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Universidade de São Paulo - USP
Escola de Comunicações e Artes - ECA
Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo
Curso de Especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital em
Ambientes Corporativos - Digicorp
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do
capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb
Renato Santoliquido Davini
São Paulo
2014
 
Renato Santoliquido Davini
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do
capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb
Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo em cumprimento parcial às
exigências para obtenção do título de especialista em Gestão
Integrada da Comunicação Digital nas Ambientes Corporativos,
sob orientação do Prof. Dr. Marcelo Coutinho Lima.
São Paulo
2014
 
Autorizo a reprodução total ou parcial deste trabalho por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada
a fonte.
Santoliquido Davini, Renato
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do
capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb.
Renato Santoliquido Davini: orientador Marcelo Coutinho Lima – 2014, 82 fls
Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes,
Universidade da São Paulo, 2014.
Palavras-chave: sociedade em rede; Cibercultura; empoderamento do
consumidor; abundância de informações; cibercapitalismo; crowdsourcing;
Cauda Longa; capital social; turismo.
 
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do
capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb
Renato Santoliquido Davini
Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo como requisito básico para obtenção de título de especialista
em Comunicação Digital.
Aprovado em _____ de _________________ de 2014.
Aprovado por:
______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
Marcelo Coutinho Lima
São Paulo
2014
 
Agradecimentos
Minha gratidão a todos que me suportaram durante todo o percurso até a
conclusão deste trabalho.
Aos mestres que me apoiaram e ajudaram na concepção do mesmo, em
especial ao meu orientador, Marcelo Coutinho Lima.
Aos colegas de sala, que de tantos debates acabaram por engrandecer o
conhecimento somado no curso.
Aos amigos, que souberam meditar a falta de tempo livre e certamente vão
encontrar um Renato mais feliz e satisfeito nos próximos encontros.
À família, pelo amor dedicado e suporte durante toda a minha formação.
À namorada, que muito sofreu na ausência, mas sempre manifestou apoio
em todos os momentos.
E, especialmente, à Natalia Rosenberg Kuschnaroff, grande amiga, que
faleceu nos dias finais de composição desta monografia e deixa muita
saudade.
 
	
  
Resumo
Estudo sobre os impactos provocados pela abundância da informação
no mercado de turismo, sob o viés do empoderamento do indivíduo e sua
atuação na rede. Busca-se elencar os principais fenômenos provocados pela
sociedade em rede e seus impactos no mercado de turismo, para assim
analisar o modelo de negócio de Tripadvisor e Airbnb sob o viés da
maturação digital dessas plataformas, donas de um sistema peculiar e
inovador para valorização do capital social gerado em suas plataformas.
Palavras-chave: sociedade em rede; Cibercultura; empoderamento do
consumidor; abundância de informações; cibercapitalismo; crowdsourcing;
Cauda Longa; capital social; turismo.
ABSTRACT
Study on the impacts caused by the abundance of information in the
tourism market, under the bias of the empowerment of the individual and his
performance on the network. Seeks to list the main phenomena caused by the
network society and its impact on the tourism market, so to analyze the
business model of Tripadvisor and Airbnb in the maturation of these digital
platforms, owners of a unique and innovative system for recovery of the bias
social capital generated in their platforms.
Keywords: network society; consumer empowerment; abundance of
information; cibercapitalism; crowdsourcing; Long Tail; social capital; tourism.
 
	
  
	
  
Lista de abreviaturas e siglas
WTTC World Travel and Tourism Council
UNWTO United Nations World Tourism Organization
OMT Organização Mundial do Turismo
IDC International Data Corporation
AOL America Online
P2P Peer to Peer
 
	
  
Sumário
Introdução ..................................................................................................... 1
1. O turismo hoje, principais mudanças e necessidades por trás deste
mercado ......................................................................................................... 4
1.1. Turismo como mercado: o desejo contemporâneo por viajar e conhecer novas
experiências ............................................................................................................................. 6
1.2. Entendendo a necessidade por viagens ........................................................................... 7
1.2.1. Das necessidades por fisiologia e segurança ............................................................... 8
1.2.2. Das necessidades sociais e por estima ......................................................................... 9
1.2.3. Das necessidades por realização pessoal .................................................................. 11
1.3. O desejo por trás de uma viagem: alimentar uma busca interior ................................... 12
2. O consumidor do turismo na era digital: principais aspectos sobre a
influência da rede ....................................................................................... 13
2.1. Cadeia de valor do mercado de turismo no ambiente digital .......................................... 13
2.2. Funil de compra do turismo: antes e depois da escala digital ........................................ 14
2.3. O Loop da Lealdade e o fim da visão linear sobre o consumo ....................................... 18
3. Cibercaptalismo e a economia da informação ..................................... 23
3.1. Os novos paradigmas da economia da abundância ....................................................... 25
3.2. Capacidade de organização como diferencial competitivo ............................................. 32
3.3. Ação coletiva em torno de um interesse ......................................................................... 34
3.3.1. Organização coletiva no setor de Turismo, apresentação do TripAdvisor e seu modelo
de negócio baseado na participação ..................................................................................... 38
3.4. Fragmentação de mercado e a projeção da Cauda Longa ............................................ 42
3.4.1. Além dos agregadores: o Airbnb como viabilizador de um novo mercado .................. 45
3.5. Confiança na rede como força emergente do mercado de turismo ................................ 49
3.6. Modelo de estudo sobre os paradigmas da sociedade em rede e a valorização da
informação em plataformas de turismo ................................................................................. 52
4. Abordagem contemporânea do Capital Social .................................... 54
4.1. Definições acerca do capital social ................................................................................. 54
 
	
  
4.2. O capital social e o fenômeno da sociedade em rede: o modelo de organização de
interesses do TripAdvisor ...................................................................................................... 57
4.3. Controle, fortalecimento de laços e direcionamento aspiracional como forma de fomentar
a criação de capital social para realização de negócios no Airbnb ....................................... 62
Considerações finais................................................................................... 68
Referências bibliográficas ......................................................................... 71
Sitografia ..................................................................................................... 73
 
	
   1	
  
Introdução
O ato de viajar é essencialmente burguês e somente pode ser
massificado após uma série de avanços sociais e industriais – como o fim
das guerras mundiais e o advento da aviação comercial –, sua forma
comercial, o turismo, vive uma nova fase de transformações em decorrência
da sociedade hiperconectada.
As relações humanas sofreram profundas alterações com do acesso e
as constantes inovações tecnológicas das últimas décadas. Portanto, toma-
se como premissas alguns fatores que determinam o impacto direto deste
avanço. Dentre eles, o aumento crescente no processamento de dados
digitalizados, o que garante acesso a uma infinidade de dados e cruzamentos
informacionais; a Sociedade em Rede1
, cujo avanço é cada vez mais latente
e viabiliza um maior número de conexões pessoais e melhor arranjo em torno
de seus interesses; e, por fim, a possiblidade que a tecnologia e a rede
oferecem para que todo indivíduo ou organização possa terceirizar sua
memória, o que acaba por projetar ainda mais as relações humanas na rede.
Unir as transformações sociais provocadas pela tecnologia com os
seus impactos no mercado de turismo é a base deste trabalho. O primeiro
capítulo busca traçar um olhar sobre a essência do turismo, partindo das
necessidades que impulsionam uma viagem, com base em leituras
mercadológicas e filosóficas para entender esse desejo.
Em seguida, no segundo capítulo, busca-se concatenar diferentes
abordagens sobre o ritual de consumo para um melhor entendimento sobre a
cadeia de valor do mercado de turismo. Será mostrado que o consumidor de
hoje encara suas decisões transacionais sob uma lógica não hierárquica,
sugerindo uma nova visão sobre os caminhos percorridos e também novos
pesos sobre cada etapa.
Essa passagem já começa a indicar uma influência da rede na cadeia
de consumo. O Loop de Lealdade2
(tradução do autor) é uma reinterpretação
do Funil de compra e parte de uma dinâmica circular. A quebra da linearidade
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
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  Este	
  conceito	
  será	
  aprofundado	
  mais	
  adiante.	
  
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  Do	
  original,	
  Loyalty	
  Loop.	
  
 
	
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desse trajeto – criado no século XIX – sugere uma ideia de ciclo contínuo e
tem como premissa o consumidor hiperconectado, que convive com muito
mais informações e as manipula diariamente.
Dessa forma, inicia-se o terceiro capítulo com o objetivo de apontar os
fenômenos ocasionados pelo avanço digital e como eles podem ser lidos
como fatores competitivos para negócios no mercado de turismo baseados,
mais precisamente para plataformas de turismo. Sendo estes fatores a
organização de informações, a ação coletiva e o estímulo a projeção da
Cauda Longa3
.
Como forma de mostrar a eficiência dos fatores levantados, serão
usados dois modelos de negócio como objetos de estudo para observação do
desenvolvimento do que será apresentado daqui em diante: o TripAdvisor,
plataforma que concentra avaliações de turistas sobre destinos, atrações e
hospedagens; e o Airbnb, um agregador de pessoas dispostas a oferecer
espaço domiciliar para hospedar turistas.
O cruzamento entre sociedade em rede e mercado de turismo deverá
culminar na formação de um modelo de estudo que procura organizar os
fatores competitivos supracitados. Somar-se-á a este modelo a questão da
emancipação da confiança entre usuários como indício comportamental que
ajuda a explicar o sucesso de Airbnb e TripAdvisor.
As tentativas de agregar valor às interações correntes entre usuários é
o tema do quarto e último capítulo, que é dedicado a uma abordagem do
conceito de capital social projetado na rede, cuja análise sob o viés do
modelo de negócio de TripAdvisor e Airbnb só vem a legitimar as vantagens
competitivas dessa duas plataformas, que escalam seu circuito de
informações sob perspectivas diferentes, mas que partem dos mesmos
denominadores.
Enfim, a etapa conclusiva deste trabalho se dedica a fazer reflexões
sobre o caminho percorrido para provar a capacidade de inovação provocada
pelas duas plataformas e como são influenciadas pela escalada do
capitalismo informacional, hiperconexão social e empoderamento do
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
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  Este	
  conceito	
  será	
  aprofundado	
  mais	
  adiante.	
  
 
	
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indivíduo a partir da confiança interpessoal possibilitada pela rede – que
emancipa pessoas antes desconhecidas ao ponto de serem consideradas
ótimas fontes de informações e até aptas para realização de negócios.
 
	
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1. O turismo hoje, principais mudanças e necessidades por
trás deste mercado
O termo turismo possui suas origens no século XIX, porém esta
atividade estende suas raízes pela história. Certas formas de turismo existem
desde as mais antigas civilizações, mas foi a partir do século XX, mais
precisamente após a Segunda Guerra Mundial, que o turismo em escala se
desenvolveu.
O Doutor em geografia e economia, Helton Ouriques, em sua obra A
produção do turismo – fetichismo e dependência, levanta os principais fatores
que tornam o turismo viável como mercado e escalável mundialmente.
O turismo começa a existir enquanto atividade econômica, no momento em que os
equipamentos de transporte, comunicação e hospedagem foram se instalando nos territórios.
Essa atividade é tão flexível quanto a sociedade, e ela vinha se transformando na medida em
que as estruturas sociais modificam suas dinâmicas de funcionamento. (OURIQUES, 2005,
p.30).
No entanto, até algumas décadas atrás, a participação no turismo
estava restrita a uma elite, que dispunha de tempo e de dinheiro para realizar
suas viagens. Atualmente, turistas se deslocam por vários fatores que
permitem o seu distanciamento de sua casa e rotina, objetivando o seu bem
estar e constituindo parte do estilo de vida capitalista.
Segundo a WTTC, em 2013, a contribuição direta do mercado de
Viagens e Turismo – que contempla o mercado de hotelaria, transporte,
entretenimento, atrações voltadas para o turismo, entre outros – movimentou
1,9 trilhões de dólares no mundo todo. O valor representa 2,8% do Produto
Global Bruto. Considerando a contribuição indireta, que contempla os
mercados de bens não duráveis, como restaurantes, eventos esportivos e
demais estruturas que retém dinheiro do turismo, além de investimento
governamental nessa área; este mercado foi responsável pela movimentação
de 6,3 trilhões de dólares, ou 9,1% do produto global bruto (World Travel and
Tourism Council Competitives Report, 2013. pp. xxiii).
Além disso, são mais de 254 milhões de empregos direta e
indiretamente criados em 2013, correspondendo a 8,7 % do total de
 
	
   5	
  
empregos gerados ao redor do mundo. No mesmo ano foram investidos mais
de 743 bilhões de dólares nesse setor, em torno de 4,9% do total de
investimentos movimentados mundialmente (idem, 2013. pp. xxiii).
Os países que mais movimentam turistas indicam que não há
necessariamente uma relação entre desenvolvimento e potencial turístico em
uma nação, como demonstra a tabela abaixo.
Tabela 1.1 – Classificação dos principais países-destino de turistas no
mundo, entre 2007 e 2010.
Posição País
Chegadas de
turistas
internacionais em
2010
Chegadas de
turistas
internacionais em
2007
Variação
2007 - 2010
1 França 76,8 80,9 -5,07%
2 Estados Unidos 59,7 58,7 1,70%
3 China 55,7 54,7 1,83%
4 Espanha 52,7 56 -5,89%
5 Itália 43,6 43,7 -0,23%
6 Reino Unido 28,1 30,9 -9,06%
7 Turquia 27 22,2 21,62%
8 Alemanha 26,9 24,4 10,25%
9 Malásia 24,6 21 17,14%
10 México 22,4 21,4 4,67%
Total mundial 940 904 3,98%
Fonte: UNWTO, Tourism Highlights - 2011 Edition	
   (June	
   2011).	
  Organização Mundial de
Turismo.	
   Disponível:	
   <	
   http://mkt.unwto.org/sites/all/files/docpdf/unwtohighlights11enhr.pdf..>.
Acesso em: Agosto de 2014.
 
	
   6	
  
Dentro de seu mercado mundialmente relevante, o turismo é praticado
em diversas escalas e cresceu muito após o período de industrialização,
possuindo um grande potencial de expansão a partir do aumento da
concentração de renda nas classes médias e nos países estáveis
economicamente (OMT, 2011).
Adiante serão expostas quais são as motivações contemporâneas
ligadas ao desejo de viajar. Depois, como os fenômenos comunicacionais e
culturais provocados pela sociedade em rede contribuem para o aumento e
transformações desse mercado.
1.1. Turismo como mercado: o desejo contemporâneo por
viajar e conhecer novas experiências
O ato de viajar é uma das atividades mais recompensadoras enquanto
experiência de consumo. Sua consumação é influenciada pela escala
tecnológica, mas sua essência vivencial se mantém fiel às bases ancestrais
que moldaram a civilização ocidental, como procura demonstrar o filósofo
Alain de Botton: “Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade,
talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio
— com toda a sua empolgação e seus paradoxos — quanto o ato de viajar.”
(DE BOTTON, 2012, p.17).
O ato de viajar envolve uma série de trocas e geração de valores. Por
isso, a cadeia por trás de uma viagem pode também ser vista como parte do
mercado de turismo. A OMT define o turismo como o conjunto de “atividades
que as pessoas realizam durante suas viagens e permanência
em lugares distintos dos que vivem, por um período de tempo inferior a um
ano consecutivo, com fins de lazer, negócios e outros” (OMT, 1995, p.10).
A definição é genérica e abrangente, pois o mercado de turismo se
ampliou muito após a estabilização da sociedade de massa pós-industrial,
onde indivíduos possuem mais tempo livre e direitos para gozar do dinheiro
que arrecadam. Como sustenta o sociólogo Jofre Dumazedier, autor do livro
Lazer e Cultura Popular, “a diminuição da duração do trabalho iria
 
	
   7	
  
desenvolver-se, aos poucos, na classe operária, uma aspiração pelo lazer,
mais ampla e também mais profunda” (DUMAZEDIER, 2001, p.265) – ou
seja, o aumento populacional e a concentração de renda da classe média
urbana fizeram do ato de viajar um bem acessível.
Com tempo e dinheiro somados a fatores globais, como o fim das
Guerras Mundiais, a globalização, o acesso massivo à aviação comercial e o
desenvolvimento de modelos de mídia de massa, favoreceram a criação de
uma cultura de consumo na classe média assalariada, à qual o turismo passa
a fazer parte do seu rol de bens e parte da busca desenfreada pela qualidade
de vida.
1.2. Entendendo a necessidade por viagens
O turismo segue a lógica capitalista como produto fruto de uma cadeia
de valor capaz de suprir uma série de necessidades humanas, como se pode
observar a partir da Pirâmide de Hierarquia de Necessidades 4
concebida
pelo psicólogo Abraham Maslow (1943) – um dos modelos mais tradicionais
de categorização de desejos –, que ajuda a entender como esse mercado se
desenvolve e a quais níveis hierárquicos de necessidades humanas ele
atende.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
4	
  Também	
  conhecida	
  como	
  Pirâmide	
  de	
  Maslow	
  
 
	
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Figura 1.2.1. – Pirâmide de Maslow.
Fonte: MASLOW, Abraham H. A Theory of Human Motivation (1943), gráfico criado pelo
autor.
1.2.1. Das necessidades por fisiologia e segurança
Uma viagem, enquanto deslocamento, contempla a busca por
necessidades fisiológicas e de segurança, mas não é feita para sanar tais
desejos especificamente. Por mais que sem segurança e condições
fisiológicas não há turismo, não é possível imaginar um mercado massivo e
global que desconsidere fatores básicos para a sua realização, como
estrutura de hospedagem, transporte, saneamento, alimentação, etc.
Uma viagem de turismo é acima de tudo, um ato de lazer. Não é
concebível que um turista médio viaje em busca de abrigo, por exemplo. O
turista tem objetivos ligados a negócios ou diversão e, num limite, isso pode
ser alcançado através de fugas ou rupturas com a sua realidade, sendo o
retorno uma marca do ato de viajar – de outra maneira, o turista poderia ser
considerado um refugiado ou migrante.
 
	
   9	
  
Necessidades ligadas a base da Pirâmide de Maslow podem sim ser
um principal motivador para o turismo. Existe um mercado onde o objeto de
turismo se encerra na própria estrutura de hospedagem. Também é preciso
levar em conta o turismo gastronômico, no qual a alimentação é o principal
motivo para a viagem. Mas seria limitador considerar que, por exemplo, a
necessidade para matar a sede e assegurar o preparo físico fazem milhares
de pessoas viajarem para regiões vinícolas ou para SPAs.
A finalidade da viagem pode até ser arraigada em necessidades
fisiológicas e de segurança – inclusive, considera-se condições adversas
como parte do lazer –, mas certamente, o ato de viajar também está ligado
muito mais às necessidades apresentadas no topo da pirâmide.
1.2.2. Das necessidades sociais e por estima
A partir do terceiro e quarto degraus da Pirâmide de Maslow, já se
começa a ligar o comportamento do viajante com respostas ligadas às
necessidades mais supérfluas e, ao mesmo tempo, mais contemporâneas à
sociedade urbana e pós industrial. Aqui identificamos o valor que a
experiência de viagem conjuga ao viajante.
Dentro das necessidades sociais, uma viagem é prioritariamente um
ritual de esvaziamento e preenchimento. O turista se desloca para uma
cultura diferente da sua para descobrir e vivenciar algo novo. No que diz
respeito a necessidade por relacionamentos pessoais (a amizade e a
intimidade sexual), vale abrir uma reflexão sobre as viagens feitas sem
companhia, aquelas feitas com entes conhecidos e aquelas onde o viajante
se empenha em socializar com seu entorno.
De Botton expõe que a viagem feita solitariamente tem uma proposta
inabalável: a possibilidade de manter a personalidade imaculada – que de
certa forma se “blinda” diante da interferência direta de pessoas às quais não
se poderia ignorar se estivesse realizando uma viagem acompanhado.
Viajar sozinho parecia uma vantagem. Nossa reação ao mundo é decisivamente
moldada pelas pessoas que nos acompanham, trabalhamos nossa curiosidade para nos
adaptarmos às expectativas de outros. Eles podem ter uma visão específica a nosso
 
	
   10	
  
respeito, impedindo sutilmente que se manifestem certos aspectos de nossa personalidade
[...] Observados de perto por alguém, podemos nos sentir inibidos quanto à observação de
outros, preocupados em nos adaptar às perguntas e aos comentários de quem nos
acompanha, compelidos a parecer mais normais do que seria bom para nossa curiosidade.
(DE BOTTON, 2012, p.187)
No entanto, cabe colocar que a companhia muitas vezes motiva uma
viagem e, por mais que a preservação da personalidade e o zelo com a
curiosidade individual sejam questões relevantes, muitas vezes estas não
superam a necessidade de acompanhamento para compartilhar os benefícios
de uma viagem.
Já as necessidades por estima são preenchidas numa viagem a partir
do momento em que o turismo é assimilado como serviço de troca de
contextos e rotinas. Uma pessoa viaja por inúmeras finalidades, mas em
todas estará abrindo mão da sua zona de conforto e colocará em prova sua
confiança, inteligência, agilidade e disposição.
Ao aceitar uma viagem, o turista será justamente um estranho e
precisa arcar com os benefícios e malefícios que essa condição venha a lhe
trazer. Ele participa de um ritual de desbravamento, há um papel fundamental
do novo entorno em ser assimilável ou, ao menos, compreensivo para que o
turista o explore. E esse ritual de ser um estranho num ambiente adverso que
traz o encanto do turismo, podendo ser colocado em paralelo com a
comunicação humana contemporânea, como pontua Pierre Lévy no artigo A
revolução contemporânea em matéria de comunicação:
A frequência crescente das nossas viagens, a eficiência e o custo decrescente dos
nossos meios de transporte e de comunicação, as turbulências de nossas vidas familiares e
profissionais, fazem-nos explorar progressivamente um terceiro estado, “móvel”, na
sociedade urbana mundial. Esta nova condição “móvel”, multiplicando os contatos, contribui
para o reencontro e a reconexão da humanidade consigo mesma. (LÉVY, 1999, p.186-187)
Para o filósofo francês, o reencontro do indivíduo consigo mesmo é
possibilitado pelo surgimento de novos meios de comunicação e crescente
inovação tecnológica, o que acaba por aumentar o preenchimento de
necessidades sociais – como, por exemplo, na conexão com pessoas, novos
códigos assimilados, ritual de desbravamento e coleta de informação sobre
 
	
   11	
  
lugares – e de reconhecimento e estima, que pode ser visto no ato de
compartilhar e contar a história de uma viagem para os outros.
O autor será revisitado mais adiante, na questão da Cibercultura como
conceito e as eventuais definições e influências da sociedade
hiperconectada, onde o mercado de turismo será posta sob análise; mas por
hora, usa-se o ponto de vista sobre o turismo e a realização social
explanados por Lévy, que são suficientes para se concluir que há uma
grande relação entre o ato de viajar – a sua condição móvel – com os
desejos da sociedade contemporânea.
1.2.3. Das necessidades por realização pessoal
A camada mais alta ligada à realização pessoal é descrita por Maslow
como uma etapa onde o desejo é "ser tudo o que somos capazes de ser,
desenvolver os nossos potenciais" (MASLOW, 1943). Nota-se que o impacto
de uma viagem não leva necessariamente à igualdade social ou à ausência
de preconceito e pleno bem estar social – necessidades também encontradas
no quinto degrau da Pirâmide de Maslow.
Considera-se que enquanto turistas, há uma sublimação desse tipo de
desejo uma vez que a experiência da viagem dá menos peso aos
sentimentos de igualdade, justiça e moralidade – de outra forma, turistas de
países de primeiro mundo não iriam se interessar em visitar países de
terceiro mundo.
O tempo gasto numa viagem, justamente por ser dedicado a uma nova
rotina e a um novo contexto de vida, tende a garantir maior espontaneidade,
novas descobertas e a abertura de uma mente mais criativa, influenciada
pela troca de contextos. Portanto, a necessidade por realização pessoal é
preenchida pelo turismo num âmbito muito mais ligado à abertura de novas
possiblidades e novas experiências do que em relação à harmonia e à
supressão de problemas morais e sociais.
 
