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Gente de Gramado, que não será nome de
rua
Causos, coisas & Loisas
Pacard & Apolônio Lacerda
Para quem lembra dela,
minha saudade!
Maria Elisa Dias Cardoso, “Tia Ilizia”.
ISBN: 9798561063985
Selo editorial: Independently published
Paulo Cardoso – 2020
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CNPJ 18179921/0001-29
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Títulos
O escândalo do Porco de vento
Um 7 de Setembro inesquecível de minha
infância em Gramado
Posição de fazer criança - Causos do Bar do
Fidirico
A velha do Poronguinho - Causos que minha
vó contava
Ênio, Topo e eu.
A Serenata de Joãozinho Morais
A Saga do Zé Tristão
Arno Michaelsen - O Prefeito Humano que
Gramado precisa lembrar
Armando Bogus, Ruth Escobar, Os
chocolatinhos, e eu
As "Bandas" de Gramado, e os Animadores
de Bailes dos anos 50/60/70
O Subterrâneo dos Nelz – Lenda urbana ?
O Trote
Desintoxicando a Alma - Os chás da "Tia
Ilizia"
Tio Gêre - o Padrinho da criançada na Vila
Moura
O diabo se vestia de preto - Causos e coisas
de minhas memórias (Tia Margarida)
Uma prosa pra ser contada
O Risca-faca da Rua do Pau-pega, e o Salão
do Bate-Parma
O Bom Mau Humor de nossos antigos -
Maria Elisa, minha avó divertida, que
sonhava com merda
Gauderino - Conto
Seu Peregrino
A Caminhada - Ensaio
Das Dores e Fridulino
Velho, meu querido velho.…
Quem são os nossos heróis?
O churrasco que Pedro Bala prometeu a
Fedoca - Radiografia de duas vitórias
Éramos cinco
Apolônio Lacerda - Um entardecer no
Bassorão, com Revirado de Cuscuz
A Gramado de dois tempos - Elisabeth
Rosenfeld, e a "Civilização Gramadense"
Eu sou judeu e você nem sabia
A Parede Branca
Para que servem os pobres?
Apolônio Lacerda e a Carteira de Bandido
154 - A feiura segundo Apolônio Lacerda - A
honra e a glória
A história das religiões de Gramado até os
anos 90
O milagre da multiplicação dos Queijos e
convites - Lembrança dos Festivais de
Cinema de Gramado
A cobrança do Apolônio Lacerda
O lado bom de ser velho
O causo do Jardineiro que negociou a
esposa por uma bicicleta e Duzentos contos
Conversão, convencimento, convicção, livre
arbítrio e verdades
Tropeços e Espirais
Diálogos do café Cacique e da Escola em
Gramado (esta é para quem tem memória)
A prenhez do Menelau Quaresma - Causos
do Apolônio Lacerda
Politicamente Indecente - Apolônio Lacerda
O Dedão do Apolônio - Causos absurdos do
Apolônio Lacerda
Dois Causos do Apolônio Lacerda (Quem
não ler é bobo e feio. Se for muié, tem
bigode, e cabelo no saco)
Uma certa manhã
Endomerges
O Canto das Cigarras
Ensina-me
Folhas ao vento
O tempo
Apolônio e a Mixórdia Celeumática
A escada de Jacó
A escolha da Rainha - Uma lição das
abelhas e historias de minha infância
Conxambrâncias
O homem que escrevia bulas de remédio
Viva a infelicidade! Viva infeliz e seja feliz, de
forma infeliz
Bebendo água que lavou o "isqueiro" -
Benzeduras de Dona Chinoca e outros
De amigos a traidores - O ocaso das
amizades
Os loucos e o poder
Coiseando o coiso
Reflexões de um doido
Andando entre leões
O lado bom de envelhecer
Epitáfio de uma amiga divertida
Enquanto vovó dormia
Loucos nossos de cada dia
Nazistas, illuminatti & Corujinhas em
Gramado
Entre o Sonho e o Tempo
Procuro por heróis
O Inimigo Oculto
Sua Excelência...o Traque!
Coisas que a sua geração não viu em
Gramado
Coisas que Nunca te Contaram quando era
criança
A satisfação dos idiotas
O cortejo e o gambá
Vida Bandida
A Serpente e o Gambá - Fábula
O dia em que faltou leite pro gatinho - Um
conto quase absurdo
A Insustentável mediocridade do Ter
As cavernas dos Bugres e o Salão do "Bate-
Parma"
Teoria do Descontentamento
Anastácio Orlikowski, meu Mestre divertido
O Primo Rico e o Primo Pobre
Fala com ele, mãnhee!
A Invenção da cueca e da calcinha –
Apolônio Lacerda é Istória
Epílogo
O escândalo do Porco de vento
Pois às vezes, cavouco na lembrança, um
causo de priscas eras, mas verdadeiro,
sempre verdadeiro, apesar do pitoresco que
o embala, e não é dessa vez que serei falto
com a verdade, ao relatar-lhes, tal como
aconteceu, o causo do porco de vento, onde
fui protagonista conivente para com o feito.
Eis o relato.
Corria o ano da graça de N. S. Jesus Cristo,
de 1984, se não há de faltar-me a memória,
onde, em situação tal, de “fritar merda para
comer bolinho”, bicudos tempos, dividia eu
uma sala de trabalho, com dois outros
comparsas, um engenheiro, e outro afeito à
nobre arte da arquitetura, e eu, este
humilde escriba, que desenhava desenhos
para suprir os legumes da sopinha de meus
pequeninos rebentos à casa.
Eram tempos bicudos, enfarruscados
mesmo, porém, não envidarei esforços para
louvar tais situações e tempos, porquanto
avivam nossa imaginação, uns para coisas
boas e outros, para feitos nem tão louváveis
quanto os bons modos o exigem. Eis que, no
dito ambiente, havia certa movimentação em
um bailado de entra-e-sai de indivíduos que
ali compareciam com o real intento de fazer
negócios, ou de encomendar nossas
habilidades em antever suas edificações
sobre papéis, repletos de linhas e números,
ao que denominávamos: “projetos”.
Então, segundo o preâmbulo anunciado,
contarei o fato.
Corria o dia, e o arquiteto, encomendou-me
minha especialidade, que era o
desenvolvimento de épuras, vulgarmente
conhecido como: “Perspectiva”, uma
apresentação gráfica de um plano, onde
distingue-se com certa habilidade visual, a
terceira dimensão dos elementos, hoje tão
facilmente encontrada em aplicativos nestas
máquinas que seriam queimadas durante os
tempos sombrios, como se obras de bruxaria
ou coisa ainda mais malévola, intitulada de
“computador”. Porém, por excelente
misericórdia divina, eram minhas
habilidosas mãos, conectadas à um lápis, e
uma delicada pena de aço, suprida à tinta
indelével proveniente do Oriente,
denominada de: “Nanquim”, quem
preenchiam os vazios do papel, e
devolvíamos em forma de retrato de uma
casa, ou um ambiente de interior.
Pois, na negociação pela justa paga de meus
serviços, acertado foi deste modo:
Tanto em espécie (dinheiro), mais um porco,
pelo restante!
Ora! Mas como é que um judeu convicto
poderia comer um porco, se minha religião
abomina tal iguaria. e se não fosse comê-lo,
por que matá-lo, mas se não fizesse dele
toicinho e banha, como conservá-lo, uma
vez que minha senhora, bastante
conservadora quanto a certas práticas, não
permitiria que eu levasse o animalzinho
para tê-lo como companheirinho de leitura,
ou brincadeiras com os miúdos, a quem
sempre tive orgulho de chamar de filhos?
Não! Certamente o porco não iria para meu
lar. Porém, pelos termos do negócio, o porco
já era meu.
O cálculo do porco era avaliado pelo seu
peso, ou provável peso, no momento do
negócio. O detalhe, porém, é que eu não vi o
tal porco, uma vez que negociávamos como
em uma bolsa de valores: na confiança do
vendedor. Calculamos meu leitãozinho então
com cerca de uns vinte quilos mais ou
menos.
Passados alguns dias, fechei negocio com
outro arquiteto, e passei o leitão nos cobres,
naturalmente, reservando uma parte em
dinheiro, pelo meu trabalho, e também
adicionando um pequeno ágio de uns três
quilos ao porco. Saiu da sala, então, um feliz
proprietário de um leitão. Mas como disse, o
leitão estava em um sitio, lá em Três Coroas,
aos cuidados de um sócio de quem me
vendeu o porco.
Como sempre gosto de dar atenção ao pós-
venda, tomei conhecimento que o arquiteto
vendeu o porco, com um certo ágio, a outro
prestador de serviços, e nessa altura, creio
que o porco teria já uns 35 quilos. Muito
bom para um banquete em família, contanto
que não seja judeus, adventistas, ou
muçulmanos. Mas não eram, para tristeza
do porco, que segundo a menininha que
contava historinhas dos três porquinhos,
logo, logo, viraria "carrrne".
Mas deixe estar, que não termina aqui o
causo, pois o tal empreiteiro, devia ao
primeiro arquiteto, o que havia me vendido o
suíno. E fechado negócio, e como justo
fosse, vendeu o porco, pela quantia
aproximada de quarenta quilos.
Eis que, deixando passar mais uns poucos
meses, e chegando o Natal, meu amigo,
arquiteto, que nesse tempo não tinha um
automóvel, mas movimentava-se muito bem
com veículo ciclomotor, ou comumente
chamado de “Moto”, convidou o segundo
personagem desse relato, o outro arquiteto
(era estudante de arquitetura na verdade,
mas deixemo-lo como arquiteto, que soa
melhor à sua pessoa). e juntos foram à Três
Coroas, resgatar o porco.
Fico imaginando na cena, onde contar-se ía
três numa moto: O Piloto, o carona, e entre
eles, a simpática silhueta do tal porco. Com
40 quilos.
Lá chegando, foram informados que o dono
do sítio havia vendido o lugar, e fora morar
em outro lugar.
- Mas certamente deixou-nos um porco, a
ser resgatado, pois não?
- Não senhor. Somos vizinhos dele desde
que chegou aqui, e nunca criou porco algum
nesse lugar.
Tenho que dizer que aquele foi um triste
Natal naquela família. Na esperança de
comerem um porco, nem peru havia. Nem
um frango. Um tico-tico que fosse. Só
rabanadas de pão dormido.
Um 7 de Setembro inesquecível de minha
infância em Gramado
Éramos uns poucos, em uma vila de
pobres, aquietando-se ao lado da área
central da cidade, onde pulsava a vida
cidadã deste lugar.
Nossa pequenina escola de vila também,
uma, assim chamada, "Brizoleta",
acomodava cerca de uns 40 alunos,
divididos por classes em dois turnos, onde
somavam-se uns e outros, à classe escolar
de uma única professora primária, ela
própria também, com pouco mais que isso,
em seu currículo escolar.
Uns e outros, sentávamos lado a lado em
classes, hoje denominadas “carteiras”, onde
cada classe acomodava dois, ou mais
alunos, dependendo do tamanho da classe.
Eram móveis compridos, com bancada e
assento acoplados, e nesta classe,
assentavam-se crianças de séries
independentes, dentro da mesma aula,
ouvindo a mesma professora, e assim,
desenvolvíamos uma audição seletiva,
enquanto ela instruía os alunos da classe
mais ou menos avençada do que a nossa.
Foi neste formato que estudei até a quarta
série do primário, pois a quinta série
escapou de minha biografia, como óleo
escoa dentre os dedos de quem o sustém,
porque fiz o “Exame de Admissão ao
Ginásio”, e como um deboche do destine, eu
consegui passar. Deboche mesmo, porque
desconstruiu toda a minha formação escolar
depois disso, e por fim, ao início do segundo
ano do Científico, hoje Ensino Médio, eu
abandonei a escola. Tornei-me então um
semianalfabeto profissional.
Voltemos aos tempos, para que o causo
prossiga.
Eram realizados os desfiles cívico-militares,
quase do jeito que acontece hoje em todos os
lugares. Milhares de crianças, com idade
dos seis aos dezoito anos, vestindo
uniformes engomados, finos, desenhados
para os dias quentes do ano, eram
perfilados para deleite das autoridades civis,
militares e eclesiásticas (assim começavam
os discursos), que se espremiam em uma
tribuna improvisada, de onde eram um
pouco mais elevados do que a plebe que
marchava em passos mancos, e dali podiam
rir dos infelizes impúberes, que
tremelicavam de frio, para que o branco
amarelado das camisas dos uniformes
pudessem contrastas com as semidespidas
acrobatas, fantasiadas de bailarinas, que
com pequenos bastões enfeitados de fitas
verde e amarela, saltitavam acrobaticamente
na condução do cortejo.
As bandas, uma por vez, de forma
descompassadamente desafinada, marcava
o descompasso dos marchadores, que eram
apresentados ao palanque oficial, como
troféus de tributos, iguaizinhos aos que se
faziam em Roma, no aparato de prisioneiros
oferecidos à César e para o refestelo dos
soldados ensandecidos pelo cheiro de
vitória, sangue e vinho, recompensas de
guerras. Mas nem tudo era frio e tremor de
queixos, pois, lembro como se ontem fosse o
ocorrido, de um Sete de Setembro especial,
onde todas as crianças, de todo o município,
foram recompensadas, com deliciosos e
abundantes lanches para almoço, e o
melhor ainda viria à tarde, com a exibição
absolutamente gratuita de um filme dentro
do Cine Embaixador (ainda não me
conformo com o nome de “Palácio dos
Festivais” que deram ao lugar).
Nos espremíamos no chão, para que todos
ficasse, acomodados, e o filme começou.
Lembro sim, lembro bem do filme: “Cindy, a
Trapezista”, ou algo no gênero, um filme do
Zé Colmeia e sua esposa, digo, namorada, a
ursinha Cindy, que foi capturada por um
circo, e obrigada a pedalar um monociclo em
uma corda bamba muitos metros acima do
chão.
Lembro dos curtas-metragens de abertura,
mostrando a exuberância das flores de
Gramado, belíssimas papoulas alaranjadas,
que atapetavam os canteiros da rua
principal, alcatifando nossas lembranças
por perfumes e a suave música de orquestra
e saxofone que preenchia todos os lugares
escondidos de nossas memórias. Era Sete de
Setembro, e celebrávamos a festa da pátria.
Não nos envergonhávamos de chamar nossa
terra de pátria. Nem de sonhar-se dentro
dos cenários imaginados pelos ilustradores
do filme, que traziam até nossas memórias
mais doces, a suave melodia de uma
primavera, lá e cá, que precisamos trazer de
volta urgentemente.
Navegar é preciso, dizia Camões.]
Sonhar é mais que preciso, dizia a vida que
nos chamava para seus perfumes.
Posição de fazer criança - Causos do Bar
do Fidirico
Pois já devem estar pensando que vou
entregar-lhes a rapadura, pronta para
lamber, pois não? Pois sim! Nunca faço isso.
Conto apenas o milagre, mas guardo o santo
pro esquecimento, haja vista que o santo
pode ter deixado herdeiros, como de fato,
sim, deixaram, muitos deles, e não tenho
intento de confrontar-me com tais rebentos
e justificar o que conto como verdade, mas
que nem todas as verdades servem como
aproximação da paz. Sendo assim, eis os
fatos.
O Bar do Frederico era o ponto de
aproximação dos apreciadores do fino trago
da purinha, e excepcionalmente os mais
frágeis , que se permitiam adicionar umas
gotinhas de limão e umas "duas ou três cuié
de assúcri", que era pra dar o fundo melado
pros piazote, que ainda não tinham idade
para os arroubos da pura, e assim iam
engrossando o couro do "figo", com a rapa
do limãozinho, ao que hoje chamam de
"caipirinha". Isso é coisa nova, não se
fundamenta na verborréia da "venda".
Reuniam-se, além dos cachaceiros habitués,
a piazada fedendo à mijo, que queria ser
gente grande, acercando-se como moscas na
merda, dos cachaceiros, ao que, por volta e
meia ousavam arriscar uma bravata ou
outra, e se esta agradasse ao cachaceiro
mór, este pagava-lhes umas goloseima, de
regalo. Berrava desde a mesa onde
estavam:
- Fidirico! Bota um refrêsco de déis mirréis
pro piá, é por minha conta!
Frederico, mais que ligeiro, corria pra
geladeira de quatro portas, sacava uma
garrafa de xarope, outra jarra de água
gelada, e enchia um copão de meio litro, até
transbordar, o que não chegava a acontecer,
posto que o varão já estava ali de corpo
presente, com o beiço esticado, feito cavalo
bebendo água, e chupava num gole uns dois
dedos da água doce, e sem tirar o bico em
forma de canudo da borda do copo, arregala
os zóio em direção ao bodegueiro, e com a
mão levantada, esticava o dedo fura-bolo,
balançando várias vezes, em direção ao
copo, como que querendo dizer: “Completa!”.
Frederico ria e jogava mais um pouco, pra
alegria do guri.
Certa ocasião, dois tauras já largados nos
anos, debatiam temas por demais relevantes
sobre educação dos filhos, trato das vacas,
capação de porco, e temas dessa monta. E a
piazada ali do lado, de ouvido apurado e
olhos arregalados, escutando tudo. Lá pelas
tantas, um gambá disse pro outro, com
carregado sotaque alemão:
- “Vou te ensinar como que se faz, as
posição, pra fazer guri ou guria. Tem um
jeito, uma posição adequada pro serviço.”
Falou como que palavras mágicas pra
piazada, que já quase participava da
conversa. Mas, oh, frustração, quando ele
esticou o braço, e bem na ponta daquele
braço, havia um dedo, o fura-bolo, em
direção à porta, e assim posicionado,
sentenciou:
-Gurizada, agora vão embora, que vamos ter
uma conversa de homem pra homem, e
vocês são muito pixotes pra escutarem essas
coisas.
Oh, tristeza, nos olhares, e semblantes
descaídos da piazada, que, frustrada,
saíram, um a um, em fila ordeira, de cabeça
baixa, pela porta afora, imaginando coisas e
coisas, dos tais segredos que só dois bebuns
de "buteco" seriam capazes de desvendar. Só
que eram muito piás pra entenderem certas
coisas da vida. Mas, há que se respeitar,
pois é a vida, e com vida não se brinca.
E Frederico, só ria, escorado no balcão.
A velha do Poronguinho - Causos que
minha vó contava
O causo de hoje, recontado, não é de minha
lavra, pois encontrei nas exatas palavras
que minha querida vó, Maria Elisa, me
contava, e contava, e contava..eu a fazia
repetir noite após noite, junto com as
dezenas de causos que contava junto. Vou
tentar lembrar, ou localizar quem lembre,
pois eram causos populares, e trazê-lo para
meus leitores, para que contem aos seus
filhos e netos (se o maldito celular permitir).
E a parte mais legal era o refrão, que minha
vó cantava junto: "Não vi velha, não vi nada,
rola, rola poronguinhoooo..!
Era uma antiga história, de origem
portuguesa, contada até hoje nas terras
d'além mar.
Ah, saudade!
Rola, rola poronguinho!
Era uma vez uma velhinha quer queria ir no
casamento do filho que morava do outro
lado da floresta. A floresta era perigosa e
cheia de animais selvagens.
Saiu de casa e foi caminhando até encontrar
um boi que pastava e lhe disse:
-Aonde tu vai velha?
- Vou no casamento do meu filho, deixa eu
passar que na volta te trago uns doces.
O boi saiu da frente e ela continuou a
caminhada.
Logo adiante, encontrou uma onça faminta
que lhe fez a mesma pergunta:
- Aonde tu vai, velha?
- Vou no casamento do meu filho, não
me come que na volta te trago uns doces
A onça pensou e deixou ela passar.
Antes de alcançar a casa do filho, ela
encontrou um cavalo que perguntou:
- Aonde tu vai velha?
- Vou no casamento do meu filho, na volta
te trago uns doces.
O cavalo deixou ela passar e logo ela chegou
ao fim da floresta.
A velhinha chegou a tempo do casamento,
dançou, se divertiu e comeu muitos doces.
Quando estava para voltar para casa, se
lembrou das promessas feitas aos animais,
mas não haviam sobrados doces da festa.
Pediu ao filho que que encontrasse um
porongo do tamanho dela para que ela
pudesse se esconder dentro e assim fugir da
perseguição dos animais.
O filho assim o fez: conseguiu o porongo e
fez um buraquinho pra ela enxergar quando
tivesse chegado em casa.
Ela se escondeu dentro do porongo, seu
filho levou o porongo em cima de um monte
e rolou o porongo em direção à floresta.
Quando o porongo rolante encontrou a pata
do cavalo, este perguntou:
- Porongo, tu viu uma velha por aí?
De dentro do porongo veio uma vozinha
fraquinha que disse:
- Rola, rola, poronguinho!
Não vi velha, não vi nada. Rola, rola,
poronguinho. Não vi velha, não vi nada.
O cavalo com um coice rolou o porongo
floresta adentro, até alcançar a onça que fez
a mesma pergunta:
- Porongo, tu viu uma velha por aí?
- Rola, rola poronguinho. Não vi velha, não
vi nada! Rola, rola, poronguinho. Não vi
velha, não vi nada!
A onça deu uma patada no porongo que
rolou até perto da casa da velha, porém ali
esperava o boi que perguntou pro porongo:
- Porongo, tu viu uma velha por aí?
Mas quando o boi foi parar o porongo
rolante com uma pata, o porongo rachou e
de lá de dentro saltou a velhinha apavorada
que não parou de correr até chegar em casa.
Ênio, Topo e eu.
Éramos três. Ênio, Topo e eu. Ênio era cerca
de uns oito a dez anos mais velho que eu,
que era uns dois ou três mais velho que
Topo. Este apelido era a forma econômica de
“Topo Gigio”, um personagem que era um
ratinho muito esperto, criado por uma
professora italiana, e que fazia muito
sucesso com a criançada por suas maneiras
dengosas de falar, além de ser muito
engraçado também. Então, como meu amigo
não era de muito elevada estatura, ou sei lá
por que razão, deram-lhe, entre outros
apelidos, o de “Topo”. Pegou.
Ênio, o mais velho, era um sujeito soturno,
sinistro, misterioso, mas não era má pessoa.
Ao contrário, tinha um coração generoso.
Certa ocasião fomos caçar passarinhos
(naquele tempo caçar passarinho era uma
ocupação de afirmação de virilidade aos
meninos, e também próprio da cultura
italiana que colonizou a região. Então, sem
nenhum constrangimento, caçávamos
passarinhos. E sem nenhum
constrangimento, eu tinha uma
espingardinha de pressão, que atirava
chumbinhos. Ênio foi comigo caçar os
passarinhos. Teria caçados muitos
passarinhos, se meu parceiro não tivesse
sido justamente o Ênio. Ele prestava
atenção em mim e via quando eu mirava
num passarinho. Ele fazia o mesmo, mas
atirava antes, e a uns dois metros do
bichinho, espantando-o. Espantou todos, e
voltamos pra casa “sapateiros”, expressão
usada para definir alguém que não logrou
resultado em alguma coisa, zerou. Assim era
então Ênio. O que tinha de exótico eram
seus estudos. Mexia com assuntos que não
permitia que perguntássemos nada. Coisa
de guri bobo. Estudava assuntos esotéricos,
deixava meio que transparecer que fazia
isso, para garantir o respeito por si, mas
não permitia que ninguém mais soubesse do
que se tratava. Não era proselitista. Fora
isso, Ênio era um “bon vivant”. Gostava
duma cerveja, uísque e duma farra. Era
parceiro em tudo. Menos em matar
passarinho. Jogava futebol, era, parece,
goleiro. Tocava guitarra (e como tocava mal),
e bateria (um pouco menos pior). Fez parte
de uma banda na cidade, que durou pouco.
Ênio era um notável desenhista projetista.
Numa época em que não havia arquitetos na
cidade, apenas engenheiros (e engenheiro
treme ao ver um lápis, segundo os
arquitetos, e estes, segundo definição dos
engenheiros, é um sujeito que não foi bicha
o suficiente para ser decorador, nem macho
o bastante para se tornar engenheiro), Ênio,
que não era bicha, engenheiro, arquiteto e
nem decorador, tornou-se o melhor
desenhista do gênero da cidade. Tinha ainda
uma virtude, que ninguém jamais decifrou o
método: era capaz de entrar se pagar em
qualquer lugar, principalmente bailes de
interior, bailes da colônia. o homem era
dotado de uma habilidade de convicção tão
grande, que chegávamos ao baile, um
grupinho, duros, só tínhamos uns
trocadinhos para um refrigerante ou uma
cerveja, mas se pagássemos o ingresso,
passaríamos a noite à base de água da
torneira do banheiro fedorento. De olho
arregalado, em silêncio, observávamos com
atenção os movimentos dignos de um
malandro junto aos porteiros. Ele
gesticulava, ria, fazia movimentos, e logo já
ganhava um cigarro de um, fogo de outro,
dava umas três ou quatro tragadas, virava-
se para onde estávamos e fazia um geste de
chamamento com a mão. Íamos em fila,
cabeça baixa e olho arregalado, reverente e
respeitoso com os porteiros que nos
apressavam para disfarçar a desobediência
aos patrões da festa. Uma vez lá dentro, em
pouco tempo, Ênio aparecia com cerveja e
refrigerante para todos. Sem dinheiro. Topo
era o amigo sério do grupo. Moderado,
ponderado e exageradamente honesto. Ético
até o fígado e um pedaço da pleura. Não
admitia um passo em falso de ninguém. A
pobre alma vivia como coração na mão em
nossa companhia, pois tudo o que não se
pode encontrar num grupo de guris
metendo os pés pelas mãos é ética.
Honestidade até sim, mas ética, assim ética
mesmo, deixava-se a desejar. Seria pior, se
não fosse o “grilo falante” ao nosso lado.
Ríamos muito. De tudo e também de nada.
Ríamos de tão bobo que éramos. Aí quando
não havia do que rir, ríamos disso. Só pra
ter do que rir.
