua pergunta?
—Sim, então é mal de família usar e descartar as pessoas?
Said se enfureceu, seus punhos se fecharam e ele me falou
ameaçadoramente: —Como ousa falar comigo assim? Você não conhece meu
caráter para me julgar dessa maneira! Você está na minha casa. Depende
totalmente de mim...
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Eu me irritei.
— Não pedi isso.
— Não, realmente não pediu. Mas impingiu sua presença quando me
provocou daquela maneira.
—Eu não te provoquei! —Eu disse com raiva, fechando os meus
punhos.
—Ajude-me a compreender o que quer de mim. Piedade?
—Quero que me deixe ir embora. Você não precisa desse dinheiro.
Ele sorriu.
—Jamile, aqui não é Londres. Você tem dinheiro guardado? Eu te
deixo ir, e você o que fará?
Eu apertei meus lábios quando entendi que pedi num impulso. Ele
estava certo. Eu nem tinha dinheiro para a passagem de volta para casa.
—Você poderia me ajudar... —Eu sussurrei.
Ele com um sorriso se aproximou mais. Os olhos dele estudaram meu
rosto. Eu pude sentir cada parte de mim tensa, perplexa por um momento,
com a beleza gritante do homem à minha frente.
Um homem mau.
Um homem perigoso e eu um cordeiro levado para o abate Said pegou
meu rosto com suas mãos.
—É aí que quero chegar. Eu posso te ajudar. Mas antes te quero na
minha cama. É tão difícil entender isso?
Lambi meus lábios e seus olhos se estreitaram furiosamente na minha
boca.
—Allah! Por que me provoca assim?
A mandíbula dele cerrou e, lentamente, ele olhou nos meus olhos. Seu
rosto sombrio.
Meu coração estava agitado, minha respiração ofegante. Eu também o
queria, mas eu me detestaria depois. Eu puxei as mãos dele do meu rosto e
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dei um passo para trás, dizendo: —Eu não sou mais aquela pessoa. — Ele
não respondeu. Eu tinha certeza que ele estava se contorcendo, lutando
intimamente ante minhas falas. Eu amei isso. —Voltarei ao trabalho. Com
sua licença.
Me virei e apertando os passos saí da sala. Alcancei a varanda e olhei
tudo com frustração.
—Jamile. —Estremeci ao ouvir a voz de Said.
Said
Allah! Por que eu não a ajudava ir embora como ela queria?
Nos dois anos, desde a morte de Raissa, eu me sentia um morto-vivo,
infeliz. Não consegui mais olhar uma mulher com interesse, aos poucos eu
estava levando minha vida, tentando superar tudo. No entanto, isso era
maçante.
Agora estava eu, perseguindo-a, me sentindo confuso. A querendo de
qualquer jeito, mesmo que minha mente me condenasse que ela era uma
mulher pouco confiável.
Eu era o Sheik Haji. Eu não ficava louco e não perseguia mulheres.
Mas eu não conseguia deixá-la ir. Isso não aconteceria. Eu acreditava que
essa estranha fascinação iria acabar no momento que eu a tivesse na minha
cama. Era isso que eu precisava para tirá-la dos meus pensamentos.
Com determinação, eu andei com rapidez, a raiva incitava minhas
pernas para frente.
Era isso o que pretendia? Fazer me sentir no papel de vilão? Ela
conseguiu!
Minha voz era profunda e amarga quando eu gritei: —Jamile.
Ela se virou para mim. Nossos olhos se encontraram. Ela torceu os
seus lábios em desagrado, isso incitou mais minha impotência e raiva. Ela
cruzou os braços sobre o peito e soltou um longo suspiro, eu continuei.
—Pedirei para Abiá te dar outro serviço para você fazer. —Eu disse
seco.
Ela sorriu como se tivesse ganho uma batalha, eu pisquei, tentando
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manter meu autocontrole diante do seu sorriso. Percebendo que ela estava aos
poucos me dobrando, eu exalei profundamente pelo nariz.
—Que bom! Finalmente terei um pouco de paz então?
Eu estreitei os olhos para o seu desafio, e isso fez me amigo lá
embaixo inchar também quando eu pensei em estreitá-la nos braços e
arrancar aquele sorriso do seu rosto. Queria lhe dar um beijo que a faria
perder os sentidos e isso me fez lembrar que paz era uma coisa que eu não
queria lhe dar. Talvez por hora.
—Não, apenas reconheci que eu exagerei na minha punição.
Ela balançou a cabeça, sua respiração estava se acalmando e ela
lambeu seus lábios, sem tirar os olhos dos meus.
Allah! Ela me deixava louco quando fazia isso! Essa mulher era sexy
ao extremo. Será que ela tinha consciência do quanto?
— Você reagiu movido a sua consciência pesada. No fundo você
sente que não sou como você pensa, mas a dúvida te faz me colocar no meu
lugar ao mesmo tempo que me deseja.
Meu corpo ficou em chamas com suas palavras. Ela permaneceu
majestosa, simulando indiferença, mas o fato de morder nervosamente o lábio
inferior arruinou a sua pose.
—Já que estamos dizendo algumas verdades, lá vai uma. Você me
deseja e luta contra isso, mas é questão de tempo, eu te terei na minha cama.
Eu sou muito habilidoso, você ficaria espantada com o que posso fazer. Ah,
Jamile. — Eu acrescentei com um brilho malicioso em meus olhos. — É
questão de tempo você vai querer aliviar sua necessidade sexual por mim.
Jamile
Minha necessidade sexual por ele?
Meu rosto ardeu e ele observou a cor intensificar com outro sorriso no
rosto.
Said era lindo, realmente. Ele parecia beirar uns trinta e cinco anos.
Seus cabelos negros eram grossos. Seu rosto era marcante, ele tinha lábios
cheios, nariz forte e reto e altas maçãs do rosto. A maneira calculada que ele
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se movia, parecendo um felino, os olhos negros refletiam predador em seu
lugar.
Que arrogante! Eu lhe mostrarei a minha necessidade sexual por ele
com o meu pé no seu traseiro.
—Você é incrível sabia? Você... você acha que estou babando por
você? — Perguntei incrédula.
Meu coração estava agitado no peito, eu tremia inteirinha, realmente
eu o desejava. Mas lá estava eu, negando minha vontade, tentando silenciar
meu desejo, essa era a nova Jamile. A mulher que queria muito mais de um
homem que noites de sexo.
—Não negue. Você é uma mulher quente e está obviamente
incomodada. O que espera com suas negativas? Me conquistar?
Eu consegui sorrir para ele.
—Por muito tempo tive sexo. Do meu marido, do meu amante, como
sabe. Hoje eu quero ser amada e quero amar. É só.
Era evidente que ele não estava esperando isso. Minhas palavras
pareceram afetá-lo. Seus olhos selvagens correram meu rosto por um
momento longo e ele balançou a cabeça um pouco, como se ele estivesse
sendo despertado de um sonho.
—Você sonha alto.
—Sonhar é de graça e é a máquina que nos movimenta a batalhar,
lutar.
Abiá apareceu com Bashir no colo chorando.
—Desculpe interromper, mas ele caiu e bateu a cabeça e agora só
chama por vossa majestade.
Vossa majestade. Foi um impacto ouvir isso.
Said o pegou no colo, o menino colocou a cabeça nos ombros dele, o
rostinho cheio de lágrimas.
—Abiá, arrume outro serviço para Jamile fazer.
Ele me lançou um último olhar, e começou a sair em direção ao
interior do palácio. Abiá ergueu as sobrancelhas e o seguiu com os olhos,
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depois olhou para mim.
—Estou impressionada!
Eu ainda tremia de nervosismo, mas ergui minha cabeça quando
disse: —Não fique. Ele apenas admitiu sua insanidade.
Eu ouvi Said chamar Abiá lá dentro, num grito.
Allah! Vossa majestade estava fora de si…Ironizei.
Said
—Abiá. Dê todos os banheiros para ela limpar.
Ela piscou para mim.
—Todos?
—Sim, você está surda?
—Não, vossa majestade.
Meu filho se movimentou nos meus braços querendo ir para o chão.
Mas ele coçava os olhos demonstrando sono.
—Chame a babá. Peça para ela fazê-lo dormir.
Abiá apertou os lábios, contrariada.
—Ela não consegue nem sair da cama. Está com dores na coluna.
Allah! Eu queria dar uma lida em alguns papéis.
—Tudo bem, eu faço ele dormir. Peça depois para Baraque levá-la ao
médico. Ela precisa se recuperar para ficar com Bashir.
Jamile nessa hora entrou na sala.
—Vossa majestade precisa arrumar outra babá. Mesmo que ela se
recupere, ela não irá agüentar o menino. E tem mais um agravante, ela está
perto de se aposentar. Essa situação está ficando insuportável.
A irritação era evidente nas suas palavras. Tal como o leve tom de
comando, como se os seus desejos fossem ordens. Essa mulher estava me
irritando!
—Verei isso.
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—Se me permite dizer, vossa majestade sabe da minha opinião a
respeito.
Eu fitei Jamile que ficou parada um pouco distante de nós, esperando
finalizar nossa conversa. Bashir começou a chorar e depois de tossir fui
alvejado por seu vômito.
Allah!
Afastei Bashir quase também vomitando ao ver a minha camisa fétida
e nojenta com aquela gosma branca talhada. Abiá o tirou do meu colo.
—Esse menino está doente? —Perguntei.
—Não, ele não está com febre.
Eu fitei Jamile que segurava o riso vendo toda aquela situação.
Muito engraçado!
Ela se aproximou de nós.
—Veja a testinha dele molhada. Ele deve ter mamado e corrido muito.
Isso é natural na idade dele. Nessa idade eles regurgitam.
—Você é uma expert em crianças por acaso? —Disse irritado com o
cheiro forte de vômito na minha camisa e Bashir chorando alto no colo de
Abiá.
—Antes de casar fui babá do filho do meu visinho.
Minha cabeça caiu para o lado e a observei melhor. Ela sorriu, mas
não era um sorriso comum. Ela estava me provocando. Eu, irado, desviei
meus olhos dos dela e fitei Bashir que ainda chorava no colo de Abiá,
coçando os olhos. Apertei os lábios e fitei Abiá, que me encarou com aquele
olhar. "A coloque como babá de seu filho."
A proposta era tão tentadora!
Inferno! Eu não podia! Não! Não!
Allah! Se ela tivesse o coração do meu filho eu definitivamente
estaria nas mãos dessa mulher. Meu corpo já clamava pelo dela!
Eu enfiei minhas mãos no bolso e elas se fecharam em punhos
apertados, uma gota de suor escorreu pelo meu rosto, seguida por outra e
outra. Cerrando os dentes eu meneei a cabeça para Abiá com um não do tipo
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"isso está fora de questão".
Eu tinha já que lidar com essas emoções animalescas de desejo, mas
como eu lidaria com meu filho se apegando a essa mulher e tendo que
mandá-la embora quando o seu tempo de serviço terminasse aqui?
Razão. Era assim que eu funcionava.
Meu filho agora berrava.
—Sheik Haji. O Senhor o fará dormir ou não? Eu preciso orientar
Jamile. Mostrar onde ficam os materiais de limpeza...
Eu estava louco por um banho, quase vomitando com aquele cheiro.
Allah! Que situação!
Eu a cortei: —Eu faço Bashir dormir.
Meu filho ergueu os bracinhos para Jamile. Eu não acreditei nisso.
Parecia um complô! Fitei Jamile por um momento e passando a mão nos
cabelos num gesto de frustração, comecei a tirar minha camisa suja. Abri os
botões e a tirei do corpo. Abiá imediatamente baixou o rosto. Joguei a camisa
no chão e peguei meu filho do colo dela. Saí de lá com ele ainda chorando
nos meus braços, aquele cheiro horrível impregnado no meu corpo. Até bosta
era melhor que aquele cheiro. Meu estômago estava revirado.
Jamile
Bashir ainda chorava muito, mas eu só conseguia prestar atenção em
Said. Seus olhos pareciam vorazes, cheios de chamas. Era quase assustador.
Olhos grandes.
Escuros.
Perigosos.
Ele passou a mão impacientemente por seu cabelo preto curto, a
expressão sombria. Desviou os olhos dos meus e tirou a camisa.
Allah! Meus olhos se encheram de sua imagem viril. O quanto era
lindo e sensual com todos aqueles músculos. Meus olhos não conseguiram
desviar do corpo musculoso e moreno, o peito tinha uma massa de pelos
castanhos e que iam rareando, fazendo uma linha fina até sumir dentro de
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suas calças. Molhei os lábios. Fiquei com a garganta seca. Tentei disfarçar,
me conter, mas o desejo me devorava.
Quando ele saiu eu pisquei tentando recuperar minha razão. Abiá
ergueu seu rosto para mim.
—Me acompanhe. Você cuidará da limpeza dos banheiros.
Allah! O palácio era enorme. E ela disse banheiros? Pelo visto meu
caminho ainda seria difícil, um caminho árduo e solitário até chegar a minha
liberdade.
Liberdade? Do jeito que as coisas estavam indo, meus planos de
juntar dinheiro e sair do país estavam fora de questão. Não! Não podia pensar
assim! Respirei fundo. Primeiro passo era entender quanto tempo eu ficaria
para pagar a dívida de meu tio. Isso eu não tinha conversado com ele ainda.
— Você não vem? —Abiá perguntou, cortando meus pensamentos.
—Claro!
Fomos até a área de serviço. Que era enorme e linda. Geralmente uma
área de serviço era algo muito prático, funcional. Ela era, mas muito bonita.
Cheia de armários de última linha, que combinavam com o piso branco e
preto e as paredes brancas. Uma grande máquina de lavar nova, um grande
tanque de porcelana.
Ela abriu um dos armários e pegou um balde, um pano e em outro
armário vassoura e rodo. Mostrou para mim onde ficava os produtos de
limpeza. Depois andamos pela casa, portas foram abertas. Que eu contei,
eram quinze banheiros e cinco lavabos.
Me lembrei da minha conversa com Khadija quando enchi minha
boca para lhe dizer como era bom ter uma casa grande. "Somos assim.
Adoramos ostentar o luxo, a riqueza. Fazem parte de nossa cultura os
palácios. Quanto maior, melhor. Isso exalta o poder, a força, a inteligência. "
Allah! Eu realmente pagava meus pecados. Com juros e correção
monetária. Mas era tarde demais para lamúrias agora.
Enquanto eu limpava um dos banheiros, pensamentos imprudentes e
estúpidos me vieram na cabeça. Ele não era para mim e eu não era para ele.
Contudo, meu corpo não pensava assim e se importava muito com isso.
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Forcei as imagens escandalosas a abandonar os meus pensamentos.
Pensei no menininho. Ele parecia tão carente de atenção... dava dó de
ver que ele não tinha mãe e ficava na mão de empregados. E ela? Tinha
morrido?
Fitei o banheiro perfumado. Os banheiros, pelo que vi deles, o
máximo que tinham, era uma camada de pó. A maioria deles não eram
usados. Se ele pensou que ele ia me quebrar me fazendo limpá-los, ele estava
redondamente enganado.