	
   12	
  
1.3. O desejo por trás de uma viagem: alimentar uma busca
interior
Como conclusão, há no turismo um dos poucos mercados – se não o
único – com total capacidade para nutrir todas as necessidades da Pirâmide
de Maslow em escalas diferentes. Porém, com a possibilidade de legitimação
de cada uma delas. São supridas inúmeras necessidades ao viajar e isso faz
de tal mercado ser tão interessante para o capitalismo.
No mercado de turismo notam-se diversos produtos e serviços
consumidos, mas o que realmente se procura é o todo que eles representam:
uma experiência de vida por um período de tempo limitado. O ato de viajar,
como insinua De Botton, é muito mais ligado a um exercício mental, que pode
significar em outras palavras “o estado de espírito do viajante”.
O prazer que extraímos das viagens talvez dependa mais do estado de espírito em
que viajamos do que do destino. [...] Se pudéssemos aplicar o estado de espírito de quem
viaja aos nossos lugares, constataríamos que esses lugares não são menos interessantes do
que os desfiladeiros em montanhas altas e as florestas cheias de borboletas da América do
Sul vista por Humboldt. (DE BOTTON, 2012, p.184)
Este estado de espírito não é provocado pela compra de uma
passagem ou após um jantar numa viagem, mas pela consumação do ato de
viajar e todas as sensações que ele evoca. O todo possui um efeito muito
superior ao que é individual. Portanto, por trás de todas as necessidades que
uma viagem pode suprir, sair em busca de algo novo para dar conta do
tempo ocioso vêm do desejo de preenchimento interior, mais que um produto
ou serviço, compra-se uma experiência de vida.
 
	
   13	
  
2. O consumidor do turismo na era digital: principais
aspectos sobre a influência da rede
Aqui, o objetivo é compreender o comportamento do consumidor na
era digital, que precisa lidar com inúmeras decisões e, para tanto, assimila e
usa as informações disponíveis de uma maneira inédita nos anos recentes.
Inicia-se esse capítulo com um olhar próximo da cadeia de valor do
mercado de turismo, que mostrará a pluralidade de transações envolvidas no
consumo do turismo. Será mostrado como o excesso de compras é maior
que o período dedicado a viagem e como isso pode ser beneficiado pela
facilidade de acesso a informação provocada pela rede.
Em seguida, o olhar será direcionado para o consumidor sob a
perspectiva do mercado. Uma série de transformações marcaram o processo
de tomada de decisão e a emancipação da sociedade em rede é o principal
deles. O cenário digital coloca o ritual de consumo sob uma nova perspectiva:
agora mais circular e não hierárquica, como era sugerido desde o século XIX.
Este novo consumidor tem mais poder e quer se relacionar mais com
as marcas, ele recebe inúmeras mensagens e pesquisa informações com
frequência, confiando mais em opiniões pessoais do que naquelas
propagandeadas. Os novos paradigmas de mercado que serão apresentados
adiante são essenciais para compreensão das transformações provocadas
pela rede no mercado de turismo, que serão abordados na terceira parte
deste trabalho.
2.1. Cadeia de valor do mercado de turismo no ambiente
digital
Uma viagem é um conjunto de serviços adquiridos em diversas
etapas, cujas fontes de consumo são descentralizadas e horizontais.
Consideram-se as fontes descentralizadas, pois a cadeia de consumo se
divide em mercados de oligopólios, como o de passagens aéreas, e ora em
mercados extremamente pulverizados, como o de agências de turismo.
 
	
   14	
  
E são horizontais, já que uma viagem é um serviço com alto poder de
customização e cuja de valor vai além da viagem em si. Há um “antes”, um
“durante” e um “depois”, que são desfrutados em diferentes setores ao longo
de cada processo.
Figura 2.1.1. Cadeia de Valor do mercado de turismo.
Antes Durante Depois
Reserva Transporte Provisão
de
recursos
Transpor
te
Atrações Compras
/
consumo
Conversões Avaliação
Hotéis,
pacotes
Passagens
aéreas e
outros
modais
Moedas,
documentaçã
o
Deslocame
n-tos
locais
Passeios,
construçõ
es,
natureza,
etc.
Presentes,
refeições
Moedas,
milhagem
Resenhas,
avaliações
Fonte: gráfico feito pelo autor.
Por mais que encontre-se iniciativas de verticalização, como a venda
de pacotes completos de viagem (passagem, estadia e passeios),
indiretamente não é possível condensar todos os serviços que uma viagem
oferece. Portanto, para não consumir a análise em todos os mercados
envolvidos pelo turismo, a seguir, será mostrado como a digitalização do
Marketing infere nos processos de aquisição de uma viagem.
2.2. Funil de compra do turismo: antes e depois da escala
digital
No ano de 1898, Elias St. Elmo Lewis, publicitário americano,
concebeu uma linha de pensamento para orientar marcas a entender as
etapas de uma venda e poder concentrar esforços diferentes para momentos
diferentes da relação entre consumidor e marca. Essas diretrizes foram
assimiladas na época e, em 1925, reunidas por Edward K. Strong, que
 
	
   15	
  
condensou os pensamentos de Lewis no formato que hoje é conhecido por
modelo AIDA.
Figura 2.2.1. – Modelo AIDA.
Fonte: STRONG, Edward K. Strong. The Psycology of selling and advertising (1925), gráfico
criado pelo autor.
Lewis resumia os propósitos do modelo AIDA em uma frase: “Consiga
atenção, mantenha o interesse, crie desejo e incentive a ação” (LEWIS,
1898). As etapas do modelo, que também pode ser entendido como “Funil de
Compra”, podem ser analisadas de maneira mais criteriosa individualmente e
até hoje mantém suas bases atuais.
A busca por atenção sugere que uma marca procure estar onde seu
consumidor está e, a partir desse ponto de contato, estabeleça uma linha de
comunicação com ele. A etapa de interesse começa no momento em que o
consumidor entende as características sobre o produto ou serviço e pode ser
estimulado a priorizar uma marca da outra a partir do trabalho de diferentes
mensagens que o conectem com a marca.
Atenção
Intenção
Desejo
Ação
 
	
   16	
  
Já o desejo pode ser estimulado através de inovações de produto,
propostas diferenciadas de comunicação e/ou posicionamento. E a etapa de
“Ação” tem como principal característica a criação de uma oferta que se
mostre irresistível ao consumidor.
No entanto, entre uma etapa e outra do AIDA outras podem ser
abertas, como consequência da profissionalização do Marketing e do
aumento de pontos de contato do consumidor, prioritariamente da acessão
da TV e Rádio como meios de grande alcance e considerando a ascensão e
influência da mídia digital.
Kotler e Keller (2012) elencam outros modelos que foram
estabelecidos a partir da evolução do AIDA e que são baseados na sua
influência, sendo o principal deles, o Modelo de Hierarquia dos Efeitos, criado
por Robert Lavidge e Gary Steiner em 1961.
Figura 2.2.2. – Modelo AINDA X Modelo de hierarquia de efeitos.
Fonte: KOTLER, Philip & KELLER, K. L. Administração de Marketing (2012), gráfico criado
pelo autor.
A ampliação do Funil indica que o consumidor muda de
comportamento à medida que os estudos mercadológicos se sofisticam. As
etapas de Lavidge e Steirer podem ser tidas como uma visão mais
Atenção	
  
Intenção	
  
Desejo	
  
Ação	
  
Consientização	
  
Conhecimento	
  
Simpatia	
  
Preferência	
  
Convicção	
  
Ação	
  
 
	
   17	
  
segmentada e propícia à atuação mais qualificada, mas não fogem dos
preceitos de Lewis.
No entanto, as leituras sobre o movimento de consumo diante do novo
cenário midiático, onde o consumidor passa a usar a rede para consumir
informações e entrar em contato com opiniões de outras pessoas em maior
escala. A importância de serviços pós venda, que acenem para uma
continuidade do consumo através do relacionamento assumem uma grande
influência sobre futuras transações.
Neste cenário, a publicação Harvard Businnes Review (2006) propôs o
alongamento do Funil e a segmentação de esforços, dividindo atribuições de
competência do Marketing das que fazem parte da equipe de vendas.
Figura 2.2.3. – Funil de Compras, atribuições do Marketing e de Vendas.
Fonte: Harvard Business Review (2006). Disponível em: <http://hbr.org/web/special-
collections/insight/marketing-that-works/end-the-war-between-sales-and-marketing>. Acesso
em: Agosto de 2014.
 
	
   18	
  
Esse modelo sugere maiores esforços de vendas para a marca se
manter próxima ao consumidor após a compra, fazendo com que ele volte a
consumi-la ou recomende seus produtos. Antes de tomar uma decisão, o
consumidor conta com mais pontos de contatos para obter informações sobre
um produto e também ele qualifica esses pontos de contato e os emissores
dessas mensagens (amigos, imprensa, marcas, concorrentes, etc.) de
maneiras diferentes.
2.3. O Loop da Lealdade e o fim da visão linear sobre o
consumo
O Funil de Compras ajuda a entender e diferenciar o que é de
responsabilidade do Marketing do que é de Vendas, mas sua projeção em
linha onde o consumo de mídia varia de acordo com as etapas e
considerando o duelo diário e agressivo pela atenção das pessoas em todos
os meios, não há como dizer que suas etapas são concomitantes. A
velocidade das informações e o dinamismo do mercado colocam em xeque a
lógica hierárquica para compreender o comportamento do consumidor.
A consultoria McKinsey (2012) realizou uma pesquisa com o caminho
até a compra de 20.000 consumidores, envolvendo cinco indústrias e três
continentes. E, como principal resultado, ela mostrou que a ideia de um
caminho reto até a tomada de decisão é falha no mercado contemporâneo.
Segundo a consultoria, o aumento de marcas diferentes, facilitado pela
ativação de novas mídias, faz com que o consumidor seja seletivo mesmo na
primeira etapa de “Atenção”. No entanto, ao entrar em estágios ligados à
consideração e preferência, onde o consumidor tende a aprofundar seus
conhecimentos sobre determinadas marcas, ele pode incluir uma nova
marca, já que volta a olhar ao setor com mais informações e decisões
estabelecidas.
Por fim, e como ponto mais relevante, a pesquisa realça o aumento do
poder do consumidor, cujas mensagens passam a exercer uma influência
maior do que as tentativas de conversas lideradas por marcas. Segundo a
 
	
   19	
  
McKinsey, dois terços dos pontos de contato acionados pelos pesquisados
durante o seu ritual de compra tinham a ver com o acesso a opiniões de
terceiros, como busca por resenhas de outros usuários e conversas com
amigos.
Figura 2.3.1. – Pontos de contato mais influentes (y) durante a jornada do
consumo (x).
Fonte: McKinsey 2012. Disponível em:
<http://www.mckinsey.com/insights/marketing_sales/the_consumer_decision_journey>.
Acesso em: Setembro de 2014.
O papel da pós venda, segundo o estudo, pode ter dois vieses
diferentes. Divide-se os consumidores interessados em benefícios após a
compra e também aqueles interessados em se relacionar com a marca. Essa
manutenção de relacionamento individual com os consumidores é um dos
maiores desafios para as marcas atualmente e, não era previsto no modelo
AIDA e em suas releituras.
Dessa forma, a sugestão da McKinsey está na criação de um ciclo de
consumo, que pode ser virtuoso em duas medidas: (i) a partir do momento
em que uma marca consegue figurar no painel de marcas consideradas – ou
entrar nesse rol antes da decisão final e se fazer consumida – e (ii) a partir do
 
	
   20	
  
momento em que, feita a compra, as marcas saibam como estimular o
relacionamento com consumidores para fazer com que eles retornem e
espalhe boas opiniões sobre ela. Considera-se não só que os consumidores
têm o poder de espalhar suas opiniões, mas que eles também esperam
respostas das marcas, o que torna um serviço de pós venda e presença
digital muitas vezes tão importante quanto a presença do produto nas lojas.
O modelo Loop da Lealdade propõe um ciclo que começa no
conhecimento da marca e que pode se tornar virtuoso a partir da recompra
ou da indicação para outras pessoas.
Figura 2.3.2. – Loop da Lealdade, ciclo virtuoso de consumo.
Fonte: McKinsey 2012 Disponível em:
<http://www.mckinsey.com/insights/marketing_sales/the_consumer_decision_journey>.
Acesso em: Setembro de 2014.
Este modelo considera apenas quatro etapas. A primeira diz respeito a
uma escolha inicial de marcas, baseado principalmente no conhecimento que
 
	
   21	
  
se tem do setor, o que poderia se passar pelas etapas de “Atenção” no
modelo AIDA. Acima de tudo, o início do ciclo trata o reconhecimento da
necessidade de consumo por marcas e não o seu conhecimento. Pressupõe-
se que, com tanta exposição, a necessidade já pode ser representada a partir
de uma seleção inicial de marcas, não havendo necessidades inéditas,
apenas novos estímulos.
A seguir, a etapa de “Avaliação Ativa” (Active Evaluation) considera a
postura ativa do consumidor na busca de informações e avaliações. Essa
etapa mescla as fases de Consideração e Desejo do AIDA, num exemplo
nítido de que o consumidor não se rege por etapas hierárquicas, mas conduz
a sua decisão num processo de organização individual em meio a tantas
informações.
A terceira etapa (Moment of Purchase) é um momento cada vez mais
frágil, já que a capacidade de interferência é maior nos dias atuais. Marcas
podem focar suas estratégias somente para essa etapa, oferecendo produtos
substitutos ou ofertas mais competitivas. Segundo a consultoria, muitas
vezes o esforço de levar o consumidor até a etapa final não é recompensado.
Feita a transação, começa a experiência com o produto, que, em um
cenário de “empoderamento” do consumidor, pode ser determinante para que
haja reincidência e para que a marca entre no rol de consideração inicial de
outras pessoas. Por mais que o tempo de consumo possa ser pequeno, as
percepções dos consumidores podem ficar registradas na rede e serem
acessadas a qualquer momento. Por isso, a reputação de uma marca é
fundamental para o seu sucesso. Dentro do viés do mercado de turismo, o
Loop de Lealdade possui grande relevância, já que ele considera a profusão
de mídias e a influência da opinião de terceiros durante a jornada de
compras.
É preciso ter em mente que a consumação de uma viagem começa na
decisão do destino final ou, ao menos, numa ideia do caminho que será
percorrido. Feita essa decisão é que se passa a adquirir os serviços para que
essa experiência tome forma. Dessa forma, podemos aplicar essa técnica
 
	
   22	
  
tanto para a decisão de destinos quanto para ocasiões mais transacionais da
viagem, como a compra de passagens e escolha de hotéis.
Entende-se que o modelo circular e com menos etapas que o Funil
(linear) coloca a mudança comportamental da sociedade em rede como força
transformadora no consumo. O excesso de informações e o poder de
influência das pessoas durante o processo de consumo serão analisados a
seguir junto aos fatores chave que fazem com que plataformas de turismo se
aproveitem destes fenômenos.
 
	
   23	
  
3. Cibercaptalismo e a economia da informação
Após uma análise do mercado de turismo, passando por suas
premissas básicas e uma visão contemporânea do comportamento
transacional do consumidor, beneficiado pela rede, busca-se agora entender
o fenômeno da conectividade dentro do mercado da informação e seus
impactos no capitalismo.
Informação e turismo hoje formam mercados completamente distintos
do que há 50 anos atrás. Além da questão das mudanças ocasionadas pela
tecnologia, a influência (direta e indireta) da informação no mercado de
turismo será posta em análise. O caminho desta leitura começa nas
transformações que fizeram da informação um fator disruptivo no sistema
capitalista e seguirá em direção aos novos paradigmas da informação e seus
impactos no mercado de turismo.
A principal resposta desse estudo não está no enquadramento do
mercado de turismo dentro de um esquema que dialogue com modelos de
análise de marketing clássicos, como as cinco forças de Porter, mas na
conjunção de fenômenos da sociedade em rede, que em um viés de negócio,
são fatores competitivos para a TripAdvisor e a Airbnb, duas plataformas de
grande projeção mundial no mercado de turismo, cujo modelo de negócio é
baseado no capitalismo informacional.
Para facilitar essa visão, ao final desse capítulo será criado um modelo
de estudo com os principais paradigmas que devem ser considerados para o
estudo dos modelos de negócio similares ao TripAdvisor e Airbnb
A primeira parte da análise será uma introdução ao cenário atual do
capitalismo informacional, cuja abundância proporcionada pela rede é capaz
de mudar uma série de indústrias e não só aquelas diretamente ligadas à
computação.
A seguir, inicia-se a análise com uma reflexão sobre o ideal de
organização do indivíduo da rede, um fenômeno enraizado na Cibercultura
(Lévy, 2010). Se em rede as informações compõem um sistema universal
sem totalidade, todos são atores na rede e dela podem extrair sua própria
ordem. Levando em conta de que uma viagem é consumida com
 
	
   24	
  
planejamento e pesquisas prévias, ou seja, informações antes para decidir
depois, a capacidade de organizar informações é encarada como vantagem
competitiva no mercado de turismo. Em seguida, mostraremos o fenômeno
da participação e capacidade de organização descentralizada. A partir de
interesses individuais e o oferecimento de ferramentas adequadas, indivíduos
se capacitam para se organizar em comunidades virtuais e delas se
beneficiarem coletivamente.
O fator determinante para essa organização está no valor que o
assunto oferece aos seus interessados. Complementando a capacidade de
organização, a ação coletiva é relevante para o mercado de turismo, pois a
vontade de organização, somada a fatores como tempo ocioso, acesso à
tecnologia, capacidade de influência e o retorno pela participação, explicam
porque as informações proliferam entre indivíduos na rede e aumentam seu
valor no mercado de turismo.
Por fim, será feita uma reflexão que começa no conceito de
“Capitalismo da Informação”, cunhado por Castells (1999), para se entender
como a aparelhagem tecnológica ajudou na criação de vantagens
competitivas por meio da capacidade processual de informações, o que
permitiu que mais organizações pudessem dar mais sentidos às mesmas
informações – efetivando a criação de mercados paralelos aos já existentes.
A visão de Castells será somada às teorias de Anderson (2006 e 2009) sobre
a Cauda Longa e a emancipação de dois mercados muito caros ao turismo:
os agregadores e a profissionalização de iniciativas amadoras.
Encerramos a análise a partir de uma tendência que pode ser
considerada como fator diferencial junto ao mercado de turismo na rede: a
confiança. Aqui, pretendemos elevar o ideal de que a confiança é a peça-
chave para qualquer relação virtual e colocamos a confiança entre indivíduos,
mediada por organizações, como uma grande oportunidade dentro do
capitalismo informacional.
 
	
   25	
  
3.1. Os novos paradigmas da economia da abundância
Considerando a escrita e seus impactos na maneira de como a
sociedade é organizada, o surgimento da tecnologia digital permitiu uma nova
revolução na maneira como a humanidade trabalha com a informação.
Enquanto a escrita permitiu que o conhecimento se desvinculasse da
cultura oral, permitindo com que sua transmissão pudesse ser arquivada e
retransmitida por anos sem se perder, a emancipação do digital transformou
todo o conhecimento criado em qualquer meio computável, ou seja, cuja
propriedade pudesse ser registrada em sistemas eletrônicos e encontradas
de qualquer ponto com conexão a rede.
Em rede, informações que podem ser digitalizadas passam a ser
facilmente escaladas, arquivadas, deturpadas, referenciadas e,
principalmente, acessadas. Não há como impedir a reprodução de
informações digitais, uma vez que qualquer indivíduo possui a capacidade
para se tornar veículo e receptor de mensagens.
À medida que o ciberespaço permeia a civilização, mais informações
entram para a rede e menos controle é possível se estabelecer sobre elas. A
cobertura da rede parte de um caráter dominante e excludente, já que não há
uma reversão da digitalização e uma vez digitalizado, determinada sociedade
ou indivíduo se diferencia dos demais por possuir acesso a um novo
paradigma informacional.
Além da redução irresistível do custo pela informação, também nota-se
a queda no valor dos sistemas e estruturas que a armazenam. Chris
Anderson, em seu livro A Cauda Longa (2006, p.143) coloca o aumento
exponencial da capacidade dos processadores para delimitar processos e
arquivar informações – avanço credenciado da lei de Moore (1965) – como
base para a inserção ilimitada de informações na rede. Como o aumento de
informações é vertiginoso e desenfreado, notamos uma abundância de
informações antes nunca vivida pela humanidade. Já no livro Free (2009),
Anderson chama esse momento de “Economia da Informação”, que parte do
princípio de que a informação, hoje, é abundante e não encontra uma
demanda capaz de dar conta dela mesma.
 