Topo trabalhava em um Banco. Era o
queridinho dos colegas por esta seriedade.
na idade, tinha lá os seus dezesseis anos.
No juízo, uns cinquenta. Na sabedoria,
oitenta e cinco ou oitenta e seis. Isso o
tornava o chato do grupo. Adorável xarope.
Mas era o nosso xarope. onde íamos, ia
junto. Se fosse para subtrair frutas em
algum quintal, ia junto, mas não sem antes
nos prevenir de possíveis consequências, do
pecado do roubo e especialmente do que
fazer se fossemos mordidos pelos cachorros
da casa. E depois o fruto da façanha era
dividido igualmente, tudo com ética, sob a
observação dele, que já era versado em
contabilidade na época.
Um dia, Ênio tomou um tiro bem no meio da
cara. Lógico que foi pra sacanear os amigos.
Morreu poucas horas depois, por gozação. E
a cena que lembro é de nós dois, Topo e eu,
sentados num banco da praça, os dois, onde
antes sentávamos três, olhando o vazio da
noite, os carros que cruzavam indiferentes, e
a noite que desfez o trio.
A Serenata de Joãozinho Morais
Pois João Alves de Morais, ou Joãozinho
Morais, era, se não estou enganado, o filho
pimpolho da Tia Virginia de Morais, filha de
Tristão de Oliveira, e irmã do já mencionado
aqui neste espaço, por duas vezes, José
Tristão, ou Zé Tristão.
Mas é sobre o sobrinho de Zé Tristão de
quem eu quero falar agora, o Joãozinho.
Audacioso jogador do Centro Esportivo
Gramadense, não saberia posicioná-lo em
campo, porque tudo o que eu conheço de
técnica de futebol, não passa de saber que
tem onze em campo de cada lado, e uma
bola, que não teve nada a ver com essa
divisão, tomando coice pra todo lado (aliás,
vegano não deveria torcer pra time nenhum,
pois a bola é de couro). Mas Joãozinho batia
um bolão, segundo seus contemporâneos,
maioria já falecido, então não tenho como
comprovar, mas também ninguém pode me
desmentir, e segue o causo.
Joãozinho era muito melhor do que Neymar
pra cavar falta, e mais esperto, porque
enfiava, discretamente o dedo no furico dos
melhores adversários, e a reação era
imediata: o que teve a honra manchada,
disparava atrás do baixinho, para meter-lhe
uns tabefes, e não percebia que o juiz já
prestava atenção à sequência, expulsando o
agressor de campo. Depois outro, e mais
outro, e finalmente, o time adversário estava
desfalcado, e o Gramadense ia lá e metia gol
atrás de gol. Depois, na hora da cerveja, era
só risada, e ficava tudo certo.
Noutra feita, Orlando Morais, irmão de
joãozinho, convidou o irmão, para pelarem
umas varas de vime bem compridas. Depois
de peladas, as varas ficavam naturalmente
molhadas de seiva, e com jeito no braço,
eram atiradas sobre a rede de alta-tensão
(atenção, piazada maleva, não façam isso
sem a presença de um Joãozinho Morais),
isso apenas para ouvirem os estouros
causados pelo curto circuíto fechado pela
condutividade dos minerais e água das
varetas. A esta altura, já haviam se enfiado
pelos matos, voltando a caçarem
passarinho, bem longe dali.Joãozinho tinha
um coração de manteiga. Tinha mesmo.
Como era padeiro, não faltava pão para os
pobres que o procuravam. Minha avó
passava lá e pedia para comprar pão
amanhecido, mas quem diz que João a
deixava pagar? Enchia um saco com pães do
dia anterior e outros ainda quentinhos, e
depois de bons momentos de prosa, entre
dois grandes amigos, além de primos, minha
avó voltava à nossa casa sorridente e orando
pela bênção, enquanto Joãozinho enchia
outras sacolas de outras pessoas, dia após
dia. Vivia falido. Mas acho que terá ele um
lugar na Eternidade. É o que eu acho. Se
Joãozinho será feliz na Eternidade, isso eu
não sei dizer, mas o que sei dizer é que ele
se divertiu muito na curta vida que esta
existência lhe permitiu. E não era egoísta,
não senhor, senhora ou senhorita.
Joãozinho fazia questão de rir com os
amigos. E este é o causo do título. Certo dia,
Joãozinho convidou seus amigos: Almiro
Drechsler, que tocava violino, Gercy
Accorsi, um grande Tenor, Adail de
Castilhos, tocador de violão, e mais alguém,
de quem não lembro o nome agora, para que
o ajudassem em uma conquista de amor.
Ocorre que havia uma belíssima veranista
na Vila Planalto, nas proximidades do antigo
Posto Ipiranga, da família Bezzi. Por aquelas
imediações mais ou menos, que passava as
férias em Gramado, com a família. Então a
ideia de Joãozinho era bastante comum
naqueles tempos: Uma serenata! isso
mesmo, um recital de poemas, canções, por
volta da meia noite, na janela da amada,
para que ela acordasse ouvindo a voz de seu
pretendente ao som de belas canções. Isso
era uma serenata. Combinado então!
Naquela noite fariam a serenata para a
donzela (eu sei lá se era donzela, mas achei
oportuno, para ilustrar a linguagem de
época).
Meia noite em ponto, e começa p grupo a
entoar melodias debaixo da janela da moça.
Cantam uma, cantam duas e era chegada a
vez do próprio Joãozinho declamar um
poema à pretendente. Depois de um
dedilhado de violão e algumas notas de
violino, ele começa:
-" Ò minha amada querida,
amada do coração
sua puta ordinária
sua porca vagabunda
que nunca limpa a bunda
que tem bafo de leitão!"*
Nem é preciso que eu diga que quando
ainda na parte da ..“puta ordinária”, o
bando já havia se espalhado pelos banhados
afora (era tudo banhado até quase no
centro), rasgado terno de linho no arama
farpado do potreiro, quebrado violão,
pisoteando na bosta das vacas e banhado,
enfim, um caos tremendo...enquanto
Joãozinho permanecia na casa cantarolando
asneiras e rolando de rir.
Acontece que como ele era padeiro e
entregava o pão em todas as casas, ele sabia
que naquele dia, naquela noite em especial,
não haveria ninguém em casa…
A Saga do Zé Tristão
Corria solto, feito traque em bombacha, o
"Anno da Graça de Nº.Sr. Jesus Christo" de
1912, penso que lá pelo mês de Março, eu
presumo, porque a "edade da creança" era
de cerca de oito meses, e considerando que
a lactente havia nascido no mês de Julho de
1911, chega-se à março de 1912. Isto dito,
sigo o relato. Estamos no Quinto Distrito de
Gramado do Mundo Novo, ou apenas Mundo
Novo. o lugar era um rancho, onde durante
muitos anos foi o "Motel Balneário", ou
"Tênis Clube", como era chamado, por
abrigar, por empréstimo, as dependências
do clube com o mesmo nome. Ali vivia o
próspero "garanhão", cujo nome de
"baptismo" era Vítor Pereira Dias, genro do
afamado Intendente, Tristão José Francisco
de Oliveira, ou como diz a rua que leva seu
nome, "Tristão de Oliveira". Tristão tinha
uma penca de varões e varoas, de sua prole
com a Senhora Dona Leonor Gabriel de
Souza. Uma de suas filhas, então, era a
Dona Francisca de Oliveira, nome dado,
possivelmente em honra à Princesa Dona
Francisca, Princesa de Bourbon e Bragança,
filha de Dom Pedro II. Outro Filho era um
tal de José Francisco de Oliveira, mas que
em razão do pai, Tristão, era chamado
também de José Tristão. Costume judaico,
ainda seguido pelos "Cristãos Novos" (judeus
convertidos ao cristianismo, para fugirem do
duro braço da inquisição), ainda que
subjetivos. José Tristão, ou aqui, na
economia de letras, "Zé Tristão", era um
moço de singular sapiência,
inteligentíssimo, e talentoso em muitas artes
e ciências.. Um erudito, para o seu tempo.
Notabilizou-se no ofício de "Agrimensor", ou
"Topógrafo", como queiram chamar. Homem
de bem, e um devoto cristão exemplar.Já
sua elegante "senhôra", ao que declinarei o
nome, tinha certa fraqueza no quesito de
individualidade do matrimônio, e caiu na
lábia do supracitado Vítor, seu concunhado.
E foi então, aquele "aqui-te-pego-aqui-te-
largo", de tal monta, que a coisa vazou dos
pelegos e foi parar nos ouvidos de Zé
Tristão. É o que passou a saber-se depois do
feito que relatarei com fidelidade ao
ocorrido.
Certa hora do dia, que não saberei precisar,
mas creio que tenha sido à noitinha, após a
dura faina, que Vítor abandona-se ao
aconchego sagrado do seu lar, e toma nos
braços, a pequenina Maria Elisa, sua
caçula, com então, já mencionado, a "edade"
de oito meses (aqui trava minha memória
imaginativa, pois não consigo ver Maria
Elisa como um bebezinho fofo, mas como
uma velhinha, debochada que era, envolta
em um cueiro, fazendo gracinhas, e
pequenina, de colo).
A alegria de Vítor, e da inocente esposa,
"Senhôra Dona Francisca" terminava
naquele momento, pois um estampido vindo
do telhado (de tabuinhas) do rancho, de
modo certeiro no crânio de Vítor, cujo anjo
da guarda foi de prestimosa ação,
protegendo a inocente de um fragmento do
tiro. E ali, sem saber o porque, nem quem,
chega ao fim a jornada pecaminosa, mas
também justa (este paradoxo é o que nos
mantém pela vida), do Don Juan, que
saboreava voluptuosas curvas, da mulher do
cunhado Zé Tristão.
O atirador fugiu rápido como quem mata
(desculpem o trocadilho, mas achei ótimo), e
o cadáver foi levado para autópsia, em
Taquara, sede do Distrito. O tempo passa e
as horas correm. A notícia se espalha, e
como era de costume, os homens se
reuniam no galpão, onde o mate corria solto,
e a prosa também. Estre estes, estava Zé
Tristão, consternado pela morte do "Ente
Querido", e em dado momento comentou: -
A cabeça do morto deve estar cheia de
pregos, coitado!" E estava mesmo. A carga
utilizada foi de cabeça de pregos e
fragmentos de metais. O problema é que
isso não havia sido divulgado ainda, mas
quando chegou pelo Delegado, o resultado
da autópsia, lá estavam os pregos
prenunciados por Zé Tristão. Ele era o
assassino! Foi então condenado, passou
alguns anos em uma cela chamada de "17",
que pingava água, e quando saiu da cadeia,
a família foi recomendada pelo Delegado,
que tirassem o rapaz daquele lugar, para
evitar vingança. Eram tempos duros. Mas
pensa que termina aqui o caso? Pois não
termina aqui! Pois Zé Tristão, depois do
crime, de assassinar o cunhado, com um
tiro de pistola, cuja carga eram cabeças e
fragmentos de pregos, foi condenado à
prisão, e lá cumpriu alguns anos, na famosa
cela 17, a tal que pingava água
intermitentemente. Cumprida a pena, Zé
Tristão ensacou os mijados, e partiu rumo à
São Joaquim, SC, onde engraçou-se por
uma prenda, e ali estabeleceu-se, formando
nova família com ela. Inteligente como de
fato era, e no ofício de Agrimensor, Zé
Tristão, logo arrumou-se nas finanças, e
arrebanhou patrimônio, pois era uma
prática bastante comum, que o Agrimensor
fosse contratado para demarcar terras, cujo
valor na escritura determinava tal e tal
medida. Então, após dias, semanas abrindo
picadas à facão, espiando pelo Teodolito, e
anotando na sua cadernetinha
quadriculada, as coordenadas que
encontrava, ao cabo de dias, entregava sua
carta geográfica repleta de cotas, curvas,
convenções, e coordenadas, só
compreendidas por outro Agrimensor, além
de um Memorial Descritivo, que era “ipsis
literis” copiada pelo Escrevente
Juramentado do Registro de Imóveis, e dali,
era lavrada a Escritura pública. É assim até
hoje, com exceção da tecnologia empregada
por recursos tão avançados, que à época
teriam sido vistos como práticas ocultas, e
seu autor, se não fosse enforcado, ao menos
tomaria uma bela surra de vara. Bem!
Voltemos aos fatos. Uma vez entregue a
escritura, o profissional percebia que a lavra
pública continha certo valor, de digamos
cinquenta hectares, mas, na prática, após
confrontadas todas as vizinhanças, que
também participavam, para validar o
documento, também tinham cinquenta
hectares cada um, por seu lado, davam-se
por satisfeitos, e o assunto encerrava, pela
parte deles. Só que não. Ocorre que no
somatório das terras constantes nos
documentos, somaria cinquenta hectares,
mas, na prática, eram de sessenta ou mais
(valores hipotéticos), de cada um. O que
fazia então o Agrimensor? Como já havia
sido pago para mapear, portanto estaria
tudo na sua cadernetinha, ele fazia um
mapa complementar, e dava entrada no
Cartório, com pedido de Usucapião das
terras devolutas (sem dono), e em cinco
anos, tornava-se dono das terras. Isso se
repetindo ano a ano, ao cabo de tempos,
eram proprietários de dezenas de lotes
esparsos, os quais eram mais tarde,
transformados em loteamentos.
Enriqueciam com isso. Não se pode dizer
que seja desonesto, nem ilegal. Não é. E não
vou gastar dos para debater ética aqui nesse
causo, porque é sobre o Zé Tristão que falo e
não sobre terras devolutas. Pois Zé Tristão
ajeitou a vida deste modo. Mas, como existe
o castigo dos Homens, a justiça divina, Zé
Tristão, por seu mau gênio, acabou por
indispor-se com a nova família, e tomou um
pé nas ancas, e bandeou-se rumo ao torrão
natal as terras “do Gramado”, já agora
emancipada, e próspera em crescimento.
Muitos anos haviam se passado, e com
exceção da família, poucas pessoas sabiam
da história, e menos ainda os que ligavam o
fato á pessoa, que passou a perambular
pelas ruas com barbicha longa, arcado, com
um cajado e um saco nas costas. Era Zé
Tristão quem batia na porta da irmã, maria
Vergínia (Tia Virgina), e de algumas
sobrinhas, filhas do homem a quem
assassinara, com “sangue frio”, e ódio
fervente. Algumas das sobrinhas, não o
receberam, enquanto outras, por caridade,
serviam-lhe um prato de comida do lado de
fora da porta. Apenas uma sobrinha, Maria
Elisa, justamente o bebê que estava no colo
do pai, ao ser morto pela carga de pregos de
Zé Tristão, foi a que lhe concedeu, não
apenas abrigo, como alimento e atenção. Zé
tristão aparecia na casa dela de tempos em
tempos, recebia hospedagem e alimento,
mas sentia-se desconfortável em não pagar
pela hospitalidade, então, dedicava-se à
fazer pequenos reparos, construir coisas.
Era exímio artífice em madeira, e certa
ocasião construiu uma cerca de ripas (era
comum usar ripas de pinheiro, de uma
polegada, para construir cercas nas casas, e
até mesmo os portões eram feitos com este
material. No portão que fez, Zé Tristão
utilizou um nó de pinho como base, cavou
um buraco, e o eixo do portão corria dentro
dele. Era assim que fazia as coisas,
inventando. Já velho, caduco, e surdo, Zé
Tristão despejava suas loucuras por onde
passava. Gostava de contar causos, e
adorava falar nas “mamica duma mulata”,
ou “mamica duma lamoa”. Gostava da coisa,
mas "a coisa" não queria mais saber dele.
Falto de dentes, sua dicção não era das
melhores, e então ele dizia ao meu tio,
Samuel, que era piazote: "Vancê é um
Arcaide!". Noutra ocasião, viu-me brincando
com minha prima, que tinha o cabelo
curtinho. Olhou pra ela e disse: "Vancê
percisa ser um padre!" Ela respondia então:
“Mas Tio José! Eu não sou menino. Sou
uma menina!” - "Isso mesmo, meu fiu!
Vancê vai ser um padre!"Eu, muito pequeno,
olhava pra ele, que tinha os olhos
pequeninos (Ô genética braba essa), e
viviam arregalados para poder ver bem, e
perguntava: “Pá quê tu tem teus jóio
legaládo?” Ele não entendia, e pensava que
eu falava do livro de Gàlatas, da Bíblia. Ele
então perguntava: "Galáta? Galáta?" E
seguia seu rumo. Certa ocasião, minha mãe
passou um trote no véio. Contou a ele que
havia sonhado, que em tal lugar, onde hoje
fica o Bairro Carniel, e era mato naquele
tempo, ela havia visto uma árvore, e junto à
raiz da árvore, estava um "Cabedal" (Tesouro
enterrado pelos revolucionários). O Zé
Tristão não esperou muito, e na madrugada
do dia seguinte, juntou uns arames de cobre
emaranhados, aos quais chamava de
"aparêio de achar ouro", e uma picareta, e
bateu "dereito" o mato, em busca da tal
árvore. Quando apareceu de volta á casa,
contando que cavara o dia todo e não
encontrara, minha mãe revelou que “talvez
fosse só um sonho e não houvesse nada
naquele lugar”, mas o macróbio não de seu
por vencido e disse que achou a tal árvore,
com a mesma descrição, e que deduziu que
outro já haviam cavado e levado o ouro
embora.
Zé Tristão odiava seu irmão, Manuel. Viviam
às turras, e certa feita, escreveu um bilhete
ao Forum local, enfiando-o debaixo da porta
na madrugada, onde discorria um libelo
difamatório do irmão, e encerra dizendo:
Manuel bandido, manuel Ladrão! Ora,
imediatamente foi descoberto o autos de tais
epístolas, dado o fato que sua letra era
belíssima, ornamentada, e miudinha. Não
gerou consequências, senão umas boas
risadas. Pode-se dizer que Zé Tristão iniciou
as "fake news! em Gramado.
Voltando ao passado, na década de 1930,
um relato contido em uma das edições do
"Mensageiro Lutherano", cujo livro
encadernado, contendo edições de 1938 a
1941, doei à saudosa historiadora Marília
Daros Franzen. O livro contava as
reminiscências do surgimento da "Egreja
Lutherana" em Gramado e "Canella", cujo
responsável por levar á Gramado tal
congregação, não foi outro senão, o senhor
José Francisco de Oliveira, o nosso Zé
Tristão.
Quando retornou, Zé Tristão, já caduco e
meio transtornado, entregou-se aos
devaneios mentais e ocultistas, e andava
com um livro de "São Cipriano", que
ensinava feitiços e rezas obscuras. Conta-se
que foi visto em noite de lua nova, completa
escuridão, fervendo um gato até que
sobrassem apenas os ossinhos, e depois
experimentando cada um daqueles ossos,
enfiando-os na boca, diante de um espelho.
Quando encontrasse o osso certo, a pessoa
ficava invisível. Não sei se funcionava.
Nunca tive vontade de fazer isso. Eu sei lá.
Dá medo mexer com certas coisas que saem
de um livro de "São Cipriano", e testadas
pelo Zé Tristão.
Zé Tristão morreu por volta de 1970. A
carcaça carcomida pelo sofrimento e
peripécias da vida, foi depositada no jazigo
de seus pais, o primeiro, e mais antigo, do
Cemitério São Lourenço, o Cemitério
Católico de Gramado. Contando comigo,
foram nove pessoas ao seu enterro. Com
eles, Dez. Se tivesse mantido o judaísmo de
seus avós, contar-se-ia uma "Miniam", um
grupo de dez judeus necessários para rezar
o Cadish, a reza dos enlutados. Nem isso
teve pelo Zé Tristão. Triste na vida e triste
no nome.
Arno Michaelsen - O Prefeito Humano que
Gramado precisa lembrar
Minha família havia atravessado uma
grande tragédia, e voltava cabisbaixa para a
terra natal, Gramado, início dos anos 60 do
século passado. Minha avó foi trabalhar em
um restaurante, do já inexistente “Motel
balneário”, também conhecido, na época,
como "Tênis Clube", onde lavava pratos,
fazia limpeza, e levava algumas sobras para
nossa casa.
Meu tio, Esaú, ainda adolescente, foi fazer
biscates com madeireiros, aplanadores de
terras, coisas desse tipo. De vez em quando
tomava umas cachaças, dava uns cascudos
nos brigadianos, ia preso, minha avó
chamava o Dr Celso Dalle Molle, advogado,
que ia com ela na delegacia, e soltava o piá.
Era uma rotina.
Meu outro tio, Samuel, um piazote ainda,
também fazia pequenos biscates pelas
fábricas de Gramado: Pelando vime, no
Dinnebier, Moranguinho, pra fábrica de
Doces, surrando e apanhando da piazada de
rua, arrancando samambaia nos terrenos,
enfim, também prosseguia na sobrevivência.
Minha mãe, a filha mais velha,foi trabalhar
de babá nas casas das famílias Koetz (ela
comentava comigo que as crianças eram
extremamente bem-educadas. Sabiam a
hora de irem dormir, eram respeitosos,
afáveis, e inteligentes. Vale citar nomes
aqui: Orlando e Teresa Koetz, pais do Flávio,
Paulo, Fátima, e Zena. Em sequência (ou ao
mesmo tempo, isso eu não sei, foi também
babá dos filhos do casal Marcílio e Irani
Cardoso (Tio Março e Tini), Manoel Ignácio,
Alexandre e Caetano. Tornaram-se estes,
meu irmãos de alma, desde então. Marcílio e
Irani viam em minha mãe, Ester, mais de
uma uma menina (com 17 anos) que
cuidava de crianças, mas uma inteligência
em busca de espaço. Tio Março, levou-a
então, até o Prefeito, Sr. Arno Michaelsen, e
apresentou-a, da seguinte forma: - Arno!
esta é a filha do Assis! - Filha do Assis?
Então temos que conseguir uma
oportunidade para esta menina.E
imediatamente a nomeou Professora da
Escola da Curva da Farinha (ou foi na
Piratini, disso não tenho certeza nesse
momento). Eu quis relatar este particular,
para demonstrar que meus ensaios não são
para enaltecer políticos ou escrever a
história, mas para lembra, através da
história, o grau de humanidade que
alcançaram meus personagens. Arno
Michaelsen, foi o segundo Prefeito desde a
emancipação de Gramado. Eram os
primeiros tempos. As preocupações de um
prefeito em 1960 eram diferentes dos
desafios de hoje. Enquanto hoje, disputam
os prefeitos, sobre quem asfaltou mais
estradas, naqueles dias, a disputa era com a
topografia, a sobrevivência. Abriam-se
estradas contando apenas com um velho
trator de esteira, e uma motoniveladora,
comumente chamada de “Patrola”. A
Prefeitura era recém-criada. Se há hoje
vícios de continuidade, naquele tempo não
havia sido ainda maturada a substância
política tradicional em Gramado. Claro que
haviam facções, preferências ideológicas,
mas ainda prevalecia o discurso
comunitário. Quando Arno nem pergunta a
razão e diz que “temos que conseguir uma
oportunidade para esta menina”, ela faz
uma leitura completa da situação, que já
havia chegado aos seus ouvidos, e não
tomou o precioso tempo da menina com
perguntas estúpidas de embromação.
Simplesmente decidiu: Vamos agir, pois o
momento urge!
Naquele tempo, o Prefeito era uma
Autoridade moral. Era, eu disse. Tomava
decisões e assumia por elas. Nesse tempo,
ainda não corria esgoto a céu aberto pelas
ruas da cidade, talvez porque nesse tempo
ainda não houvesse um serviço eficiente de
saneamento e abastecimento de águas
quanto tem hoje em Gramado.
Arno Michaelsen foi o primeiro Presidente da
Câmara de Vereadores de Gramado.
Segundo os dados deixados pela falecida
historiadora, Marília Daros Franzen, Arno
nasceu em Nova Petrópolis, em 1929. Teria
completado então 100 anos, recentemente.
Seus pais eram Theodoro Guilherme
Michaelsen e Berta Kny. Em setembro de
1940, casou-se com sua companheira fiel,
até o fim dos dias, Angelina Caberlon. Bem
poucos sabem, mas Arno também já foi
cantor. Em um coral, mas foi cantor, No
Coral Evangélico de Gramado. (A Igreja
Evangélica de Confissão Luterana do Brasil,
a Igreja do Relógio, também conhecida como
"Igreja protestante"). Arno abriu, nos anos 5,
uma Casa Comercial, e deu o nome de
"Estrela". Vendia roupas, tecidos, e
armarinhos, miudezas para costura. Mais
tarde, o mesmo prédio serviu como
restaurante, chamado, se não me falha a
memória, de “Vera Cruz Churrascaria”, ou
algo assim. Já não existe mais. A
churrascaria foi comprada pelo empresário
Adail Bertolucci (Ex-Chocolate Planalto), e
mais tarde ali foi construído um parque
temático, da mesma empresa. Em 1957,
Arno presidiu o Centro Esportivo
Gramadense. Participou ainda do grupo de
bolão denominado "Vampiros,", na
Sociedade recreio Gramadense, o principal
clube social da cidade. Vale lembrar que
antes de ter sido Prefeito e Vereador por
Gramado, Arno Michaelsen já havia sido
Vereador pelo 5º Distrito de Taquara, e
também Sub-Prefeito, pelo mesmo Distrito,
que era Gramado, trabalhando, desde esse
tempo pela emancipação política de
Gramado. Tomou posse em novembro de
1955, como Presidente da Câmara, e
começou então a preparar as novas leis
municipais, através do Regimento Interno
da Câmara e do Código de Posturas do
Município de Gramado, sancionados em
1956.
Alguns nomes notáveis devem ser lembrados
desta gestão, pessoas queridas por muitos
que leem
meus ensaios e histórias. Alice Ilse de
Castilhos, a querida Tia Alice, da Prefeitura,
onde trabalhou até sua aposentadoria. Os
irmãos Evanor e Luiz Maurina, e o saudoso
amigo, Arlindo de Oliveira. Um dia vou
contar episódios mais detalhados sobre
Arlindo. Finalizo a equipe, com a
queridíssima professora Cleci de Oliveira,
que muitos lembram dela, do Cenecista.
