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18 | DEZEMBRO DE 2014
A escassez de água que alarma o país
tem relação íntima com as florestas
Dança
da chuva
CAPA
Alterações no volume
e periodicidade das
precipitações e mau uso
dos aquíferos estão entre
os fatores que secam os
canos de parte do Brasil
TEXTO  Maria Guimarães
FOTOS  Léo Ramos
PESQUISA FAPESP 226 | 19
A
Amazônia não é apenas a maior floresta tropical
que restou no mundo. Esse sem-fim de verde
entrecortado por rios serpenteantes de tama-
nhos e cores variados também não se limita a
ser a morada de uma incrível diversidade de
animais e plantas. A floresta amazônica é também um motor
capaz de alterar o sentido dos ventos e uma bomba que suga
água do ar sobre o oceano Atlântico e do solo e a faz circular
pela América do Sul, causando em regiões distantes as chuvas
pelas quais os paulistas hoje anseiam. Mas o funcionamento
dessa bomba depende da manutenção da floresta, cuja porção
brasileira, até 2013, perdeu 763 mil quilômetros quadrados
(km2) de sua área original, o equivalente a três estados de
São Paulo. Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não aponta o dedo
para culpados. O que importa para ele é reverter esse pro-
cesso e não apenas zerar o desmatamento, mas recuperar a
floresta. No relatório O futuro climático da Amazônia, divul-
gado no fim de outubro, ele deixa claro que o único motivo
para não se tomarem providências imediatas para reduzir
o desmatamento é desconhecer o que a ciência sabe. Para
ele, o caminho é conscientizar a população. “Agora é um
bom momento porque as torneiras estão secando”, afirma.
No relatório, elaborado a partir da análise de cerca de 200
trabalhos científicos, ele mostra que a cada dia a floresta da
bacia amazônica transpira 20 bilhões de toneladas de água
(20 trilhões de litros). É mais do que os 17 bilhões de tone-
ladas que o rio Amazonas despeja no Atlântico por dia. Esse
rio vertical é que alimenta as nuvens e ajuda a alterar a rota
dos ventos. Nobre explica que os mapas de ventos sobre o
Atlântico mostram que, no hemisfério Sul e a baixas altitu-
des, o ar se move para noroeste na direção do equador. “Na
Amazônia a floresta desvia essa ordem”, diz. “Em parte do
ano, os ventos alísios carregados de umidade vêm do hemis-
fério Norte e convergem para oeste/sudoeste, adentrando a
América do Sul.”
Essa circulação viola um paradigma meteorológico que diz
que os ventos deveriam soprar das regiões com superfícies
mais frias para aquelas com superfícies mais quentes. “Na
Amazônia, o ano todo eles vão do quente, o Atlântico equa-
torial, para o frio, a floresta”, explica. Uma parceria com os
russos Anastasia Makarieva e Victor Gorshkov, do Instituto
de Física Nuclear de Petersburgo, tem ajudado a explicar do
ponto de vista físico os fenômenos meteorológicos da Ama-
zônia. Em artigo publicado em fevereiro de 2014 no Journal
of Hydrometeorology, eles afirmam, com base em análises
teóricas confirmadas por observações empíricas, que o des-
matamento altera os padrões de pressão e pode causar o de-
clínio dos ventos carregados de umidade que vêm do oceano
para o continente. O grupo analisou os dados de 28 estações
meteorológicas em duas áreas do Brasil e viu que os ventos
que vêm da floresta amazônica carregam mais água e estão
20 | DEZEMBRO DE 2014
INFOGRÁFICOANAPAULACAMPOS ILUSTRAÇÃOFABIOOTUBO
associados a maiores índices de chuvas do que
ventos que partem de áreas sem floresta e che-
gam à mesma estação.
Isso acontece, segundo os pesquisadores, por
causa da bomba biótica de umidade, uma teoria
proposta pela dupla russa em 2007 para explicar
a dinâmica de ventos impulsionada por florestas.
Essa ideia completa a descrição feita pelo clima-
tologista José Antonio Marengo, à época pesquisa-
dor do Inpe, de como a Amazônia exporta chuvas
para regiões mais meridionais da América do Sul.
A teoria da bomba biótica aplica uma física não
usual à meteorologia e postula que a condensação
da água, favorecida pela transpiração da floresta,
reduz a pressão atmosférica que suga do mar pa-
ra a terra as correntes de ar carregadas de água.
O
s fundamentos da influência da conden-
sação sobre os ventos foram apresentados
em artigo publicado em 2013 por Anasta-
sia e Gorshkov, em parceria com Nobre e outros
colaboradores, na Atmospheric Chemistry and
Physics, uma das revistas mais importantes da
área. Por meio de uma série de equações, eles
mostram que o vapor de água lançado à atmosfera
pela transpiração da floresta gera, ao condensar,
um fluxo capaz de propelir os ventos a grandes
distâncias. De acordo com Nobre, a nova física
da condensação proposta por eles gerou, ainda
durante a revisão do artigo, uma controvérsia
com meteorologistas, que debateram o assunto
furiosamente em blogs científicos com a inten-
ção de derrubar a principal equação do trabalho.
Não conseguiram e o trabalho foi publicado. O
pesquisador do Inpe explica a polêmica. “É uma
física que atribui à condensação, um fenômeno
básico e central do funcionamento atmosférico,
um efeito oposto ao que se acreditava”, diz. “Será
necessário reescrever os livros didáticos da área.”
Para dar a dimensão da dificuldade de diálogo
entre físicos teóricos e meteorologistas, Nobre
lembra que a física desenvolve um entendimento
dos fenômenos atmosféricos a partir de leis fun-
damentais da natureza, enquanto a meteorologia
o faz, em grande parte, com base na observação
de padrões do clima do passado, cuja estatística
é absorvida em modelos matemáticos. Tais mo-
delos representam bem as flutuações climáticas
observadas, mas apresentam falhas quando há
alterações significativas no padrão.
É o caso agora, quando um novo contexto –
ocasionado por desmatamento, mudanças glo-
bais no clima ou outros fatores – gera fenômenos
climáticos inesperados para certas regiões, como
chuvas mais torrenciais e secas mais extensas. A
teoria física acerta onde extrapolações do passado
erram, por isso é preciso, segundo ele, construir
novos modelos climatológicos que recoloquem
a física no centro dos esforços da meteorologia.
O momento agora é crucial porque o clima
amazônico vem mudando. Secas importantes
nessa região marcaram os anos de 2005 e 2010.