	
   26	
  
O autor vai além, “As tendências para preços no longo prazo são
determinadas pela própria tecnologia, e o quão mais esta é comoditizada
(sic), menor mais barato será o preço.”5
(ANDERSON, 2009, p.93, tradução
do autor), e dá a entender que todos aqueles mercados que possuem em
dados um fator determinante para a sua geração de valor tendem a ter seus
preços reduzidos a medida que o avanço tecnológico culmina na redução dos
seus da produção e processamento de informações, como é o caso do
mercado de turismo.
A abundância generalizada já era conceituada por diversos
pensadores antes e após a revolução industrial. De Marx a Keynes, as
relações entre o capitalismo e seus recursos sempre foram foco de inúmeras
discussões. No entanto, o excesso de informações na rede, seu constante
aprimoramento e aumento exponencial no número de produtores (indivíduos
conectados) sugere um processo de transformação irreversível.
O movimento de expansão dos limites da tecnologia, baseado nas
premissas do capitalismo industrial de produzir cada vez mais onerando
menos custos projeta os custos operacionais da informação sempre para
baixo (ANDERSON, 2009, pp. 91-93).
Como consequência, todos os mercados baseados na troca de
informações deverão passar por mudanças. Alguns setores já acusaram o
golpe, como a indústria fonográfica, em que o aparato digital reduziu
drasticamente o valor de mercado das músicas – que passaram a ser
facilmente acessadas e, consequentemente, reproduzidas entre usuários
sem necessariamente creditar os detentores de cada obra.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
5	
  Citação	
  original:	
  “But	
  the	
  long-­‐term	
  pricing	
  trends	
  are	
  determined	
  by	
  the	
  technology	
  itself	
  –	
  the	
  
more	
  there	
  is	
  of	
  a	
  commodity,	
  the	
  cheaper	
  it	
  will	
  be.”	
  (ANDERSON, 2009, p.93)	
  
 
	
   27	
  
Figura 3.1.1. – Volume de acesso a música por meio e valor atribuído a cada
meio de reprodução fonográfica no mercado dos Estados Unidos entre 1998
e 2012.
Fonte: RIAA, Recordo Industry Assossiation of America (2012). Disponível em:
<http://www.statista.com/chart/1075/the-digital-music-revolution>. Acesso em: Agosto de
2014.
 
	
   28	
  
Outros mercados estão com essa transformação em processo, como é
o caso da indústria da publicidade. A década de 2020 deverá marcar o
momento em que o investimento publicitário em mídias digitais vai superar
aqueles feitos em meios tradicionais, como TV, rádio e a mídia impressa no
mercado dos Estados Unidos.
Figura 3.1.2. – Projeção sobre o total de investimentos publicitários por meio
no mercado dos Estados Unidos.
Fonte: eMarketer.com (2014). Disponível em: <http://www.emarketer.com/Article/US-Total-
Media-Ad-Spend-Inches-Up-Pushed-by-Digital/1010154>. Acesso em: Agosto de 2014.
Além do maior tempo de permanência dos usuários na rede, o
ambiente digital consegue concentrar as informações que antes só eram
encontradas nos meios ditos tradicionais. Isso permite com que o antes
espectador de um programa de TV, por exemplo, possa acessar o mesmo
conteúdo quando e de onde quiser, independente da grade de programação.
 
	
   29	
  
O futuro indica que mais mercados, ainda mais distantes do
processamento de dados e consumo de informações, venham a sofrer com a
digitalização da sociedade. Como, por exemplo, o mercado de imóveis, uma
vez que as pessoas hiperconectadas, precisaram cada vez menos se
deslocar para o trabalho e também precisarão de casas mais eficientes para
atender às suas demandas por conexão.
A mudança provocada pelas informações em abundância e sua livre
circulação não ocorre em fases – um setor após o outro –, mas a partir da
maturação da tecnologia junto a um determinado mercado e da capacidade
de adoção em escala da mesma (ANDERSON, 2009, pp. 91-93).
Como exemplo prático, tomemos o mercado de turismo, onde
podemos inferir que o acesso à internet via dispositivos móveis, cuja
penetração é crescente, poderá tanto aumentar o volume de informações e
influenciar diretamente nas transações, como também poderá impulsionar
uma nova interface de compras em mercados cujo consumo móvel é uma
realidade, como o de viagens.
A expansão da conectividade móvel, pode fazer com que as opiniões
de outras pessoas possam ser acessadas em qualquer lugar, se tornando um
fator decisivo muito importante, como por exemplo, na escolha de um
restaurante ou museu.
 
	
   30	
  
Figura 3.1.3. – Participação de Smartphones vs. não Smartphones no
mercado dos Estados Unidos em 2012.
Fonte: comScore (2013). Disponível em: <http://www.businessinsider.com.au/chart-update-
us-smartphone-market-share-2012-8>. Acesso em: Agosto de 2014.
Figura 3.1.4. – Curva do tipo de conteúdo acessado via dispositivos celulares
no mercado americano em 2012.
Fonte: comScore (2013). Disponível em: <http://www.businessinsider.com.au/chart-update-
us-smartphone-market-share-2012-8>. Acesso em: Agosto de 2014.
 
	
   31	
  
Figura 3.1.5. – Crescimento global do consumo de Smartphones projeção
entre 2013 e 2018
Fonte: IDC (2014). Disponível em: <http://www.dazeinfo.com/2014/07/16/microsoft-
corporation-msft-windows-phone-os-market-share-growth-ios-android/>. Acesso em: Agosto
de 2014.
Conectado, o consumidor não segue uma linha hierárquica para a
tomada de decisão, o ciclo virtuoso previsto pelo Loyalty Loop (capítulo 2.3)
indica que o consumidor conectado é mais influenciado por amigos e por
outras pessoas e, o local de acesso e produção desse tipo de informação
visa importar cada vez mais à medida que mais indivíduos acessam a rede
via dispositivos móveis. Tal fato não irá acabar com o mercado de turismo
como ele é conhecido hoje. As indústrias fonográficas e de mídia publicitária
não foram nem serão extintas.
A abundância de informações não indica necessariamente que a
internet vai acabar com o valor de alguns setores a ponto de inviabilizá-los,
mas forçará inúmeros setores a readequarem sua cadeia de valor.
 
	
   32	
  
3.2. Capacidade de organização como diferencial competitivo
A transformação provocada pelo digital pode ser lida a partir do acesso
aberto e inédito a uma mídia que preserva um caráter individual na
composição de mensagens, antes apenas característico do telefone ou da
carta – conversas com número limitado de receptores – e, ao mesmo tempo,
assimila a possibilidade de projeção massiva – antes exclusivas das mídias
de consumo passivo, como a TV e o Rádio.
Em meio a um mar de informações, o usuário está constantemente
organizando a rede de acordo com os seus interesses. E, para entender essa
auto regulamentação, toma-se o conceito de Cibercultura como ponto de
partida, sob a definição de Pierre Lévy em seu livro homônimo, que define o
termo como o: “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de
atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem
juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (LÉVY, 2010, p.17) – o que
sugere que a rede tem capacidade para assimilar uma cultura própria
enquanto que a sua expansão é feita a partir do que nela é gerado.
Lévy indica que essa expansão contínua levaria a rede a se tornar um
ambiente com ótimas condições para o surgimento de organizações
descentralizadas findadas em interesses próprios entre os seus usuários e,
que na mesma medida em que uma pessoa tem o poder de redefinir os “nós”
no sistema da rede de maneira individual e caótica (sic), vários indivíduos
podem, juntos, formar uma rede própria, com suas próprias regras.
Essa interconexão favorece os processos de inteligência coletiva nas comunidades
virtuais, e graças a isso o indivíduo se encontra menos desfavorecido ao caos informacional.
[...] o ideal mobilizador da informática não é mais a inteligência artificial, [...] mas sim a
inteligência coletiva, a saber, a valorização, a utilização otimizada e a criação de sinergia
entre as competências e imaginações e as energias intelectuais, qualquer que seja sua
diversidade qualitativa e onde quer que esta se situe. (LÉVY, 2010, p.169).
Sendo coletiva e não artificial, a inteligência em questão precisa ser
coordenada. A capacidade de gerenciar o conhecimento e orientá-lo para um
fim determinado parte do princípio de que os indivíduos possuem uma
maneira particular de estabelecer a sua atividade na rede e, uma vez
propondo uma base organizacional para eles, otimiza-se o seu desempenho.
 
	
   33	
  
Não por acaso, a internet estimulou o surgimento de um mercado
propício para empresas que se propõe a criar modelos organizacionais e
interfaces de navegação em seu meio, como buscadores e navegadores.
Que a capacidade de organizar informações seja um conceito básico para
qualquer negócio digital, não há dúvidas, porém essa capacidade de
organização, com o tempo, deixou de ser baseada no avanço tecnológico de
determinada companhia e se move em direção à inteligência coletiva.
Se as novas técnicas de comunicação favorecem o funcionamento dos grupos
humanos em inteligência coletiva, devemos repetir que não o determinam automaticamente.
[...] O ciberespaço, interconexão dos computadores do planeta, tende a tornar-se a principal
infraestrutura de produção, transação e gerenciamento econômicos. (LÉVY, 2010, pp.169-
170).
A razão para tal movimento é simples: uma vez que o usuário
rearranja a rede à sua maneira e, sempre o fará à medida das suas
necessidades, por que não deixar com que ele crie conteúdo e organize e
redimensione a rede de acordo com o seu interesse?
O paralelo traçado com o mercado de turismo parte deste
questionamento. A determinação de uma viagem envolve uma série de
decisões e caminhos transacionais. A busca por informação e sua devida
aplicação varia, mas a capacidade de organização está nas mãos do usuário,
e não deve-se esperar que ele faça todo o trabalho sempre.
Por exemplo, o usuário pode contar com ferramentas para criação de
planilhas e calendários como as oferecidas pelo Google Docs (rede) ou no
pacote Office (software) para levantar orçamentos de hotéis, mas ele também
pode receber esse tipo de informação, organizada de acordo com uma série
de filtros do seu interesse ao acessar um site de uma companhia aérea,
como o da Gol Linhas Aéareas (www.voegol.com.br), que promove uma
interface com as passagens oferecidas pela companhia.
Dessa forma, tratando-se de viagens, muitas vezes a organização por
parte do usuário não basta e muitas companhias enxergam valor nesse
comportamento. São tantas as informações e decisões para uma viagem,
que é comum que empresas se apliquem a facilitar esse processo
 
	
   34	
  
oferecendo, por exemplo, veículos para aluguel ao longo do processo de
compra de uma passagem, como pode na página da Gol Linhas Aéreas.
Figura 3.2.1. – Exemplo de oferta de serviços complementares a viagem
Fonte: Gol Linhas Aéreas (2014). Disponível em:
<https://compre2.voegol.com.br/Products2.aspx>. Acesso em: Setembro de 2014.
Se a tecnologia oferece uma ferramenta para a criação de inteligência
coletiva, conclui-se que qualquer mercado terá que competir também nesse
sentido. E, tratando-se do mercado de turismo, onde o papel das informações
é justamente respaldar decisões de compra, terá mais vantagem a
companhia que souber trabalhar na organização de informações de maneira
eficiente.
3.3. Ação coletiva em torno de um interesse
A auto regulamentação que cada usuário promove dentro da rede
privilegia a organização coletiva em torno de interesses radicados. Em tese,
todos podem estabelecer seus próprios domínios e ocupar o espaço da
 
	
   35	
  
maneira que bem entenderem – na rede, usuários e empresas partem de um
pé de igualdade.
Apesar disso, muitas ferramentas se propõe a realizar essas conexões
de pessoas com pessoas – vide as redes sociais, como o Facebook – ou
entre pessoas e informações – como o buscador do Google. Em ambos os
casos, a mediação entre conexões não é neutra6
. No entanto, a acurácia dos
encontros provocados garante que interesses coletivos sejam desenvolvidos.
E se a expansão da rede determina a sua cultura (LÉVY, 2012), esse
movimento pode ser iniciado e liderado por grupos de pessoas sem a
finalidade de gerar lucro ou dominar determinado mercado. Atribui-se a essa
organização coletiva o conceito de Crowdsourcing, cunhado pela primeira vez
por Jeff Howe (2006), jornalista da publicação Wired, e possui uma leitura
mais próxima do mercado e da participação coletiva na atualidade em Clay
Shirky, na obra Lá vem todo mundo: o poder de organizar sem organizações
(2012).
O Crowdsourcing é caracterizado pela realização de trabalhos e
serviços feitos de maneira descentralizada a partir do trabalho coletivo. O fato
de ser feito de maneira voluntariosa ou visando ganhos não relacionados a
uma cadeia de valor específica destacam esse esforço coletivo do trabalho
institucionalizado por uma empresa. O termo também pode ser entendido
como a terceirização irrestrita de trabalho, sem necessidade de uma
hierarquia, porém respeitando algumas regras ou conduta. E esse trabalho
de auto regulamentação em meio ao circuito caótico de informações garante
que a produção avance e possa ser acessada por todos os envolvidos que
dela participaram, mas também provoca um desequilíbrio entre participação e
número de pessoas envolvidas, como nota Clay Shirky:
Nunca tantas pessoas tiveram tanta liberdade para dizer e fazer tantas coisas com
tantas outras pessoas. [...] Uma vez que hoje todos têm as ferramentas para contribuir da
mesma maneira, seria de se esperar um enorme aumento a igualdade de participação. Mas
isso seria um erro. [...] em vez de prejudicar grandes sistemas sociais, o desequilíbrio os
impulsiona. (SHIRKY, 2012, p.105).
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
6	
   A questão da neutralidade da rede é considerada pelo autor, mas não será posta em foco
neste trabalho.	
  
 
	
   36	
  
O autor atribui o desequilíbrio a estudos feitos entre os participantes
de sites como o Flickr e Wikipédia. No geral, menos de 2% dos participantes
são responsáveis pela maioria do conteúdo criado, enquanto a maioria dos
envolvidos só faz uma contribuição. A projeção das participações versus o
número de participantes, normalmente, fica afeiçoada a um gráfico de Cauda
Longa, ou seja, a participação em Crowdsourcing parte de um sistema de
potência (SHIRKY, 2012, pp. 105 – 112).
Figura 3.3. – Gráfico básico para a sistemas de potência, número de
participantes (x) versus frequência de participações (y)
Fonte: criado pelo autor.
Cientes disso, muitas empresas passaram a aproveitar do movimento
natural de ação coletiva baseada em interesses para seu benefício,
mostrando que a relação com a participação coletiva requer atenção, já que a
mesma massa que pode colaborar também tem o poder para destruir uma
marca.
Shirky cita o caso dos usuários da AOL, que eram estimulados a
converter amigos a acessar a internet a partir do portal de informações e
material de hardware (CDs) fornecidos pela empresa. O trabalho era feito
voluntariamente, porém, ao descobrirem que a companhia aumentava seu
valor de mercado à medida que mais pessoas aderiam aos seus planos,
 
	
   37	
  
estes voluntários processaram a AOL em conjunto, por acreditarem que
estavam trabalhando para a companhia de maneira vedada e sem ganhar
nenhuma contrapartida por isso (SHIRKY, 2012, pp. 115 - 116).
Ciente das peculiaridades que impulsionam e cerceiam o voluntarismo
em rede, na obra A cultura da participação, Shirky elenca os seis principais
motivos para que o fenômeno colaborativo tenha fruição na rede: tempo livre,
excedente cognitivo, senso de oportunidade, motivações humanas, senso de
utilidade comum e interesse público (SHIRKY, 2011).
Sob as premissas do senso de utilidade comum, muitas pessoas
passaram a repassar os conhecimentos e programas para instalar os
provedores da AOL, mas esse senso foi aniquilado a partir do momento em
que eles se deram conta que a empresa estava tirando proveito deles,
contrariando o interesse público que o trabalho coletivo se propunha a fazer.
Unindo prioritariamente excedente cognitivo, motivações humanas e
interesse público, a Wikipédia foi criada e é mantida por um grupo pequeno
de usuários se comparado ao total de pessoas que desfruta da sua
colaboração.
O espírito voluntarioso por trás de casos de Crowdsourcing é reflexo
de um comportamento, cuja a rede ajudou a emancipar ao eliminar barreiras
de espaço e ao dar as pessoas o poder de navegar de acordo com seus
próprios interesses.
Muitas das mudanças significativas se baseiam [...] em ferramentas simples e fáceis
de usar como o e-mail, os celulares e os sites de internet, porque [...] a maior parte das
pessoas tem acesso e podem ser usadas sem dificuldade [...] A revolução não acontece
quando a sociedade adota novas tecnologias – acontece quando a sociedade adota novos
comportamentos. (SHIRKY, 2012, p. 137).
Dessa forma, entende-se que a inteligência coletiva pode ser projetada
e crescer na rede. O sentimento de generosidade também é favorecido por
novas tecnologia, que acabam por transportar para a rede o sentimento
voluntarioso antes fora dela e natural do ser humano, mas o sucesso da ação
coletiva será sempre vinculado ao objeto produzido e ao interesse que ele
desperta entre seus atores.
 
	
   38	
  
3.3.1. Organização coletiva no setor de Turismo,
apresentação do TripAdvisor e seu modelo de negócio
baseado na participação
No âmbito do turismo, o poder da organização coletiva pode ser
notado no site TripAdvisor, que é tido como a maior plataforma de resenhas
sobre turismo do mundo, com aproximados 170 milhões de resenhas feitas
por usuários e 23 milhões de fotos enviadas sobre mais de 4 milhões de
acomodações, restaurantes e atrações turísticas. No primeiro semestre de
2014, a plataforma registrou uma média de 280 milhões de acessos mensais
e conta com mais de 60 milhões de usuários em sua base de e-mails. O
TripAdvisor possui uma plataforma para smartphones que conta com mais de
128 milhões de downloads. (TripAdvisor, 2014).
Em 2011, às vésperas de abrir capital, o TripAdvisor tinha seu valor de
mercado avaliado em 4 bilhões de dólares segundo a publicação Business
Insider. O seu modelo de negócio é baseado na venda de espaços
publicitários em diversos formatos, como links patrocinados, banners,
recomendação patrocinada, entre outros. Praticamente todo o inventário de
mídia da plataforma é direcionado para outras páginas do mercado de
turismo, sendo que mais de um terço dos cliques são feitos no site Expedia,
um agregador de ofertas de turismo (passagens, hospedagem, aluguel de
carros, pacotes, etc.) e parceiro estratégico de negócios do TripAdvisor.
Considerando que o mercado de turismo possui uma série de atores
que se propõe a agregar ofertas para vende-las, como o Kayak , líder de
mercado em passagens aéreas, que também conta com ofertas para estadia,
aluguel de carros e pacotes; e o Booking.com , líder em reservas de estadia
– a relação entre TripAdvisor e Expedia tende a beneficiar ambos: o primeiro
por ter um parceiro fixo na entrega de publicidade, e consequentemente
dependendo menos da rede de publicidade do Google, e o segundo ganha
um espaço de vendas privilegiado, pois trata com um público num estágio
mais avançado de tomada de decisão.
 
	
   39	
  
Figura 3.3.1.1. – Participação do Expedia no volume de vendas geradas pelo
TripAdvisor.
Fonte: Buiness Insider (2011). Disponível em: <http://www.businessinsider.com/how-
tripadvisors-business-works-2011-12>. Acesso em: Setembro de 2014.
A dependência do Google, que é responsável por trazer acessos e
com anúncios da sua rede de publicidade, é uma constante em todo o
mercado de turismo. No caso do TripAdvisor é aliviada a partir da parceria
com o Expedia, aumentando a margem de lucro.
Figura 3.3.1.2. – Margem de lucro do TripAdvisor, 2006 a 2011.
Fonte: Buiness Insider (2011). Disponível em: <http://www.businessinsider.com/how-
tripadvisors-business-works-2011-12>. Acesso em: Setembro de 2014.
 
	
   40	
  
Voltando à questão participativa do TripAdvisor, nota-se que a sua
proposta para o usuário é simples: reunir informações de turistas para turistas
facilitando o planejamento de viagens e a publicação de impressões pessoais
sobre os locais visitados. Sua eficiência é comprovadamente grande, numa
pesquisa da PhoCusWright com 3.641 respondentes, mostrou que 98% dos
participantes acharam que as resenhas do site correspondiam à experiência
vivida durante a viagem (2013).
Nenhum guia de turismo não conseguiria ter um retrato tão fiel da
realidade de cada experiência quanto o TripAdvisor. A razão para tanto é
simples: o que vai para um guia físico se torna datado a partir do momento
em que ele é impresso, enquanto o que está no TripAdvisor muda conforme
novas resenhas são adicionadas. À medida que mais pessoas se organizam
coletivamente em um mesmo interesse, novas mudanças ele sofre e mais
atual e preciso ele fica.
Outro ponto importante para tamanha fidelidade entre as resenhas do
TripAdvisor e a sua real experiência está no fato da não existência de uma
linha editorial ou posicionamento oficial da plataforma. Sem a figura de um
editor chefe, as resenhas se aproximam mais da relação entre expectativa e
realidade, própria do olhar do turista.
O TripAdvisor consegue padronizar a participação ao exibir uma
escala de pontuação geral (de 1 a 5) como a primeira métrica de avaliação.
Assim, independentemente do número de contribuições que a atração, hotel
ou destino receber, o usuário pode estabelecer uma leitura rápida através
desse índice, que não por acaso é a contribuição mais fácil de se fazer,
dispensando a composição de uma resenha escrita.
 
