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FACULDADE MORAES JÚNIOR – MACKENZIE-RIO
CURSO DE DIREITO
MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO
DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XXI -
A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
Wagner Winter Moreira – Matr. 3070450-2
Rio de Janeiro, 2011
II
Autor: Wagner Winter Moreira – Matr. 3070450-2
DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO
XX - A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Trabalho apresentado como requisito parcial para
aprovação do curso de Direito da Faculdade Moraes Júnior
– Mackenzie Rio.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Roberto de Freitas
Almeida
Rio de Janeiro
III
2011
TERMO DE APROVAÇÃO
DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XX -
A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
Trabalho Final de Curso defendido por Wagner Winter Moreira, apresentado ao curso de
Direito da Faculdade Moraes Júnior – Mackenzie Rio e ________________ em ____ de
dezembro de 2011 pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
Prof. Dr. Fernando Roberto de Freitas Almeida
_______________________________________
Professor: ______________________________
________________________________________
Professor: ______________________________
________________________________________
Rio de Janeiro
2011
IV
DEDICATÓRIA
VERINHA
O poeta Milton Nascimento
Falou do amor que arde no peito.
A folha da juventude é o seu nome,
Cujos momentos foram podados,
Desviaram seu destino.
Mas em tudo e apesar de tudo,
Prevaleceu em um sorriso de menino.
O amor é a união de corpos e de almas;
Há de resistir, de florescer;
Vivenciar que não há impossíveis.
E o tempo, é um relógio mágico,
Que anda em sentido anti-horário;
Tudo o que é tem um novo sentido, a cada momento.
É a primavera, natureza que se renova,
Noviças folhas que brotam
São os amores, tão sonhados, que renascem
Vão provocar a união de ardentes corpos
rejuvenescidos.
Sorrisos de crianças, tudo se refaz!
Os perfumes inebriantes dos corpos apaixonados
Ardentes de desejos, que o outono desfez,
O inverno feriu, mas a primavera recompôs.
São os odores de uma memória de eternaidade
Corpos que exalam odores únicos no universo.
Cada corpo tem o seu cheiro, nada é igual!
Atraem os mais luxuriosos desejos de amor,
São sempre luxuriosos os verdadeiros amores
É desejo juvenil, que faz descompassar o coração.
Calafrios pelo corpo, respiração ofegante.
Força da natureza renovada, quem pode calar?
É preciso falar
Está ardendo no peito
Caminhou horas pelo ar
Mas é o meu grande amor, a fonte da minha juventude.
Wagner Winter – Rio de Janeiro, 25/07/2011
V
AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos são atos formais da razão, quando a mesma reconhece ter recebido
algo. É gesto de retribuição! Se conheço um pouco do racionalismo humano, é reconhecendo
com gratidão, que nossa razão faz o ritual de expiação pelo não saber, pelo que lhe foi
ensinado, e tal gesto compensa o esforço de quem nos deu oportunidades e saberes, que
amadurecerão e florescerão, até que, na época certa, frutificarão diferentemente das sementes
recebidas.
Por isso, existem fatos que não podem ser agradecidos, são de tamanha grandeza que a
nossa razão não merece o benefício da expiação. Há de levar para toda a eternidade a
consciência do que recebeu, dos valores que se lhe ofereceram, sem os quais, estaria vagando
pelos corredores das ideias, dos conhecimentos a priori.
Desta forma, faço o registro neste que será, ao meu sentir, um memorial sagrado do
tempo de novos conhecimentos e de novos caminhos.
Registro que o Prof. Dr. Fernando Roberto de Freitas Almeida me ensinou muitíssimo
mais do que elaborar uma pesquisa e a construir um texto monográfico. Além de ter percebido
o quanto de dedicação é necessária à leitura e reflexão, vivenciei, no dizer de Rubem Alves
(1981) a ação de um Jequitibá, de um verdadeiro Mestre Educador; professor por uma ficção
legal, Doutor por diletantismo, mas educador por essência. Ainda no dizer de Rubem Alves
(Conversas com quem gosta de ensinar, Cortês, p. 13) [...] “os educadores são como velhas
árvores. Possuem uma face, um nome, uma “estória” a ser constatada. Habitam um mundo em
que o que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma “entidade” suis
generis, portador de nome, também de uma “estória” [...]”. E foi a partir das minhas “estórias”
que se iniciou o processo educativo, denso, estimulador da pesquisa, do confronto das ideias,
da clareza textual. Não posso saber se a banca aprovará o trabalho monográfico, como,
também não sei se o reescreveria da mesma forma, muito provavelmente não, já levantei voo
da época que o comecei. É essa a razão de ser dos educadores.
Não posso deixar de registrar neste meu Memorial a amizade e o empenho do Dr.
Guilherme Simon e do Rev. Cid Pereira Caldas para que o Instituto Presbiteriano Mackenzie
me concedesse bolsa integral para todo o curso, sem que os valores fossem lançados na cota
filantrópica, fato fundamental para que eu pudesse chegar até aqui.
VI
Se não devo realizar a expiação do meu não saber, mas levar na minha consciência
tudo o que recebi, ao menos, posso oferecer a todos as mais sinceras homenagens pela
extraordinária lição que compõem suas vidas. Muito Obrigado.
SUMÁRIO
RESUMO 7
ABSTRACT 7
1. INTRODUÇÃO 8
1. VISÃO CONCEITUAL DO TEMA 11
2. APRESENTANDO OS PARADIGMAS 16
3. A ERA DOS NOVOS VALORES 23
4. PROLEGÔMENOS DA METAFÍSICA 37
5. A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 44
5.1. A Desconstrução da Principiologia no Direito Brasileiro 44
5.2. A Hermenêutica do Absolutismo Positivista 45
5.3. A Desconstrução do Racionalismo Kantiano 47
5.4. A Matriz Econômica do Direito Brasileiro 54
5.5. A Principiologia dos Valores 57
CONCLUSÃO 62
BIBLIOGRAFIA 64
7
RESUMO INDICATIVO
Este trabalho tem por fulcro a pesquisa qualitativa nas teorias do Direito, uma visão sobre
problemas de fundo, que necessitam de abordagem aprofundada, nem sempre abordada pela
bibliografia tradicional. Constatou-se a aplicação de métodos oriundos do sistema common
Law pelos Tribunais de Justiça, em especial pelo Supremo Tribunal de Justiça – STF, um
sistema de princípios por vezes desorientado, com uma doutrina positivista que venera a
Constituição da República e transforma as demais Leis em normas textuais. Outra constatação
foi a profunda ligação do com a economia. Hodiernamente, não existem disputas sociais sem
fulcro econômico. A pesquisa procura levantar as questões mais relevantes, oferecendo opções
de correção de curso a partir do seu desenvolvimento.
ABSTRACT
• This study has the purpose of analyzing qualitative researches in the
core theories of Law. It shows a view on substantive issues, which requires a
profound approach, which is not always used by the traditional literature. It also
shows the application of methods from the Common Law system by the courts of
Justice, mainly by the Supreme Court, a system of principles often disoriented, that
follows a positivist doctrine, that venerates the Republic Constitution and
turn other laws in textual norms. Another finding was the profound link with the
economy. Nowadays, there are no social disputes that are out of the economic
fulcrum. The research seeks to raise the relevant issues, offering options for a new
course of action.
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por fulcro propiciar à comunidade acadêmica, bem como a
potenciais leitores interessados em pesquisa qualitativa nas teorias do Direito, uma visão
sobre problemas de fundo, que necessitam de abordagem aprofundada, nem sempre abrangida
pela bibliografia tradicional. Visa também a ensejar o autor a prosseguir no desenvolvimento
de pesquisa na área da Filosofia do Direito, partindo destes rudimentos do pensar, próprios de
uma monografia de bacharelado, à possível formulação de uma tese doutoral.
Trata-se de pesquisa baseada em métodos qualitativos. Como bem apontou Jodelet
(2010, pág. 31) “é no campo da aplicação das ciências humanas e sociais à resolução de
problemas práticos que a demanda em matéria de pesquisa qualitativa fez-se mais premente,
levando ao refinamento dos procedimentos.” Tal demanda, mostrou esta autora, é facilmente
observável em suas manifestações sob a pressão dos problemas formulados em diferentes
setores da atividade humana e dos movimentos sociais. Primeiramente, demandas do mundo
do trabalho, ou do estudo das organizações. Depois, preocupações com as pessoas em si, em
um mundo de transformações aceleradas, onde pode estar faltando um certo “campo
unificado”, como já foi o caso da Filosofia Moral, até o século XVIII, e, a seguir, o âmbito
dos movimentos sociais, com impulsos trazidos por diversos novos estudos, derivados de
novas necessidades, que se chocam com paradigmas por vezes de há muito tempo
estabelecidos.
Em face dos objetivos maiores, procurou-se estabelecer um desenvolvimento lógico
diverso da lógica costumeira tão bem ensinada aos discentes durante anos. Tornou-se, desta
forma, imprescindível desvendar o pensar lógico do autor para melhor compreensão da
disposição dos textos e dos motivos que o levou ao desenvolvimento de tal formulação.
De plano, optou-se a apresentar a teoria e a realidade do Direito brasileiro e o
conflito entre a doutrina e a práxis, bem como os autores que influenciam o Direito
hodierno. Lançaram-se questionamentos que ainda não se tenciona responder no presente
momento, mas que se pretende um dia fazê-lo. O conceito, que se buscou apresentar no
primeiro capítulo, é exatamente um conflito, que não se limita a questões doutrinárias, mas
à mudança do eixo do poder republicano com o alijamento do Poder Legislativo e a adoção
de práticas do sistema denominado common law. Tal pensamento foi claramente exposto no
falar do dr. Eros Grau (2004) a cerca do que seria modernamente a norma jurídica.
O segundo capítulo vem trazer, complementarmente, a lembrança das tradições
positivistas do Direito brasileiro, bem como a sua importância histórica, em especial pela
9
ausência de significativos períodos de regime democrático. Não obstante o destaque ao
Positivismo jurídico houve-se por bem, detalhar mais amiúde as novas hermenêuticas, os
novos paradigmas e a contradição conflituosa com as tradições positivistas do Direito
brasileiro, em particular, objetivando-se destacar a mutação conceitual da norma jurídica.
Após tratarem-se isoladamente as questões puramente de Direito, procurou-se
dialogar com outras ciências afins. Desta forma, a Economia, a Sociologia e a Filosofia,
através de consagrados autores, entraram em cena para revelar um Direito coadjuvante,
em especial, das Ciências Econômicas. De forma muito contida, procurou-se demonstrar
que o Direito vem validando práticas liberais por séculos e, ao que parece, a economia
mundial chega a sua pior crise, destarte, elevando Karl Marx da posição de um filósofo
teórico a um profeta da economia liberal. Procurou-se desmistificar as ciências jurídicas
ao afirmar-se não existirem conflitos sociais sem causa econômica.
Para melhor compreensão dos temas tratados, buscou-se o máximo de textos
autorais, destacando-se: Kant, Nietzsche, Rubem Alves, Zygmunt Bauman, Habermas,
Häberle, Liszt Vieira, Leonardo Vizeu Figueiredo, Hans Kelsen, Luís Roberto Barroso, Tércio
Sampaio Ferraz Jr., Orlando Gomes, José Afonso da Silva, Paulo Nader, Carlos Maximiliano,
Ives Gandra Martins, Olavo de Carvalho e outros. Confessa-se que de todos os autores Kant
foi o que se trabalhou com maior intensidade, em especial, por ser o mentor do Positivismo e
ter posto a metafísica no centro de sua produção literária. Percebeu-se que a metafísica é
figura central do pensamento humano, desde os pré-socráticos até os pensadores dos dias
atuais. Apenas Karl Marx descartou a metafísica da centralidade de sua obra, razão pela qual
optou-se em incluir, a inspiração de Kant, Os Prolegômenos da Metafísica, desconstruindo o
racionalismo agnóstico em Marx, aproveitando-se o magnífico texto de Rubem Alves.
A conceituação de religião e Teologia são novas propostas de compreensão de tais
fenômenos, as quais se pretende aprofundar por serem componentes intrínsecos ao ente
humano e, consequentemente, a toda a sua cultura.
A proposta seguinte encerra a presente pesquisa e funda a área de pesquisa a ser
empreendida. Para isso, buscou-se desnudar o que os teóricos chamam de Princípios do
Direito, o que não podem ser considerados sequer como silogismos erísticos, pois
frequentemente são frases impensadas e impróprias com o fulcro de justificar a aplicação da
norma jurídica, tão irrefletida quanto os chamados princípios. A pseudo-hermenêutica é outra
farsa que visa a ocultar truculento Positivismo autoritário, dando ao Judiciário, em especial,
10
ao Supremo Tribunal Federal – STF, o status de concílio, sendo o STF, o supremo concílio da
corruptela dos sacerdotes em relação à verdadeira hermenêutica jurídica, inquestionável!
A desconstrução do racionalismo kantiano não se pode considerar conclusa, porém
Olavo de Carvalho (1996) consegue colocá-lo em dúvida de validade. Neste caso, a dúvida é
vital para uma nova proposta de Princípios Legítimos do Direito, o que não pode acontecer no
Direito brasileiro sem resolver o modelo macroeconômico, visto que o Estado, ao ver de
Gandra, compõe uma classe ociosa vebleriana, de facto.
Inscreveram-se, no corpo do texto, notícias publicadas em mídias estrangeiras, na
medida em que se concluíam os capítulos, para proporcionar uma visão global não apenas
teórica, mas tendo-se a visão real dos acontecimentos de agora. Afinal, os autores que
defendem a abordagem qualitativa concordam que ela é “a única a permitir um tratamento
holístico, natural e dinâmico dos fenômenos estudados” (JODELET, 2010, pág. 31)
Optou-se por manter um texto denso de conteúdos transcendentes que necessitam
de reflexão, sendo assim, conseguiu-se, a priori, não estendê-lo mais do que o necessário.
Evidentemente, seria possível dialogar-se com o texto constitucional e demonstrar que, o
mesmo, não nasceu de uma ação de vontade criadora, mas de circunstâncias populistas,
dado o momento vivido pelo país, com políticas extremas em resposta ao pós-regime de
exceção em que se encontrava a sociedade brasileira. Quando se cria a norma jurídica,
para depois achar um princípio onde ela possa se encaixar, ou, ainda, quando a premissa
principiológica é falsa, a norma não gera os efeitos supostamente esperados. Assim, foi a
evolução epistemológica, ou as revoluções nos paradigmas da pesquisa, que conduziu ao
descarte de uma criteriologia positivista e ao surgimento de uma preocupação qualitativa
apta a responder às exigências dos novos fenômenos humanos e sociais.
Espera-se ter-se produzido não só um modesto ordenamento textual de reflexão do
Direito brasileiro, mas uma proposta de pesquisa que possa em breve futuro, contribuir para
melhores condições das sociedades, em especial a sociedade brasileira.
11
CAPÍTULO I
VISÃO CONCEITUAL DO TEMA
Toda pesquisa tem um ponto de partida necessariamente bem definido e, como
apontou Teixeira (1999 p. 153), “em ciência, a pergunta é tudo. Não pode haver boa resposta
para uma má pergunta”. Convém, portanto, que se comece o presente trabalho com a
apresentação de conceitos fundamentais para uma boa resposta ao problema apresentado.
No registro oportuno de Friede (2010, p. 10):
Não obstante a tese segundo a qual o Direito se constitui em efetivo ramo
cientifico ter sido negligenciada no passado por expressiva parcela de estudiosos,
na atualidade contemporânea é, no mínimo, majoritária a posição doutrinária que
entende o Direito como autêntica e genuína Ciência Autônoma.
Ainda que se possa discutir se o Direito constitui-se na própria ciência, em sua
descrição conceitual, ou, ao contrário, restringe-se apenas ao objeto de uma
ciência (a chamada Ciência do Direito), a verdade é que, no presente momento
evolutivo, poucos são os autores que ousam desafiar a visão dominante do Direito
como ciência e suas principais consequências, especialmente após o advento – e,
sobretudo, a leitura técnica – da notável obra de HANS KELSEN, Teoria Pura do
Direito, em que o autor logrou demonstrar, na qualidade de mentor do
racionalismo dogmático (normativismo jurídico), a pureza jurídica do Direito em
seu aspecto tipicamente científico.
Mesmo assim, entre nós, ainda existem aqueles que simplesmente defendem o
ponto de vista do Direito como uma forma não-científica, desafiando não só o
caminho lógico-evolutivo do estudo do Direito, mas, particularmente, a acepção
mais precisa (e correta) do vocábulo ciência.
Friede (2010) transcreve a opinião oposta, de Paulo Jacques (Curso de Introdução ao
Estudo do Direito, data, p. 10-11):
“(...) não é rigorosamente científico denominar o Direito de ciência (...) As
pretensas ciências sociais, com ranço comtiano, onde se costuma incluir o Direito
(...) não oferecem princípios de validez universal que lhes justifiquem a
terminologia (...)”.
12
Cita igualmente Geny (1927, p. 69/71) que afirmou “O Direito não é ciência, mas arte,
como também ramo da moral”, ao que se complementa a visão de Pedro Lessa (1912, p. 46):
“As regras do Direito são preceitos artísticos, normas para fins práticos, determinações,
ordens, que se impõem à vontade. Não se confundem com as afirmações científicas, que se
dirigem à inteligência”.
A presente pesquisa teve início no ano de 2007 tendo sida resumida, inicialmente, em
texto de 74 páginas. À época, as literaturas consultadas por orientação acadêmica, como
também os artigos publicados em sítios renomados, de modo geral, abordavam a pseudo
desconstrução do Positivismo e a tentativa de inserção da principiologia hermenêutica como a
nova visão de aplicação das normas jurídicas. Contudo, não parecia existir uma definição
clara sobre a nova onda do Direito inaugurada no pós II Guerra Mundial. Em outras palavras,
a Ciência do Direito, de acordo com a proposta pedagógica em vigor consiste nas doutrinas
neopositivistas. A literatura disponível, tanto nas notas bibliográficas das ementas do curso,
quanto na literatura encontrada na biblioteca da faculdade, correspondia aos autores clássicos,
tais como: Luís Roberto Barroso, Tércio Sampaio Ferraz Jr., Orlando Gomes, José Afonso da
Silva, Paulo Nader, Carlos Maximiliano, Hans Kelsen entre outros da mesma linha
doutrinária.
Pode-se aferir tal dimensão na exposição de Luís Roberto Barroso em seu livro O
Direito Constitucional e a Efetividade da Norma (Renovar, 2002, p. 279-281) “A experiência
constitucional brasileira revela a ausência de um constitucionalismo normativo sintonizado
com a realidade social e apto a conformá-la juridicamente”. Tal crítica se funda, ainda
segundo Barroso, nas muitas Constituições havidas no Brasil, o que ocasionou a proliferação
de portarias1
e jurisprudências, gerando uma graduação entre as normas e o posicionamento
jurisprudencial. Percebe-se de plano que o normativismo é o fulcro de suas atenções.
Destarte, cumpre observar, preliminarmente, que a Ciência do Direito, conquanto não
ser mais perscrutável como ciência de fato no conceito majoritário da doutrina, não se pode
olvidar que sua metodologia pode ser considerada perfunctória2
.