“Antes a Amazônia tinha a estação úmida e a mais
úmida, agora há uma estação seca”, diz Nobre. Os
danos dessas secas na floresta não foram aniqui-
ladores porque ela consegue se regenerar, mas o
acúmulo dos danos aos poucos erode essa capa-
cidade. Um efeito importante que já se observa,
previsto há 20 anos por modelos climáticos, é um
prolongamento da estação seca, que tem prejudi-
cado a produção agrícola em porções do estado
do Mato Grosso. A grande preocupação é que
se chegue a um ponto de não retorno, em que a
floresta já não consiga produzir chuva suficiente
para suprir nem a si própria. Trabalhos de mo-
delagem que levam em conta clima e vegetação
indicam que esse ponto será atingido quando
40% da área original de floresta for perdida, um
número que não é unânime. Segundo o relatório
de Nobre, 20% da floresta já foi cortada e outros
20%, alterados a ponto de terem perdido parte
de suas propriedades.
Se a teoria da bomba biótica estiver correta,
os efeitos desse ponto de não retorno devem ser
mais graves do que a savanização proposta pelo
climatologista Carlos Nobre, irmão mais velho
de Antonio (ver Pesquisa FAPESP nº 167). “Se a
floresta perder a capacidade de trazer a umida-
de do oceano, a chuva na região pode cessar por
completo”, diz o Nobre caçula. Sem água para
sustentar uma savana, o resultado poderia ser
uma desertificação na Amazônia. Se isso ocorrer,
o cenário que ele infere para o Sul e o Sudeste do
país poderia ser semelhante ao de outras regiões
na mesma latitude: tornar-se um deserto.
Antonio Nobre não se arrisca a falar muito so-
breSãoPaulo.“MeurelatórioésobreaAmazônia.”
Mas ele acredita que a seca por aqui não indepen-
de do que acontece no Norte. Em sua opinião, foi
possível devastar boa parte da mata atlântica sem
sentirumareduçãonaschuvasporqueaAmazônia
era capaz de suprir a falta de água na atmosfera
local. Mas isso já não parece acontecer mais. Ele
aproveita o ensejo para sugerir que não apenas a
floresta amazônica, mas também a que acompa-
nhava a costa de quase todo o Brasil precisa ser
recuperada imediatamente. Se não for por outro
motivo, o esgotamento a que chegaram as represas
que alimentam boa parte da população paulista
deveria bastar como argumento.
A exportação de água desde a Amazônia para
outras regiões do Brasil, sobretudo o Sudeste e
o Sul, é uma realidade, por meio do fenômeno
conhecido como rios voadores (ver Pesquisa FA-
PESP nº 158). Um indício dessa linha direta foram
as intensas chuvas no sudoeste da Amazônia no
início de 2014, praticamente o dobro do volume
habitual, ao mesmo tempo que São Paulo passa-
RIOS VOADORES
A floresta amazônica está instalada sobre
uma imensa quantidade de água, o
aquífero Alter do Chão. Sua vegetação
absorve umidade do subsolo e do oceano
e a lança na forma de vapor na
atmosfera, gerando correntes aéreas que
exportam chuvas para longe
Caminhos até a torneira
Fontes aéreas, superficiais e subterrâneas se somam
para o abastecimento
NO CAMPO E NAS CIDADES
A presença de mata nativa é
essencial à saúde dos mananciais.
O plantio de culturas intensivas e
de espécies florestais, como o
eucalipto, pode reduzir
a recarga dos aquíferos,
que é maior em
zonas urbanas
Aquífero cristalino
Água atmosférica
Abastecimento público
Recarga
Recarga
Recarga
Recarga
Irrigação
Fraturas com água
Aquífero Guarani
Aquífero Bauru
ANDES
EVAPORAÇÃO
DO OCEANO
TRANSPIRAÇÃO
E CONDENSAÇÃO
RECIRCULAÇÃO
DO VAPOR D’ÁGUA
FORMAÇÃO DAS
CABECEIRAS DOS
RIOS DA AMAZÔNIA
RIOS VOADORES:
CENTRO-OESTE,
SUDESTE, SUL E
PAÍSES VIZINHOS
A
A
B
B
Aquífero
Alter do Chão
Poços públicos e privados
Aquífero sedimentar
AQUÍFEROS DE SÃO PAULO
A sobreposição de fontes
subterrâneas no estado é exemplo
da complexidade do sistema, usado
como fonte total ou parcial de água
em 75% dos municípios
VEGETAÇÃO
NATIVA
ZONA RURAL
FONTE  RICARDO HIRATA / IGC-USP
1
2
3
4
5
Aquíferos sedimentares
n Tubarão
n Guarani
n Bauru
Aquíferos cristalinos
n Pré-Cambriano
n Serra Geral
Aquiclude
n Passa Dois
22 | DEZEMBRO DE 2014
va pelo pior momento de uma seca histórica. “A
chuva ficou presa em Rondônia, no Acre e na Bo-
lívia por causa de um bloqueio atmosférico, algo
como uma bolha de ar que impedia a passagem da
umidade. Isso criou uma estabilidade atmosférica,
inibiu a formação de chuvas e elevou as tempe-
raturas”, conta Marengo, agora pesquisador do
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais (Cemaden). Ele é coautor de
um artigo liderado por Jhan Carlo Espinoza, do
Instituto Geofísico do Peru, que está em processo
de publicação pela Environmental Research Let-
ters e é parte dos resultados do programa Green
Ocean (GO) Amazon, que tem apoio da FAPESP.
Não é possível, porém, afirmar o quanto essa
relação determina a estiagem paulista. “Ainda não
se sabe calcular quanto das chuvas do Sudeste
vem da Amazônia nem quanto chega aqui trazi-
do por frentes frias vindas do Sul, pela umidade
carregada por brisas marinhas ou pela evaporação
local”, diz. Para ele, o desmatamento pode ter um
impacto no longo prazo, mas ainda é impossível
dizer se ele está relacionado com a seca atual. “O
Sudeste pode não virar um deserto”, pondera,
“mas os extremos climáticos podem se tornar
mais intensos”. Estudos usando modelos climá-
ticos criados pelo grupo de Marengo já previam
uma redistribuição do total das chuvas, com um
volume muito grande em poucos dias e estiagens
mais prolongadas, algo que já tem sido observado
no Sudeste e no Sul do país nos últimos 50 anos.
Além desse efeito a distância, em escala nacio-
nal, a relação entre vegetação e recursos hídricos
também se dá numa escala mais local, de acordo
com o engenheiro agrônomo Walter de Paula
Lima, professor da Escola Superior de Agricul-
tura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade
de São Paulo (USP) e coordenador científico do
Programa Cooperativo de Monitoramento Am-
biental em Microbacias (Promab) do Instituto
de Pesquisas e Estudos Florestais. Em seus estu-
dos sobre o efeito das florestas (ou sua remoção)
em microbacias hidrográficas, ele mostrou que
a mata ciliar, que acompanha os cursos de água,
ajuda a manter a boa saúde de pequenos rios.