	
   41	
  
Figura 3.3.1.3. – Demonstrativo da escala de avaliação (ranking) do
TripAdvisor na sessão de buscas e no cabeçalho da página da atração.
Fonte: TripAdvisor montagem feita pelo autor. Disponível em: <tripadvisor.com.br>.
Acessado em: Setembro de 2014.
A adoção de índices e escalas facilita a leitura e coloca toda a
participação coletiva numa mesma premissa inicial, isso facilita o consumo da
informação, mas não impede que o TripAdvisor enfrente problemas – assim
como a Wikipédia – ao permitir que o controle do conteúdo fique na mão das
pessoas. Em ambos os sites, nota-se a incidência de vândalos e atores que
manipulam informações para benefício próprio.
O Wikipédia possui um sistema de auto gestão entre seus membros,
favorecendo os mais antigos e ativos no site, como forma de privilegiar
aqueles que mais acreditam no seu desenvolvimento. E o TripAdvisor possui
uma equipe dedicada a tratar de denúncias e investigar usuários e
comentários suspeitos.
Dessa forma, podemos concluir que a capacidade de organização
coletiva é um fator que diferencia o TripAdvisor no mercado de plataformas
de turismo. Mais do que permitir que usuários criem conteúdo, é importante
direcionar essa produção colaborativa e desenvolver mecanismos de
regulamentação para tanto.
Além das opiniões o TripAdvisor oferece a possibilidade de busca de
ofertas – qualificando o Expedia – o que não desmotiva a participação
 
	
   42	
  
coletiva e também oferece uma vantagem competitiva diante de outras
plataformas agregadoras de opiniões sobre turismo, como o Yelp ou o
Foursquare.
3.4. Fragmentação de mercado e a projeção da Cauda Longa
A guinada provocada pela digitalização dos meios e a emancipação do
indivíduo a ator do cenário informacional impacta diretamente no sistema
capitalista. Sistema este, que é diretamente responsável pelos
desdobramentos da sociedade em rede e o viés de sua projeção. Afinal, é a
iniciativa privada, por meio da exploração e valoração da sua capacidade
produtiva, que dita as inovações mercadológicas.
Vetor da transformação e principal beneficiário dela, o capitalismo que
outrora era radicado nos moldes industriais (linha de produção, controle de
matéria prima e distribuição em escala), agora pode ser encarado como
“Informacional”, uma vez que a sua cadeia de valor se baseia cada vez mais
no uso inteligente de informações e no cruzamento global de recursos,
produção, mercados e distribuição, conforme assinala Manuel Castells, na
sua obra Sociedade em Rede: a era da informação: economia, sociedade e
cultura:
Uma nova economia surgiu em escala global no último quartel do século XX.
Chamo-a a de informacional, global e em rede para identificar suas características
fundamentais e diferenciadas e enfatizar sua interligação. É informacional porque a
produtividade e a competitividade [...] são baseadas em conhecimentos. É global porque as
principais atividades produtivas, consumo e circulação [...] estão organizados em escala
global. [...] É rede porquê [...] é feita em uma rede global de interação entre redes
empresariais. (CASTELLS, 1999, p. 119)
Dentre todos os desdobramentos do quadro levantado por Castells,
destacamos o fato da própria informação ser fruto de um processo produtivo
e, consequentemente, contar com um mercado em torno de si mesma. A
informação enquanto recurso extremamente abundante – leia-se tudo que
pode ser digitalizado – não deixa de ser resíduo de um processo produtivo,
que se encontra num estado de extrema desvalorização. No entanto, vale
lembrar que não há mercado se não há geração de valor, portanto é de se
 
	
   43	
  
esperar que uma nova cadeia dentro do mercado informacional esteja
surgindo.
Afinal, não são só as informações passaram a se tornar abundantes,
mas também o crescente poder de processamento das mesmas, o que
permitiu com que mais processos e produtos fossem feitos e, aqui, a
informação tem na tecnologia um vetor para se tornar mais valiosa.
Castells coloca em xeque uma série de hipóteses sobre o ganho
produtivo em detrimento ao avanço tecnológico. Após se ater a diversas
análises econômicas e setoriais, o autor sinaliza que o real ganho que a
tecnologia traz ao capitalismo está na ampliação da capacidade de gestão e
organização corporativa.
Assim, a mudança organizacional, o treinamento de uma nova força de trabalho e
processo de aprender fazendo, que incentiva aplicações produtivas da tecnologia, devem
acabar aparecendo nas estatísticas de produtividade. (CASTELLS, 1999)
Essa reflexão sugere um maior ganho produtivo de setores mais
ligados aos serviços e às indústrias que se beneficiam diretamente deles e,
vai de encontro ao que foi observado em Lévy (2010) sobre a inteligência
coletiva como principal fruto da escalada tecnológica, concluindo-se que há
valorização da informação em termos do serviço que ela vem a prestar.
Como exemplo prático, a partir da organização de informações e
recursos baseada em softwares transacionais, uma pousada consegue se
projetar na rede assim como uma grande cadeia hoteleira. Porém, a
eficiência do pequeno negócio tende a não ser a mesma de um grande
produtor, já que este último conta com mais recursos para investir em
infraestrutura digital.
O abismo competitivo pode se agravar considerando que essa
pousada fique lotada durante o verão, devido à sua localização e permaneça
às moscas no inverno. Dificilmente ela conseguiria competir com a cadeia
hoteleira, já que não teria recursos para alcançar potenciais consumidores
interessados em ofertas especiais para a baixa temporada. Essa mesma
lógica pode ser aplicada para companhias de transporte aéreo de pequeno
 
	
   44	
  
porte, que não tem flexibilidade para trabalhar com as rotas e destinos mais
populares.
Diante desse problema, na virada da década de 2000 nota-se o
crescimento de agregadores de todos os gêneros, que se propõem a oferecer
uma distribuição mais democrática de informação sobre determinada
categoria de mercado. Dessa forma, há uma maior aparelhagem tecnológica
para a organização de recursos: não só as grandes companhias se tornam
mais arrojadas, mas pequenos produtores e amadores também conseguem
ter condições para se estabelecer no mercado, que também ganha novos
negócios que ajudam a valorizar as informações disponíveis na rede.
Anderson analisa como a abundância de informações fragmentou os
mercados a partir do momento em que mais pessoas podem ter acesso a
produtos que vão além dos mais populares. Segundo o autor, o “cálculo
básico da Cauda Longa: quanto mais baixas as despesas de vendas, mais se
pode vender” (ANDERSON, 2006, p.86). Agregadores reduzem a barreira de
entrada no marcado ao permitirem que mais atores possam ter a mesma
projeção, ampliando não só a oferta de produtos para o viajante, mas
também incentivando a divulgação de novos destinos para se explorar.
Anderson elenca três grandes forças transformadoras que podem ser
notadas a medida que as informações se tornam abundantes:
Figura 3.4.1. – Três forças da cauda longa e seus respectivos exemplos no
mercado de turismo.
Força Negócio Exemplo
1 Democratização da
produção
Produtores e fabricantes de
ferramentas de Cauda Longa
Ferramentas para
criação de sites
2 Democratização da
distribuição
Agregadores da Cauda Longa Booking.com,
Expedia, Kayak
3 Ligação da oferta e
demanda
Filtros da Cauda Longa Recomendações do
TripAdvisor
 
	
   45	
  
Fonte: Anderson, 2006. Arte e adaptação feitas pelo autor.
A rede e a capacidade de organização produtiva promovida pela
tecnologia são os fatores principais para que mais produtos possam ser
oferecidos independente do seu estoque e localização. No caso da pousada
ou da pequena companhia de transporte aéreo, elas ganham uma nova
vitrine com os agregadores de ofertas, que promovem não só a competição
entre pequenos e grandes, como também emancipam a sua
profissionalização.
Considerando que a oferta de destinos para viagem tende a ser
ilimitada e, paralelamente, também são inúmeras as possibilidades de
ampliação dos serviços concomitantes a ela, como hospedagem e opções de
atividades; a projeção da Cauda Longa é um fator determinante para o
sucesso de uma plataforma ancorada no mercado de turismo.
3.4.1. Além dos agregadores: o Airbnb como viabilizador de
um novo mercado
A existência de agregadores facilita a exposição de inúmeros negócios
que antes não conseguiam vencer o gargalo da mídia tradicional e
precisavam realizar esforços de baixo orçamento para se promover para um
número limitado de pessoas. O mercado de pequenos fornecedores de
hospedagem que sempre existiu à margem das grandes redes hoteleiras se
beneficiou com a rede e tornou a disputa por hóspedes mais acirrada, uma
vez que se há igualdade na distribuição, é preciso buscar inovações no
preço, na promoções ou no produto.
A larga distribuição de ofertas beneficiada pela rede, também foi
responsável pela emancipação de um novo produto no mercado hoteleiro: o
do oferecimento de hospedagem domiciliar em escala, que tem no Airbnb seu
principal representante.
A plataforma, que foi fundada em 2008 com o propósito de permitir
pessoas alugarem o espaço ocioso para viajantes tem seu funcionamento
 
	
   46	
  
semelhante a um agregador para o consumidor final e, também faz as vias de
“incubadora” para pessoas interessadas em ceder seu espaço para locação.
No início de 2013, o Airbnb registrou mais de 6 milhões de hóspedes
que usaram o seu serviço e 300.000 ofertas, que se dividem em três
categorias: quartos compartilhados, quarto inteiro e aluguel de todo o
domicílio; demonstradas no gráfico adiante.
Figura 3.4.1.1. – Crescimento de locações no Airbnb 2008 – 2013.
Fonte: Airbnb, (2013). Disponível em: <https://www.Airbnb.com/annual/>. Acesso em:
Setembro de 2014.
Dentro da leitura da Cauda Longa de Anderson (2006), o Airbnb é uma
ferramenta que facilita a produção, uma vez que permite que mais pessoas
façam do seu espaço uma hospedagem e, com isso, se tornem parte do
mercado.
 
	
   47	
  
Figura 3.4.1.2. – Democratização das ferramentas de produção e seu efeito
na Cauda Longa.
Fonte: ANDERSON, 2006, p.52.
Naturalmente, há de se encontrar anfitriões com grande volume de
transações enquanto uma maioria tende a fazer um número menor de
aluguéis. O modelo sistêmico de potência também é aplicável à essa
situação a partir do momento em que estamos em um mercado tipicamente
amador, emancipado pela tecnologia, como foi visto em Shirky (2012).
O Airbnb apresenta uma proposta que é interessante para viajantes,
preços competitivos e localização irrestrita, e para locatários, garantia de
verba extra por um espaço ocioso. A partir do poder de organização, o
negócio propõe uma série de transformações na indústria hoteleira e no setor
de turismo, emancipando um novo comportamento, como previsto por Shirky
(2012), que acaba por posicionar a hospedagem como parte do acervo
turístico, transformando-a em um novo ponto de contato durante a
experiência que a viagem proporciona.
 
	
   48	
  
Figura 3.4.1.3. – Diferenças no serviço: hotéis e Airbnb.
Hotéis convencionais Hospedagem no Airbnb
Quartos herméticos, com pouca
diferenciação
Quartos domiciliares, singularidade
Conveniências ligadas ao lazer e bem estar:
piscinas, salas de jogos, etc.
Praticidade domiciliar: cozinha e sala de
jantar
Área de alta circulação de hóspedes Localização residencial, maior imersão local
Contato com funcionários com funções
determinadas, padrão de atendimento
Contato humano, imerso na cidade, sem um
padrão de atendimento
Estrutura compatível com o desejo de
conforto e comodidade
Menor estrutura é um motivador para a
descoberta
Contratos definidos de acordo com o
mercado, alta regulamentação
Contratos sem muita regulamentação, maior
risco para ambas as partes
Localização restrita a zonas onde é
permitido a criação de estruturas hoteleiras
Localização irrestrita, baseada em áreas
residenciais
Fonte: gráfico feito pelo autor.
A capacidade do Airbnb de transformar amadores em profissionais ou
ao menos em capacitá-los a atender a demanda por estadia, amplia
significativamente a sua oferta e acaba por dividir a Cauda Longa do
mercado hoteleiro em três partes.
Figura 3.4.1.4. – Cauda Longa do mercado de hospedagem após a entrada
de agregadores domiciliares.
Fonte: gráfico feito pelo autor.
 
	
   49	
  
Anderson pauta a apresentação da Cauda Longa através de setores
diretamente ligados à economia da informação, olhando os setores de
produção de conteúdo e distribuição de produtos físicos como os principais
afetados por este fenômeno, colocando os “Amadores” como figuras centrais
no alongamento da Cauda: “Hoje, milhões de pessoas comuns têm as
ferramentas e os modelos para se tornarem produtores amadores [...] o efeito
dessa mudança significa que a cauda longa crescerá em ritmo nunca antes
visto.” (ANDERSON, 2006, p.62).
Pode-se especular que haja um limite para a extensão da Cauda
Longa do Airbnb e que este limite possa ser notado a partir do momento em
que não é possível estabelecer um controle e punir desvios de
comportamento em meio à milhões de reservas. No entanto, o funcionamento
da plataforma (que será melhor analisada adiante) possui uma ótima taxa de
sucesso. Entre as 6 milhões de reservas consumadas pelo Airbnb, apenas
700 delas resultaram em processos que demandaram a intervenção jurídica
do negócio, ressarcimento e indenização das partes lesadas, segundo uma
reportagem da publicação Wired (2012).
Outros fatores para a análise desse modelo de negócio frente à
economia da informação serão somados ao longo deste trabalho, mas já é
possível concluir que a projeção da Cauda Longa é o diferencial competitivo
do Airbnb diante da oferta tradicional de hospedagens. Também conclui-se
que a plataforma só consegue viabilizar essa projeção a partir da criação de
um modelo capaz de organizar os interesses de ambas as partes e incentivar
a participação coletiva através de ganhos claros para ambas as partes.
3.5. Confiança na rede como força emergente do mercado de
turismo
Tanto Airbnb, quanto TripAdvisor possuem no credenciamento pessoal
um dos seus grandes diferenciais. No primeiro, o anfitrião pode ser
amplamente avaliado pela plataforma, que o qualifica a partir do cumprimento
de três prerrogativas: (i) a confirmação dos seus dados pessoais, (ii) a
 
	
   50	
  
velocidade de resposta e (iii) a capacidade de organização para oferta do seu
espaço. Já o hospede é incentivado a avaliar, comentar e a consumir o
conteúdo criado por outros usuários, criando um ciclo que tende a neutralizar
a desconfiança. Hóspedes e anfitriões são estimulados a colocar fotos
pessoais atuais e seus nomes verdadeiros, para que haja o sentimento de
conexão pessoal e empatia antes mesmo deles se conhecerem.
O TripAdvisor tem em suas resenhas uma constante discussão, o que
é predominantemente o seu grande foco de negócio. Os usuários são
incentivados a conectar seu perfil do Facebook à plataforma e, esta cruza as
informações sobre cada atração com os indivíduos da lista de contatos
pessoais (amigos e amigos de amigos) do usuário, permitindo assim que ele
faça uma leitura mais adequada ao seu perfil.
Ambas as plataformas se preocupam em inibir o anonimato e a fraude.
O Airbnb pede o envio de cópia de documentos pessoais e o número do
cartão de crédito, além de enviar fotógrafos para confirmar a existência e
registrar os locais de locação. Já no TripAdvisor, a participação só pode ser
feita mediante cadastro ou conexão com o perfil no Facebook, para que
qualquer tentativa de manipulação seja evitada.
Os sites Airbnb e TripAdvisor colocam a confiança entre usuários
como uma das figuras protagonistas para a sua tomada de decisão em torno
do mercado de turismo. Essa transformação, no entanto, pode ser lida como
um reflexo de um comportamento humano, que foi solapado pela própria
evolução propiciada pela revolução industrial.
 
	
   51	
  
Figura 3.5.1. – Evolução da confiança na história da civilização.
Fonte: Wired (2014). Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/226865349/MEC-WIRED-
Open-Source-Marketing>. Acesso em: Setembro de 2014.
A urbanização e os modelos contratuais capitalistas – fortalecidos por
esquemas jurídicos para proteger produtores e consumidores – afastaram a
confiança do processo de tomada de decisão, mas não inibiram o poder da
opinião de terceiros. No entanto, essas barreiras contratuais e
comportamentais começam a diminuir à medida que, em rede, usuários
conseguem extrair informações suficientes para se relacionar com estranhos
e, cabe às plataformas se aproveitarem dessa condição para estimular a
participação em torno de um interesse comum.
Também é característico de grupos de interesse radicado o
estabelecimento de uma conduta própria e de mecanismos de auto
regulamentação. Quanto maior essa capacidade de controle, menor é a
dependência de sistemas tradicionais de mercado para fazê-lo. Se, por um
lado, sistemas baseados na confiança entre usuários parecem ser um novo
paradigma no mercado, por outro, estes sistemas nunca estarão
completamente “blindados” de falhas.
Portanto, a construção de um ambiente propício para que pessoas
confiem em pessoas tende a ajudar na operação de sistemas que pretendem
se diferenciar a partir da participação coletiva. Como visto em Shirky (2012),
um novo comportamento começa a ser estabelecido por meio do acesso
massivo as plataformas Airbnb e TripAdvisor.
 
	
   52	
  
3.6. Modelo de estudo sobre os paradigmas da sociedade em
rede e a valorização da informação em plataformas de
turismo
Chega-se, finalmente, ao modelo de análise que toma como princípio
os fenômenos relacionados a abundância de informações e seus impactos na
sociedade em rede e mercado de plataformas de turismo. A lógica do modelo
é a seguinte: apresenta-se um fenômeno da sociedade em rede e um fator
competitivo que dele é derivado.
Figura 3.6.1. – Modelo para análise dos paradigmas da sociedade em rede e
a valorização da informação em plataformas de turismo.
Fonte: gráfico feito pelo autor.
A ideia desse modelo de análise pressupõe que os fenômenos da rede
não são hierárquicos, mas se complementam à medida que a rede e sua
cultura se expandem (LÉVY, 2010). E o aproveitamento competitivo desses
fenômenos diz respeito aos casos vistos anteriormente, nas leituras de
Castells, Anderson e Shirky, cujos vieses são projetados no mercado de
plataformas de turismo.
 
	
   53	
  
A linha de “Valorização de Informações” é crescente a medida que
esses dados em livre circulação na rede ganham maior utilidade para o
mercado. Paralelamente a ela, nota-se uma “Escala de confiança” que dá a
entender que a reciprocidade e confiança entre pessoas ajuda a viabilização
dos fatores competitivos assinalados.
A questão da confiança, em um primeiro olhar, pode não inspirar uma
aplicação geral em todo o mercado de turismo. No entanto, vale lembrar o
empoderamento do consumidor e as várias decisões que são feitas ao longo
da cadeira de valor de uma viagem. Em todo esse processo, a credibilidade
sobre o que está na mesa de negócios importa e, por isso não deve ser
ignorada.
A sugestão das plataformas do Airbnb e do TripAdvisor estimularem a
confiança entre seus membros não só as diferencia e abre uma nova escala
de mercado, como também é uma forma de atribuir valor às informações que
circulam livremente na rede.
Informações sobre disponibilidade de hospedagem interpessoal
podem ser encontradas em agregadores de classificados, por exemplo. O
Airbnb emancipa o sentimento de confiança para que o negócio seja fechado
por meio de modelos regulamentados, políticas de controle de informações e
diretrizes para o comportamento entre hospedes e anfitriões.
Já qualquer resenha ou nota encontrada no TripAdvisor poderia ser
facilmente transmitida no Facebook, ou em qualquer outra rede social, mas a
partir do momento em que a plataforma se propõe a organizar o trabalho
coletivo e oferecer uma interface cujo foco é o consumo de informações de
outros turistas, ela destoa de qualquer outra rede social sem perder a
conexão humana por elas proporcionadas.
Por fim, a valorização da informação garante a sobrevivência de
plataformas de todas as sortes, mas o atributo social e humano por trás deste
processo é viável dentro do mercado de turismo. A confiança nunca
desempenhou um papel tão importante seja para a reputação da cadeia de
turismo, seja para a criação de novos negócios dentro dela.
 