Até o presente momento, o curso de Direito optou por autores que trazem às pautas
das discussões o neopositivismo valorado de princípios, porém, o mundo vivencia há quase
1
BARROSO, Luís Roberto. “A Efetividade das Normas Constitucionais”, in: O Direito Constitucional e a
Efetividade da Norma, Rio de Janeiro: Renovar, 2002. (p. 76)
2
Opinião do autor
13
sessenta anos as tensões geradas pelo exorcismo do positivismo Kelsiano e a entronização da
escola da filosofia hermenêutica e do neoconstitucionalismo que, no registro de Caixetai
, é
tratado como:
“Nova Hermenêutica do Século XX”, “a saber: a) A Tópica de Viehweg; b)
O Método Concretista de Konrad Hesse; c) O Método Concretista de Friedrich
Müller; d) A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição de Peter Häberle; e)
O Método Científico – Espiritual de Rudolf Smend. Apesar das pertinentes críticas
das quais foram alvo, todos esses métodos têm o mérito de terem contribuído, de
uma sorte ou de outra, para uma melhor interpretação dos textos em matéria de
Direito Constitucional”3
.
Na visão do autor, no Brasil, em especial, a Escola da Nova Hermenêutica
Constitucionalista, foi adotada pelo Positivismo fundamentalista, valendo-se das Escolas
Neopositivistas e sob o total controle do Poder Judiciário.
Recordando a história do Direito, a hermenêutica jurídica clássica foi fundada por
Savigny,4
fundamentando a dogmática jurídica com o elemento crítico e elevando o direito à
categoria de ciência. Graças a Savigny, os chamados cânones tradicionais se estabeleceram.
São eles: a) a interpretação gramatical; b) a interpretação lógica; c) a interpretação
sistemática; d) a interpretação histórica5
. Bobbio amplia os cânones hermenêuticos aos meios
da interpretação textual, buscando, sempre pelos meios positivistas, compreender a vontade
do legislador, a saber: a) meio léxico (filológico); b) meio teleológico; c) meio sistemático; d)
meio histórico6
.
Segundo Amaral (2000)ii
,
Hans Kelsen por não considerar o direito como uma ciência do espírito não deixou
nenhum método ou formulação hermenêutica. Kelsen via a sentença como um ato
de conhecimento, uma decisão que dependeria simplesmente do ato intelectivo. O
juiz deveria encontrar uma interpretação dentre as várias possíveis na moldura
normativa ou ainda na letra da lei7
.
3
Artigo: Reflexos da “textura aberta do direito” para a aplicação das normas jurídicas. Francisco Carlos Távora
de Albuquerque Caixeta: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4346 acessado em01/05/2011
4
Friedrich Carl von Savigny, 1779 – Berlim, 1861) fundador da Revista da História para a Ciência do Direito,
órgão da Nova Escola Histórica, de que foi o principal representante.
5
Jus Navigandi, Desenvolvido pela Jusnavigandi, 2005. Apresenta informações sobre Direito e doutrina,
informações acadêmicas e textos diversos da área de Direito.Disponível em: http://www.jus.com.br. Texto "As
lacunas da lei e as formas de aplicação do Direito - texto de Júlio Ricardo de Paula Amaral". p. 2-3
6
Op. cit. P.7
7
Opus citum, Amaral, 2005. p. 10
14
Nader (2006) insere a norma jurídica como de fundamental importância no estudo da
Teoria Geral do Direito, defendendo que tais normas se referem à substância própria do
Direito, uma vez que as mesmas dispõem sobre os fatos e consagram valores, tornando-se o
ponto culminante do processo de elaboração do Direito e o ponto de partida operacional da
dogmática jurídica, cuja função é sistematizar e descrever a ordem jurídica vigente. Afirma,
ainda, que o conhecimento do Direito implica no conhecimento da norma jurídica e no seu
encadeamento lógico e sistemático8
.
No Brasil, porém, corroborando com a visão do autor, a “Nova Hermenêutica do
Século XX”, especificamente a tese de Peter Häberle, percebe-se a adesão de sua forma
interpretativa, quase que absoluta, pelo Supremo Tribunal Federal – STF, cujos Ministros e
ex-ministros defendem o neoconstitucionalismo, não só como uma mudança integral nos
métodos hermenêuticos, mas mudando o conceito normativista jurídico9
, a exemplo das
observações do ex-ministro Eros Grau (2004):
[...] a vida é inquietude. O Direito faz parte dela, compõe a realidade. E a
realidade não para quieta. Disso se desdobra, na concepção de uma doutrina efetiva
do direito, a compreensão da interpretação do Direito como trabalho de construção
da norma jurídica. Norma e texto são coisas diversas. O que, por exemplo, poderia
nos levar a discutir, como dizia Tarello, a validade do Direito em dois pontos, ou
melhor, sob dois aspectos, o da validade do texto e o da validade da norma. Insisto,
parenteticamente, que a norma é produzida pelo intérprete10
.
Diante do exposto, surgem duas indagações de relevante importância para o estudo e
interpretação do Direito:
a) Qual o fulcro da Ciência do Direito?
b) O que é, de fato, a Norma Jurídica e como interpretá-la nos dias atuais?
A busca para responder os questionamentos acima pertence aos juristas doutrinadores,
mestres e doutorandos do Direito e à magistratura. Fato inequívoco é que o momento é de
transição, ou, para alguns, de transformação evolucionista, cujos paradigmas estão sendo
criados, tanto no aspecto teórico como no empírico.
8
Nader, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, 27ª edição. Rio de Janeiro, Forense, 2007. p. 83
9
Mendes, Gilmar Ferreira e Vale, André Rufino do. O pensamento de Peter Häberle na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal do Brasil. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional - núm. 12,
julio-diciembre 2009, pp. 121-146.
10
Grau, Eros Roberto Et al. O Que é Filosofia do Direito. Editora Manole: São Paulo, 2004. P. 48
15
Cabem mais alguns questionamentos complementares, que ensejam uma análise de
natureza orientadora pragmática, em especial, para os advogados que postulam em favor de
milhões de pessoas diariamente:
a) Em que tipo de textura devem-se basear para criar a tese que defenda os Direitos
dos seus clientes? Usarão um texto jurídico ou uma norma jurídica? Se em Primeira Instância,
ainda é prevalecente o conceito de norma jurídica estabelecida pelo legislador ordinário, em
recurso extraordinário ao STF, se lá chegar, mudam os paradigmas com relação ao texto e à
norma, só não mudam as peças iniciais do processo.
b) Em sendo o julgador que, por um processo hermenêutico, cria a norma jurídica na
proclamação sentencial, não ensejaria um prejuízo à ampla defesa da parte prejudicada?
Conceitualmente, nada mudou efetivamente no mundo acadêmico e doutrinário,
continua-se aceitando o sistema jurídico civil law e os chamados cânones tradicionais de
interpretação das normas jurídicas, contudo, percebem-se no dia a dia do Poder Judiciário
inúmeras mudanças, sendo, algumas, verdadeiros enigmas no que diz respeito às tradições do
Direito Brasileiro, ao regime Democrático de Direito, a partição igualitária dos Poderes da
República, como também a prática de cânones hermenêuticos muito mais próximos do
sistema jurídico common law, onde o Direito é elaborado por juízes mediante decisões que se
tornam vinculantes para casos análogos posteriores, ou seja, a norma jurídica perfeita, até
então a base do Direito Pátrio, passou a ser mera sugestão textual sem que houvesse uma
ruptura sistêmico-jurídica no Direito, bem como a apostasia aos princípios do neopositivismo.
Tamanho enigma traz à lembrança duas máximas do Senador Antônio Carlos
Magalhães, publicadas em 2007 pelo O Globo Online, a primeira traduz o seu pensar sobre o
poder: “O poder é a maneira de transformar uma ideia em realidade. Mas é só para quem
tem apetite: quem não tem pode usufruir das mais diferentes oportunidades de mando que
não vai conseguir mandar”;11
a segunda, ensina aos poderosos as melhores práticas da
distribuição de derivativos do poder:
“A arte da política consiste em saber dar a cada um o que ele espera de
você. Alguns querem proteção, um emprego, por exemplo. Outros querem dinheiro.
Há um terceiro tipo, que busca poder, o prestígio, até mesmo um carinho. Se você
11
AS MÁXIMAS DE ACM - O GLOBO 2007 - Publicada em 20/07/2007 às 02h47m - Retirado do site pessoal
de Antonio Carlos Magalhães. http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/07/20/296879344.asp acessado em
21/10/2011
16
confundir as demandas, oferecer dinheiro a quem quer carinho ou poder a quem
quer um emprego, arrumará um inimigo”.12
De certo que se percebe o flambar das tradições jurídicas brasileiras; resta
identificar os agentes e conhecer com profundidade do apetite e das práticas distributivas
dos derivativos inerentes ao poder.
CAPÍTULO II
APRESENTANDO OS PARADIGMAS
O Direito tem acompanhado as grandes discussões da Filosofia através dos tempos e
sua conceituação como ciência é relevante, pois advêm da discussão filosófica sobre o que
seria ou não ciência. Foi no período do racionalismo filosófico que se buscou com mais
consistência e independência processos de conhecimento metodizados que auxiliassem aos
estudiosos a ordenação dos elementos objetivos e subjetivos de cognição. Até o final do
século XVIII, na Europa, o Direito situava-se no âmbito da Filosofia Moral, juntamente com a
Economia Política. Os conhecimentos de Direito foram fundamentais aos filósofos morais,
como Adam Smith, presbiteriano escocês, fundador da Escola Clássica de Economia, bem
como a Jeremy Bentham, um radical-filósofo, postulador do Utilitarismo.
O Direito, por ter uma origem econômica consuetudinária e subserviente ao poder
dominante, não foi a priori, considerado como uma ciência até o surgimento do Positivismo
Jurídico, que por coerência essencial, formulou o Direito metodologicamente ordenado e
dogmático, por tanto, cientificamente13
.
Constata-se que a grande questão vivenciada pelo Direito hodierno brasileiro está
atrelada à forte influência da Escola Positivista, base do pensamento republicano no país, no
século XIX, contrapondo-se em vero enfrentamento, ao neoconstitucionalismo14
; isto se
justifica pelas sequelas culturais e do conhecimento causadas pelos períodos de totalitarismo
político impostos pelos regimes de exceções vivenciados por muitos anos no século XX e a
impossibilidade de gestação de uma nova geração pensante no Direito Nacional.
12
Op. cit.
13
Sine qua non
14
STRECKE, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2ª edição, 2ª tiragem - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P.1
17
No alvorecer deste noviço período democrático de cerca de vinte e cinco anos,
contado a partir das eleições parlamentares para a Assembleia Nacional Constituinte que
promulgou a Constituição de 1988, caracterizado pelo Estado Democrático de Direito, depara-
se com um atraso de aproximadamente cinquenta anos de desenvolvimento global da
Economia, do Direito Internacional Público e Privado que sustentam as relações dos tratados
internacionais e desenvolvem as novas concepções fulcrais na Ciência do Direito15
. Na lavra
de Barroso (2006) em “O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas”: “A visão
do horizonte, todavia, não deve ocultar a extensão e a aridez do caminho a percorrer: apesar
de tudo, somos ainda um país em busca de seu destino, marcado pela reprodução secular da
desigualdade e do autoritarismo, ideologicamente perverso e institucionalmente imaturo.” (p.
XI).
Apesar de amplamente estudado e divulgado na literatura jurídica, faz-se interessante a
apresentação de resumido esquema didático para melhor compreensão dos paradigmas que se
opõem às novas interpretações no Direito brasileiro.
Insurgindo-se contra a tradição jurídica e a legislação penal de seu tempo
(século XVIII), Beccaria asseverou, quanto à interpretação da lei: "O juiz deve fazer
um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou
não à lei; a consequência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for obrigado a elaborar um
raciocínio a mais, ou se o fizer por sua conta, tudo se torna incerto e obscuro". [01]
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São
Paulo: Hemus.
No mesmo norte, ponderou Montesquieu, ao defender o ideário liberal-
positivista, fundado no pensamento de limitação estatal e divisão de poderes e na
prevalência da legislação, oriunda da atividade legislativa: "o juiz é a boca que
pronuncia as palavras da lei".
Voltaire também se manifestou no mesmo sentido, afirmando que "o Juiz
deve ser o primeiro escravo da lei".
Esse método interpretativo, correspondente ao que Kelsen denominou
teoria tradicional da interpretação, na qual a função jurisdicional possui caráter
declarativo, na verdade buscou nos seus primórdios combater o absolutismo, se
apresentando como "reação contra a magistratura exercida de forma parcial e
abstrata pela nobreza do antigo regime". [02] SANTOS NETO, Arnaldo Bastos. A
teoria da interpretação em Hans Kelsen. Revista de direito constitucional e
internacional, São Paulo, n. 66, p. 37/88, jan./mar. 2009, p. 43.
Naquela quadra histórica, o legislador criava a norma, e o juiz a aplicava ao
caso concreto, numa perfeita subsunção fato/norma.16
15
Comprenção do autor
16
Andrade, Renato Faloni de; Ramos, Adriana Monteiro; Silva, Andréa Maria Pontes; Silva, Nivalda de Lima. A
interpretação do Direito em Eros Grau. Repensando o paradigma. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?
id=14826
18
Constata-se haver um contexto não apenas filosófico, mas também, histórico-político
ambientando o conceito positivista em intentar uma interpretação pura do Direito baseado nas
normas jurídicas, pelo qual o juiz deveria ser o mais submisso possível ao texto normativo.
Não obstante esta pequena citação histórica, destaca-se a ciclópica evolução do
conhecimento humano e fatos globais, associados a critérios hermenêuticos que propiciaram
importantes questionamentos na história da humanidade recente. Em face disto, os problemas
da Teoria Pura do Direito, que já não eram poucos, agravaram-se de forma peremptória,
iniciando pelo descrédito do Positivismo como um sistema filosófico inquestionavelmente
válido, associado, por exemplo, ao autoritarismo característico do nazismo. No caso
brasileiro, cabe lembrar que Getulio Dornelles Vargas, o mais influente político do país ao
longo do século XX, criador do regime do Estado Novo (1937-1945) era um advogado
positivista do estado do Rio Grande do Sul. No círculo de abrangência que fundamenta a
hermenêutica positivista brasileira é atribuída, conceitualmente, a norma jurídica válida à
essência da própria Ciência do Direito, a qual só tem legitimidade para tal se derivada da
vontade do povo, por seus legítimos representantes, livremente eleitos pelo voto direto17
. O
método utilizado é o exegético literal, não havendo interesse em saber o que o legislador
poderia ter querido dizer, mas sim, o que ele escreveu.
Não se pode omitir que o Positivismo Jurídico brasileiro teve importância vital na
qualidade de garantidor, do mínimo de respeito possível, ao Direito durante o período de
exceção decorrente do golpe militar de 1964, sendo que também foi um precioso opositor
político ao golpe, como se pode observar no depoimento e na valorosa carta escrita e lida pelo
professor de Direito, Dr. Goffredo Telles Junior, na Universidade de São Paulo. Seu
testemunho do evento, escrito trinta anos após, é o seguinte:
Estávamos em 1977. Vivíamos o 13º ano de chumbo da ditadura militar.
Havia em mim um sonho. Um sonho? O que em mim fervilhava era muito
mais do que um sonho. Era um almejo ardente, um anhelo dominante. Era uma idéia
arrebatadora. Era um projeto: o projeto de uma proclamação desassombrada
incontido desabafo de minha alma, reflexo da alma flagelada de meu País. Era uma
conjectura: a conjectura de um manifesto revolucionário — brado carismático por
liberdade e pelo Estado de Direito.
Das Arcadas do Largo de São Francisco, do Território Livre da Academia
de Direito de São Paulo, eu queria dirigir a todos os brasileiros minha Mensagem de
Aniversário uma alocução veemente, que fosse uma Proclamação de Princípios de
nossas convicções políticas.
Nós estávamos convictos de que a fonte genuína da ordem pública não era
a Força, mas o Poder. Para nossa consciência jurídica, o Poder emana do povo; era
17
Telles Júnior, Goffredo. Carta aos Brasileiros. http://www.goffredotellesjr.adv.br/site/pagina.php?
id_pg=30#um.
acessado em 01/05/2011
19
produto da manifestação popular. A Força era outra cousa. Era a imposição das
armas. A Força não deveria nunca ser mais do que instrumento a serviço do Poder.
Nós denunciávamos como ilegítimo todo Governo fundado na Força. Legítimo
somente o era, o Governo que fosse Órgão do Poder.
Para nós, ilegítimo era o Governo cheio de Força e vazio de Poder.
Reconhecíamos que o Chefe do Governo era o mais alto funcionário nos
quadros administrativos da Nação. Mas negávamos que ele fosse o mais alto Poder
de um País. Acima dele, reinava o Poder de uma Idéia: reinava o Poder das
convicções que inspiravam as linhas mestras da Política nacional. Reinava o senso
grave da Ordem, que se achava definido na Constituição.
Proclamávamos a soberania da Constituição. Afirmávamos que a fonte
legítima da Constituição era o Povo. Sustentávamos, também, que só o Povo, por
meio de seus Representantes no Congresso Nacional, tinha competência para
emendar a Constituição.
Para nós, o exercício do Poder Constituinte por autoridade que não fosse o
Povo, configurava usurpação de poder político.
[...] Eu afirmaria que o binômio Segurança e Desenvolvimento não têm o
condão de transformar uma Ditadura numa Democracia, um Estado de Fato num
Estado de Direito.
Eu declararia falsa a vulgar afirmação de que o Estado de Direito e a
Democracia são a sobremesa do desenvolvimento econômico. Eu lembraria que
desenvolvimentos econômicos se fazem, às vezes, nas mais hediondas ditaduras.
Eu proclamaria que nenhum País deve esperar por seu desenvolvimento
econômico, para depois implantar o Estado de Direito. Advertiria que os Sistemas,
nos Estados de Fato, ficam permanentemente à espera de um maior
desenvolvimento econômico, para nunca implantar o Estado de Direito.
Nós queríamos, sim, segurança e desenvolvimento. Mas queríamos segu-
rança e desenvolvimento dentro do Estado de Direito.18
A antevéspera da “Carta aos Brasileiros”: Aqui, Goffredo fala sobre a morte por
tortura do Jornalista Wladimir Herzog, que gerou enorme comoção entre os juristas, mas,
também, atingindo o corpo discente da Universidade. Completara-se o clima de emoção e
repúdio ao regime totalitário do golpe militar.
Mataram Wladimir Herzog nos porões do Doi-Codi.
Vlado era Diretor de Jornalismo da TV Cultura. Era amigo de todo mundo.
Foi morto sob tortura, em Outubro de 1975.
De seu suplício, ouvi circunstanciado relato, feito pelo jornalista Rodolfo
Osvaldo Konder, no escritório do advogado José Carlos Dias. Esse depoimento,
tomado por termo, foi testemunhado por mim, pelos juristas Prudente de Moraes
Neto, Maria Luíza Flores da Cunha Bierrenbach, José Roberto Leal de Carvalho e
Arnaldo Malheiros Filho, e pelo padre Olivo Caetano Zolin. Rodolfo Konder
estivera também preso naqueles mesmos antros do Departamento de Operações
Internas (DOI). Fôra acareado com seu colega. Depois, escutara os gritos e gemidos
do amigo, em sessões bárbaras de tortura.
A morte de Wladimir Herzog causou comoção enorme. Os estudantes da
Academia deixaram as salas de aula, aglomeraram-se ruidosamente no Pátio. O
Centro Acadêmico XI de Agosto improvisou um comício no Largo, e seus
estupendos oradores vituperaram os horrores do regime. Os bispos, na Conferência
de Itaici, denunciaram as mortes praticadas sob tortura, e lançaram um brado de
protesto. A Ordem dos Advogados do Brasil manifestou sua revolta contra a tortura
e o assassinato nas prisões, e pôs-se à disposição de Clarice, mulher de Herzog, para
os pleitos que ela quisesse intentar em juízo, contra os responsáveis pela morte de
seu marido. Todos os órgãos da imprensa, escrita e falada, e todas as entidades
18
Op. cit.