“O sistema Cantareira, que abastece São Paulo,
é formado por milhares de microbacias”, conta.
“As que estão mais degradadas não contribuem
para o manancial.” Essa avaliação, porém, carece
de dados experimentais concretos. Segundo Li-
ma, para se saber exatamente o efeito das matas
ciliares nos mananciais seria necessário estudar
Rios voadores:
correntes de
vapor-d’água que se
formam sobre a floresta
amazônica exportam
chuvas para a região
Sul do Brasil
GERARDMOSS/PROJETORIOSVOADORES
PESQUISA FAPESP 226 | 23
uma microbacia experimental em que se possa
medir propriedades dos cursos d’água com e sem
a proteção de floresta, sem que haja outros fatores
envolvidos. Um quadro praticamente inatingível.
Uma experiência prática que reforça a im-
portância de se preservar as matas ciliares para
a manutenção dos recursos hídricos é relatada
pelo biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Esalq,
especialista em recuperação de florestas nativas.
Ele conta que há 24 anos a água desapareceu
da microbacia de Iracemápolis, município no
interior paulista. A prefeitura
buscou ajuda na Esalq, e o gru-
po de Rodrigues implementou
um projeto de conservação de
solo da microbacia e de recupe-
ração da mata ciliar que deveria
estar ali. “Fui lá recentemente e
levei um susto”, conta o pesqui-
sador. O nível da represa está um
pouco mais baixo, mas tem água
suficiente para continuar abas-
tecendo Iracemápolis, que teve
sua população triplicada nesse
período. “Toda a região está com
problemas de falta de água, mas
Iracemápolis não.”
As florestas afetam a saúde
dos recursos hídricos por meio
de sua influência nas chuvas,
mas também tem importância
a sua relação com as águas sub-
terrâneas. O engenheiro Edson
Wendland, professor no Departamento de Hi-
dráulica e Saneamento da USP de São Carlos, es-
tuda justamente o que acontece com a recarga do
aquífero Guarani quando o cerrado é substituído
por culturas como pastagem, cana-de-açúcar, cí-
tricos ou eucalipto. O trabalho tem sido feito na
bacia do Ribeirão da Onça, no município de Bro-
tas, interior paulista, estudada desde os anos 1980.
Por meio de poços de monitoramento e esta-
ções climatológicas, a ideia é detalhar, antes que
não sobre mais vegetação original de cerrado por
ali, como se dá a recarga do aquífero Guarani sob
diferentes regimes de uso do solo. “Não é possível
gerenciar o que não se conhece”, diz Wendland
sobre uma das fontes de água subterrânea mais
importantes do Brasil. O aquífero é uma camada
porosa de rochas na qual se infiltra a água das
chuvas, depois liberada lentamente para os rios.
Essa diferença de tempo entre o abastecimento e
a descarga, consequência do trajeto lento da água
pelo meio subterrâneo, é o que garante perenidade
aos rios, que dependem dessa poupança hídrica.
O grupo de Wendland tem mostrado, por exem-
plo, que a disponibilidade de água diminui quando
se substituem as pequenas árvores retorcidas do
cerrado, adaptadas a viver sob estresse hídrico, por
eucaliptos,queconsomembastanteáguaeempou-
cos anos atingem o tamanho de corte. Medições
feitas entre 2004 e 2007 mostram que as taxas de
recarga têm relação íntima com a intensidade da
precipitação e o porte das culturas agrícolas nessa
região onde o cerrado está praticamente extinto,
de acordo com artigo aceito para publicação nos
Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Isso não significa, porém, que os eucaliptos
sejam vilões incondicionais. O impacto de árvo-
res de grande porte depende, em parte, da pro-
fundidade do aquífero no ponto em que estão
plantadas. Segundo Lima, os mais de 20 anos
de monitoramento contínuo feito pelo Promab
mostraram que a relação entre espécies flores-
tais e água não é constante. “Onde a disponibi-
lidade é crítica, um elemento novo pode secar
as microbacias”, explica. “Mas onde o balanço
hídrico e climático é bom, a diminuição de água
nem é sentida.” Essas conclusões deixam claro
que é necessário fazer um zoneamento de onde
se pode plantar e onde a prática seria nociva, um
planejamento que não existe no Brasil.
P
ara Wendland, a importância de entender
a relação entre o cerrado e os aquíferos
é crucial porque as nascentes da maioria
das grandes bacias hidrográficas do país estão
no domínio desse bioma. Além da importância
como recurso hídrico, algumas dessas bacias –
do Paraná, do Tocantins, do Parnaíba e do São
Francisco – são as principais fornecedoras de
água para geração de energia elétrica no Brasil.
Em pouco mais de meio século, metade da área
do cerrado foi desmatada e deu lugar a atividades
agrícolas. Para avaliar o efeito dessa alteração
no uso do solo sobre a disponibilidade hídrica,
o doutorando Paulo Tarso de Oliveira, do grupo
de São Carlos, fez um estudo usando dados de
sensoriamento remoto em toda a área desse bio-
ma. Com os sensores, é possível avaliar não só a
alteração da vegetação, mas também quantificar
as precipitações, os índices de evapotranspiração
pelas plantas e estimar a variação de armazena-
mento de água. Segundo artigo publicado em
setembro de 2014 na Water Resources Research,
os dados indicam uma redução do escoamento
por causa de atividades agrícolas mais intensas.
O desmatamento e o uso agrícola do solo têm
importância, mas Wendland afirma que o maior
problema para a recarga do aquífero hoje é a re-
dução nas chuvas. “O aquífero supre a falta de
precipitação por dois ou três anos, depois já não
consegue manter o escoamento de base nos rios”,
diz. Nos últimos anos as precipitações da estação
chuvosa foram abaixo da média, o que diz os resul-
tados observados. Explica também, segundo ele,
fenômenos alarmantes como o esgotamento da
principal nascente do rio São Francisco, que per-
1
As florestas
afetam os
recursos hídricos
por meio de
sua influência
nas chuvas
e na recarga
das águas
subterrâneas
24 | DEZEMBRO DE 2014
maneceu seca por cerca de três meses e só voltou
a jorrar água no final de novembro.
O desafio do gerenciamento das águas subter-
râneas, que representam 98% da água doce do
planeta, tem outras particularidades em zonas
urbanas, onde pode ser um recurso crucial. Se-
gundo o geólogo Ricardo Hirata, do Instituto de
Geociências (IGc) da USP, 75% dos municípios
paulistas são abastecidos, em parte ou comple-
tamente, por essas águas. Isso inclui cidades im-
portantes do estado, com destaque para Ribeirão
Preto, onde elas servem a 100% dos mais de 600
mil habitantes. Na escala nacional, outras cidades
completamente abastecidas por águas subterrâ-
neas são Juazeiro do Norte, no Ceará, Santarém,
no Pará, e Uberaba, em Minas Gerais, de acordo
com o livro Águas subterrâneas urbanas no Brasil,
em processo de publicação pelo IGc e pelo Cen-
tro de Pesquisa em Águas Subterrâneas (Cepas).