Eu estava tirando apenas o pó e caprichando mais no vaso sanitário e
só. Ah!, e um detalhe, eu fazia tudo calmamente, para ninguém dizer que fiz
malfeito.
Said Depois de uma hora, consegui fazer meu filho dormir. O
coloquei na sua cama e fui até meu quarto. Entrei no banheiro, louco por um
banho. Coloquei a banheira para encher enquanto fazia a barba. Meus
pensamentos estavam caóticos. A verdade era que eu estava preocupado com
meu filho. Tentando achar uma solução para o problema, mas me recusando a
aceitar o que me fora proposto. Jamile não servia!
Logo depois, entrei na água quente como eu gostava. Passei sabonete
na região fétida do meu corpo o esfregando até que o cheiro saísse. Só então
pude relaxar.
Fechei os olhos.
Minutos depois quando eu estava para sair da banheira a porta se
abriu.
Oh, Allah! Era ela... tão doce, ali estava Jamile, encarando-me com
seus belos olhos negros quentes. Seus lábios estavam entreabertos e sua face
delicada refletia sua surpresa.
A simples imagem dela ali tão perto, em carne e osso e eu nu, teve um
impacto grande sobre mim. Eu parecia um adolescente na primeira explosão
de hormônios. Aquele frio na espinha, a boca seca e o coração num galope
frenético. Meu amigo cresceu quando pensei o que poderia fazer com ela
dentro daquela banheira.
Ela corou e se virou dizendo: —Volto outra hora.
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A lembrança do quanto ela me rejeitava fez meu semblante ficar
pesado. Allah! Aquela falsa inocência regressou. Irritado com seu jeito, eu
me levantei e nu disse para ela: —Já acabei, o banheiro é todo seu.
Ela se voltou para mim e quando me viu quase deu um grito. Eu sorri
maquiavélico.
—Não sei por que o espanto? Já viu vários homens nus na sua frente.
—Eu disse pegando a toalha e amarrando na minha cintura.
Embora fosse magra, ela tinha seus seios grandes, e eles agora subiam
e desciam. Amaldiçoei meu amigo se contraindo enquanto observava seu
corpo trêmulo. Ela fechou momentaneamente os olhos. O seu rosto deixou
transparecer sua irritação.
—Meu passado não me deixou com uma marca na testa e na alma,
para que me julgue por toda a eternidade. As pessoas mudam.
—Allah! Quer bancar a inocente depois de ter visto o quanto aprecia a
vaidade? Depois.... —Eu ia dizer depois de me tentar dentro daquele vestido?
Mas me calei. — Ah, deixa para lá Ela apertou o rodo nas mãos e eu sorri ao
vê-la irritada. Um suspiro quente saiu de sua boca, fazendo com que algumas
mechas de seu cabelo negro, que escaparam do seu coque e estavam sobre
seu rosto, se agitassem.
—Com sua licença, depois eu volto.
—Já disse que não!
Ela estacou.
—Quando irá aprender a me respeitar? Você é muito atrevida para
quem não tem aonde cair morta! Seus pais não a querem, seus tios muito
menos. Não percebe que eu te salvei de coisa pior? —Eu me aproximei dela,
me sentindo como um vulcão explodindo de testosterona. — E há apenas
uma coisa que eu quero de você. — Minha voz era baixa e rouca, ela me
olhava congelada no lugar. Eu tinha consciência da água escorrendo no meu
peito e o quanto isso devia excitá-la, embora ela não reconhecesse isso. Ela
foi andando para trás e eu avançando sem tocá-la. Quando suas costas
bateram na parede do banheiro eu coloquei minhas mãos em cada lado da
parede, a prendendo. —Você. Na minha cama. Uma noite. Tudo o que eu
quero tudo que eu preciso.
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  • 2. Sandra Rummer A PRIMEIRA ESPOSA Nas mãos do Bárbaro Série sangue árabe -2 PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 3. Sumário Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Sábado, dia do meu casamento... Epílogo PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 4. FICHA TÉCNICA – 1 EDIÇÃO-BRASIL- 2017 Todos os direitos reservados à autora Sandra Rummer Copyright ©2017 Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil em 2009. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução em todo ou parte em quaisquer meios sem autorização prévia. A reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Título: A Primeira Esposa Subtítulo: Nas mãos do Bárbaro Série Sangue Árabe Autora Sandra Rummer Todos os personagens desta obra são fictícios. Registro de marca e propriedade intelectual Plágio é crime! Lei 9.610 Pena de três anos a um ano ou multa. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 5. Jamile, uma mulher marcada por um passado vergonhoso. É mandada por seus pais para Marrocos, onde ela viverá com seu tio Ali Abdul Aila. Malvista por eles é forçada a trabalhar na casa como empregada. Um mal-entendido a coloca em maus lençóis. Surge então, Said Farrah Haji que se torna seu salvador. Amargo engano, pois a tirania só começou... PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 6. Capítulo 1 Jamile Abdul Aila Triste, cansada e acalorada, me sentei no banco. Fitei o pátio, a simetria dominava tudo. Rodeado por uma galeria de arcos, sustentado por quatro colunas em cada um dos cantos. Azulejos azuis e brancos reproduziam como um espelho os desenhos da fonte que ficava no meio dele. Enxuguei minhas lágrimas.... Sequências indesejadas de fatos me levarão a muitos erros. Estava no meu sangue ser conquistada e venerada. Jamais passou pela minha cabeça que eu teria que conquistar o amor do meu marido. Ryan fez aquilo que eu esperava de Zafir, me olhou com paixão, me desejou. Agora tentava alcançar um estado de ânimo humilde e aceitar meu destino. Aprendi que a transgressão só leva ao arrependimento e à infelicidade. Passei o limite, fui atrás do proibido por ser orgulhosa. Burra! —Jamile! Por que está sentada aí? —Minha tia rabugenta disse no árabe. —Vamos! Quero esse pátio todo limpo! Respeite a autoridade nesta casa! Eu me levantei e peguei a vassoura. —Sim senhora! Depois posso caminhar na Medina? —Quando limpar o pátio, os banheiros, pode! Mas não sei se dará tempo, se escurecer, seu tio não deixará você sair. Eu assenti para ela com raiva do meu destino. Meu tio regia a casa com vara de ferro. Na opinião de tio Ali, qualquer pessoa que violasse as regras dele, ficava estigmatizada para sempre; ele me recordaria dessa desobediência durante muitos anos. Allah! Joias? Roupas? As roupas estavam tudo lá, guardadas em caixas. As joias, meu pai as PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 7. tomou para si, disse que era para eu não fazer nenhuma loucura com elas. Que me daria só depois que eu casasse novamente. Isso se eu me casasse! Respirei fundo e olhei minhas mãos cheias de calos. Quem te viu e quem te vê! Suspirei. Ao menos trabalhando eu gozava de paz gerada pelo silêncio. Era para mim um privilégio luxuoso. Era quando eu estava livre do meu tio, que me vinha com regras e mais regras que vinham juntas com a leitura do livro sagrado. As atitudes erradas que tomei a um ano atrás gerou consequências. A venda da impunidade foi tirada dos meus olhos, agora estava difícil ver a minha nova realidade. E a luz no fim do túnel eu ainda não enxergava, mas me esforçava para vê-la, tentando manter minha calma, a minha paz de espírito e uma sabedoria que nunca tive. Meu tio me dizia que eu merecia um homem para me domar. Zafir poderia ter feito isso, mas ele não me amou o suficiente para isso. Hoje entendo que vivi com ele numa época que os negócios não estavam bem, e as cobranças eram grandes. Foi uma somatória de coisas que nos levou a nos afastarmos.... O futuro me reservaria algo bom? Haveria para mim uma luz no fim do túnel? —Jamile. Eu me virei para o meu tio. —Sim, meu tio. —Receberemos um convidado importante, ele está de passagem pelo Marrocos. Ficará hospedado no quarto de hóspedes. Limpe e arrume-o. Ah, use o lenço quando ele estiver aqui. Ele é muito tradicional. Evite olhá-lo nos olhos. Tenha uma posição serviçal. Revoltou-me ter que usar o lenço na casa, mas eu não era livre. Estava presa naquela arapuca. Eu, como de costume, assenti fazendo uma reverência para ele. —Sim, Sid. —Você ainda tem jeito, Jamile. Vou te moldar como um vaso de PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 8. barro. No começo vai doer, mas depois você será um vaso bonito e de honra na minha casa. —Sim, Sid. —Eu disse com a cabeça baixa. Quando ele se virou, funguei alto. Ele se virou para mim e me deu um olhar duro. —Eu ouvi! Eu abri minha boca e fechei. Sorri sem graça para ele, mas não recebi um sorriso de volta. Ao contrário, ele fechou a cara. Os minutos passaram até que eu desviasse meus olhos dos dele e voltasse a varrer o pátio interno. Areia, areia e mais areia. O vento as trazia para dentro de casa. Eu as encontrava em todos os lugares. A tarefa de retirá-las parecia não ter fim. —Jamile. —Ouvi a voz de minha prima, Selima. Sabia que era ela por causa da entonação alegre de sua voz. A sua outra irmã gêmea, idêntica a ela, era amarga, sempre séria, fechada. Allah! Raissa me lembrava alguém do passado: “Eu”. —Hoje teremos convidados. Eu suspirei. —Eu sei, seu pai me disse. —Não, não é esse que me refiro. Esse que dormirá aqui, é dono dessa casa. Ele passa uma vez por ano para ver o imóvel e cobrar o aluguel. —Entendi. Quem é o convidado então? —O noivo da minha irmã. Hoje ele virá com seus pais. Raissa fora prometida desde o seu nascimento. O noivo dela era um homem de classe média, cabelos negros, olhos da mesma cor, alto, forte e de sorriso fácil. Eu não gostei dele, pelo simples fato de ver a maneira como ele me olhou. E problemas era uma coisa que eu agora ficava distante. Eu forcei um sorriso. —Sei quem é. Bem, eu não vou vê-los pois pensei em dormir mais cedo. Ela me olhou espantada. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 9. —Dormir? —É, dormir. —Quem disse que irá conseguir se recolher mais cedo. Meu tio, com certeza vai querer que você os sirva e esteja a disposição. Eu fitei as roupas dela, que cobriam todo o seu corpo, mas colorida. Diferente das minhas negras, sem vida, largas. Acho que meu tio queria que eu me sentisse a gata borralheira. —Vou pedir então para ele me dispensar. Ela sorriu e balançou a cabeça como se não acreditasse que eu conseguiria e confirmou com suas palavras: —Boa sorte com essa tarefa. Estranhei minha prima estar conversando comigo sem receber uma reprimenda. —Bem, se ele não me dispensar, ao menos, hoje ficarei livre de ouvir as leis do livro sagrado. E você não deveria estar falando comigo. Eu sou a laranja podre da família. Esqueceu? Ela olhou para os lados para não ver se não vinha ninguém. —Não, não me esqueci. Eles me lembram disso o tempo todo. Mas, não estou aqui por livre e espontânea vontade. Mamãe pediu para avisá-la. Por isso acredito que você não vai se livrar desse jantar facilmente. —Ah, está explicado. Obrigada por avisar. Antes de ir, ela me falou baixo: —Quanto ao outro convidado, ele é o caminho para o pecado. Então, evite olhá-lo nos olhos. Existe um boato entre as mulheres que se olharmos muito tempo para ele, Said leva o nosso coração. Eu perguntei curiosa. —Ele deve ser muito bonito? Ela se abanou, mostrado seu lado imaturo por causa da sua tenra idade, vinte anos. Já fui assim um dia, me impressionava com as coisas facilmente. —Allah! como é, mas perto daquele deus, somos meras mortais, um homem como ele, jamais olharia para nós. —Ela suspirou então. — Tão lindo PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 10. como Zafir. Não tinha uma mulher na sua festa que não te olhasse com inveja. —É, você já me disse isso. —Ainda me pergunto: como você pôde fazer o que fez? O meu estômago retorceu-se incontrolavelmente. Havia mais verdade naquela pergunta melodramática do que eu gostaria de admitir. Eu joguei meu casamento pela janela. Eu o destruí com minhas próprias mãos. Coloquei Zafir num pedestal também. Desde então, ele nunca mais saiu de lá. Intocável. Um homem incapaz de amar, um homem de negócios. O descrédito, que ele pudesse um dia mudar, veio mais forte ainda quando eu soube do seu passado promíscuo. E meu orgulho me fez deixá-lo ali, onde eu o tinha colocado. Tentei tirar proveito do meu casamento, da melhor forma possível. Usufruir daquilo que ele poderia me dar, sem neuras. Os bens materiais que eu tanto valorizava. Foi difícil ver Zafir apaixonado e encarar o quanto eu me enganei com ele. Me deparar com a triste realidade que eu poderia o ter conquistado, foi como um tapa na cara, pois entendi que era só ter acreditado. Eu ainda a olhava sem responder. Infeliz. Tia Zenaide surgiu na porta. —Selima. Deixe Jamile trabalhar. Pedi para você apenas lhe comunicar do jantar e não iniciar uma conversa. Ela assentiu com a cabeça. —Sim, mamãe. Eu desviei meus olhos de tia Zenaide e comecei a varrer. —E você! Jamile. Está fazendo corpo mole? Já era para ter terminado esse serviço. Vamos! Ainda tocada pela conversa eu baixei a cabeça, respirando fundo em um nítido esforço para manter as minhas emoções sob controle. Sem olhar para ela, falei, enquanto varria: —Já estou acabando. —Quando acabar, deixe os banheiros para depois e vá até o quarto de hóspedes limpá-lo. Acenda o bukhur para perfumar o ambiente. Troque os lençóis e a toalha de banho. —Está certo. —Eu parei de varrer, e assenti com a cabeça. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 11. Quando ela saiu, trêmula deixei que minhas lágrimas caíssem amargas. Allah! Se eu tivesse a cabeça que eu tinha hoje, faria tudo diferente. Eu teria lutado por meu casamento, jamais teria me envolvido com Ryan, e jamais teria cogitado a segunda esposa. Olha aonde eu cheguei com tudo isso! Mais humilhada, impossível! Quando acabei de varrer o pátio fui até o quarto de hóspedes e o varri, tirando mais areia. Depois de levar a areia para o lixo, voltei para a área de serviço e peguei um balde com água, desinfetante e na outra mão um rodo com pano. Coloquei a essência no bukhur e comecei a passar o pano no quarto. Quando finalizei essa tarefa tirei a colcha da cama e os lençóis e fronhas. Abri a porta do enorme guarda-roupa e quando fui pegar a roupa de cama limpa, vi minha caixa de roupas e maquiagens num canto do armário. Estremeci. Lembrei-me de meu pai dizendo: —Excesso de bagagem. Você não os levará. Entenda! Você nunca mais irá usá-los. Eu, a despeito do que meu pai tinha me falado, enfiei uns dez na mala, junto com as roupas escuras e largas que meu pai tinha comprado para eu viajar. Junto com eles meus cremes e maquiagens. Logo que eu cheguei, minha tia me ajudou com as malas, e guardou tudo nessa caixa. Com as mesmas falas "você nunca mais irá usá-los, vou guardá-los nessa caixa para você ter como lembrança da vida que você jogou fora." Com um suspiro, eu a tirei de lá e a abri. Peguei um lindo vestido vermelho tubinho. O coloquei na cama, passei a mão no tecido acetinado com nostalgia. Num impulso, fechei a porta do quarto e resolvi colocá-lo. Fui até o banheiro e tirei o hijad (o véu) e minha abaya (longo vestido preto). E coloquei o vestido. Descalça me olhei no espelho. Lágrimas surgiram nos meus olhos. Eu as limpei com raiva. Fui até a caixa e peguei a maquiagem. Com destreza, por anos de prática, me maquiei. Marquei meus olhos com delineador, rímel e lápis. Por último o batom cor de terra. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 12. Com um suspiro, olhei meu rosto no pequeno espelho. Que transformação. Era como se o patinho feio se tornasse num cisne. No quarto tinha um bem maior, que daria para ver meu corpo inteiro. Entrei no quarto e fiquei de frente para ele. Said Farrah Haji —Senhor Haji, é uma honra recebê-lo em minha casa. Essa casa pertenceu à família de Ali Abdul Aila há muitos anos atrás. Mas por causa de uma dívida de jogo, eles perderam tudo. Eu comprei a casa e permiti que eles permanecessem com o pagamento de um aluguel baixo. Só que Ali não estava mais cumprindo o contrato. Já fazia seis meses que ele não me pagava um centavo. Todo ano eu visitava a bela casa para ver como estava a sua conservação. Ela era tão antiga que poderia ser considerada um patrimônio histórico. —Senhor Aila, você conhece a finalidade da minha visita. Além de ver a propriedade, precisamos conversar sobre o aluguel. Como sabe, sou um homem de negócios e não fica bem para a minha imagem essa situação. Se eu relevar o que me deve, muitos se sentirão no direito de não me pagar também. Os músculos do corpo de Ali retesaram-se de imediato. —Allah! —Ele levou as mãos para cima. —Eu sei, eu irei pagar. Hoje mesmo receberei o dote do casamento de minha filha Raissa e poderei acertar tudo. —Ótimo. Omã virá, então, essa semana receber. —Sim, senhor Haji. Eu assenti para ele. —Vou para o meu quarto guardar minha bagagem e depois veremos a casa juntos. Me espere no pátio interno. —Sim, senhor Haji. Ele fez uma reverência e deixou a sala. Eu me virei sentido ao corredor que daria aos quartos. Meus olhos deram nas gêmeas me olhando na soleira da porta, curiosas. Uma delas corou ante o meu olhar e logo entrou na cozinha, a outra demorou-se um pouco mais, antes de sumir de minhas vistas PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 13. também. Jamile Allah! Zafir não poupara despesas. O vestido era realmente lindo. Fiquei na ponta dos pés em frente ao espelho, me imaginando com sapatos de saltos altos. Isso era passado. Engoli meu choro. Zafir jamais fez economia comigo...nada. Tudo que eu pedia ele me dava. Nossa casa proclamava o quanto éramos ricos. Allah! Agora acabou a riqueza e meu prestígio em ser a esposa de Zafir Youssef Xarif. Quando me casei, eu senti como se ele fosse educar um cavalo de corrida promissor, querendo me transformar na esposa perfeita. Mas não era isso que eu sonhava. Eu esperava que ele me amasse. Que ele me dissesse que me amava. Que seus olhos gentis, se tornassem quentes. —Deixe-me entender isso direito. A odalisca acompanha o quarto? — Ouvi uma voz grave nas minhas costas. Allah! Fechei os olhos. Aquela era a última coisa que queria que acontecesse. Com o coração agitado, me virei e dei com aqueles olhos negros que se fixaram no meu rosto. Estava diante de um homem másculo, bonito. Ele parecia um bárbaro do deserto. Usava um Dishdasha bege, o relógio de ouro brilhava no seu pulso. Era o hóspede. Seus olhos negros passaram por meu busto e meu colo visível, depois, por minhas curvas acentuada pelo vestido justo e por uma de minhas pernas na fenda daquele vestido. Precisei me esforçar para manter o rosto inexpressivo, o corpo rijo e implacável. Allah! Meu tio iria me bater! Ele um dia já havia me ameaçado. Eu não conseguia falar, de tão passada que eu estava. Só pensava agora nas consequências. Eu sabia que precisava reagir, mas os fogos dos olhos dele passando por meu corpo pareciam me queimar, me deixando mais sem atitude. Foi PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 14. então que seus olhos escuros se encontraram com os meus, e mergulhou na minha alma como se fosse uma adaga. —Said! —Eu iniciei. Allah! Não! Piorei. O que Selima tinha me contado sobre seus olhos me vieram com tanta força que eu o chamei pelo nome. Passei a língua nos lábios, nervosa, isso piorou as coisas, pois ele sorriu. O que eu estava fazendo? Loucura. Isso me desesperou. Ele se virou para fechar a porta. — Eu não sou uma odalisca. Isso tudo é um mal-entendido! Não! Não podia perder tempo com explicações; eu colocaria minhas roupas, e mais tarde ele nem repararia mais em mim. Precisava sair dali e rápido. Com o coração acelerado batendo com força, eu disse rouca: — Preciso ir, com licença... Corri para o banheiro e fechei a porta, peguei minhas roupas e tirei o vestido e me troquei com pressa. Abri a porta e dei com aquele homem me olhando. Tentando entender essa confusão. Assustada com a força do olhar dele, eu me virei, mas desequilibrada, tropecei no tapete e cai no chão num baque. Ouviu uma exclamação em voz baixa e, de repente, as mãos estavam em mim, erguendo-me. Sentiu a eletricidade do seu toque firme, tão masculino e forte e aquele cheiro másculo emanando do corpo dele. Olhei para cima e dei com o rosto belo, mas implacável, vi o desejo naquelas pupilas dilatadas. O tempo parou e havia apenas nós dois. Eu mal consegui falar, nem mesmo respirar. Contra a minha vontade, meus olhos devoraram cada detalhe daquele rosto. Os longos cílios negros, o nariz aquilino, a boca máscula. Seus olhos desceram para os meus lábios e ficaram ali. Seu rosto foi descendo. Allah! Eu prendi a respiração. Quando seus lábios estavam quase próximo dos meus, ele parou, como se hesitasse. Estremeci. Seus olhos procuraram os meus novamente cheios de sombras. Como se ele tivesse sido atingido por um golpe físico, ele então me soltou. E eu, sem dizer nada apertei meus passos e sai do quarto. No corredor encontrei a gêmea má. Sei, pois seus olhos endureceram. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 15. Allah! A maquiagem! Desde que eu tinha colocado os pés nessa casa, eu nunca a usei. E agora... —Jamile, Jamile, já foi se oferecer para o nosso hóspede? Ajeitei meu lenço nos cabelos. —Não! Claro que não! —Então, como explica seu rosto pintado como uma mulher vulgar? Uma espetaculosa! Eu engoli em seco. —Raissa, eu só passei para me lembrar dos velhos tempos. Ela balançou a cabeça. —Você não me engana Jamile. Vou contar tudo para o papai. Cerrei os olhos, bloqueando a visão dela por um segundo. Obriguei o meu corpo se acalmar, a respiração se normalizar, dominando as minhas emoções. Depois de tantos anos de prática, sabia exatamente o que fazer. Eu abri meus olhos e ergui minha voz, dizendo duramente: —Eu não fiz por mal. A minha maquiagem estava no quarto de hóspedes e eu num impulso passei. Me pintei sem maldade. Mas ela não se deixou abater por minha ira. —Sem maldade? Aposto que arrumou para o senhor Haji. Nada boba você! O noivo dela surgiu no corredor dizendo. —Raissa. Sua mãe está te chamando...— Quando ele me viu, parou de falar e seus olhos faiscaram quando viram meu rosto pintado e ele sorriu. —Olá, Jamile. —Amanhã, você não escapa. —Ela disse me ameaçando. Ela se virou e saiu seguida por aquele idiota. Cinza, assim que estava a minha vida. Acordar cedo, me dar conta todo dia que serei discriminada e tratada como uma empregada, ouvir as repetições dos versos do livro sagrado pelo meu tio como se eu fosse uma débil mental. Não poder ter uma conversa PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 16. normal com minhas primas, pois segundo eles, eu poderia desvirtuá-las. Agora eu tinha mais um item da minha grande lista para me preocupar. Respirei fundo. Eu me recusava a chorar! Bufei, dei mais alguns passos e entrei no meu quarto. Fui ao banheiro e lavei todo o meu rosto, tirando toda a maquiagem. Fazendo essa tarefa me lembrei que eu ainda precisava arrumar o quarto do hóspede. Na pressa de sair eu tinha deixado tudo desarrumado. Allah! Que vergonha! Coloquei a mão no meu rosto que ficou vermelho quando me lembrei novamente do ocorrido. Me senti dentro daqueles filmes pastelões, em que as pessoas nos tomavam como idiotas. Bem, o negócio agora era ter calma e tentar passar despercebida por todos. Caminhando de um lado para o outro, nervosa, dei um tempo, para não correr o risco de pegar Said no seu quarto. Quando entendi que o tempo de espera fora o suficiente, caminhei pelo corredor. Mesmo assim, com muito medo de reencontrá-lo. A porta dele estava fechada, hesitei antes de bater nela. Nenhuma resposta. Coloquei meus ouvidos e não ouvi som algum. Respirei fundo e abri a porta. Como previsto, ele não estava. Agradeci a Allah por isso. O cheiro do quarto estava tomado pelo perfume dele, sobrepondo-se a fragrância aromática da alfazema que saía do bukhur. Um cheiro maravilhoso, bem másculo, combinava com o dono. Era tão marcante que parecia que ele estava no quarto agora. Balancei a cabeça para tirar aqueles belos olhos negros da minha mente. Arrumei a cama com os lençóis limpos e depois coloquei a colcha por cima. Fui até o banheiro e encontrei meu vestido dobrado num canto do gabinete e meu estojo de maquiagem. Peguei tudo e guardei na caixa e depois coloquei dentro do guarda-roupa. Sai do quarto carregando o rodo e o balde que tinham ficado lá. Fui até área de serviço. Minha tia quando me viu apertou os lábios, contrariada. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 17. —Você já limpou os banheiros? —Não deu tempo. —Então vá logo. Hoje a casa está cheia. Temos convidados. Você me ajudará na cozinha e na hora de servi-los. —Sim, minha tia. —Então vai! Vamos! Por que ainda está na minha frente! Eu me virei rápido e trombei com alguém. Allah! O peito era duro como um granito, e aquele perfume maravilhoso. Com o coração batendo em disparada dentro do meu peito, com a respiração ofegante ergui meu rosto e dei com os olhos negros de Said. Seu semblante era sério. —Jamile! Olha para onde anda! —Meu tio que estava ao lado dele me repreendeu. Dei um passo atrás. Apertei meus olhos e me lamentei para mim mesma num sussurro. O que estava acontecendo comigo hoje! Abri meus olhos e encarei meu tio e apenas acenei com a cabeça para ele com um sim, consciente dos olhos negros de Said sobre mim. Com o coração agitado, baixei a cabeça e me afastando deles, caminhei em direção a área de serviço. O perfume dele fixo na minha memória olfativa. Levou vinte minutos para eu limpar os banheiros. Então, lavei as mãos e fui para a cozinha. Minha tia estava atrapalhada com as panelas. O cheiro de queimado estava no ar. —Graças a Allah você chegou. Mexa essa carne para mim. Enquanto eu lido com esse molho. —A senhora parece nervosa, minha tia. —Claro! Hoje é um dia importante para a minha Raissa. Ao contrário de você, ela está feliz com esse casamento. Senti o rosto esquentar e desvie meu olhar dela, sentindo uma lágrima furtiva rolar no meu rosto sem que eu tivesse controle. Não respondi para a PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 18. minha tia. Não adiantava. Enquanto mexia a carne refleti sobre as condições do meu casamento. Na época não tive a oportunidade que Raissa estava tendo de conhecer melhor seu noivo. Zafir sempre fora muito ocupado. Meu casamento fora arranjado pelos pais dele. Só nos conhecemos no dia do nosso casamento. Mas desde o momento que coloquei meus olhos sobre Zafir, ele me atraiu. Na nossa lua-de-mel, aqui no Marrocos, ele se mostrou uma pessoa prestativa, educada, encantadora. Não tinha como eu não me apaixonar. Claro que eu o amei! Tremendo por dentro, contive minhas emoções e me concentrei naquilo que eu estava fazendo. A carne parecia bem cozida, mexendo-a com a colher de pau, disse: —Tia, acho que já está bom. Ela se aproximou de mim e provou. —Sim, está. O jantar marroquino era diferente dos nossos ingleses, as mesas eram baixas e sentava-se sobre almofadas. Os pratos eram trazidos pouco a pouco. Uma empregada ou um membro da família (sempre uma mulher) levava antes uma bacia de metal com sabão no meio, às vezes feito de esculturas artesanais, e água em volta. As mãos são lavadas e uma toalha é oferecida para secá-las. Os marroquinos têm o costume de beber chá verde com hortelã (menta) e açúcar antes e depois da refeição. Agradecem a Deus dizendo "Bismillah". As mulheres se sentavam separadas dos homens. Então eu teria que servir duas mesas. —Eu vou lá na sala e dar uma olhada se você já pode servir. Aguarde aqui para eu te chamar. E lembre-se, ficará tudo por sua conta. Eu forcei um sorriso. —Está certo, tia. Ela me estudou com o semblante sério antes de ir. Como se perguntando se ela poderia mesmo confiar em mim. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 19. Ajeitei meu lenço nos cabelos, para que eles ficassem bem presos. Separei a bacia, a jarra o sabão para o ritual de lavar as mãos. Coloquei a toalha nos ombros e aguardei. Titia logo surgiu na cozinha e fez sinal dizendo que eu poderia começar a servir. Com o coração batendo como um tambor, caminhei até a sala de jantar. Parei na entrada e observei todos muito a vontade, se falando alegremente. Meu coração se apertou no peito e nessa hora eu senti na pele a dor da rejeição. Eles praticamente me excluíram da família. Eu estava ali de favor e trabalhava para pagar o que eu comia, e o teto sob a minha cabeça. Todos os olhares se voltaram para mim quando me aproximei da mesa dos homens. Eu podia sentir os olhos do nosso ilustre convidado e pude ver de esguelha os olhos do noivo de Raissa postados em mim, sempre com aquele sorriso irônico nos lábios. Esse homem não presta! Caminhei primeiro até meu tio com a bacia com pouca água e o jarro. Meu tio lavou suas mãos e eu despejei sobre elas mais água para tirar o excesso de sabonete, depois a toalhinha para secar. Depois fui até o futuro sogro de Raissa, e fiz o mesmo processo. Agora era a vez do noivo dela, ele se lavou e eu o ajudei como fiz com os outros. Quando eu estava me dirigindo a Said. Senti a mão gelada de Samir correndo meu tornozelo por baixo do meu vestido. Na hora estaquei. Allah! Eu o encarei surpresa. Embora eu carregasse a fama de ser uma 'ulalaat il-Haya (sem vergonha) ibn iš-šarmuuTa (filha da P...) E ele com certeza sabia desse meu passado, eu não esperava tamanha ousadia. Saí de lá com pressa e com uma tremedeira danada. Despejei a bacia já cheia de água em um balde e fui em direção a Said. Quando nossos olhos se encontraram, percebi a hostilidade do seu olhar. Allah! Será que ele tinha reparado no gesto de Samir? E agora achava que eu tinha dado tamanha liberdade para isso? Se ele pensasse que se dane! Era apenas mais um na minha coleção de pessoas que estavam a ali para me julgar e sem se importar com minha defesa PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 20. me condenar. Empinei meu nariz. Meus passos incertos soaram pelo piso conforme eu caminhava na direção dele. Um misto de sentimentos por causa dos últimos acontecimentos, deixaram meus nervos em frangalhos. Por isso, minhas mãos tremiam quando me inclinei com a bacia e a coloquei sobre a mesa para ele lavar suas mãos. Despejei a água do jarro sobre as mãos dele, mas por causa do meu nervosismo, sem querer, deixei cair um pouco em seu colo. Na hora ele se remexeu quando sentiu o gelado nas pernas e barriga. Eu ergui o jarro e com meus olhos assustados e o encarei. Quando nossos olhos se encontraram, eu enrubesci. —Perdoe-me, foi sem querer. — Disse fugindo do seu olhar perturbadoramente quente e lhe entreguei a toalha. Ele enxugou a mão sem tirar seus olhos de mim, e depois passou no seu Dishdash molhado. Quando me ergui para levar as coisas, fitei meu tio que me olhava com os olhos duros. Com certeza ele viu o que aconteceu. Eu definitivamente tinha acordado com os dois pés esquerdos. Fui em direção às mulheres e fiz esse mesmo processo com cada uma delas. Titia, Selima, Raissa e a sogra dela. Quando finalizei. Caminhei até a cozinha e peguei o bule e despejei o chá com menta em xícaras. Tive que fazer duas viagens até a cozinha, para que todos fosse servido. Fiz tudo de cabeça baixa e de forma serviçal. Samir foi o último a ser servido. Quando me inclinei para ele pegar a xícara, ele soprou no meu ouvido: "linda". Abruptamente eu me ergui. Meus olhos procuraram os dele, e eu o fuzilei com o olhar. Mas isso ao contrário de inibi-lo, só o fez sorrir mais aberto para mim. A bandeja tremeu na minha mão e enfurecida me afastei dele em direção a cozinha, mas antes de alcançá- la pude ver os olhos negros de Said postados em mim. E pela hostilidade que vi neles, ele tinha percebido algo. Entrei na cozinha e agitada caminhei de um lado para o outro tentando me acalmar. Só porque eu tinha um passado vergonhoso que, com certeza Raissa contou para Samir, ele se achava no direito de me assediar. O jantar todo foi assim, eu indo de lá para cá, servindo e sentindo PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 21. todos tipos de olhares direcionados para mim: Especulativos, repressores, furiosos, curiosos...no final do jantar vi meu tio e minha tia cochichando enquanto olhavam para mim. Eu odiei aquilo. Era um aviso de uma conversa séria mais tarde comigo. Quando eu vim para cá, eu sabia que eu ia arder no mármore do inferno, mas juro que eu não sabia que seria tão insuportavelmente quente. Agora todos estavam conversando. Meu tio dando atenção para o futuro sogro de Raissa e Said. E outro grupinho, Samir, sua mãe, titia, a noiva-cadáver e Selima. Eu, andando de um lado para o outro tirando as coisas das mesas enquanto todos se socializavam. Numa dessas minhas idas para a cozinha, minha tia me segurou, suas mãos no meu braço como garras: —Jamile. Não pense que sairá impune disso. Eu vi quando derramou água no convidado. Isso foi imperdoável. —Não derramei por querer. —É esse ponto que eu queria chegar. Por que justo nele? Com certeza para chamar sua atenção. Pois saiba que sua vida social acabou. Acredite, ninguém vai te livrar das lições que terá conosco. A expressão era sempre ferina, ela estava constantemente mal- humorada. Sua voz sempre afiada para me atingir. Definitivamente, eu era uma impostora. Eles não estavam felizes comigo ali. Um eco da série de choques que eu sentira naquele dia provocou-me tremores por todo o corpo, mas ao mesmo tempo, minha ira rebelde também me invadiu e ergui meu queixo para dizer: —Não fiz de propósito. O silêncio impregnou o ambiente enquanto os olhos duros estavam fixos nos meus: —Não seja tão hipócrita a ponto de questionar minha palavra com respeito a isso, ou de querer discuti-la. Com o passado que carrega, duvido! Agora vai! Continue seu trabalho. Depois lave a louça e só então terá direito de comer o que sobrou. Eu assenti para ela sem discutir e pisando duro, voltei a fazer o meu trabalho. Allah! Dai-me forças! PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 22. Amor era um sentimento do qual eu nem mais me lembrava. Eu só via ódio nos olhos deles. Acho que o único que aparentava gostar de mim um pouco, mas não podia transparecer, era meu tio, irmão de meu pai. E acredito que isso se deva ao fato de eu ter o seu sangue. Tirei toda a mesa de cabeça baixa. Fazendo o máximo possível para não ser notada. Meus pés estavam cheios de bolhas. Sempre andei com sapatos de saltos altos. Mas, na minha antiga vida de princesa, eu andava como se levitasse, agora eu me sentia como se eu marchasse. Acabou meu nariz em pé, acabou meu desejo por joias, acabou meu desejo de qualquer outra coisa que não fosse o carinho, o amor das pessoas por mim. Eu queria conquistá-las, mas eu não sabia como. Quando coloquei o vestido, foi apenas para lembrar um pouco de tudo que eu tinha nas mãos e perdi. Lembrei-me de um verso que eu vivia de Khalil Gibran: "Aprendi o silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os maldosos..." Essa agora era o meu novo "eu". Totalmente mudada. Comecei a lavar louça, mas quando via a água correndo, me deu vontade de usar o banheiro. Fechei a torneira e passei pela sala me esgueirando pelos cantos, de cabeça baixa. Alcancei o banheiro e tão logo fechei a porta atrás de mim, fiz xixi. Ahhhhhhhh! Alívio.... Quando finalizei me limpei e lavei as mãos. Ainda pensativa, abri a porta. Allah! Levei um susto, quando dei com Samir parado em frente a minha porta no corredor, quase dei um encontrão nele. Nossos olhos se encontraram. Aquele sorriso de sempre, surgiu em seu rosto. Eu me virei, mas antes de ir, sua mão pegou meu braço como garras, a outra tampou a minha boca. Seus olhos então me olharam predadores e ele veio para cima de mim. Ele me empurrou para dentro do banheiro e tentou fechar a porta com o pé. Mas eu lutei, para que isso não acontecesse. —Não! Nã... —Eu disse quando sua mão saiu da minha boca, mas seus lábios tomaram os meus calando o meu grito. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 23. Não sei quanto tempo isso levou até que ouvir uma voz estridente: — Samir! —Era a voz de Raissa atrás de nós. Ele ficou tenso, e eu aproveitei e mordi seus lábios. Samir me soltou e a encarou com a boca suja de sangue sem fala. Ela, como ódio, olhou para mim. — Sua vadia! Sua detestável! — Essa mulher me atacou! Eu me defendi: —Mentira dele, os olhos dele sempre foram maus para mim. Ele tentou falar. — Rai... — Cala a boca! — Ela disse para ele. O grito dela e a exclamação dele chamaram a atenção de todos, pois logo o corredor se encheu de olhares curiosos vendo a cena. Raissa estava lá, vermelha, olhando para mim e para Samir com ira nos olhos. Ela voou em mim e me acertou as faces e olhando para ele gritou: — Não haverá mais casamento! Seu idiota, porco! —Esbravejou. Chorando, saiu correndo esbarrando em todos os presentes, abrindo passagem. Selima correu atrás dela. Ela acreditou em mim? Se sim, não deixaria de me odiar por eu ter provocado o desejo em seu noivo. Samir saiu de fininho e seus pais o acompanharam. Eu fitei meu tio que me olhava furioso, vermelho de raiva. Said que até agora estava na sala, se uniu para ver a confusão no corredor. Minha tia estendeu para Ali um cinto, que ele pegou com um sorriso maldoso e avançou sobre mim. —Não! —Eu gritei e tentei entrar no banheiro, mas ele me alcançou. Recebi cintadas nas pernas, nos braços. Me inclinei quando ele começou a me bater nas costas. —Pare! Não bata nela! —O som veio de trás, um som ameaçador, sentir uma pontada de medo. Em sua voz continha uma autoridade que que não poderia ser negada ou ignorada. Tanto que meu tio parou de me bater. Eu fitei o dono daquela voz. Said estava ali na porta do banheiro. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 24. Enorme, com aquela aura superior, nos encarando com o olhar duro. —Senhor Haji. —Meu tio Ali disse, instantaneamente me liberando e dando um passo atrás. Disse cuidadoso. — Melhor o senhor não se meter. Você não a conhece, não se deixe encantar por esses olhos inocentes. Said me observou em silêncio por alguns minutos. Como se me disse que agora eu estava nas mãos dele. Fiz o mesmo, mas suplicando com os olhos para que ele me livrasse de toda aquela confusão. Seus olhos voltaram-se para o meu tio com expressão sombria e irritada. —Mesmo assim, não bata nela! —Said disse com voz firme, precisa, aterradora, mesmo num baixo volume, sem precisar elevá-la. Isso fez meu coração bater forte no peito. Desde que cheguei, essa era a primeira vez que alguém tomava partido por mim. —O senhor não viu o que ela fez? Ela acabou com a felicidade de minha filha. Não haverá mais casamento. Até o senhor foi atingido indiretamente. Sem esse dote, eu não conseguirei pagar o aluguel! Said olhou para mim como se pensasse. Eu o encarava emudecida, com os olhos embaçados pelas lágrimas abundantes e que molhavam todo o meu rosto. —Faremos o seguinte. Eu ficarei com ela, ela trabalhará de empregada na minha casa em troca do aluguel. Meu tio o fitou confuso, e depois olhou para mim, seus olhos foram ficando mais e mais duros conforme ele me olhava. Ele encarou Said novamente. —Eu não sei. Meu irmão me confiou os cuidados com ela. A responsabilidade de lhe dar um corretivo é toda minha. Por favor, digo e repito, não se encante por esses belos olhos. Foi pega em adultério. Ela é ardilosa, fútil. Percebi que Said ficou desconfortável com essa informação sobre minha pessoa. Seus olhos então procuraram os meus. Vi uma tempestade dentro deles. Ele estudou meu rosto, os olhos negros profundos movendo-se sobre a minha aparência, e um lento sorriso se espalhou em seu rosto. Ele então disse: —Sempre gostei de desafios. E como disse, você tem uma dívida PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 25. comigo, então não terá outra solução. Allah! Estremeci de medo. Não sei se seria boa ideia estar nas mãos dele. Eu me perdi nos pensamentos e olhei para as minhas mãos, me sentindo um cachorro sem dono. Então, fitei os olhos gelados de Said que estavam postados no meu tio, esperando a resposta dele. Meu tio estava ali pensativo, sem saber o que fazer. —Tudo bem. Ela trabalhará para o senhor. — Ali disse, correndo a cinta nas mãos, nervosamente. Minha tia que deveria estar escutando tudo, surgiu na porta e me olhou com ódio nos olhos. —Ela terá que dormir no emprego. —Said anunciou. Meu tio respirou fundo: —Tudo bem. Eu me senti como se fizesse parte de um filme de terror, imaginando que tipo de situação a personagem passaria a qualquer momento. E tudo que você só sabe era que seria algo terrível. Said estendeu a mão para Ali para fechar o acordo. Meu tio pegou a mão dele e apertou suas mãos. Quando eles soltaram as mãos, seus olhos negros voltaram-se para mim. —Qual é o seu nome? Eu, que estava perdida em pensamentos confusos, me endireitei. Limpando meu rosto de lágrimas que ainda teimavam em descer respondi: — Jamile. —Arrume suas malas. Partiremos amanhã cedo. Eu assenti para ele. —Ela tem louça para lavar. — Minha tia avisou, com ira nos olhos. —Termine seu serviço e depois arrume suas malas. —Ele disse me olhando por um tempo antes de se virar. Seus olhos fixaram em todos que imediatamente entenderam o recado e deixaram o corredor. Eu, ainda trêmula por tudo que aconteceu e pelo meu futuro incerto, me sentei na privada, tentando imaginar que tipo de vida eu levaria lá. Escutei, então, os brados indignados que vinham do quarto ao lado. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 26. Era a minha tia e meu tio brigando entre si. Isso acabou surtindo um efeito bom em mim. A caldeira do inferno tinha sido aumentada, e sair de lá seria bom. Se não fosse por essa proposta, eu teria apanhado muito e receberia todo tipo de represaria dos meus tios. Allah! Me lembrei da maquiagem. Mesmo que eu conseguisse provar que eu fui vítima, quando ele soubesse que Samir me viu maquiada, ele iria me massacrar, me acusando de incitar o desejo nele e eu teria que me acostumar à ideia que a porta do meu cárcere se encerraria de fato. Ele jamais me arrumaria um marido e eu o serviria para sempre como empregada. Agora com Said, eu poderia trabalhar para pagar a dívida do meu tio e quando ela se finalizasse, eu pediria para prosseguir com meu trabalho. Faria um pé de meia e depois tentaria viver minha vida. Poderia até voltar para a Inglaterra. Sim! Positivo! Eu precisava pensar positivo! Capítulo 2 Senti um alívio feroz quando deixei aquela casa. Quase chorei de felicidade. Na despedida, me deram um beijo no rosto de praxe, mas sem sentimento algum. Talvez até alívio. Como se cumprissem um protocolo. Raissa naturalmente não me beijou e de quebra me olhava com ódio nos olhos. Ao olhar para ela, me vi. Odiei Khadija por inveja, puro despeito. Agora eu pagava por isso. Estava deixando para trás um remoinho de humilhações, violência e abusos de autoridade. Lembranças que eu queria esquecer. Caminhei até a porta com Said, rumo a minha nova vida. Por que não a liberdade? Eu ansiava esquecer toda a injustiça sofrida com meus tios, que me atormentou durante um ano em que eu estive com eles. As portas se fecharam atrás de nós com estrondo. Fechei os olhos, lágrimas desceram dos meus olhos. Respirei fundo o ar fresco da manhã. Ouviu pela primeira vez o canto PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 27. dos pássaros debaixo de uma árvore ao sol. Prestei atenção nos movimentos dos carros. Pessoas caminhando em direção as lojas naquela parte da Medina. Todo esse tempo que estive com eles, consegui apenas uma vez caminhar entre as lojas. Isso porque, fui com um objetivo. Minha tia tinha me pedido para comprar farinha. Aprisionada. E agora? Eu estava indo para a outra gaiola, só que dourada? Limpei as lágrimas, e ajeitei o hijad preto escondendo meus cabelos. Sabendo que minha aparência deixava a desejar, vestida com aquela abaya negra. Aparência? Há muito tempo eu não sabia o que era me arrumar, desde aquele dia.... Allah! No mínimo quando Said me viu com aquele vestido, ele me enxergou como uma