20
representativas da mídia clamaram contra o assassínio de Vlado e contra as
atrocidades praticadas pelo aparelho repressivo do II Exército.
A Missa do 7° Dia foi celebrada na Catedral da Praça da Sé. Oficiou-a o
Cardeal Arcebispo Dom Evaristo Arns, que foi assistido por dois Rabinos e um
Pastor protestante. Grande multidão acorreu à cerimônia, superlotou o templo,
comprimiu-se nas escadarias, tomou os espaços contíguos. A Missa foi sucedida
com emocionante comício de protesto contra a Ditadura, e com o "Caminhando" de
Geraldo Vandré, entoado pelo povo, diante da Catedral.
O implacável delegado Erasmo Dias quis, em vão, bloquear as vias de
acesso à Praça, e mais uma vez deu motivo para ser odiado.19
“Carta aos Brasileiros”: Por fim, o texto da carta escrita e lida por Goffredo Telles
Junior e assinada por quase uma centena de destacados juristas brasileiros.
Das Arcadas do Largo de São Francisco, do “Território Livre” da
Academia de Direito de São Paulo, dirigimos, a todos os brasileiros esta Mensagem
de Aniversário, que é a Proclamação de Princípios de nossas convicções políticas.
Na qualidade de herdeiros do patrimônio recebido de nossos maiores, ao
ensejo do Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil, queremos dar o
testemunho, para as gerações futuras, de que os ideais do Estado de Direito, apesar
da conjuntura da hora presente, vivem e atuam, hoje como ontem, no espírito
vigilante da nacionalidade.
Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui
permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direitos Humanos, contra a
opressão de todas as ditaduras.
Nossa fidelidade de hoje aos princípios basilares da Democracia é a mesma
que sempre existiu à sombra das Arcadas: fidelidade indefectível e operante, que
escreveu as Páginas da Liberdade, na História do Brasil.
Estamos certos de que esta Carta exprime o pensamento comum de nossa
imensa e poderosa Família – da Família formada, durante um século e meio, na
Academia do Largo de São Francisco, na Faculdade de Direito de Olinda e Recife, e
nas outras grandes Faculdades de Direito do Brasil – Família indestrutível,
espalhada por todos os rincões da Pátria, e da qual já saíram, na vigência de
Constituições democráticas, dezessete Presidentes da República.
[...] Toda lei é legal, obviamente. Mas nem toda lei é legítima. Sustentamos
que só é legítima a lei provinda de fonte legítima.
Das leis, a fonte legítima primária é a comunidade a que as leis dizem
respeito; é o Povo ao qual elas interessam comunidade e Povo em cujo seio as idéias
das leis germinam, como produtos naturais das exigências da vida.
Os dados sociais, as contingências históricas da coletividade, as
contradições entre o dever teórico e o comportamento efetivo, a média das
aspirações e das repulsas populares, os anseios dominantes do Povo, tudo isto, em
conjunto, é que constitui o manancial de onde brotam normas espontâneas de
convivência, originais intentos de ordenação, às vezes usos e costumes, que irão
inspirar a obra do legislador.
Das forças mesológicas, dos fatores reais, imperantes na comunidade, é que
emerge a alma dos mandamentos que o legislador, na forja parlamentar, modela em
termos de leis legítimas.
A fonte legítima secundária das leis é o próprio legislador, ou o conjunto
dos legisladores de que se compõem os órgãos legislativos do Estado. Mas o
legislador e os órgãos legislativos somente são fontes legítimas das leis enquanto
forem representantes autorizados da comunidade, vozes oficiais do Povo, que é a
fonte primária das leis.
19
Op. cit.
21
O único outorgante de poderes legislativos é o Povo. Somente o Povo tem
competência para escolher seus representantes. Somente os Representantes do Povo
são legisladores legítimos.
A escolha legítima dos legisladores só se pode fazer pelos processos
fixados pelo Povo em sua Lei Magna, por ele também elaborada, e que é a
Constituição.
Consideramos ilegítimas as leis não nascidas do seio da coletividade, não
confeccionadas em conformidade com os processos prefixados pelos Representantes
do Povo, mas baixadas de cima, como carga descida na ponta de um cabo.
Afirmamos, portanto, que há uma ordem jurídica legítima e uma ordem
jurídica ilegítima. A ordem imposta, vinda de cima para baixo, é ordem ilegítima.
Ela é ilegítima porque, antes de mais nada, ilegítima é a sua origem. Somente é
legítima a ordem que nasce, que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do
Povo. [...].20
Desta forma, o Positivismo Jurídico brasileiro cria profundas raízes na cultura do
Direito no país e indissolúveis ligações histórica e política com o Estado democrático de
Direito até os dias atuais. Em recente artigo, Ives Gandra Martins (2008) afirmou sua
frustração em relação ao governo de Luis Inácio Lula da Silva, evidenciando as raízes
neopositivistas que impregnam o Direito brasileiro quanto à concepção do Estado
democrático de Direito e, complementarmente, o posicionamento político ideológico que
subsidia o Direito pátrio:
As promessas da Constituição de 1988 não se realizaram. A expectativa de
um Estado Democrático de Direito ficou paralisada, pois somos menos um Estado
de Direito que Democrático. A solidariedade tornou-se ideologia e expressão do
ódio dissimulado. A independência dos Poderes vem sendo atropelada pela fúria do
Executivo Federal. Os resultados não têm correspondido às intenções,
possivelmente em razão de algumas delas serem inconfessáveis e criptografadas. A
Constituição Cidadã tornou-se uma ante-sala da República Bolivariana do Brasil,
tragicômica versão da Revolução Comunista Bolivariana.21
Não obstante toda a evolução do conhecimento humano, tais como o melhor saber dos
processos hermenêuticos jungidos à Filosofia do Direito, o paradigma do Positivismo evolui
de maneira multiplicadora, em vários outros paradigmas, formando as escolas neopositivistas,
onde se assentam importantes construções da teoria do Direito, como, por exemplo, o
neoconstitucionalismo aderido pelo Supremo tribunal Federal, STF, como já referido na
citação do dr. Eros Grau22
.
20
Op. cit.
21
Martins, Ives Gandra. O Definhamento do Estado de Direito. Diário do Comércio, 29/04/2008.
http://www.gandramartins.adv.br/art_detalhes.asp?id=74
22
O Que é Filosofia do Direito. Editora Manole: São Paulo, 2004.
22
O Brasil vive, ainda, sob o conceito kantiano ou neokantiano da Ciência do Direito e
grava tal posição no Texto Magno de suas leis, precisamente nas cláusulas pétreas, onde
professa o Sistema Jurídico da Civil Law, impondo uma contradição insolúvel à visão
principiológica do Direito hodierno, privilegiando apenas a magistratura, que reinterpreta as
normas textuais à visão das jurisprudências existentes e da interpretação do texto
constitucional em decisão monocrática ou colegiada23
, em clara semelhança e influência do
Sistema Jurídico da Common Law, utilizado no Reino Unido e nos Estados Unidos da
América.
Complementa o cenário desfavorável ao neopositivismo a verificação de casos
generalizados de improbidade no Poder Legislativo do Brasil, bem como o desvio de sua
natureza jurídica essencial. O Congresso Nacional tornou-se, há alguns anos, um poder
dissonante do espírito republicano, uma casa repleta de políticos de pouco preparo,
comandados pelos mais argutos políticos do país, cujos interesses estão muito longe das
funções legislativas24
.
Mesmo com o Poder Legislativo desviado de sua natureza, o neopositivismo ainda
evoca em sua legitimidade o inciso segundo do artigo quinto da Constituição Brasileira, que
diz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Conclui-se que a Ciência do Direito no Brasil permanece seguindo a linha kantiana da
Crítica da Razão Pura, estruturada por Hans Kelsen em sua Ciência Pura do Direito,
perseguindo a evolução do curso da história do conhecimento humano, definida, nos dias
atuais como neopositivismo, incorporando a concepção dos valores principiológicos e
hermeneuticamente, seguindo o neoconstitucionalismo de Peter Häberle, muito embora, de
acordo com Lenio Streck essa tentativa de fusão principiológica e hermenêutica não seja
pacífica: o pós-positivismo deve ser entendido no interior do paradigma do Estado
Democrático de Direito instituído pelo constitucionalismo compromissório e transformador
social surgido no segundo pós-guerra, denominado de neoconstitucionalismo.25
Tem-se ainda
como paradigma a Civil Law, exigindo-se a produção legislativa, porém, seu valor passou a
ser de mera norma textual, sendo prerrogativa da magistratura a criação da norma jurídica
23
Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, inciso II.
24
Interpretação livre do autor a partir de: Toffoli, José Antônio Dias. Segurança jurídica: "Se o juiz cuida do
futuro, torna o passado instável". http://www.conjur.com.br/2011-fev-20/entrevista-dias-toffoli-ministro-
supremo-tribunal-federal em 21/02/2011.
25
STRECKE, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2ª edição, 2ª tiragem - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P.1
23
pela via jurisprudencial, produto de uma sinergia, racionalmente inexplicável, entre os
Sistemas Jurídicos Civil Law e Common Law.
CAPÍTULO III
A ERA DOS NOVOS VALORES
Para que serve o acúmulo ilimitado do ganho de capitais? Qual a real função do direito
hereditário da propriedade? O que leva os seres humanos a se dividirem em grupos
econômicos separados por um abismo intransponível? Por que o mundo é dividido em países
detentores e produtores de tecnologias e patentes, enquanto outros permanecem como
produtores de matérias primas in natura?
Nos discursos escatológicos registrados no Evangelho de Mateus26
, precisamente no
capítulo vinte e cinco, versículos trinta e um e seguintes, encontra-se a narrativa atribuída a
Jesus, cujos destaques in verbis são os seguintes:
“[...] e pondo as ovelhas à direita e os cabritos à esquerda. Então dirá o
rei aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai, recebei por
herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Pois tive fome e
me deste de comer. Tive sede e me deste de beber. Era forasteiro e me recolhestes.
Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e vieste ver-me’. [...] Ao
que lhes responderá o rei: ‘Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um
desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste’”27
.
26
Bíblia de Jerusalém. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das
introduções e notas de La Sainte Bible, ed. 1973, publicada sob a direção da “École Biblique de Jérusalem”. São
Paulo: Paulinas, 1981. P. 1316
27
Grifos do autor
24
Obviamente que não se pretende responder aos questionamentos neste modesto
trabalho de bacharelado, mas não se podem omitir as grandes questões das sociedades atuais,
pois refletem os valores que estão se liquefazendo, segundo Zygmunt Bauman em seu livro
“A Sociedade Líquida”, conforme registrado no pequeno trecho em entrevista a Maria Lúcia
Garcia Pallares-Burke, em 2003iii
.
Uma das características do que eu chamo de "modernidade sólida" é a de
que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os
perigos eram reais, palpáveis e não havia muito mistério sobre o que fazer para
neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era, por exemplo, óbvio que alimento -e só
alimento- era o remédio para a fome.
Os riscos de hoje são de outra ordem, não se podendo sentir ou tocar em
muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas
consequências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições
climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando.
O mesmo acontece com os níveis de radiação e poluição, a diminuição das
matérias-primas e fontes de energia não-renováveis e os processos de globalização
sem controle político ou ético que solapam as bases de nossa existência e
sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem
precedentes. É nesse ponto que a sociologia tem um papel importante a
desempenhar.
Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição
humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados,
mas também minimizados, mesmo quando notados. Do mesmo modo, as ações
necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras
fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da
situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como sendo
causa das incertezas e ansiedades modernas.
Veja, por exemplo, o caso das manifestações contra imigrantes que
ocorrem pela Europa. Vistos como "o inimigo" próximo, eles são apontados como
os culpados pelas frustrações da sociedade, como aqueles que põem obstáculo aos
projetos de vida dos demais cidadãos. A noção de "solicitante de asilo" adquire,
nesse quadro, uma conotação negativa, ao mesmo tempo em que as leis que regem a
imigração e naturalização se tornam mais restritivas, e a promessa de construção de
"centros de detenção" para estrangeiros confere vantagens eleitorais a plataformas
políticas28
.
A partir de fins do século XX, diversos autores analisaram rigorosamente a situação de
indefinições conceituais pela qual passa a sociedade atual. Por exemplo, Bauman (2003)
prossegue criticando a ética de mercado neoliberal de forma categórica:
28
Entrevista de Zygmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke. Folha de S. Paulo, São Paulo, domingo,
19 de outubro de 2003
25
O ser racional impregnado pelas influências dos mercados, é incapaz de exercer a
razão sem uma cumplicidade ideológica, gerando um tipo de racionalização, assim definida
por Bauman (2003)
Os interesses comerciais não se conciliam facilmente com um sentimento
da responsabilidade relativo ao bem-estar daqueles que se poderão descobrir lesados
pela maximização dos resultados visado pelo mundo dos negócios. Na linguagem do
meio, a «racionalização» significa as mais das vezes o despedimento de pessoas que
até esse momento ganhavam a vida ao serviço dos interesses dos racionalizadores.
Essas pessoas passam agora a ser «supranumerárias» por se terem descoberto
maneiras mais eficazes de fazer as tarefas que elas faziam, ao mesmo tempo que os
seus serviços passados pouco são levados em conta: cada transacção comercial, se
quiser ser perfeitamente racional, terá de começar do zero, esquecendo os méritos
passados e as dívidas de gratidão. A racionalidade do mundo dos negócios furta-se à
responsabilidade das consequências que ela própria produz, o que representa um
novo golpe mortal na importância das considerações morais.30
Este período registra o predomínio de um modo de pensar ligado ao final do século
XIX, antes da consolidação dos direitos sociais nas sociedades industrializadas, quando
vigoravam o Liberalismo Econômico, associado ao Liberalismo Político. O Neoliberalismo31
não mudou, essencialmente, as bases sobre que se assenta o Liberalismo desde seu surgimento
no século XVIII e suas teses centrais são: a) o menos de Estado e de política possível – a
despolitização total dos mercados e a liberdade absoluta de circulação dos indivíduos e dos
capitais privados; b) a defesa intransigente do individualismo; c) a igualdade social é apenas
igualação de oportunidades ou condições iniciais igualizadas para todos.
Contudo, por haver, desde o final da Grande Depressão dos anos 30 do século XX, um
Estado regulador do capitalismo moderno, o Neoliberalismo defende a intervenção de
políticas públicas nas áreas de interesse coletivo e que não sejam rentáveis para o capital
privado, onde se manifestem extraordinária situação de carência social, a exemplo do
investimento em infra-estrutura.32
29
Zygmunt Bauman (1995). A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Relógio de Água,
2007. Pág. 266-267. http://trabalhosedias.blogspot.com/2010/07/etica-do-neoliberalismo.html em 18/02/11.
30
Op. cit.
31
Ideário de retorno ao pensamento liberal, que havia sido dominante até a Grande Depressão dos anos 30 do
século XX, o Neoliberalismo resulta do esforço de economistas conservadores, principalmente austríacos, como
Friedrich von Hayek, em combater a intervenção estatal na economia e na sociedade, então em voga, proveniente
das análises do economista inglês John Maynard Keynes, de que derivou o Estado do Bem Estar Social. Os
neoliberais consideram que o Keynesianismo foi um desvio aberrante dos princípios liberais, que não deveria ter
acontecido.
32
FIORI, José Luiz. Neoliberalismo e Políticas Públicas. Conferência proferida na abertura do seminário sobre
“Controle Social e Políticas Sociais: tendências e perspectivas”, realizado em Recife, PE, em novembro de 1995.
26
Liberalismo e democracia mostraram não serem mais totalmente compatíveis, uma vez
que a democracia foi levada às extremas consequências da democracia de massa, partidos de
massa, cujo produto é o Estado assistencial33
.
O impacto de uma grande contradição entre o liberalismo econômico e a preservação
das democracias, só têm se acentuado com o processo de globalização em curso34
.
Os instrumentos de políticas econômicas contemporâneas consistem primeiramente no
controle dos capitais de investimento, tecnologias produtivas e acessos aos mercados. Com
isso tem-se percebido uma re-hierarquização política no mundo, que vem consolidando uma
nova geopolítica que vem se organizando em torno de três grandes espaços econômicos35
.
A respeito do que fala Fiori, Ivan du Roy, escritor e ativista ambiental, publicou em
sítios diversos no dia 26.09.2011 o artigo com a seguinte chamada: 737 donos do mundo
controlam 80% do valor das empresas mundiais. Um estudo publicado na Suíça revela que
um pequeno grupo de sociedades financeiras ou grupos industriais domina a grande maioria
do capital de dezenas de milhares de empresas no mundo36
. Pesquisada a notícia encontramos
o citado trabalho: The network of global corporate control:Stefania Vitali, James B.
Glattfelder, and Stefano Battiston - Chair of Systems Design, ETH Zurich37
.
Da lavra de Leonardo Vizeu (data), pode-se avançar um pouco mais sobre os novos
valores econômicos e jurídicos:
Durante o processo de derrocada do modelo estatal absolutista, que
culminou com o nascimento do Estado democrático de direito, ordem econômica e
social era matéria que ficava alheia à intervenção do Poder Público.
O Estado, até então, posicionava-se de forma absenteísta, garantindo, tão-
somente, a defesa externa, a segurança interna e o cumprimento dos acordos
contratuais celebrados. Isto porque, no campo econômico, pregavam-se as idéias do
liberalismo, consubstanciadas na teoria da mão invisível de Adam Smith, na qual a
persecução dos interesses individuais resultaria no atendimento às necessidades
coletivas, não havendo necessidade de intervenção do Poder Público.
Todavia, a teoria da mão invisível somente conduzia o mercado à
realização de resultados socialmente desejáveis em ambientes concorrencialmente
perfeitos, isto é, nos mercados onde todos os agentes econômicos estivessem em
perfeita igualdade de competição. Assim, diante das desigualdades entre os
competidores de mercado, houve uma seleção adversa entre estes, fruto tanto da
33
Op. cit.
34
Op. cit.
35
Op. cit.
36
http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9503/737-donos-do-mundo-
controlam-80%-do-valor-das-empresas-mundiais acessado em 5/10/2011;
http://www.bastamag.net/article1719.html acessado em 13/10/2011
37
http://arxiv.org/PS_cache/arxiv/pdf/1107/1107.5728v2.pdf acessado em 13/10/2011
27
diferença natural de poderio econômico quanto de práticas anticoncorrenciais,
engendradas com o fim de eliminar os demais agentes competidores.
Tais práticas tiveram efeitos funestos para a economia das nações, uma vez
que proporcionou a criação de diversos trustes, cartéis e monopólios, que
perpetraram diversos abusos econômicos, e também para sua ordem social, tendo
em vista que acirrou a concentração de renda nas mãos da parcela mais abastada,
gerando uma gama inaceitável de párias socialmente marginalizados, excluídos do
processo de geração de riquezas38
.
Segue Vizeu (2006) tecendo considerações sobre a positivação no plano constitucional
de normas de ordem econômicas e sociais.
[...] mister se fez ao Estado rever seu posicionamento em face de sua ordem
econômica e social, saindo de uma postura de inércia, a fim de adotar um
posicionamento mais ativo de intervenção, e, assim, garantir equilíbrio e harmonia
econômicos, para que o mercado, diante da interferência do Poder Público, atingisse
metas socialmente desejáveis para o desenvolvimento da nação.
Desse modo, positivou-se, no plano constitucional, ordem econômica e
social como normas materialmente constitucionais, legitimando, no plano
infraconstitucional, leis de intervenção pública na economia e de garantia de direitos
no campo social39
.