Em 1960, Arno concede Cidadania ao
pioneiro Leopoldo Rosenfeldt, pelo legado de
seu trabalho. Para os neófitos da terra, são
de autoria de Leopoldo, o Lago Joaquina
Rita Bier (aquele dos espetáculos no natal
Luz e tantos outros), o Lago Negro, o atual
Centro Municipal de Cultura Arno
Michaelsen, e o loteamento do Bairro
Planalto. Coube a Arno ser o primeiro
Prefeito a administrar o legado de leopoldo
Rosenfeldt (que doou as terras dos lagos ao
Município de Gramado.
A Educação era uma das prioridades do
Prefeito Michaelsen, e eram fomentados
treinamentos para professores da sede e do
interior.Nesta foto ao lado , um dos
frequentes treinamentos, dos quais minha
mãe, Ester Cardoso, participou em sua
formação pedagógica.Nesse tempo, a vizinha
cidade de Canela já era conhecida pelas
escolas, de natureza devocional, que
recebiam alunos de vários municípios
vizinhos, e até mesmos distantes. Gramado
então, começava a despontar para seu
próprio sistema educacional público. Deve-
se ao Prefeito Michaelsen a eclosão deste
movimento. Pois então!
Armando Bogus, Ruth Escobar, Os
chocolatinhos, e eu
Estou de volta, assim de soslaio, despacito,
como quem rouba, sorrateiro como gaudério
de bombacha clara em dia de namoro, mas
trazendo mais algumas reminiscências dos
tempos de antanho, a saber, bastidores do
Festival de Cinema de gramado. A propósito,
o Esdras Rubim, que foi Secretário de
Turismo por duas ocasiões, em Gramado,
contou-me que está preparando um livro
com suas memórias sobre o Festival. Vamos
aguardar. Ele tem muitas. Mais do que eu.
Vou contar uma hoje. Eu era "aspone" do
Esdras, e como tal, era encarregado de
acompanhar os convidados da Prefeitura,
em eventos e restaurantes de Gramado, que
nesse tempo eram bem poucos, mas de boa
qualidade já. Um destes restaurantes, abria
só á noite, mas era o preferido da
intelectuália de então: o Chez Pierre, do
saudoso Pedro Gobbi, que era um anfitrião
poliglota, atencioso, elegante, e depressivo, o
pobre amigo. Isso no entanto não o impedia
de prestar um atendimento cortês e com
requintes europeus. Chez Pierre, era o lugar
favorito dos artistas e intelectuais que
visitavam Gramado, já mencionei isso, por
três razões, em especial: Servia os melhores
vinhos de Gramado; Os queijos, embora
fedorentos, como todo bom queijo, eram
especialíssimos; e finalmente, porque a boa
música (99,999% do tempo era Jazz, mas
quando eu digo "Jazz", eu digo: "JAZZ"! Ella
Fitzgerald, Billie Holliday, Louis Armstrong,
Milles davis, John Coltrane, Duke Ellington,
e por aí vai, e não, definitivamente não
tocava Roberto Carlos, Luís Miguel, nem
tampouco Duduca e Dalvan. Entaõ, por
estas razões, e principalmente porque não
tocava Roberto Carlos, o "Justin Bieber" das
tias velhas, os artistas corriam para o Chez
Pierre, quase todas as noites, em sua
estadia em Gramado.
Um produtor do Filme "As Filhas do Fogo",
totalmente rodado em Gramado (Casa do
parque Knorr), e Canela (Castelinho da Irene
Franzen), dirigido pelo Walter Hugo Khoury,
costumava ir ao restaurante e pedir a
famosa "Tarraqueta", que não existia, pois
como ele nunca lembrava do nome, inventou
"Tarraqueta", e pegou, entre a equipe de
produção. Era uma "Raclette",
Mas, voltemos ao Bogus, que titulou o
ensaio. Armando Bogus, ator bastante
famoso, que adorava Gramado e em
Gramado, sua paixão alimentar era ir ao
Chez Pierre, e numa destas ocasiões,
contou-nos uma história dos bastidores do
movimento político contra o Regime Militar,
que não sei que importância teve, se é que
teve alguma, mas foi pitoresco ouvir.
Contou ele, que vindo de uma tournée de
uma peça na Europa, ao olhar pela
janelinha do avião, percebeu um forte
aparato militar à espera de algum dos
passageiros, e por sua experiência,
presumiu que seria para prender a atriz e
produtora teatral, Ruth Escobar.
Rapidamente, sem que ninguém percebesse,
ele enfiou a mão na bolsa de Ruth, e
surrupiou alguns documentos, e os guardou
em sua própria mala. Dito e feito: Ruth
desembarcou por primeiro, e imediatamente
foi presa, isso tudo ao mesmo tempo em que
os passageiros desembarcavam da aeronave.
na época não havia os "minhocões", e todo
o desembarque era nas escadas móveis da
SATA. Nesse momento, Bogus acelerou o
passo em direção à Ruth, e disse, para que
todos ouvissem:
- "Ruth! Seus "chocolatinhos" estão comigo!"
- " Ótimo! Guarde-os na geladeira pra que
não estraguem. Quero comê-los quando eu
voltar!"
O tais "chocolatinhos eram documentos que
comprovariam a ligação da CIA com os
militares brasileiros no poder.
As "Bandas" de Gramado, e os Animadores
de Bailes dos anos 50/60/70
Eu sei que não adianta pedir para que
identifiquem os garbosos varões da foto,
porque eu mesmo precisei recorrer à meus
amigos, levemente mais idosos do que eu, a
fim de identificar cada uma. Então vamos lá:
Começando da esquerda, o galalau do
contrabaixo, vasta franja, óculos fundo de
garrafa, e bem "dergadinho", é o que hoje
atende pelo título de Prefeito de Gramado,
mais conhecido pela alcunha familiar dada
em priscas eras, Fedoca.
Já, á sua direita, soltando a voz quase
visceral, aquela que nasce na pleura, o
garboso escritor e historiador, poeta, e
filósofo, Gilberto Drechsler, empolando a
guitarra até seu mais agudo e esganiçado
vibrato.
O Elegante também, guitarrista, ao centro, é
o Alvari de Borba, que logo após o fiasco
desta apresentação (nem houve fiasco
algum, mas cumpro rigorosa tradição de
esculachar amigos que vestem cuecas), foi
embora para morar nos Estados Unidos e
realizar o "Americam Dream! de ficar rico.
A terceira guitarra, torturada pelo magricelo
à direita do trio, é destruída pelo, hoje
arquiteto, Derson Casagrande, vulgo
"Ratinho". E no cantinho a fundo, o saudoso
amigo Ênio Grade. A banda era chamada de
"Os Primitivos".
Antes disso, relatou-me o contemporâneo e
contador de causos, Altivo Becker (Pekinha),
que havia outro conjunto, chamado: "Os
Lenheiros", cujos integrantes eram: Fabiano
Bertolucci (Irmão de Fedoca), Alexandre
Bezzi, Fedoca, Beto Perini, na Bateria, e a
Liege Zatti, era a cantora da Banda.
Depois dos Primitivos, surgiu um conjunto
denominado "Die Fledermaus" (Os
Morcegos), composta por Henrique Adolfo
Ehms (Castelo), Gelson Oliveira (Pelé),
Benno Raaber, Clarindo Sartori, e Levino
Raaber. Ensaiavam na casa do Clarindo,
situada no Morro dos Cabritos, distante
cerca de 300 metros, em linha reta, da
Avenida Borges de Medeiros. Certo dia,
enquanto ensaiavam, adentra um sujeito
baixinho, já de certa idade, dirige-se ao
guitarrista, toma-lhe a guitarra, afina ela,
vira as costas, e vai embora. Era o Maestro
Pablo Komlós, que ficou incomodado, ao
ouvir o desafino da guitarra, de onde
caminhava.
Gelson Oliveira, nesse tempo, desligou-se do
Fledermaus, e criou, junto com Márcio Volk,
Marco Antero (Bugiu), Kiko Caberlon, e Luis
Ewerning (Vassoura), a "Batuka Blue Band",
uma banda já mais sofisticada, e que a
partir desta, deu a largada para a carreira
solo, ou mais tarde, em vários grupos, de
Gelson Oliveira.
É bom lembrar ainda das "Bandinhas" mais
populares e folclóricas, animadoras de
bailes, como "Irmãos Broilo", além de outras
bandinhas do gênero no interior de
Gramado, que espero, um dia, falar sobre
estas também.
Também vale lembrar (e já solicitei material,
para fazer uma matéria) da "Banda
Tamoyo", liderada pelo querido maestro
Egídio Michaelsen.
Não se pode deixar de falar Das duplas
"Luar do Sertão" (Elias Moura e Isaías
Abraão), ou Elias e Zacarias Moura.
Sou corrigido pelas redes sociais, e venho
fazer reparos aqui. O amigo Cláudio sartor,
lembra-me com propriedade, da dupla
“Sertãozinho e Zé do Sul”. Sertãozinho era
violeiro, e Zé do Sul, era gaiteiro. Recordo
ainda da dupla formada pelo Seu Liberato,
com meu primo Elias de Moura. Não lembro
se a dupla tinha nome.
A Dupla “Luar da Querência” era
conceituada animadora de bailes pelo
interior de Gramado e região. Lembro que
Elias utilizava seu velho rádio com válvulas,
como amplificador do violão, para ensaiar.
Uma de suas composições, eu lembro
apenas do refrão:
"Quando partir
Do sul para o norte
Eu vou levar minha boiada pro sertão
Eu vou tropeando, de oeste para leste
Vou levar gado pra vender, pro meu patrão!"
O Subterrâneo dos Nelz – Lenda urbana ?
Tinha eu doze ou treze anos, quando ouvi
minha avó Maria Elisa, contar sobre a
existência de um “Subterrâneo” existente
nas terras da Família Nelz, em Gramado.
Rezava a lenda que dois caçadores de tatus,
caminhando sorrateiramente à luz do luar,
ouviram um barulho, e de pronto se
esconderam atrás de uma árvore.
Aguardaram em silêncio, até que ouviram
vozes de conversas, guiadas por uma
lanterna, a iluminar o caminho entre as
pedras e a capoeira. Em dado momento, as
vozes silenciaram, e eles espiaram, mas não
viram mais ninguém. Haviam desaparecido
de súbito, misteriosamente. Assustados,
voltaram, e no dia seguinte, procuraram o
delegado local, e relataram o que tinham
visto. O delegado, então visitou o casal Nelz,
e eles “confessaram” que tinham, de fato,
um esconderijo para proteger-se de
perseguições, que eram comuns naqueles
dias, após a guerra, onde os alemães em
solo brasileiro, sofreram retaliações por
parte de “patriotas” mais exaltados.Sobre
estas perseguições, foram de fato cruéis, e
embora o caso seja da lenda do bunker dos
Nelz, vale saber que muitos descendentes de
alemães, gente simples, na maioria colonos,
da roça, foram os que mais sofreram tais
retaliações. Lembro de minhas tias-avós,
que moravam no interior de Gramado,
contando de um caso de um "alemão"
apanhado falando na sua língua de origem,
fora preso e acorrentado em um chiqueiro,
até que a polícia chegasse para levá-lo para
prestar depoimento. Contava ela, a Tia Lina
Pereira Dias, moradora na Serra Grande,
que ouviu os gritos e foi à janela ver do que
se tratava, e viu que seus vizinhos
arrastavam o pobre colono, debaixo de
pauladas e coices, pelo caminho, e depois
soube que o haviam acorrentado junto ao
chiqueiro, pelo crime de ter sido flagrado
falando em alemão. Nunca soube quem era
ele, e nunca mais ouvi contarem esta
história. Minha sogra, dona Lilli Boone,
jamais aprendeu a falar em português.
Minha comunicação com ela era por
palavras avulsas, que ela fazia esforço em
lembrar, para comunicar-se comigo. Isso
aconteceu, porque quando viam gente
estranha chegando, sendo ela ainda
pequena, a mãe juntava os filhos pequenos
e fugia para os matos, onde permanecia por
horas, ou por vezes, dias, com o coração
acelerado, imaginando ser alguém à procura
de “traidores” da pátria, porque não sabiam
falar a língua portuguesa. Bem verdade é
que sim, haviam núcleos nazistas no Brasil,
durante a guerra, mas Gramado, Nova
Petrópolis, apesar de terem grande
percentual de colonos, entre seus
habitantes, não houve manifestações nesse
sentido. Eram gente pacata, ordeira,
trabalhadora, amavam o Brasil honravam a
bandeira nacional. Porém, em todos os
tempos, em todos os lugares, onde havia
uma faísca de perseguição, havia junto
algum mal intencionado com um galão de
gasolina disposto a ver tudo incendiando.
Mas não era o caso dos Nelz. Dr Carlos Nelz,
Médico, casado com dona Tereza, conhecida
como Dona Medy Nelz, eram pessoas
queridas pela comunidade. Nesse tempo,
Gramado contava com dois médicos apenas,
e a preferência por um ou outro, dividia
também a cidade, assim como dois partidos
políticos ou times de futebol o fazem.
Metade da cidade, era paciente do Dr Carlos
Nelz, e a outra metade, frequentava o
consultório e hspital do Dr Erico Albrecht.
Isso durou anos, até que começaram a
aparecer outros médicos, mas, ainda assim,
quem atendia no Hospital Santa Terezinha
(Dr Erico), não atendia no Hospital Arcanjo
São Miguel (Nelz). Durante muitos e muitos
anos, o famoso “Túnel” ou “Subterrâneo” do
Dr Nelz, preencheu o imaginário da cidade,
e desconheço quem tenha sido
contemporâneo meu, que não tenha
vasculhado, de ponta a ponta,
esquadrinhado o terreno, à procura da
entrada secreta do tal bunker. Eu mesmo,
seria capaz de desenhar, de memória, o
mapa inteiro das terras dos Nelz, onde sabia
localizar cada ceio d'água, cada gruta,
caminho, pé de araçá, daquelas terras.
Eram o meu imaginário, além de excelente
lugar para pescaria escondida, onde
deliciosas (só sei de ouvi falar, é dE VerdAdE
Este Bilete) trutas podiam ser pescadas nos
dois lagos do alto do morro. Mas nunca foi
encontrado, e a lenda permaneceu.Há
alguns pares de anos atrás, fui consultar-
me com Dr Hermann Ulrich Nelz, ou "Dr
Ulli", filho do Dr Carlos Nelz, e perguntei a
ele sobre a tal lenda. - “Não é lenda!” -
Respondeu-me com firmeza. Existiu mesmo.
E então contou-me a história que eu sabia,
em parte, mas enriqueceu com estes
detalhes: - “Eu estudava em Porto Alegre, e
voltava para casa nas férias. Um dia, meus
pais levaram-me a um lugar, e disseram
para que eu fechasse os olhos, e contasse
até dez. Aí poderia abrir os olhos. Fiz, e
quando abri os olhos, olhei por todos os
lados, e eles haviam desaparecido, como
mágica. Procurei por horas e não os
encontrei, até que eles apareceram atrás de
mim, e me revelaram o segredo. Uma pedra
falsa, cheia de musgo, era revolvida, e por
ali entravam, e fechando a entrada,
desapareciam completamente. Lá dentro,
havia mantimentos, provisões, para que
minha família pudesse permanecer
escondida por até seis meses, em caso de
perseguição. Então, apareceram os
caçadores , que viram, denunciaram ao
delegado que foi visitar meus pais, e eles
mostraram a ele o que era e qual o motivo
de sua existência. O Delegado então os
aconselhou que soterrassem o lugar, e o
assunto permaneceu como lenda. Seria este
o fim da história, porém, descobri que o
lugar não foi fechado, pelo menos não
naquele tempo, e as crianças brincavam por
lá, e iam esconder-se numa espécie de
bundear, com muitos mantimentos, um
almoxarifado da casa.”
Se era o mesmo, não sei dizer, mas teria
sido bem mais interessante se nunca tivesse
sido revelado. para que o imaginário
continuasse, assim como continuam outras
lendas sobre porões misteriosos, ou salas
que guardavam tesouros. Por mim,
continuarão como lendas, até que se prove o
contrário. No caso do bunker dos Nelz, a
palavra do Dr Ulli, pra mim vale mais que
um achado arqueológico.
Era bastante comum que as casas de
imigrantes europeus, tivessem um lugar
separado para guardar mantimentos. Na
casa de Elisabeth Rosenfeld, havia uma
torre da caixa d'água, e dentro dela, havia
um depósito de ferramentas de jardinagem.
No chao, escondido, havia um alçapão, onde
os netos dela e eu descíamos para abrir
potes de compotas, geleias, que ela
guardava lá. Molecagem, mas era divertido.
Assim como era divertido vasculhar as
terras dos Nelz, para tentar achar o túnel.
No caminho, haviam muitas recompensas:
Araçás, amoras, cerejas, goiabas serranas,
peixes do lago (só ouvi falar, já disse, e a
exuberante visão dos lagos floreados com
ninfas nas manhãs de primavera.
O Trote
Aprontar trote é mais comum que a posição
de defecar, e não há quem não tenha alguns
memoráveis para contar, o que alias, faz até
bem pra engrossar o couro, tomar um
trotezinho aqui e outro ali. Eu, pelo menos,
prezo por este modo de pensar, só pra não
pensar em cada trote que tomei. Por
misericórdia, como eu fui tonto nessa vida,
gente do céu! Tá, eu também passei alguns,
e vou contar aqui uns dois, com o mesmo
mote: O “Professor de Ballet”!. Omitirei os
personagens, mas os fatos são
aproximadamente verdadeiros. Eu alugava
uma sala em um prédio de salas comerciais,
no centro de Gramado, tinha meu escritório.
No mesmo prédio, haviam outros escritórios,
sendo um de engenharia e decoração, e
outro era um consultório médico, cujo
titular era (e continua sendo) um grande
amigo. Todos eram meus amigos, diga-se
pelo bem da verdade. Volta e meia, nos
visitávamos, para jogar conversa fora, tomar
cafezinho, chimarrão, ou contar lorotas das
boas. Certa ocasião, passei no consultório
do amigo médico, e vi que havia uma
atendente nova, começando naquele dia.
Estiquei o pescoço porta adentro,
cumprimentei, e perguntei se o “Dr Fulano”
estava. - Gentilmente disse que não, e
perguntou se era urgente. Respondi que
urgente não era, mas que ele havia marcado
comigo para que, dentro da próxima meia
hora, nos encontrássemos no Tênis Clube,
próximo dali, pois ele teria aula de Ballet
comigo e outras pessoas. A moça achou
aquilo muito estranho e perguntou quem eu
era. Respondi que era o professor de Ballet
do doutor, e que passei para lembrar que ele
não poderia faltar à aula, porque iríamos
experimentar nos alunos os novos collants e
sapatilhas que eu trouxera de Porto Alegre,
e que contava com o doutor em aula.
Apertando os lábios para evitar uma risada,
saí dali e fui para a sala no fim do corredor,
do escritório de engenharia. Lá trabalhava
uma mocinha, que tinha um irmão de
tamanho avantajado, e contei à ela a
situação, e pedi que não me denunciasse.
Ela então tomou a iniciativa de chamar o
irmão, e juntos foram até a sala do doutor, e
se apresentando, perguntaram se ela já
havia localizado o doutor, porque o professor
de Ballet deles estava na cidade, e eles não
poderiam faltar. E eu voltei pra minha sala.
Poucos minutos depois recebo uma ligação
do doutor, perguntando se eu era o autor do
trote. Depois de rir um bom bocado, ele
disse que ela havia ligado para todos os
lugares por onde ele passava e deixava o
recado para que ele entrasse em contato
com o tal professor de Ballet.
Mesma situação aconteceu, num dia, em
que fui, acompanhado de um vendedor de
minha equipe, a uma fábrica de móveis, e o
vendedor era bastante alto também. Lá nos
deparamos com uma secretária nova, e
pense no formigamento que me deu em ver
uma secretária nova perguntando quem
queria falar com sue chefe.
- Sou o professor de Ballet do fulano (o dono
da fábrica, que era um sujeito bem
encorpado, grande mesmo, e sues irmãos
não eram muito menores, Maiores até, eu
acho). Vim entregar o collant que ele
encomendou, e também a tiara com cristais
e pérolas porque ele faria o papel do Cisne
Negro, na peça Lago dos Cisnes.
A moça desatou a rir, e aí me "enfureci".
-“Por que você está rindo? Como você é
preconceituosa. Só porque o sujeito é um
armário de grande, acha que ele não tem
direito de ser delicado? Por favor, assim que
ele chegar, peça para contatar urgente
comigo. Ele tem meu número! Este rapaz
que está aqui comigo, parece um armário
também, mas ele faz o cisne negro, que
agora é seu chefe quem tomará o lugar
dele”. Disse isso e saímos, segurando os
frouxos de riso.
Depois do meio dia, fui ao centro da cidade,
e lá encontrei os três irmãos, e mais alguns
amigos, à porta do banco, e contei a
história.
Malandros, de igual ou ainda piores que eu,
o empresário chegou na fábrica, logo mais
tarde, e ao chegar logo perguntou para a
secretária:
- Meu professor de Ballet esteve aqui me
procurando hoje?
Depois disso, toda vez que eu ia lá, ela
nunca me oferecia cafezinho. Rancorosa!
Romeu Dutra, Roberto Sperb, Rui Corso, A
Freira que me odiava, e outros causos
João Romeu Dutra, ou Romeu Dutra, foi o
primeiro Secretário de Turismo de Gramado,
efetivamente com esse título, porque antes
disso havia o COMTUR - Conselho
Municipal de Turismo, e se não estou
enganado, seu último titular foi o antigo
membro do Consulado Britânico, Mr. George
Edward Fox, ou Mr Fox, pelos amigos, e "Tio
George", pelos escoteiros. Já comentei isso
aqui, e pouco sei da biografia dele, então
limito-me a falar do que conheço sobre
meus personagens.
Romeu Dutra era professor de matemática
no Ginásio Estadual de Gramado, ou
Ginásio Estadual Noturno, o GEN, quando
duas novas turmas foram criadas para o
turno matutino e para isso, também o
temível “Exame de Admissão”, já comentado
também. E assim, já doidinho por desafios,
lá estava eu, com nove anos de idade,
disposto a assentar-me junto aos grandes
nas carteiras (à época, chamadas de classes
mesmo), para enfrentar o Ginásio, período
que ia após o quinto ano do primário. O
Ginásio era de quatro anos, e depois disso, o
"Científico". Romeu então, era inspetor de
uma turma, onde eu estava, durante a
prova.Como e não havia feito o quinto ano
primário, senão durante três meses de
madrugadas estudando com minha mãe,
professora, evidente que tinha coisas que eu
apanhava muito. Ninguém pode pular uma
etapa da vida, e eu pulei muitas. Entrei na
escola primária aos seis anos, quando a lei
exigia que fosse aos sete. Mas eu era
alfabetizado desde os três anos, ora bolas!
Então pular etapas era minha especialidade.
Só que não Estando eu tomando uma surra
da raiz quadrada, durante a prova, Romeu
passava várias vezes por mim, e dizia,
baixinho: A resposta ali é tal...eu olhava pra
ele com cara de: “Mas quem esse metido
pensa que é para me dizer a resposta?
Aposto que quer ferrar comigo, me passando
resposta errada. E ainda insistia: Tu não vai
escrever? Eu só olhava, com aquele ”não te
conheço”, carimbado na testa. E mesmo
assim, acho que foi ele quem corrigiu as
provas, e me fez passar. Mas isso é uma
suposição, uma remota hipótese, pois
prefiro acreditar que meu conhecimento em
matemática aproximar-me-ia de Einstein, ou
de um ancestral distante meu, por parte de
pai, Don Adam Ries, o grande matemático, o
que foi definitivamente desmascarado
quando entrei no ginásio, e aquela freira
ignorante, minha professora desta
disciplina, jamais compreendeu a dimensão
das respostas e de meus cálculos, que
excediam, transbordavam sua capacidade
de perceber a sutileza de um 9 em lugar de
um 7 e um 4, por exemplo. E assim, me
ferrei na primeira série, na segunda série...
Tinha ainda aquele professor que, segundo
reza a lenda, atirava bolinhas de ranho no
ouvido de quem dormia nas suas aulas. Mas
este não chegou a ser meu professor.
Felizmente.
Já o Robertão, Professor de Ciências,
Roberto Sperb, pegou implicância com
minha pessoa, mas nunca prejudicou-me
nas notas por isso. E nem precisava, pois as
macaquices, herdadas de minha avó,
trilhavam meu próprio caminho quase diário
pela porta da rua, pra onde eu era
mandado.
- Cardoso!
-Presente!
-Não tou te chamando. Vai pra rua!
- Mas eu nem fiz nada (ainda), professor!
- É pra nem começar a fazer! Hoje tou com
nojo da tua cara!
E eu ia, feliz, brincar lá fora. Às vezes, ele
mandava alguém pra fazer-me companhia.
Dizia-se à boca pequena, que ele fazia isso
com outros alunos. Isso eu não sei. Só sei
que fui o saquinho de pancada dele por
algum tempo. Mas não fazia por mal, pois
não me prejudicava nas notas. Era só
implicância mesmo. E eu sobrevivi.
Rui Corso, era um professor, baixinho, meio
gago, que vinha de Caxias do Sul, lecionar
Geografia, em Gramado. Bonachão como ele
só (todos eram, na realidade), quando me
botava pra fora de sala, pedia desculpas.
Tinha ainda a professora que eu amava,
pela doçura e bondade: Dona Elinor
Sevante! Professora de inglês, finíssima,
elegante, e bondosa Isso tudo na primeira
séria, logo após o banho de conhecimento
na prova do exame de admissão.