S
urpreendente nas cidades é que a água per-
dida pelo abastecimento público vai parar
no aquífero. “A impermeabilização do solo
diminui a penetração da água da chuva, mas as
perdas compensam e superam essa redução e o
saldo é uma recarga maior onde há cidades, em
comparação com outras áreas”, explica Hirata.
“Se analisarmos a água de um poço qualquer em
São Paulo, metade será do aquífero e metade da
Sabesp.” Ele estima que a capital paulista tenha
quase 13 mil poços, todos particulares, muitos
ilegais. “Existe uma legislação para gerenciamen-
to desse recurso, mas ela não é seguida”, conta.
Um problema causado pelas cidades é a con-
taminação dos aquíferos por nitrato, devido a
vazamentos no sistema de esgotos. Como a des-
contaminação é cara, os poços afetados acabam
abandonados. Nas cidades em que são usados para
abastecimento público, a solução é misturar água
poluída à de poços limpos para que a qualidade
total seja aceitável. “Em Natal não há mais água
suficiente para mesclar”, alerta Hirata. O subter-
râneo é fonte de 70% da água na capital potiguar.
Outro tipo de poluição importante vem da in-
dústria, como a causada pelos solventes orga-
noclorados. O geólogo Reginaldo Bertolo, tam-
bém do IGc e diretor do Cepas, estuda como es-
se poluente se comporta no aquífero abaixo de
Jurubatuba, na zona Sul paulistana, uma região
industrial desde os anos 1950. “É um contami-
nante de difícil comportamento no aquífero”,
conta. Nessa rocha dura, onde a água corre em
fraturas, o composto mais denso do que a água se
aprofunda e só para quando chega a um estrato
impermeável. “São produtos tóxicos e carcino-
gênicos.” A poluição impede o uso da água sub-
terrânea numa região onde a demanda é forte.
Em colaboração com pesquisadores da Univer-
sidade de Guelph, no Canadá, o grupo de Bertolo
está mapeando esses poluentes para entender
como ele se comporta e propor estratégias para
eliminá-lo do aquífero. Para isso, o próximo passo
é usar um sistema desenvolvido pelos canadenses
para retirar amostras da rocha e instalar poços
de monitoramento especiais. “O equipamento
permite coletar água de mais de 20 fraturas dife-
rentes numa mesma perfuração”, afirma. “Vamos
fazer um modelo matemático para reproduzir o
que acontece e fazer prognósticos.”
Bertolo alerta que é importante mapear melhor
as águas subterrâneas e analisar sua qualidade,
porque é um recurso que pode ser complementar
nas cidades. “A água subterrânea é um recurso
pouco conhecido.” A engenheira Monica Porto,
da Escola Politécnica da USP, não acredita que
seja possível expandir muito o uso dessas águas
na Região Metropolitana de São Paulo. Em sua
opinião, para ir além dos cerca de 10 metros cú-
bicos por segundo (m3/s) extraídos dos milhares
PESQUISA FAPESP 226 | 25
No fim de
novembro o sistema
Cantareira tinha água
no reservatório Paiva
Castro (direita),
enquanto a seca
era evidente
no Jacareí/Jaguari
de poços existentes, seriam necessários milhares
de novas perfurações. “Mas esses 10 m3/s não
podem faltar, precisamos cuidar deles.”
Monica, que já foi presidente e ainda integra
o conselho consultivo da Associação Brasileira
de Recursos Hídricos, pensa em maneiras de
assegurar a segurança hídrica para a população.
Faltar água está, de fato, entre as coisas mais gra-
ves que podem acontecer numa cidade. “Somos
obrigados a trabalhar com uma probabilidade
de falha muito baixa.” Segundo ela, em 2009 o
governo paulista encomendou a uma empresa
de consultoria um estudo sobre o que precisaria
ser feito para garantir o suprimento de água. O
estudo ficou pronto em outubro de 2013, já em
meio à mais importante crise hídrica da histó-
ria do estado. Monica explica que é impossível
considerar a Grande São Paulo de forma isolada,
porque não há mais de onde tirar água sem dis-
putar com vizinhos. Por isso, o estudo abrange a
megametrópole, que engloba mais de 130 municí-
pios e uma população de 30 milhões de pessoas.
As obras necessárias à melhoria da seguran-
ça hídrica já começaram, com um sistema para
recolher água do rio Juquiá, no Vale do Ribeira,
que deve ficar pronto em 2018. Está em fase de
licenciamento ambiental a construção das barra-
gens de Pedreira e Duas Pontes, que devem abas-
tecer a região de Campinas. “Manaus e Campinas
são as únicas cidades do Brasil com mais de um
milhão de pessoas que não têm reservatório de
água”, conta Monica. Não faz falta a Manaus, às
margens do rio Amazonas, mas faz a Campinas,
que depende do sistema Cantareira. Ela, que em
casa “faz das tripas coração” para economizar
água, afirma que a crise atual é importante para
conscientizar a população sobre a necessidade
de se reduzir o consumo. Também ressalta a im-
portância do conjunto de medidas que precisará
ser revisto em caráter emergencial. “Temos que
aprender pela dor”, diz Monica, que costuma brin-
car que é melhor que não chova muito para não
afastarainstrutivacrise.“Mas,senãochovermuito
em breve, vou parar de brincar: precisa chover.” n
Projetos
1. Entendimento das causas dos vieses que determinam o início
da estação chuvosa na Amazônia nos modelos climáticos usando
observações do GoAmazon e Chuva (13/50538-7); Pesquisador
responsável José Antonio Marengo Orsini (Cemaden); Modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa – GoAmazon; Investimento
R$ 57.960,00 (FAPESP).
2. Estabelecimento do modelo conceitual hidrogeológico e de trans-
porte e destino de compostos organoclorados no aquífero fraturado
da região de Jurubatuba, São Paulo (13/10311-3); Pesquisador res-
ponsável Reginaldo Antonio Bertolo (IGc-USP); Modalidade Auxílio
Regular a Projeto de Pesquisa; Investimento R$ 502.715,27 (FAPESP).
Artigos científicos
MAKARIEVA, A. M. et al. Why does air passage over forest yield
more rain? Examining the coupling between rainfall, pressure and
atmospheric moisture content. Journal of Hydrometeorology. v. 15,
n. 1, p. 411-26. fev. 2014.