Falar sobre novos valores não significa defini-los, mas registrar que os valores
conhecidos e aceitos pela humanidade até então, estão sendo questionados em face das muitas
crises econômicas que assolam o mundo, desvendando os reais paradigmas de valores que
sustentam os diversos grupamentos sociais hodiernos. Se a internacionalização dos capitais
dinamizou o Direito Internacional, Público e Privado, em meio à crise internacional do
neoliberalismo econômico se exigirá muito mais, uma vez que, em princípio, as demandas de
conflitos tendem a aumentar, bem como, dentro de uma lógica defensiva em meio à
concorrência predatória, a formação de blocos econômicos regionais e acordos bilaterais.
Com efeito, em todo o mundo, questionam-se aspectos diversos das práticas
neoliberais, que usaram o Estado para a redução ou extinção de direitos da cidadania, em prol
de um discurso privilegiador da estabilidade monetária e nada mais. É exemplar o texto que
aqui se reproduz, no Box 1, da BBC, intitulado: “Há vinte anos, a queda do Comunismo no
Leste Europeu parecia provar o triunfo do capitalismo. Mas teria sido uma ilusão?”40
.
38
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito econômico. São Paulo: MP Ed., 2006. P. 9 - 10
39
Op. cit.
40
'Temos que abandonar o mito do crescimento econômico infinito', diz economista. Atualizado em 4 de
outubro, 2011 - 06:58 (Brasília) 09:58 GMT.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_tim_jackson_rw.shtml acessado em
5/10/2011
28
Box 1
'Temosqueabandonaromitodocrescimentoeconômicoinfinito',dizeconomista
Os constantes choques no sistema financeiro internacional nos últimos anos
levaram a BBC a perguntar a uma série de especialistas se eles acham que o capitalismo fracassou.
Neste texto, Tim Jackson, professor da Universidade de Surrey e autor do
livro Prosperity without Growth - Economics for a Finite Planet (Prosperidade sem Crescimento: Economia para
um Planeta Finito, defende o abandono do mito do crescimento infinito:
Toda sociedade se aferra a um mito e vive por ele. O nosso mito é o do
crescimento econômico.
Nas últimas cinco décadas, a busca pelo crescimento tem sido o mais
importante dos objetivos políticos no mundo.
A economia global tem hoje cinco vezes o tamanho de meio século atrás.
Se continuar crescendo ao mesmo ritmo, terá 80 vezes esse tamanho no ano 2100.
Esse extraordinário salto da atividade econômica global não tem
precedentes na história. E é algo que não pode mais estar em desacordo com a base de recursos finitos e o frágil
equilíbrio ecológico do qual dependemos para sua sobrevivência.
Na maior parte do tempo, evitamos a realidade absoluta desses números. O
crescimento deve continuar, insistimos.
As razões para essa cegueira coletiva são fáceis de encontrar.
"Os dias de gastar dinheiro que não temos em coisas das quais não
precisamos para impressionar as pessoas com as quais não nos importamos chegaram ao fim"
O capitalismo ocidental se baseia de forma estrutural no crescimento para
sua estabilidade. Quando a expansão falha, como ocorreu recentemente, os políticos entram em pânico.
As empresas lutam para sobreviver. As pessoas perdem seus empregos e
em certos casos suas casas.
A espiral da recessão é uma ameaça. Questionar o crescimento é visto
como um ato de lunáticos, idealistas e revolucionários.
Ainda assim, precisamos questioná-lo. O mito do crescimento fracassou.
Fracassou para as 2 bilhões de pessoas que vivem com menos de US$ 2 por dia.
Fracassou para os frágeis sistemas ecológicos dos quais dependemos para
nossa sobrevivência.
Crise e oportunidade
Mas a crise econômica nos apresenta uma oportunidade única para investir
em mudanças. Para varrer as crenças de curto prazo que atormentaram a sociedade por décadas.
Para um compromisso, por exemplo, para uma reforma radical dos
mercados de capitais disfuncionais.
A especulação sem controle em commodities e em derivativos financeiros
trouxeram o mundo financeiro à beira do colapso há apenas três anos. Ela precisa ser substituída por um sentido
financeiro mais longo e lento.
Consertar a economia é apenas parte da batalha. Também precisamos
enfrentar a intrincada lógica do consumismo.
Os dias de gastar dinheiro que não temos em coisas das quais não
precisamos para impressionar as pessoas com as quais não nos importamos chegaram ao fim.
Viver bem está ligado à nutrição, a moradias decentes, ao acesso a serviços
de boa qualidade, a comunidades estáveis, a empregos satisfatórios.
A prosperidade, em qualquer sentido da palavra, transcende as
preocupações materiais.
Ela reside em nosso amor por nossas famílias, ao apoio de nossos amigos e
à força de nossas comunidades, à nossa capacidade de participar totalmente na vida da sociedade, em uma
sensação de sentido e razão para nossas vidas.41
.
41
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_tim_jackson_rw.shtml acessado em
5/10/2011
29
É a busca de novos valores necessários para permitir uma hermenêutica jurídica
universalista que levou a Ciência do Direito a evoluir do princípio positivista normativo para
o pós-Positivismo principiológico constitucionalista. Relevante é frisar a influência que a
Economia exerce sobre o Direito e aquiescer-se ao fato de que as ciências podem e devem ser
interpretadas principiologicamente. Significa dizer que não é possível existir uma ciência
desassociada do princípio da racionalidade ou da metafísica e, como princípios fundantes
destes dois mundos dialeticamente opostos, encontram-se a Economia e a transcendência. A
validade de qualquer ciência se dará por sua metodologia e por sua vinculação principiológica
a Economia ou a metafísica. Não há de se discordar de quem, a contrário sensu, pense estar o
autor equivocado, contudo, nesta linha de raciocínio, não se há de conceber qualquer tipo de
ciência pura, com especial objetivação às Ciências Sociais.42
Ainda na lavra de Leonardo Vizeu, destacam-se singelas definições sobre o alguns
conceito acerca da definição de Direito:
Nem todas as relações sociais são objeto de estudo pelo direito, mas tão-
somente as relações jurídicas lato sensu, isto é, as relações decorrentes de um
vínculo jurídico, oriundo de uma das fontes obrigacionais do próprio direito (a
saber, lei, contratos, usos e costumes, promessas unilaterais de vontade, etc.).
O direito, partindo-se de um conceito objetivo, derivado de nossa herança
romano-germânica, é o conjunto de normas coercitivamente impostas pelo Estado
com o fim de promover a pacificação e a harmonização da sociedade. Por sua vez,
no plano subjetivo, o direito é a faculdade que o indivíduo tem de invocar a seu
favor o amparo legal para defender seu patrimônio jurídico, quando violado ou
ameaçado por outrem. Na lição romana é o facultas agendi. O titular do direito
subjetivo exerce-o, via de regra, sobre o patrimônio jurídico de outrem, isto é, o
exercício deste direito implica em dever e obrigação para com terceiro.
Segundo Rudolph Von Jhering, jurisfilósofo alemão, adotando-se um
conceito de caráter subjetivo, o direito pode ser visto como um complexo de
condições existenciais da sociedade, asseguradas de forma imperativa pelo Poder
Público, a fim de que os indivíduos possam exercê-las quando se fizer necessário43
.
Em Lizt Vieira (2011), encontra-se uma análise sintética, porém esclarecedora sobre a
teoria social e a modernidade enumerando os vários fatos que desafiaram e permanecem
desafiando as sociedades diante do deletério cenário em que o mundo se encontra.
Modernidade é um tema recorrente no pensamento sociológico
contemporâneo. A compreensão dos fenômenos, estruturas e processos históricos,
sociais, políticos, culturais e econômicos que levaram à configuração de nosso
mundo de hoje constituiu - e ainda constitui - um desafio ao pensamento crítico da
teoria social.
42
Proposta de pesquisa do autor para mestrado e doutorado
43
Op. cit.- Figueiredo, Leonardo Vizeu. P.12
30
Com efeito, a partir do século XVI, as grandes navegações, o
mercantilismo, o Renascimento, o antropocentrismo, a manufatura, a revolução
científica, as revoluções burguesas, o individualismo, o surgimento do Estado
nacional e de novas classes sociais, a revolução industrial, o iluminismo,
representaram marcos de uma profunda mudança que abalou os alicerces das
sociedades pré-modernas e consolidou o capitalismo, sempre às voltas com suas
crises cíclicas. No século XX, duas guerras mundiais, a guerra fria, o predomínio do
capital financeiro, a expansão do mercado mundial, o desmoronamento do
socialismo estatal, a crise ecológica, o avanço da democracia política com aumento
da pobreza, o enfraquecimento do Estado nacional e de seus atributos básicos
(soberania, autonomia, territorialidade, cidadania etc.) pelo processo de
globalização, a compressão do espaço-tempo, o fortalecimento da sociedade civil
em plano global, a informática, as telecomunicações, os meios de comunicação de
massa, o consumismo, o apartheid social, entre outros fatores, levaram a uma nova
configuração de forças num mundo "pós-moderno", "pós-nacional", ou de
modernidade "alta", "tardia" ou "incompleta". Grandes pensadores debruçaram-se
sobre o tema da modernidade, desde Marx - tudo que é sólido desmancha no ar - e
Weber - a modernidade desencantou o mundo - passando pela Escola de Frankfurt
(Adorno, Benjamin, Horkheimer) - que, em pleno nazismo e stalinismo, tentava,
ancorada em Weber, conciliar Freud e Marx. Seu atual herdeiro - Habermas -
sustenta que a modernidade é um processo ainda incompleto, o que não lhe impede
de afirmar que o trabalho perdeu a centralidade no mundo de hoje, que não é mais
explicável pelo paradigma da produção. Grande impacto tiveram as teorias da
estruturação, reflexividade e alta modernidade (Anthony Giddens), da sociedade de
risco (Ulrich Beck), do capitalismo desorganizado (Claus Offe, Lash & Urry), da
acumulação flexível pós-fordista (David Harvey e outros) etc. Destaque importante
alcançaram ainda aqueles que esposaram a teoria da pós-modernidade, como J. F.
Lyotard, para quem a fragmentação e a heterogeneidade das sociedades
contemporâneas impedem sua explicação por metanarrativas abrangentes e
unificadoras, herdeiras do racionalismo iluminista, e também F. Jameson, que vê o
pós-moderno como expressão cultural do capitalismo tardio44
.
Lizt Vieira destaca que o Brasil se beneficiou de toda a produção teórica sobre as
ciências sociais, contudo, somente em tempos mais recentes é que iniciou uma produção
crítica própria, sobre a qual faz os seguintes destaques:
[...] Se a categoria reconhecimento foi criticada por não dar conta da
problemática socioeconômica da redistribuição, a categoria cidadania, segundo o
autor, engloba as duas dimensões: reconhecimento e redistribuição. Celi Pinto
aborda os impactos para a democracia provocados pela presença dos direitos
multiculturais. O reconhecimento da diferença étnica e de gênero, e a inclusão das
minorias culturais, colocam desafios à democracia contemporânea. Indaga se o
multiculturalismo poderá contribuir para a redução das desigualdades sociais e a
superação do Estado liberal ancorado na concepção individual de direitos. Analisa a
construção da "coalizão arco-íris" (Iris Young), a solução dos "públicos múltiplos"
(Nancy Fraser) e a perspectiva de uma "política da presença" (Anne Phillips).
Propõe políticas sociais para combater a desigualdade e a falta de reconhecimento
dos grupos excluídos.
Jessé Souza analisa as fontes de desigualdade e injustiça nas sociedades
contemporâneas com base, principalmente, nas teorias do reconhecimento de
Charles Taylor e Axel Honneth, que seriam mais complexas e sofisticadas do que as
pesquisas de Inglehart sobre a emergência dos valores "pós-materiais" na segunda
44
Artigos Acadêmicos: Resenha do livro "Teoria Social e Modernidade no Brasil". Por Liszt Vieira.
http://lisztvieira.com.br/artigos-academicos-detalhe.php?id=17 acessado em 10/09/2011
31
metade do século XX. Discute o argumento de Taylor, Honneth e Fraser segundo o
qual o reconhecimento é a categoria central da política moderna. A luta por
reconhecimento seria a forma paradigmática do conflito político, pois a dominação
cultural estaria suplantando a exploração econômica como injustiça fundamental no
mundo de hoje.
Valendo-se da visão de Fraser sobre reconhecimento e desigualdades
sociais, propõe um diagnóstico teórico das desigualdades e injustiças predominantes
nas sociedades contemporâneas. José Eisenberg recorre à filosofia da linguagem
com a intenção de mostrar os equívocos linguísticos e pragmáticos na obra de
Habermas, bem como os limites na sua concepção de justiça. Segundo o autor, a
crítica habermasiana à concepção liberal de justiça (Rawls) não foi suficientemente
articulada, pois Habermas também se afasta da visão republicana de espaço público
para construir seu modelo discursivo. Ao fundamentar sua teoria da justiça na
filosofia da linguagem, Habermas não resolve as tensões entre justiça e moralidade.
Para definir uma teoria da justiça com pretensão de validade universal, é necessário
recuperar a moralidade da justiça, em vez de escolher entre a moralidade da
democracia (Habermas) e a moralidade do liberalismo (Rawls).
Por fim, Sérgio Costa e Denilson Werle abordam o debate entre liberais
(Kymlicka) e comunitaristas (Taylor, Walzer), os primeiros entrincheirados na
defesa do universalismo abstrato e individualista do Estado de direito, os segundos
enfatizando as especificidades dos grupos sociais e suas diferentes reivindicações de
direitos. Analisam a construção de direitos na esfera pública (Habermas) e a
legitimidade das reivindicações por reconhecimento (Honneth) para mostrar que as
identidades estão hoje abertas à sua própria reconstrução reflexiva. Discutem o
reconhecimento como perspectiva epistemológica, aplicando-a ao multiculturalismo
e às relações raciais no Brasil. Se a teoria da pós-modernidade - como já se disse -
exigiu uma grande narrativa para demonstrar que não existem mais grandes
narrativas, a teoria da modernidade continua exigindo adjetivos para sua
caracterização. Modernidade alta, tardia, incompleta, de risco, são alguns dos
principais termos utilizados para esclarecer um conceito ainda por demais
abrangente e multifacetado [...]45
.
Os tempos atuais requerem dos estudiosos e pensadores uma visão multidisciplinar em
face da complexidade existencial das sociedades e de seus valores postos sobre o paradigma
dos capitais desassociados de qualquer compromisso produtivo. Bauman (1995) assim
escreve:
O rolo compressor do «desenvolvimento» capitalista
As vítimas do «desenvolvimento» - o verdadeiro rolo compressor de
Giddens, que esmaga tudo e todos os que encontre no seu caminho - «evitadas pelo
sector avançado e cortadas dos antigos usos...são seres expatriados nos seus próprios
países». Por toda a parte por onde o rolo compressor passa, o saber-fazer desaparece,
para ser substituído pela escassez de competências; surge o mercado de trabalho
mercadoria onde outrora os homens e mulheres viviam; a tradição torna-se um lastro
pesado e um fardo dispendioso; as utilidades comuns transformam-se em recursos
subaproveitados, a sabedoria em preconceito, os sábios em portadores de
superstições.
45
Artigos Acadêmicos: Resenha do livro "Teoria Social e Modernidade no Brasil". Por Liszt Vieira.
http://lisztvieira.com.br/artigos-academicos-detalhe.php?id=17 acessado em 10/09/2011
32
E não é só que o rolo compressor não se mova apenas por sua própria
iniciativa, mas com o apoio e reforço pelas turbas das suas futuras vítimas ávidas de
serem esmagadas (ainda que, nalguns casos, o rolo aja por si só, sentimo-nos muitas
vezes tentados a falar, mais do que de um rolo compressor, de um Moloch - essa
divindade de pedra com uma pira acesa no ventre, em cujo interior as vítimas
autodesignadas se precipitam com regozijo, entre cantos e danças); é, além disso,
depois de começar a funcionar, empurrado pelas costas, sub-reptícia, mas
incessantemente, por multidões incontáveis de especialistas, de engenheiros, de
empresários, de negociantes de sementes, fertilizadores e pesticidas, ferramentas e
motores, de cientistas dos institutos de investigação e também de políticos, tanto
indígenas como cosmopolitas, que buscam, todos eles, o prestígio e a glória. É deste
modo que o rolo compressor parece imparável, ao mesmo tempo que a impressão de
ser impossível pará-lo o torna ainda mais insuportável. Parece não haver maneira
possível de escapar a este «desenvolvimento», «naturalizado» sob a forma de
qualquer coisa que se assemelha muito a uma «lei da natureza» pela parte moderna
do globo, desesperadamente em busca de novos fornecimentos do sangue virgem do
qual necessita para se manter vivo e em forma. Mas o que é que este
«desenvolvimento» desenvolve?46
Novamente recorre-se ao noticiário da BBC para marcar com fatos que estão
acontecendo nestes dias, evitando-se que o trabalho, ora apresentado à douta banca, possa ser
entendido como uma abstração teórica. Assim, foi publicado: Neste texto, o secretário-geral
da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Ángel
Gurría, diz não considerar que o capitalismo fracassou, mas afirma que houve falhas em
áreas como regulação, supervisão e gerenciamento,47
como reproduzido no Box 2:
Box 2
O capitalismo ocidental falhou? A minha resposta para a pergunta seria
provavelmente NÃO. Mas também me questiono se é o capitalismo que deve estar no banco dos réus. Eu
preferiria falar de mercados abertos.
Acredito que falhamos como reguladores, supervisores, gerentes da
governança corporativa, como gerenciadores de riscos e também na distribuição de papeis e responsabilidades
para organizações econômicas internacionais.
Nosso fracasso financeiro se espalhou imediatamente para a economia real.
Saímos de uma crise financeira para a paralisia econômica e um choque de desemprego, com médias de 9, 10%.
Entre os jovens em particular, as taxas sobem para 20, 30, 40%. Esta é a face humana e a realidade trágica desta
crise.
Algumas organizações internacionais viram a crise chegando. Algumas até
emitiram avisos, mas não foram coordenados, elas não falaram com uma única e forte voz. Assim, eles foram
ignorados na atmosfera de grande prosperidade onde todos faziam muito dinheiro, acreditavam que inovação era
o nome do jogo e, por alertar que algo podia estar indo errado, você parecia estar travando o avanço do
progresso.
Havia ainda a filosofia de que os mercados precisavam funcionar com o
mínimo possível de intervenção governamental. Mas isso não significa que ele podia trabalhar sem nenhuma
intervenção ou esta ser tão leve que não poderia identificar riscos.
46
Zygmunt Bauman (1995), A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna, Relógio d’Água, pp.
41. Publicada por AMCD em Segunda-feira, Março 29, 2010. Etiquetas: Bauman, Citações, Filosofia,
Sociologia. http://trabalhosedias.blogspot.com/search/label/Bauman em 18/02/11
47
O capitalismo fracassou? Ángel Gurría - Secretário-geral da OCDE, especial para a BBC
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_angel_gurria_rw.shtml acessado em
5/10/2011
33
Então a crise deixou um legado calamitoso, de desemprego alto, déficits
fiscais enormes que ainda lutamos para controlar, dívidas públicas acumuladas que já chegam a 100% do PIB em
média nos países da OCDE. A propósito, esta dívida costumava ser parte da solução e agora é o problema. E ela
segue crescendo, já que a redução econômica diminui os recursos fiscais e o desemprego em massa aumenta a
necessidade de gastos sociais.
É muito importante emitir sinais claros de como vamos lidar com o
problema das dívidas sem sacrifício do crescimento e o desemprego. É aqui que a OCDE diz: "cuide da
estrutura". Esta é a nossa mensagem.