	
   54	
  
4. Abordagem contemporânea do Capital Social
Após um olhar sobre como o turismo se aproveita da conectividade
entre as pessoas provocada pela rede, chega o momento de dirigir o foco à
questão da valorização dessa participação coletiva. Procura-se traçar um
paralelo entre a inteligência coletiva e sua operação em plataformas de
turismo, que, como será mostrado, constroem um sistema que beneficia a
colaboração e valoriza o capital social para, justamente, aumentar o apelo de
suas plataformas.
A seguir, procuramos entender os principais aspectos ligados à
formação de capital social: suas principais características, mas respeitando
algumas das formulações sobre este tema e como ele se desenvolve nas
plataformas TripAdvisor e Airbnb.
4.1. Definições acerca do capital social
Uma das análises mais consistentes em termos de sua
contemporaneidade sobre o que é capital social foi produzida por Pierre
Bourdieu.
Capital social é o agregado dos recursos atuais ou potenciais ligados à posse de
uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de entendimento e
reconhecimento mútuo – ou em outras palavras, ao pertencimento a um grupo – que provém
a cada um dos seus membros desse capital proprietário coletivo, uma ‘credencial’ a qual eles
possam creditar, em vários sentidos dessa palavra”. (BOURDIEU, 1986, p.248, tradução do
autor).
7
Entende-se que o capital social é o recurso produzido por membros
agrupados em torno de um interesse mútuo, o que indica uma causa que
motive o relacionamento e a produção coletiva.
Grinovetter chama a atenção para a criação de laços entre as pessoas
a partir de relações sociais. Segundo o autor, encontram-se dois tipos de
laços: os fortes, caracterizados pelo intenso contato e limitados a círculos
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
7
Citação original: “Social capital is the aggregate of the actual or potential resources which
are linked to possession of a durable network of more or less institutionalized relationships of
mutual acquaintance and recognition – or in other words, to membership in a group
]
– which
provides each of its members with the backing of the collectivity-owned capital, a ‘credential’
which entitles them to credit, in the various senses of the word” (BOURDIEU, 1986, p.248)
 
	
   55	
  
pequenos, já que não é possível manter relações de alta afinidade entre
muitos atores; e os laços fracos, relações baseadas em um interesse pontual
com intensidade variada, o que permite que uma pessoa possua uma série
de contatos, mas sem grande aprofundamento holístico nessa relação
(GRANOVETTER,1973).
Circuitos formados por laços fortes são mais propícios para
enrijecimento do capital social, principalmente se considerarmos a quebra
que há entre um círculo formado por laços fortes e o contexto ao seu entorno.
A maioria dos estudos sobre capital social se baseiam nos valores
sociológicos e culturais que emergem de comunidades à margem da
sociedade, como a formação e criação de códigos de conduta em guetos de
imigrantes.
O movimento da comunidade para fora dela é um dos sinais de que o
capital social pode ser absorvido pelo capital financeiro, sendo o mercado o
seu principal agente conversor. Mas também devemos considerar a anistia, a
miscigenação e fusão entre culturas como outras forças que condensam o
capital social de um circuito de laços fortes, tornando-o acessível para outros
círculos e permitindo a criação de laços fracos em torno dele.
Contudo, para condensar o termo capital social e usá-lo de maneira
mais genérica e apropriada à análise da sociedade em rede, extrai-se duas
bases da sua concepção: (i) a própria relação social coletiva, que permite aos
seus atores reclamar a sua autoria e pertencimento pelo que foi ou é
construído e, (ii), a quantidade e a qualidade dos recursos oriundos dessa
interação.
É possível presumir que o enfraquecimento de laços ajuda a converter
o capital social, mas isso só pode ser verdadeiro se, junto a esse
enfraquecimento, mais pessoas se envolverem nessa relação. A extinção de
línguas indígenas é consequência da falta de atores com laços fortes para
mantê-las vivas, por mais que parte desse capital social tenha sido absorvido
pela Língua Portuguesa no Brasil.
Além dos laços fortes, a grande maioria de definições acerca de
capital social partem de um ideal de altruísmo entre as pessoas envolvidas
em algum contexto comum. Esse altruísmo é praticado em comunidade e
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Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb

  • 1. Universidade de São Paulo - USP Escola de Comunicações e Artes - ECA Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo Curso de Especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital em Ambientes Corporativos - Digicorp Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb Renato Santoliquido Davini São Paulo 2014
  • 2.   Renato Santoliquido Davini Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em cumprimento parcial às exigências para obtenção do título de especialista em Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Ambientes Corporativos, sob orientação do Prof. Dr. Marcelo Coutinho Lima. São Paulo 2014
  • 3.   Autorizo a reprodução total ou parcial deste trabalho por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Santoliquido Davini, Renato Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb. Renato Santoliquido Davini: orientador Marcelo Coutinho Lima – 2014, 82 fls Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade da São Paulo, 2014. Palavras-chave: sociedade em rede; Cibercultura; empoderamento do consumidor; abundância de informações; cibercapitalismo; crowdsourcing; Cauda Longa; capital social; turismo.
  • 4.   Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb Renato Santoliquido Davini Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo como requisito básico para obtenção de título de especialista em Comunicação Digital. Aprovado em _____ de _________________ de 2014. Aprovado por: ______________________________________________ ______________________________________________ ______________________________________________ Marcelo Coutinho Lima São Paulo 2014
  • 5.   Agradecimentos Minha gratidão a todos que me suportaram durante todo o percurso até a conclusão deste trabalho. Aos mestres que me apoiaram e ajudaram na concepção do mesmo, em especial ao meu orientador, Marcelo Coutinho Lima. Aos colegas de sala, que de tantos debates acabaram por engrandecer o conhecimento somado no curso. Aos amigos, que souberam meditar a falta de tempo livre e certamente vão encontrar um Renato mais feliz e satisfeito nos próximos encontros. À família, pelo amor dedicado e suporte durante toda a minha formação. À namorada, que muito sofreu na ausência, mas sempre manifestou apoio em todos os momentos. E, especialmente, à Natalia Rosenberg Kuschnaroff, grande amiga, que faleceu nos dias finais de composição desta monografia e deixa muita saudade.
  • 6.     Resumo Estudo sobre os impactos provocados pela abundância da informação no mercado de turismo, sob o viés do empoderamento do indivíduo e sua atuação na rede. Busca-se elencar os principais fenômenos provocados pela sociedade em rede e seus impactos no mercado de turismo, para assim analisar o modelo de negócio de Tripadvisor e Airbnb sob o viés da maturação digital dessas plataformas, donas de um sistema peculiar e inovador para valorização do capital social gerado em suas plataformas. Palavras-chave: sociedade em rede; Cibercultura; empoderamento do consumidor; abundância de informações; cibercapitalismo; crowdsourcing; Cauda Longa; capital social; turismo. ABSTRACT Study on the impacts caused by the abundance of information in the tourism market, under the bias of the empowerment of the individual and his performance on the network. Seeks to list the main phenomena caused by the network society and its impact on the tourism market, so to analyze the business model of Tripadvisor and Airbnb in the maturation of these digital platforms, owners of a unique and innovative system for recovery of the bias social capital generated in their platforms. Keywords: network society; consumer empowerment; abundance of information; cibercapitalism; crowdsourcing; Long Tail; social capital; tourism.
  • 7.       Lista de abreviaturas e siglas WTTC World Travel and Tourism Council UNWTO United Nations World Tourism Organization OMT Organização Mundial do Turismo IDC International Data Corporation AOL America Online P2P Peer to Peer
  • 8.     Sumário Introdução ..................................................................................................... 1 1. O turismo hoje, principais mudanças e necessidades por trás deste mercado ......................................................................................................... 4 1.1. Turismo como mercado: o desejo contemporâneo por viajar e conhecer novas experiências ............................................................................................................................. 6 1.2. Entendendo a necessidade por viagens ........................................................................... 7 1.2.1. Das necessidades por fisiologia e segurança ............................................................... 8 1.2.2. Das necessidades sociais e por estima ......................................................................... 9 1.2.3. Das necessidades por realização pessoal .................................................................. 11 1.3. O desejo por trás de uma viagem: alimentar uma busca interior ................................... 12 2. O consumidor do turismo na era digital: principais aspectos sobre a influência da rede ....................................................................................... 13 2.1. Cadeia de valor do mercado de turismo no ambiente digital .......................................... 13 2.2. Funil de compra do turismo: antes e depois da escala digital ........................................ 14 2.3. O Loop da Lealdade e o fim da visão linear sobre o consumo ....................................... 18 3. Cibercaptalismo e a economia da informação ..................................... 23 3.1. Os novos paradigmas da economia da abundância ....................................................... 25 3.2. Capacidade de organização como diferencial competitivo ............................................. 32 3.3. Ação coletiva em torno de um interesse ......................................................................... 34 3.3.1. Organização coletiva no setor de Turismo, apresentação do TripAdvisor e seu modelo de negócio baseado na participação ..................................................................................... 38 3.4. Fragmentação de mercado e a projeção da Cauda Longa ............................................ 42 3.4.1. Além dos agregadores: o Airbnb como viabilizador de um novo mercado .................. 45 3.5. Confiança na rede como força emergente do mercado de turismo ................................ 49 3.6. Modelo de estudo sobre os paradigmas da sociedade em rede e a valorização da informação em plataformas de turismo ................................................................................. 52 4. Abordagem contemporânea do Capital Social .................................... 54 4.1. Definições acerca do capital social ................................................................................. 54
  • 9.     4.2. O capital social e o fenômeno da sociedade em rede: o modelo de organização de interesses do TripAdvisor ...................................................................................................... 57 4.3. Controle, fortalecimento de laços e direcionamento aspiracional como forma de fomentar a criação de capital social para realização de negócios no Airbnb ....................................... 62 Considerações finais................................................................................... 68 Referências bibliográficas ......................................................................... 71 Sitografia ..................................................................................................... 73
  • 10.     1   Introdução O ato de viajar é essencialmente burguês e somente pode ser massificado após uma série de avanços sociais e industriais – como o fim das guerras mundiais e o advento da aviação comercial –, sua forma comercial, o turismo, vive uma nova fase de transformações em decorrência da sociedade hiperconectada. As relações humanas sofreram profundas alterações com do acesso e as constantes inovações tecnológicas das últimas décadas. Portanto, toma- se como premissas alguns fatores que determinam o impacto direto deste avanço. Dentre eles, o aumento crescente no processamento de dados digitalizados, o que garante acesso a uma infinidade de dados e cruzamentos informacionais; a Sociedade em Rede1 , cujo avanço é cada vez mais latente e viabiliza um maior número de conexões pessoais e melhor arranjo em torno de seus interesses; e, por fim, a possiblidade que a tecnologia e a rede oferecem para que todo indivíduo ou organização possa terceirizar sua memória, o que acaba por projetar ainda mais as relações humanas na rede. Unir as transformações sociais provocadas pela tecnologia com os seus impactos no mercado de turismo é a base deste trabalho. O primeiro capítulo busca traçar um olhar sobre a essência do turismo, partindo das necessidades que impulsionam uma viagem, com base em leituras mercadológicas e filosóficas para entender esse desejo. Em seguida, no segundo capítulo, busca-se concatenar diferentes abordagens sobre o ritual de consumo para um melhor entendimento sobre a cadeia de valor do mercado de turismo. Será mostrado que o consumidor de hoje encara suas decisões transacionais sob uma lógica não hierárquica, sugerindo uma nova visão sobre os caminhos percorridos e também novos pesos sobre cada etapa. Essa passagem já começa a indicar uma influência da rede na cadeia de consumo. O Loop de Lealdade2 (tradução do autor) é uma reinterpretação do Funil de compra e parte de uma dinâmica circular. A quebra da linearidade                                                                                                                 1  Este  conceito  será  aprofundado  mais  adiante.   2  Do  original,  Loyalty  Loop.  
  • 11.     2   desse trajeto – criado no século XIX – sugere uma ideia de ciclo contínuo e tem como premissa o consumidor hiperconectado, que convive com muito mais informações e as manipula diariamente. Dessa forma, inicia-se o terceiro capítulo com o objetivo de apontar os fenômenos ocasionados pelo avanço digital e como eles podem ser lidos como fatores competitivos para negócios no mercado de turismo baseados, mais precisamente para plataformas de turismo. Sendo estes fatores a organização de informações, a ação coletiva e o estímulo a projeção da Cauda Longa3 . Como forma de mostrar a eficiência dos fatores levantados, serão usados dois modelos de negócio como objetos de estudo para observação do desenvolvimento do que será apresentado daqui em diante: o TripAdvisor, plataforma que concentra avaliações de turistas sobre destinos, atrações e hospedagens; e o Airbnb, um agregador de pessoas dispostas a oferecer espaço domiciliar para hospedar turistas. O cruzamento entre sociedade em rede e mercado de turismo deverá culminar na formação de um modelo de estudo que procura organizar os fatores competitivos supracitados. Somar-se-á a este modelo a questão da emancipação da confiança entre usuários como indício comportamental que ajuda a explicar o sucesso de Airbnb e TripAdvisor. As tentativas de agregar valor às interações correntes entre usuários é o tema do quarto e último capítulo, que é dedicado a uma abordagem do conceito de capital social projetado na rede, cuja análise sob o viés do modelo de negócio de TripAdvisor e Airbnb só vem a legitimar as vantagens competitivas dessa duas plataformas, que escalam seu circuito de informações sob perspectivas diferentes, mas que partem dos mesmos denominadores. Enfim, a etapa conclusiva deste trabalho se dedica a fazer reflexões sobre o caminho percorrido para provar a capacidade de inovação provocada pelas duas plataformas e como são influenciadas pela escalada do capitalismo informacional, hiperconexão social e empoderamento do                                                                                                                 3  Este  conceito  será  aprofundado  mais  adiante.  
  • 12.     3   indivíduo a partir da confiança interpessoal possibilitada pela rede – que emancipa pessoas antes desconhecidas ao ponto de serem consideradas ótimas fontes de informações e até aptas para realização de negócios.
  • 13.     4   1. O turismo hoje, principais mudanças e necessidades por trás deste mercado O termo turismo possui suas origens no século XIX, porém esta atividade estende suas raízes pela história. Certas formas de turismo existem desde as mais antigas civilizações, mas foi a partir do século XX, mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial, que o turismo em escala se desenvolveu. O Doutor em geografia e economia, Helton Ouriques, em sua obra A produção do turismo – fetichismo e dependência, levanta os principais fatores que tornam o turismo viável como mercado e escalável mundialmente. O turismo começa a existir enquanto atividade econômica, no momento em que os equipamentos de transporte, comunicação e hospedagem foram se instalando nos territórios. Essa atividade é tão flexível quanto a sociedade, e ela vinha se transformando na medida em que as estruturas sociais modificam suas dinâmicas de funcionamento. (OURIQUES, 2005, p.30). No entanto, até algumas décadas atrás, a participação no turismo estava restrita a uma elite, que dispunha de tempo e de dinheiro para realizar suas viagens. Atualmente, turistas se deslocam por vários fatores que permitem o seu distanciamento de sua casa e rotina, objetivando o seu bem estar e constituindo parte do estilo de vida capitalista. Segundo a WTTC, em 2013, a contribuição direta do mercado de Viagens e Turismo – que contempla o mercado de hotelaria, transporte, entretenimento, atrações voltadas para o turismo, entre outros – movimentou 1,9 trilhões de dólares no mundo todo. O valor representa 2,8% do Produto Global Bruto. Considerando a contribuição indireta, que contempla os mercados de bens não duráveis, como restaurantes, eventos esportivos e demais estruturas que retém dinheiro do turismo, além de investimento governamental nessa área; este mercado foi responsável pela movimentação de 6,3 trilhões de dólares, ou 9,1% do produto global bruto (World Travel and Tourism Council Competitives Report, 2013. pp. xxiii). Além disso, são mais de 254 milhões de empregos direta e indiretamente criados em 2013, correspondendo a 8,7 % do total de
  • 14.     5   empregos gerados ao redor do mundo. No mesmo ano foram investidos mais de 743 bilhões de dólares nesse setor, em torno de 4,9% do total de investimentos movimentados mundialmente (idem, 2013. pp. xxiii). Os países que mais movimentam turistas indicam que não há necessariamente uma relação entre desenvolvimento e potencial turístico em uma nação, como demonstra a tabela abaixo. Tabela 1.1 – Classificação dos principais países-destino de turistas no mundo, entre 2007 e 2010. Posição País Chegadas de turistas internacionais em 2010 Chegadas de turistas internacionais em 2007 Variação 2007 - 2010 1 França 76,8 80,9 -5,07% 2 Estados Unidos 59,7 58,7 1,70% 3 China 55,7 54,7 1,83% 4 Espanha 52,7 56 -5,89% 5 Itália 43,6 43,7 -0,23% 6 Reino Unido 28,1 30,9 -9,06% 7 Turquia 27 22,2 21,62% 8 Alemanha 26,9 24,4 10,25% 9 Malásia 24,6 21 17,14% 10 México 22,4 21,4 4,67% Total mundial 940 904 3,98% Fonte: UNWTO, Tourism Highlights - 2011 Edition   (June   2011).  Organização Mundial de Turismo.   Disponível:   <   http://mkt.unwto.org/sites/all/files/docpdf/unwtohighlights11enhr.pdf..>. Acesso em: Agosto de 2014.
  • 15.     6   Dentro de seu mercado mundialmente relevante, o turismo é praticado em diversas escalas e cresceu muito após o período de industrialização, possuindo um grande potencial de expansão a partir do aumento da concentração de renda nas classes médias e nos países estáveis economicamente (OMT, 2011). Adiante serão expostas quais são as motivações contemporâneas ligadas ao desejo de viajar. Depois, como os fenômenos comunicacionais e culturais provocados pela sociedade em rede contribuem para o aumento e transformações desse mercado. 1.1. Turismo como mercado: o desejo contemporâneo por viajar e conhecer novas experiências O ato de viajar é uma das atividades mais recompensadoras enquanto experiência de consumo. Sua consumação é influenciada pela escala tecnológica, mas sua essência vivencial se mantém fiel às bases ancestrais que moldaram a civilização ocidental, como procura demonstrar o filósofo Alain de Botton: “Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade, talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio — com toda a sua empolgação e seus paradoxos — quanto o ato de viajar.” (DE BOTTON, 2012, p.17). O ato de viajar envolve uma série de trocas e geração de valores. Por isso, a cadeia por trás de uma viagem pode também ser vista como parte do mercado de turismo. A OMT define o turismo como o conjunto de “atividades que as pessoas realizam durante suas viagens e permanência em lugares distintos dos que vivem, por um período de tempo inferior a um ano consecutivo, com fins de lazer, negócios e outros” (OMT, 1995, p.10). A definição é genérica e abrangente, pois o mercado de turismo se ampliou muito após a estabilização da sociedade de massa pós-industrial, onde indivíduos possuem mais tempo livre e direitos para gozar do dinheiro que arrecadam. Como sustenta o sociólogo Jofre Dumazedier, autor do livro Lazer e Cultura Popular, “a diminuição da duração do trabalho iria
  • 16.     7   desenvolver-se, aos poucos, na classe operária, uma aspiração pelo lazer, mais ampla e também mais profunda” (DUMAZEDIER, 2001, p.265) – ou seja, o aumento populacional e a concentração de renda da classe média urbana fizeram do ato de viajar um bem acessível. Com tempo e dinheiro somados a fatores globais, como o fim das Guerras Mundiais, a globalização, o acesso massivo à aviação comercial e o desenvolvimento de modelos de mídia de massa, favoreceram a criação de uma cultura de consumo na classe média assalariada, à qual o turismo passa a fazer parte do seu rol de bens e parte da busca desenfreada pela qualidade de vida. 1.2. Entendendo a necessidade por viagens O turismo segue a lógica capitalista como produto fruto de uma cadeia de valor capaz de suprir uma série de necessidades humanas, como se pode observar a partir da Pirâmide de Hierarquia de Necessidades 4 concebida pelo psicólogo Abraham Maslow (1943) – um dos modelos mais tradicionais de categorização de desejos –, que ajuda a entender como esse mercado se desenvolve e a quais níveis hierárquicos de necessidades humanas ele atende.                                                                                                                 4  Também  conhecida  como  Pirâmide  de  Maslow  
  • 17.     8   Figura 1.2.1. – Pirâmide de Maslow. Fonte: MASLOW, Abraham H. A Theory of Human Motivation (1943), gráfico criado pelo autor. 1.2.1. Das necessidades por fisiologia e segurança Uma viagem, enquanto deslocamento, contempla a busca por necessidades fisiológicas e de segurança, mas não é feita para sanar tais desejos especificamente. Por mais que sem segurança e condições fisiológicas não há turismo, não é possível imaginar um mercado massivo e global que desconsidere fatores básicos para a sua realização, como estrutura de hospedagem, transporte, saneamento, alimentação, etc. Uma viagem de turismo é acima de tudo, um ato de lazer. Não é concebível que um turista médio viaje em busca de abrigo, por exemplo. O turista tem objetivos ligados a negócios ou diversão e, num limite, isso pode ser alcançado através de fugas ou rupturas com a sua realidade, sendo o retorno uma marca do ato de viajar – de outra maneira, o turista poderia ser considerado um refugiado ou migrante.
  • 18.     9   Necessidades ligadas a base da Pirâmide de Maslow podem sim ser um principal motivador para o turismo. Existe um mercado onde o objeto de turismo se encerra na própria estrutura de hospedagem. Também é preciso levar em conta o turismo gastronômico, no qual a alimentação é o principal motivo para a viagem. Mas seria limitador considerar que, por exemplo, a necessidade para matar a sede e assegurar o preparo físico fazem milhares de pessoas viajarem para regiões vinícolas ou para SPAs. A finalidade da viagem pode até ser arraigada em necessidades fisiológicas e de segurança – inclusive, considera-se condições adversas como parte do lazer –, mas certamente, o ato de viajar também está ligado muito mais às necessidades apresentadas no topo da pirâmide. 1.2.2. Das necessidades sociais e por estima A partir do terceiro e quarto degraus da Pirâmide de Maslow, já se começa a ligar o comportamento do viajante com respostas ligadas às necessidades mais supérfluas e, ao mesmo tempo, mais contemporâneas à sociedade urbana e pós industrial. Aqui identificamos o valor que a experiência de viagem conjuga ao viajante. Dentro das necessidades sociais, uma viagem é prioritariamente um ritual de esvaziamento e preenchimento. O turista se desloca para uma cultura diferente da sua para descobrir e vivenciar algo novo. No que diz respeito a necessidade por relacionamentos pessoais (a amizade e a intimidade sexual), vale abrir uma reflexão sobre as viagens feitas sem companhia, aquelas feitas com entes conhecidos e aquelas onde o viajante se empenha em socializar com seu entorno. De Botton expõe que a viagem feita solitariamente tem uma proposta inabalável: a possibilidade de manter a personalidade imaculada – que de certa forma se “blinda” diante da interferência direta de pessoas às quais não se poderia ignorar se estivesse realizando uma viagem acompanhado. Viajar sozinho parecia uma vantagem. Nossa reação ao mundo é decisivamente moldada pelas pessoas que nos acompanham, trabalhamos nossa curiosidade para nos adaptarmos às expectativas de outros. Eles podem ter uma visão específica a nosso
  • 19.     10   respeito, impedindo sutilmente que se manifestem certos aspectos de nossa personalidade [...] Observados de perto por alguém, podemos nos sentir inibidos quanto à observação de outros, preocupados em nos adaptar às perguntas e aos comentários de quem nos acompanha, compelidos a parecer mais normais do que seria bom para nossa curiosidade. (DE BOTTON, 2012, p.187) No entanto, cabe colocar que a companhia muitas vezes motiva uma viagem e, por mais que a preservação da personalidade e o zelo com a curiosidade individual sejam questões relevantes, muitas vezes estas não superam a necessidade de acompanhamento para compartilhar os benefícios de uma viagem. Já as necessidades por estima são preenchidas numa viagem a partir do momento em que o turismo é assimilado como serviço de troca de contextos e rotinas. Uma pessoa viaja por inúmeras finalidades, mas em todas estará abrindo mão da sua zona de conforto e colocará em prova sua confiança, inteligência, agilidade e disposição. Ao aceitar uma viagem, o turista será justamente um estranho e precisa arcar com os benefícios e malefícios que essa condição venha a lhe trazer. Ele participa de um ritual de desbravamento, há um papel fundamental do novo entorno em ser assimilável ou, ao menos, compreensivo para que o turista o explore. E esse ritual de ser um estranho num ambiente adverso que traz o encanto do turismo, podendo ser colocado em paralelo com a comunicação humana contemporânea, como pontua Pierre Lévy no artigo A revolução contemporânea em matéria de comunicação: A frequência crescente das nossas viagens, a eficiência e o custo decrescente dos nossos meios de transporte e de comunicação, as turbulências de nossas vidas familiares e profissionais, fazem-nos explorar progressivamente um terceiro estado, “móvel”, na sociedade urbana mundial. Esta nova condição “móvel”, multiplicando os contatos, contribui para o reencontro e a reconexão da humanidade consigo mesma. (LÉVY, 1999, p.186-187) Para o filósofo francês, o reencontro do indivíduo consigo mesmo é possibilitado pelo surgimento de novos meios de comunicação e crescente inovação tecnológica, o que acaba por aumentar o preenchimento de necessidades sociais – como, por exemplo, na conexão com pessoas, novos códigos assimilados, ritual de desbravamento e coleta de informação sobre
  • 20.     11   lugares – e de reconhecimento e estima, que pode ser visto no ato de compartilhar e contar a história de uma viagem para os outros. O autor será revisitado mais adiante, na questão da Cibercultura como conceito e as eventuais definições e influências da sociedade hiperconectada, onde o mercado de turismo será posta sob análise; mas por hora, usa-se o ponto de vista sobre o turismo e a realização social explanados por Lévy, que são suficientes para se concluir que há uma grande relação entre o ato de viajar – a sua condição móvel – com os desejos da sociedade contemporânea. 1.2.3. Das necessidades por realização pessoal A camada mais alta ligada à realização pessoal é descrita por Maslow como uma etapa onde o desejo é "ser tudo o que somos capazes de ser, desenvolver os nossos potenciais" (MASLOW, 1943). Nota-se que o impacto de uma viagem não leva necessariamente à igualdade social ou à ausência de preconceito e pleno bem estar social – necessidades também encontradas no quinto degrau da Pirâmide de Maslow. Considera-se que enquanto turistas, há uma sublimação desse tipo de desejo uma vez que a experiência da viagem dá menos peso aos sentimentos de igualdade, justiça e moralidade – de outra forma, turistas de países de primeiro mundo não iriam se interessar em visitar países de terceiro mundo. O tempo gasto numa viagem, justamente por ser dedicado a uma nova rotina e a um novo contexto de vida, tende a garantir maior espontaneidade, novas descobertas e a abertura de uma mente mais criativa, influenciada pela troca de contextos. Portanto, a necessidade por realização pessoal é preenchida pelo turismo num âmbito muito mais ligado à abertura de novas possiblidades e novas experiências do que em relação à harmonia e à supressão de problemas morais e sociais.
  • 21.     12   1.3. O desejo por trás de uma viagem: alimentar uma busca interior Como conclusão, há no turismo um dos poucos mercados – se não o único – com total capacidade para nutrir todas as necessidades da Pirâmide de Maslow em escalas diferentes. Porém, com a possibilidade de legitimação de cada uma delas. São supridas inúmeras necessidades ao viajar e isso faz de tal mercado ser tão interessante para o capitalismo. No mercado de turismo notam-se diversos produtos e serviços consumidos, mas o que realmente se procura é o todo que eles representam: uma experiência de vida por um período de tempo limitado. O ato de viajar, como insinua De Botton, é muito mais ligado a um exercício mental, que pode significar em outras palavras “o estado de espírito do viajante”. O prazer que extraímos das viagens talvez dependa mais do estado de espírito em que viajamos do que do destino. [...] Se pudéssemos aplicar o estado de espírito de quem viaja aos nossos lugares, constataríamos que esses lugares não são menos interessantes do que os desfiladeiros em montanhas altas e as florestas cheias de borboletas da América do Sul vista por Humboldt. (DE BOTTON, 2012, p.184) Este estado de espírito não é provocado pela compra de uma passagem ou após um jantar numa viagem, mas pela consumação do ato de viajar e todas as sensações que ele evoca. O todo possui um efeito muito superior ao que é individual. Portanto, por trás de todas as necessidades que uma viagem pode suprir, sair em busca de algo novo para dar conta do tempo ocioso vêm do desejo de preenchimento interior, mais que um produto ou serviço, compra-se uma experiência de vida.
  • 22.     13   2. O consumidor do turismo na era digital: principais aspectos sobre a influência da rede Aqui, o objetivo é compreender o comportamento do consumidor na era digital, que precisa lidar com inúmeras decisões e, para tanto, assimila e usa as informações disponíveis de uma maneira inédita nos anos recentes. Inicia-se esse capítulo com um olhar próximo da cadeia de valor do mercado de turismo, que mostrará a pluralidade de transações envolvidas no consumo do turismo. Será mostrado como o excesso de compras é maior que o período dedicado a viagem e como isso pode ser beneficiado pela facilidade de acesso a informação provocada pela rede. Em seguida, o olhar será direcionado para o consumidor sob a perspectiva do mercado. Uma série de transformações marcaram o processo de tomada de decisão e a emancipação da sociedade em rede é o principal deles. O cenário digital coloca o ritual de consumo sob uma nova perspectiva: agora mais circular e não hierárquica, como era sugerido desde o século XIX. Este novo consumidor tem mais poder e quer se relacionar mais com as marcas, ele recebe inúmeras mensagens e pesquisa informações com frequência, confiando mais em opiniões pessoais do que naquelas propagandeadas. Os novos paradigmas de mercado que serão apresentados adiante são essenciais para compreensão das transformações provocadas pela rede no mercado de turismo, que serão abordados na terceira parte deste trabalho. 2.1. Cadeia de valor do mercado de turismo no ambiente digital Uma viagem é um conjunto de serviços adquiridos em diversas etapas, cujas fontes de consumo são descentralizadas e horizontais. Consideram-se as fontes descentralizadas, pois a cadeia de consumo se divide em mercados de oligopólios, como o de passagens aéreas, e ora em mercados extremamente pulverizados, como o de agências de turismo.
  • 23.     14   E são horizontais, já que uma viagem é um serviço com alto poder de customização e cuja de valor vai além da viagem em si. Há um “antes”, um “durante” e um “depois”, que são desfrutados em diferentes setores ao longo de cada processo. Figura 2.1.1. Cadeia de Valor do mercado de turismo. Antes Durante Depois Reserva Transporte Provisão de recursos Transpor te Atrações Compras / consumo Conversões Avaliação Hotéis, pacotes Passagens aéreas e outros modais Moedas, documentaçã o Deslocame n-tos locais Passeios, construçõ es, natureza, etc. Presentes, refeições Moedas, milhagem Resenhas, avaliações Fonte: gráfico feito pelo autor. Por mais que encontre-se iniciativas de verticalização, como a venda de pacotes completos de viagem (passagem, estadia e passeios), indiretamente não é possível condensar todos os serviços que uma viagem oferece. Portanto, para não consumir a análise em todos os mercados envolvidos pelo turismo, a seguir, será mostrado como a digitalização do Marketing infere nos processos de aquisição de uma viagem. 2.2. Funil de compra do turismo: antes e depois da escala digital No ano de 1898, Elias St. Elmo Lewis, publicitário americano, concebeu uma linha de pensamento para orientar marcas a entender as etapas de uma venda e poder concentrar esforços diferentes para momentos diferentes da relação entre consumidor e marca. Essas diretrizes foram assimiladas na época e, em 1925, reunidas por Edward K. Strong, que
