O documento descreve a história de Laion Santos, um garçom de 20 anos que trabalha no restaurante Velho Coração. Laion começou a trabalhar no restaurante aos 12 anos e agora sustenta a esposa e filha com o salário mínimo. Recentemente, Laion perdeu a casa onde morava e agora vive temporariamente com parentes enquanto busca um novo lar. Apesar das dificuldades, Laion consegue administrar bem o orçamento para suprir as necessidades básicas da família e até poupar para lazer.
1. | 24 | Economia > ZERO HORA > TERÇA | 14 | AGOSTO | 2007
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sobrevivência
TEXTOS: SEBASTIÃO RIBEIRO e TATIANA CRUZ
FOTOS: GENARO JONER
Quando um funcionário
de uma empresa senta-se
à mesa do Velho Coração
para comer feijão e arroz e
experimentar a carne assada
na churrasqueira dos Paesi,
faz girar um dos maiores
motores de empregos na
área de serviços do país.
O ramo da alimentação
é o terceiro que mais
emprega formalmente no
setor terciário. Só em Porto
Alegre, estima o Sindicato
da Hotelaria e Gastronomia
da Capital, são quase 59 mil
trabalhadores nos cerca de 5
mil estabelecimentos.
Por trás do prédio os 12 anos, Laion Laion transita desde a
A
Santos já podia ser
número 226 da Rua visto entre as me-
pré-adolescência entre as
Simão Kappel, no sas do restauran- mesas do Velho Coração
te Velho Coração.
bairro Navegantes, em Com essa idade, em
e hoje (detalhe), aos 20
Porto Alegre, orbitam 1999, ele começou anos, cultiva a fama de
a trabalhar na casa
personagens importantes do bairro Na-
bom guri entre os donos do
não apenas para vegantes, indi- restaurante. Mesmo assim,
cado por um
a manutenção primo que era
não conseguiu realizar o
do negócio de funcionário, mas sonho de comprar a casa onde morava até a última
teve de sair. Desde
Adriano, Adriane e menino, acostumou-
quarta-feira com a mulher, Ionice, e a filhinha Emily.
Jovilde Paesi, mas para toda se com a vida de servir bebida, ir a banco Agora vivem de favor, provisoriamente, com parentes.
pagar contas, abastecer o freezer. Nesses
a economia popular. oito anos, ganhou experiência, carteira as-
No terceiro e último dia sinada, salário mínimo e maturidade. vessa sem dó as frestas da madeira que Se depender de sua história, Laion sairá
Com uma pele negra e lisa e dentes faz as vezes de parede da moradia. Ainda desta. Até agora, sempre soube enfrentar as
da série sobre o restaurante brancos bem alinhados, Laion tem cara de que precária, era a casa que Laion sonhava dificuldades da vida. Com esforço, concilia
Velho Coração, você vai bom guri. É assim que os donos do restau- comprar em parcelas mensais de R$ 100 e o salário de apenas R$ 450, mais os R$ 20
rante e os cliente o vêem. Para o garçom depois reformar, para dar mais dignidade semanais que a companheira ganha para
conhecer a pasta de plástico faz-tudo, ter começado a trabalhar cedo à vida em família. levar a filha de uma vizinha à creche, com
onde a auxiliar de cozinha contribuiu para essa fama. Um sonho interrompido na última os gastos domésticos.
– Eu moro em vila e vejo muitos proble- quarta-feira, quando a prima vendeu a ca- Para sustentar a mulher e a filha, Laion
Jane guarda um dos mas. É droga, é crime... Começar a traba- sa, à vista, para outro comprador, obrigan- gasta R$ 70 de rancho mensal num ataca-
segredos para fazer compras lhar cedo me ajudou a ver o mundo como do a família do garçom a deixar o lugar. A do da cidade. Carnes, pães e outras neces-
ele é e não me envolver – acredita. saída para Laion foi espalhar seus perten- sidades diárias são compradas em um ar-
e descobrir como o garçom Crescer, para Laion, também significou ces – incluindo o fogão, os sofás puídos e mazém. As fraldas de Emily saem por cerca
Laion consegue arranjar sair de casa aos 17 anos para viver com a a TV 29 polegadas, comprada por 12 par- de R$ 25 por mês. E ainda tem as roupas “e
mulher, Ionice, e ter uma filha cedo, cha- celas de R$ 50 – entre parentes e amigos. outras besteirinhas para a neném”.
dinheiro para se divertir mada Emily, de um ano e um mês. E, des- O pai, a cunhada e um vizinho guardam Apesar de tudo isso, ainda sobra di-
com a mulher. Vai saber no de a semana passada, encarar o peso de os móveis e dão abrigo enquanto a família nheiro para se divertir. Umas três vezes
não ter um lar. não encontra um novo lar. por mês, a família janta em uma pizzaria
que o jovem Fernando gasta O casebre de 35 metros quadrados onde – Fiquei desesperado – desabafa Laion. na Avenida Cristóvão Colombo, onde o
seu salário e acompanhar os três viviam era emprestado por uma Ontem, em contato com uma funcio- rodízio custa R$ 12 por pessoa, e uma vez
prima de Ionice. Para chegar ao local, é nária do Departamento Municipal de por mês o casal sai para dançar pagode,
o destino que o biscateiro preciso entrar em um dos becos da Vila Habitação (Demhab), ele teria recebido a em barzinhos do centro de Porto Alegre
Milton dá às sobras do Velho Areia, no bairro Navegantes, a três quadras promessa de ganhar telhas e madeira para ou em uma danceteria que cobra ingresso
do restaurante. Em dias de chuva, o chão erguer uma nova casa ao lado da que teve de R$ 25, para mulheres, e de R$ 35, para
Coração. batido fica encharcado, a umidade atra- de deixar. homens.
2. Data Publicação : 14/08/2007
Prato do dia (final) (série), Alimento, Alimentação, Restaurante de bairro: ganha-pão, trabalho e renda
na economia popular