O foco primário no contexto de uma estratégia de longo prazo para
restaurar o crescimento sustentável deve ser nas reformas dos produtos e dos mercados de trabalho, como
educação, inovação, crescimento verde, competição, impostos, saúde.
Isto criará impostos e ajudará a combater a dívida. Precisamos também de
"ênfase no social" e políticas inovadoras para proteger os mais vulneráveis.
Portanto, NÃO. Acredito que o capitalismo ocidental e os mercados não
falharam. Acho que a questão é como melhorar a fiscalização e balancear nossas economias de mercado.
Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão recentemente disse em
um artigo que "há um amplo consenso que mercados mais robustos, resistentes contra crises precisam de
regulamentações mais duras".
Concordo plenamente. Acho que as economias são importantes demais
para serem deixadas apenas nas mãos das forças de mercado. É um processo árduo que demanda uma
governança e instituições internacionais mais fortes, mas obviamente, é a única saída48
.
Enganam-se os que pensam que se está diante da dialética entre a direita e a esquerda
(; ou pois) tal dialética seria minimamente erística. Vive-se a crise dos valores humanos, da
razão de ser, de liquefação de tudo o que tinha significado existencial. Perdeu-se o controle
sobre a vida e o inconsciente coletivo tornou-se um “vírus” devastador das capacidades de
reflexão dos seres humanos, impregnando os cérebros de um tipo especial de acrofobia aos
pensamentos mais elevados e destinando as sociedades à vassalagem dos interesses dos
capitais.
Ives Gandra (2006), o mais prestigioso jurista mackenzista da atualidade, enfatiza com
a precisão e a simplicidade dos grandes mestres a grave crise em que se vive nos dias atuais e
trata o Estado Brasileiro como uma entidade social ociosa e opressora.
Decidi não atualizar os textos, pois representam uma visão histórica do país
e a detecção de realidades e conjunturas, que, infelizmente, tem-se repetido, entre
nós.
O livro O Estado de Direito e o Direito do Estado é atemporal, por
representar uma reflexão sobre as relações entre o Poder e o cidadão.
Os livros O Poder e a Nova Classe Ociosa exteriorizam uma visão pessoal
do poder político, à luz da teoria de Veblen, de que a classe ociosa é aquela que vive
do trabalho alheio. A nova classe ociosa no Brasil é composta por políticos e
burocratas, que vivem à custa dos contribuintes49
.
48
O capitalismo fracassou? Ángel Gurría - Secretário-geral da OCDE, especial para a BBC. Atualizado em 3 de
outubro, 2011 - 06:24 (Brasília) 09:24 GMT.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_angel_gurria_rw.shtml acessado em
5/10/2011
34
[...] Esta teoria do poder deve, todavia, ser estudada, começando-se pela
revisão da tradicional oposição do que seja “Estado de Direito” e “Estado de Força”,
na tentativa de demonstrar que, a clássica oposição gera clássicas doenças que os
clássicos remédios nunca corrigiram. Até porque o problema real, tactável e, a nosso
ver, definitivo, a ser solucionado na equação apresentada, é como permitir uma
convivência racional, no plano interno e externo, de um Estado de Direito que
respeite o Direito do Estado, sem que aquele represente um desguarnecimento ao
poder e este um intolerável exercício do mesmo50
.
Pode-se agregar que, por ocasião da XII Semana de Economia e XI Semana Jurídica,
realizadas conjuntamente no último mês de agosto, o professor Fernando Roberto de Freitas
Almeida (UFF) apresentou o tema: A Teoria da Classe Ociosa, de Thorstein Veblen, citada
por Ives Gandra, como posto anteriormente. Em pesquisa realizada após a referida palestra,
não foram poucas as fontes encontradas, em especial em línguas portuguesa e espanhola,
contudo, ninguém melhor que o próprio mestre para fornecer as fontes, já resumidas face à
apresentação feita em sua palestra.
Para Veblen existiam duas classes principais na sociedade:
CAPITALISTAS: ou “interesses investidos”, “proprietários ausentes”,
“classe ociosa”, “capitães de indústria” (instinto predatório); e OPERÁRIOS: ou
“engenheiros”, “trabalhadores”, “técnicos”, “homem comum” (instinto construtivo,
ou paternal, o mais antigo)
Aproximações de Veblen: Darwin, Marx e Freud: Como Darwin: a
sociedade é complexa e muda sempre. Com Marx, paralelismo impressionante:
abordagem histórica, identificou um “comitê gestor” de capitalistas e se referiu à
propensão a crises do sistema capitalista, que eram historicamente registradas, mas
não se preocupou em formular uma teoria do valor. Com Freud: antes de Freud,
interessou-se pelos paradoxos do comportamento humano. Freud analisou pelo
comportamento individual e Veblen, pela teoria social.
Para Veblen: “a parte racional do homem é como a parte pequena e
invisível de um iceberg, enquanto a parte irracional é como a se submersa do
iceberg, isto é, muitas vezes maior” (Gambs, 1959)
Os “instintos” de Veblen são traços, ou potencialidades, que podem ser
reprimidos ou estimulados, conforme se organiza a sociedade. Procurava
compreender o significado das atividades e instituições econômicas, sem perder de
vista o todo cultural em que elas se inserem e em que os agentes exercem sua
racionalidade.
Oposições à escola neoclássica: Escola História Alemã e sua visão de
Institucionalismo: Escola Histórica Alemã: indutiva, a Economia pode estabelecer
leis, mas são de validade temporal e espacialmente limitadas. Institucionalismo
Americano: mais um movimento intelectual do que uma escola.
Veblen se apoiou na Psicologia e na Sociologia, para criticar o conceito de
Homo Economicus e considerava os pressupostos neoclássicos ultrapassados.
49
MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Estado de Direito e o Direito do Estado. São Paulo: Lex Editora, 2006.
Introdução.
50
Op Cit. - P. 10
35
Identificou no indivíduo o parental bent (sentido da responsabilidade para
com o grupo); o instinct of workmanship (gosto pelo trabalho bem feito e eficaz e a
idle curiosity (procura do saber desinteressado).
Efeito Veblen: procura de um bem não por ser barato, mas justamente por
ser caro, para a ostentação de poder.
OBJEÇÕES AO HOMO ECONOMICUS
Os indivíduos não são maximizadores que fazem cálculos hedonistas
ininterruptos, nem são perspicazes e dotados de capacidade preditiva; O homem não
tem postura passiva; O homem não é imutável diante do ambiente, ele tem passado e
futuro, tem história pessoal e aprende com o tempo; Assim, não é adequada uma
teoria da conduta humana que considere apenas características individuais.
O homem vebleniano está baseado em dois fundamentos básicos do
conhecimento teórico: a razão suficiente e a causa eficiente.
Razão suficiente: o futuro determina os acontecimentos presentes, sendo
preciso haver um agente inteligente. Os homens sempre procuram fazer algo.
Causa eficiente: é impessoal, objetiva e determinística. O comportamento
habitual caracteriza-se por considerar os resultados das ações, através de hábitos e
exigências convencionais.
► a conduta humana é motivada por fatores racionais e por fatores
habituais, nada é instintivo;
► o sistema molda as preferências: “a invenção é mãe da necessidade”;
►não segue escala de preferências; é possuído por instintos contraditórios.
1899: A TEORIA DA CLASSE OCIOSA
Contribuição às Ciências Sociais: conceitos de ócio e consumo conspícuo
Ócio conspícuo: tempo gasto em atividades que não visam à produção;
absenteísmo dos capitalistas-proprietários;
Consumo conspícuo: busca de bens caros para ostentação.
Provêm de instintos permanentes: o predatório e o de trabalho eficaz. As
instituições são entendidas com hábitos de pensamento dominantes e as nossas são
da sociedade industrial-pecuniária.
SOCIEDADE INDUSTRIAL – PECUNIÁRIA. Instituições industriais:
para a eficiência da produção e o bem estar; Instituições pecuniárias: derivadas do
instinto predatório; Max Weber, ao mesmo tempo, considerou que, quando as
finanças dominassem o sistema capitalista, iriam destruí-lo.
À SEMELHANÇA DE VEBLEN: JOAN ROBINSON
“Quem quer que escreva um livro, por mais sombria que possa ser sua
mensagem, é necessariamente, um otimista. Se os pessimistas realmente
acreditassem no que estavam dizendo, não haveria porque dizê-lo.”
Os economistas da escola do laissez faire pretenderam abolir o problema
moral, mostrando que a busca do interesse próprio pelo indivíduo redundava em
benefício para todos. A tarefa da atual geração rebelada é reafirmar a autoridade da
moralidade sobre a tecnologia, o trabalho dos cientistas sociais é ajudá-los a ver
quão necessária e quão difícil vai ser esta tarefa.” (Liberdade e Necessidade, 1970)
36
Há quem defenda a evolução da Ciência do Direito a partir de Kelsen, que sem dúvida,
foi o grande expoente de sua época e, influenciando os juristas brasileiros até os dias atuais,
contudo, não se podem negar as mudanças, amplamente demonstradas neste capítulo, que
exigem um repensar sobre o Direito e o seu papel como uma ciência social.
Assim, ao se analisar a Constituição do Brasil, verifica-se a posição de destaque dos
Princípios Fundamentais da República nos quatro primeiros artigos; porém, se indagar-se ao
Estado do interesse da implementação plena dos principais princípios ali postos e quem
arcaria com os custos de implementação, verificar-se-á que os artigos, de certo, foram
realocados em algures. O Direito tem-se vergado às necessidades da classe ociosa vebleniana,
incluindo o Estado, como muito bem colocou o Dr. Ives Grandra.
O Estado de Direito perdeu o respeito pelo Direito do Estado, assim como, o
neoliberalismo econômico perdeu o respeito pelos fundamentos doutrinários da economia e
pelo seu objetivo principal, qual seja, o desenvolvimento de uma sociedade desigual, sem
dúvida, mas produtiva em sua totalidade, desenvolvimentista, prioritariamente, nas ações que
focam o desenvolvimento social.
O Direito não evoluiu, apenas passou a se ocupar dos valores econômicos, no dizer de
Veblen: “Hábitos de vida de há muito tornados eficientes convertem-se em hábitos de
pensamento.” (1965a, p. 105). É o senso comum que a todos inebria. Poder-se-ia dizer que
não existe ciência fora do manto da sagrada economia de mercado.
37
CAPÍTULO IV
PROLEGÔMENOS DA METAFÍSICA
Na lavra de Habermas, encontram-se interessantes reações sobre o retorno a formas
metafísicas de pensamento no ano de 1988.51
É notório que o ceticismo em relação a esse primado do ser sobre o
pensamento e o peso próprio da reflexão sobre questões de método, engendram
51
Restam ao autor dúvidas quanto à inclusão nesta dissertação de tema tão controverso na história do
conhecimento humano, em especial em função de já se haver concluído que a Ciência do Direito Brasileiro
segue uma linha iniciada em Augusto Kant e fundada no neopositivismo. Contudo, a imperiosidade do momento
gera razões que propiciem passar-se ao largo do assunto, ainda que, a abordagem seja um modesto ensaio
superficial, orientador.
38
motivos importantes que pesaram na passagem do pensamento ontológico ao
mentalismo. A auto-referência do sujeito cognoscente abre o acesso para uma esfera
interior de representações, curiosamente certa, que nos pertence inteiramente, a qual
precede o mundo dos objetivos representados. A metafísica surgira como a ciência
do geral imutável e necessário; a partir de agora ele só pode encontrar um
equivalente numa teoria da consciência, a qual fornece as condições subjetivas
necessárias para a objetividade de juízos gerais, sintéticos a priori. Assim é possível
explicar a relação ambígua de Kant com a metafísica, bem como a mudança de
significado que esse termo sofre através da crítica Kantiana à razão52
.
Ainda, segundo Habermas, pode-se manter a expressão “metafísica” para todo o tipo
de elaboração de questões metafísicas que visam à totalidade do mundo do homem, citando as
concepções de Leibniz, Spinosa ou Schelling e incluindo a doutrina Kantiana dos dois reinos,
situadas na tradição dos grandes esboços sistemáticos, que têm início em Platão e
Aristóteles53
. E conclui este pensamento: Aos olhos de Heidegger, o próprio Nietzsche ainda
tem de ser visto como um metafísico, por ser um pensador moderno, sujeito ao princípio da
subjetividade54
.
Habermas afirma não ter dúvidas quanto às tarefas reconstrutivas da Filosofia,
elencando duas espécies de metafísica: A da natureza (conhecimento que determina objetos) e
a metafísica dos costumes ou arquitetônica da razão (Kant), com a separação das faculdades
do conhecimento objetivador, da intuição moral e do juízo estético, concluindo que: “Todas as
competências da espécie, de sujeitos capazes de falar e de agir, são acessíveis a uma
reconstrução racional, na qual se detecta aquele saber prático do qual lançamos mão
intuitivamente quando produzimos qualquer realização já comprovada”55
.
“Mas alguma coisa ocorreu. Quebrou-se o encanto. O céu, morada de Deus
e seus santos, ficou de repente vazio. Virgens não mais apareceram em grutas.
Milagres se tornaram cada vez mais raros, e passaram a ocorrer sempre em lugares
distantes com pessoas desconhecidas. A ciência e a tecnologia avançaram
triunfalmente, construindo um mundo em que Deus não era necessário como
hipótese de trabalho. Na verdade, uma das marcas do saber científico é o seu
rigoroso ateísmo metodológico [...]”56
.
Entende-se que os métodos científicos jamais decifrarão a metafísica em função do
racionalismo construtivista, mesmo detectando saberes intuitivamente ou a priori, é
52
HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos, traduzido do original alemão por:
Nachmetaphysisches Denken, Philosophische Aufsätze. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. P. 22
53
Op. cit.
54
Op. cit. P.23
55
Op. cit.
56
ALVES, Rubem. O que é Religião. São Paulo: ARS Poética, 1996. P. 6
39
indispensável a reconstrução, no dizer de Kant a construção de um juízo analítico, de alguma
realidade imanente que valide o juízo sintético.
Da mesma forma, a razão não pode perscrutar elementos que transcendam a natureza
em todos os aspectos da razão humana. Trata-se de objetos diferentes, de relações diversas
que falam de mundos diversos: enquanto a razão fica circunscrita ao mundo natural, ou
mundo dos homens, a metafísica reporta-se ao mundo de Deus.
Muito bem colocou Habermas quando, benevolentemente, escreveu que, para o
europeu, seria de menos complexidade o entendimento metafísico na tradição judaico cristã,
contudo, ao ampliar-se o espectro metafísico a outras formas de tradição religiosa se tornaria
impossível harmonizar a compreensão racional diante da variedade e divergentes formas de
conhecimentos a priori.
[...] O animal é o seu corpo. Sua programação biológica é completa,
fechada, perfeita. Não há problemas não respondidos. E, por isso mesmo, ele não
possui qualquer brecha para que alguma coisa nova seja inventada. [...] A aventura
da liberdade não lhes é oferecida, mas não recebem, em contrapartida, a maldição da
neurose e o terror da angústia.
Como são diferentes as coisas com o homem! Se o corpo do animal me
permite prever que coisas produzirá [...] e as coisas por ele produzidas me permitem
saber de que corpo partiram, não existe nada semelhante que se possa dizer dos
homens. [...] Porque o homem, diferentemente do animal que é o seu corpo, tem o
seu corpo. Não é o corpo que o faz. É ele que faz o seu corpo57
.
Kant chamou de metafísica a ciência que estuda Deus, liberdade e imortalidade.
Existem outros nomes e outras conceituações, por exemplo, a Teologia, cujo especialista se
dedica a estudar os tais fenômenos, porém com grandes limitações geradas pelos dogmas
religiosos. Neste ponto, indaga-se: terá a ciência a mesma sorte? Enquanto as religiões
impedem a Teologia de qualquer contribuição para uma compreensão harmoniosa das
questões metafísicas, a metodologia científica também não procura aprisionar o conhecimento
adquirido pela razão, emoldurando o corpo?
A Teologia viveu sob a influência do racionalismo, especialmente o racionalismo
alemão. Com investimentos do Estado, inaugurou-se o período da hermenêutica crítica
literária e da crítica da forma. Muito se investiu em arqueologia e nas pesquisas linguísticas
com o propósito de criação de uma base de entendimento do texto canônico. Vale destacar
que os objetivos das pesquisas sempre foram focados na tradição judaico-cristã. Na
57
Op. cit. P. 10, 11.
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DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XXI - A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

  • 1. FACULDADE MORAES JÚNIOR – MACKENZIE-RIO CURSO DE DIREITO MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XXI - A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Wagner Winter Moreira – Matr. 3070450-2 Rio de Janeiro, 2011
  • 2. II Autor: Wagner Winter Moreira – Matr. 3070450-2 DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XX - A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação do curso de Direito da Faculdade Moraes Júnior – Mackenzie Rio. Orientador: Prof. Dr. Fernando Roberto de Freitas Almeida Rio de Janeiro
  • 3. III 2011 TERMO DE APROVAÇÃO DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XX - A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Trabalho Final de Curso defendido por Wagner Winter Moreira, apresentado ao curso de Direito da Faculdade Moraes Júnior – Mackenzie Rio e ________________ em ____ de dezembro de 2011 pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: Prof. Dr. Fernando Roberto de Freitas Almeida _______________________________________ Professor: ______________________________ ________________________________________ Professor: ______________________________ ________________________________________ Rio de Janeiro 2011
  • 4. IV DEDICATÓRIA VERINHA O poeta Milton Nascimento Falou do amor que arde no peito. A folha da juventude é o seu nome, Cujos momentos foram podados, Desviaram seu destino. Mas em tudo e apesar de tudo, Prevaleceu em um sorriso de menino. O amor é a união de corpos e de almas; Há de resistir, de florescer; Vivenciar que não há impossíveis. E o tempo, é um relógio mágico, Que anda em sentido anti-horário; Tudo o que é tem um novo sentido, a cada momento. É a primavera, natureza que se renova, Noviças folhas que brotam São os amores, tão sonhados, que renascem Vão provocar a união de ardentes corpos rejuvenescidos. Sorrisos de crianças, tudo se refaz! Os perfumes inebriantes dos corpos apaixonados Ardentes de desejos, que o outono desfez, O inverno feriu, mas a primavera recompôs. São os odores de uma memória de eternaidade Corpos que exalam odores únicos no universo. Cada corpo tem o seu cheiro, nada é igual! Atraem os mais luxuriosos desejos de amor, São sempre luxuriosos os verdadeiros amores É desejo juvenil, que faz descompassar o coração. Calafrios pelo corpo, respiração ofegante. Força da natureza renovada, quem pode calar? É preciso falar Está ardendo no peito Caminhou horas pelo ar Mas é o meu grande amor, a fonte da minha juventude. Wagner Winter – Rio de Janeiro, 25/07/2011
  • 5. V AGRADECIMENTOS Os agradecimentos são atos formais da razão, quando a mesma reconhece ter recebido algo. É gesto de retribuição! Se conheço um pouco do racionalismo humano, é reconhecendo com gratidão, que nossa razão faz o ritual de expiação pelo não saber, pelo que lhe foi ensinado, e tal gesto compensa o esforço de quem nos deu oportunidades e saberes, que amadurecerão e florescerão, até que, na época certa, frutificarão diferentemente das sementes recebidas. Por isso, existem fatos que não podem ser agradecidos, são de tamanha grandeza que a nossa razão não merece o benefício da expiação. Há de levar para toda a eternidade a consciência do que recebeu, dos valores que se lhe ofereceram, sem os quais, estaria vagando pelos corredores das ideias, dos conhecimentos a priori. Desta forma, faço o registro neste que será, ao meu sentir, um memorial sagrado do tempo de novos conhecimentos e de novos caminhos. Registro que o Prof. Dr. Fernando Roberto de Freitas Almeida me ensinou muitíssimo mais do que elaborar uma pesquisa e a construir um texto monográfico. Além de ter percebido o quanto de dedicação é necessária à leitura e reflexão, vivenciei, no dizer de Rubem Alves (1981) a ação de um Jequitibá, de um verdadeiro Mestre Educador; professor por uma ficção legal, Doutor por diletantismo, mas educador por essência. Ainda no dizer de Rubem Alves (Conversas com quem gosta de ensinar, Cortês, p. 13) [...] “os educadores são como velhas árvores. Possuem uma face, um nome, uma “estória” a ser constatada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma “entidade” suis generis, portador de nome, também de uma “estória” [...]”. E foi a partir das minhas “estórias” que se iniciou o processo educativo, denso, estimulador da pesquisa, do confronto das ideias, da clareza textual. Não posso saber se a banca aprovará o trabalho monográfico, como, também não sei se o reescreveria da mesma forma, muito provavelmente não, já levantei voo da época que o comecei. É essa a razão de ser dos educadores. Não posso deixar de registrar neste meu Memorial a amizade e o empenho do Dr. Guilherme Simon e do Rev. Cid Pereira Caldas para que o Instituto Presbiteriano Mackenzie me concedesse bolsa integral para todo o curso, sem que os valores fossem lançados na cota filantrópica, fato fundamental para que eu pudesse chegar até aqui.