vadia, ou uma cavadora de ouro. Respirei fundo. —Vamos? —Ouvi a voz de Said. Só então percebi a porta aberta do veículo preto. Sem encará-lo muito nos olhos, eu assenti para ele com um gesto de cabeça. Deslizei para o assento de couro marrom. Said se sentou no banco da frente ao lado do motorista. Quase não dormi a noite, pensando em tudo que aconteceu, na guinada que deu minha vida. Tentei deixar que o barulho suave do motor me acalmasse. Mas foi em vão. Eu estava agitada demais. Fitei o retrovisor do carro e encontrei os olhos sérios e observadores de Said em mim. Limpei minha garganta, mas não saiu dela som algum. Foi então que ele me disse: —Descanse. Serão cinco horas e meia de carro até Marrakesh. No meio do caminho paramos para almoçar. Meu coração se agitou no peito. Assenti para ele e desviei meu olhar dos profundos olhos negros dele e direcionei-os para a janela, mas sem nada ver. Almoçar com ele…Pensei. Said para mim era um mistério. Eu não me admirava em nada que ele o fosse. Eu nunca participei de nenhum assunto da casa. Era tratada apenas como uma empregada. Quando meu tio usava seu tempo precioso para falar PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 28. comigo, era apenas para recitar o livro sagrado e me dar versículos para decorar. Se eu não os decorasse até o dia seguinte, ele não poderia participar da refeição, isso até eu decorar. Era uma espécie de passaporte, pedágio para eu me comer. A tecnologia deixou a idade das trevas para trás, mas minha sociedade machista continuava a viver nela. Eles eram ainda movidos pelas formas bárbaras. As mulheres cordeirinhos de homens predadores.... Meu estômago revirou com esses pensamentos e eu os afastei. O trajeto longo, muito. Depois de uma hora de viagem, as casas e estabelecimentos foram ficando para trás e agora estavam cada vez mais rareando na paisagem. Meus olhos foram ficando pesados pela noite mal dormida. Resolvi me deitar no banco do carro para tirar um cochilo. Me encolhi. Eu só queria o escuro agora. Acordei mais tarde com um toque nos ombros. —Jamile. Meu coração acelerou, um rubor atingiu meu rosto quando me lembrei a onde eu estava. Me levantei e dei com os olhos negros de Said postados em mim. Ele estava do lado de fora do carro e tinha aberto minha porta. Me endireitei no banco e deslizando saí do carro. Percebi que estávamos no estacionamento de um restaurante, acima dele balançava a bandeira da Itália. Restaurante Italiano? —Está com fome? Eu assenti para ele com um sim. Ele me observou. —Você tem língua? Ou a cortaram? —Tenho. —Ótimo, então faça uso dela. Não gosto de monólogos. Já comeu comida italiana? Eu baixei meus olhos. Sim! Eu adorava comida Italiana. Zafir sempre que podia me levava. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 29. Meu coração se apertou com um sentimento de tristeza. As dores passadas me atacaram novamente. Rejeição. —Eu te fiz uma pergunta? Pisquei, quebrando minhas memórias e ergui meu rosto para ele. Said me olhava impaciente. —Eu gosto muito. Said me estudou antes de dizer: —Pelo visto frequentou restaurantes assim. —Sim. — Era aquela ligação entre o passado e o meu agora presente. A liberdade que eu tinha, e agora a prisão, a obrigação. Essa consciência me deixou mais no chão. A melancolia que ela me engoliu por inteiro com essas lembranças como uma maldição. Eu o fitei, ele me estudava. Quando nossos olhos se encontraram, ele disse impaciente: —Vamos! Eu assenti e caminhamos lado a lado em direção à porta de vidro do restaurante. Alguns passos depois eu tropecei. Dedos seguraram meu braço e por pouco não caí no chão. Me endireitei. Suas mãos me soltaram. —Você parece que tem dois pés esquerdos. —Ele disse. Eu respirava com dificuldade, odiando o olhar de diversão que vi no rosto dele. Então me lembrei de ontem à noite no quarto dele, quando caí como manga madura no chão. Senti meu rosto vermelho, e não consegui deixar de sorrir sem graça. —Geralmente não sou tão atrapalhada. Seus olhos negros ficaram mais intensos e desceram para os meus lábios, fazendo meu coração palpitar mais rápido no peito. Não! Não! Eu não podia me apaixonar por ele. Baixei meu rosto. Eu tinha medo do meu “eu apaixonado”. Eu estava indo muito bem até agora, eu podia estar numa prisão, mas a paz do meu coração “livre” era inigualável. Um dia eu me transformei de um gatinho manso em um felino com garras e dentes. Ele disse rude, cortando meus pensamentos: —Sabe que seus olhos PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 30. passam pureza? Mas isso não me engana, eu sei o que se esconde por trás dessa aparência. Vamos! As palavras dele me atingiram, trazendo dor ao meu peito. Ele avançou sem me esperar. Eu fiquei ali parada por um tempo. Anda! Pare de agir como vítima! Forcei meus passos até alcançá-lo. Conforme caminhava ao lado dele, briguei com meu coração para parar de bater daquele jeito. Tentei acalmar minha respiração, dizendo para mim mesma: Foi ótimo. Melhor! Não fique assim! Pés no chão sempre! Foco! Mas isso nada adiantou. Caminhando no interior do restaurante charmoso, eu não consegui parar uma lágrima quente que desceu queimando a minha bochecha. O que estava acontecendo comigo? A limpei com raiva. Said Allah! Ela chorava? Essa mulher estava me atingindo de uma maneira estranha. Era uma briga de sentimentos dentro de mim. Num momento eu a queria, em outros eu a desprezava. Eu não estava acostumado ao caos dos sentimentos que ela estava me provocando. No pouco tempo que eu a tinha conhecido, ela me fez sentir algo que há muito eu não sentia. Era algo ilógico. Tudo era contra ela. Mas todos os argumentos, seu passado e todas as dificuldades não tinham me preparado para a complicação dos meus sentimentos. Essa força repugnante de emoções. Como eu poderia entender e manter meus pensamentos seguros se ela toda hora me passava uma imagem? A de mulher fatal, então ingênua. Ousada, então tímida. Medrosa, então orgulhosa.... Agora mesmo um flash de vulnerabilidade brilhava em seu rosto. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 31. O Maître me indicou uma mesa vazia perto da janela. Assenti para ele ainda com aqueles pensamentos viciosos na minha cabeça. A verdade era que ela atiçou aquele desejo dormente em mim. Ela mexeu com todas as minhas fantasias sexuais quando eu a vi naquele vestido. Me virei para ela. Ela veio na minha direção com a cabeça baixa. Cabeça e corpo todo coberto, diferente da mulher que ficou gravada como fogo na minha mente. Eu precisava vê-la assim, dentro dos nossos costumes. Respirei fundo e afastei a cadeira para ela se sentar. O Maître nos deu o cardápio. Ela olhou para mim e depois se escondeu atrás dele. Minutos depois ela o colocou na mesa: —E então? —Não sei. —Como não sabe? Não conseguiu escolher um prato? —Eu sou apenas uma empregada. Quanto pretende gastar? —Não se preocupe com isso. Pode pedir o que quiser. Jamile Meu coração se apertou agitou no peito com sua resposta. Allah! Muito estranho. Eu podia pedir o que eu quisesse porque ele era rico? Ou tinha algo por trás disso tudo? —Que tipo de empregada eu serei? Said deu uma risada de canto. Meu coração imediatamente se agitou no peito. Lindo! Isso o definia. Ao mesmo tempo que eu constatava isso, seu sorriso me preocupava. —Não tenho nada definido ainda para você. Meu coração conseguiu ficar mais agitado do que estava. Nessa hora o garçom se aproximou: —Senhor. Já fizeram suas escolhas? Posso anotar o pedido? Said pegou o cardápio e pediu: —Lasanha e alcachofra à moda romana. —Ele me olhou por trás do cardápio. —Posso pedir o mesmo para você? —Só lasanha. —O que irão beber? PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 32. —Suco de abacaxi e você Jamile? —O mesmo. O garçom anotou o pedido e se afastou. Eu encarei Said, cheia de dúvidas na cabeça. —E então? Said que olhava pela janela me encarou. —E então o quê? —Disse para o meu tio que eu trabalharia para o senhor. Estava mentindo? Tudo isso não passou de um jogo para me ... levar para a ...? A severidade dele se atenuara. Ele não exibia mais aquela expressão enigmática. Agora seus olhos negros observavam-me atentamente, até demais. Meu coração se agitou no peito. Said disse com voz aveludada. —Eu te livrei de ser espancada. Nunca me agradou esse tipo de coisa. Senti o clima na casa muito pesado, e agi. —Só isso? Ele riu. —E você acha pouco? —Não foi isso que eu quis dizer. —Não existe nenhum jogo. Mas posso pensar a respeito. Eu fiquei branca. Ela não queria acreditar nos meus ouvidos. Senti vontade de gritar. —Eu não serei sua a....mante! Said sorriu friamente para mim, como se apreciasse meu nervosismo. —Isso ainda não decidi. Só o que sei é que sou seu dono. Paguei pelos seus serviços e não foi barato. Eu engoli em seco. Os olhos de Said endureceram. —Não sei porque tanto pudor. Conheço toda a sua história, nos mínimos detalhes. Eu e seu tio tivemos uma conversa ontem. Não adianta passar uma imagem que não é. Isso não funcionará comigo. E lembre-se que PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 33. eu vi como você é realmente. Allah! Ele estava se referindo ao dia que ele me viu vestida no quarto dele daquele jeito. Minha respiração se agitou. —Isso é con...tra os costumes. —Gaguejei. —Não posso ser sua amante. Said se recostou na cadeira e deu um sorriso debochado, cruzando os braços na frente do peito como o profeta. —Não sou muçulmano. Se quiser pode deixar de usar o hijad, usar roupas mais descontraídas. —Ele então falou num tom baixo e debochado. Isso me abalou. —Mas sugiro que num país onde a maioria é muçulmana, você não tire o lenço agora, só faça isso quando estivermos na minha casa. Então, você poderá andar mais à vontade. Allah! Isso não era bom. Eu tirei do meu rosto a surpresa e demonstrei toda a minha seriedade quando perguntei: —Num país onde a maioria é muçulmana como disse, por que você não segue os costumes? Ele sorriu friamente. —Meu pai era norte americano. Veio para o Marrocos a trabalho e se casou com minha mãe que era órfã. Nem ele, nem ela, eram presos às tradições. Eu engoli em seco e resolvi explicar toda aquela confusão. —Aquele dia... Quando eu estava no seu quarto. Eu usava um dos meus vestidos. Estava apenas revivendo o passado, nada mais que isso. — Meus olhos foram tomados por um brilho triste. —Sim, revivendo um passado cheio de glamour, riquezas e que você daria tudo para tê-lo de volta. Meus olhos brilharam, eu dominei minhas emoções, me esforçando para que minhas lágrimas não caíssem. —Exatamente. —Ergui meu queixo. —Mas não pelo glamour ou pelas riquezas como está dizendo. Quando coloquei aquele vestido eu estava me lembrando do meu ex-marido. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 34. Said riu. —Allah! Essa é boa! Você trai o pobre coitado e quer que eu acredite que morria de amores por ele? Eu baixei meus olhos tristes. —Eu sei que errei. Quando me olhei no espelho com aquele vestido, pensei em como tudo poderia ter sido diferente. Ele fez um "hah!" Antes de dizer: —Carregada com toda aquela maquiagem! Você quer que eu acredite nisso? —Ele rebateu em tom seco. — Não faça esse papel de Madalena arrependida. Isso só piora as coisas para você e pena me leva ao asco. A esperança zombou de mim, fazendo-me acreditar que eu tinha uma chance. Uma pequena, quase inexistente chance de ele acreditar nas minhas palavras, mas ainda uma chance. Isso foi cruel. Mau. Agora... Said Jamile me olhou a princípio sem se mexer. Como se o mundo a sua volta tivesse parado e ela somente ouvisse sua respiração ofegante. Vi o quanto minhas palavras a afetaram a ponto do sangue fugir de seu rosto. Então, desviou seus olhos dos meus e eu assisti rolar uma lágrima solitária em suas faces rosadas. Apertei minhas mãos debaixo da mesa com furor e desviei os olhos da sua figura frágil. Lágrimas de crocodilo! Ela estava jogando comigo para me conquistar? Por que ela estava vestida daquele jeito no meu quarto? Para me impressionar? E depois vir com essa história triste para eu cair como um patinho? O que havia nessa mulher que me perturbava dessa forma? Allah! Pior que desde que a vi no quarto vestida daquele jeito ela não me saia mais da cabeça! O que era isso? Uma praga de um fetiche? Meu coração bateu descompassado; meu sangue correu denso e enjoativo quando pensei na possibilidade de estar nas mãos dela, isso fez todos os meus músculos se retesarem. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 35. Uma voz, vinda do fundo da minha alma, relembrou-me que desde a morte de Layla eu vivia de luto. A parte estranha, a parte mais complexa e até mesmo mais extraordinária, era que essa mulher a minha frente conseguiu mexer comigo, ela me fez abraçar meu bárbaro interior, me fez por um momento esquecer a minha tristeza. E outra voz mais forte me fazia reconhecer a verdade por trás de todo aquele prazer, eu a queria para mim. Independentemente do quão contraditório pudesse ser em sua efemeridade. Agora ela era minha. Eu possuía sua vida por causa do pagamento de uma dívida. Só de pensar nisso a adrenalina correu densa nas minhas veias, fazendo meu coração se agitar. Tudo aconteceu por um impulso, mas dentro de mim cresceu esse estranho prazer de tê-la nas minhas mãos. E agora? Ela seria minha cura? Ou minha ruína? Sorri com o rosto voltado para a janela ao me lembrar da imagem surpresa de seu rosto quando eu lhe disse que não era muçulmano e que as regras não se aplicavam a mim. Deve ter sido aterrador saber que eu não estava preso aos costumes. Tirei o sorriso do rosto e respirei fundo. Quando a encarei nossos olhos se encontraram. Ah. Já tinha percebido isso, ela adorava me observar quando eu não estava olhando. Segurei por um tempo seu olhar. Ela, constrangida, o desviou dos meus. O Garçom nessa hora surgiu e começou a nos servir e voltei a minha atenção para o meu prato, mas totalmente consciente dela. Como um felino que conhece todos os movimentos da sua presa. —Eu preciso ir ao banheiro. —Ela me disse como um coelhinho assustado quando finalizamos o almoço. Eu não queria vê-la assim. Queria que aquela máscara de boa moça caísse. —Tudo bem. Te espero no carro. Jamile Eu fui até o banheiro. E estava me sentindo nauseada com tudo isso. O sentimento de angústia que senti com suas palavras colaboraram muito para isso. Vi o quanto eu estava mudada. Se fosse outra Jamile, PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 36. usufruiria com o que ele me daria. Sim, pois com certeza, sendo sua amante, eu teria muitas regalias e o fato de ele não seguir os costumes seria muito bem-vindo. Só que hoje eu pensava diferente. Eu estava vivendo as falas de Zafir " Espero que não enxergue o preço das coisas e sim o valor das pessoas. " Elas agora não eram mais como um eco na minha cabeça, elas desceram para o meu coração, e se fixaram na minha alma. Hoje eu queria ser amada. Tinha trinta e três anos nas costas. Não estava na flor da idade. Eu não era mais uma jovenzinha despreocupada, com aquela mentalidade que eu tinha uma vida pela frente. A idade já estava começando a pesar. Uma coisa eu sabia, quando Said olhava para mim com interesse nos olhos, era difícil me lembrar de que se eu caísse na lábia dele, eu seria usada e descartada. Said me atraia, sim! Mas eu teria que lidar com isso. E lutaria bravamente com esse sentimento que eu não tinha direito de sentir. Se me deixasse levar por ele, aí sim, ele não me valorizaria. Olhe para você! Por que agora se tornou tão importante que ele te valorize? Não! Eu faria isso por mim mesma! Eu que precisava me valorizar! Pensei no motivo de eu estar com ele.... Said com certeza tinha agido por impulso. E agora? Ele estava sentindo uma espécie de arrependimento tardio? Com certeza ele achava que eu tinha ido ao quarto dele de propósito, como se tivesse armado tudo para conquistá-lo. Lembro-me de suplicar-lhe com os olhos para que ele agisse, de alguma maneira, na hora que meu tio me batia. Mas jamais imaginei que eu seria uma moeda de troca entre ele e meu tio. Em frente ao espelho, tirei o lenço e abri a torneira. Lavei as mãos e passei água no rosto e pescoço tentando me acalmar e me deixar alerta. Dei um passo para trás. O espelho exibia meus cabelos negros lisos e um pouco emaranhados. Os meus olhos negros receosos tentando manter a compostura. Passei o dedo pelos cabelos e coloquei o hijad novamente. Quem sabe Said só tenha falado tudo aquilo para me assustar? E que PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 37. chegando em sua casa, toda a nebulosidade de suas palavras se desfaria e eu trabalharia realmente para ele? Saí do banheiro e fui em direção a saída. Senti o sol ardido queimando a pele do meu rosto e ar estava abafado. Mesmo assim, Said estava lá, encostado ao carro, com a expressão carregada e um cigarro entre os dedos. O vício só comprovava o que ele tinha me dito sobre não seguir os costumes. Eu me arrepiei. Quando ele me viu, aprumou o corpo e jogou o cigarro fora. Entrou no carro sem abrir a porta para mim. Allah! Abrir a porta do carro para mim? Caia na realidade! Você para ele é uma simples empregada! Entrei no carro fresco pelo ar condicionado ligado e fiquei atrás da cabeleira negra dele. Assim não corria o risco de encontrar seus olhos no retrovisor do carro. Passei a viagem restante imersa em pensamentos ou fitando tudo lá fora, mas geralmente sem nada ver. A paisagem passou diante dos meus olhos em um estado confuso de nervosismo e negação. Duas horas e meia depois, chegamos ao nosso destino. O motorista entrou num caminho ladeado por palmeiras. À medida que o carro se aproximava dos enormes portões, estes se abriram automaticamente. — Lar, doce lar. — Said disse. Ele estava ironizando? Ou disse satisfeito? Percorremos o caminho ladeado por palmeiras frondosas. Surgiu então uma grande construção da cor branca. O palácio era formado por várias edificações lindamente conectadas por pátios e jardins. Nenhuma igual à outra. Algumas com torres, outras com domos, todos os muros cobertos de trepadeiras. O carro parou diante da construção mais alta, de dois andares com portas e colunas douradas. Na entrada, na grande varanda, os empregados trajando kandura brancos estavam alinhados e sorriram para ele, se curvando em reverência quando ele saiu do carro. Mesmo vivendo com Zafir numa casa enorme, nunca tivemos esse tipo de pompa. Sempre testemunhei demonstrações de respeito, mas o que eu via agora era algo diferente. Eles o tratavam de forma especial. Vi nos olhos deles aquela alegria genuína. Said deu um sorriso de menino recebendo os PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 38. cumprimentos, demonstrando seu sentimento recíproco. Do interior da casa, saiu uma senhora grisalha e um menininho de uns dois anos, bem branquinho e de cabelos negros. Ele veio correndo em direção a Said e agarrou suas pernas o chamando de pai. Allah! Said era casado? Viúvo? Separado? Claro! Um homem bonito, rico, que beirava seus trinta e nove anos tem um passado. Ele não ficaria solteiro. Said o pegou no colo e lhe deu um beijo no rosto. Eu resolvi sair do carro e quando me aproximei deles, ele chamou a mulher, Zilá, e colocou a criança nos braços dela. A criança começou a chorar. —Leve-o para dentro. Depois que ela entrou, Said me encarou. —Esse é meu filho, Bashir. Não quero que ele se apegue a você. Por isso, não quero que tenha nenhum tipo de contato com ele. Está me entendendo? —Ele me disse de forma bem seca. Assenti com a cabeça para ele, muda. —Vamos! Deixamos para trás a luz do sol e o calor. Entramos numa sala que transmitia calma e frescor. Era linda! O teto da sala era formado por uma abóbada azul e dourada de cair o queixo. Uma empregada veio nos receber quando cruzamos um arco grande e paramos no meio da sala. A senhora também não usava lenço. Estava vestida com o Jelabiah, uma roupa tradicional, semelhante a uma túnica longa até os pés da cor branca. —Senhor Haji, bom dia. —Bom dia. — Said me olhou por um tempo. Então acenou como se tivesse chegado a uma conclusão. —Essa é Jamile. Arrume para ela o quarto ao lado do meu... PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 39. Ao lado do dele? —Sim senhor. Vi o motorista segui-la com minhas malas. — Me acompanhe. Eu o segui, mas nem consegui reparar no lugar, caminhei muda como se tivesse indo para o matadouro. Ele abriu uma grande porta que deu numa linda biblioteca. Quando entramos no interior dela, ele fechou a porta atrás de nós. Se virou para mim e se aproximou. Sua fragrância almiscarada tomou conta de mim novamente. A frieza no olhar dele me avisou que ele me olhava como se tratasse de negócios agora. —Não sou de fazer jogos bobos. Sou muito direto e eu a quero para mim. Luxuria, êxtase. Chame como quiser. Suas palavras me arrepiaram e eu falei sem pestanejar: — Não serei sua amante. Me dê qualquer outra coisa para fazer. Ele baixou a cabeça sorrindo e a meneando de um lado para o outro. Quando a ergueu, vi um traço de aborrecimento vindo novamente em sua expressão. O tempo congelou entre nós. Suas narinas se dilataram: —Chega de jogos. Deveria se sentir honrada que eu a deseje, mesmo sabendo quem está por trás dessa aparência inocente. Eu não estive com uma mulher há bastante tempo. Estou limpo. Você comigo terá, em troca, uma vida confortável. Estipularemos um tempo para que a dívida seja toda sanada. Eu serei a formiga e você a cigarra. Enquanto eu trabalho, você canta para mim. O que acha? —Você está louco? —Eu perguntei duramente. Eu queria gritar com ele, mas mordi a língua. — Eu não sou uma prostituta! Ele riu e deu um passo mais à frente, meu coração disparou. Minha respiração se atenuou: —Mas eu não disse que você era. Pense que é uma troca simples. Você usufrui de tudo que eu tenho e eu a tenho na minha cama. —Você joga tudo que tem como se eu o quisesse, como se assim você pudesse dormir comigo? Cada polegada de mim estava em chamas. Seus lábios se esticaram PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 40. com um sorriso lindo, charmoso, sedutor. Seus lindos olhos me levando com um vertiginoso efeito sobre mim. —Não estaríamos dormindo, Jamile. —Ele disse com ironia. Pisquei para ele aturdida e tentei suprimir a raiva que borbulhava para a superfície. —A resposta é não. Ele se aproximou mais. —Ah, Jamile. Eu conheço as mulheres. Não me jogue palavras de negação. Você é uma mulher quente. Se não o fosse assim, não teria um amante. Minha raiva cresceu de tal forma que lhe acertei as faces tão forte quanto pude. Allah! Tirei a trave de uma granada e ela estava agora prestes a explodir na minha frente. Em choque fiquei o olhando, me admirando do que eu tinha feito. Sua louca! Bater num homem árabe? Said estava lá: a surpresa em seu rosto, seu peito subindo e descendo rapidamente e com uma súbita fome em seus olhos enquanto olhava para mim. "O que foi que eu fiz?"Foi meu último pensamento antes que ele desse um passo para frente e esmagasse seus lábios contra os meus. Eu estremeci. Não eram punitivos, e sim envolventes, doces. Ele tinha gosto de menta e tabaco, era a coisa mais gostosa que eu já tinha experimentado. Sua língua se chocando com a minha e seus dentes mordiscaram meu lábio inferior. Meu corpo traidor tremia, violentamente. Eu nunca experimentei um desejo assim, tão ardente. Senti, então, na barriga seu cume duro e isso me foi como um sinal de alerta. O afastei um pouco e me livrei dos lábios dele, enfiando meu rosto em seu peito cheiroso. — Não, por favor não! PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 41. Ele respirava pesadamente, abraçado a mim. Talvez tentando colocar seus pensamentos em ordem. Agarrou o meu lenço e puxou minha cabeça para eu olhar para ele. Seus olhos exibiam toda a sua frustração. —Seu corpo me deseja. Senti isso aquele dia no meu quarto. Se eu não tivesse me afastado, você teria permitido que eu a beijasse. E agora eu te provei isso. Por que esse jogo comigo agora? Por que me rejeita? —Ele me perguntou tudo em luta, seus olhos eram tempestuosos, sua testa estava franzida. —Eu não estou fazendo jogo algum. —Não? — Ele me soltou, olhando-me duro. —Não percebe o que está acontecendo entre nós? — Não há nada acontecendo entre nós. —Eu disse de queixo erguido. Seus olhos brilharam nos meus. — Mentirosa. —Ele passou a mão pelo cabelo, parecia angustiado. — Se pensa em me conquistar se fazendo de difícil, pode esquecer! Fechei por um momento meus olhos e neguei lentamente. —Estou cansada. Eu poderia ir para o meu quarto? —Descansar? Se não vai ficar comigo, terá que pagar de alguma maneira sua estadia, concorda? Você não é uma hóspede. Lembra? Meu queixo caiu e eu olhei para ele perplexa. —Eu estou acalorada. Não poderei nem tomar um banho? Said sorriu friamente. —Não me olhe com essa cara. Eu te possuo agora, lembre-se disso! E quando eu tenho uma coisa, eu controlo. Essa é a razão por eu ser um homem bem-sucedido e você fará o que eu mandar. Allah! Coisa? Meu coração se apertou. Ainda chocada perguntei: —Você vai me obrigar a fazer algo que não quero fazer? Ele franziu a testa, irritado. —Eu não faço sexo com mulheres à força, se é a isso que você está se PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 42. referindo. Eu não preciso, também. Tenho mulheres solteiras desimpedidas o suficiente se atirando para mim. Ah, algumas casadas se oferecem, lógico que elas são expertas, não dão bandeira como você. Desculpe desapontá-la. Eu senti meu sangue subir para o rosto por sua observação venenosa. — De maneira nenhuma estou desapontada, Sr. Haji. Posso ir para o quarto e apenas me trocar, meu amo? —É essa a sua resposta? Prefere se matar de trabalhar nessa casa do que estar na minha cama cantando no meu ouvido? Se meu beijo foi bom, imagine o resto. Eu estremeci, mas disse de forma convincente: —Sim, mesmo porque, como disse, tem mulheres de sobra e não quero ser mais uma na sua cama. —Não será mais uma, mas exclusiva. —Por quê? Se tem mulheres a sua escolha, por que insiste comigo? —Você é diferente. —Ele disse calmamente. — Diferente como? Ele deu um passo à frente, me olhando por vários momentos, e não conseguia ler sua expressão. Fiquei mais desconfortável a cada segundo que passava. Por fim ele respondeu: — Apenas diferente. Ele balançou a cabeça lentamente, seus olhos parecendo pensativos. —Jamile. —Ele disse como se estivesse provando meu nome na sua língua. — Eu vi você naquele vestido, você sabe. E desde então, te quero na minha cama. Simples, como um mais um são dois. Surpresa? Meus lábios tremeram e fiquei sem ar. Minhas bochechas aqueceram e o encarei com surpresa. — Não foi minha intenção te provocar. — Seu tio me disse que você sabia que eu me hospedaria naquele quarto. Deve ter falado de mim, que sou um homem rico, então acendeu uma lâmpada na sua cabeça: porque não provocá-lo e então passar uma imagem inocente? Você queria me deixar de quatro, apaixonado? —Eu não fiz nada disso. Você não pode estar falando sério! PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 43. —Eu não nasci ontem. Balancei a cabeça, lutando para manter meus olhos fixos nos dele. — Eu não fiz nada disso! —Repeti minhas falas. Ele riu ironicamente. —Jamile, Jamile, Jamile. Eu estive lá. Assisti de perto seu labor. Vi como era sua vida. Vi a maneira que era tratada. O não pensa que não reparei. O que pensou? Que eu seria seu salvador? Ficaria perdidamente apaixonado por você? Vai para o seu quarto! Pode ir! Ele deu um passo para trás. Eu engoli em seco. Não respondi por um momento. Eu estava muito ofegante. Ele me olhava de cara fechada. — Eu não sei onde é meu quarto. Ele bufou, e disse entredentes: — Me acompanhe! Eu assenti para ele. Meu corpo doía clamando pelo dele, mas eu me mantive firme em afastá-lo de mim. Saímos da biblioteca. Algumas empregadas que limpavam o local pararam o que estavam fazendo por um breve tempo e me estudaram com os olhos. Atravessamos o vestíbulo, os passos ecoando no lindo piso de mármore branco e preto. Entramos num corredor com colunas trabalhadas. O sol entrava pelas janelas, cortinas lindas e leves balançavam com o vento. Grandes mosaicos decoravam as paredes e grandes abajures de cobre pendiam do pé-direito alto. Passamos por mais um ambiente que conduzia à parte externa. As rosas desabrochadas e o perfume me fizeram lembrar do jardim de rosas da minha antiga casa. Senti uma súbita pontada ao pensar em tudo que perdi com meu orgulho. Estava pagando meus pecados. Said se deteve diante de uma grande porta e a abriu para mim. O quarto era espaçoso. O pé-direito alto exalava elegância, as cores eram harmoniosas, tons pastéis e dourado. Do outro lado a porta do que parecia um banheiro. A cama era de casal, minha mala estava em cima dela. Eu o encarei. Ele exibia uma carranca. Com certeza não estava acostumado a ser contrariado. Me lembrei das palavras de meu tio, quando me falou de sua ida até a casa. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 44. —Antes de ir, gostaria de esclarecer uma coisa. Meu tio, antes de você chegar, me disse que você era tradicionalista e que seguia os costumes. Por que eu me vestiria daquele jeito sabendo que tipo de homem você era? —Nunca disse a ele que seguia os costumes. Você pode estar inventando tudo isso. —Ele me disse seco. Parecia uma mula empacada. —Sabe o que eu acho, você está com medo. —Disse ousada, passando uma segurança que eu não sentia. Ele gargalhou, parecia um sádico. —Eu? Medo? Eu não me abalei e o encarei séria. —Sim. Você deve ter sofrido no passado, com alguma mulher que te magoou e vê o tempo todo a imagem dessa mulher em mim. Ergue então um muro de proteção para proteger seus sentimentos. E percebi, que não importa que eu diga, você está determinado a não me ver com bons olhos. Ele permanecia imóvel, com o rosto endurecendo e levantando o queixo. Seu corpo rígido como pedra. Eu não sabia se ele estava magoado, confuso ou irritado. Mas uma coisa era certa, eu mexi na ferida. Ele finalmente disse: —Isso que me disse, não muda as coisas. Eu vejo uma mulher bonita, com um corpo de matar, e eu, um cara louco de desejo por ela. Ele deu um passo na minha direção, pegando meu lenço o puxou me forçando a olhá-lo, sua mão acariciando meu pescoço, para cima e para baixo. A outra mão na minha cintura me trazendo para ele. Na hora minha respiração se atenuou e meu coração se agitou no peito. Ele continuou: — Vejo como as pupilas dela se dilatam de desejo quando a olho assim, bem de pertinho. Sinto o coração dela batendo rápido, seus seios endurecidos quando a beijo. Vejo mil e um noites ao lado dela, transando até que ela grite implorando para que eu a penetre. Eu engoli em seco e fechei meus olhos. Ele então me beijando o rosto carinhosamente: —Sem passado, sem futuro, só o presente entre nós. Meus mamilos endureceram e eu comecei a respirar com dificuldade, puxando ao ar. Abri meus olhos e vi seus olhos negros brilhando, me PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 45. observando. Eu respirei fundo e o afastei de mim. Meu rosto se contorceu e as lagrimas escorreram nele. O nó na minha garganta era muito grande para eu dizer qualquer coisa. — Coloque roupas confortáveis de trabalho, você tem dez minutos. Mandarei Abiá, a governanta, te passar o serviço. E tira esse lenço horrível! Ele não combina com você! — Ele disse secamente aquelas palavras e saiu. Said Saí do quarto dela e fui em direção a sala. Com os nervos à flor da pele, caminhei pelo palácio pensativo. Eu a conhecia bem. Jamile era esperta, usava meu passado para me atingir. Eu não deveria me abalar, mas suas palavras conseguiram me tocar. Considerando sua situação, deveria ter um comportamento submisso, pedir desculpas. Entretanto, me encarava nos olhos, o queixo erguido de modo rebelde, os lábios carnudos apertados. Allah! Aqueles lábios eram para mim uma perdição! Essa mulher me deixava louco. Quanto mais ela me afastava, mais vontade eu tinha de tê-la para mim, domá-la. Se fazendo de vítima! Tudo encenação. Era bem melhor atriz do que eu supusera. Tanto que, às vezes, ela me tocava com sua vulnerabilidade, quase me deixando seduzir por seus encantos. Nessa hora meu instinto protetor crescia e a vontade de lhe proporcionar proteção. Mas eu não podia me enganar com ela! Encontrei a governanta saindo da cozinha. No colo dela meu filho choroso. Ele quando me viu estendeu os bracinhos para mim. Eu o peguei no colo. Ele parou de chorar na hora. Eu sorri para ele. —Por que está chorando, hein rapaz? —Sheik Haji, graças a Deus encontrou uma babá jovem. Allah! Abiá pensava que essa seria a função de Jamile. —Ela não é babá, ela vai ajudar no serviço da casa. Ela me olhou atônita. Eu sei porque ela me olhava assim. Nossa PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 46. sociedade era machista e eu não encontrava uma mulher jovem para cuidar de Bashir, por mais que eu procurasse. Que mulher trabalharia para um homem viúvo? Todas as minhas empregadas eram de meia idade, solteironas, a maioria sem família. —Allah! Mas não era isso que procurávamos? Zoraide não está dando conta do menino. Ela agora deu para ter dor na coluna e eu tenho meu serviço para fazer. —Ela ficará um bom tempo para que meu filho se apegue a ela e ao mesmo tempo não ficará muito para que isso aconteça. Quando ela for embora ele sentirá sua falta. —Vossa majestade precisa casar. —Eu sei. Por causa de Bashir tenho pensado nisso. — Dei um beijo no meu filho que passava o carrinho no meu rosto. —Não sei por que a trouxe. Não estamos precisando de mais empregados, o andamento da casa tem sido bom. O que peço para ela fazer? Todos já têm seus serviços já estipulados. —Ela vai cuidar do pátio. —Eu disse irritado. —Allah! Mas o serviço é muito pesado. Estávamos no outono, ventava muito e naquela área tinha se acumulado muitas folhas de árvores. Senti meu peito apertar. Disse a mim mesmo se tratar de raiva. Mas não era apenas raiva, eu estava me condoendo por Jamile. Mas era necessário criar uma situação para que caísse a sua máscara. Ela já estava me irritando com aquela atitude de boa moça e eu queria ver até quando aquela imagem dela ficaria quando ela se deparasse com todo aquele serviço pesado. Seu comportamento trouxe consequências. E ela certamente não gostará nadinha delas! —Não discuta. Vá até o quarto dela e a leve ao seu novo local de trabalho. —Sei que não tenho o direito de me intrometer em sua vida. Mas se me permite, gostaria de tirar uma dúvida? Ela queria saber o porquê eu lhe dei o quarto ao lado do meu. Pois pelo serviço que ela iria fazer, não era o serviço de uma amante. Eu lhe PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 47. neguei qualquer explicação. —Como disse, não tem esse direito. Está dispensada. E pode deixar que eu fico com Bashir, hoje não vou para o escritório. Ela se inclinou. —Sim, majestade. Jamile Eu estava pronta para o trabalho. Tinha tirado meu lenço e prendido meus cabelos negros, longos, no alto da cabeça. Deixei exposto meu Jelabiah, uma túnica longa e leve. Ela me cobria até os pés, bastante colorida que eu usava embaixo da abaya. Como Said não seguia os costumes, eu não ia usá-la. Eu não ia cozinhar de calor dentro dela. A governanta surgiu no meu quarto quando eu estava na janela, olhando para a linda vista lá de fora. O sol irradiava para a piscina de águas cristalinas, bem convidativa. Allah! E pensar que eu tinha tudo isso e não valorizava. —Está pronta para começar seu serviço? —Ela me perguntou, me medindo dos pés à cabeça, curiosa. —Sim. —Disse séria para ela. —Que papel você faz na vida do sheik? É filha de algum parente distante? O meu corpo se contraiu, os meus ombros caíram. Allah! Sheik? Isso explicava aquele jeito arrogante, aquela pose de todo poderoso. E parente distante? Allah! Se eu fosse, seria de alguém que ele queria se vingar, isso sim! —Não, não sou nada dele. Ela franziu a testa para mim. —Está certo. Me acompanhe. Caminhamos juntas pelo palácio. Quando passamos na sala, vi Said sentado no meio de vários carrinhos e brinquedos espalhados no chão. O PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 48. menininho corria pela casa com um na mão fazendo som de motor de carro. Quando ele me viu, me mediu de cima a baixo com expressão impiedosa. Desviei meus olhos dele e evitando seu olhar. Ele parecia mais quieto e austero, como se isso fosse possível. O garotinho foi até onde eu estava. —Olha! —Me mostrou o caminhãozinho azul. Eu sorri para ele dizendo: —Lindo! O menininho sorriu para mim. —Bashir, pare de correr e sente-se aqui com o papai! —Said disse com voz autoritária. Bashir não se moveu e pegou a minha mão. —Vem! —Ele me chamou para brincar. —Eu não posso. Said surgiu, fazendo meu coração disparar. Ergueu o menino e o pegou no colo, sem olhar para mim se afastou com ele, como se eu tivesse alguma doença contagiosa. Eu apertei meus lábios contrariada, achando tudo aquilo um absurdo. Continuei meu caminho. Abiá estava mais à frente, parada observando tudo. Ela, quando me viu indo em sua direção, continuou a me guiar. Seguimos pela varanda contornando o palácio até uma grande área cheia de árvores. As folhas estavam amarelas e caindo, por causa do vento. — Limpe todas essas folhas. Aqui está o rastelo, a pá e o saco de lixo. O quê? Era esse serviço? Era claro que quando eu terminasse de tirar as folhas as outras cairiam, seria um trabalho sem fim! —É irracional tirar todas essas folhagens. Está caindo mais. Veja! — Eu disse apontando as folhas caindo da árvore aos montes, naquele momento. —E está ventando muito. Vou tirá-las, mas será como se eu não tivesse tirado. Cada porção que eu tirar, cairá mais com esse vento e espalhará o resto. —Não discuta, são ordens do sheik. Allah! Os homens bárbaros me pareciam mais encantadores se comparados a ele! PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 49. Eu respirei fundo, e cheia de raiva, me virei. Caminhei para o interior da casa. Abiá foi atrás de mim, curiosa. Said estava lá sorrindo para o filho. Quando ele me viu entrar com aquela energia negra toda, não moveu um músculo e me olhou impassível. —O serviço que me deu não tem lógica. Abiá pegou o menino e saiu da sala. Said se levantou. —Não estou entendendo? —Está entendendo, sim senhor. — Como você é dramática. —Dramática? Você viu o vento lá fora? Eu não vou vencer em rastelar tudo aquilo e cairá mais folhas, é um serviço sem fim. — Toquei no ponto fraco, certo? —Meu ponto fraco? Passei um ano fazendo serviço pesado na casa de meu tio, mas nada se compara a isso! Said se aproximou de mim. —Lembre-se que eu te livrei de coisa pior. Não ficaria só naquele dia você apanhar. Seu tio ia fazer disso uma prática por conta do casamento desfeito de sua filha. —O todo poderoso Sheik Haji! Nós, simples mortais nos resta enfrentar o que nos espera. Deve ser uma sensação fantástica eu estar nas suas mãos agora, precisando de você. Um fantasma de um sorriso cintilou em seus lábios. — Tem um jeito de você se livrar disso. Tenho que lidar com uma pequena amostra de você, mas anseio por mais. Meu coração acelerou, eu balancei a cabeça em negativa. —Eu não sou assim. —Eu já vi isso antes. Não sei se sabe, tenho uma casa na Inglaterra e lá as mulheres quentes se aproximam de mim, o tempo todo, mas nenhuma delas me fizeram arder como você. Ele caminhou em minha direção, eu fui privada de oxigênio. Olhei em PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 50. seus olhos, cada centímetro de mim tão quente quando me lembrei do beijo dele. Com aquele beijo eu tinha sido despojada de todos os seus sentidos, assim como ele. Com apenas a memória do que aconteceu entre nós, instantaneamente esvaneceu a minha raiva e me veio uma estranha agitação por dentro. Senti um rebuliço dentro dele também quando seus olhos encontraram os meus. Percebi o quanto ele estava excitado. Suas pupilas estavam dilatadas, seu peito subia e descia e ele parou pertinho de mim. —E então? Se matar de trabalhar ou ser tratada como uma rainha? Eu engoli em seco, sentindo como se ele tivesse tirado as forças dos músculos das minhas pernas. Eu o encarei altiva e sorri friamente. —Deve ser duro um homem como você receber um não de uma mulher. Ele sorriu friamente. —Não minha cara, já recebi não. Eu era bem mais jovem e lidei muito bem com isso. Mas nessa negativa tinha um detalhe, eu tinha me passado como um plebeu. Até hoje me pergunto se ela soubesse do meu título, me negaria algo? —Sheik? Você me disse que é filho de um americano e sua mãe era órfã. —Sim verdade. Minha mãe tinha sangue real e nem sabia. Ela era filha única do Sheik Al Salim Haji, ele teve um relacionamento extraconjugal com a empregada e a fez entregar a criança para um orfanato. Só que sua esposa nunca teve filhos, ele então, com um arrependimento tardio a reconheceu. E eu, como neto e único homem da família herdei a herança e seu título depois de sua morte. Isso responde sua pergunta? —Sim, então é mal de família usar e descartar as pessoas? Said se enfureceu, seus punhos se fecharam e ele me falou ameaçadoramente: —Como ousa falar comigo assim? Você não conhece meu caráter para me julgar dessa maneira! Você está na minha casa. Depende totalmente de mim... PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 51. Eu me irritei. — Não pedi isso. — Não, realmente não pediu. Mas impingiu sua presença quando me provocou daquela maneira. —Eu não te provoquei! —Eu disse com raiva, fechando os meus punhos. —Ajude-me a compreender o que quer de mim. Piedade? —Quero que me deixe ir embora. Você não precisa desse dinheiro. Ele sorriu. —Jamile, aqui não é Londres. Você tem dinheiro guardado? Eu te deixo ir, e você o que fará? Eu apertei meus lábios quando entendi que pedi num impulso. Ele estava certo. Eu nem tinha dinheiro para a passagem de volta para casa. —Você poderia me ajudar... —Eu sussurrei. Ele com um sorriso se aproximou mais. Os olhos dele estudaram meu rosto. Eu pude sentir cada parte de mim tensa, perplexa por um momento, com a beleza gritante do homem à minha frente. Um homem mau. Um homem perigoso e eu um cordeiro levado para o abate Said pegou meu rosto com suas mãos. —É aí que quero chegar. Eu posso te ajudar. Mas antes te quero na minha cama. É tão difícil entender isso? Lambi meus lábios e seus olhos se estreitaram furiosamente na minha boca. —Allah! Por que me provoca assim? A mandíbula dele cerrou e, lentamente, ele olhou nos meus olhos. Seu rosto sombrio. Meu coração estava agitado, minha respiração ofegante. Eu também o queria, mas eu me detestaria depois. Eu puxei as mãos dele do meu rosto e PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 52. dei um passo para trás, dizendo: —Eu não sou mais aquela pessoa. — Ele não respondeu. Eu tinha certeza que ele estava se contorcendo, lutando intimamente ante minhas falas. Eu amei isso. —Voltarei ao trabalho. Com sua licença. Me virei e apertando os passos saí da sala. Alcancei a varanda e olhei tudo com frustração. —Jamile. —Estremeci ao ouvir a voz de Said. Said Allah! Por que eu não a ajudava ir embora como ela queria? Nos dois anos, desde a morte de Raissa, eu me sentia um morto-vivo, infeliz. Não consegui mais olhar uma mulher com interesse, aos poucos eu estava levando minha vida, tentando superar tudo. No entanto, isso era maçante. Agora estava eu, perseguindo-a, me sentindo confuso. A querendo de qualquer jeito, mesmo que minha mente me condenasse que ela era uma mulher pouco confiável. Eu era o Sheik Haji. Eu não ficava louco e não perseguia mulheres. Mas eu não conseguia deixá-la ir. Isso não aconteceria. Eu acreditava que essa estranha fascinação iria acabar no momento que eu a tivesse na minha cama. Era isso que eu precisava para tirá-la dos