  • 24.     15   condensou os pensamentos de Lewis no formato que hoje é conhecido por modelo AIDA. Figura 2.2.1. – Modelo AIDA. Fonte: STRONG, Edward K. Strong. The Psycology of selling and advertising (1925), gráfico criado pelo autor. Lewis resumia os propósitos do modelo AIDA em uma frase: “Consiga atenção, mantenha o interesse, crie desejo e incentive a ação” (LEWIS, 1898). As etapas do modelo, que também pode ser entendido como “Funil de Compra”, podem ser analisadas de maneira mais criteriosa individualmente e até hoje mantém suas bases atuais. A busca por atenção sugere que uma marca procure estar onde seu consumidor está e, a partir desse ponto de contato, estabeleça uma linha de comunicação com ele. A etapa de interesse começa no momento em que o consumidor entende as características sobre o produto ou serviço e pode ser estimulado a priorizar uma marca da outra a partir do trabalho de diferentes mensagens que o conectem com a marca. Atenção Intenção Desejo Ação
  • 25.     16   Já o desejo pode ser estimulado através de inovações de produto, propostas diferenciadas de comunicação e/ou posicionamento. E a etapa de “Ação” tem como principal característica a criação de uma oferta que se mostre irresistível ao consumidor. No entanto, entre uma etapa e outra do AIDA outras podem ser abertas, como consequência da profissionalização do Marketing e do aumento de pontos de contato do consumidor, prioritariamente da acessão da TV e Rádio como meios de grande alcance e considerando a ascensão e influência da mídia digital. Kotler e Keller (2012) elencam outros modelos que foram estabelecidos a partir da evolução do AIDA e que são baseados na sua influência, sendo o principal deles, o Modelo de Hierarquia dos Efeitos, criado por Robert Lavidge e Gary Steiner em 1961. Figura 2.2.2. – Modelo AINDA X Modelo de hierarquia de efeitos. Fonte: KOTLER, Philip & KELLER, K. L. Administração de Marketing (2012), gráfico criado pelo autor. A ampliação do Funil indica que o consumidor muda de comportamento à medida que os estudos mercadológicos se sofisticam. As etapas de Lavidge e Steirer podem ser tidas como uma visão mais Atenção   Intenção   Desejo   Ação   Consientização   Conhecimento   Simpatia   Preferência   Convicção   Ação  
  • 26.     17   segmentada e propícia à atuação mais qualificada, mas não fogem dos preceitos de Lewis. No entanto, as leituras sobre o movimento de consumo diante do novo cenário midiático, onde o consumidor passa a usar a rede para consumir informações e entrar em contato com opiniões de outras pessoas em maior escala. A importância de serviços pós venda, que acenem para uma continuidade do consumo através do relacionamento assumem uma grande influência sobre futuras transações. Neste cenário, a publicação Harvard Businnes Review (2006) propôs o alongamento do Funil e a segmentação de esforços, dividindo atribuições de competência do Marketing das que fazem parte da equipe de vendas. Figura 2.2.3. – Funil de Compras, atribuições do Marketing e de Vendas. Fonte: Harvard Business Review (2006). Disponível em: <http://hbr.org/web/special- collections/insight/marketing-that-works/end-the-war-between-sales-and-marketing>. Acesso em: Agosto de 2014.
  • 27.     18   Esse modelo sugere maiores esforços de vendas para a marca se manter próxima ao consumidor após a compra, fazendo com que ele volte a consumi-la ou recomende seus produtos. Antes de tomar uma decisão, o consumidor conta com mais pontos de contatos para obter informações sobre um produto e também ele qualifica esses pontos de contato e os emissores dessas mensagens (amigos, imprensa, marcas, concorrentes, etc.) de maneiras diferentes. 2.3. O Loop da Lealdade e o fim da visão linear sobre o consumo O Funil de Compras ajuda a entender e diferenciar o que é de responsabilidade do Marketing do que é de Vendas, mas sua projeção em linha onde o consumo de mídia varia de acordo com as etapas e considerando o duelo diário e agressivo pela atenção das pessoas em todos os meios, não há como dizer que suas etapas são concomitantes. A velocidade das informações e o dinamismo do mercado colocam em xeque a lógica hierárquica para compreender o comportamento do consumidor. A consultoria McKinsey (2012) realizou uma pesquisa com o caminho até a compra de 20.000 consumidores, envolvendo cinco indústrias e três continentes. E, como principal resultado, ela mostrou que a ideia de um caminho reto até a tomada de decisão é falha no mercado contemporâneo. Segundo a consultoria, o aumento de marcas diferentes, facilitado pela ativação de novas mídias, faz com que o consumidor seja seletivo mesmo na primeira etapa de “Atenção”. No entanto, ao entrar em estágios ligados à consideração e preferência, onde o consumidor tende a aprofundar seus conhecimentos sobre determinadas marcas, ele pode incluir uma nova marca, já que volta a olhar ao setor com mais informações e decisões estabelecidas. Por fim, e como ponto mais relevante, a pesquisa realça o aumento do poder do consumidor, cujas mensagens passam a exercer uma influência maior do que as tentativas de conversas lideradas por marcas. Segundo a
  • 28.     19   McKinsey, dois terços dos pontos de contato acionados pelos pesquisados durante o seu ritual de compra tinham a ver com o acesso a opiniões de terceiros, como busca por resenhas de outros usuários e conversas com amigos. Figura 2.3.1. – Pontos de contato mais influentes (y) durante a jornada do consumo (x). Fonte: McKinsey 2012. Disponível em: <http://www.mckinsey.com/insights/marketing_sales/the_consumer_decision_journey>. Acesso em: Setembro de 2014. O papel da pós venda, segundo o estudo, pode ter dois vieses diferentes. Divide-se os consumidores interessados em benefícios após a compra e também aqueles interessados em se relacionar com a marca. Essa manutenção de relacionamento individual com os consumidores é um dos maiores desafios para as marcas atualmente e, não era previsto no modelo AIDA e em suas releituras. Dessa forma, a sugestão da McKinsey está na criação de um ciclo de consumo, que pode ser virtuoso em duas medidas: (i) a partir do momento em que uma marca consegue figurar no painel de marcas consideradas – ou entrar nesse rol antes da decisão final e se fazer consumida – e (ii) a partir do
  • 29.     20   momento em que, feita a compra, as marcas saibam como estimular o relacionamento com consumidores para fazer com que eles retornem e espalhe boas opiniões sobre ela. Considera-se não só que os consumidores têm o poder de espalhar suas opiniões, mas que eles também esperam respostas das marcas, o que torna um serviço de pós venda e presença digital muitas vezes tão importante quanto a presença do produto nas lojas. O modelo Loop da Lealdade propõe um ciclo que começa no conhecimento da marca e que pode se tornar virtuoso a partir da recompra ou da indicação para outras pessoas. Figura 2.3.2. – Loop da Lealdade, ciclo virtuoso de consumo. Fonte: McKinsey 2012 Disponível em: <http://www.mckinsey.com/insights/marketing_sales/the_consumer_decision_journey>. Acesso em: Setembro de 2014. Este modelo considera apenas quatro etapas. A primeira diz respeito a uma escolha inicial de marcas, baseado principalmente no conhecimento que
  • 30.     21   se tem do setor, o que poderia se passar pelas etapas de “Atenção” no modelo AIDA. Acima de tudo, o início do ciclo trata o reconhecimento da necessidade de consumo por marcas e não o seu conhecimento. Pressupõe- se que, com tanta exposição, a necessidade já pode ser representada a partir de uma seleção inicial de marcas, não havendo necessidades inéditas, apenas novos estímulos. A seguir, a etapa de “Avaliação Ativa” (Active Evaluation) considera a postura ativa do consumidor na busca de informações e avaliações. Essa etapa mescla as fases de Consideração e Desejo do AIDA, num exemplo nítido de que o consumidor não se rege por etapas hierárquicas, mas conduz a sua decisão num processo de organização individual em meio a tantas informações. A terceira etapa (Moment of Purchase) é um momento cada vez mais frágil, já que a capacidade de interferência é maior nos dias atuais. Marcas podem focar suas estratégias somente para essa etapa, oferecendo produtos substitutos ou ofertas mais competitivas. Segundo a consultoria, muitas vezes o esforço de levar o consumidor até a etapa final não é recompensado. Feita a transação, começa a experiência com o produto, que, em um cenário de “empoderamento” do consumidor, pode ser determinante para que haja reincidência e para que a marca entre no rol de consideração inicial de outras pessoas. Por mais que o tempo de consumo possa ser pequeno, as percepções dos consumidores podem ficar registradas na rede e serem acessadas a qualquer momento. Por isso, a reputação de uma marca é fundamental para o seu sucesso. Dentro do viés do mercado de turismo, o Loop de Lealdade possui grande relevância, já que ele considera a profusão de mídias e a influência da opinião de terceiros durante a jornada de compras. É preciso ter em mente que a consumação de uma viagem começa na decisão do destino final ou, ao menos, numa ideia do caminho que será percorrido. Feita essa decisão é que se passa a adquirir os serviços para que essa experiência tome forma. Dessa forma, podemos aplicar essa técnica
  • 31.     22   tanto para a decisão de destinos quanto para ocasiões mais transacionais da viagem, como a compra de passagens e escolha de hotéis. Entende-se que o modelo circular e com menos etapas que o Funil (linear) coloca a mudança comportamental da sociedade em rede como força transformadora no consumo. O excesso de informações e o poder de influência das pessoas durante o processo de consumo serão analisados a seguir junto aos fatores chave que fazem com que plataformas de turismo se aproveitem destes fenômenos.
  • 32.     23   3. Cibercaptalismo e a economia da informação Após uma análise do mercado de turismo, passando por suas premissas básicas e uma visão contemporânea do comportamento transacional do consumidor, beneficiado pela rede, busca-se agora entender o fenômeno da conectividade dentro do mercado da informação e seus impactos no capitalismo. Informação e turismo hoje formam mercados completamente distintos do que há 50 anos atrás. Além da questão das mudanças ocasionadas pela tecnologia, a influência (direta e indireta) da informação no mercado de turismo será posta em análise. O caminho desta leitura começa nas transformações que fizeram da informação um fator disruptivo no sistema capitalista e seguirá em direção aos novos paradigmas da informação e seus impactos no mercado de turismo. A principal resposta desse estudo não está no enquadramento do mercado de turismo dentro de um esquema que dialogue com modelos de análise de marketing clássicos, como as cinco forças de Porter, mas na conjunção de fenômenos da sociedade em rede, que em um viés de negócio, são fatores competitivos para a TripAdvisor e a Airbnb, duas plataformas de grande projeção mundial no mercado de turismo, cujo modelo de negócio é baseado no capitalismo informacional. Para facilitar essa visão, ao final desse capítulo será criado um modelo de estudo com os principais paradigmas que devem ser considerados para o estudo dos modelos de negócio similares ao TripAdvisor e Airbnb A primeira parte da análise será uma introdução ao cenário atual do capitalismo informacional, cuja abundância proporcionada pela rede é capaz de mudar uma série de indústrias e não só aquelas diretamente ligadas à computação. A seguir, inicia-se a análise com uma reflexão sobre o ideal de organização do indivíduo da rede, um fenômeno enraizado na Cibercultura (Lévy, 2010). Se em rede as informações compõem um sistema universal sem totalidade, todos são atores na rede e dela podem extrair sua própria ordem. Levando em conta de que uma viagem é consumida com
  • 33.     24   planejamento e pesquisas prévias, ou seja, informações antes para decidir depois, a capacidade de organizar informações é encarada como vantagem competitiva no mercado de turismo. Em seguida, mostraremos o fenômeno da participação e capacidade de organização descentralizada. A partir de interesses individuais e o oferecimento de ferramentas adequadas, indivíduos se capacitam para se organizar em comunidades virtuais e delas se beneficiarem coletivamente. O fator determinante para essa organização está no valor que o assunto oferece aos seus interessados. Complementando a capacidade de organização, a ação coletiva é relevante para o mercado de turismo, pois a vontade de organização, somada a fatores como tempo ocioso, acesso à tecnologia, capacidade de influência e o retorno pela participação, explicam porque as informações proliferam entre indivíduos na rede e aumentam seu valor no mercado de turismo. Por fim, será feita uma reflexão que começa no conceito de “Capitalismo da Informação”, cunhado por Castells (1999), para se entender como a aparelhagem tecnológica ajudou na criação de vantagens competitivas por meio da capacidade processual de informações, o que permitiu que mais organizações pudessem dar mais sentidos às mesmas informações – efetivando a criação de mercados paralelos aos já existentes. A visão de Castells será somada às teorias de Anderson (2006 e 2009) sobre a Cauda Longa e a emancipação de dois mercados muito caros ao turismo: os agregadores e a profissionalização de iniciativas amadoras. Encerramos a análise a partir de uma tendência que pode ser considerada como fator diferencial junto ao mercado de turismo na rede: a confiança. Aqui, pretendemos elevar o ideal de que a confiança é a peça- chave para qualquer relação virtual e colocamos a confiança entre indivíduos, mediada por organizações, como uma grande oportunidade dentro do capitalismo informacional.
  • 34.     25   3.1. Os novos paradigmas da economia da abundância Considerando a escrita e seus impactos na maneira de como a sociedade é organizada, o surgimento da tecnologia digital permitiu uma nova revolução na maneira como a humanidade trabalha com a informação. Enquanto a escrita permitiu que o conhecimento se desvinculasse da cultura oral, permitindo com que sua transmissão pudesse ser arquivada e retransmitida por anos sem se perder, a emancipação do digital transformou todo o conhecimento criado em qualquer meio computável, ou seja, cuja propriedade pudesse ser registrada em sistemas eletrônicos e encontradas de qualquer ponto com conexão a rede. Em rede, informações que podem ser digitalizadas passam a ser facilmente escaladas, arquivadas, deturpadas, referenciadas e, principalmente, acessadas. Não há como impedir a reprodução de informações digitais, uma vez que qualquer indivíduo possui a capacidade para se tornar veículo e receptor de mensagens. À medida que o ciberespaço permeia a civilização, mais informações entram para a rede e menos controle é possível se estabelecer sobre elas. A cobertura da rede parte de um caráter dominante e excludente, já que não há uma reversão da digitalização e uma vez digitalizado, determinada sociedade ou indivíduo se diferencia dos demais por possuir acesso a um novo paradigma informacional. Além da redução irresistível do custo pela informação, também nota-se a queda no valor dos sistemas e estruturas que a armazenam. Chris Anderson, em seu livro A Cauda Longa (2006, p.143) coloca o aumento exponencial da capacidade dos processadores para delimitar processos e arquivar informações – avanço credenciado da lei de Moore (1965) – como base para a inserção ilimitada de informações na rede. Como o aumento de informações é vertiginoso e desenfreado, notamos uma abundância de informações antes nunca vivida pela humanidade. Já no livro Free (2009), Anderson chama esse momento de “Economia da Informação”, que parte do princípio de que a informação, hoje, é abundante e não encontra uma demanda capaz de dar conta dela mesma.
  • 35.     26   O autor vai além, “As tendências para preços no longo prazo são determinadas pela própria tecnologia, e o quão mais esta é comoditizada (sic), menor mais barato será o preço.”5 (ANDERSON, 2009, p.93, tradução do autor), e dá a entender que todos aqueles mercados que possuem em dados um fator determinante para a sua geração de valor tendem a ter seus preços reduzidos a medida que o avanço tecnológico culmina na redução dos seus da produção e processamento de informações, como é o caso do mercado de turismo. A abundância generalizada já era conceituada por diversos pensadores antes e após a revolução industrial. De Marx a Keynes, as relações entre o capitalismo e seus recursos sempre foram foco de inúmeras discussões. No entanto, o excesso de informações na rede, seu constante aprimoramento e aumento exponencial no número de produtores (indivíduos conectados) sugere um processo de transformação irreversível. O movimento de expansão dos limites da tecnologia, baseado nas premissas do capitalismo industrial de produzir cada vez mais onerando menos custos projeta os custos operacionais da informação sempre para baixo (ANDERSON, 2009, pp. 91-93). Como consequência, todos os mercados baseados na troca de informações deverão passar por mudanças. Alguns setores já acusaram o golpe, como a indústria fonográfica, em que o aparato digital reduziu drasticamente o valor de mercado das músicas – que passaram a ser facilmente acessadas e, consequentemente, reproduzidas entre usuários sem necessariamente creditar os detentores de cada obra.                                                                                                                 5  Citação  original:  “But  the  long-­‐term  pricing  trends  are  determined  by  the  technology  itself  –  the   more  there  is  of  a  commodity,  the  cheaper  it  will  be.”  (ANDERSON, 2009, p.93)  
  • 36.     27   Figura 3.1.1. – Volume de acesso a música por meio e valor atribuído a cada meio de reprodução fonográfica no mercado dos Estados Unidos entre 1998 e 2012. Fonte: RIAA, Recordo Industry Assossiation of America (2012). Disponível em: <http://www.statista.com/chart/1075/the-digital-music-revolution>. Acesso em: Agosto de 2014.
  • 37.     28   Outros mercados estão com essa transformação em processo, como é o caso da indústria da publicidade. A década de 2020 deverá marcar o momento em que o investimento publicitário em mídias digitais vai superar aqueles feitos em meios tradicionais, como TV, rádio e a mídia impressa no mercado dos Estados Unidos. Figura 3.1.2. – Projeção sobre o total de investimentos publicitários por meio no mercado dos Estados Unidos. Fonte: eMarketer.com (2014). Disponível em: <http://www.emarketer.com/Article/US-Total- Media-Ad-Spend-Inches-Up-Pushed-by-Digital/1010154>. Acesso em: Agosto de 2014. Além do maior tempo de permanência dos usuários na rede, o ambiente digital consegue concentrar as informações que antes só eram encontradas nos meios ditos tradicionais. Isso permite com que o antes espectador de um programa de TV, por exemplo, possa acessar o mesmo conteúdo quando e de onde quiser, independente da grade de programação.
  • 38.     29   O futuro indica que mais mercados, ainda mais distantes do processamento de dados e consumo de informações, venham a sofrer com a digitalização da sociedade. Como, por exemplo, o mercado de imóveis, uma vez que as pessoas hiperconectadas, precisaram cada vez menos se deslocar para o trabalho e também precisarão de casas mais eficientes para atender às suas demandas por conexão. A mudança provocada pelas informações em abundância e sua livre circulação não ocorre em fases – um setor após o outro –, mas a partir da maturação da tecnologia junto a um determinado mercado e da capacidade de adoção em escala da mesma (ANDERSON, 2009, pp. 91-93). Como exemplo prático, tomemos o mercado de turismo, onde podemos inferir que o acesso à internet via dispositivos móveis, cuja penetração é crescente, poderá tanto aumentar o volume de informações e influenciar diretamente nas transações, como também poderá impulsionar uma nova interface de compras em mercados cujo consumo móvel é uma realidade, como o de viagens. A expansão da conectividade móvel, pode fazer com que as opiniões de outras pessoas possam ser acessadas em qualquer lugar, se tornando um fator decisivo muito importante, como por exemplo, na escolha de um restaurante ou museu.
  • 39.     30   Figura 3.1.3. – Participação de Smartphones vs. não Smartphones no mercado dos Estados Unidos em 2012. Fonte: comScore (2013). Disponível em: <http://www.businessinsider.com.au/chart-update- us-smartphone-market-share-2012-8>. Acesso em: Agosto de 2014. Figura 3.1.4. – Curva do tipo de conteúdo acessado via dispositivos celulares no mercado americano em 2012. Fonte: comScore (2013). Disponível em: <http://www.businessinsider.com.au/chart-update- us-smartphone-market-share-2012-8>. Acesso em: Agosto de 2014.
  • 40.     31   Figura 3.1.5. – Crescimento global do consumo de Smartphones projeção entre 2013 e 2018 Fonte: IDC (2014). Disponível em: <http://www.dazeinfo.com/2014/07/16/microsoft- corporation-msft-windows-phone-os-market-share-growth-ios-android/>. Acesso em: Agosto de 2014. Conectado, o consumidor não segue uma linha hierárquica para a tomada de decisão, o ciclo virtuoso previsto pelo Loyalty Loop (capítulo 2.3) indica que o consumidor conectado é mais influenciado por amigos e por outras pessoas e, o local de acesso e produção desse tipo de informação visa importar cada vez mais à medida que mais indivíduos acessam a rede via dispositivos móveis. Tal fato não irá acabar com o mercado de turismo como ele é conhecido hoje. As indústrias fonográficas e de mídia publicitária não foram nem serão extintas. A abundância de informações não indica necessariamente que a internet vai acabar com o valor de alguns setores a ponto de inviabilizá-los, mas forçará inúmeros setores a readequarem sua cadeia de valor.
  • 41.     32   3.2. Capacidade de organização como diferencial competitivo A transformação provocada pelo digital pode ser lida a partir do acesso aberto e inédito a uma mídia que preserva um caráter individual na composição de mensagens, antes apenas característico do telefone ou da carta – conversas com número limitado de receptores – e, ao mesmo tempo, assimila a possibilidade de projeção massiva – antes exclusivas das mídias de consumo passivo, como a TV e o Rádio. Em meio a um mar de informações, o usuário está constantemente organizando a rede de acordo com os seus interesses. E, para entender essa auto regulamentação, toma-se o conceito de Cibercultura como ponto de partida, sob a definição de Pierre Lévy em seu livro homônimo, que define o termo como o: “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (LÉVY, 2010, p.17) – o que sugere que a rede tem capacidade para assimilar uma cultura própria enquanto que a sua expansão é feita a partir do que nela é gerado. Lévy indica que essa expansão contínua levaria a rede a se tornar um ambiente com ótimas condições para o surgimento de organizações descentralizadas findadas em interesses próprios entre os seus usuários e, que na mesma medida em que uma pessoa tem o poder de redefinir os “nós” no sistema da rede de maneira individual e caótica (sic), vários indivíduos podem, juntos, formar uma rede própria, com suas próprias regras. Essa interconexão favorece os processos de inteligência coletiva nas comunidades virtuais, e graças a isso o indivíduo se encontra menos desfavorecido ao caos informacional. [...] o ideal mobilizador da informática não é mais a inteligência artificial, [...] mas sim a inteligência coletiva, a saber, a valorização, a utilização otimizada e a criação de sinergia entre as competências e imaginações e as energias intelectuais, qualquer que seja sua diversidade qualitativa e onde quer que esta se situe. (LÉVY, 2010, p.169). Sendo coletiva e não artificial, a inteligência em questão precisa ser coordenada. A capacidade de gerenciar o conhecimento e orientá-lo para um fim determinado parte do princípio de que os indivíduos possuem uma maneira particular de estabelecer a sua atividade na rede e, uma vez propondo uma base organizacional para eles, otimiza-se o seu desempenho.
  • 42.     33   Não por acaso, a internet estimulou o surgimento de um mercado propício para empresas que se propõe a criar modelos organizacionais e interfaces de navegação em seu meio, como buscadores e navegadores. Que a capacidade de organizar informações seja um conceito básico para qualquer negócio digital, não há dúvidas, porém essa capacidade de organização, com o tempo, deixou de ser baseada no avanço tecnológico de determinada companhia e se move em direção à inteligência coletiva. Se as novas técnicas de comunicação favorecem o funcionamento dos grupos humanos em inteligência coletiva, devemos repetir que não o determinam automaticamente. [...] O ciberespaço, interconexão dos computadores do planeta, tende a tornar-se a principal infraestrutura de produção, transação e gerenciamento econômicos. (LÉVY, 2010, pp.169- 170). A razão para tal movimento é simples: uma vez que o usuário rearranja a rede à sua maneira e, sempre o fará à medida das suas necessidades, por que não deixar com que ele crie conteúdo e organize e redimensione a rede de acordo com o seu interesse? O paralelo traçado com o mercado de turismo parte deste questionamento. A determinação de uma viagem envolve uma série de decisões e caminhos transacionais. A busca por informação e sua devida aplicação varia, mas a capacidade de organização está nas mãos do usuário, e não deve-se esperar que ele faça todo o trabalho sempre. Por exemplo, o usuário pode contar com ferramentas para criação de planilhas e calendários como as oferecidas pelo Google Docs (rede) ou no pacote Office (software) para levantar orçamentos de hotéis, mas ele também pode receber esse tipo de informação, organizada de acordo com uma série de filtros do seu interesse ao acessar um site de uma companhia aérea, como o da Gol Linhas Aéareas (www.voegol.com.br), que promove uma interface com as passagens oferecidas pela companhia. Dessa forma, tratando-se de viagens, muitas vezes a organização por parte do usuário não basta e muitas companhias enxergam valor nesse comportamento. São tantas as informações e decisões para uma viagem, que é comum que empresas se apliquem a facilitar esse processo
  • 43.     34   oferecendo, por exemplo, veículos para aluguel ao longo do processo de compra de uma passagem, como pode na página da Gol Linhas Aéreas. Figura 3.2.1. – Exemplo de oferta de serviços complementares a viagem Fonte: Gol Linhas Aéreas (2014). Disponível em: <https://compre2.voegol.com.br/Products2.aspx>. Acesso em: Setembro de 2014. Se a tecnologia oferece uma ferramenta para a criação de inteligência coletiva, conclui-se que qualquer mercado terá que competir também nesse sentido. E, tratando-se do mercado de turismo, onde o papel das informações é justamente respaldar decisões de compra, terá mais vantagem a companhia que souber trabalhar na organização de informações de maneira eficiente. 3.3. Ação coletiva em torno de um interesse A auto regulamentação que cada usuário promove dentro da rede privilegia a organização coletiva em torno de interesses radicados. Em tese, todos podem estabelecer seus próprios domínios e ocupar o espaço da
  • 44.     35   maneira que bem entenderem – na rede, usuários e empresas partem de um pé de igualdade. Apesar disso, muitas ferramentas se propõe a realizar essas conexões de pessoas com pessoas – vide as redes sociais, como o Facebook – ou entre pessoas e informações – como o buscador do Google. Em ambos os casos, a mediação entre conexões não é neutra6 . No entanto, a acurácia dos encontros provocados garante que interesses coletivos sejam desenvolvidos. E se a expansão da rede determina a sua cultura (LÉVY, 2012), esse movimento pode ser iniciado e liderado por grupos de pessoas sem a finalidade de gerar lucro ou dominar determinado mercado. Atribui-se a essa organização coletiva o conceito de Crowdsourcing, cunhado pela primeira vez por Jeff Howe (2006), jornalista da publicação Wired, e possui uma leitura mais próxima do mercado e da participação coletiva na atualidade em Clay Shirky, na obra Lá vem todo mundo: o poder de organizar sem organizações (2012). O Crowdsourcing é caracterizado pela realização de trabalhos e serviços feitos de maneira descentralizada a partir do trabalho coletivo. O fato de ser feito de maneira voluntariosa ou visando ganhos não relacionados a uma cadeia de valor específica destacam esse esforço coletivo do trabalho institucionalizado por uma empresa. O termo também pode ser entendido como a terceirização irrestrita de trabalho, sem necessidade de uma hierarquia, porém respeitando algumas regras ou conduta. E esse trabalho de auto regulamentação em meio ao circuito caótico de informações garante que a produção avance e possa ser acessada por todos os envolvidos que dela participaram, mas também provoca um desequilíbrio entre participação e número de pessoas envolvidas, como nota Clay Shirky: Nunca tantas pessoas tiveram tanta liberdade para dizer e fazer tantas coisas com tantas outras pessoas. [...] Uma vez que hoje todos têm as ferramentas para contribuir da mesma maneira, seria de se esperar um enorme aumento a igualdade de participação. Mas isso seria um erro. [...] em vez de prejudicar grandes sistemas sociais, o desequilíbrio os impulsiona. (SHIRKY, 2012, p.105).                                                                                                                 6   A questão da neutralidade da rede é considerada pelo autor, mas não será posta em foco neste trabalho.  
  • 45.     36   O autor atribui o desequilíbrio a estudos feitos entre os participantes de sites como o Flickr e Wikipédia. No geral, menos de 2% dos participantes são responsáveis pela maioria do conteúdo criado, enquanto a maioria dos envolvidos só faz uma contribuição. A projeção das participações versus o número de participantes, normalmente, fica afeiçoada a um gráfico de Cauda Longa, ou seja, a participação em Crowdsourcing parte de um sistema de potência (SHIRKY, 2012, pp. 105 – 112). Figura 3.3. – Gráfico básico para a sistemas de potência, número de participantes (x) versus frequência de participações (y) Fonte: criado pelo autor. Cientes disso, muitas empresas passaram a aproveitar do movimento natural de ação coletiva baseada em interesses para seu benefício, mostrando que a relação com a participação coletiva requer atenção, já que a mesma massa que pode colaborar também tem o poder para destruir uma marca. Shirky cita o caso dos usuários da AOL, que eram estimulados a converter amigos a acessar a internet a partir do portal de informações e material de hardware (CDs) fornecidos pela empresa. O trabalho era feito voluntariamente, porém, ao descobrirem que a companhia aumentava seu valor de mercado à medida que mais pessoas aderiam aos seus planos,