  • 6. VI Se não devo realizar a expiação do meu não saber, mas levar na minha consciência tudo o que recebi, ao menos, posso oferecer a todos as mais sinceras homenagens pela extraordinária lição que compõem suas vidas. Muito Obrigado. SUMÁRIO RESUMO 7 ABSTRACT 7 1. INTRODUÇÃO 8 1. VISÃO CONCEITUAL DO TEMA 11 2. APRESENTANDO OS PARADIGMAS 16 3. A ERA DOS NOVOS VALORES 23 4. PROLEGÔMENOS DA METAFÍSICA 37 5. A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 44 5.1. A Desconstrução da Principiologia no Direito Brasileiro 44 5.2. A Hermenêutica do Absolutismo Positivista 45 5.3. A Desconstrução do Racionalismo Kantiano 47 5.4. A Matriz Econômica do Direito Brasileiro 54 5.5. A Principiologia dos Valores 57 CONCLUSÃO 62 BIBLIOGRAFIA 64
  • 7. 7 RESUMO INDICATIVO Este trabalho tem por fulcro a pesquisa qualitativa nas teorias do Direito, uma visão sobre problemas de fundo, que necessitam de abordagem aprofundada, nem sempre abordada pela bibliografia tradicional. Constatou-se a aplicação de métodos oriundos do sistema common Law pelos Tribunais de Justiça, em especial pelo Supremo Tribunal de Justiça – STF, um sistema de princípios por vezes desorientado, com uma doutrina positivista que venera a Constituição da República e transforma as demais Leis em normas textuais. Outra constatação foi a profunda ligação do com a economia. Hodiernamente, não existem disputas sociais sem fulcro econômico. A pesquisa procura levantar as questões mais relevantes, oferecendo opções de correção de curso a partir do seu desenvolvimento. ABSTRACT • This study has the purpose of analyzing qualitative researches in the core theories of Law. It shows a view on substantive issues, which requires a profound approach, which is not always used by the traditional literature. It also shows the application of methods from the Common Law system by the courts of Justice, mainly by the Supreme Court, a system of principles often disoriented, that follows a positivist doctrine, that venerates the Republic Constitution and turn other laws in textual norms. Another finding was the profound link with the economy. Nowadays, there are no social disputes that are out of the economic fulcrum. The research seeks to raise the relevant issues, offering options for a new course of action.
  • 8. 8 INTRODUÇÃO Este trabalho tem por fulcro propiciar à comunidade acadêmica, bem como a potenciais leitores interessados em pesquisa qualitativa nas teorias do Direito, uma visão sobre problemas de fundo, que necessitam de abordagem aprofundada, nem sempre abrangida pela bibliografia tradicional. Visa também a ensejar o autor a prosseguir no desenvolvimento de pesquisa na área da Filosofia do Direito, partindo destes rudimentos do pensar, próprios de uma monografia de bacharelado, à possível formulação de uma tese doutoral. Trata-se de pesquisa baseada em métodos qualitativos. Como bem apontou Jodelet (2010, pág. 31) “é no campo da aplicação das ciências humanas e sociais à resolução de problemas práticos que a demanda em matéria de pesquisa qualitativa fez-se mais premente, levando ao refinamento dos procedimentos.” Tal demanda, mostrou esta autora, é facilmente observável em suas manifestações sob a pressão dos problemas formulados em diferentes setores da atividade humana e dos movimentos sociais. Primeiramente, demandas do mundo do trabalho, ou do estudo das organizações. Depois, preocupações com as pessoas em si, em um mundo de transformações aceleradas, onde pode estar faltando um certo “campo unificado”, como já foi o caso da Filosofia Moral, até o século XVIII, e, a seguir, o âmbito dos movimentos sociais, com impulsos trazidos por diversos novos estudos, derivados de novas necessidades, que se chocam com paradigmas por vezes de há muito tempo estabelecidos. Em face dos objetivos maiores, procurou-se estabelecer um desenvolvimento lógico diverso da lógica costumeira tão bem ensinada aos discentes durante anos. Tornou-se, desta forma, imprescindível desvendar o pensar lógico do autor para melhor compreensão da disposição dos textos e dos motivos que o levou ao desenvolvimento de tal formulação. De plano, optou-se a apresentar a teoria e a realidade do Direito brasileiro e o conflito entre a doutrina e a práxis, bem como os autores que influenciam o Direito hodierno. Lançaram-se questionamentos que ainda não se tenciona responder no presente momento, mas que se pretende um dia fazê-lo. O conceito, que se buscou apresentar no primeiro capítulo, é exatamente um conflito, que não se limita a questões doutrinárias, mas à mudança do eixo do poder republicano com o alijamento do Poder Legislativo e a adoção de práticas do sistema denominado common law. Tal pensamento foi claramente exposto no falar do dr. Eros Grau (2004) a cerca do que seria modernamente a norma jurídica. O segundo capítulo vem trazer, complementarmente, a lembrança das tradições positivistas do Direito brasileiro, bem como a sua importância histórica, em especial pela
  • 9. 9 ausência de significativos períodos de regime democrático. Não obstante o destaque ao Positivismo jurídico houve-se por bem, detalhar mais amiúde as novas hermenêuticas, os novos paradigmas e a contradição conflituosa com as tradições positivistas do Direito brasileiro, em particular, objetivando-se destacar a mutação conceitual da norma jurídica. Após tratarem-se isoladamente as questões puramente de Direito, procurou-se dialogar com outras ciências afins. Desta forma, a Economia, a Sociologia e a Filosofia, através de consagrados autores, entraram em cena para revelar um Direito coadjuvante, em especial, das Ciências Econômicas. De forma muito contida, procurou-se demonstrar que o Direito vem validando práticas liberais por séculos e, ao que parece, a economia mundial chega a sua pior crise, destarte, elevando Karl Marx da posição de um filósofo teórico a um profeta da economia liberal. Procurou-se desmistificar as ciências jurídicas ao afirmar-se não existirem conflitos sociais sem causa econômica. Para melhor compreensão dos temas tratados, buscou-se o máximo de textos autorais, destacando-se: Kant, Nietzsche, Rubem Alves, Zygmunt Bauman, Habermas, Häberle, Liszt Vieira, Leonardo Vizeu Figueiredo, Hans Kelsen, Luís Roberto Barroso, Tércio Sampaio Ferraz Jr., Orlando Gomes, José Afonso da Silva, Paulo Nader, Carlos Maximiliano, Ives Gandra Martins, Olavo de Carvalho e outros. Confessa-se que de todos os autores Kant foi o que se trabalhou com maior intensidade, em especial, por ser o mentor do Positivismo e ter posto a metafísica no centro de sua produção literária. Percebeu-se que a metafísica é figura central do pensamento humano, desde os pré-socráticos até os pensadores dos dias atuais. Apenas Karl Marx descartou a metafísica da centralidade de sua obra, razão pela qual optou-se em incluir, a inspiração de Kant, Os Prolegômenos da Metafísica, desconstruindo o racionalismo agnóstico em Marx, aproveitando-se o magnífico texto de Rubem Alves. A conceituação de religião e Teologia são novas propostas de compreensão de tais fenômenos, as quais se pretende aprofundar por serem componentes intrínsecos ao ente humano e, consequentemente, a toda a sua cultura. A proposta seguinte encerra a presente pesquisa e funda a área de pesquisa a ser empreendida. Para isso, buscou-se desnudar o que os teóricos chamam de Princípios do Direito, o que não podem ser considerados sequer como silogismos erísticos, pois frequentemente são frases impensadas e impróprias com o fulcro de justificar a aplicação da norma jurídica, tão irrefletida quanto os chamados princípios. A pseudo-hermenêutica é outra farsa que visa a ocultar truculento Positivismo autoritário, dando ao Judiciário, em especial,
  • 10. 10 ao Supremo Tribunal Federal – STF, o status de concílio, sendo o STF, o supremo concílio da corruptela dos sacerdotes em relação à verdadeira hermenêutica jurídica, inquestionável! A desconstrução do racionalismo kantiano não se pode considerar conclusa, porém Olavo de Carvalho (1996) consegue colocá-lo em dúvida de validade. Neste caso, a dúvida é vital para uma nova proposta de Princípios Legítimos do Direito, o que não pode acontecer no Direito brasileiro sem resolver o modelo macroeconômico, visto que o Estado, ao ver de Gandra, compõe uma classe ociosa vebleriana, de facto. Inscreveram-se, no corpo do texto, notícias publicadas em mídias estrangeiras, na medida em que se concluíam os capítulos, para proporcionar uma visão global não apenas teórica, mas tendo-se a visão real dos acontecimentos de agora. Afinal, os autores que defendem a abordagem qualitativa concordam que ela é “a única a permitir um tratamento holístico, natural e dinâmico dos fenômenos estudados” (JODELET, 2010, pág. 31) Optou-se por manter um texto denso de conteúdos transcendentes que necessitam de reflexão, sendo assim, conseguiu-se, a priori, não estendê-lo mais do que o necessário. Evidentemente, seria possível dialogar-se com o texto constitucional e demonstrar que, o mesmo, não nasceu de uma ação de vontade criadora, mas de circunstâncias populistas, dado o momento vivido pelo país, com políticas extremas em resposta ao pós-regime de exceção em que se encontrava a sociedade brasileira. Quando se cria a norma jurídica, para depois achar um princípio onde ela possa se encaixar, ou, ainda, quando a premissa principiológica é falsa, a norma não gera os efeitos supostamente esperados. Assim, foi a evolução epistemológica, ou as revoluções nos paradigmas da pesquisa, que conduziu ao descarte de uma criteriologia positivista e ao surgimento de uma preocupação qualitativa apta a responder às exigências dos novos fenômenos humanos e sociais. Espera-se ter-se produzido não só um modesto ordenamento textual de reflexão do Direito brasileiro, mas uma proposta de pesquisa que possa em breve futuro, contribuir para melhores condições das sociedades, em especial a sociedade brasileira.
  • 11. 11 CAPÍTULO I VISÃO CONCEITUAL DO TEMA Toda pesquisa tem um ponto de partida necessariamente bem definido e, como apontou Teixeira (1999 p. 153), “em ciência, a pergunta é tudo. Não pode haver boa resposta para uma má pergunta”. Convém, portanto, que se comece o presente trabalho com a apresentação de conceitos fundamentais para uma boa resposta ao problema apresentado. No registro oportuno de Friede (2010, p. 10): Não obstante a tese segundo a qual o Direito se constitui em efetivo ramo cientifico ter sido negligenciada no passado por expressiva parcela de estudiosos, na atualidade contemporânea é, no mínimo, majoritária a posição doutrinária que entende o Direito como autêntica e genuína Ciência Autônoma. Ainda que se possa discutir se o Direito constitui-se na própria ciência, em sua descrição conceitual, ou, ao contrário, restringe-se apenas ao objeto de uma ciência (a chamada Ciência do Direito), a verdade é que, no presente momento evolutivo, poucos são os autores que ousam desafiar a visão dominante do Direito como ciência e suas principais consequências, especialmente após o advento – e, sobretudo, a leitura técnica – da notável obra de HANS KELSEN, Teoria Pura do Direito, em que o autor logrou demonstrar, na qualidade de mentor do racionalismo dogmático (normativismo jurídico), a pureza jurídica do Direito em seu aspecto tipicamente científico. Mesmo assim, entre nós, ainda existem aqueles que simplesmente defendem o ponto de vista do Direito como uma forma não-científica, desafiando não só o caminho lógico-evolutivo do estudo do Direito, mas, particularmente, a acepção mais precisa (e correta) do vocábulo ciência. Friede (2010) transcreve a opinião oposta, de Paulo Jacques (Curso de Introdução ao Estudo do Direito, data, p. 10-11): “(...) não é rigorosamente científico denominar o Direito de ciência (...) As pretensas ciências sociais, com ranço comtiano, onde se costuma incluir o Direito (...) não oferecem princípios de validez universal que lhes justifiquem a terminologia (...)”.
  • 12. 12 Cita igualmente Geny (1927, p. 69/71) que afirmou “O Direito não é ciência, mas arte, como também ramo da moral”, ao que se complementa a visão de Pedro Lessa (1912, p. 46): “As regras do Direito são preceitos artísticos, normas para fins práticos, determinações, ordens, que se impõem à vontade. Não se confundem com as afirmações científicas, que se dirigem à inteligência”. A presente pesquisa teve início no ano de 2007 tendo sida resumida, inicialmente, em texto de 74 páginas. À época, as literaturas consultadas por orientação acadêmica, como também os artigos publicados em sítios renomados, de modo geral, abordavam a pseudo desconstrução do Positivismo e a tentativa de inserção da principiologia hermenêutica como a nova visão de aplicação das normas jurídicas. Contudo, não parecia existir uma definição clara sobre a nova onda do Direito inaugurada no pós II Guerra Mundial. Em outras palavras, a Ciência do Direito, de acordo com a proposta pedagógica em vigor consiste nas doutrinas neopositivistas. A literatura disponível, tanto nas notas bibliográficas das ementas do curso, quanto na literatura encontrada na biblioteca da faculdade, correspondia aos autores clássicos, tais como: Luís Roberto Barroso, Tércio Sampaio Ferraz Jr., Orlando Gomes, José Afonso da Silva, Paulo Nader, Carlos Maximiliano, Hans Kelsen entre outros da mesma linha doutrinária. Pode-se aferir tal dimensão na exposição de Luís Roberto Barroso em seu livro O Direito Constitucional e a Efetividade da Norma (Renovar, 2002, p. 279-281) “A experiência constitucional brasileira revela a ausência de um constitucionalismo normativo sintonizado com a realidade social e apto a conformá-la juridicamente”. Tal crítica se funda, ainda segundo Barroso, nas muitas Constituições havidas no Brasil, o que ocasionou a proliferação de portarias1 e jurisprudências, gerando uma graduação entre as normas e o posicionamento jurisprudencial. Percebe-se de plano que o normativismo é o fulcro de suas atenções. Destarte, cumpre observar, preliminarmente, que a Ciência do Direito, conquanto não ser mais perscrutável como ciência de fato no conceito majoritário da doutrina, não se pode olvidar que sua metodologia pode ser considerada perfunctória2 . Até o presente momento, o curso de Direito optou por autores que trazem às pautas das discussões o neopositivismo valorado de princípios, porém, o mundo vivencia há quase 1 BARROSO, Luís Roberto. “A Efetividade das Normas Constitucionais”, in: O Direito Constitucional e a Efetividade da Norma, Rio de Janeiro: Renovar, 2002. (p. 76) 2 Opinião do autor
  • 13. 13 sessenta anos as tensões geradas pelo exorcismo do positivismo Kelsiano e a entronização da escola da filosofia hermenêutica e do neoconstitucionalismo que, no registro de Caixetai , é tratado como: “Nova Hermenêutica do Século XX”, “a saber: a) A Tópica de Viehweg; b) O Método Concretista de Konrad Hesse; c) O Método Concretista de Friedrich Müller; d) A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição de Peter Häberle; e) O Método Científico – Espiritual de Rudolf Smend. Apesar das pertinentes críticas das quais foram alvo, todos esses métodos têm o mérito de terem contribuído, de uma sorte ou de outra, para uma melhor interpretação dos textos em matéria de Direito Constitucional”3 . Na visão do autor, no Brasil, em especial, a Escola da Nova Hermenêutica Constitucionalista, foi adotada pelo Positivismo fundamentalista, valendo-se das Escolas Neopositivistas e sob o total controle do Poder Judiciário. Recordando a história do Direito, a hermenêutica jurídica clássica foi fundada por Savigny,4 fundamentando a dogmática jurídica com o elemento crítico e elevando o direito à categoria de ciência. Graças a Savigny, os chamados cânones tradicionais se estabeleceram. São eles: a) a interpretação gramatical; b) a interpretação lógica; c) a interpretação sistemática; d) a interpretação histórica5 . Bobbio amplia os cânones hermenêuticos aos meios da interpretação textual, buscando, sempre pelos meios positivistas, compreender a vontade do legislador, a saber: a) meio léxico (filológico); b) meio teleológico; c) meio sistemático; d) meio histórico6 . Segundo Amaral (2000)ii , Hans Kelsen por não considerar o direito como uma ciência do espírito não deixou nenhum método ou formulação hermenêutica. Kelsen via a sentença como um ato de conhecimento, uma decisão que dependeria simplesmente do ato intelectivo. O juiz deveria encontrar uma interpretação dentre as várias possíveis na moldura normativa ou ainda na letra da lei7 . 3 Artigo: Reflexos da “textura aberta do direito” para a aplicação das normas jurídicas. Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php? n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4346 acessado em01/05/2011 4 Friedrich Carl von Savigny, 1779 – Berlim, 1861) fundador da Revista da História para a Ciência do Direito, órgão da Nova Escola Histórica, de que foi o principal representante. 5 Jus Navigandi, Desenvolvido pela Jusnavigandi, 2005. Apresenta informações sobre Direito e doutrina, informações acadêmicas e textos diversos da área de Direito.Disponível em: http://www.jus.com.br. Texto "As lacunas da lei e as formas de aplicação do Direito - texto de Júlio Ricardo de Paula Amaral". p. 2-3 6 Op. cit. P.7 7 Opus citum, Amaral, 2005. p. 10
  • 14. 14 Nader (2006) insere a norma jurídica como de fundamental importância no estudo da Teoria Geral do Direito, defendendo que tais normas se referem à substância própria do Direito, uma vez que as mesmas dispõem sobre os fatos e consagram valores, tornando-se o ponto culminante do processo de elaboração do Direito e o ponto de partida operacional da dogmática jurídica, cuja função é sistematizar e descrever a ordem jurídica vigente. Afirma, ainda, que o conhecimento do Direito implica no conhecimento da norma jurídica e no seu encadeamento lógico e sistemático8 . No Brasil, porém, corroborando com a visão do autor, a “Nova Hermenêutica do Século XX”, especificamente a tese de Peter Häberle, percebe-se a adesão de sua forma interpretativa, quase que absoluta, pelo Supremo Tribunal Federal – STF, cujos Ministros e ex-ministros defendem o neoconstitucionalismo, não só como uma mudança integral nos métodos hermenêuticos, mas mudando o conceito normativista jurídico9 , a exemplo das observações do ex-ministro Eros Grau (2004): [...] a vida é inquietude. O Direito faz parte dela, compõe a realidade. E a realidade não para quieta. Disso se desdobra, na concepção de uma doutrina efetiva do direito, a compreensão da interpretação do Direito como trabalho de construção da norma jurídica. Norma e texto são coisas diversas. O que, por exemplo, poderia nos levar a discutir, como dizia Tarello, a validade do Direito em dois pontos, ou melhor, sob dois aspectos, o da validade do texto e o da validade da norma. Insisto, parenteticamente, que a norma é produzida pelo intérprete10 . Diante do exposto, surgem duas indagações de relevante importância para o estudo e interpretação do Direito: a) Qual o fulcro da Ciência do Direito? b) O que é, de fato, a Norma Jurídica e como interpretá-la nos dias atuais? A busca para responder os questionamentos acima pertence aos juristas doutrinadores, mestres e doutorandos do Direito e à magistratura. Fato inequívoco é que o momento é de transição, ou, para alguns, de transformação evolucionista, cujos paradigmas estão sendo criados, tanto no aspecto teórico como no empírico. 8 Nader, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, 27ª edição. Rio de Janeiro, Forense, 2007. p. 83 9 Mendes, Gilmar Ferreira e Vale, André Rufino do. O pensamento de Peter Häberle na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional - núm. 12, julio-diciembre 2009, pp. 121-146. 10 Grau, Eros Roberto Et al. O Que é Filosofia do Direito. Editora Manole: São Paulo, 2004. P. 48