Mas, como nem tudo são louros e flores, os
espinhos vêm junto. Uma freira, belíssima,
mas dura e fria como mármore, lecionava
matemática. Não dava moleza. Não era má
pessoa, mas tinha uma frieza matemática
(combinou). Certa ocasião, lembro que o
Papa Paulo VI, aboliu o hábito dos
religiosos, tornou-o optativo. E assim, Irmã
Fulana de Tal, que usava sempre um hábito
cinza, fez uma enquete na sala, sobre a
possibilidade de que largasse o hábito e
passasse a usar roupas civis. Foi quase
unânime, exceto UM aluno, cujo Cláudio
Sartor deixarei de fora o nome, que votou
pela permanência do hábito religioso. No dia
seguinte, veio ela, belíssima...de minissaia!
Dali em diante, minhas notas de
matemática pioraram muito. Paciência, não
se pode ver tudo ao mesmo tempo: Coxas
brancas ou nota alta no boletim. Minha mãe
não entendeu bem a queda das notas, que
não eram boas, chegaram quase ao zero
absoluto. Ah, o desgramado Cláudio
continuou com sua coleção de notas altas
no boletim. Acho que eu devia ter votado
com ele, sei lá.
Desintoxicando a Alma - Os chás da "Tia
Ilizia"
Minha avó, Maria Elisa, tinha chá pra tudo.
Chá de picão para os rins. Chá de "Erva de
Bicho" para diurético. Chá de “Tanchagem
(Tansagem)” como antinflamatório da
garganta. Óleo de Capivara (que só ouvi
falar, mas nunca a vi tomar), como
fortificante, e para curar tuberculose. Ela
insistia demais em tomar esse chá, nem faço
ideia do porquê, pois tinha uma saúde de
ferro, e nem resfriado pegava. Chá de flor de
sabugueiro com avenca para a bronquite.
Chá de "Paripariparova", chá de “Catinga de
mulata”, para fumentar um tornozelo virado,
numa bacia com água quente e sal. Chá de
cidró e "Massanilha" para sossegar o
coração. Chá de folha de ameixeira européia
(Néspera) como acompanhante de uma fatia
de Pão-de-Ló com as visitas. Era muito chá.
Chá de losna para problemas digestivos.
Óleo de rícino para constipação, e tinha
ainda o famoso Bálsamo Alemão, misturado
em açúcar, mas sem beber água por uma
hora, para prevenir todos os males de quem
nunca se tinha ouvido falar. Para tudo ela
tinha um chá, uma receita, uma
pomadinha, um emplastro de sabão com
açúcar para furúnculos, tudo. Tudo tinha
remédio. Tudo mesmo. Até para as dores da
alma. Esta era a sua especialidade. Era
conhecida nos quatro continentes,
considerando que os quatro continentes
ficassem a um raio de poucos quilômetros
de sua casa. E nem só os chás, mas
também os segredos para estancar a dor
pela ferroada de um marimbondo, por
exemplo. Certo dia, cheguei em casa, aos
prantos, porque o marimbondo havia
ferroado meu bracinho fino. Imediatamente
ela tomou uma bacia e me fez mijar dentro.
Daí, com a mão mesmo, sem perder tempo,
fazia conchinha com a mão, e esfregava meu
mijinho no bracinho dolorido. Não sei
quanto tempo levou, mas sei que hoje não
dói mais, e nem lembro em qual braço foi.
Mas Maria Elisa, vulgo, "Tia Ilizia", sabia
muito mais do que preparar chás ou curar
ferroadas com mijo da própria vítima. Sabia
ela, com sabedoria de gente velha, amaciar a
dureza da alma das pessoas, e suavizar as
dores do coração. Sabia porque entendia do
assunto. Transferia sua própria dor para a
panela onde fritava bolinhos, ou um feijão
mexido, um "Tio Bento Ruivo" (farofa de ovo
com farinha de mandioca), e na caneca onde
preparava um chá de mate, feito com a erva
do chimarrão, ao costume serrano de
preparar. E desdas panelas, levava, em
prato e caneca, ao paciente, que
choramingava suas mágoas no canto da
velha mesa de pinheiro. Enquanto comia e
bebia, ela ia fazendo perguntas, e fazia com
que a pessoa falasse tudo o que lhe vinha à
lembrança, exceto o motivo da dor. Desta,
maria Elisa tinha a perspicácia de pular a
página, para as boas lembranças e bênçãos
que receberam, no passado, os que
choravam no presente, com medo do futuro.
- "O futuro, deixa que chegue sozinho,
porque D-s (Deus) proverá!" - Dizia ela. A
mistura do cozido com chá de mate, eram os
chás que aliviavam a carga do desgosto de
quem a procurava. Por vezes, nem procurá-
la, era necessário, porque ela tinha uma
percepção quase sobrenatural. Ela sabia ler
expressões, e cheirava, com faro apurado,
quando alguém guardava um soluço, por
vergonha ou timidez.
- "Isso vai passar, meu filho! Deixe nas mãos
de D-s!" - Ela repetia.
O "paciente" esquecia a tristeza, pelas
risadas que ela arrancava, com suas
palhaçadas e macaquices, e fazia isso, para
que, sem perceber, fossem transferidas para
ela, as nossas dores, pois ao final do dia, lá
estava ela, soltando as tranças, de joelhos,
citando caso por caso do que ouvira, e
pedindo intervenção divina no caso. Suas
orações eram intermináveis, pois cada vez a
lista de pessoas aumentava mais a e mais. A
gente passava perto do quarto, e ria de seu
balbuciar quase audível: "Pscht, pscht,
pscht, pscht...". E dê-lhe oração atrás de
oração. Até que as duas tranças estivessem
desfeitas, e entrava o pente em ação, e
esfregada por esfregada, os longos cabelos
brancos se transformavam num véu, caindo
na altura da cintura, pois nunca foram
cortados, e mais alguns instantes, a velha
cama de tábuas, com colchão de palha, e só
mais tarde, de espuma, abraçava-a por uma
noite inteira do sono dos justos. O chá de
cobertas servia para aplacar as suas
próprias tristezas, e fortalecer seu espírito
para o dia seguinte, que começava muito
cedo, com mais uma rodada de "Pscht,
pscht, pscht, pscht,,,".
PS* Ainda sobre chás, recordo que uma de
nossas visitantes era a Senhora Amélia
Kraemer, dona do laboratório com o mesmo
nome, em Porto Alegre.
Dona Amélia, levava sempre junto duas
coisas: Seu inseparável crochê, e uma
sacola de frutas, e ao voltar, a sacola voltava
junto cheia de cascas das frutas, que as
enviava para o seu laboratório. Nada era
desperdiçado.
Tio Gêre - o Padrinho da criançada na
Vila Moura
Pois tomei por missão pessoal, por dar certo
valor à minha afeição às letras e às
palavras, isso tudo, associado à parte que
ainda funciona da minha memória, em
resgatar certo período de minha vida, e
neste particular, da infância, não apenas
minha, mas de todas as pessoas que foram
contemporâneas dos meus primos, os
Moura, e aqui nestas memórias, do "Tio
Gêre", título nobiliárquico dado ao solteirão
convicto, Geremias Elias de Moura, e sua
importância na minha formação familiar. E
antes que acham que errei, é Geremias
mesmo, com "G". Problema do escrivão
analfabeto. Eis o causo! Após o retorno à
Gramado, minha família foi morar num
ranchinho de tábuas de cerne de araucária,
que até o presente momento, ainda
compõem a casa que pertenceu á minha
avó, Maria Elisa, naturalmente ampliada,
pintada, e posteriormente vendida. Mas está
lá, firme e forte. As mesmas tábuas que
testemunharam tantas coisas. Mas não é
este o caso, e sim que tal ranchinho foi
construído num pedaço de terra pertencente
aos primos Francisco Vaz Corrêa Filho (In
memorian), e sua esposa, Cândida, irmã de
Geremias e dos demais Moura. Havia certo
receio de acolher minha família e alguns
parentes, aos quais não nominareis, exceto
nas coisas boas que fizeram, que
apresentaram forte oposição à que minha
família fosse assentada próximo deles, ao
que Cândida e Francisco fizeram impor sua
autoridade sobre seu patrimônio, e
disseram: “Não iremos deixar nossa tia, e
nossos primos dormirem na rua. O terreno é
nosso, e eles podem construir sua casa nele
até que deem a volta e comprem seu próprio
terreno. Atitude de coragem, e assim foi. O
tancho foi construído pelos primos Ananísio
Elias de Moura, chamado de ”Ananias" (In
Memorian), e Orlando Alves de Moraes, um
primo de minha avó.
Minha avó foi trabalhar em um restaurante,
no Motel Balneário (Motel, naquele tempo
não tinha a mesma conotação de hoje. Era
apenas um pequeno hotel ou pousada),
como auxiliar de cozinha. lavar louças,
panelas, toalhas, etc, do Restaurante,
pertencente à Família Nelz, mas que era
arrendado ao casal Rost, Armando e
Lourdes. Minha mãe, voltou a estudar e
recebeu emprego de Professora Primária.
Meu tio Samuel, então com cerca de 8 ou 9
anos, já trabalhava descascando vime, ou
limpando frutas nas fábricas locais. Esaú,
(In Memorian), o irmão do meio, trabalhava
em serrarias, ou empreiteiras, como
ajudante, e mais tarde, motorista de
caminhões. E eu, comia as quaresmas, e os
restos de comida que minha avó trazia,
deixando sempre a melhor parte pra mim, e
comendo o resto do resto.
Pois foi nesse tempo que, já sem pai ou avô,
figuras masculinas importantes na formação
de uma criança, que meu saudoso primo
"Gêre" (In memorian), adotou-me como seu
fiel escudeiro. Foi com ele e Saulo, seu
irmão especial (Downiano), que aprendi a
tomar chimarrão, todos os dias, antes do
almoço, enquanto Tia Zezé (Maria José de
Moura)(In Memorian), concluía o preparo do
almoço. Ah, que cehiro saía daquelas
panelas. Feijão, arroz, batatas, couve, carne,
moranga, e como sobremesa, que sempre
variava, uma moranga caramelada, uma
batata doce, acompanhados de leite gordo,
de uma vaca que tinham.
Poucos anos depois, minha avó comprou um
minúsculo terreno, mais acima, ao lado de
onde hoje fica o mercado Rissul, e onde está
um dos prédios em ruínas do extinto
Artesanato Gramadense (ainda contarei
muita coisa deste lugar e pessoas
relacionadas, se D-s quiser), do primo Elias
Francisco de Moura (In memorian), e ali
assentou nossa casinha, já um pouco maior.
e mais confortável. Nesse tempo, nos fins de
semana, eu passava com Geremias, Tia
Zezé, e Saulo, e no sábado, ia com ele para o
lugar que chamava de "Chácara", uma
pequenina lavoura e pomar, onde tenho as
melhores lembranças da infãncia.
Passávamos o sábado à tarde lá, e eu o
ajudava na lavoura. No meio da tarde, Tia
Zezé levava uma cesta repleta de guloseimas
com café, e a chamava de "Fristique", do
alemão Frühstück, e do yídish: ‫ֿפרישטיק‬
(Lembra que já contei que descendemos de
judeus? Pois é! Algumas palavras e
costumes, permaneceram no inconsciente
dos nossos antigos). Ao final do dia, ele me
dava uns trocadinhos, com os quais, eu ia
ao matineé, no domingo á tarde, com meus
amigos.Geremias não foi especial apenas
pra mim, mas todos os sobrinhos e amigos,
eram apaixonados por ele. Chegou a montar
uma playground todo de madeira, com
escorregador, balanços e gangorra, para a
diversão da piazada da Vila Moura.
Divertido, brincalhão, e sempre sorridente,
Geremias caminhava segurando a cuia, na
mão, e a garrafa térmica debaixo do braço,
servindo mate à todos. De sua chácara,
lembro das frutas que gostava: Pêssego,
maçã, tangerina, e principalmente uva, ao
seu tempo cada uma. Havia porém uma
frutinha não plantada, que produzia o ano
todo: eram os "Moranguinhos de Sapo", um
morango silvestre, com pouco açúcar, mas
deliciosos quando preparados com açúcar e
égua, comidos de colherinha. Outras frutas
que comíamos em sua propriedades, à
vontade, sem restrição alguma, eram
Guabiroba "Gavirova", Araçá, Pinhão,
Goiaba serrana, e quaresma do mato. Uma
vez por ano, Geremias e seus irmãos se
reuniam num certo domingo, e à sombra de
um colossal pinheiro Araucária, abriam uma
vala, e ali faziam um churrasco para toda a
família. Toda mesmo. Eram algumas
dezenas de sobrinhos e agregados que
compareciam. E eu era convidado especial.
Estas coisas são difíceis de esquecer. E
também nem quero. Ao mio dia, ouvíamos
as notícias, em seu rádio à pilha com capa
de couro, enquanto mateávamos á espera do
almoço que fumegava no fogão á lenha de
Tia Zezé, fazendo bailar perfumes que iam
do feijão, da couve, da carne de panela, da
massa caseira refogada na cebola frita, e no
café coado, para acompanhar as refeições.
Geremias tinha um fusca 1961 ou 1962,
não tenho certeza. Verde. original. Com
porta-luvas feito de bambu com telinhas de
cordão como prateleira. Bem velhinho. Isso
foi depois da velha bicicleta preta, que era
estacionada em uma pequenina casinha que
ficava na metade do morro da descida para
sua casa. Mais ou menos a uns 200 metros
da estrada principal, e outros 300 metros de
sua casa, lá embaixo. A casinha era fechada
com uma tramela, e só isso. Nunca foi
roubada. Parece fantasia isso, não é
verdade? Pois era assim mesmo. A casinha
que servia para nosso esconderijo nas
brincadeiras de "mocinho e bandido", com a
"primaiada" toda. Mas, voltando ao tal
fusquinha verde, velhinho, fedido, perguntei
a ele a razão de não trocá-lo por um carro
mais novo. Respondeu que dinheiro não lhe
faltava para comprar outro carro melhor,
mas a verdade era que com aquele carro ele
levava os pobres, os bêbados, as moças de
pouco prestígio, e não precisava se importar
com cuidados de asseio no autinho velho, e
que ele gostava de servir aos outros, gostava
duma festinha com uma e outra daquelas
moças, gostava de levar seus pobres de cá
pra lá, e que em um carro novo, ele passaria
a preocupar-se mais com o carro do que
com o bem estar das pessoas.
Geremias não era um sujeito religioso, mas
também não era nenhum desgarrado da fé.
Tinha seu lugar em sua congregação
Metodista, e eram frequentes as visitas de
pastores e membros de sua comunidade
repartindo um almoço ou um churrasco, ou
tomando uma taça de bom vinho que fazia
em companhia do amigo Giovani Pizetta. E
por falar no Pizetta, vou encerrar este
capítulos de meu saudoso primo com um
episódio divertido que presenciei.
Uma vez ao ano, Pizetta ia à casa do
Geremias, para auxiliá-lo no preparo do
vinho, de suas parreiras. E certo sábado,
após o almoço, chega á casa o Pizetta, muito
educado, com forte sotaque italiano, mas de
um bom português gramatical, e com a
mesma educação pergunta ao meu querido
primo Saulo, um menino especial, de quem
já falei):
_ O Geremias está?
Saulo, mais que prontamente, em sua
inocência hospitaleira, responde à queima-
roupa:
- Celemia tá cagando!
Pizetta, em um sorriso, esperou Geremias
chegar. E fomos preparar o vinho.
Mais tarde, lembrando e achando graça da
situação, contei ao Geremias. Ele
respondeu-me:
- O Saulo é um bobaião. Eu estava só
escovando os dentes.
Geremias era uns trinta anos mais velho
que eu, mas por essas coisas da vida,
entramos no Ginásio juntos, em 1968. Na
época era feito um exame de admissão, após
o quinto ano primário. Eu não fiz o quinto
ano. Apenas presteis os exames, e passei em
todos, pois fiz exame de admissão com nove
anos de idade, e passei. E neste ano,
entraram comigo, além do Geremias,
também outras pessoas de mais idade, como
Dona Nadir Reis, Antoninho Moreira,
Hortêncio Gil, e outros, que um dia vou
lembrar quem eram.
Por hoje chega, mas tem muito mais. No ano
seguinte, se não falha a memória, Geremias
tornou-se Presidente do grêmio Estudantil, e
fez uma revolução positiva em sua gestão.
Organizou festas, rifas, livro ouro, e
conseguiu recursos para construir uma
quadra de esportes, e montou uma banda
marcial com 96 componentes, com todos os
instrumentos, uniformes, maestro, e tudo o
que uma banda tinha direito. E lamento
informar que na minha gestão, muitos anos
depois, tive que extinguir a banda, porque
quase todo o dinheiro arrecadado pelo
Grêmio estudantil, ia para um saco sem
fundo da banda, que já estava aos pedaços,
e não havia mais como recuperá-la e ainda
fazer uma gestão saudável para os
estudantes. Mas isso é tema para outra
prosa. Vale dizer que Geremias modernizou
o atendimento da cantina da escola, e fez
muitas outras coisas, que a memória gentil
dos ingratos tratou de enterrar no vazio.
Felizmente eu ainda lembro disso, e
certamente seus contemporâneos também
haverão de lembrar.
Geremias era apolítico, e estimado por
todos, inclusive os políticos. Tive a
infelicidade, mas também a honra de
acompanhar seus últimos dias, em 1983,
mesmo moribundo, ainda brincalhão e
risonho, cercado de irmãos e amigos. Chorei
o quanto foi preciso chorar a minha perda,
mas guardei tanta e tão boas lembranças
que o mínimo que devo à ele, pelo carinho
que teve por mim, é contar sua história,
como espero que um dia, talvez dentro de
uns 40 anos após o meu descanso, alguém
também conte a minha, que nem é tão
interessante assim.
O diabo se vestia de preto - Causos e
coisas de minhas memórias (Tia
Margarida)
Pra quem não acredita no diabo, pois
saibam que ele existe, é mau, e faz "bem
feito" seu trabalho, quando quer, e como
sempre quer, então, sobram os respingos da
infância roubada de muitas crianças pelo
mundo afora. No tempo em que se fala de
violência doméstica, dizendo que é um "sinal
dos tempos", o que eu também acho que
seja, mas estes tempos já começaram há
bem mais tempo que parece. O que mudou,
é que hoje a imprensa, as ideologias, que se
beneficiam da desgraça para buscarem
prosélitos pelo ódio e não pela esperança,
fazem proliferar pelas redes sociais as
histórias escabrosas, pérfidas, satânicas,
das coisas que acontecem. Pois o caso deu-
se quando, após uma tragédia em família, lá
nos cafundós onde eu nasci, minha avó
voltou para sua terra natal, Gramado,
levando junto os filhos: Minha mãe, e seus
dois irmãos, e o traste que vos tecla, então,
com cerca de um ano de idade. Pois nesse
ínterim, entre a tragédia (que irei poupá-los
de conhecer, por ora), e a construção de um
ranchinho de tábuas velhas em terreno
emprestado de parentes, minha mãe
precisou deixar-me aos cuidados do
demônio, disfarçado de tia de minha mãe.
Vou tentar descrever um pouco do mau
caráter do toco seco com duas pernas finas
e um nariz afilado e longo, amparado por
um olhar ruim, e uma voz angustiante, cuja
expressão favorita era, em tom de espanto:
"Mistério!". repetia isso a cada coisa que se
dizia. Tudo era mistério, pavor, espanto. A
Tia Margarida, a quem as ciganas
chamavam de "Tia Margurita", para provocá-
la. A mesma que anos mais tarde, ofereceu-
me melancia, e dizendo que eu havia
tomado leite, tirou da minha boca o pedaço
guardou no armário para que eu não
comesse. Mas o causo começa bem antes.
Vou contar-lhes o que sei.
Quando ainda jovem, recém-casada, com o
Arcílio, conhecido por Alcides, ela encheu a
barriga, por baixo do vestido preto que
sempre usava, com trapos, dando a
impressão de uma gravidez, que nunca
aconteceu, para que o marido não fosse
convocado a servir o Exército, em tempos de
revolução (lá por 1923). Pois o traste tanto
infernizou a vida de meus avós, que eram
proprietários de terras, onde hoje se localiza
a Expo Gramado, e todo aquele morro, num
total de 50 hectares, que, acompanhados de
minha bisavó, venderam sua parte na
herança, e foram embora. Como nômades,
passaram por várias terras (Canastra, onde
tinham armazém e moinho, destruído por
uma inundação), Barragem do Salto, onne
também tinham armazém que vendia fiado
aos construtores da barragem, cuja empresa
faliu, e com isso, arrastou meus avós a
buscarem outras terras lá por São Francisco
de Paula, e finalizaram onde nasci, na costa
do Rio das Antas, um lugarejo chamado
“Serra do Pinhão”, nas proximidades de
Cazuza Ferreira.
Pois lá, após a tragédia de que falei, uma
carreta de mulas transportou as tábuas do
rancho e suas matalotagens (pertences sem
valor0, junto com a família destroçada, e o
escriba do presente causo. E assim, minha
mãe precisou deixar-me aos cuidados de
alguém, para auxiliar a família nas
arrumações da nova vida. E a escolhida foi a
tal Tia Margarida, que de imediato pegou
afeição pelo pacotinho que mijava nas
fraldas, e enquanto minha mãe estava
ausente, a velha se desmanchava em
alegria. Até meu nome foi trocado, pois pela
minha certidão de batismo católico (sim
senhor, já me fizeram católico por conta de
meu pai que seguia essa tradição), era
chamado de "Paulo Calso Cardoso Borges
dos Reis". A velha, porém não gostou do
nome, e deu-me o nome de "Hugo Luís da
Silva". Levou-me ao médico, o saudoso Dr.
Erico Albrecht, e deu este nome na ficha de
pacientes. (Anos mais tarde, quando
trabalhei por duas vezes no hospital, contei
a história, e perguntei ao Dr Erico, se ainda
existia tal ficha. Ele riu, e disse que sabia
quem era minha família, eram amigos, e
conhecia a história, pois meu avô Assis
Brasil, falecera sob seus cuidados, naquele
mesmo hospital, dias antes, e não deu bola
pra velha maluca).
Alguns dias mais tarde, minha mãe foi
visitar-me, e nesta ocasião, a velha recebia
outras pessoas também. Serviu a todos, um
lauto café com mistura, acompanhado de
um queijo serrano, comum à época. Todos
comiam e conversavam, felizes, e o futuro
escriba engatinhava pelo chão, próximo à
mãe. A velha, então, descasca o queijo para
as visitas, e atira ao chão as casquinhas
para que eu comesse. Minha mãe, ao ver
aquilo, recolheu as cascas, e trocou pelo
queijo servido à ela, comendo em meu lugar
as casquinhas. A velha Margarida,
contrariada, disse que não deveria fazer
aquilo, porque o guri precisava aprender, ao
que minha mãe a contradisse, dizendo que
ela não permitiria que seu menino comesse
cascas de queijo, enquanto ela comesse o
miolo da iguaria. Suas palavras foram:
- “Meu filho não precisa comer isso. Deixe
que eu como, Belzebu, digo, Tia Margarida”
(Aditivo maligno acrescentado por minha
conta).
- “Meu filho?” - Esbravejou a velha. Tu disse
“meu filho? Pois se é ”teu filho", leva essa
sarna daqui!". E ela levou mesmo.
Poucos anos se passaram, e a velha, que
não deixou de remoer o podio por aquela
desfeita, tratou de resolver a situação, e
adotou um lindo menino (o garboso da foto,
com chapeuzinho), para mostrar à minha
família, “como é que se criava uma criança”.
Anos mais se passaram, e minha mãe,
professora de nós dois na Escola Olidio
Moura, certo dia, recebeu o menino,
atrasado, cabisbaixo, e meio choroso, que
entrou e foi assentar-se no fundo da sala,
sozinho. Minha mãe, percebeu que havia
algo errado, e o chamou para fora, pois
percebeu manchas na sua camisa branca,
tipo "Volta ao Mundo" (quem tem mais de 60
anos saberá o que eram), e pediu que ele
tirasse a camisa e mostrasse as costas.
Estavam lanhadas de marcas de cinta, de
tanto apanhar. Para bater nele, a velha fazia
assim: segurava o menino, enquanto o velho
Arcílio, já entrevado, assentado em uma
cadeira de palha, batia com uma cinta, um
pedaço de pau, uma vara, ou o que estivesse
ao seu alcance. Minha mãe tomou alguma
providência, junto à família e um primo,
Elias Francisco, assumiu a tutoria da
criança, pois era o inventariante e auxiliava
os velhos, o que o fez até que tivesse ido se
preparar para o juízo final. Depois deu ao
moço, anos mais tarde, sua parte na
herança, e nunca mais ouvi falar dele. Uma
pena, Um grande amigo e primo, que penou
as penas cuja única culpa eram da velha
diaba que vestia de preto.No dia que
morreu, o traste, os pertences foram
inventariados, segundo seu desejo, e lá para
minha casa, foi enviado um belíssimo
relógio de parede, ao qual minha avó
mandou ser devolvido imediatamente, pois
só o ouvir das batidas das horas lembrava
cada ato de maldade da velha. Fiquei meio
triste, porque eu tinha planos de desmontar
o relógio, para ver como funcionava.
Paciência. É dura, mas esta é a história que
vale a pena ser lembrada, pois aquela
descgraça serviu para que minha família
fosse unida. Pelo menos por algum tempo.
Mas foram bons tempos. Livres do feixe de
urtigas vestido de preto, com um lenço
também preto, amarrado á cabeça. Cabeça
que só serviu para imaginar maldades, e
depois dizer: "Mistério!"
Uma prosa pra ser contada
No frio inverno do tempo,
me tapei de solidão
vesti um manto de aurora,
me enrodilhei na geada
prendi saudades no laço
fiz da esperança, uma estrada.
No frio minuano da sorte
vi que a morte é lembrada
ainda que venha tarde
Chegando devagarito,
sorrateira, sem alarde,
é o doce amargo que arde
a acidez do limão
o beijo com gosto de adeus,
o frio aperto de mão.