  • 46.     37   estes voluntários processaram a AOL em conjunto, por acreditarem que estavam trabalhando para a companhia de maneira vedada e sem ganhar nenhuma contrapartida por isso (SHIRKY, 2012, pp. 115 - 116). Ciente das peculiaridades que impulsionam e cerceiam o voluntarismo em rede, na obra A cultura da participação, Shirky elenca os seis principais motivos para que o fenômeno colaborativo tenha fruição na rede: tempo livre, excedente cognitivo, senso de oportunidade, motivações humanas, senso de utilidade comum e interesse público (SHIRKY, 2011). Sob as premissas do senso de utilidade comum, muitas pessoas passaram a repassar os conhecimentos e programas para instalar os provedores da AOL, mas esse senso foi aniquilado a partir do momento em que eles se deram conta que a empresa estava tirando proveito deles, contrariando o interesse público que o trabalho coletivo se propunha a fazer. Unindo prioritariamente excedente cognitivo, motivações humanas e interesse público, a Wikipédia foi criada e é mantida por um grupo pequeno de usuários se comparado ao total de pessoas que desfruta da sua colaboração. O espírito voluntarioso por trás de casos de Crowdsourcing é reflexo de um comportamento, cuja a rede ajudou a emancipar ao eliminar barreiras de espaço e ao dar as pessoas o poder de navegar de acordo com seus próprios interesses. Muitas das mudanças significativas se baseiam [...] em ferramentas simples e fáceis de usar como o e-mail, os celulares e os sites de internet, porque [...] a maior parte das pessoas tem acesso e podem ser usadas sem dificuldade [...] A revolução não acontece quando a sociedade adota novas tecnologias – acontece quando a sociedade adota novos comportamentos. (SHIRKY, 2012, p. 137). Dessa forma, entende-se que a inteligência coletiva pode ser projetada e crescer na rede. O sentimento de generosidade também é favorecido por novas tecnologia, que acabam por transportar para a rede o sentimento voluntarioso antes fora dela e natural do ser humano, mas o sucesso da ação coletiva será sempre vinculado ao objeto produzido e ao interesse que ele desperta entre seus atores.
  • 47.     38   3.3.1. Organização coletiva no setor de Turismo, apresentação do TripAdvisor e seu modelo de negócio baseado na participação No âmbito do turismo, o poder da organização coletiva pode ser notado no site TripAdvisor, que é tido como a maior plataforma de resenhas sobre turismo do mundo, com aproximados 170 milhões de resenhas feitas por usuários e 23 milhões de fotos enviadas sobre mais de 4 milhões de acomodações, restaurantes e atrações turísticas. No primeiro semestre de 2014, a plataforma registrou uma média de 280 milhões de acessos mensais e conta com mais de 60 milhões de usuários em sua base de e-mails. O TripAdvisor possui uma plataforma para smartphones que conta com mais de 128 milhões de downloads. (TripAdvisor, 2014). Em 2011, às vésperas de abrir capital, o TripAdvisor tinha seu valor de mercado avaliado em 4 bilhões de dólares segundo a publicação Business Insider. O seu modelo de negócio é baseado na venda de espaços publicitários em diversos formatos, como links patrocinados, banners, recomendação patrocinada, entre outros. Praticamente todo o inventário de mídia da plataforma é direcionado para outras páginas do mercado de turismo, sendo que mais de um terço dos cliques são feitos no site Expedia, um agregador de ofertas de turismo (passagens, hospedagem, aluguel de carros, pacotes, etc.) e parceiro estratégico de negócios do TripAdvisor. Considerando que o mercado de turismo possui uma série de atores que se propõe a agregar ofertas para vende-las, como o Kayak , líder de mercado em passagens aéreas, que também conta com ofertas para estadia, aluguel de carros e pacotes; e o Booking.com , líder em reservas de estadia – a relação entre TripAdvisor e Expedia tende a beneficiar ambos: o primeiro por ter um parceiro fixo na entrega de publicidade, e consequentemente dependendo menos da rede de publicidade do Google, e o segundo ganha um espaço de vendas privilegiado, pois trata com um público num estágio mais avançado de tomada de decisão.
  • 48.     39   Figura 3.3.1.1. – Participação do Expedia no volume de vendas geradas pelo TripAdvisor. Fonte: Buiness Insider (2011). Disponível em: <http://www.businessinsider.com/how- tripadvisors-business-works-2011-12>. Acesso em: Setembro de 2014. A dependência do Google, que é responsável por trazer acessos e com anúncios da sua rede de publicidade, é uma constante em todo o mercado de turismo. No caso do TripAdvisor é aliviada a partir da parceria com o Expedia, aumentando a margem de lucro. Figura 3.3.1.2. – Margem de lucro do TripAdvisor, 2006 a 2011. Fonte: Buiness Insider (2011). Disponível em: <http://www.businessinsider.com/how- tripadvisors-business-works-2011-12>. Acesso em: Setembro de 2014.
  • 49.     40   Voltando à questão participativa do TripAdvisor, nota-se que a sua proposta para o usuário é simples: reunir informações de turistas para turistas facilitando o planejamento de viagens e a publicação de impressões pessoais sobre os locais visitados. Sua eficiência é comprovadamente grande, numa pesquisa da PhoCusWright com 3.641 respondentes, mostrou que 98% dos participantes acharam que as resenhas do site correspondiam à experiência vivida durante a viagem (2013). Nenhum guia de turismo não conseguiria ter um retrato tão fiel da realidade de cada experiência quanto o TripAdvisor. A razão para tanto é simples: o que vai para um guia físico se torna datado a partir do momento em que ele é impresso, enquanto o que está no TripAdvisor muda conforme novas resenhas são adicionadas. À medida que mais pessoas se organizam coletivamente em um mesmo interesse, novas mudanças ele sofre e mais atual e preciso ele fica. Outro ponto importante para tamanha fidelidade entre as resenhas do TripAdvisor e a sua real experiência está no fato da não existência de uma linha editorial ou posicionamento oficial da plataforma. Sem a figura de um editor chefe, as resenhas se aproximam mais da relação entre expectativa e realidade, própria do olhar do turista. O TripAdvisor consegue padronizar a participação ao exibir uma escala de pontuação geral (de 1 a 5) como a primeira métrica de avaliação. Assim, independentemente do número de contribuições que a atração, hotel ou destino receber, o usuário pode estabelecer uma leitura rápida através desse índice, que não por acaso é a contribuição mais fácil de se fazer, dispensando a composição de uma resenha escrita.
  • 50.     41   Figura 3.3.1.3. – Demonstrativo da escala de avaliação (ranking) do TripAdvisor na sessão de buscas e no cabeçalho da página da atração. Fonte: TripAdvisor montagem feita pelo autor. Disponível em: <tripadvisor.com.br>. Acessado em: Setembro de 2014. A adoção de índices e escalas facilita a leitura e coloca toda a participação coletiva numa mesma premissa inicial, isso facilita o consumo da informação, mas não impede que o TripAdvisor enfrente problemas – assim como a Wikipédia – ao permitir que o controle do conteúdo fique na mão das pessoas. Em ambos os sites, nota-se a incidência de vândalos e atores que manipulam informações para benefício próprio. O Wikipédia possui um sistema de auto gestão entre seus membros, favorecendo os mais antigos e ativos no site, como forma de privilegiar aqueles que mais acreditam no seu desenvolvimento. E o TripAdvisor possui uma equipe dedicada a tratar de denúncias e investigar usuários e comentários suspeitos. Dessa forma, podemos concluir que a capacidade de organização coletiva é um fator que diferencia o TripAdvisor no mercado de plataformas de turismo. Mais do que permitir que usuários criem conteúdo, é importante direcionar essa produção colaborativa e desenvolver mecanismos de regulamentação para tanto. Além das opiniões o TripAdvisor oferece a possibilidade de busca de ofertas – qualificando o Expedia – o que não desmotiva a participação
  • 51.     42   coletiva e também oferece uma vantagem competitiva diante de outras plataformas agregadoras de opiniões sobre turismo, como o Yelp ou o Foursquare. 3.4. Fragmentação de mercado e a projeção da Cauda Longa A guinada provocada pela digitalização dos meios e a emancipação do indivíduo a ator do cenário informacional impacta diretamente no sistema capitalista. Sistema este, que é diretamente responsável pelos desdobramentos da sociedade em rede e o viés de sua projeção. Afinal, é a iniciativa privada, por meio da exploração e valoração da sua capacidade produtiva, que dita as inovações mercadológicas. Vetor da transformação e principal beneficiário dela, o capitalismo que outrora era radicado nos moldes industriais (linha de produção, controle de matéria prima e distribuição em escala), agora pode ser encarado como “Informacional”, uma vez que a sua cadeia de valor se baseia cada vez mais no uso inteligente de informações e no cruzamento global de recursos, produção, mercados e distribuição, conforme assinala Manuel Castells, na sua obra Sociedade em Rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura: Uma nova economia surgiu em escala global no último quartel do século XX. Chamo-a a de informacional, global e em rede para identificar suas características fundamentais e diferenciadas e enfatizar sua interligação. É informacional porque a produtividade e a competitividade [...] são baseadas em conhecimentos. É global porque as principais atividades produtivas, consumo e circulação [...] estão organizados em escala global. [...] É rede porquê [...] é feita em uma rede global de interação entre redes empresariais. (CASTELLS, 1999, p. 119) Dentre todos os desdobramentos do quadro levantado por Castells, destacamos o fato da própria informação ser fruto de um processo produtivo e, consequentemente, contar com um mercado em torno de si mesma. A informação enquanto recurso extremamente abundante – leia-se tudo que pode ser digitalizado – não deixa de ser resíduo de um processo produtivo, que se encontra num estado de extrema desvalorização. No entanto, vale lembrar que não há mercado se não há geração de valor, portanto é de se
  • 52.     43   esperar que uma nova cadeia dentro do mercado informacional esteja surgindo. Afinal, não são só as informações passaram a se tornar abundantes, mas também o crescente poder de processamento das mesmas, o que permitiu com que mais processos e produtos fossem feitos e, aqui, a informação tem na tecnologia um vetor para se tornar mais valiosa. Castells coloca em xeque uma série de hipóteses sobre o ganho produtivo em detrimento ao avanço tecnológico. Após se ater a diversas análises econômicas e setoriais, o autor sinaliza que o real ganho que a tecnologia traz ao capitalismo está na ampliação da capacidade de gestão e organização corporativa. Assim, a mudança organizacional, o treinamento de uma nova força de trabalho e processo de aprender fazendo, que incentiva aplicações produtivas da tecnologia, devem acabar aparecendo nas estatísticas de produtividade. (CASTELLS, 1999) Essa reflexão sugere um maior ganho produtivo de setores mais ligados aos serviços e às indústrias que se beneficiam diretamente deles e, vai de encontro ao que foi observado em Lévy (2010) sobre a inteligência coletiva como principal fruto da escalada tecnológica, concluindo-se que há valorização da informação em termos do serviço que ela vem a prestar. Como exemplo prático, a partir da organização de informações e recursos baseada em softwares transacionais, uma pousada consegue se projetar na rede assim como uma grande cadeia hoteleira. Porém, a eficiência do pequeno negócio tende a não ser a mesma de um grande produtor, já que este último conta com mais recursos para investir em infraestrutura digital. O abismo competitivo pode se agravar considerando que essa pousada fique lotada durante o verão, devido à sua localização e permaneça às moscas no inverno. Dificilmente ela conseguiria competir com a cadeia hoteleira, já que não teria recursos para alcançar potenciais consumidores interessados em ofertas especiais para a baixa temporada. Essa mesma lógica pode ser aplicada para companhias de transporte aéreo de pequeno
  • 53.     44   porte, que não tem flexibilidade para trabalhar com as rotas e destinos mais populares. Diante desse problema, na virada da década de 2000 nota-se o crescimento de agregadores de todos os gêneros, que se propõem a oferecer uma distribuição mais democrática de informação sobre determinada categoria de mercado. Dessa forma, há uma maior aparelhagem tecnológica para a organização de recursos: não só as grandes companhias se tornam mais arrojadas, mas pequenos produtores e amadores também conseguem ter condições para se estabelecer no mercado, que também ganha novos negócios que ajudam a valorizar as informações disponíveis na rede. Anderson analisa como a abundância de informações fragmentou os mercados a partir do momento em que mais pessoas podem ter acesso a produtos que vão além dos mais populares. Segundo o autor, o “cálculo básico da Cauda Longa: quanto mais baixas as despesas de vendas, mais se pode vender” (ANDERSON, 2006, p.86). Agregadores reduzem a barreira de entrada no marcado ao permitirem que mais atores possam ter a mesma projeção, ampliando não só a oferta de produtos para o viajante, mas também incentivando a divulgação de novos destinos para se explorar. Anderson elenca três grandes forças transformadoras que podem ser notadas a medida que as informações se tornam abundantes: Figura 3.4.1. – Três forças da cauda longa e seus respectivos exemplos no mercado de turismo. Força Negócio Exemplo 1 Democratização da produção Produtores e fabricantes de ferramentas de Cauda Longa Ferramentas para criação de sites 2 Democratização da distribuição Agregadores da Cauda Longa Booking.com, Expedia, Kayak 3 Ligação da oferta e demanda Filtros da Cauda Longa Recomendações do TripAdvisor
  • 54.     45   Fonte: Anderson, 2006. Arte e adaptação feitas pelo autor. A rede e a capacidade de organização produtiva promovida pela tecnologia são os fatores principais para que mais produtos possam ser oferecidos independente do seu estoque e localização. No caso da pousada ou da pequena companhia de transporte aéreo, elas ganham uma nova vitrine com os agregadores de ofertas, que promovem não só a competição entre pequenos e grandes, como também emancipam a sua profissionalização. Considerando que a oferta de destinos para viagem tende a ser ilimitada e, paralelamente, também são inúmeras as possibilidades de ampliação dos serviços concomitantes a ela, como hospedagem e opções de atividades; a projeção da Cauda Longa é um fator determinante para o sucesso de uma plataforma ancorada no mercado de turismo. 3.4.1. Além dos agregadores: o Airbnb como viabilizador de um novo mercado A existência de agregadores facilita a exposição de inúmeros negócios que antes não conseguiam vencer o gargalo da mídia tradicional e precisavam realizar esforços de baixo orçamento para se promover para um número limitado de pessoas. O mercado de pequenos fornecedores de hospedagem que sempre existiu à margem das grandes redes hoteleiras se beneficiou com a rede e tornou a disputa por hóspedes mais acirrada, uma vez que se há igualdade na distribuição, é preciso buscar inovações no preço, na promoções ou no produto. A larga distribuição de ofertas beneficiada pela rede, também foi responsável pela emancipação de um novo produto no mercado hoteleiro: o do oferecimento de hospedagem domiciliar em escala, que tem no Airbnb seu principal representante. A plataforma, que foi fundada em 2008 com o propósito de permitir pessoas alugarem o espaço ocioso para viajantes tem seu funcionamento
  • 55.     46   semelhante a um agregador para o consumidor final e, também faz as vias de “incubadora” para pessoas interessadas em ceder seu espaço para locação. No início de 2013, o Airbnb registrou mais de 6 milhões de hóspedes que usaram o seu serviço e 300.000 ofertas, que se dividem em três categorias: quartos compartilhados, quarto inteiro e aluguel de todo o domicílio; demonstradas no gráfico adiante. Figura 3.4.1.1. – Crescimento de locações no Airbnb 2008 – 2013. Fonte: Airbnb, (2013). Disponível em: <https://www.Airbnb.com/annual/>. Acesso em: Setembro de 2014. Dentro da leitura da Cauda Longa de Anderson (2006), o Airbnb é uma ferramenta que facilita a produção, uma vez que permite que mais pessoas façam do seu espaço uma hospedagem e, com isso, se tornem parte do mercado.
  • 56.     47   Figura 3.4.1.2. – Democratização das ferramentas de produção e seu efeito na Cauda Longa. Fonte: ANDERSON, 2006, p.52. Naturalmente, há de se encontrar anfitriões com grande volume de transações enquanto uma maioria tende a fazer um número menor de aluguéis. O modelo sistêmico de potência também é aplicável à essa situação a partir do momento em que estamos em um mercado tipicamente amador, emancipado pela tecnologia, como foi visto em Shirky (2012). O Airbnb apresenta uma proposta que é interessante para viajantes, preços competitivos e localização irrestrita, e para locatários, garantia de verba extra por um espaço ocioso. A partir do poder de organização, o negócio propõe uma série de transformações na indústria hoteleira e no setor de turismo, emancipando um novo comportamento, como previsto por Shirky (2012), que acaba por posicionar a hospedagem como parte do acervo turístico, transformando-a em um novo ponto de contato durante a experiência que a viagem proporciona.
  • 57.     48   Figura 3.4.1.3. – Diferenças no serviço: hotéis e Airbnb. Hotéis convencionais Hospedagem no Airbnb Quartos herméticos, com pouca diferenciação Quartos domiciliares, singularidade Conveniências ligadas ao lazer e bem estar: piscinas, salas de jogos, etc. Praticidade domiciliar: cozinha e sala de jantar Área de alta circulação de hóspedes Localização residencial, maior imersão local Contato com funcionários com funções determinadas, padrão de atendimento Contato humano, imerso na cidade, sem um padrão de atendimento Estrutura compatível com o desejo de conforto e comodidade Menor estrutura é um motivador para a descoberta Contratos definidos de acordo com o mercado, alta regulamentação Contratos sem muita regulamentação, maior risco para ambas as partes Localização restrita a zonas onde é permitido a criação de estruturas hoteleiras Localização irrestrita, baseada em áreas residenciais Fonte: gráfico feito pelo autor. A capacidade do Airbnb de transformar amadores em profissionais ou ao menos em capacitá-los a atender a demanda por estadia, amplia significativamente a sua oferta e acaba por dividir a Cauda Longa do mercado hoteleiro em três partes. Figura 3.4.1.4. – Cauda Longa do mercado de hospedagem após a entrada de agregadores domiciliares. Fonte: gráfico feito pelo autor.
  • 58.     49   Anderson pauta a apresentação da Cauda Longa através de setores diretamente ligados à economia da informação, olhando os setores de produção de conteúdo e distribuição de produtos físicos como os principais afetados por este fenômeno, colocando os “Amadores” como figuras centrais no alongamento da Cauda: “Hoje, milhões de pessoas comuns têm as ferramentas e os modelos para se tornarem produtores amadores [...] o efeito dessa mudança significa que a cauda longa crescerá em ritmo nunca antes visto.” (ANDERSON, 2006, p.62). Pode-se especular que haja um limite para a extensão da Cauda Longa do Airbnb e que este limite possa ser notado a partir do momento em que não é possível estabelecer um controle e punir desvios de comportamento em meio à milhões de reservas. No entanto, o funcionamento da plataforma (que será melhor analisada adiante) possui uma ótima taxa de sucesso. Entre as 6 milhões de reservas consumadas pelo Airbnb, apenas 700 delas resultaram em processos que demandaram a intervenção jurídica do negócio, ressarcimento e indenização das partes lesadas, segundo uma reportagem da publicação Wired (2012). Outros fatores para a análise desse modelo de negócio frente à economia da informação serão somados ao longo deste trabalho, mas já é possível concluir que a projeção da Cauda Longa é o diferencial competitivo do Airbnb diante da oferta tradicional de hospedagens. Também conclui-se que a plataforma só consegue viabilizar essa projeção a partir da criação de um modelo capaz de organizar os interesses de ambas as partes e incentivar a participação coletiva através de ganhos claros para ambas as partes. 3.5. Confiança na rede como força emergente do mercado de turismo Tanto Airbnb, quanto TripAdvisor possuem no credenciamento pessoal um dos seus grandes diferenciais. No primeiro, o anfitrião pode ser amplamente avaliado pela plataforma, que o qualifica a partir do cumprimento de três prerrogativas: (i) a confirmação dos seus dados pessoais, (ii) a
  • 59.     50   velocidade de resposta e (iii) a capacidade de organização para oferta do seu espaço. Já o hospede é incentivado a avaliar, comentar e a consumir o conteúdo criado por outros usuários, criando um ciclo que tende a neutralizar a desconfiança. Hóspedes e anfitriões são estimulados a colocar fotos pessoais atuais e seus nomes verdadeiros, para que haja o sentimento de conexão pessoal e empatia antes mesmo deles se conhecerem. O TripAdvisor tem em suas resenhas uma constante discussão, o que é predominantemente o seu grande foco de negócio. Os usuários são incentivados a conectar seu perfil do Facebook à plataforma e, esta cruza as informações sobre cada atração com os indivíduos da lista de contatos pessoais (amigos e amigos de amigos) do usuário, permitindo assim que ele faça uma leitura mais adequada ao seu perfil. Ambas as plataformas se preocupam em inibir o anonimato e a fraude. O Airbnb pede o envio de cópia de documentos pessoais e o número do cartão de crédito, além de enviar fotógrafos para confirmar a existência e registrar os locais de locação. Já no TripAdvisor, a participação só pode ser feita mediante cadastro ou conexão com o perfil no Facebook, para que qualquer tentativa de manipulação seja evitada. Os sites Airbnb e TripAdvisor colocam a confiança entre usuários como uma das figuras protagonistas para a sua tomada de decisão em torno do mercado de turismo. Essa transformação, no entanto, pode ser lida como um reflexo de um comportamento humano, que foi solapado pela própria evolução propiciada pela revolução industrial.
  • 60.     51   Figura 3.5.1. – Evolução da confiança na história da civilização. Fonte: Wired (2014). Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/226865349/MEC-WIRED- Open-Source-Marketing>. Acesso em: Setembro de 2014. A urbanização e os modelos contratuais capitalistas – fortalecidos por esquemas jurídicos para proteger produtores e consumidores – afastaram a confiança do processo de tomada de decisão, mas não inibiram o poder da opinião de terceiros. No entanto, essas barreiras contratuais e comportamentais começam a diminuir à medida que, em rede, usuários conseguem extrair informações suficientes para se relacionar com estranhos e, cabe às plataformas se aproveitarem dessa condição para estimular a participação em torno de um interesse comum. Também é característico de grupos de interesse radicado o estabelecimento de uma conduta própria e de mecanismos de auto regulamentação. Quanto maior essa capacidade de controle, menor é a dependência de sistemas tradicionais de mercado para fazê-lo. Se, por um lado, sistemas baseados na confiança entre usuários parecem ser um novo paradigma no mercado, por outro, estes sistemas nunca estarão completamente “blindados” de falhas. Portanto, a construção de um ambiente propício para que pessoas confiem em pessoas tende a ajudar na operação de sistemas que pretendem se diferenciar a partir da participação coletiva. Como visto em Shirky (2012), um novo comportamento começa a ser estabelecido por meio do acesso massivo as plataformas Airbnb e TripAdvisor.
  • 61.     52   3.6. Modelo de estudo sobre os paradigmas da sociedade em rede e a valorização da informação em plataformas de turismo Chega-se, finalmente, ao modelo de análise que toma como princípio os fenômenos relacionados a abundância de informações e seus impactos na sociedade em rede e mercado de plataformas de turismo. A lógica do modelo é a seguinte: apresenta-se um fenômeno da sociedade em rede e um fator competitivo que dele é derivado. Figura 3.6.1. – Modelo para análise dos paradigmas da sociedade em rede e a valorização da informação em plataformas de turismo. Fonte: gráfico feito pelo autor. A ideia desse modelo de análise pressupõe que os fenômenos da rede não são hierárquicos, mas se complementam à medida que a rede e sua cultura se expandem (LÉVY, 2010). E o aproveitamento competitivo desses fenômenos diz respeito aos casos vistos anteriormente, nas leituras de Castells, Anderson e Shirky, cujos vieses são projetados no mercado de plataformas de turismo.
  • 62.     53   A linha de “Valorização de Informações” é crescente a medida que esses dados em livre circulação na rede ganham maior utilidade para o mercado. Paralelamente a ela, nota-se uma “Escala de confiança” que dá a entender que a reciprocidade e confiança entre pessoas ajuda a viabilização dos fatores competitivos assinalados. A questão da confiança, em um primeiro olhar, pode não inspirar uma aplicação geral em todo o mercado de turismo. No entanto, vale lembrar o empoderamento do consumidor e as várias decisões que são feitas ao longo da cadeira de valor de uma viagem. Em todo esse processo, a credibilidade sobre o que está na mesa de negócios importa e, por isso não deve ser ignorada. A sugestão das plataformas do Airbnb e do TripAdvisor estimularem a confiança entre seus membros não só as diferencia e abre uma nova escala de mercado, como também é uma forma de atribuir valor às informações que circulam livremente na rede. Informações sobre disponibilidade de hospedagem interpessoal podem ser encontradas em agregadores de classificados, por exemplo. O Airbnb emancipa o sentimento de confiança para que o negócio seja fechado por meio de modelos regulamentados, políticas de controle de informações e diretrizes para o comportamento entre hospedes e anfitriões. Já qualquer resenha ou nota encontrada no TripAdvisor poderia ser facilmente transmitida no Facebook, ou em qualquer outra rede social, mas a partir do momento em que a plataforma se propõe a organizar o trabalho coletivo e oferecer uma interface cujo foco é o consumo de informações de outros turistas, ela destoa de qualquer outra rede social sem perder a conexão humana por elas proporcionadas. Por fim, a valorização da informação garante a sobrevivência de plataformas de todas as sortes, mas o atributo social e humano por trás deste processo é viável dentro do mercado de turismo. A confiança nunca desempenhou um papel tão importante seja para a reputação da cadeia de turismo, seja para a criação de novos negócios dentro dela.
  • 63.     54   4. Abordagem contemporânea do Capital Social Após um olhar sobre como o turismo se aproveita da conectividade entre as pessoas provocada pela rede, chega o momento de dirigir o foco à questão da valorização dessa participação coletiva. Procura-se traçar um paralelo entre a inteligência coletiva e sua operação em plataformas de turismo, que, como será mostrado, constroem um sistema que beneficia a colaboração e valoriza o capital social para, justamente, aumentar o apelo de suas plataformas. A seguir, procuramos entender os principais aspectos ligados à formação de capital social: suas principais características, mas respeitando algumas das formulações sobre este tema e como ele se desenvolve nas plataformas TripAdvisor e Airbnb. 4.1. Definições acerca do capital social Uma das análises mais consistentes em termos de sua contemporaneidade sobre o que é capital social foi produzida por Pierre Bourdieu. Capital social é o agregado dos recursos atuais ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de entendimento e reconhecimento mútuo – ou em outras palavras, ao pertencimento a um grupo – que provém a cada um dos seus membros desse capital proprietário coletivo, uma ‘credencial’ a qual eles possam creditar, em vários sentidos dessa palavra”. (BOURDIEU, 1986, p.248, tradução do autor). 7 Entende-se que o capital social é o recurso produzido por membros agrupados em torno de um interesse mútuo, o que indica uma causa que motive o relacionamento e a produção coletiva. Grinovetter chama a atenção para a criação de laços entre as pessoas a partir de relações sociais. Segundo o autor, encontram-se dois tipos de laços: os fortes, caracterizados pelo intenso contato e limitados a círculos                                                                                                                 7 Citação original: “Social capital is the aggregate of the actual or potential resources which are linked to possession of a durable network of more or less institutionalized relationships of mutual acquaintance and recognition – or in other words, to membership in a group ] – which provides each of its members with the backing of the collectivity-owned capital, a ‘credential’ which entitles them to credit, in the various senses of the word” (BOURDIEU, 1986, p.248)
  • 64.     55   pequenos, já que não é possível manter relações de alta afinidade entre muitos atores; e os laços fracos, relações baseadas em um interesse pontual com intensidade variada, o que permite que uma pessoa possua uma série de contatos, mas sem grande aprofundamento holístico nessa relação (GRANOVETTER,1973). Circuitos formados por laços fortes são mais propícios para enrijecimento do capital social, principalmente se considerarmos a quebra que há entre um círculo formado por laços fortes e o contexto ao seu entorno. A maioria dos estudos sobre capital social se baseiam nos valores sociológicos e culturais que emergem de comunidades à margem da sociedade, como a formação e criação de códigos de conduta em guetos de imigrantes. O movimento da comunidade para fora dela é um dos sinais de que o capital social pode ser absorvido pelo capital financeiro, sendo o mercado o seu principal agente conversor. Mas também devemos considerar a anistia, a miscigenação e fusão entre culturas como outras forças que condensam o capital social de um circuito de laços fortes, tornando-o acessível para outros círculos e permitindo a criação de laços fracos em torno dele. Contudo, para condensar o termo capital social e usá-lo de maneira mais genérica e apropriada à análise da sociedade em rede, extrai-se duas bases da sua concepção: (i) a própria relação social coletiva, que permite aos seus atores reclamar a sua autoria e pertencimento pelo que foi ou é construído e, (ii), a quantidade e a qualidade dos recursos oriundos dessa interação. É possível presumir que o enfraquecimento de laços ajuda a converter o capital social, mas isso só pode ser verdadeiro se, junto a esse enfraquecimento, mais pessoas se envolverem nessa relação. A extinção de línguas indígenas é consequência da falta de atores com laços fortes para mantê-las vivas, por mais que parte desse capital social tenha sido absorvido pela Língua Portuguesa no Brasil. Além dos laços fortes, a grande maioria de definições acerca de capital social partem de um ideal de altruísmo entre as pessoas envolvidas em algum contexto comum. Esse altruísmo é praticado em comunidade e