  • 15. 15 Cabem mais alguns questionamentos complementares, que ensejam uma análise de natureza orientadora pragmática, em especial, para os advogados que postulam em favor de milhões de pessoas diariamente: a) Em que tipo de textura devem-se basear para criar a tese que defenda os Direitos dos seus clientes? Usarão um texto jurídico ou uma norma jurídica? Se em Primeira Instância, ainda é prevalecente o conceito de norma jurídica estabelecida pelo legislador ordinário, em recurso extraordinário ao STF, se lá chegar, mudam os paradigmas com relação ao texto e à norma, só não mudam as peças iniciais do processo. b) Em sendo o julgador que, por um processo hermenêutico, cria a norma jurídica na proclamação sentencial, não ensejaria um prejuízo à ampla defesa da parte prejudicada? Conceitualmente, nada mudou efetivamente no mundo acadêmico e doutrinário, continua-se aceitando o sistema jurídico civil law e os chamados cânones tradicionais de interpretação das normas jurídicas, contudo, percebem-se no dia a dia do Poder Judiciário inúmeras mudanças, sendo, algumas, verdadeiros enigmas no que diz respeito às tradições do Direito Brasileiro, ao regime Democrático de Direito, a partição igualitária dos Poderes da República, como também a prática de cânones hermenêuticos muito mais próximos do sistema jurídico common law, onde o Direito é elaborado por juízes mediante decisões que se tornam vinculantes para casos análogos posteriores, ou seja, a norma jurídica perfeita, até então a base do Direito Pátrio, passou a ser mera sugestão textual sem que houvesse uma ruptura sistêmico-jurídica no Direito, bem como a apostasia aos princípios do neopositivismo. Tamanho enigma traz à lembrança duas máximas do Senador Antônio Carlos Magalhães, publicadas em 2007 pelo O Globo Online, a primeira traduz o seu pensar sobre o poder: “O poder é a maneira de transformar uma ideia em realidade. Mas é só para quem tem apetite: quem não tem pode usufruir das mais diferentes oportunidades de mando que não vai conseguir mandar”;11 a segunda, ensina aos poderosos as melhores práticas da distribuição de derivativos do poder: “A arte da política consiste em saber dar a cada um o que ele espera de você. Alguns querem proteção, um emprego, por exemplo. Outros querem dinheiro. Há um terceiro tipo, que busca poder, o prestígio, até mesmo um carinho. Se você 11 AS MÁXIMAS DE ACM - O GLOBO 2007 - Publicada em 20/07/2007 às 02h47m - Retirado do site pessoal de Antonio Carlos Magalhães. http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/07/20/296879344.asp acessado em 21/10/2011
  • 16. 16 confundir as demandas, oferecer dinheiro a quem quer carinho ou poder a quem quer um emprego, arrumará um inimigo”.12 De certo que se percebe o flambar das tradições jurídicas brasileiras; resta identificar os agentes e conhecer com profundidade do apetite e das práticas distributivas dos derivativos inerentes ao poder. CAPÍTULO II APRESENTANDO OS PARADIGMAS O Direito tem acompanhado as grandes discussões da Filosofia através dos tempos e sua conceituação como ciência é relevante, pois advêm da discussão filosófica sobre o que seria ou não ciência. Foi no período do racionalismo filosófico que se buscou com mais consistência e independência processos de conhecimento metodizados que auxiliassem aos estudiosos a ordenação dos elementos objetivos e subjetivos de cognição. Até o final do século XVIII, na Europa, o Direito situava-se no âmbito da Filosofia Moral, juntamente com a Economia Política. Os conhecimentos de Direito foram fundamentais aos filósofos morais, como Adam Smith, presbiteriano escocês, fundador da Escola Clássica de Economia, bem como a Jeremy Bentham, um radical-filósofo, postulador do Utilitarismo. O Direito, por ter uma origem econômica consuetudinária e subserviente ao poder dominante, não foi a priori, considerado como uma ciência até o surgimento do Positivismo Jurídico, que por coerência essencial, formulou o Direito metodologicamente ordenado e dogmático, por tanto, cientificamente13 . Constata-se que a grande questão vivenciada pelo Direito hodierno brasileiro está atrelada à forte influência da Escola Positivista, base do pensamento republicano no país, no século XIX, contrapondo-se em vero enfrentamento, ao neoconstitucionalismo14 ; isto se justifica pelas sequelas culturais e do conhecimento causadas pelos períodos de totalitarismo político impostos pelos regimes de exceções vivenciados por muitos anos no século XX e a impossibilidade de gestação de uma nova geração pensante no Direito Nacional. 12 Op. cit. 13 Sine qua non 14 STRECKE, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2ª edição, 2ª tiragem - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P.1
  • 17. 17 No alvorecer deste noviço período democrático de cerca de vinte e cinco anos, contado a partir das eleições parlamentares para a Assembleia Nacional Constituinte que promulgou a Constituição de 1988, caracterizado pelo Estado Democrático de Direito, depara- se com um atraso de aproximadamente cinquenta anos de desenvolvimento global da Economia, do Direito Internacional Público e Privado que sustentam as relações dos tratados internacionais e desenvolvem as novas concepções fulcrais na Ciência do Direito15 . Na lavra de Barroso (2006) em “O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas”: “A visão do horizonte, todavia, não deve ocultar a extensão e a aridez do caminho a percorrer: apesar de tudo, somos ainda um país em busca de seu destino, marcado pela reprodução secular da desigualdade e do autoritarismo, ideologicamente perverso e institucionalmente imaturo.” (p. XI). Apesar de amplamente estudado e divulgado na literatura jurídica, faz-se interessante a apresentação de resumido esquema didático para melhor compreensão dos paradigmas que se opõem às novas interpretações no Direito brasileiro. Insurgindo-se contra a tradição jurídica e a legislação penal de seu tempo (século XVIII), Beccaria asseverou, quanto à interpretação da lei: "O juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a consequência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for obrigado a elaborar um raciocínio a mais, ou se o fizer por sua conta, tudo se torna incerto e obscuro". [01] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus. No mesmo norte, ponderou Montesquieu, ao defender o ideário liberal- positivista, fundado no pensamento de limitação estatal e divisão de poderes e na prevalência da legislação, oriunda da atividade legislativa: "o juiz é a boca que pronuncia as palavras da lei". Voltaire também se manifestou no mesmo sentido, afirmando que "o Juiz deve ser o primeiro escravo da lei". Esse método interpretativo, correspondente ao que Kelsen denominou teoria tradicional da interpretação, na qual a função jurisdicional possui caráter declarativo, na verdade buscou nos seus primórdios combater o absolutismo, se apresentando como "reação contra a magistratura exercida de forma parcial e abstrata pela nobreza do antigo regime". [02] SANTOS NETO, Arnaldo Bastos. A teoria da interpretação em Hans Kelsen. Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, n. 66, p. 37/88, jan./mar. 2009, p. 43. Naquela quadra histórica, o legislador criava a norma, e o juiz a aplicava ao caso concreto, numa perfeita subsunção fato/norma.16 15 Comprenção do autor 16 Andrade, Renato Faloni de; Ramos, Adriana Monteiro; Silva, Andréa Maria Pontes; Silva, Nivalda de Lima. A interpretação do Direito em Eros Grau. Repensando o paradigma. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=14826
  • 18. 18 Constata-se haver um contexto não apenas filosófico, mas também, histórico-político ambientando o conceito positivista em intentar uma interpretação pura do Direito baseado nas normas jurídicas, pelo qual o juiz deveria ser o mais submisso possível ao texto normativo. Não obstante esta pequena citação histórica, destaca-se a ciclópica evolução do conhecimento humano e fatos globais, associados a critérios hermenêuticos que propiciaram importantes questionamentos na história da humanidade recente. Em face disto, os problemas da Teoria Pura do Direito, que já não eram poucos, agravaram-se de forma peremptória, iniciando pelo descrédito do Positivismo como um sistema filosófico inquestionavelmente válido, associado, por exemplo, ao autoritarismo característico do nazismo. No caso brasileiro, cabe lembrar que Getulio Dornelles Vargas, o mais influente político do país ao longo do século XX, criador do regime do Estado Novo (1937-1945) era um advogado positivista do estado do Rio Grande do Sul. No círculo de abrangência que fundamenta a hermenêutica positivista brasileira é atribuída, conceitualmente, a norma jurídica válida à essência da própria Ciência do Direito, a qual só tem legitimidade para tal se derivada da vontade do povo, por seus legítimos representantes, livremente eleitos pelo voto direto17 . O método utilizado é o exegético literal, não havendo interesse em saber o que o legislador poderia ter querido dizer, mas sim, o que ele escreveu. Não se pode omitir que o Positivismo Jurídico brasileiro teve importância vital na qualidade de garantidor, do mínimo de respeito possível, ao Direito durante o período de exceção decorrente do golpe militar de 1964, sendo que também foi um precioso opositor político ao golpe, como se pode observar no depoimento e na valorosa carta escrita e lida pelo professor de Direito, Dr. Goffredo Telles Junior, na Universidade de São Paulo. Seu testemunho do evento, escrito trinta anos após, é o seguinte: Estávamos em 1977. Vivíamos o 13º ano de chumbo da ditadura militar. Havia em mim um sonho. Um sonho? O que em mim fervilhava era muito mais do que um sonho. Era um almejo ardente, um anhelo dominante. Era uma idéia arrebatadora. Era um projeto: o projeto de uma proclamação desassombrada incontido desabafo de minha alma, reflexo da alma flagelada de meu País. Era uma conjectura: a conjectura de um manifesto revolucionário — brado carismático por liberdade e pelo Estado de Direito. Das Arcadas do Largo de São Francisco, do Território Livre da Academia de Direito de São Paulo, eu queria dirigir a todos os brasileiros minha Mensagem de Aniversário uma alocução veemente, que fosse uma Proclamação de Princípios de nossas convicções políticas. Nós estávamos convictos de que a fonte genuína da ordem pública não era a Força, mas o Poder. Para nossa consciência jurídica, o Poder emana do povo; era 17 Telles Júnior, Goffredo. Carta aos Brasileiros. http://www.goffredotellesjr.adv.br/site/pagina.php? id_pg=30#um. acessado em 01/05/2011
  • 19. 19 produto da manifestação popular. A Força era outra cousa. Era a imposição das armas. A Força não deveria nunca ser mais do que instrumento a serviço do Poder. Nós denunciávamos como ilegítimo todo Governo fundado na Força. Legítimo somente o era, o Governo que fosse Órgão do Poder. Para nós, ilegítimo era o Governo cheio de Força e vazio de Poder. Reconhecíamos que o Chefe do Governo era o mais alto funcionário nos quadros administrativos da Nação. Mas negávamos que ele fosse o mais alto Poder de um País. Acima dele, reinava o Poder de uma Idéia: reinava o Poder das convicções que inspiravam as linhas mestras da Política nacional. Reinava o senso grave da Ordem, que se achava definido na Constituição. Proclamávamos a soberania da Constituição. Afirmávamos que a fonte legítima da Constituição era o Povo. Sustentávamos, também, que só o Povo, por meio de seus Representantes no Congresso Nacional, tinha competência para emendar a Constituição. Para nós, o exercício do Poder Constituinte por autoridade que não fosse o Povo, configurava usurpação de poder político. [...] Eu afirmaria que o binômio Segurança e Desenvolvimento não têm o condão de transformar uma Ditadura numa Democracia, um Estado de Fato num Estado de Direito. Eu declararia falsa a vulgar afirmação de que o Estado de Direito e a Democracia são a sobremesa do desenvolvimento econômico. Eu lembraria que desenvolvimentos econômicos se fazem, às vezes, nas mais hediondas ditaduras. Eu proclamaria que nenhum País deve esperar por seu desenvolvimento econômico, para depois implantar o Estado de Direito. Advertiria que os Sistemas, nos Estados de Fato, ficam permanentemente à espera de um maior desenvolvimento econômico, para nunca implantar o Estado de Direito. Nós queríamos, sim, segurança e desenvolvimento. Mas queríamos segu- rança e desenvolvimento dentro do Estado de Direito.18 A antevéspera da “Carta aos Brasileiros”: Aqui, Goffredo fala sobre a morte por tortura do Jornalista Wladimir Herzog, que gerou enorme comoção entre os juristas, mas, também, atingindo o corpo discente da Universidade. Completara-se o clima de emoção e repúdio ao regime totalitário do golpe militar. Mataram Wladimir Herzog nos porões do Doi-Codi. Vlado era Diretor de Jornalismo da TV Cultura. Era amigo de todo mundo. Foi morto sob tortura, em Outubro de 1975. De seu suplício, ouvi circunstanciado relato, feito pelo jornalista Rodolfo Osvaldo Konder, no escritório do advogado José Carlos Dias. Esse depoimento, tomado por termo, foi testemunhado por mim, pelos juristas Prudente de Moraes Neto, Maria Luíza Flores da Cunha Bierrenbach, José Roberto Leal de Carvalho e Arnaldo Malheiros Filho, e pelo padre Olivo Caetano Zolin. Rodolfo Konder estivera também preso naqueles mesmos antros do Departamento de Operações Internas (DOI). Fôra acareado com seu colega. Depois, escutara os gritos e gemidos do amigo, em sessões bárbaras de tortura. A morte de Wladimir Herzog causou comoção enorme. Os estudantes da Academia deixaram as salas de aula, aglomeraram-se ruidosamente no Pátio. O Centro Acadêmico XI de Agosto improvisou um comício no Largo, e seus estupendos oradores vituperaram os horrores do regime. Os bispos, na Conferência de Itaici, denunciaram as mortes praticadas sob tortura, e lançaram um brado de protesto. A Ordem dos Advogados do Brasil manifestou sua revolta contra a tortura e o assassinato nas prisões, e pôs-se à disposição de Clarice, mulher de Herzog, para os pleitos que ela quisesse intentar em juízo, contra os responsáveis pela morte de seu marido. Todos os órgãos da imprensa, escrita e falada, e todas as entidades 18 Op. cit.
  • 20. 20 representativas da mídia clamaram contra o assassínio de Vlado e contra as atrocidades praticadas pelo aparelho repressivo do II Exército. A Missa do 7° Dia foi celebrada na Catedral da Praça da Sé. Oficiou-a o Cardeal Arcebispo Dom Evaristo Arns, que foi assistido por dois Rabinos e um Pastor protestante. Grande multidão acorreu à cerimônia, superlotou o templo, comprimiu-se nas escadarias, tomou os espaços contíguos. A Missa foi sucedida com emocionante comício de protesto contra a Ditadura, e com o "Caminhando" de Geraldo Vandré, entoado pelo povo, diante da Catedral. O implacável delegado Erasmo Dias quis, em vão, bloquear as vias de acesso à Praça, e mais uma vez deu motivo para ser odiado.19 “Carta aos Brasileiros”: Por fim, o texto da carta escrita e lida por Goffredo Telles Junior e assinada por quase uma centena de destacados juristas brasileiros. Das Arcadas do Largo de São Francisco, do “Território Livre” da Academia de Direito de São Paulo, dirigimos, a todos os brasileiros esta Mensagem de Aniversário, que é a Proclamação de Princípios de nossas convicções políticas. Na qualidade de herdeiros do patrimônio recebido de nossos maiores, ao ensejo do Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil, queremos dar o testemunho, para as gerações futuras, de que os ideais do Estado de Direito, apesar da conjuntura da hora presente, vivem e atuam, hoje como ontem, no espírito vigilante da nacionalidade. Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras. Nossa fidelidade de hoje aos princípios basilares da Democracia é a mesma que sempre existiu à sombra das Arcadas: fidelidade indefectível e operante, que escreveu as Páginas da Liberdade, na História do Brasil. Estamos certos de que esta Carta exprime o pensamento comum de nossa imensa e poderosa Família – da Família formada, durante um século e meio, na Academia do Largo de São Francisco, na Faculdade de Direito de Olinda e Recife, e nas outras grandes Faculdades de Direito do Brasil – Família indestrutível, espalhada por todos os rincões da Pátria, e da qual já saíram, na vigência de Constituições democráticas, dezessete Presidentes da República. [...] Toda lei é legal, obviamente. Mas nem toda lei é legítima. Sustentamos que só é legítima a lei provinda de fonte legítima. Das leis, a fonte legítima primária é a comunidade a que as leis dizem respeito; é o Povo ao qual elas interessam comunidade e Povo em cujo seio as idéias das leis germinam, como produtos naturais das exigências da vida. Os dados sociais, as contingências históricas da coletividade, as contradições entre o dever teórico e o comportamento efetivo, a média das aspirações e das repulsas populares, os anseios dominantes do Povo, tudo isto, em conjunto, é que constitui o manancial de onde brotam normas espontâneas de convivência, originais intentos de ordenação, às vezes usos e costumes, que irão inspirar a obra do legislador. Das forças mesológicas, dos fatores reais, imperantes na comunidade, é que emerge a alma dos mandamentos que o legislador, na forja parlamentar, modela em termos de leis legítimas. A fonte legítima secundária das leis é o próprio legislador, ou o conjunto dos legisladores de que se compõem os órgãos legislativos do Estado. Mas o legislador e os órgãos legislativos somente são fontes legítimas das leis enquanto forem representantes autorizados da comunidade, vozes oficiais do Povo, que é a fonte primária das leis. 19 Op. cit.