MAKARIEVA, A. M. et al. Where do winds come from? A new theory
on how water vapor condensation influences atmospheric pressure
and dynamics. Atmospheric Chemistry and Physics. v. 13, p. 1039-
56. 25 jan. 2013.
ESPINOZA, J. et al. The extreme 2014 flood in South-western Amazon
basin: The role of tropical-subtropical South Atlantic SST gradient.
Environmental Research Letters. no prelo.
WENDLAND, E. et al. Recharge contribution to the Guarani Aquifer
System estimated from the water balance method in a representative
watershed. Anais da Academia Brasileira de Ciências. no prelo.
OLIVEIRA, P. T. S. et al. Trends in water balance components across
the Brazilian Cerrado. Water Resources Research. v. 50, n. 9,
p. 7100-14. set. 2014.
> Veja vídeos em nosso site:
revistapesquisa.fapesp.br

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Dança da chuva

  • 1. 18 | DEZEMBRO DE 2014 A escassez de água que alarma o país tem relação íntima com as florestas Dança da chuva CAPA Alterações no volume e periodicidade das precipitações e mau uso dos aquíferos estão entre os fatores que secam os canos de parte do Brasil TEXTO  Maria Guimarães FOTOS  Léo Ramos
  • 2. PESQUISA FAPESP 226 | 19 A Amazônia não é apenas a maior floresta tropical que restou no mundo. Esse sem-fim de verde entrecortado por rios serpenteantes de tama- nhos e cores variados também não se limita a ser a morada de uma incrível diversidade de animais e plantas. A floresta amazônica é também um motor capaz de alterar o sentido dos ventos e uma bomba que suga água do ar sobre o oceano Atlântico e do solo e a faz circular pela América do Sul, causando em regiões distantes as chuvas pelas quais os paulistas hoje anseiam. Mas o funcionamento dessa bomba depende da manutenção da floresta, cuja porção brasileira, até 2013, perdeu 763 mil quilômetros quadrados (km2) de sua área original, o equivalente a três estados de São Paulo. Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não aponta o dedo para culpados. O que importa para ele é reverter esse pro- cesso e não apenas zerar o desmatamento, mas recuperar a floresta. No relatório O futuro climático da Amazônia, divul- gado no fim de outubro, ele deixa claro que o único motivo para não se tomarem providências imediatas para reduzir o desmatamento é desconhecer o que a ciência sabe. Para ele, o caminho é conscientizar a população. “Agora é um bom momento porque as torneiras estão secando”, afirma. No relatório, elaborado a partir da análise de cerca de 200 trabalhos científicos, ele mostra que a cada dia a floresta da bacia amazônica transpira 20 bilhões de toneladas de água (20 trilhões de litros). É mais do que os 17 bilhões de tone- ladas que o rio Amazonas despeja no Atlântico por dia. Esse rio vertical é que alimenta as nuvens e ajuda a alterar a rota dos ventos. Nobre explica que os mapas de ventos sobre o Atlântico mostram que, no hemisfério Sul e a baixas altitu- des, o ar se move para noroeste na direção do equador. “Na Amazônia a floresta desvia essa ordem”, diz. “Em parte do ano, os ventos alísios carregados de umidade vêm do hemis- fério Norte e convergem para oeste/sudoeste, adentrando a América do Sul.” Essa circulação viola um paradigma meteorológico que diz que os ventos deveriam soprar das regiões com superfícies mais frias para aquelas com superfícies mais quentes. “Na Amazônia, o ano todo eles vão do quente, o Atlântico equa- torial, para o frio, a floresta”, explica. Uma parceria com os russos Anastasia Makarieva e Victor Gorshkov, do Instituto de Física Nuclear de Petersburgo, tem ajudado a explicar do ponto de vista físico os fenômenos meteorológicos da Ama- zônia. Em artigo publicado em fevereiro de 2014 no Journal of Hydrometeorology, eles afirmam, com base em análises teóricas confirmadas por observações empíricas, que o des- matamento altera os padrões de pressão e pode causar o de- clínio dos ventos carregados de umidade que vêm do oceano para o continente. O grupo analisou os dados de 28 estações meteorológicas em duas áreas do Brasil e viu que os ventos que vêm da floresta amazônica carregam mais água e estão
  • 3. 20 | DEZEMBRO DE 2014 INFOGRÁFICOANAPAULACAMPOS ILUSTRAÇÃOFABIOOTUBO associados a maiores índices de chuvas do que ventos que partem de áreas sem floresta e che- gam à mesma estação. Isso acontece, segundo os pesquisadores, por causa da bomba biótica de umidade, uma teoria proposta pela dupla russa em 2007 para explicar a dinâmica de ventos impulsionada por florestas. Essa ideia completa a descrição feita pelo clima- tologista José Antonio Marengo, à época pesquisa- dor do Inpe, de como a Amazônia exporta chuvas para regiões mais meridionais da América do Sul. A teoria da bomba biótica aplica uma física não usual à meteorologia e postula que a condensação da água, favorecida pela transpiração da floresta, reduz a pressão atmosférica que suga do mar pa- ra a terra as correntes de ar carregadas de água. O s fundamentos da influência da conden- sação sobre os ventos foram apresentados em artigo publicado em 2013 por Anasta- sia e Gorshkov, em parceria com Nobre e outros colaboradores, na Atmospheric Chemistry and Physics, uma das revistas mais importantes da área. Por meio de uma série de equações, eles mostram que o vapor de água lançado à atmosfera pela transpiração da floresta gera, ao condensar, um fluxo capaz de propelir os ventos a grandes distâncias. De acordo com Nobre, a nova física da condensação proposta por eles gerou, ainda durante a revisão do artigo, uma controvérsia com meteorologistas, que debateram o assunto furiosamente em blogs científicos com a inten- ção de derrubar a principal equação do trabalho. Não conseguiram e o trabalho foi publicado. O pesquisador do Inpe explica a polêmica. “É uma física que atribui à condensação, um fenômeno básico e central do funcionamento atmosférico, um efeito oposto ao que se acreditava”, diz. “Será necessário reescrever os livros didáticos da área.” Para dar a dimensão da dificuldade de diálogo entre físicos teóricos e meteorologistas, Nobre lembra que a física desenvolve um entendimento dos fenômenos atmosféricos a partir de leis fun- damentais da natureza, enquanto a meteorologia o faz, em grande parte, com base na observação de padrões do clima do passado, cuja estatística é absorvida em modelos matemáticos. Tais mo- delos representam bem as flutuações climáticas observadas, mas apresentam falhas quando há alterações significativas no padrão. É o caso agora, quando um novo contexto – ocasionado por desmatamento, mudanças glo- bais no clima ou outros fatores – gera fenômenos climáticos inesperados