Atravessei madrugadas
conversando com as estrelas
mateei com primaveras
eram chinocas faceiras
enfeitadas de quimeras.
Bebi orvalho na guampa
redesenhando a estampa
do tempo que lá ficou.
No bornal eu levo os sonhos
nos braços, a prenda amada
no peito carrego, dentro
uma paixão esquecida
um amor correspondido
e uma dor, que é quase nada.
Branqueiam os campos da história
nas melenas invernais
tempos que abraçaram o vento
coisas que não voltam mais.
Brandindo a adaga da sorte
eu me recolho no pala
que é rancho de quem se foi
bebo a água doce da sanga
durmo da relva sagrada
a Santa Ceia do boi.
Aqui me guardo pra história
e me visto de verdade
o meu canto é de saudade
dos velhos tempos de glória.
Vivencio aquilo que lembro
e invento o que não sei mais
pero ainda sou capaz
de retomar uma prosa
como um moço que se declara
à sua prenda formosa.
Deixo aqui meu epitáfio
que vou carregar muito em vida
sou valente e não covarde
Pois o mesmo aço que arde
no tilintar da peleia
é o ferro que depois corta
a terra que dá a ceia.
E como aço e ferro batido
mesmo ainda, que ferido
hei de lutar com bravura
se for chamado pra justa,
pois só o que me assusta
é morrer sem ter vivido.
O Risca-faca da Rua do Pau-pega, e o
Salão do Bate-Parma
Os trejeitos povoeiros sempre foram um
tema de interesse de minhas buscas para
inspiração literária, e volta e meia, ouço
algum destes, muitos dos quais me fazem
embarcar em uma viagem ao passado, onde
ouvi todo tipo de gíria (ou não), considerada
vulgar, mas que ao cabo de tempos,
consegui associar à linguagem matriz dos
pioneiros de nossas terras. Somos ricos em
vernáculo, e pobres em memória, não esta
memória do que tomamos no desjejum, mas
da memória que construiu nossa cultura.
Não alimentamos estas memórias, antes
buscamos desesperadamente aprender e
assimilar novas gírias cibernéticas, para que
não sejamos tomados por antiquados,
amorfos, alienados desta nova civilização
que está sendo formatada pelas mãos e não
pela mente.
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GENTE DE GRAMADO QUE NÃO SERÁ NOME DE RUA - PACARD.pdf

  • 1. Gente de Gramado, que não será nome de rua Causos, coisas & Loisas Pacard & Apolônio Lacerda
  • 2.
  • 3. Para quem lembra dela, minha saudade! Maria Elisa Dias Cardoso, “Tia Ilizia”.
  • 4. ISBN: 9798561063985 Selo editorial: Independently published Paulo Cardoso – 2020 Direitos Reservados ao autor Ille Vert Editora CNPJ 18179921/0001-29 paulopacard@gmail.com – dpacard@gmail.com +55 (48) 999 61 1546
  • 5. Títulos O escândalo do Porco de vento Um 7 de Setembro inesquecível de minha infância em Gramado Posição de fazer criança - Causos do Bar do Fidirico A velha do Poronguinho - Causos que minha vó contava Ênio, Topo e eu. A Serenata de Joãozinho Morais A Saga do Zé Tristão Arno Michaelsen - O Prefeito Humano que Gramado precisa lembrar Armando Bogus, Ruth Escobar, Os chocolatinhos, e eu As "Bandas" de Gramado, e os Animadores de Bailes dos anos 50/60/70 O Subterrâneo dos Nelz – Lenda urbana ? O Trote Desintoxicando a Alma - Os chás da "Tia Ilizia" Tio Gêre - o Padrinho da criançada na Vila Moura
  • 6. O diabo se vestia de preto - Causos e coisas de minhas memórias (Tia Margarida) Uma prosa pra ser contada O Risca-faca da Rua do Pau-pega, e o Salão do Bate-Parma O Bom Mau Humor de nossos antigos - Maria Elisa, minha avó divertida, que sonhava com merda Gauderino - Conto Seu Peregrino A Caminhada - Ensaio Das Dores e Fridulino Velho, meu querido velho.… Quem são os nossos heróis? O churrasco que Pedro Bala prometeu a Fedoca - Radiografia de duas vitórias Éramos cinco Apolônio Lacerda - Um entardecer no Bassorão, com Revirado de Cuscuz A Gramado de dois tempos - Elisabeth Rosenfeld, e a "Civilização Gramadense" Eu sou judeu e você nem sabia A Parede Branca Para que servem os pobres? Apolônio Lacerda e a Carteira de Bandido
  • 7. 154 - A feiura segundo Apolônio Lacerda - A honra e a glória A história das religiões de Gramado até os anos 90 O milagre da multiplicação dos Queijos e convites - Lembrança dos Festivais de Cinema de Gramado A cobrança do Apolônio Lacerda O lado bom de ser velho O causo do Jardineiro que negociou a esposa por uma bicicleta e Duzentos contos Conversão, convencimento, convicção, livre arbítrio e verdades Tropeços e Espirais Diálogos do café Cacique e da Escola em Gramado (esta é para quem tem memória) A prenhez do Menelau Quaresma - Causos do Apolônio Lacerda Politicamente Indecente - Apolônio Lacerda O Dedão do Apolônio - Causos absurdos do Apolônio Lacerda Dois Causos do Apolônio Lacerda (Quem não ler é bobo e feio. Se for muié, tem bigode, e cabelo no saco) Uma certa manhã Endomerges
  • 8. O Canto das Cigarras Ensina-me Folhas ao vento O tempo Apolônio e a Mixórdia Celeumática A escada de Jacó A escolha da Rainha - Uma lição das abelhas e historias de minha infância Conxambrâncias O homem que escrevia bulas de remédio Viva a infelicidade! Viva infeliz e seja feliz, de forma infeliz Bebendo água que lavou o "isqueiro" - Benzeduras de Dona Chinoca e outros De amigos a traidores - O ocaso das amizades Os loucos e o poder Coiseando o coiso Reflexões de um doido Andando entre leões O lado bom de envelhecer Epitáfio de uma amiga divertida Enquanto vovó dormia Loucos nossos de cada dia
  • 9. Nazistas, illuminatti & Corujinhas em Gramado Entre o Sonho e o Tempo Procuro por heróis O Inimigo Oculto Sua Excelência...o Traque! Coisas que a sua geração não viu em Gramado Coisas que Nunca te Contaram quando era criança A satisfação dos idiotas O cortejo e o gambá Vida Bandida A Serpente e o Gambá - Fábula O dia em que faltou leite pro gatinho - Um conto quase absurdo A Insustentável mediocridade do Ter As cavernas dos Bugres e o Salão do "Bate- Parma" Teoria do Descontentamento Anastácio Orlikowski, meu Mestre divertido O Primo Rico e o Primo Pobre Fala com ele, mãnhee!
  • 10. A Invenção da cueca e da calcinha – Apolônio Lacerda é Istória Epílogo
  • 11. O escândalo do Porco de vento Pois às vezes, cavouco na lembrança, um causo de priscas eras, mas verdadeiro, sempre verdadeiro, apesar do pitoresco que o embala, e não é dessa vez que serei falto com a verdade, ao relatar-lhes, tal como aconteceu, o causo do porco de vento, onde fui protagonista conivente para com o feito. Eis o relato. Corria o ano da graça de N. S. Jesus Cristo, de 1984, se não há de faltar-me a memória, onde, em situação tal, de “fritar merda para comer bolinho”, bicudos tempos, dividia eu uma sala de trabalho, com dois outros comparsas, um engenheiro, e outro afeito à nobre arte da arquitetura, e eu, este humilde escriba, que desenhava desenhos para suprir os legumes da sopinha de meus pequeninos rebentos à casa. Eram tempos bicudos, enfarruscados mesmo, porém, não envidarei esforços para louvar tais situações e tempos, porquanto avivam nossa imaginação, uns para coisas boas e outros, para feitos nem tão louváveis quanto os bons modos o exigem. Eis que, no dito ambiente, havia certa movimentação em um bailado de entra-e-sai de indivíduos que ali compareciam com o real intento de fazer negócios, ou de encomendar nossas habilidades em antever suas edificações sobre papéis, repletos de linhas e números, ao que denominávamos: “projetos”.
  • 12. Então, segundo o preâmbulo anunciado, contarei o fato. Corria o dia, e o arquiteto, encomendou-me minha especialidade, que era o desenvolvimento de épuras, vulgarmente conhecido como: “Perspectiva”, uma apresentação gráfica de um plano, onde distingue-se com certa habilidade visual, a terceira dimensão dos elementos, hoje tão facilmente encontrada em aplicativos nestas máquinas que seriam queimadas durante os tempos sombrios, como se obras de bruxaria ou coisa ainda mais malévola, intitulada de “computador”. Porém, por excelente misericórdia divina, eram minhas habilidosas mãos, conectadas à um lápis, e uma delicada pena de aço, suprida à tinta indelével proveniente do Oriente, denominada de: “Nanquim”, quem preenchiam os vazios do papel, e devolvíamos em forma de retrato de uma casa, ou um ambiente de interior. Pois, na negociação pela justa paga de meus serviços, acertado foi deste modo: Tanto em espécie (dinheiro), mais um porco, pelo restante!
  • 13. Ora! Mas como é que um judeu convicto poderia comer um porco, se minha religião abomina tal iguaria. e se não fosse comê-lo, por que matá-lo, mas se não fizesse dele toicinho e banha, como conservá-lo, uma vez que minha senhora, bastante conservadora quanto a certas práticas, não permitiria que eu levasse o animalzinho para tê-lo como companheirinho de leitura, ou brincadeiras com os miúdos, a quem sempre tive orgulho de chamar de filhos? Não! Certamente o porco não iria para meu lar. Porém, pelos termos do negócio, o porco já era meu. O cálculo do porco era avaliado pelo seu peso, ou provável peso, no momento do negócio. O detalhe, porém, é que eu não vi o tal porco, uma vez que negociávamos como em uma bolsa de valores: na confiança do vendedor. Calculamos meu leitãozinho então com cerca de uns vinte quilos mais ou menos. Passados alguns dias, fechei negocio com outro arquiteto, e passei o leitão nos cobres, naturalmente, reservando uma parte em dinheiro, pelo meu trabalho, e também adicionando um pequeno ágio de uns três quilos ao porco. Saiu da sala, então, um feliz proprietário de um leitão. Mas como disse, o leitão estava em um sitio, lá em Três Coroas, aos cuidados de um sócio de quem me vendeu o porco.
  • 14. Como sempre gosto de dar atenção ao pós- venda, tomei conhecimento que o arquiteto vendeu o porco, com um certo ágio, a outro prestador de serviços, e nessa altura, creio que o porco teria já uns 35 quilos. Muito bom para um banquete em família, contanto que não seja judeus, adventistas, ou muçulmanos. Mas não eram, para tristeza do porco, que segundo a menininha que contava historinhas dos três porquinhos, logo, logo, viraria "carrrne". Mas deixe estar, que não termina aqui o causo, pois o tal empreiteiro, devia ao primeiro arquiteto, o que havia me vendido o suíno. E fechado negócio, e como justo fosse, vendeu o porco, pela quantia aproximada de quarenta quilos. Eis que, deixando passar mais uns poucos meses, e chegando o Natal, meu amigo, arquiteto, que nesse tempo não tinha um automóvel, mas movimentava-se muito bem com veículo ciclomotor, ou comumente chamado de “Moto”, convidou o segundo personagem desse relato, o outro arquiteto (era estudante de arquitetura na verdade, mas deixemo-lo como arquiteto, que soa melhor à sua pessoa). e juntos foram à Três Coroas, resgatar o porco. Fico imaginando na cena, onde contar-se ía três numa moto: O Piloto, o carona, e entre eles, a simpática silhueta do tal porco. Com 40 quilos.
  • 15. Lá chegando, foram informados que o dono do sítio havia vendido o lugar, e fora morar em outro lugar. - Mas certamente deixou-nos um porco, a ser resgatado, pois não? - Não senhor. Somos vizinhos dele desde que chegou aqui, e nunca criou porco algum nesse lugar. Tenho que dizer que aquele foi um triste Natal naquela família. Na esperança de comerem um porco, nem peru havia. Nem um frango. Um tico-tico que fosse. Só rabanadas de pão dormido.
  • 16. Um 7 de Setembro inesquecível de minha infância em Gramado Éramos uns poucos, em uma vila de pobres, aquietando-se ao lado da área central da cidade, onde pulsava a vida cidadã deste lugar. Nossa pequenina escola de vila também, uma, assim chamada, "Brizoleta", acomodava cerca de uns 40 alunos, divididos por classes em dois turnos, onde somavam-se uns e outros, à classe escolar de uma única professora primária, ela própria também, com pouco mais que isso, em seu currículo escolar. Uns e outros, sentávamos lado a lado em classes, hoje denominadas “carteiras”, onde cada classe acomodava dois, ou mais alunos, dependendo do tamanho da classe. Eram móveis compridos, com bancada e assento acoplados, e nesta classe, assentavam-se crianças de séries independentes, dentro da mesma aula, ouvindo a mesma professora, e assim, desenvolvíamos uma audição seletiva, enquanto ela instruía os alunos da classe mais ou menos avençada do que a nossa.
  • 17. Foi neste formato que estudei até a quarta série do primário, pois a quinta série escapou de minha biografia, como óleo escoa dentre os dedos de quem o sustém, porque fiz o “Exame de Admissão ao Ginásio”, e como um deboche do destine, eu consegui passar. Deboche mesmo, porque desconstruiu toda a minha formação escolar depois disso, e por fim, ao início do segundo ano do Científico, hoje Ensino Médio, eu abandonei a escola. Tornei-me então um semianalfabeto profissional. Voltemos aos tempos, para que o causo prossiga.
  • 18. Eram realizados os desfiles cívico-militares, quase do jeito que acontece hoje em todos os lugares. Milhares de crianças, com idade dos seis aos dezoito anos, vestindo uniformes engomados, finos, desenhados para os dias quentes do ano, eram perfilados para deleite das autoridades civis, militares e eclesiásticas (assim começavam os discursos), que se espremiam em uma tribuna improvisada, de onde eram um pouco mais elevados do que a plebe que marchava em passos mancos, e dali podiam rir dos infelizes impúberes, que tremelicavam de frio, para que o branco amarelado das camisas dos uniformes pudessem contrastas com as semidespidas acrobatas, fantasiadas de bailarinas, que com pequenos bastões enfeitados de fitas verde e amarela, saltitavam acrobaticamente na condução do cortejo.
  • 19. As bandas, uma por vez, de forma descompassadamente desafinada, marcava o descompasso dos marchadores, que eram apresentados ao palanque oficial, como troféus de tributos, iguaizinhos aos que se faziam em Roma, no aparato de prisioneiros oferecidos à César e para o refestelo dos soldados ensandecidos pelo cheiro de vitória, sangue e vinho, recompensas de guerras. Mas nem tudo era frio e tremor de queixos, pois, lembro como se ontem fosse o ocorrido, de um Sete de Setembro especial, onde todas as crianças, de todo o município, foram recompensadas, com deliciosos e abundantes lanches para almoço, e o melhor ainda viria à tarde, com a exibição absolutamente gratuita de um filme dentro do Cine Embaixador (ainda não me conformo com o nome de “Palácio dos Festivais” que deram ao lugar). Nos espremíamos no chão, para que todos ficasse, acomodados, e o filme começou. Lembro sim, lembro bem do filme: “Cindy, a Trapezista”, ou algo no gênero, um filme do Zé Colmeia e sua esposa, digo, namorada, a ursinha Cindy, que foi capturada por um circo, e obrigada a pedalar um monociclo em uma corda bamba muitos metros acima do chão.
  • 20. Lembro dos curtas-metragens de abertura, mostrando a exuberância das flores de Gramado, belíssimas papoulas alaranjadas, que atapetavam os canteiros da rua principal, alcatifando nossas lembranças por perfumes e a suave música de orquestra e saxofone que preenchia todos os lugares escondidos de nossas memórias. Era Sete de Setembro, e celebrávamos a festa da pátria. Não nos envergonhávamos de chamar nossa terra de pátria. Nem de sonhar-se dentro dos cenários imaginados pelos ilustradores do filme, que traziam até nossas memórias mais doces, a suave melodia de uma primavera, lá e cá, que precisamos trazer de volta urgentemente. Navegar é preciso, dizia Camões.] Sonhar é mais que preciso, dizia a vida que nos chamava para seus perfumes.
  • 21. Posição de fazer criança - Causos do Bar do Fidirico Pois já devem estar pensando que vou entregar-lhes a rapadura, pronta para lamber, pois não? Pois sim! Nunca faço isso. Conto apenas o milagre, mas guardo o santo pro esquecimento, haja vista que o santo pode ter deixado herdeiros, como de fato, sim, deixaram, muitos deles, e não tenho intento de confrontar-me com tais rebentos e justificar o que conto como verdade, mas que nem todas as verdades servem como aproximação da paz. Sendo assim, eis os fatos. O Bar do Frederico era o ponto de aproximação dos apreciadores do fino trago da purinha, e excepcionalmente os mais frágeis , que se permitiam adicionar umas gotinhas de limão e umas "duas ou três cuié de assúcri", que era pra dar o fundo melado pros piazote, que ainda não tinham idade para os arroubos da pura, e assim iam engrossando o couro do "figo", com a rapa do limãozinho, ao que hoje chamam de "caipirinha". Isso é coisa nova, não se fundamenta na verborréia da "venda".
  • 22. Reuniam-se, além dos cachaceiros habitués, a piazada fedendo à mijo, que queria ser gente grande, acercando-se como moscas na merda, dos cachaceiros, ao que, por volta e meia ousavam arriscar uma bravata ou outra, e se esta agradasse ao cachaceiro mór, este pagava-lhes umas goloseima, de regalo. Berrava desde a mesa onde estavam: - Fidirico! Bota um refrêsco de déis mirréis pro piá, é por minha conta! Frederico, mais que ligeiro, corria pra geladeira de quatro portas, sacava uma garrafa de xarope, outra jarra de água gelada, e enchia um copão de meio litro, até transbordar, o que não chegava a acontecer, posto que o varão já estava ali de corpo presente, com o beiço esticado, feito cavalo bebendo água, e chupava num gole uns dois dedos da água doce, e sem tirar o bico em forma de canudo da borda do copo, arregala os zóio em direção ao bodegueiro, e com a mão levantada, esticava o dedo fura-bolo, balançando várias vezes, em direção ao copo, como que querendo dizer: “Completa!”. Frederico ria e jogava mais um pouco, pra alegria do guri.
  • 23. Certa ocasião, dois tauras já largados nos anos, debatiam temas por demais relevantes sobre educação dos filhos, trato das vacas, capação de porco, e temas dessa monta. E a piazada ali do lado, de ouvido apurado e olhos arregalados, escutando tudo. Lá pelas tantas, um gambá disse pro outro, com carregado sotaque alemão: - “Vou te ensinar como que se faz, as posição, pra fazer guri ou guria. Tem um jeito, uma posição adequada pro serviço.” Falou como que palavras mágicas pra piazada, que já quase participava da conversa. Mas, oh, frustração, quando ele esticou o braço, e bem na ponta daquele braço, havia um dedo, o fura-bolo, em direção à porta, e assim posicionado, sentenciou: -Gurizada, agora vão embora, que vamos ter uma conversa de homem pra homem, e vocês são muito pixotes pra escutarem essas coisas. Oh, tristeza, nos olhares, e semblantes descaídos da piazada, que, frustrada, saíram, um a um, em fila ordeira, de cabeça baixa, pela porta afora, imaginando coisas e coisas, dos tais segredos que só dois bebuns de "buteco" seriam capazes de desvendar. Só que eram muito piás pra entenderem certas coisas da vida. Mas, há que se respeitar, pois é a vida, e com vida não se brinca.
  • 24. E Frederico, só ria, escorado no balcão.
  • 25. A velha do Poronguinho - Causos que minha vó contava O causo de hoje, recontado, não é de minha lavra, pois encontrei nas exatas palavras que minha querida vó, Maria Elisa, me contava, e contava, e contava..eu a fazia repetir noite após noite, junto com as dezenas de causos que contava junto. Vou tentar lembrar, ou localizar quem lembre, pois eram causos populares, e trazê-lo para meus leitores, para que contem aos seus filhos e netos (se o maldito celular permitir). E a parte mais legal era o refrão, que minha vó cantava junto: "Não vi velha, não vi nada, rola, rola poronguinhoooo..! Era uma antiga história, de origem portuguesa, contada até hoje nas terras d'além mar. Ah, saudade! Rola, rola poronguinho! Era uma vez uma velhinha quer queria ir no casamento do filho que morava do outro lado da floresta. A floresta era perigosa e cheia de animais selvagens. Saiu de casa e foi caminhando até encontrar um boi que pastava e lhe disse: -Aonde tu vai velha? - Vou no casamento do meu filho, deixa eu passar que na volta te trago uns doces.
  • 26. O boi saiu da frente e ela continuou a caminhada. Logo adiante, encontrou uma onça faminta que lhe fez a mesma pergunta: - Aonde tu vai, velha? - Vou no casamento do meu filho, não me come que na volta te trago uns doces A onça pensou e deixou ela passar. Antes de alcançar a casa do filho, ela encontrou um cavalo que perguntou: - Aonde tu vai velha? - Vou no casamento do meu filho, na volta te trago uns doces. O cavalo deixou ela passar e logo ela chegou ao fim da floresta. A velhinha chegou a tempo do casamento, dançou, se divertiu e comeu muitos doces. Quando estava para voltar para casa, se lembrou das promessas feitas aos animais, mas não haviam sobrados doces da festa. Pediu ao filho que que encontrasse um porongo do tamanho dela para que ela pudesse se esconder dentro e assim fugir da perseguição dos animais. O filho assim o fez: conseguiu o porongo e fez um buraquinho pra ela enxergar quando tivesse chegado em casa.
  • 27. Ela se escondeu dentro do porongo, seu filho levou o porongo em cima de um monte e rolou o porongo em direção à floresta. Quando o porongo rolante encontrou a pata do cavalo, este perguntou: - Porongo, tu viu uma velha por aí? De dentro do porongo veio uma vozinha fraquinha que disse: - Rola, rola, poronguinho! Não vi velha, não vi nada. Rola, rola, poronguinho. Não vi velha, não vi nada. O cavalo com um coice rolou o porongo floresta adentro, até alcançar a onça que fez a mesma pergunta: - Porongo, tu viu uma velha por aí? - Rola, rola poronguinho. Não vi velha, não vi nada! Rola, rola, poronguinho. Não vi velha, não vi nada! A onça deu uma patada no porongo que rolou até perto da casa da velha, porém ali esperava o boi que perguntou pro porongo: - Porongo, tu viu uma velha por aí? Mas quando o boi foi parar o porongo rolante com uma pata, o porongo rachou e de lá de dentro saltou a velhinha apavorada que não parou de correr até chegar em casa.
  • 28.
  • 29. Ênio, Topo e eu. Éramos três. Ênio, Topo e eu. Ênio era cerca de uns oito a dez anos mais velho que eu, que era uns dois ou três mais velho que Topo. Este apelido era a forma econômica de “Topo Gigio”, um personagem que era um ratinho muito esperto, criado por uma professora italiana, e que fazia muito sucesso com a criançada por suas maneiras dengosas de falar, além de ser muito engraçado também. Então, como meu amigo não era de muito elevada estatura, ou sei lá por que razão, deram-lhe, entre outros apelidos, o de “Topo”. Pegou.
  • 30. Ênio, o mais velho, era um sujeito soturno, sinistro, misterioso, mas não era má pessoa. Ao contrário, tinha um coração generoso. Certa ocasião fomos caçar passarinhos (naquele tempo caçar passarinho era uma ocupação de afirmação de virilidade aos meninos, e também próprio da cultura italiana que colonizou a região. Então, sem nenhum constrangimento, caçávamos passarinhos. E sem nenhum constrangimento, eu tinha uma espingardinha de pressão, que atirava chumbinhos. Ênio foi comigo caçar os passarinhos. Teria caçados muitos passarinhos, se meu parceiro não tivesse sido justamente o Ênio. Ele prestava atenção em mim e via quando eu mirava num passarinho. Ele fazia o mesmo, mas atirava antes, e a uns dois metros do bichinho, espantando-o. Espantou todos, e voltamos pra casa “sapateiros”, expressão usada para definir alguém que não logrou resultado em alguma coisa, zerou. Assim era então Ênio. O que tinha de exótico eram seus estudos. Mexia com assuntos que não permitia que perguntássemos nada. Coisa de guri bobo. Estudava assuntos esotéricos, deixava meio que transparecer que fazia isso, para garantir o respeito por si, mas não permitia que ninguém mais soubesse do que se tratava. Não era proselitista. Fora isso, Ênio era um “bon vivant”. Gostava duma cerveja, uísque e duma farra. Era parceiro em tudo. Menos em matar
  • 31. passarinho. Jogava futebol, era, parece, goleiro. Tocava guitarra (e como tocava mal), e bateria (um pouco menos pior). Fez parte de uma banda na cidade, que durou pouco.