meus pensamentos. Com determinação, eu andei com rapidez, a raiva incitava minhas pernas para frente. Era isso o que pretendia? Fazer me sentir no papel de vilão? Ela conseguiu! Minha voz era profunda e amarga quando eu gritei: —Jamile. Ela se virou para mim. Nossos olhos se encontraram. Ela torceu os seus lábios em desagrado, isso incitou mais minha impotência e raiva. Ela cruzou os braços sobre o peito e soltou um longo suspiro, eu continuei. —Pedirei para Abiá te dar outro serviço para você fazer. —Eu disse seco. Ela sorriu como se tivesse ganho uma batalha, eu pisquei, tentando PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 53. manter meu autocontrole diante do seu sorriso. Percebendo que ela estava aos poucos me dobrando, eu exalei profundamente pelo nariz. —Que bom! Finalmente terei um pouco de paz então? Eu estreitei os olhos para o seu desafio, e isso fez me amigo lá embaixo inchar também quando eu pensei em estreitá-la nos braços e arrancar aquele sorriso do seu rosto. Queria lhe dar um beijo que a faria perder os sentidos e isso me fez lembrar que paz era uma coisa que eu não queria lhe dar. Talvez por hora. —Não, apenas reconheci que eu exagerei na minha punição. Ela balançou a cabeça, sua respiração estava se acalmando e ela lambeu seus lábios, sem tirar os olhos dos meus. Allah! Ela me deixava louco quando fazia isso! Essa mulher era sexy ao extremo. Será que ela tinha consciência do quanto? — Você reagiu movido a sua consciência pesada. No fundo você sente que não sou como você pensa, mas a dúvida te faz me colocar no meu lugar ao mesmo tempo que me deseja. Meu corpo ficou em chamas com suas palavras. Ela permaneceu majestosa, simulando indiferença, mas o fato de morder nervosamente o lábio inferior arruinou a sua pose. —Já que estamos dizendo algumas verdades, lá vai uma. Você me deseja e luta contra isso, mas é questão de tempo, eu te terei na minha cama. Eu sou muito habilidoso, você ficaria espantada com o que posso fazer. Ah, Jamile. — Eu acrescentei com um brilho malicioso em meus olhos. — É questão de tempo você vai querer aliviar sua necessidade sexual por mim. Jamile Minha necessidade sexual por ele? Meu rosto ardeu e ele observou a cor intensificar com outro sorriso no rosto. Said era lindo, realmente. Ele parecia beirar uns trinta e cinco anos. Seus cabelos negros eram grossos. Seu rosto era marcante, ele tinha lábios cheios, nariz forte e reto e altas maçãs do rosto. A maneira calculada que ele PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 54. se movia, parecendo um felino, os olhos negros refletiam predador em seu lugar. Que arrogante! Eu lhe mostrarei a minha necessidade sexual por ele com o meu pé no seu traseiro. —Você é incrível sabia? Você... você acha que estou babando por você? — Perguntei incrédula. Meu coração estava agitado no peito, eu tremia inteirinha, realmente eu o desejava. Mas lá estava eu, negando minha vontade, tentando silenciar meu desejo, essa era a nova Jamile. A mulher que queria muito mais de um homem que noites de sexo. —Não negue. Você é uma mulher quente e está obviamente incomodada. O que espera com suas negativas? Me conquistar? Eu consegui sorrir para ele. —Por muito tempo tive sexo. Do meu marido, do meu amante, como sabe. Hoje eu quero ser amada e quero amar. É só. Era evidente que ele não estava esperando isso. Minhas palavras pareceram afetá-lo. Seus olhos selvagens correram meu rosto por um momento longo e ele balançou a cabeça um pouco, como se ele estivesse sendo despertado de um sonho. —Você sonha alto. —Sonhar é de graça e é a máquina que nos movimenta a batalhar, lutar. Abiá apareceu com Bashir no colo chorando. —Desculpe interromper, mas ele caiu e bateu a cabeça e agora só chama por vossa majestade. Vossa majestade. Foi um impacto ouvir isso. Said o pegou no colo, o menino colocou a cabeça nos ombros dele, o rostinho cheio de lágrimas. —Abiá, arrume outro serviço para Jamile fazer. Ele me lançou um último olhar, e começou a sair em direção ao interior do palácio. Abiá ergueu as sobrancelhas e o seguiu com os olhos, PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 55. depois olhou para mim. —Estou impressionada! Eu ainda tremia de nervosismo, mas ergui minha cabeça quando disse: —Não fique. Ele apenas admitiu sua insanidade. Eu ouvi Said chamar Abiá lá dentro, num grito. Allah! Vossa majestade estava fora de si…Ironizei. Said —Abiá. Dê todos os banheiros para ela limpar. Ela piscou para mim. —Todos? —Sim, você está surda? —Não, vossa majestade. Meu filho se movimentou nos meus braços querendo ir para o chão. Mas ele coçava os olhos demonstrando sono. —Chame a babá. Peça para ela fazê-lo dormir. Abiá apertou os lábios, contrariada. —Ela não consegue nem sair da cama. Está com dores na coluna. Allah! Eu queria dar uma lida em alguns papéis. —Tudo bem, eu faço ele dormir. Peça depois para Baraque levá-la ao médico. Ela precisa se recuperar para ficar com Bashir. Jamile nessa hora entrou na sala. —Vossa majestade precisa arrumar outra babá. Mesmo que ela se recupere, ela não irá agüentar o menino. E tem mais um agravante, ela está perto de se aposentar. Essa situação está ficando insuportável. A irritação era evidente nas suas palavras. Tal como o leve tom de comando, como se os seus desejos fossem ordens. Essa mulher estava me irritando! —Verei isso. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 56. —Se me permite dizer, vossa majestade sabe da minha opinião a respeito. Eu fitei Jamile que ficou parada um pouco distante de nós, esperando finalizar nossa conversa. Bashir começou a chorar e depois de tossir fui alvejado por seu vômito. Allah! Afastei Bashir quase também vomitando ao ver a minha camisa fétida e nojenta com aquela gosma branca talhada. Abiá o tirou do meu colo. —Esse menino está doente? —Perguntei. —Não, ele não está com febre. Eu fitei Jamile que segurava o riso vendo toda aquela situação. Muito engraçado! Ela se aproximou de nós. —Veja a testinha dele molhada. Ele deve ter mamado e corrido muito. Isso é natural na idade dele. Nessa idade eles regurgitam. —Você é uma expert em crianças por acaso? —Disse irritado com o cheiro forte de vômito na minha camisa e Bashir chorando alto no colo de Abiá. —Antes de casar fui babá do filho do meu visinho. Minha cabeça caiu para o lado e a observei melhor. Ela sorriu, mas não era um sorriso comum. Ela estava me provocando. Eu, irado, desviei meus olhos dos dela e fitei Bashir que ainda chorava no colo de Abiá, coçando os olhos. Apertei os lábios e fitei Abiá, que me encarou com aquele olhar. "A coloque como babá de seu filho." A proposta era tão tentadora! Inferno! Eu não podia! Não! Não! Allah! Se ela tivesse o coração do meu filho eu definitivamente estaria nas mãos dessa mulher. Meu corpo já clamava pelo dela! Eu enfiei minhas mãos no bolso e elas se fecharam em punhos apertados, uma gota de suor escorreu pelo meu rosto, seguida por outra e outra. Cerrando os dentes eu meneei a cabeça para Abiá com um não do tipo PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 57. "isso está fora de questão". Eu tinha já que lidar com essas emoções animalescas de desejo, mas como eu lidaria com meu filho se apegando a essa mulher e tendo que mandá-la embora quando o seu tempo de serviço terminasse aqui? Razão. Era assim que eu funcionava. Meu filho agora berrava. —Sheik Haji. O Senhor o fará dormir ou não? Eu preciso orientar Jamile. Mostrar onde ficam os materiais de limpeza... Eu estava louco por um banho, quase vomitando com aquele cheiro. Allah! Que situação! Eu a cortei: —Eu faço Bashir dormir. Meu filho ergueu os bracinhos para Jamile. Eu não acreditei nisso. Parecia um complô! Fitei Jamile por um momento e passando a mão nos cabelos num gesto de frustração, comecei a tirar minha camisa suja. Abri os botões e a tirei do corpo. Abiá imediatamente baixou o rosto. Joguei a camisa no chão e peguei meu filho do colo dela. Saí de lá com ele ainda chorando nos meus braços, aquele cheiro horrível impregnado no meu corpo. Até bosta era melhor que aquele cheiro. Meu estômago estava revirado. Jamile Bashir ainda chorava muito, mas eu só conseguia prestar atenção em Said. Seus olhos pareciam vorazes, cheios de chamas. Era quase assustador. Olhos grandes. Escuros. Perigosos. Ele passou a mão impacientemente por seu cabelo preto curto, a expressão sombria. Desviou os olhos dos meus e tirou a camisa. Allah! Meus olhos se encheram de sua imagem viril. O quanto era lindo e sensual com todos aqueles músculos. Meus olhos não conseguiram desviar do corpo musculoso e moreno, o peito tinha uma massa de pelos castanhos e que iam rareando, fazendo uma linha fina até sumir dentro de PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 58. suas calças. Molhei os lábios. Fiquei com a garganta seca. Tentei disfarçar, me conter, mas o desejo me devorava. Quando ele saiu eu pisquei tentando recuperar minha razão. Abiá ergueu seu rosto para mim. —Me acompanhe. Você cuidará da limpeza dos banheiros. Allah! O palácio era enorme. E ela disse banheiros? Pelo visto meu caminho ainda seria difícil, um caminho árduo e solitário até chegar a minha liberdade. Liberdade? Do jeito que as coisas estavam indo, meus planos de juntar dinheiro e sair do país estavam fora de questão. Não! Não podia pensar assim! Respirei fundo. Primeiro passo era entender quanto tempo eu ficaria para pagar a dívida de meu tio. Isso eu não tinha conversado com ele ainda. — Você não vem? —Abiá perguntou, cortando meus pensamentos. —Claro! Fomos até a área de serviço. Que era enorme e linda. Geralmente uma área de serviço era algo muito prático, funcional. Ela era, mas muito bonita. Cheia de armários de última linha, que combinavam com o piso branco e preto e as paredes brancas. Uma grande máquina de lavar nova, um grande tanque de porcelana. Ela abriu um dos armários e pegou um balde, um pano e em outro armário vassoura e rodo. Mostrou para mim onde ficava os produtos de limpeza. Depois andamos pela casa, portas foram abertas. Que eu contei, eram quinze banheiros e cinco lavabos. Me lembrei da minha conversa com Khadija quando enchi minha boca para lhe dizer como era bom ter uma casa grande. "Somos assim. Adoramos ostentar o luxo, a riqueza. Fazem parte de nossa cultura os palácios. Quanto maior, melhor. Isso exalta o poder, a força, a inteligência. " Allah! Eu realmente pagava meus pecados. Com juros e correção monetária. Mas era tarde demais para lamúrias agora. Enquanto eu limpava um dos banheiros, pensamentos imprudentes e estúpidos me vieram na cabeça. Ele não era para mim e eu não era para ele. Contudo, meu corpo não pensava assim e se importava muito com isso. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 59. Forcei as imagens escandalosas a abandonar os meus pensamentos. Pensei no menininho. Ele parecia tão carente de atenção... dava dó de ver que ele não tinha mãe e ficava na mão de empregados. E ela? Tinha morrido? Fitei o banheiro perfumado. Os banheiros, pelo que vi deles, o máximo que tinham, era uma camada de pó. A maioria deles não eram usados. Se ele pensou que ele ia me quebrar me fazendo limpá-los, ele estava redondamente enganado. Eu estava tirando apenas o pó e caprichando mais no vaso sanitário e só. Ah!, e um detalhe, eu fazia tudo calmamente, para ninguém dizer que fiz malfeito. Said Depois de uma hora, consegui fazer meu filho dormir. O coloquei na sua cama e fui até meu quarto. Entrei no banheiro, louco por um banho. Coloquei a banheira para encher enquanto fazia a barba. Meus pensamentos estavam caóticos. A verdade era que eu estava preocupado com meu filho. Tentando achar uma solução para o problema, mas me recusando a aceitar o que me fora proposto. Jamile não servia! Logo depois, entrei na água quente como eu gostava. Passei sabonete na região fétida do meu corpo o esfregando até que o cheiro saísse. Só então pude relaxar. Fechei os olhos. Minutos depois quando eu estava para sair da banheira a porta se abriu. Oh, Allah! Era ela... tão doce, ali estava Jamile, encarando-me com seus belos olhos negros quentes. Seus lábios estavam entreabertos e sua face delicada refletia sua surpresa. A simples imagem dela ali tão perto, em carne e osso e eu nu, teve um impacto grande sobre mim. Eu parecia um adolescente na primeira explosão de hormônios. Aquele frio na espinha, a boca seca e o coração num galope frenético. Meu amigo cresceu quando pensei o que poderia fazer com ela dentro daquela banheira. Ela corou e se virou dizendo: —Volto outra hora. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON
  • 60. A lembrança do quanto ela me rejeitava fez meu semblante ficar pesado. Allah! Aquela falsa inocência regressou. Irritado com seu jeito, eu me levantei e nu disse para ela: —Já acabei, o banheiro é todo seu. Ela se voltou para mim e quando me viu quase deu um grito. Eu sorri maquiavélico. —Não sei por que o espanto? Já viu vários homens nus na sua frente. —Eu disse pegando a toalha e amarrando na minha cintura. Embora fosse magra, ela tinha seus seios grandes, e eles agora subiam e desciam. Amaldiçoei meu amigo se contraindo enquanto observava seu corpo trêmulo. Ela fechou momentaneamente os olhos. O seu rosto deixou transparecer sua irritação. —Meu passado não me deixou com uma marca na testa e na alma, para que me julgue por toda a eternidade. As pessoas mudam. —Allah! Quer bancar a inocente depois de ter visto o quanto aprecia a vaidade? Depois.... —Eu ia dizer depois de me tentar dentro daquele vestido? Mas me calei. — Ah, deixa para lá Ela apertou o rodo nas mãos e eu sorri ao vê-la irritada. Um suspiro quente saiu de sua boca, fazendo com que algumas mechas de seu cabelo negro, que escaparam do seu coque e estavam sobre seu rosto, se agitassem. —Com sua licença, depois eu volto. —Já disse que não! Ela estacou. —Quando irá aprender a me respeitar? Você é muito atrevida para quem não tem aonde cair morta! Seus pais não a querem, seus tios muito menos. Não percebe que eu te salvei de coisa pior? —Eu me aproximei dela, me sentindo como um vulcão explodindo de testosterona. — E há apenas uma coisa que eu quero de você. — Minha voz era baixa e rouca, ela me olhava congelada no lugar. Eu tinha consciência da água escorrendo no meu peito e o quanto isso devia excitá-la, embora ela não reconhecesse isso. Ela foi andando para trás e eu avançando sem tocá-la. Quando suas costas bateram na parede do banheiro eu coloquei minhas mãos em cada lado da parede, a prendendo. —Você. Na minha cama. Uma noite. Tudo o que eu quero tudo que eu preciso. PERIGOSAS NACIONAIS-ACHERON