para certas regiões, como chuvas mais torrenciais e secas mais extensas. A teoria física acerta onde extrapolações do passado erram, por isso é preciso, segundo ele, construir novos modelos climatológicos que recoloquem a física no centro dos esforços da meteorologia. O momento agora é crucial porque o clima amazônico vem mudando. Secas importantes nessa região marcaram os anos de 2005 e 2010. “Antes a Amazônia tinha a estação úmida e a mais úmida, agora há uma estação seca”, diz Nobre. Os danos dessas secas na floresta não foram aniqui- ladores porque ela consegue se regenerar, mas o acúmulo dos danos aos poucos erode essa capa- cidade. Um efeito importante que já se observa, previsto há 20 anos por modelos climáticos, é um prolongamento da estação seca, que tem prejudi- cado a produção agrícola em porções do estado do Mato Grosso. A grande preocupação é que se chegue a um ponto de não retorno, em que a floresta já não consiga produzir chuva suficiente para suprir nem a si própria. Trabalhos de mo- delagem que levam em conta clima e vegetação indicam que esse ponto será atingido quando 40% da área original de floresta for perdida, um número que não é unânime. Segundo o relatório de Nobre, 20% da floresta já foi cortada e outros 20%, alterados a ponto de terem perdido parte de suas propriedades. Se a teoria da bomba biótica estiver correta, os efeitos desse ponto de não retorno devem ser mais graves do que a savanização proposta pelo climatologista Carlos Nobre, irmão mais velho de Antonio (ver Pesquisa FAPESP nº 167). “Se a floresta perder a capacidade de trazer a umida- de do oceano, a chuva na região pode cessar por completo”, diz o Nobre caçula. Sem água para sustentar uma savana, o resultado poderia ser uma desertificação na Amazônia. Se isso ocorrer, o cenário que ele infere para o Sul e o Sudeste do país poderia ser semelhante ao de outras regiões na mesma latitude: tornar-se um deserto. Antonio Nobre não se arrisca a falar muito so- breSãoPaulo.“MeurelatórioésobreaAmazônia.” Mas ele acredita que a seca por aqui não indepen- de do que acontece no Norte. Em sua opinião, foi possível devastar boa parte da mata atlântica sem sentirumareduçãonaschuvasporqueaAmazônia era capaz de suprir a falta de água na atmosfera local. Mas isso já não parece acontecer mais. Ele aproveita o ensejo para sugerir que não apenas a floresta amazônica, mas também a que acompa- nhava a costa de quase todo o Brasil precisa ser recuperada imediatamente. Se não for por outro motivo, o esgotamento a que chegaram as represas que alimentam boa parte da população paulista deveria bastar como argumento. A exportação de água desde a Amazônia para outras regiões do Brasil, sobretudo o Sudeste e o Sul, é uma realidade, por meio do fenômeno conhecido como rios voadores (ver Pesquisa FA- PESP nº 158). Um indício dessa linha direta foram as intensas chuvas no sudoeste da Amazônia no início de 2014, praticamente o dobro do volume habitual, ao mesmo tempo que São Paulo passa-
  • 4. RIOS VOADORES A floresta amazônica está instalada sobre uma imensa quantidade de água, o aquífero Alter do Chão. Sua vegetação absorve umidade do subsolo e do oceano e a lança na forma de vapor na atmosfera, gerando correntes aéreas que exportam chuvas para longe Caminhos até a torneira Fontes aéreas, superficiais e subterrâneas se somam para o abastecimento NO CAMPO E NAS CIDADES A presença de mata nativa é essencial à saúde dos mananciais. O plantio de culturas intensivas e de espécies florestais, como o eucalipto, pode reduzir a recarga dos aquíferos, que é maior em zonas urbanas Aquífero cristalino Água atmosférica Abastecimento público Recarga Recarga Recarga Recarga Irrigação Fraturas com água Aquífero Guarani Aquífero Bauru ANDES EVAPORAÇÃO DO OCEANO TRANSPIRAÇÃO E CONDENSAÇÃO RECIRCULAÇÃO DO VAPOR D’ÁGUA FORMAÇÃO DAS CABECEIRAS DOS RIOS DA AMAZÔNIA RIOS VOADORES: CENTRO-OESTE, SUDESTE, SUL E PAÍSES VIZINHOS A A B B Aquífero Alter do Chão Poços públicos e privados Aquífero sedimentar AQUÍFEROS DE SÃO PAULO A sobreposição de fontes subterrâneas no estado é exemplo da complexidade do sistema, usado como fonte total ou parcial de água em 75% dos municípios VEGETAÇÃO NATIVA ZONA RURAL FONTE  RICARDO HIRATA / IGC-USP 1 2 3 4 5 Aquíferos sedimentares n Tubarão n Guarani n Bauru Aquíferos cristalinos n Pré-Cambriano n Serra Geral Aquiclude n Passa Dois
  • 5. 22 | DEZEMBRO DE 2014 va pelo pior momento de uma seca histórica. “A chuva ficou presa em Rondônia, no Acre e na Bo- lívia por causa de um bloqueio atmosférico, algo como uma bolha de ar que impedia a passagem da umidade. Isso criou uma estabilidade atmosférica, inibiu a formação de chuvas e elevou as tempe- raturas”, conta Marengo, agora pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ele é coautor de um artigo liderado por Jhan Carlo Espinoza, do Instituto Geofísico do Peru, que está em processo de publicação pela Environmental Research Let- ters e é parte dos resultados do programa Green Ocean (GO) Amazon, que tem apoio da FAPESP. Não é possível, porém, afirmar o quanto essa relação determina a estiagem paulista. “Ainda não se sabe calcular quanto das chuvas do Sudeste vem da Amazônia nem quanto chega aqui trazi- do por frentes frias vindas do Sul, pela umidade carregada por brisas marinhas ou pela evaporação local”, diz. Para ele, o desmatamento pode ter um impacto no longo prazo, mas ainda é impossível dizer se ele está relacionado com a seca atual. “O Sudeste pode não virar um deserto”, pondera, “mas os extremos climáticos podem se tornar mais intensos”. Estudos usando modelos climá- ticos criados pelo grupo de Marengo já previam uma redistribuição do total das chuvas, com um volume muito grande em poucos dias e estiagens mais prolongadas, algo que já tem sido observado no Sudeste e no Sul do país nos últimos 50 anos. Além desse efeito a distância, em escala nacio- nal, a relação entre vegetação e recursos hídricos também se dá numa escala mais local, de acordo com o engenheiro agrônomo Walter de Paula Lima, professor da Escola Superior de Agricul- tura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador científico do Programa Cooperativo de Monitoramento Am- biental em Microbacias (Promab) do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais. Em seus estu- dos sobre o efeito das florestas (ou sua remoção) em microbacias hidrográficas, ele mostrou que a mata ciliar, que acompanha os cursos de água, ajuda a manter a boa saúde de pequenos rios. “O sistema Cantareira, que abastece São Paulo, é formado por milhares de microbacias”, conta. “As que estão mais degradadas não contribuem para o manancial.” Essa avaliação, porém, carece de dados experimentais concretos. Segundo Li- ma, para se saber exatamente o efeito das matas ciliares nos mananciais seria necessário estudar Rios voadores: correntes de vapor-d’água que se formam sobre a floresta amazônica exportam chuvas para a região Sul do Brasil GERARDMOSS/PROJETORIOSVOADORES