  • 32. Ênio era um notável desenhista projetista. Numa época em que não havia arquitetos na cidade, apenas engenheiros (e engenheiro treme ao ver um lápis, segundo os arquitetos, e estes, segundo definição dos engenheiros, é um sujeito que não foi bicha o suficiente para ser decorador, nem macho o bastante para se tornar engenheiro), Ênio, que não era bicha, engenheiro, arquiteto e nem decorador, tornou-se o melhor desenhista do gênero da cidade. Tinha ainda uma virtude, que ninguém jamais decifrou o método: era capaz de entrar se pagar em qualquer lugar, principalmente bailes de interior, bailes da colônia. o homem era dotado de uma habilidade de convicção tão grande, que chegávamos ao baile, um grupinho, duros, só tínhamos uns trocadinhos para um refrigerante ou uma cerveja, mas se pagássemos o ingresso, passaríamos a noite à base de água da torneira do banheiro fedorento. De olho arregalado, em silêncio, observávamos com atenção os movimentos dignos de um malandro junto aos porteiros. Ele gesticulava, ria, fazia movimentos, e logo já ganhava um cigarro de um, fogo de outro, dava umas três ou quatro tragadas, virava- se para onde estávamos e fazia um geste de chamamento com a mão. Íamos em fila, cabeça baixa e olho arregalado, reverente e respeitoso com os porteiros que nos apressavam para disfarçar a desobediência aos patrões da festa. Uma vez lá dentro, em
  • 33. pouco tempo, Ênio aparecia com cerveja e refrigerante para todos. Sem dinheiro. Topo era o amigo sério do grupo. Moderado, ponderado e exageradamente honesto. Ético até o fígado e um pedaço da pleura. Não admitia um passo em falso de ninguém. A pobre alma vivia como coração na mão em nossa companhia, pois tudo o que não se pode encontrar num grupo de guris metendo os pés pelas mãos é ética. Honestidade até sim, mas ética, assim ética mesmo, deixava-se a desejar. Seria pior, se não fosse o “grilo falante” ao nosso lado. Ríamos muito. De tudo e também de nada. Ríamos de tão bobo que éramos. Aí quando não havia do que rir, ríamos disso. Só pra ter do que rir. Topo trabalhava em um Banco. Era o queridinho dos colegas por esta seriedade. na idade, tinha lá os seus dezesseis anos. No juízo, uns cinquenta. Na sabedoria, oitenta e cinco ou oitenta e seis. Isso o tornava o chato do grupo. Adorável xarope. Mas era o nosso xarope. onde íamos, ia junto. Se fosse para subtrair frutas em algum quintal, ia junto, mas não sem antes nos prevenir de possíveis consequências, do pecado do roubo e especialmente do que fazer se fossemos mordidos pelos cachorros da casa. E depois o fruto da façanha era dividido igualmente, tudo com ética, sob a observação dele, que já era versado em contabilidade na época.
  • 34. Um dia, Ênio tomou um tiro bem no meio da cara. Lógico que foi pra sacanear os amigos. Morreu poucas horas depois, por gozação. E a cena que lembro é de nós dois, Topo e eu, sentados num banco da praça, os dois, onde antes sentávamos três, olhando o vazio da noite, os carros que cruzavam indiferentes, e a noite que desfez o trio.
  • 35. A Serenata de Joãozinho Morais Pois João Alves de Morais, ou Joãozinho Morais, era, se não estou enganado, o filho pimpolho da Tia Virginia de Morais, filha de Tristão de Oliveira, e irmã do já mencionado aqui neste espaço, por duas vezes, José Tristão, ou Zé Tristão. Mas é sobre o sobrinho de Zé Tristão de quem eu quero falar agora, o Joãozinho. Audacioso jogador do Centro Esportivo Gramadense, não saberia posicioná-lo em campo, porque tudo o que eu conheço de técnica de futebol, não passa de saber que tem onze em campo de cada lado, e uma bola, que não teve nada a ver com essa divisão, tomando coice pra todo lado (aliás, vegano não deveria torcer pra time nenhum, pois a bola é de couro). Mas Joãozinho batia um bolão, segundo seus contemporâneos, maioria já falecido, então não tenho como comprovar, mas também ninguém pode me desmentir, e segue o causo.
  • 36. Joãozinho era muito melhor do que Neymar pra cavar falta, e mais esperto, porque enfiava, discretamente o dedo no furico dos melhores adversários, e a reação era imediata: o que teve a honra manchada, disparava atrás do baixinho, para meter-lhe uns tabefes, e não percebia que o juiz já prestava atenção à sequência, expulsando o agressor de campo. Depois outro, e mais outro, e finalmente, o time adversário estava desfalcado, e o Gramadense ia lá e metia gol atrás de gol. Depois, na hora da cerveja, era só risada, e ficava tudo certo.
  • 37. Noutra feita, Orlando Morais, irmão de joãozinho, convidou o irmão, para pelarem umas varas de vime bem compridas. Depois de peladas, as varas ficavam naturalmente molhadas de seiva, e com jeito no braço, eram atiradas sobre a rede de alta-tensão (atenção, piazada maleva, não façam isso sem a presença de um Joãozinho Morais), isso apenas para ouvirem os estouros causados pelo curto circuíto fechado pela condutividade dos minerais e água das varetas. A esta altura, já haviam se enfiado pelos matos, voltando a caçarem passarinho, bem longe dali.Joãozinho tinha um coração de manteiga. Tinha mesmo. Como era padeiro, não faltava pão para os pobres que o procuravam. Minha avó passava lá e pedia para comprar pão amanhecido, mas quem diz que João a deixava pagar? Enchia um saco com pães do dia anterior e outros ainda quentinhos, e depois de bons momentos de prosa, entre dois grandes amigos, além de primos, minha avó voltava à nossa casa sorridente e orando pela bênção, enquanto Joãozinho enchia outras sacolas de outras pessoas, dia após dia. Vivia falido. Mas acho que terá ele um lugar na Eternidade. É o que eu acho. Se Joãozinho será feliz na Eternidade, isso eu não sei dizer, mas o que sei dizer é que ele se divertiu muito na curta vida que esta existência lhe permitiu. E não era egoísta, não senhor, senhora ou senhorita. Joãozinho fazia questão de rir com os
  • 38. amigos. E este é o causo do título. Certo dia, Joãozinho convidou seus amigos: Almiro Drechsler, que tocava violino, Gercy Accorsi, um grande Tenor, Adail de Castilhos, tocador de violão, e mais alguém, de quem não lembro o nome agora, para que o ajudassem em uma conquista de amor. Ocorre que havia uma belíssima veranista na Vila Planalto, nas proximidades do antigo Posto Ipiranga, da família Bezzi. Por aquelas imediações mais ou menos, que passava as férias em Gramado, com a família. Então a ideia de Joãozinho era bastante comum naqueles tempos: Uma serenata! isso mesmo, um recital de poemas, canções, por volta da meia noite, na janela da amada, para que ela acordasse ouvindo a voz de seu pretendente ao som de belas canções. Isso era uma serenata. Combinado então! Naquela noite fariam a serenata para a donzela (eu sei lá se era donzela, mas achei oportuno, para ilustrar a linguagem de época). Meia noite em ponto, e começa p grupo a entoar melodias debaixo da janela da moça. Cantam uma, cantam duas e era chegada a vez do próprio Joãozinho declamar um poema à pretendente. Depois de um dedilhado de violão e algumas notas de violino, ele começa: -" Ò minha amada querida, amada do coração
  • 39. sua puta ordinária sua porca vagabunda que nunca limpa a bunda que tem bafo de leitão!"* Nem é preciso que eu diga que quando ainda na parte da ..“puta ordinária”, o bando já havia se espalhado pelos banhados afora (era tudo banhado até quase no centro), rasgado terno de linho no arama farpado do potreiro, quebrado violão, pisoteando na bosta das vacas e banhado, enfim, um caos tremendo...enquanto Joãozinho permanecia na casa cantarolando asneiras e rolando de rir. Acontece que como ele era padeiro e entregava o pão em todas as casas, ele sabia que naquele dia, naquela noite em especial, não haveria ninguém em casa…
  • 40. A Saga do Zé Tristão Corria solto, feito traque em bombacha, o "Anno da Graça de Nº.Sr. Jesus Christo" de 1912, penso que lá pelo mês de Março, eu presumo, porque a "edade da creança" era de cerca de oito meses, e considerando que a lactente havia nascido no mês de Julho de 1911, chega-se à março de 1912. Isto dito, sigo o relato. Estamos no Quinto Distrito de Gramado do Mundo Novo, ou apenas Mundo Novo. o lugar era um rancho, onde durante muitos anos foi o "Motel Balneário", ou "Tênis Clube", como era chamado, por abrigar, por empréstimo, as dependências do clube com o mesmo nome. Ali vivia o próspero "garanhão", cujo nome de "baptismo" era Vítor Pereira Dias, genro do afamado Intendente, Tristão José Francisco de Oliveira, ou como diz a rua que leva seu nome, "Tristão de Oliveira". Tristão tinha uma penca de varões e varoas, de sua prole com a Senhora Dona Leonor Gabriel de Souza. Uma de suas filhas, então, era a Dona Francisca de Oliveira, nome dado, possivelmente em honra à Princesa Dona Francisca, Princesa de Bourbon e Bragança, filha de Dom Pedro II. Outro Filho era um tal de José Francisco de Oliveira, mas que em razão do pai, Tristão, era chamado também de José Tristão. Costume judaico, ainda seguido pelos "Cristãos Novos" (judeus convertidos ao cristianismo, para fugirem do duro braço da inquisição), ainda que subjetivos. José Tristão, ou aqui, na
  • 41. economia de letras, "Zé Tristão", era um moço de singular sapiência, inteligentíssimo, e talentoso em muitas artes e ciências.. Um erudito, para o seu tempo. Notabilizou-se no ofício de "Agrimensor", ou "Topógrafo", como queiram chamar. Homem de bem, e um devoto cristão exemplar.Já sua elegante "senhôra", ao que declinarei o nome, tinha certa fraqueza no quesito de individualidade do matrimônio, e caiu na lábia do supracitado Vítor, seu concunhado. E foi então, aquele "aqui-te-pego-aqui-te- largo", de tal monta, que a coisa vazou dos pelegos e foi parar nos ouvidos de Zé Tristão. É o que passou a saber-se depois do feito que relatarei com fidelidade ao ocorrido. Certa hora do dia, que não saberei precisar, mas creio que tenha sido à noitinha, após a dura faina, que Vítor abandona-se ao aconchego sagrado do seu lar, e toma nos braços, a pequenina Maria Elisa, sua caçula, com então, já mencionado, a "edade" de oito meses (aqui trava minha memória imaginativa, pois não consigo ver Maria Elisa como um bebezinho fofo, mas como uma velhinha, debochada que era, envolta em um cueiro, fazendo gracinhas, e pequenina, de colo).
  • 42. A alegria de Vítor, e da inocente esposa, "Senhôra Dona Francisca" terminava naquele momento, pois um estampido vindo do telhado (de tabuinhas) do rancho, de modo certeiro no crânio de Vítor, cujo anjo da guarda foi de prestimosa ação, protegendo a inocente de um fragmento do tiro. E ali, sem saber o porque, nem quem, chega ao fim a jornada pecaminosa, mas também justa (este paradoxo é o que nos mantém pela vida), do Don Juan, que saboreava voluptuosas curvas, da mulher do cunhado Zé Tristão.
  • 43. O atirador fugiu rápido como quem mata (desculpem o trocadilho, mas achei ótimo), e o cadáver foi levado para autópsia, em Taquara, sede do Distrito. O tempo passa e as horas correm. A notícia se espalha, e como era de costume, os homens se reuniam no galpão, onde o mate corria solto, e a prosa também. Estre estes, estava Zé Tristão, consternado pela morte do "Ente Querido", e em dado momento comentou: - A cabeça do morto deve estar cheia de pregos, coitado!" E estava mesmo. A carga utilizada foi de cabeça de pregos e fragmentos de metais. O problema é que isso não havia sido divulgado ainda, mas quando chegou pelo Delegado, o resultado da autópsia, lá estavam os pregos prenunciados por Zé Tristão. Ele era o assassino! Foi então condenado, passou alguns anos em uma cela chamada de "17", que pingava água, e quando saiu da cadeia, a família foi recomendada pelo Delegado, que tirassem o rapaz daquele lugar, para evitar vingança. Eram tempos duros. Mas pensa que termina aqui o caso? Pois não termina aqui! Pois Zé Tristão, depois do crime, de assassinar o cunhado, com um tiro de pistola, cuja carga eram cabeças e fragmentos de pregos, foi condenado à prisão, e lá cumpriu alguns anos, na famosa cela 17, a tal que pingava água intermitentemente. Cumprida a pena, Zé Tristão ensacou os mijados, e partiu rumo à São Joaquim, SC, onde engraçou-se por
  • 44. uma prenda, e ali estabeleceu-se, formando nova família com ela. Inteligente como de fato era, e no ofício de Agrimensor, Zé Tristão, logo arrumou-se nas finanças, e arrebanhou patrimônio, pois era uma prática bastante comum, que o Agrimensor fosse contratado para demarcar terras, cujo valor na escritura determinava tal e tal medida. Então, após dias, semanas abrindo picadas à facão, espiando pelo Teodolito, e anotando na sua cadernetinha quadriculada, as coordenadas que encontrava, ao cabo de dias, entregava sua carta geográfica repleta de cotas, curvas, convenções, e coordenadas, só compreendidas por outro Agrimensor, além de um Memorial Descritivo, que era “ipsis literis” copiada pelo Escrevente Juramentado do Registro de Imóveis, e dali, era lavrada a Escritura pública. É assim até hoje, com exceção da tecnologia empregada por recursos tão avançados, que à época teriam sido vistos como práticas ocultas, e seu autor, se não fosse enforcado, ao menos tomaria uma bela surra de vara. Bem! Voltemos aos fatos. Uma vez entregue a escritura, o profissional percebia que a lavra pública continha certo valor, de digamos cinquenta hectares, mas, na prática, após confrontadas todas as vizinhanças, que também participavam, para validar o documento, também tinham cinquenta hectares cada um, por seu lado, davam-se por satisfeitos, e o assunto encerrava, pela
  • 45. parte deles. Só que não. Ocorre que no somatório das terras constantes nos documentos, somaria cinquenta hectares, mas, na prática, eram de sessenta ou mais (valores hipotéticos), de cada um. O que fazia então o Agrimensor? Como já havia sido pago para mapear, portanto estaria tudo na sua cadernetinha, ele fazia um mapa complementar, e dava entrada no Cartório, com pedido de Usucapião das terras devolutas (sem dono), e em cinco anos, tornava-se dono das terras. Isso se repetindo ano a ano, ao cabo de tempos, eram proprietários de dezenas de lotes esparsos, os quais eram mais tarde, transformados em loteamentos. Enriqueciam com isso. Não se pode dizer que seja desonesto, nem ilegal. Não é. E não vou gastar dos para debater ética aqui nesse causo, porque é sobre o Zé Tristão que falo e não sobre terras devolutas. Pois Zé Tristão ajeitou a vida deste modo. Mas, como existe o castigo dos Homens, a justiça divina, Zé Tristão, por seu mau gênio, acabou por indispor-se com a nova família, e tomou um pé nas ancas, e bandeou-se rumo ao torrão natal as terras “do Gramado”, já agora emancipada, e próspera em crescimento. Muitos anos haviam se passado, e com exceção da família, poucas pessoas sabiam da história, e menos ainda os que ligavam o fato á pessoa, que passou a perambular pelas ruas com barbicha longa, arcado, com um cajado e um saco nas costas. Era Zé
  • 46. Tristão quem batia na porta da irmã, maria Vergínia (Tia Virgina), e de algumas sobrinhas, filhas do homem a quem assassinara, com “sangue frio”, e ódio fervente. Algumas das sobrinhas, não o receberam, enquanto outras, por caridade, serviam-lhe um prato de comida do lado de fora da porta. Apenas uma sobrinha, Maria Elisa, justamente o bebê que estava no colo do pai, ao ser morto pela carga de pregos de Zé Tristão, foi a que lhe concedeu, não apenas abrigo, como alimento e atenção. Zé tristão aparecia na casa dela de tempos em tempos, recebia hospedagem e alimento, mas sentia-se desconfortável em não pagar pela hospitalidade, então, dedicava-se à fazer pequenos reparos, construir coisas. Era exímio artífice em madeira, e certa ocasião construiu uma cerca de ripas (era comum usar ripas de pinheiro, de uma polegada, para construir cercas nas casas, e até mesmo os portões eram feitos com este material. No portão que fez, Zé Tristão utilizou um nó de pinho como base, cavou um buraco, e o eixo do portão corria dentro dele. Era assim que fazia as coisas, inventando. Já velho, caduco, e surdo, Zé Tristão despejava suas loucuras por onde passava. Gostava de contar causos, e adorava falar nas “mamica duma mulata”, ou “mamica duma lamoa”. Gostava da coisa, mas "a coisa" não queria mais saber dele. Falto de dentes, sua dicção não era das melhores, e então ele dizia ao meu tio,
  • 47. Samuel, que era piazote: "Vancê é um Arcaide!". Noutra ocasião, viu-me brincando com minha prima, que tinha o cabelo curtinho. Olhou pra ela e disse: "Vancê percisa ser um padre!" Ela respondia então: “Mas Tio José! Eu não sou menino. Sou uma menina!” - "Isso mesmo, meu fiu! Vancê vai ser um padre!"Eu, muito pequeno, olhava pra ele, que tinha os olhos pequeninos (Ô genética braba essa), e viviam arregalados para poder ver bem, e perguntava: “Pá quê tu tem teus jóio legaládo?” Ele não entendia, e pensava que eu falava do livro de Gàlatas, da Bíblia. Ele então perguntava: "Galáta? Galáta?" E seguia seu rumo. Certa ocasião, minha mãe passou um trote no véio. Contou a ele que havia sonhado, que em tal lugar, onde hoje fica o Bairro Carniel, e era mato naquele tempo, ela havia visto uma árvore, e junto à raiz da árvore, estava um "Cabedal" (Tesouro enterrado pelos revolucionários). O Zé Tristão não esperou muito, e na madrugada do dia seguinte, juntou uns arames de cobre emaranhados, aos quais chamava de "aparêio de achar ouro", e uma picareta, e bateu "dereito" o mato, em busca da tal árvore. Quando apareceu de volta á casa, contando que cavara o dia todo e não encontrara, minha mãe revelou que “talvez fosse só um sonho e não houvesse nada naquele lugar”, mas o macróbio não de seu por vencido e disse que achou a tal árvore, com a mesma descrição, e que deduziu que
  • 48. outro já haviam cavado e levado o ouro embora. Zé Tristão odiava seu irmão, Manuel. Viviam às turras, e certa feita, escreveu um bilhete ao Forum local, enfiando-o debaixo da porta na madrugada, onde discorria um libelo difamatório do irmão, e encerra dizendo: Manuel bandido, manuel Ladrão! Ora, imediatamente foi descoberto o autos de tais epístolas, dado o fato que sua letra era belíssima, ornamentada, e miudinha. Não gerou consequências, senão umas boas risadas. Pode-se dizer que Zé Tristão iniciou as "fake news! em Gramado. Voltando ao passado, na década de 1930, um relato contido em uma das edições do "Mensageiro Lutherano", cujo livro encadernado, contendo edições de 1938 a 1941, doei à saudosa historiadora Marília Daros Franzen. O livro contava as reminiscências do surgimento da "Egreja Lutherana" em Gramado e "Canella", cujo responsável por levar á Gramado tal congregação, não foi outro senão, o senhor José Francisco de Oliveira, o nosso Zé Tristão.
  • 49. Quando retornou, Zé Tristão, já caduco e meio transtornado, entregou-se aos devaneios mentais e ocultistas, e andava com um livro de "São Cipriano", que ensinava feitiços e rezas obscuras. Conta-se que foi visto em noite de lua nova, completa escuridão, fervendo um gato até que sobrassem apenas os ossinhos, e depois experimentando cada um daqueles ossos, enfiando-os na boca, diante de um espelho. Quando encontrasse o osso certo, a pessoa ficava invisível. Não sei se funcionava. Nunca tive vontade de fazer isso. Eu sei lá. Dá medo mexer com certas coisas que saem de um livro de "São Cipriano", e testadas pelo Zé Tristão. Zé Tristão morreu por volta de 1970. A carcaça carcomida pelo sofrimento e peripécias da vida, foi depositada no jazigo de seus pais, o primeiro, e mais antigo, do Cemitério São Lourenço, o Cemitério Católico de Gramado. Contando comigo, foram nove pessoas ao seu enterro. Com eles, Dez. Se tivesse mantido o judaísmo de seus avós, contar-se-ia uma "Miniam", um grupo de dez judeus necessários para rezar o Cadish, a reza dos enlutados. Nem isso teve pelo Zé Tristão. Triste na vida e triste no nome.
  • 50. Arno Michaelsen - O Prefeito Humano que Gramado precisa lembrar Minha família havia atravessado uma grande tragédia, e voltava cabisbaixa para a terra natal, Gramado, início dos anos 60 do século passado. Minha avó foi trabalhar em um restaurante, do já inexistente “Motel balneário”, também conhecido, na época, como "Tênis Clube", onde lavava pratos, fazia limpeza, e levava algumas sobras para nossa casa. Meu tio, Esaú, ainda adolescente, foi fazer biscates com madeireiros, aplanadores de terras, coisas desse tipo. De vez em quando tomava umas cachaças, dava uns cascudos nos brigadianos, ia preso, minha avó chamava o Dr Celso Dalle Molle, advogado, que ia com ela na delegacia, e soltava o piá. Era uma rotina.
  • 51. Meu outro tio, Samuel, um piazote ainda, também fazia pequenos biscates pelas fábricas de Gramado: Pelando vime, no Dinnebier, Moranguinho, pra fábrica de Doces, surrando e apanhando da piazada de rua, arrancando samambaia nos terrenos, enfim, também prosseguia na sobrevivência. Minha mãe, a filha mais velha,foi trabalhar de babá nas casas das famílias Koetz (ela comentava comigo que as crianças eram extremamente bem-educadas. Sabiam a hora de irem dormir, eram respeitosos, afáveis, e inteligentes. Vale citar nomes aqui: Orlando e Teresa Koetz, pais do Flávio, Paulo, Fátima, e Zena. Em sequência (ou ao mesmo tempo, isso eu não sei, foi também babá dos filhos do casal Marcílio e Irani Cardoso (Tio Março e Tini), Manoel Ignácio, Alexandre e Caetano. Tornaram-se estes, meu irmãos de alma, desde então. Marcílio e Irani viam em minha mãe, Ester, mais de uma uma menina (com 17 anos) que cuidava de crianças, mas uma inteligência em busca de espaço. Tio Março, levou-a então, até o Prefeito, Sr. Arno Michaelsen, e apresentou-a, da seguinte forma: - Arno! esta é a filha do Assis! - Filha do Assis? Então temos que conseguir uma oportunidade para esta menina.E imediatamente a nomeou Professora da Escola da Curva da Farinha (ou foi na Piratini, disso não tenho certeza nesse momento). Eu quis relatar este particular, para demonstrar que meus ensaios não são
  • 52. para enaltecer políticos ou escrever a história, mas para lembra, através da história, o grau de humanidade que alcançaram meus personagens. Arno Michaelsen, foi o segundo Prefeito desde a emancipação de Gramado. Eram os primeiros tempos. As preocupações de um prefeito em 1960 eram diferentes dos desafios de hoje. Enquanto hoje, disputam os prefeitos, sobre quem asfaltou mais estradas, naqueles dias, a disputa era com a topografia, a sobrevivência. Abriam-se estradas contando apenas com um velho trator de esteira, e uma motoniveladora, comumente chamada de “Patrola”. A Prefeitura era recém-criada. Se há hoje vícios de continuidade, naquele tempo não havia sido ainda maturada a substância política tradicional em Gramado. Claro que haviam facções, preferências ideológicas, mas ainda prevalecia o discurso comunitário. Quando Arno nem pergunta a razão e diz que “temos que conseguir uma oportunidade para esta menina”, ela faz uma leitura completa da situação, que já havia chegado aos seus ouvidos, e não tomou o precioso tempo da menina com perguntas estúpidas de embromação. Simplesmente decidiu: Vamos agir, pois o momento urge!
  • 53. Naquele tempo, o Prefeito era uma Autoridade moral. Era, eu disse. Tomava decisões e assumia por elas. Nesse tempo, ainda não corria esgoto a céu aberto pelas ruas da cidade, talvez porque nesse tempo ainda não houvesse um serviço eficiente de saneamento e abastecimento de águas quanto tem hoje em Gramado.
  • 54. Arno Michaelsen foi o primeiro Presidente da Câmara de Vereadores de Gramado. Segundo os dados deixados pela falecida historiadora, Marília Daros Franzen, Arno nasceu em Nova Petrópolis, em 1929. Teria completado então 100 anos, recentemente. Seus pais eram Theodoro Guilherme Michaelsen e Berta Kny. Em setembro de 1940, casou-se com sua companheira fiel, até o fim dos dias, Angelina Caberlon. Bem poucos sabem, mas Arno também já foi cantor. Em um coral, mas foi cantor, No Coral Evangélico de Gramado. (A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, a Igreja do Relógio, também conhecida como "Igreja protestante"). Arno abriu, nos anos 5, uma Casa Comercial, e deu o nome de "Estrela". Vendia roupas, tecidos, e armarinhos, miudezas para costura. Mais tarde, o mesmo prédio serviu como restaurante, chamado, se não me falha a memória, de “Vera Cruz Churrascaria”, ou algo assim. Já não existe mais. A churrascaria foi comprada pelo empresário Adail Bertolucci (Ex-Chocolate Planalto), e mais tarde ali foi construído um parque temático, da mesma empresa. Em 1957, Arno presidiu o Centro Esportivo Gramadense. Participou ainda do grupo de bolão denominado "Vampiros,", na Sociedade recreio Gramadense, o principal clube social da cidade. Vale lembrar que antes de ter sido Prefeito e Vereador por Gramado, Arno Michaelsen já havia sido
  • 55. Vereador pelo 5º Distrito de Taquara, e também Sub-Prefeito, pelo mesmo Distrito, que era Gramado, trabalhando, desde esse tempo pela emancipação política de Gramado. Tomou posse em novembro de 1955, como Presidente da Câmara, e começou então a preparar as novas leis municipais, através do Regimento Interno da Câmara e do Código de Posturas do Município de Gramado, sancionados em 1956. Alguns nomes notáveis devem ser lembrados desta gestão, pessoas queridas por muitos que leem meus ensaios e histórias. Alice Ilse de Castilhos, a querida Tia Alice, da Prefeitura, onde trabalhou até sua aposentadoria. Os irmãos Evanor e Luiz Maurina, e o saudoso amigo, Arlindo de Oliveira. Um dia vou contar episódios mais detalhados sobre Arlindo. Finalizo a equipe, com a queridíssima professora Cleci de Oliveira, que muitos lembram dela, do Cenecista.
  • 56. Em 1960, Arno concede Cidadania ao pioneiro Leopoldo Rosenfeldt, pelo legado de seu trabalho. Para os neófitos da terra, são de autoria de Leopoldo, o Lago Joaquina Rita Bier (aquele dos espetáculos no natal Luz e tantos outros), o Lago Negro, o atual Centro Municipal de Cultura Arno Michaelsen, e o loteamento do Bairro Planalto. Coube a Arno ser o primeiro Prefeito a administrar o legado de leopoldo Rosenfeldt (que doou as terras dos lagos ao Município de Gramado. A Educação era uma das prioridades do Prefeito Michaelsen, e eram fomentados treinamentos para professores da sede e do interior.Nesta foto ao lado , um dos frequentes treinamentos, dos quais minha mãe, Ester Cardoso, participou em sua formação pedagógica.Nesse tempo, a vizinha cidade de Canela já era conhecida pelas escolas, de natureza devocional, que recebiam alunos de vários municípios vizinhos, e até mesmos distantes. Gramado então, começava a despontar para seu próprio sistema educacional público. Deve- se ao Prefeito Michaelsen a eclosão deste movimento. Pois então!
  • 57.
  • 58. Armando Bogus, Ruth Escobar, Os chocolatinhos, e eu Estou de volta, assim de soslaio, despacito, como quem rouba, sorrateiro como gaudério de bombacha clara em dia de namoro, mas trazendo mais algumas reminiscências dos tempos de antanho, a saber, bastidores do Festival de Cinema de gramado. A propósito, o Esdras Rubim, que foi Secretário de Turismo por duas ocasiões, em Gramado, contou-me que está preparando um livro com suas memórias sobre o Festival. Vamos aguardar. Ele tem muitas. Mais do que eu. Vou contar uma hoje. Eu era "aspone" do Esdras, e como tal, era encarregado de acompanhar os convidados da Prefeitura, em eventos e restaurantes de Gramado, que nesse tempo eram bem poucos, mas de boa qualidade já. Um destes restaurantes, abria só á noite, mas era o preferido da intelectuália de então: o Chez Pierre, do saudoso Pedro Gobbi, que era um anfitrião poliglota, atencioso, elegante, e depressivo, o pobre amigo. Isso no entanto não o impedia de prestar um atendimento cortês e com requintes europeus. Chez Pierre, era o lugar favorito dos artistas e intelectuais que visitavam Gramado, já mencionei isso, por três razões, em especial: Servia os melhores vinhos de Gramado; Os queijos, embora fedorentos, como todo bom queijo, eram especialíssimos; e finalmente, porque a boa música (99,999% do tempo era Jazz, mas
  • 59. quando eu digo "Jazz", eu digo: "JAZZ"! Ella Fitzgerald, Billie Holliday, Louis Armstrong, Milles davis, John Coltrane, Duke Ellington, e por aí vai, e não, definitivamente não tocava Roberto Carlos, Luís Miguel, nem tampouco Duduca e Dalvan. Entaõ, por estas razões, e principalmente porque não tocava Roberto Carlos, o "Justin Bieber" das tias velhas, os artistas corriam para o Chez Pierre, quase todas as noites, em sua estadia em Gramado. Um produtor do Filme "As Filhas do Fogo", totalmente rodado em Gramado (Casa do parque Knorr), e Canela (Castelinho da Irene Franzen), dirigido pelo Walter Hugo Khoury, costumava ir ao restaurante e pedir a famosa "Tarraqueta", que não existia, pois como ele nunca lembrava do nome, inventou "Tarraqueta", e pegou, entre a equipe de produção. Era uma "Raclette", Mas, voltemos ao Bogus, que titulou o ensaio. Armando Bogus, ator bastante famoso, que adorava Gramado e em Gramado, sua paixão alimentar era ir ao Chez Pierre, e numa destas ocasiões, contou-nos uma história dos bastidores do movimento político contra o Regime Militar, que não sei que importância teve, se é que teve alguma, mas foi pitoresco ouvir.
  • 60. Contou ele, que vindo de uma tournée de uma peça na Europa, ao olhar pela janelinha do avião, percebeu um forte aparato militar à espera de algum dos passageiros, e por sua experiência, presumiu que seria para prender a atriz e produtora teatral, Ruth Escobar. Rapidamente, sem que ninguém percebesse, ele enfiou a mão na bolsa de Ruth, e surrupiou alguns documentos, e os guardou em sua própria mala. Dito e feito: Ruth desembarcou por primeiro, e imediatamente foi presa, isso tudo ao mesmo tempo em que os passageiros desembarcavam da aeronave. na época não havia os "minhocões", e todo o desembarque era nas escadas móveis da SATA. Nesse momento, Bogus acelerou o passo em direção à Ruth, e disse, para que todos ouvissem: - "Ruth! Seus "chocolatinhos" estão comigo!" - " Ótimo! Guarde-os na geladeira pra que não estraguem. Quero comê-los quando eu voltar!" O tais "chocolatinhos eram documentos que comprovariam a ligação da CIA com os militares brasileiros no poder.
  • 61. As "Bandas" de Gramado, e os Animadores de Bailes dos anos 50/60/70 Eu sei que não adianta pedir para que identifiquem os garbosos varões da foto, porque eu mesmo precisei recorrer à meus amigos, levemente mais idosos do que eu, a fim de identificar cada uma. Então vamos lá: Começando da esquerda, o galalau do contrabaixo, vasta franja, óculos fundo de garrafa, e bem "dergadinho", é o que hoje atende pelo título de Prefeito de Gramado, mais conhecido pela alcunha familiar dada em priscas eras, Fedoca. Já, á sua direita, soltando a voz quase visceral, aquela que nasce na pleura, o garboso escritor e historiador, poeta, e filósofo, Gilberto Drechsler, empolando a guitarra até seu mais agudo e esganiçado vibrato. O Elegante também, guitarrista, ao centro, é o Alvari de Borba, que logo após o fiasco desta apresentação (nem houve fiasco algum, mas cumpro rigorosa tradição de esculachar amigos que vestem cuecas), foi embora para morar nos Estados Unidos e realizar o "Americam Dream! de ficar rico. A terceira guitarra, torturada pelo magricelo à direita do trio, é destruída pelo, hoje arquiteto, Derson Casagrande, vulgo "Ratinho". E no cantinho a fundo, o saudoso amigo Ênio Grade. A banda era chamada de "Os Primitivos".
  • 62. Antes disso, relatou-me o contemporâneo e contador de causos, Altivo Becker (Pekinha), que havia outro conjunto, chamado: "Os Lenheiros", cujos integrantes eram: Fabiano Bertolucci (Irmão de Fedoca), Alexandre Bezzi, Fedoca, Beto Perini, na Bateria, e a Liege Zatti, era a cantora da Banda. Depois dos Primitivos, surgiu um conjunto denominado "Die Fledermaus" (Os Morcegos), composta por Henrique Adolfo Ehms (Castelo), Gelson Oliveira (Pelé), Benno Raaber, Clarindo Sartori, e Levino Raaber. Ensaiavam na casa do Clarindo, situada no Morro dos Cabritos, distante cerca de 300 metros, em linha reta, da Avenida Borges de Medeiros. Certo dia, enquanto ensaiavam, adentra um sujeito baixinho, já de certa idade, dirige-se ao guitarrista, toma-lhe a guitarra, afina ela, vira as costas, e vai embora. Era o Maestro Pablo Komlós, que ficou incomodado, ao ouvir o desafino da guitarra, de onde caminhava. Gelson Oliveira, nesse tempo, desligou-se do Fledermaus, e criou, junto com Márcio Volk, Marco Antero (Bugiu), Kiko Caberlon, e Luis Ewerning (Vassoura), a "Batuka Blue Band", uma banda já mais sofisticada, e que a partir desta, deu a largada para a carreira solo, ou mais tarde, em vários grupos, de Gelson Oliveira.
  • 63. É bom lembrar ainda das "Bandinhas" mais populares e folclóricas, animadoras de bailes, como "Irmãos Broilo", além de outras bandinhas do gênero no interior de Gramado, que espero, um dia, falar sobre estas também. Também vale lembrar (e já solicitei material, para fazer uma matéria) da "Banda Tamoyo", liderada pelo querido maestro Egídio Michaelsen. Não se pode deixar de falar Das duplas "Luar do Sertão" (Elias Moura e Isaías Abraão), ou Elias e Zacarias Moura. Sou corrigido pelas redes sociais, e venho fazer reparos aqui. O amigo Cláudio sartor, lembra-me com propriedade, da dupla “Sertãozinho e Zé do Sul”. Sertãozinho era violeiro, e Zé do Sul, era gaiteiro. Recordo ainda da dupla formada pelo Seu Liberato, com meu primo Elias de Moura. Não lembro se a dupla tinha nome. A Dupla “Luar da Querência” era conceituada animadora de bailes pelo interior de Gramado e região. Lembro que Elias utilizava seu velho rádio com válvulas, como amplificador do violão, para ensaiar. Uma de suas composições, eu lembro apenas do refrão: "Quando partir Do sul para o norte
  • 64. Eu vou levar minha boiada pro sertão Eu vou tropeando, de oeste para leste Vou levar gado pra vender, pro meu patrão!"
  • 65. O Subterrâneo dos Nelz – Lenda urbana ? Tinha eu doze ou treze anos, quando ouvi minha avó Maria Elisa, contar sobre a existência de um “Subterrâneo” existente nas terras da Família Nelz, em Gramado. Rezava a lenda que dois caçadores de tatus, caminhando sorrateiramente à luz do luar, ouviram um barulho, e de pronto se esconderam atrás de uma árvore. Aguardaram em silêncio, até que ouviram vozes de conversas, guiadas por uma lanterna, a iluminar o caminho entre as pedras e a capoeira. Em dado momento, as vozes silenciaram, e eles espiaram, mas não viram mais ninguém. Haviam desaparecido de súbito, misteriosamente. Assustados, voltaram, e no dia seguinte, procuraram o delegado local, e relataram o que tinham visto. O delegado, então visitou o casal Nelz, e eles “confessaram” que tinham, de fato, um esconderijo para proteger-se de perseguições, que eram comuns naqueles dias, após a guerra, onde os alemães em solo brasileiro, sofreram retaliações por parte de “patriotas” mais exaltados.Sobre estas perseguições, foram de fato cruéis, e embora o caso seja da lenda do bunker dos Nelz, vale saber que muitos descendentes de alemães, gente simples, na maioria colonos, da roça, foram os que mais sofreram tais retaliações. Lembro de minhas tias-avós, que moravam no interior de Gramado, contando de um caso de um "alemão"
  • 66. apanhado falando na sua língua de origem, fora preso e acorrentado em um chiqueiro, até que a polícia chegasse para levá-lo para prestar depoimento. Contava ela, a Tia Lina Pereira Dias, moradora na Serra Grande, que ouviu os gritos e foi à janela ver do que se tratava, e viu que seus vizinhos arrastavam o pobre colono, debaixo de pauladas e coices, pelo caminho, e depois soube que o haviam acorrentado junto ao chiqueiro, pelo crime de ter sido flagrado falando em alemão. Nunca soube quem era ele, e nunca mais ouvi contarem esta história. Minha sogra, dona Lilli Boone, jamais aprendeu a falar em português. Minha comunicação com ela era por palavras avulsas, que ela fazia esforço em lembrar, para comunicar-se comigo. Isso aconteceu, porque quando viam gente estranha chegando, sendo ela ainda pequena, a mãe juntava os filhos pequenos e fugia para os matos, onde permanecia por horas, ou por vezes, dias, com o coração acelerado, imaginando ser alguém à procura de “traidores” da pátria, porque não sabiam falar a língua portuguesa. Bem verdade é que sim, haviam núcleos nazistas no Brasil, durante a guerra, mas Gramado, Nova Petrópolis, apesar de terem grande percentual de colonos, entre seus habitantes, não houve manifestações nesse sentido. Eram gente pacata, ordeira, trabalhadora, amavam o Brasil honravam a bandeira nacional. Porém, em todos os
  • 67. tempos, em todos os lugares, onde havia uma faísca de perseguição, havia junto algum mal intencionado com um galão de gasolina disposto a ver tudo incendiando. Mas não era o caso dos Nelz. Dr Carlos Nelz, Médico, casado com dona Tereza, conhecida como Dona Medy Nelz, eram pessoas queridas pela comunidade. Nesse tempo, Gramado contava com dois médicos apenas, e a preferência por um ou outro, dividia também a cidade, assim como dois partidos políticos ou times de futebol o fazem. Metade da cidade, era paciente do Dr Carlos Nelz, e a outra metade, frequentava o consultório e hspital do Dr Erico Albrecht. Isso durou anos, até que começaram a aparecer outros médicos, mas, ainda assim, quem atendia no Hospital Santa Terezinha (Dr Erico), não atendia no Hospital Arcanjo São Miguel (Nelz). Durante muitos e muitos anos, o famoso “Túnel” ou “Subterrâneo” do Dr Nelz, preencheu o imaginário da cidade, e desconheço quem tenha sido contemporâneo meu, que não tenha vasculhado, de ponta a ponta, esquadrinhado o terreno, à procura da entrada secreta do tal bunker. Eu mesmo, seria capaz de desenhar, de memória, o mapa inteiro das terras dos Nelz, onde sabia localizar cada ceio d'água, cada gruta, caminho, pé de araçá, daquelas terras. Eram o meu imaginário, além de excelente lugar para pescaria escondida, onde deliciosas (só sei de ouvi falar, é dE VerdAdE
  • 68. Este Bilete) trutas podiam ser pescadas nos dois lagos do alto do morro. Mas nunca foi encontrado, e a lenda permaneceu.Há alguns pares de anos atrás, fui consultar- me com Dr Hermann Ulrich Nelz, ou "Dr Ulli", filho do Dr Carlos Nelz, e perguntei a ele sobre a tal lenda. - “Não é lenda!” - Respondeu-me com firmeza. Existiu mesmo. E então contou-me a história que eu sabia, em parte, mas enriqueceu com estes detalhes: - “Eu estudava em Porto Alegre, e voltava para casa nas férias. Um dia, meus pais levaram-me a um lugar, e disseram para que eu fechasse os olhos, e contasse até dez. Aí poderia abrir os olhos. Fiz, e quando abri os olhos, olhei por todos os lados, e eles haviam desaparecido, como mágica. Procurei por horas e não os encontrei, até que eles apareceram atrás de mim, e me revelaram o segredo. Uma pedra falsa, cheia de musgo, era revolvida, e por ali entravam, e fechando a entrada, desapareciam completamente. Lá dentro, havia mantimentos, provisões, para que minha família pudesse permanecer escondida por até seis meses, em caso de perseguição. Então, apareceram os caçadores , que viram, denunciaram ao delegado que foi visitar meus pais, e eles mostraram a ele o que era e qual o motivo de sua existência. O Delegado então os aconselhou que soterrassem o lugar, e o assunto permaneceu como lenda. Seria este o fim da história, porém, descobri que o
  • 69. lugar não foi fechado, pelo menos não naquele tempo, e as crianças brincavam por lá, e iam esconder-se numa espécie de bundear, com muitos mantimentos, um almoxarifado da casa.” Se era o mesmo, não sei dizer, mas teria sido bem mais interessante se nunca tivesse sido revelado. para que o imaginário continuasse, assim como continuam outras lendas sobre porões misteriosos, ou salas que guardavam tesouros. Por mim, continuarão como lendas, até que se prove o contrário. No caso do bunker dos Nelz, a palavra do Dr Ulli, pra mim vale mais que um achado arqueológico. Era bastante comum que as casas de imigrantes europeus, tivessem um lugar separado para guardar mantimentos. Na casa de Elisabeth Rosenfeld, havia uma torre da caixa d'água, e dentro dela, havia um depósito de ferramentas de jardinagem. No chao, escondido, havia um alçapão, onde os netos dela e eu descíamos para abrir potes de compotas, geleias, que ela guardava lá. Molecagem, mas era divertido. Assim como era divertido vasculhar as terras dos Nelz, para tentar achar o túnel. No caminho, haviam muitas recompensas: Araçás, amoras, cerejas, goiabas serranas, peixes do lago (só ouvi falar, já disse, e a exuberante visão dos lagos floreados com ninfas nas manhãs de primavera.
  • 70.
  • 71. O Trote Aprontar trote é mais comum que a posição de defecar, e não há quem não tenha alguns memoráveis para contar, o que alias, faz até bem pra engrossar o couro, tomar um trotezinho aqui e outro ali. Eu, pelo menos, prezo por este modo de pensar, só pra não pensar em cada trote que tomei. Por misericórdia, como eu fui tonto nessa vida, gente do céu! Tá, eu também passei alguns, e vou contar aqui uns dois, com o mesmo mote: O “Professor de Ballet”!. Omitirei os personagens, mas os fatos são aproximadamente verdadeiros. Eu alugava uma sala em um prédio de salas comerciais, no centro de Gramado, tinha meu escritório. No mesmo prédio, haviam outros escritórios, sendo um de engenharia e decoração, e outro era um consultório médico, cujo titular era (e continua sendo) um grande amigo. Todos eram meus amigos, diga-se pelo bem da verdade. Volta e meia, nos visitávamos, para jogar conversa fora, tomar cafezinho, chimarrão, ou contar lorotas das boas. Certa ocasião, passei no consultório do amigo médico, e vi que havia uma atendente nova, começando naquele dia. Estiquei o pescoço porta adentro, cumprimentei, e perguntei se o “Dr Fulano” estava. - Gentilmente disse que não, e perguntou se era urgente. Respondi que urgente não era, mas que ele havia marcado comigo para que, dentro da próxima meia
  • 72. hora, nos encontrássemos no Tênis Clube, próximo dali, pois ele teria aula de Ballet comigo e outras pessoas. A moça achou aquilo muito estranho e perguntou quem eu era. Respondi que era o professor de Ballet do doutor, e que passei para lembrar que ele não poderia faltar à aula, porque iríamos experimentar nos alunos os novos collants e sapatilhas que eu trouxera de Porto Alegre, e que contava com o doutor em aula. Apertando os lábios para evitar uma risada, saí dali e fui para a sala no fim do corredor, do escritório de engenharia. Lá trabalhava uma mocinha, que tinha um irmão de tamanho avantajado, e contei à ela a situação, e pedi que não me denunciasse. Ela então tomou a iniciativa de chamar o irmão, e juntos foram até a sala do doutor, e se apresentando, perguntaram se ela já havia localizado o doutor, porque o professor de Ballet deles estava na cidade, e eles não poderiam faltar. E eu voltei pra minha sala. Poucos minutos depois recebo uma ligação do doutor, perguntando se eu era o autor do trote. Depois de rir um bom bocado, ele disse que ela havia ligado para todos os lugares por onde ele passava e deixava o recado para que ele entrasse em contato com o tal professor de Ballet.
  • 73. Mesma situação aconteceu, num dia, em que fui, acompanhado de um vendedor de minha equipe, a uma fábrica de móveis, e o vendedor era bastante alto também. Lá nos deparamos com uma secretária nova, e pense no formigamento que me deu em ver uma secretária nova perguntando quem queria falar com sue chefe. - Sou o professor de Ballet do fulano (o dono da fábrica, que era um sujeito bem encorpado, grande mesmo, e sues irmãos não eram muito menores, Maiores até, eu acho). Vim entregar o collant que ele encomendou, e também a tiara com cristais e pérolas porque ele faria o papel do Cisne Negro, na peça Lago dos Cisnes. A moça desatou a rir, e aí me "enfureci". -“Por que você está rindo? Como você é preconceituosa. Só porque o sujeito é um armário de grande, acha que ele não tem direito de ser delicado? Por favor, assim que ele chegar, peça para contatar urgente comigo. Ele tem meu número! Este rapaz que está aqui comigo, parece um armário também, mas ele faz o cisne negro, que agora é seu chefe quem tomará o lugar dele”. Disse isso e saímos, segurando os frouxos de riso.
  • 74. Depois do meio dia, fui ao centro da cidade, e lá encontrei os três irmãos, e mais alguns amigos, à porta do banco, e contei a história. Malandros, de igual ou ainda piores que eu, o empresário chegou na fábrica, logo mais tarde, e ao chegar logo perguntou para a secretária: - Meu professor de Ballet esteve aqui me procurando hoje? Depois disso, toda vez que eu ia lá, ela nunca me oferecia cafezinho. Rancorosa! Romeu Dutra, Roberto Sperb, Rui Corso, A Freira que me odiava, e outros causos João Romeu Dutra, ou Romeu Dutra, foi o primeiro Secretário de Turismo de Gramado, efetivamente com esse título, porque antes disso havia o COMTUR - Conselho Municipal de Turismo, e se não estou enganado, seu último titular foi o antigo membro do Consulado Britânico, Mr. George Edward Fox, ou Mr Fox, pelos amigos, e "Tio George", pelos escoteiros. Já comentei isso aqui, e pouco sei da biografia dele, então limito-me a falar do que conheço sobre meus personagens.
  • 75. Romeu Dutra era professor de matemática no Ginásio Estadual de Gramado, ou Ginásio Estadual Noturno, o GEN, quando duas novas turmas foram criadas para o turno matutino e para isso, também o temível “Exame de Admissão”, já comentado também. E assim, já doidinho por desafios, lá estava eu, com nove anos de idade, disposto a assentar-me junto aos grandes nas carteiras (à época, chamadas de classes mesmo), para enfrentar o Ginásio, período que ia após o quinto ano do primário. O Ginásio era de quatro anos, e depois disso, o "Científico". Romeu então, era inspetor de uma turma, onde eu estava, durante a prova.Como e não havia feito o quinto ano primário, senão durante três meses de madrugadas estudando com minha mãe, professora, evidente que tinha coisas que eu apanhava muito. Ninguém pode pular uma etapa da vida, e eu pulei muitas. Entrei na escola primária aos seis anos, quando a lei exigia que fosse aos sete. Mas eu era alfabetizado desde os três anos, ora bolas! Então pular etapas era minha especialidade. Só que não Estando eu tomando uma surra da raiz quadrada, durante a prova, Romeu passava várias vezes por mim, e dizia, baixinho: A resposta ali é tal...eu olhava pra ele com cara de: “Mas quem esse metido pensa que é para me dizer a resposta? Aposto que quer ferrar comigo, me passando resposta errada. E ainda insistia: Tu não vai escrever? Eu só olhava, com aquele ”não te
  • 76. conheço”, carimbado na testa. E mesmo assim, acho que foi ele quem corrigiu as provas, e me fez passar. Mas isso é uma suposição, uma remota hipótese, pois prefiro acreditar que meu conhecimento em matemática aproximar-me-ia de Einstein, ou de um ancestral distante meu, por parte de pai, Don Adam Ries, o grande matemático, o que foi definitivamente desmascarado quando entrei no ginásio, e aquela freira ignorante, minha professora desta disciplina, jamais compreendeu a dimensão das respostas e de meus cálculos, que excediam, transbordavam sua capacidade de perceber a sutileza de um 9 em lugar de um 7 e um 4, por exemplo. E assim, me ferrei na primeira série, na segunda série... Tinha ainda aquele professor que, segundo reza a lenda, atirava bolinhas de ranho no ouvido de quem dormia nas suas aulas. Mas este não chegou a ser meu professor. Felizmente. Já o Robertão, Professor de Ciências, Roberto Sperb, pegou implicância com minha pessoa, mas nunca prejudicou-me nas notas por isso. E nem precisava, pois as macaquices, herdadas de minha avó, trilhavam meu próprio caminho quase diário pela porta da rua, pra onde eu era mandado. - Cardoso! -Presente!
  • 77. -Não tou te chamando. Vai pra rua! - Mas eu nem fiz nada (ainda), professor! - É pra nem começar a fazer! Hoje tou com nojo da tua cara! E eu ia, feliz, brincar lá fora. Às vezes, ele mandava alguém pra fazer-me companhia. Dizia-se à boca pequena, que ele fazia isso com outros alunos. Isso eu não sei. Só sei que fui o saquinho de pancada dele por algum tempo. Mas não fazia por mal, pois não me prejudicava nas notas. Era só implicância mesmo. E eu sobrevivi. Rui Corso, era um professor, baixinho, meio gago, que vinha de Caxias do Sul, lecionar Geografia, em Gramado. Bonachão como ele só (todos eram, na realidade), quando me botava pra fora de sala, pedia desculpas. Tinha ainda a professora que eu amava, pela doçura e bondade: Dona Elinor Sevante! Professora de inglês, finíssima, elegante, e bondosa Isso tudo na primeira séria, logo após o banho de conhecimento na prova do exame de admissão.
  • 78. Mas, como nem tudo são louros e flores, os espinhos vêm junto. Uma freira, belíssima, mas dura e fria como mármore, lecionava matemática. Não dava moleza. Não era má pessoa, mas tinha uma frieza matemática (combinou). Certa ocasião, lembro que o Papa Paulo VI, aboliu o hábito dos religiosos, tornou-o optativo. E assim, Irmã Fulana de Tal, que usava sempre um hábito cinza, fez uma enquete na sala, sobre a possibilidade de que largasse o hábito e passasse a usar roupas civis. Foi quase unânime, exceto UM aluno, cujo Cláudio Sartor deixarei de fora o nome, que votou pela permanência do hábito religioso. No dia seguinte, veio ela, belíssima...de minissaia! Dali em diante, minhas notas de matemática pioraram muito. Paciência, não se pode ver tudo ao mesmo tempo: Coxas brancas ou nota alta no boletim. Minha mãe não entendeu bem a queda das notas, que não eram boas, chegaram quase ao zero absoluto. Ah, o desgramado Cláudio continuou com sua coleção de notas altas no boletim. Acho que eu devia ter votado com ele, sei lá.