  • 6. PESQUISA FAPESP 226 | 23 uma microbacia experimental em que se possa medir propriedades dos cursos d’água com e sem a proteção de floresta, sem que haja outros fatores envolvidos. Um quadro praticamente inatingível. Uma experiência prática que reforça a im- portância de se preservar as matas ciliares para a manutenção dos recursos hídricos é relatada pelo biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Esalq, especialista em recuperação de florestas nativas. Ele conta que há 24 anos a água desapareceu da microbacia de Iracemápolis, município no interior paulista. A prefeitura buscou ajuda na Esalq, e o gru- po de Rodrigues implementou um projeto de conservação de solo da microbacia e de recupe- ração da mata ciliar que deveria estar ali. “Fui lá recentemente e levei um susto”, conta o pesqui- sador. O nível da represa está um pouco mais baixo, mas tem água suficiente para continuar abas- tecendo Iracemápolis, que teve sua população triplicada nesse período. “Toda a região está com problemas de falta de água, mas Iracemápolis não.” As florestas afetam a saúde dos recursos hídricos por meio de sua influência nas chuvas, mas também tem importância a sua relação com as águas sub- terrâneas. O engenheiro Edson Wendland, professor no Departamento de Hi- dráulica e Saneamento da USP de São Carlos, es- tuda justamente o que acontece com a recarga do aquífero Guarani quando o cerrado é substituído por culturas como pastagem, cana-de-açúcar, cí- tricos ou eucalipto. O trabalho tem sido feito na bacia do Ribeirão da Onça, no município de Bro- tas, interior paulista, estudada desde os anos 1980. Por meio de poços de monitoramento e esta- ções climatológicas, a ideia é detalhar, antes que não sobre mais vegetação original de cerrado por ali, como se dá a recarga do aquífero Guarani sob diferentes regimes de uso do solo. “Não é possível gerenciar o que não se conhece”, diz Wendland sobre uma das fontes de água subterrânea mais importantes do Brasil. O aquífero é uma camada porosa de rochas na qual se infiltra a água das chuvas, depois liberada lentamente para os rios. Essa diferença de tempo entre o abastecimento e a descarga, consequência do trajeto lento da água pelo meio subterrâneo, é o que garante perenidade aos rios, que dependem dessa poupança hídrica. O grupo de Wendland tem mostrado, por exem- plo, que a disponibilidade de água diminui quando se substituem as pequenas árvores retorcidas do cerrado, adaptadas a viver sob estresse hídrico, por eucaliptos,queconsomembastanteáguaeempou- cos anos atingem o tamanho de corte. Medições feitas entre 2004 e 2007 mostram que as taxas de recarga têm relação íntima com a intensidade da precipitação e o porte das culturas agrícolas nessa região onde o cerrado está praticamente extinto, de acordo com artigo aceito para publicação nos Anais da Academia Brasileira de Ciências. Isso não significa, porém, que os eucaliptos sejam vilões incondicionais. O impacto de árvo- res de grande porte depende, em parte, da pro- fundidade do aquífero no ponto em que estão plantadas. Segundo Lima, os mais de 20 anos de monitoramento contínuo feito pelo Promab mostraram que a relação entre espécies flores- tais e água não é constante. “Onde a disponibi- lidade é crítica, um elemento novo pode secar as microbacias”, explica. “Mas onde o balanço hídrico e climático é bom, a diminuição de água nem é sentida.” Essas conclusões deixam claro que é necessário fazer um zoneamento de onde se pode plantar e onde a prática seria nociva, um planejamento que não existe no Brasil. P ara Wendland, a importância de entender a relação entre o cerrado e os aquíferos é crucial porque as nascentes da maioria das grandes bacias hidrográficas do país estão no domínio desse bioma. Além da importância como recurso hídrico, algumas dessas bacias – do Paraná, do Tocantins, do Parnaíba e do São Francisco – são as principais fornecedoras de água para geração de energia elétrica no Brasil. Em pouco mais de meio século, metade da área do cerrado foi desmatada e deu lugar a atividades agrícolas. Para avaliar o efeito dessa alteração no uso do solo sobre a disponibilidade hídrica, o doutorando Paulo Tarso de Oliveira, do grupo de São Carlos, fez um estudo usando dados de sensoriamento remoto em toda a área desse bio- ma. Com os sensores, é possível avaliar não só a alteração da vegetação, mas também quantificar as precipitações, os índices de evapotranspiração pelas plantas e estimar a variação de armazena- mento de água. Segundo artigo publicado em setembro de 2014 na Water Resources Research, os dados indicam uma redução do escoamento por causa de atividades agrícolas mais intensas. O desmatamento e o uso agrícola do solo têm importância, mas Wendland afirma que o maior problema para a recarga do aquífero hoje é a re- dução nas chuvas. “O aquífero supre a falta de precipitação por dois ou três anos, depois já não consegue manter o escoamento de base nos rios”, diz. Nos últimos anos as precipitações da estação chuvosa foram abaixo da média, o que diz os resul- tados observados. Explica também, segundo ele, fenômenos alarmantes como o esgotamento da principal nascente do rio São Francisco, que per- 1 As florestas afetam os recursos hídricos por meio de sua influência nas chuvas e na recarga das águas subterrâneas
  • 7. 24 | DEZEMBRO DE 2014 maneceu seca por cerca de três meses e só voltou a jorrar água no final de novembro. O desafio do gerenciamento das águas subter- râneas, que representam 98% da água doce do planeta, tem outras particularidades em zonas urbanas, onde pode ser um recurso crucial. Se- gundo o geólogo Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, 75% dos municípios paulistas são abastecidos, em parte ou comple- tamente, por essas águas. Isso inclui cidades im- portantes do estado, com destaque para Ribeirão Preto, onde elas servem a 100% dos mais de 600 mil habitantes. Na escala nacional, outras cidades completamente abastecidas por águas subterrâ- neas são Juazeiro do Norte, no Ceará, Santarém, no Pará, e Uberaba, em Minas Gerais, de acordo com o livro Águas subterrâneas urbanas no Brasil, em processo de publicação pelo IGc e pelo Cen- tro de Pesquisa em Águas Subterrâneas (Cepas). S urpreendente nas cidades é que a água per- dida pelo abastecimento público vai parar no aquífero. “A impermeabilização do solo diminui a penetração da água da chuva, mas as perdas compensam e superam essa redução e o saldo é uma recarga maior onde há cidades, em comparação com outras áreas”, explica Hirata. “Se analisarmos a água de um poço qualquer em São Paulo, metade será do aquífero e metade da Sabesp.” Ele estima que a capital paulista tenha quase 13 mil poços, todos particulares, muitos ilegais. “Existe uma legislação para gerenciamen- to desse recurso, mas ela não é seguida”, conta. Um problema causado pelas cidades é a con- taminação dos aquíferos por nitrato, devido a vazamentos no sistema de esgotos. Como a des- contaminação é cara, os poços afetados acabam abandonados. Nas cidades em que são usados para abastecimento público, a solução é misturar água poluída à de poços limpos para que a qualidade total seja aceitável. “Em Natal não há mais água suficiente para mesclar”, alerta Hirata. O subter- râneo é fonte de 70% da água na capital potiguar. Outro tipo de poluição importante vem da in- dústria, como a causada pelos solventes orga- noclorados. O geólogo Reginaldo Bertolo, tam- bém do IGc e diretor do Cepas, estuda como es- se poluente se comporta no aquífero abaixo de Jurubatuba, na zona Sul paulistana, uma região industrial desde os anos 1950. “É um contami- nante de difícil comportamento no aquífero”, conta. Nessa rocha dura, onde a água corre em fraturas, o composto mais denso do que a água se aprofunda e só para quando chega a um estrato impermeável. “São produtos tóxicos e carcino- gênicos.” A poluição impede o uso da água sub- terrânea numa região onde a demanda é forte. Em colaboração com pesquisadores da Univer- sidade de Guelph, no Canadá, o grupo de Bertolo está mapeando esses poluentes para entender como ele se comporta e propor estratégias para eliminá-lo do aquífero. Para isso, o próximo passo é usar um sistema desenvolvido pelos canadenses para retirar amostras da rocha e instalar poços de monitoramento especiais. “O equipamento permite coletar água de mais de 20 fraturas dife- rentes numa mesma perfuração”, afirma. “Vamos fazer um modelo matemático para reproduzir o que acontece e fazer prognósticos.” Bertolo alerta que é importante mapear melhor as águas subterrâneas e analisar sua qualidade, porque é um recurso que pode ser complementar nas cidades. “A água subterrânea é um recurso pouco conhecido.” A engenheira Monica Porto, da Escola Politécnica da USP, não acredita que seja possível expandir muito o uso dessas águas na Região Metropolitana de São Paulo. Em sua opinião, para ir além dos cerca de 10 metros cú- bicos por segundo (m3/s) extraídos dos milhares
  • 8. PESQUISA FAPESP 226 | 25 No fim de novembro o sistema Cantareira tinha água no reservatório Paiva Castro (direita), enquanto a seca era evidente no Jacareí/Jaguari de poços existentes, seriam necessários milhares de novas perfurações. “Mas esses 10 m3/s não podem faltar, precisamos cuidar deles.” Monica, que já foi presidente e ainda integra o conselho consultivo da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, pensa em maneiras de assegurar a segurança hídrica para a população. Faltar água está, de fato, entre as coisas mais gra- ves que podem acontecer numa cidade. “Somos obrigados a trabalhar com uma probabilidade de falha muito baixa.” Segundo ela, em 2009 o governo paulista encomendou a uma empresa de consultoria um estudo sobre o que precisaria ser feito para garantir o suprimento de água. O estudo ficou pronto em outubro de 2013, já em meio à mais importante crise hídrica da histó- ria do estado. Monica explica que é impossível considerar a Grande São Paulo de forma isolada, porque não há mais de onde tirar água sem dis- putar com vizinhos. Por isso, o estudo abrange a megametrópole, que engloba mais de 130 municí- pios e uma população de 30 milhões de pessoas. As obras necessárias à melhoria da seguran- ça hídrica já começaram, com um sistema para recolher água do rio Juquiá, no Vale do Ribeira, que deve ficar pronto em 2018. Está em fase de licenciamento ambiental a construção das barra- gens de Pedreira e Duas Pontes, que devem abas- tecer a região de Campinas. “Manaus e Campinas são as únicas cidades do Brasil com mais de um milhão de pessoas que não têm reservatório de água”, conta Monica. Não faz falta a Manaus, às margens do rio Amazonas, mas faz a Campinas, que depende do sistema Cantareira. Ela, que em casa “faz das tripas coração” para economizar água, afirma que a crise atual é importante para conscientizar a população sobre a necessidade de se reduzir o consumo. Também ressalta a im- portância do conjunto de medidas que precisará ser revisto em caráter emergencial. “Temos que aprender pela dor”, diz Monica, que costuma brin- car que é melhor que não chova muito para não afastarainstrutivacrise.“Mas,senãochovermuito em breve, vou parar de brincar: precisa chover.” n Projetos 1. Entendimento das causas dos vieses que determinam o início da estação chuvosa na Amazônia nos modelos climáticos usando observações do GoAmazon e Chuva (13/50538-7); Pesquisador responsável José Antonio Marengo Orsini (Cemaden); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa – GoAmazon; Investimento R$ 57.960,00 (FAPESP). 2. Estabelecimento do modelo conceitual hidrogeológico e de trans- porte e destino de compostos organoclorados no aquífero fraturado da região de Jurubatuba, São Paulo (13/10311-3); Pesquisador res- ponsável Reginaldo Antonio Bertolo (IGc-USP); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Investimento R$ 502.715,27 (FAPESP). Artigos científicos MAKARIEVA, A. M. et al. Why does air passage over forest yield more rain? Examining the coupling between rainfall, pressure and atmospheric moisture content. Journal of Hydrometeorology. v. 15, n. 1, p. 411-26. fev. 2014. MAKARIEVA, A. M. et al. Where do winds come from? A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics. Atmospheric Chemistry and Physics. v. 13, p. 1039- 56. 25 jan. 2013. ESPINOZA, J. et al. The extreme 2014 flood in South-western Amazon basin: The role of tropical-subtropical South Atlantic SST gradient. Environmental Research Letters. no prelo. WENDLAND, E. et al. Recharge contribution to the Guarani Aquifer System estimated from the water balance method in a representative watershed. Anais da Academia Brasileira de Ciências. no prelo. OLIVEIRA, P. T. S. et al. Trends in water balance components across the Brazilian Cerrado. Water Resources Research. v. 50, n. 9, p. 7100-14. set. 2014. > Veja vídeos em nosso site: revistapesquisa.fapesp.br