  • 79. Desintoxicando a Alma - Os chás da "Tia Ilizia" Minha avó, Maria Elisa, tinha chá pra tudo. Chá de picão para os rins. Chá de "Erva de Bicho" para diurético. Chá de “Tanchagem (Tansagem)” como antinflamatório da garganta. Óleo de Capivara (que só ouvi falar, mas nunca a vi tomar), como fortificante, e para curar tuberculose. Ela insistia demais em tomar esse chá, nem faço ideia do porquê, pois tinha uma saúde de ferro, e nem resfriado pegava. Chá de flor de sabugueiro com avenca para a bronquite. Chá de "Paripariparova", chá de “Catinga de mulata”, para fumentar um tornozelo virado, numa bacia com água quente e sal. Chá de cidró e "Massanilha" para sossegar o coração. Chá de folha de ameixeira européia (Néspera) como acompanhante de uma fatia de Pão-de-Ló com as visitas. Era muito chá. Chá de losna para problemas digestivos. Óleo de rícino para constipação, e tinha ainda o famoso Bálsamo Alemão, misturado em açúcar, mas sem beber água por uma hora, para prevenir todos os males de quem nunca se tinha ouvido falar. Para tudo ela tinha um chá, uma receita, uma pomadinha, um emplastro de sabão com açúcar para furúnculos, tudo. Tudo tinha remédio. Tudo mesmo. Até para as dores da alma. Esta era a sua especialidade. Era conhecida nos quatro continentes, considerando que os quatro continentes
  • 80. ficassem a um raio de poucos quilômetros de sua casa. E nem só os chás, mas também os segredos para estancar a dor pela ferroada de um marimbondo, por exemplo. Certo dia, cheguei em casa, aos prantos, porque o marimbondo havia ferroado meu bracinho fino. Imediatamente ela tomou uma bacia e me fez mijar dentro. Daí, com a mão mesmo, sem perder tempo, fazia conchinha com a mão, e esfregava meu mijinho no bracinho dolorido. Não sei quanto tempo levou, mas sei que hoje não dói mais, e nem lembro em qual braço foi.
  • 81. Mas Maria Elisa, vulgo, "Tia Ilizia", sabia muito mais do que preparar chás ou curar ferroadas com mijo da própria vítima. Sabia ela, com sabedoria de gente velha, amaciar a dureza da alma das pessoas, e suavizar as dores do coração. Sabia porque entendia do assunto. Transferia sua própria dor para a panela onde fritava bolinhos, ou um feijão mexido, um "Tio Bento Ruivo" (farofa de ovo com farinha de mandioca), e na caneca onde preparava um chá de mate, feito com a erva do chimarrão, ao costume serrano de preparar. E desdas panelas, levava, em prato e caneca, ao paciente, que choramingava suas mágoas no canto da velha mesa de pinheiro. Enquanto comia e bebia, ela ia fazendo perguntas, e fazia com que a pessoa falasse tudo o que lhe vinha à lembrança, exceto o motivo da dor. Desta, maria Elisa tinha a perspicácia de pular a página, para as boas lembranças e bênçãos que receberam, no passado, os que choravam no presente, com medo do futuro. - "O futuro, deixa que chegue sozinho, porque D-s (Deus) proverá!" - Dizia ela. A mistura do cozido com chá de mate, eram os chás que aliviavam a carga do desgosto de quem a procurava. Por vezes, nem procurá- la, era necessário, porque ela tinha uma percepção quase sobrenatural. Ela sabia ler expressões, e cheirava, com faro apurado, quando alguém guardava um soluço, por vergonha ou timidez.
  • 82. - "Isso vai passar, meu filho! Deixe nas mãos de D-s!" - Ela repetia. O "paciente" esquecia a tristeza, pelas risadas que ela arrancava, com suas palhaçadas e macaquices, e fazia isso, para que, sem perceber, fossem transferidas para ela, as nossas dores, pois ao final do dia, lá estava ela, soltando as tranças, de joelhos, citando caso por caso do que ouvira, e pedindo intervenção divina no caso. Suas orações eram intermináveis, pois cada vez a lista de pessoas aumentava mais a e mais. A gente passava perto do quarto, e ria de seu balbuciar quase audível: "Pscht, pscht, pscht, pscht...". E dê-lhe oração atrás de oração. Até que as duas tranças estivessem desfeitas, e entrava o pente em ação, e esfregada por esfregada, os longos cabelos brancos se transformavam num véu, caindo na altura da cintura, pois nunca foram cortados, e mais alguns instantes, a velha cama de tábuas, com colchão de palha, e só mais tarde, de espuma, abraçava-a por uma noite inteira do sono dos justos. O chá de cobertas servia para aplacar as suas próprias tristezas, e fortalecer seu espírito para o dia seguinte, que começava muito cedo, com mais uma rodada de "Pscht, pscht, pscht, pscht,,,".
  • 83. PS* Ainda sobre chás, recordo que uma de nossas visitantes era a Senhora Amélia Kraemer, dona do laboratório com o mesmo nome, em Porto Alegre. Dona Amélia, levava sempre junto duas coisas: Seu inseparável crochê, e uma sacola de frutas, e ao voltar, a sacola voltava junto cheia de cascas das frutas, que as enviava para o seu laboratório. Nada era desperdiçado.
  • 84. Tio Gêre - o Padrinho da criançada na Vila Moura Pois tomei por missão pessoal, por dar certo valor à minha afeição às letras e às palavras, isso tudo, associado à parte que ainda funciona da minha memória, em resgatar certo período de minha vida, e neste particular, da infância, não apenas minha, mas de todas as pessoas que foram contemporâneas dos meus primos, os Moura, e aqui nestas memórias, do "Tio Gêre", título nobiliárquico dado ao solteirão convicto, Geremias Elias de Moura, e sua importância na minha formação familiar. E antes que acham que errei, é Geremias mesmo, com "G". Problema do escrivão analfabeto. Eis o causo! Após o retorno à Gramado, minha família foi morar num ranchinho de tábuas de cerne de araucária, que até o presente momento, ainda compõem a casa que pertenceu á minha avó, Maria Elisa, naturalmente ampliada, pintada, e posteriormente vendida. Mas está lá, firme e forte. As mesmas tábuas que testemunharam tantas coisas. Mas não é este o caso, e sim que tal ranchinho foi construído num pedaço de terra pertencente aos primos Francisco Vaz Corrêa Filho (In memorian), e sua esposa, Cândida, irmã de Geremias e dos demais Moura. Havia certo receio de acolher minha família e alguns parentes, aos quais não nominareis, exceto nas coisas boas que fizeram, que apresentaram forte oposição à que minha
  • 85. família fosse assentada próximo deles, ao que Cândida e Francisco fizeram impor sua autoridade sobre seu patrimônio, e disseram: “Não iremos deixar nossa tia, e nossos primos dormirem na rua. O terreno é nosso, e eles podem construir sua casa nele até que deem a volta e comprem seu próprio terreno. Atitude de coragem, e assim foi. O tancho foi construído pelos primos Ananísio Elias de Moura, chamado de ”Ananias" (In Memorian), e Orlando Alves de Moraes, um primo de minha avó. Minha avó foi trabalhar em um restaurante, no Motel Balneário (Motel, naquele tempo não tinha a mesma conotação de hoje. Era apenas um pequeno hotel ou pousada), como auxiliar de cozinha. lavar louças, panelas, toalhas, etc, do Restaurante, pertencente à Família Nelz, mas que era arrendado ao casal Rost, Armando e Lourdes. Minha mãe, voltou a estudar e recebeu emprego de Professora Primária. Meu tio Samuel, então com cerca de 8 ou 9 anos, já trabalhava descascando vime, ou limpando frutas nas fábricas locais. Esaú, (In Memorian), o irmão do meio, trabalhava em serrarias, ou empreiteiras, como ajudante, e mais tarde, motorista de caminhões. E eu, comia as quaresmas, e os restos de comida que minha avó trazia, deixando sempre a melhor parte pra mim, e comendo o resto do resto.
  • 86. Pois foi nesse tempo que, já sem pai ou avô, figuras masculinas importantes na formação de uma criança, que meu saudoso primo "Gêre" (In memorian), adotou-me como seu fiel escudeiro. Foi com ele e Saulo, seu irmão especial (Downiano), que aprendi a tomar chimarrão, todos os dias, antes do almoço, enquanto Tia Zezé (Maria José de Moura)(In Memorian), concluía o preparo do almoço. Ah, que cehiro saía daquelas panelas. Feijão, arroz, batatas, couve, carne, moranga, e como sobremesa, que sempre variava, uma moranga caramelada, uma batata doce, acompanhados de leite gordo, de uma vaca que tinham.
  • 87. Poucos anos depois, minha avó comprou um minúsculo terreno, mais acima, ao lado de onde hoje fica o mercado Rissul, e onde está um dos prédios em ruínas do extinto Artesanato Gramadense (ainda contarei muita coisa deste lugar e pessoas relacionadas, se D-s quiser), do primo Elias Francisco de Moura (In memorian), e ali assentou nossa casinha, já um pouco maior. e mais confortável. Nesse tempo, nos fins de semana, eu passava com Geremias, Tia Zezé, e Saulo, e no sábado, ia com ele para o lugar que chamava de "Chácara", uma pequenina lavoura e pomar, onde tenho as melhores lembranças da infãncia. Passávamos o sábado à tarde lá, e eu o ajudava na lavoura. No meio da tarde, Tia Zezé levava uma cesta repleta de guloseimas com café, e a chamava de "Fristique", do alemão Frühstück, e do yídish: ‫ֿפרישטיק‬ (Lembra que já contei que descendemos de judeus? Pois é! Algumas palavras e costumes, permaneceram no inconsciente dos nossos antigos). Ao final do dia, ele me dava uns trocadinhos, com os quais, eu ia ao matineé, no domingo á tarde, com meus amigos.Geremias não foi especial apenas pra mim, mas todos os sobrinhos e amigos, eram apaixonados por ele. Chegou a montar uma playground todo de madeira, com escorregador, balanços e gangorra, para a diversão da piazada da Vila Moura. Divertido, brincalhão, e sempre sorridente, Geremias caminhava segurando a cuia, na
  • 88. mão, e a garrafa térmica debaixo do braço, servindo mate à todos. De sua chácara, lembro das frutas que gostava: Pêssego, maçã, tangerina, e principalmente uva, ao seu tempo cada uma. Havia porém uma frutinha não plantada, que produzia o ano todo: eram os "Moranguinhos de Sapo", um morango silvestre, com pouco açúcar, mas deliciosos quando preparados com açúcar e égua, comidos de colherinha. Outras frutas que comíamos em sua propriedades, à vontade, sem restrição alguma, eram Guabiroba "Gavirova", Araçá, Pinhão, Goiaba serrana, e quaresma do mato. Uma vez por ano, Geremias e seus irmãos se reuniam num certo domingo, e à sombra de um colossal pinheiro Araucária, abriam uma vala, e ali faziam um churrasco para toda a família. Toda mesmo. Eram algumas dezenas de sobrinhos e agregados que compareciam. E eu era convidado especial. Estas coisas são difíceis de esquecer. E também nem quero. Ao mio dia, ouvíamos as notícias, em seu rádio à pilha com capa de couro, enquanto mateávamos á espera do almoço que fumegava no fogão á lenha de Tia Zezé, fazendo bailar perfumes que iam do feijão, da couve, da carne de panela, da massa caseira refogada na cebola frita, e no café coado, para acompanhar as refeições. Geremias tinha um fusca 1961 ou 1962, não tenho certeza. Verde. original. Com porta-luvas feito de bambu com telinhas de cordão como prateleira. Bem velhinho. Isso
  • 89. foi depois da velha bicicleta preta, que era estacionada em uma pequenina casinha que ficava na metade do morro da descida para sua casa. Mais ou menos a uns 200 metros da estrada principal, e outros 300 metros de sua casa, lá embaixo. A casinha era fechada com uma tramela, e só isso. Nunca foi roubada. Parece fantasia isso, não é verdade? Pois era assim mesmo. A casinha que servia para nosso esconderijo nas brincadeiras de "mocinho e bandido", com a "primaiada" toda. Mas, voltando ao tal fusquinha verde, velhinho, fedido, perguntei a ele a razão de não trocá-lo por um carro mais novo. Respondeu que dinheiro não lhe faltava para comprar outro carro melhor, mas a verdade era que com aquele carro ele levava os pobres, os bêbados, as moças de pouco prestígio, e não precisava se importar com cuidados de asseio no autinho velho, e que ele gostava de servir aos outros, gostava duma festinha com uma e outra daquelas moças, gostava de levar seus pobres de cá pra lá, e que em um carro novo, ele passaria a preocupar-se mais com o carro do que com o bem estar das pessoas.
  • 90. Geremias não era um sujeito religioso, mas também não era nenhum desgarrado da fé. Tinha seu lugar em sua congregação Metodista, e eram frequentes as visitas de pastores e membros de sua comunidade repartindo um almoço ou um churrasco, ou tomando uma taça de bom vinho que fazia em companhia do amigo Giovani Pizetta. E por falar no Pizetta, vou encerrar este capítulos de meu saudoso primo com um episódio divertido que presenciei. Uma vez ao ano, Pizetta ia à casa do Geremias, para auxiliá-lo no preparo do vinho, de suas parreiras. E certo sábado, após o almoço, chega á casa o Pizetta, muito educado, com forte sotaque italiano, mas de um bom português gramatical, e com a mesma educação pergunta ao meu querido primo Saulo, um menino especial, de quem já falei): _ O Geremias está? Saulo, mais que prontamente, em sua inocência hospitaleira, responde à queima- roupa: - Celemia tá cagando! Pizetta, em um sorriso, esperou Geremias chegar. E fomos preparar o vinho. Mais tarde, lembrando e achando graça da situação, contei ao Geremias. Ele respondeu-me:
  • 91. - O Saulo é um bobaião. Eu estava só escovando os dentes. Geremias era uns trinta anos mais velho que eu, mas por essas coisas da vida, entramos no Ginásio juntos, em 1968. Na época era feito um exame de admissão, após o quinto ano primário. Eu não fiz o quinto ano. Apenas presteis os exames, e passei em todos, pois fiz exame de admissão com nove anos de idade, e passei. E neste ano, entraram comigo, além do Geremias, também outras pessoas de mais idade, como Dona Nadir Reis, Antoninho Moreira, Hortêncio Gil, e outros, que um dia vou lembrar quem eram.
  • 92. Por hoje chega, mas tem muito mais. No ano seguinte, se não falha a memória, Geremias tornou-se Presidente do grêmio Estudantil, e fez uma revolução positiva em sua gestão. Organizou festas, rifas, livro ouro, e conseguiu recursos para construir uma quadra de esportes, e montou uma banda marcial com 96 componentes, com todos os instrumentos, uniformes, maestro, e tudo o que uma banda tinha direito. E lamento informar que na minha gestão, muitos anos depois, tive que extinguir a banda, porque quase todo o dinheiro arrecadado pelo Grêmio estudantil, ia para um saco sem fundo da banda, que já estava aos pedaços, e não havia mais como recuperá-la e ainda fazer uma gestão saudável para os estudantes. Mas isso é tema para outra prosa. Vale dizer que Geremias modernizou o atendimento da cantina da escola, e fez muitas outras coisas, que a memória gentil dos ingratos tratou de enterrar no vazio. Felizmente eu ainda lembro disso, e certamente seus contemporâneos também haverão de lembrar.
  • 93. Geremias era apolítico, e estimado por todos, inclusive os políticos. Tive a infelicidade, mas também a honra de acompanhar seus últimos dias, em 1983, mesmo moribundo, ainda brincalhão e risonho, cercado de irmãos e amigos. Chorei o quanto foi preciso chorar a minha perda, mas guardei tanta e tão boas lembranças que o mínimo que devo à ele, pelo carinho que teve por mim, é contar sua história, como espero que um dia, talvez dentro de uns 40 anos após o meu descanso, alguém também conte a minha, que nem é tão interessante assim.
  • 94. O diabo se vestia de preto - Causos e coisas de minhas memórias (Tia Margarida) Pra quem não acredita no diabo, pois saibam que ele existe, é mau, e faz "bem feito" seu trabalho, quando quer, e como sempre quer, então, sobram os respingos da infância roubada de muitas crianças pelo mundo afora. No tempo em que se fala de violência doméstica, dizendo que é um "sinal dos tempos", o que eu também acho que seja, mas estes tempos já começaram há bem mais tempo que parece. O que mudou, é que hoje a imprensa, as ideologias, que se beneficiam da desgraça para buscarem prosélitos pelo ódio e não pela esperança, fazem proliferar pelas redes sociais as histórias escabrosas, pérfidas, satânicas, das coisas que acontecem. Pois o caso deu- se quando, após uma tragédia em família, lá nos cafundós onde eu nasci, minha avó voltou para sua terra natal, Gramado, levando junto os filhos: Minha mãe, e seus dois irmãos, e o traste que vos tecla, então, com cerca de um ano de idade. Pois nesse ínterim, entre a tragédia (que irei poupá-los de conhecer, por ora), e a construção de um ranchinho de tábuas velhas em terreno emprestado de parentes, minha mãe precisou deixar-me aos cuidados do demônio, disfarçado de tia de minha mãe. Vou tentar descrever um pouco do mau caráter do toco seco com duas pernas finas
  • 95. e um nariz afilado e longo, amparado por um olhar ruim, e uma voz angustiante, cuja expressão favorita era, em tom de espanto: "Mistério!". repetia isso a cada coisa que se dizia. Tudo era mistério, pavor, espanto. A Tia Margarida, a quem as ciganas chamavam de "Tia Margurita", para provocá- la. A mesma que anos mais tarde, ofereceu- me melancia, e dizendo que eu havia tomado leite, tirou da minha boca o pedaço guardou no armário para que eu não comesse. Mas o causo começa bem antes. Vou contar-lhes o que sei.
  • 96. Quando ainda jovem, recém-casada, com o Arcílio, conhecido por Alcides, ela encheu a barriga, por baixo do vestido preto que sempre usava, com trapos, dando a impressão de uma gravidez, que nunca aconteceu, para que o marido não fosse convocado a servir o Exército, em tempos de revolução (lá por 1923). Pois o traste tanto infernizou a vida de meus avós, que eram proprietários de terras, onde hoje se localiza a Expo Gramado, e todo aquele morro, num total de 50 hectares, que, acompanhados de minha bisavó, venderam sua parte na herança, e foram embora. Como nômades, passaram por várias terras (Canastra, onde tinham armazém e moinho, destruído por uma inundação), Barragem do Salto, onne também tinham armazém que vendia fiado aos construtores da barragem, cuja empresa faliu, e com isso, arrastou meus avós a buscarem outras terras lá por São Francisco de Paula, e finalizaram onde nasci, na costa do Rio das Antas, um lugarejo chamado “Serra do Pinhão”, nas proximidades de Cazuza Ferreira.
  • 97. Pois lá, após a tragédia de que falei, uma carreta de mulas transportou as tábuas do rancho e suas matalotagens (pertences sem valor0, junto com a família destroçada, e o escriba do presente causo. E assim, minha mãe precisou deixar-me aos cuidados de alguém, para auxiliar a família nas arrumações da nova vida. E a escolhida foi a tal Tia Margarida, que de imediato pegou afeição pelo pacotinho que mijava nas fraldas, e enquanto minha mãe estava ausente, a velha se desmanchava em alegria. Até meu nome foi trocado, pois pela minha certidão de batismo católico (sim senhor, já me fizeram católico por conta de meu pai que seguia essa tradição), era chamado de "Paulo Calso Cardoso Borges dos Reis". A velha, porém não gostou do nome, e deu-me o nome de "Hugo Luís da Silva". Levou-me ao médico, o saudoso Dr. Erico Albrecht, e deu este nome na ficha de pacientes. (Anos mais tarde, quando trabalhei por duas vezes no hospital, contei a história, e perguntei ao Dr Erico, se ainda existia tal ficha. Ele riu, e disse que sabia quem era minha família, eram amigos, e conhecia a história, pois meu avô Assis Brasil, falecera sob seus cuidados, naquele mesmo hospital, dias antes, e não deu bola pra velha maluca).
  • 98. Alguns dias mais tarde, minha mãe foi visitar-me, e nesta ocasião, a velha recebia outras pessoas também. Serviu a todos, um lauto café com mistura, acompanhado de um queijo serrano, comum à época. Todos comiam e conversavam, felizes, e o futuro escriba engatinhava pelo chão, próximo à mãe. A velha, então, descasca o queijo para as visitas, e atira ao chão as casquinhas para que eu comesse. Minha mãe, ao ver aquilo, recolheu as cascas, e trocou pelo queijo servido à ela, comendo em meu lugar as casquinhas. A velha Margarida, contrariada, disse que não deveria fazer aquilo, porque o guri precisava aprender, ao que minha mãe a contradisse, dizendo que ela não permitiria que seu menino comesse cascas de queijo, enquanto ela comesse o miolo da iguaria. Suas palavras foram: - “Meu filho não precisa comer isso. Deixe que eu como, Belzebu, digo, Tia Margarida” (Aditivo maligno acrescentado por minha conta). - “Meu filho?” - Esbravejou a velha. Tu disse “meu filho? Pois se é ”teu filho", leva essa sarna daqui!". E ela levou mesmo. Poucos anos se passaram, e a velha, que não deixou de remoer o podio por aquela desfeita, tratou de resolver a situação, e adotou um lindo menino (o garboso da foto, com chapeuzinho), para mostrar à minha família, “como é que se criava uma criança”.
  • 99. Anos mais se passaram, e minha mãe, professora de nós dois na Escola Olidio Moura, certo dia, recebeu o menino, atrasado, cabisbaixo, e meio choroso, que entrou e foi assentar-se no fundo da sala, sozinho. Minha mãe, percebeu que havia algo errado, e o chamou para fora, pois percebeu manchas na sua camisa branca, tipo "Volta ao Mundo" (quem tem mais de 60 anos saberá o que eram), e pediu que ele tirasse a camisa e mostrasse as costas. Estavam lanhadas de marcas de cinta, de tanto apanhar. Para bater nele, a velha fazia assim: segurava o menino, enquanto o velho Arcílio, já entrevado, assentado em uma cadeira de palha, batia com uma cinta, um pedaço de pau, uma vara, ou o que estivesse ao seu alcance. Minha mãe tomou alguma providência, junto à família e um primo, Elias Francisco, assumiu a tutoria da criança, pois era o inventariante e auxiliava os velhos, o que o fez até que tivesse ido se preparar para o juízo final. Depois deu ao moço, anos mais tarde, sua parte na herança, e nunca mais ouvi falar dele. Uma pena, Um grande amigo e primo, que penou as penas cuja única culpa eram da velha diaba que vestia de preto.No dia que morreu, o traste, os pertences foram inventariados, segundo seu desejo, e lá para minha casa, foi enviado um belíssimo relógio de parede, ao qual minha avó mandou ser devolvido imediatamente, pois só o ouvir das batidas das horas lembrava
  • 100. cada ato de maldade da velha. Fiquei meio triste, porque eu tinha planos de desmontar o relógio, para ver como funcionava. Paciência. É dura, mas esta é a história que vale a pena ser lembrada, pois aquela descgraça serviu para que minha família fosse unida. Pelo menos por algum tempo. Mas foram bons tempos. Livres do feixe de urtigas vestido de preto, com um lenço também preto, amarrado á cabeça. Cabeça que só serviu para imaginar maldades, e depois dizer: "Mistério!"
  • 101. Uma prosa pra ser contada No frio inverno do tempo, me tapei de solidão vesti um manto de aurora, me enrodilhei na geada prendi saudades no laço fiz da esperança, uma estrada. No frio minuano da sorte vi que a morte é lembrada ainda que venha tarde Chegando devagarito, sorrateira, sem alarde, é o doce amargo que arde a acidez do limão o beijo com gosto de adeus, o frio aperto de mão. Atravessei madrugadas conversando com as estrelas mateei com primaveras eram chinocas faceiras enfeitadas de quimeras.
  • 102. Bebi orvalho na guampa redesenhando a estampa do tempo que lá ficou. No bornal eu levo os sonhos nos braços, a prenda amada no peito carrego, dentro uma paixão esquecida um amor correspondido e uma dor, que é quase nada. Branqueiam os campos da história nas melenas invernais tempos que abraçaram o vento coisas que não voltam mais. Brandindo a adaga da sorte eu me recolho no pala que é rancho de quem se foi bebo a água doce da sanga durmo da relva sagrada a Santa Ceia do boi. Aqui me guardo pra história e me visto de verdade o meu canto é de saudade
  • 103. dos velhos tempos de glória. Vivencio aquilo que lembro e invento o que não sei mais pero ainda sou capaz de retomar uma prosa como um moço que se declara à sua prenda formosa. Deixo aqui meu epitáfio que vou carregar muito em vida sou valente e não covarde Pois o mesmo aço que arde no tilintar da peleia é o ferro que depois corta a terra que dá a ceia. E como aço e ferro batido mesmo ainda, que ferido hei de lutar com bravura se for chamado pra justa, pois só o que me assusta é morrer sem ter vivido.
  • 104.
  • 105. O Risca-faca da Rua do Pau-pega, e o Salão do Bate-Parma Os trejeitos povoeiros sempre foram um tema de interesse de minhas buscas para inspiração literária, e volta e meia, ouço algum destes, muitos dos quais me fazem embarcar em uma viagem ao passado, onde ouvi todo tipo de gíria (ou não), considerada vulgar, mas que ao cabo de tempos, consegui associar à linguagem matriz dos pioneiros de nossas terras. Somos ricos em vernáculo, e pobres em memória, não esta memória do que tomamos no desjejum, mas da memória que construiu nossa cultura. Não alimentamos estas memórias, antes buscamos desesperadamente aprender e assimilar novas gírias cibernéticas, para que não sejamos tomados por antiquados, amorfos, alienados desta nova civilização que está sendo formatada pelas mãos e não pela mente.