  • 21. 21 O único outorgante de poderes legislativos é o Povo. Somente o Povo tem competência para escolher seus representantes. Somente os Representantes do Povo são legisladores legítimos. A escolha legítima dos legisladores só se pode fazer pelos processos fixados pelo Povo em sua Lei Magna, por ele também elaborada, e que é a Constituição. Consideramos ilegítimas as leis não nascidas do seio da coletividade, não confeccionadas em conformidade com os processos prefixados pelos Representantes do Povo, mas baixadas de cima, como carga descida na ponta de um cabo. Afirmamos, portanto, que há uma ordem jurídica legítima e uma ordem jurídica ilegítima. A ordem imposta, vinda de cima para baixo, é ordem ilegítima. Ela é ilegítima porque, antes de mais nada, ilegítima é a sua origem. Somente é legítima a ordem que nasce, que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do Povo. [...].20 Desta forma, o Positivismo Jurídico brasileiro cria profundas raízes na cultura do Direito no país e indissolúveis ligações histórica e política com o Estado democrático de Direito até os dias atuais. Em recente artigo, Ives Gandra Martins (2008) afirmou sua frustração em relação ao governo de Luis Inácio Lula da Silva, evidenciando as raízes neopositivistas que impregnam o Direito brasileiro quanto à concepção do Estado democrático de Direito e, complementarmente, o posicionamento político ideológico que subsidia o Direito pátrio: As promessas da Constituição de 1988 não se realizaram. A expectativa de um Estado Democrático de Direito ficou paralisada, pois somos menos um Estado de Direito que Democrático. A solidariedade tornou-se ideologia e expressão do ódio dissimulado. A independência dos Poderes vem sendo atropelada pela fúria do Executivo Federal. Os resultados não têm correspondido às intenções, possivelmente em razão de algumas delas serem inconfessáveis e criptografadas. A Constituição Cidadã tornou-se uma ante-sala da República Bolivariana do Brasil, tragicômica versão da Revolução Comunista Bolivariana.21 Não obstante toda a evolução do conhecimento humano, tais como o melhor saber dos processos hermenêuticos jungidos à Filosofia do Direito, o paradigma do Positivismo evolui de maneira multiplicadora, em vários outros paradigmas, formando as escolas neopositivistas, onde se assentam importantes construções da teoria do Direito, como, por exemplo, o neoconstitucionalismo aderido pelo Supremo tribunal Federal, STF, como já referido na citação do dr. Eros Grau22 . 20 Op. cit. 21 Martins, Ives Gandra. O Definhamento do Estado de Direito. Diário do Comércio, 29/04/2008. http://www.gandramartins.adv.br/art_detalhes.asp?id=74 22 O Que é Filosofia do Direito. Editora Manole: São Paulo, 2004.
  • 22. 22 O Brasil vive, ainda, sob o conceito kantiano ou neokantiano da Ciência do Direito e grava tal posição no Texto Magno de suas leis, precisamente nas cláusulas pétreas, onde professa o Sistema Jurídico da Civil Law, impondo uma contradição insolúvel à visão principiológica do Direito hodierno, privilegiando apenas a magistratura, que reinterpreta as normas textuais à visão das jurisprudências existentes e da interpretação do texto constitucional em decisão monocrática ou colegiada23 , em clara semelhança e influência do Sistema Jurídico da Common Law, utilizado no Reino Unido e nos Estados Unidos da América. Complementa o cenário desfavorável ao neopositivismo a verificação de casos generalizados de improbidade no Poder Legislativo do Brasil, bem como o desvio de sua natureza jurídica essencial. O Congresso Nacional tornou-se, há alguns anos, um poder dissonante do espírito republicano, uma casa repleta de políticos de pouco preparo, comandados pelos mais argutos políticos do país, cujos interesses estão muito longe das funções legislativas24 . Mesmo com o Poder Legislativo desviado de sua natureza, o neopositivismo ainda evoca em sua legitimidade o inciso segundo do artigo quinto da Constituição Brasileira, que diz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Conclui-se que a Ciência do Direito no Brasil permanece seguindo a linha kantiana da Crítica da Razão Pura, estruturada por Hans Kelsen em sua Ciência Pura do Direito, perseguindo a evolução do curso da história do conhecimento humano, definida, nos dias atuais como neopositivismo, incorporando a concepção dos valores principiológicos e hermeneuticamente, seguindo o neoconstitucionalismo de Peter Häberle, muito embora, de acordo com Lenio Streck essa tentativa de fusão principiológica e hermenêutica não seja pacífica: o pós-positivismo deve ser entendido no interior do paradigma do Estado Democrático de Direito instituído pelo constitucionalismo compromissório e transformador social surgido no segundo pós-guerra, denominado de neoconstitucionalismo.25 Tem-se ainda como paradigma a Civil Law, exigindo-se a produção legislativa, porém, seu valor passou a ser de mera norma textual, sendo prerrogativa da magistratura a criação da norma jurídica 23 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, inciso II. 24 Interpretação livre do autor a partir de: Toffoli, José Antônio Dias. Segurança jurídica: "Se o juiz cuida do futuro, torna o passado instável". http://www.conjur.com.br/2011-fev-20/entrevista-dias-toffoli-ministro- supremo-tribunal-federal em 21/02/2011. 25 STRECKE, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2ª edição, 2ª tiragem - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P.1
  • 23. 23 pela via jurisprudencial, produto de uma sinergia, racionalmente inexplicável, entre os Sistemas Jurídicos Civil Law e Common Law. CAPÍTULO III A ERA DOS NOVOS VALORES Para que serve o acúmulo ilimitado do ganho de capitais? Qual a real função do direito hereditário da propriedade? O que leva os seres humanos a se dividirem em grupos econômicos separados por um abismo intransponível? Por que o mundo é dividido em países detentores e produtores de tecnologias e patentes, enquanto outros permanecem como produtores de matérias primas in natura? Nos discursos escatológicos registrados no Evangelho de Mateus26 , precisamente no capítulo vinte e cinco, versículos trinta e um e seguintes, encontra-se a narrativa atribuída a Jesus, cujos destaques in verbis são os seguintes: “[...] e pondo as ovelhas à direita e os cabritos à esquerda. Então dirá o rei aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Pois tive fome e me deste de comer. Tive sede e me deste de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e vieste ver-me’. [...] Ao que lhes responderá o rei: ‘Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste’”27 . 26 Bíblia de Jerusalém. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das introduções e notas de La Sainte Bible, ed. 1973, publicada sob a direção da “École Biblique de Jérusalem”. São Paulo: Paulinas, 1981. P. 1316 27 Grifos do autor
  • 24. 24 Obviamente que não se pretende responder aos questionamentos neste modesto trabalho de bacharelado, mas não se podem omitir as grandes questões das sociedades atuais, pois refletem os valores que estão se liquefazendo, segundo Zygmunt Bauman em seu livro “A Sociedade Líquida”, conforme registrado no pequeno trecho em entrevista a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke, em 2003iii . Uma das características do que eu chamo de "modernidade sólida" é a de que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os perigos eram reais, palpáveis e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era, por exemplo, óbvio que alimento -e só alimento- era o remédio para a fome. Os riscos de hoje são de outra ordem, não se podendo sentir ou tocar em muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas consequências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando. O mesmo acontece com os níveis de radiação e poluição, a diminuição das matérias-primas e fontes de energia não-renováveis e os processos de globalização sem controle político ou ético que solapam as bases de nossa existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem precedentes. É nesse ponto que a sociologia tem um papel importante a desempenhar. Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados, mas também minimizados, mesmo quando notados. Do mesmo modo, as ações necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como sendo causa das incertezas e ansiedades modernas. Veja, por exemplo, o caso das manifestações contra imigrantes que ocorrem pela Europa. Vistos como "o inimigo" próximo, eles são apontados como os culpados pelas frustrações da sociedade, como aqueles que põem obstáculo aos projetos de vida dos demais cidadãos. A noção de "solicitante de asilo" adquire, nesse quadro, uma conotação negativa, ao mesmo tempo em que as leis que regem a imigração e naturalização se tornam mais restritivas, e a promessa de construção de "centros de detenção" para estrangeiros confere vantagens eleitorais a plataformas políticas28 . A partir de fins do século XX, diversos autores analisaram rigorosamente a situação de indefinições conceituais pela qual passa a sociedade atual. Por exemplo, Bauman (2003) prossegue criticando a ética de mercado neoliberal de forma categórica: 28 Entrevista de Zygmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke. Folha de S. Paulo, São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003
  • 25. 25 O ser racional impregnado pelas influências dos mercados, é incapaz de exercer a razão sem uma cumplicidade ideológica, gerando um tipo de racionalização, assim definida por Bauman (2003) Os interesses comerciais não se conciliam facilmente com um sentimento da responsabilidade relativo ao bem-estar daqueles que se poderão descobrir lesados pela maximização dos resultados visado pelo mundo dos negócios. Na linguagem do meio, a «racionalização» significa as mais das vezes o despedimento de pessoas que até esse momento ganhavam a vida ao serviço dos interesses dos racionalizadores. Essas pessoas passam agora a ser «supranumerárias» por se terem descoberto maneiras mais eficazes de fazer as tarefas que elas faziam, ao mesmo tempo que os seus serviços passados pouco são levados em conta: cada transacção comercial, se quiser ser perfeitamente racional, terá de começar do zero, esquecendo os méritos passados e as dívidas de gratidão. A racionalidade do mundo dos negócios furta-se à responsabilidade das consequências que ela própria produz, o que representa um novo golpe mortal na importância das considerações morais.30 Este período registra o predomínio de um modo de pensar ligado ao final do século XIX, antes da consolidação dos direitos sociais nas sociedades industrializadas, quando vigoravam o Liberalismo Econômico, associado ao Liberalismo Político. O Neoliberalismo31 não mudou, essencialmente, as bases sobre que se assenta o Liberalismo desde seu surgimento no século XVIII e suas teses centrais são: a) o menos de Estado e de política possível – a despolitização total dos mercados e a liberdade absoluta de circulação dos indivíduos e dos capitais privados; b) a defesa intransigente do individualismo; c) a igualdade social é apenas igualação de oportunidades ou condições iniciais igualizadas para todos. Contudo, por haver, desde o final da Grande Depressão dos anos 30 do século XX, um Estado regulador do capitalismo moderno, o Neoliberalismo defende a intervenção de políticas públicas nas áreas de interesse coletivo e que não sejam rentáveis para o capital privado, onde se manifestem extraordinária situação de carência social, a exemplo do investimento em infra-estrutura.32 29 Zygmunt Bauman (1995). A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Relógio de Água, 2007. Pág. 266-267. http://trabalhosedias.blogspot.com/2010/07/etica-do-neoliberalismo.html em 18/02/11. 30 Op. cit. 31 Ideário de retorno ao pensamento liberal, que havia sido dominante até a Grande Depressão dos anos 30 do século XX, o Neoliberalismo resulta do esforço de economistas conservadores, principalmente austríacos, como Friedrich von Hayek, em combater a intervenção estatal na economia e na sociedade, então em voga, proveniente das análises do economista inglês John Maynard Keynes, de que derivou o Estado do Bem Estar Social. Os neoliberais consideram que o Keynesianismo foi um desvio aberrante dos princípios liberais, que não deveria ter acontecido. 32 FIORI, José Luiz. Neoliberalismo e Políticas Públicas. Conferência proferida na abertura do seminário sobre “Controle Social e Políticas Sociais: tendências e perspectivas”, realizado em Recife, PE, em novembro de 1995.
  • 26. 26 Liberalismo e democracia mostraram não serem mais totalmente compatíveis, uma vez que a democracia foi levada às extremas consequências da democracia de massa, partidos de massa, cujo produto é o Estado assistencial33 . O impacto de uma grande contradição entre o liberalismo econômico e a preservação das democracias, só têm se acentuado com o processo de globalização em curso34 . Os instrumentos de políticas econômicas contemporâneas consistem primeiramente no controle dos capitais de investimento, tecnologias produtivas e acessos aos mercados. Com isso tem-se percebido uma re-hierarquização política no mundo, que vem consolidando uma nova geopolítica que vem se organizando em torno de três grandes espaços econômicos35 . A respeito do que fala Fiori, Ivan du Roy, escritor e ativista ambiental, publicou em sítios diversos no dia 26.09.2011 o artigo com a seguinte chamada: 737 donos do mundo controlam 80% do valor das empresas mundiais. Um estudo publicado na Suíça revela que um pequeno grupo de sociedades financeiras ou grupos industriais domina a grande maioria do capital de dezenas de milhares de empresas no mundo36 . Pesquisada a notícia encontramos o citado trabalho: The network of global corporate control:Stefania Vitali, James B. Glattfelder, and Stefano Battiston - Chair of Systems Design, ETH Zurich37 . Da lavra de Leonardo Vizeu (data), pode-se avançar um pouco mais sobre os novos valores econômicos e jurídicos: Durante o processo de derrocada do modelo estatal absolutista, que culminou com o nascimento do Estado democrático de direito, ordem econômica e social era matéria que ficava alheia à intervenção do Poder Público. O Estado, até então, posicionava-se de forma absenteísta, garantindo, tão- somente, a defesa externa, a segurança interna e o cumprimento dos acordos contratuais celebrados. Isto porque, no campo econômico, pregavam-se as idéias do liberalismo, consubstanciadas na teoria da mão invisível de Adam Smith, na qual a persecução dos interesses individuais resultaria no atendimento às necessidades coletivas, não havendo necessidade de intervenção do Poder Público. Todavia, a teoria da mão invisível somente conduzia o mercado à realização de resultados socialmente desejáveis em ambientes concorrencialmente perfeitos, isto é, nos mercados onde todos os agentes econômicos estivessem em perfeita igualdade de competição. Assim, diante das desigualdades entre os competidores de mercado, houve uma seleção adversa entre estes, fruto tanto da 33 Op. cit. 34 Op. cit. 35 Op. cit. 36 http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9503/737-donos-do-mundo- controlam-80%-do-valor-das-empresas-mundiais acessado em 5/10/2011; http://www.bastamag.net/article1719.html acessado em 13/10/2011 37 http://arxiv.org/PS_cache/arxiv/pdf/1107/1107.5728v2.pdf acessado em 13/10/2011
  • 27. 27 diferença natural de poderio econômico quanto de práticas anticoncorrenciais, engendradas com o fim de eliminar os demais agentes competidores. Tais práticas tiveram efeitos funestos para a economia das nações, uma vez que proporcionou a criação de diversos trustes, cartéis e monopólios, que perpetraram diversos abusos econômicos, e também para sua ordem social, tendo em vista que acirrou a concentração de renda nas mãos da parcela mais abastada, gerando uma gama inaceitável de párias socialmente marginalizados, excluídos do processo de geração de riquezas38 . Segue Vizeu (2006) tecendo considerações sobre a positivação no plano constitucional de normas de ordem econômicas e sociais. [...] mister se fez ao Estado rever seu posicionamento em face de sua ordem econômica e social, saindo de uma postura de inércia, a fim de adotar um posicionamento mais ativo de intervenção, e, assim, garantir equilíbrio e harmonia econômicos, para que o mercado, diante da interferência do Poder Público, atingisse metas socialmente desejáveis para o desenvolvimento da nação. Desse modo, positivou-se, no plano constitucional, ordem econômica e social como normas materialmente constitucionais, legitimando, no plano infraconstitucional, leis de intervenção pública na economia e de garantia de direitos no campo social39 . Falar sobre novos valores não significa defini-los, mas registrar que os valores conhecidos e aceitos pela humanidade até então, estão sendo questionados em face das muitas crises econômicas que assolam o mundo, desvendando os reais paradigmas de valores que sustentam os diversos grupamentos sociais hodiernos. Se a internacionalização dos capitais dinamizou o Direito Internacional, Público e Privado, em meio à crise internacional do neoliberalismo econômico se exigirá muito mais, uma vez que, em princípio, as demandas de conflitos tendem a aumentar, bem como, dentro de uma lógica defensiva em meio à concorrência predatória, a formação de blocos econômicos regionais e acordos bilaterais. Com efeito, em todo o mundo, questionam-se aspectos diversos das práticas neoliberais, que usaram o Estado para a redução ou extinção de direitos da cidadania, em prol de um discurso privilegiador da estabilidade monetária e nada mais. É exemplar o texto que aqui se reproduz, no Box 1, da BBC, intitulado: “Há vinte anos, a queda do Comunismo no Leste Europeu parecia provar o triunfo do capitalismo. Mas teria sido uma ilusão?”40 . 38 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito econômico. São Paulo: MP Ed., 2006. P. 9 - 10 39 Op. cit. 40 'Temos que abandonar o mito do crescimento econômico infinito', diz economista. Atualizado em 4 de outubro, 2011 - 06:58 (Brasília) 09:58 GMT. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_tim_jackson_rw.shtml acessado em 5/10/2011
  • 28. 28 Box 1 'Temosqueabandonaromitodocrescimentoeconômicoinfinito',dizeconomista Os constantes choques no sistema financeiro internacional nos últimos anos levaram a BBC a perguntar a uma série de especialistas se eles acham que o capitalismo fracassou. Neste texto, Tim Jackson, professor da Universidade de Surrey e autor do livro Prosperity without Growth - Economics for a Finite Planet (Prosperidade sem Crescimento: Economia para um Planeta Finito, defende o abandono do mito do crescimento infinito: Toda sociedade se aferra a um mito e vive por ele. O nosso mito é o do crescimento econômico. Nas últimas cinco décadas, a busca pelo crescimento tem sido o mais importante dos objetivos políticos no mundo. A economia global tem hoje cinco vezes o tamanho de meio século atrás. Se continuar crescendo ao mesmo ritmo, terá 80 vezes esse tamanho no ano 2100. Esse extraordinário salto da atividade econômica global não tem precedentes na história. E é algo que não pode mais estar em desacordo com a base de recursos finitos e o frágil equilíbrio ecológico do qual dependemos para sua sobrevivência. Na maior parte do tempo, evitamos a realidade absoluta desses números. O crescimento deve continuar, insistimos. As razões para essa cegueira coletiva são fáceis de encontrar. "Os dias de gastar dinheiro que não temos em coisas das quais não precisamos para impressionar as pessoas com as quais não nos importamos chegaram ao fim" O capitalismo ocidental se baseia de forma estrutural no crescimento para sua estabilidade. Quando a expansão falha, como ocorreu recentemente, os políticos entram em pânico. As empresas lutam para sobreviver. As pessoas perdem seus empregos e em certos casos suas casas. A espiral da recessão é uma ameaça. Questionar o crescimento é visto como um ato de lunáticos, idealistas e revolucionários. Ainda assim, precisamos questioná-lo. O mito do crescimento fracassou. Fracassou para as 2 bilhões de pessoas que vivem com menos de US$ 2 por dia. Fracassou para os frágeis sistemas ecológicos dos quais dependemos para nossa sobrevivência. Crise e oportunidade Mas a crise econômica nos apresenta uma oportunidade única para investir em mudanças. Para varrer as crenças de curto prazo que atormentaram a sociedade por décadas. Para um compromisso, por exemplo, para uma reforma radical dos mercados de capitais disfuncionais. A especulação sem controle em commodities e em derivativos financeiros trouxeram o mundo financeiro à beira do colapso há apenas três anos. Ela precisa ser substituída por um sentido financeiro mais longo e lento. Consertar a economia é apenas parte da batalha. Também precisamos enfrentar a intrincada lógica do consumismo. Os dias de gastar dinheiro que não temos em coisas das quais não precisamos para impressionar as pessoas com as quais não nos importamos chegaram ao fim. Viver bem está ligado à nutrição, a moradias decentes, ao acesso a serviços de boa qualidade, a comunidades estáveis, a empregos satisfatórios. A prosperidade, em qualquer sentido da palavra, transcende as preocupações materiais. Ela reside em nosso amor por nossas famílias, ao apoio de nossos amigos e à força de nossas comunidades, à nossa capacidade de participar totalmente na vida da sociedade, em uma sensação de sentido e razão para nossas vidas.41 . 41 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_tim_jackson_rw.shtml acessado em 5/10/2011
  • 29. 29 É a busca de novos valores necessários para permitir uma hermenêutica jurídica universalista que levou a Ciência do Direito a evoluir do princípio positivista normativo para o pós-Positivismo principiológico constitucionalista. Relevante é frisar a influência que a Economia exerce sobre o Direito e aquiescer-se ao fato de que as ciências podem e devem ser interpretadas principiologicamente. Significa dizer que não é possível existir uma ciência desassociada do princípio da racionalidade ou da metafísica e, como princípios fundantes destes dois mundos dialeticamente opostos, encontram-se a Economia e a transcendência. A validade de qualquer ciência se dará por sua metodologia e por sua vinculação principiológica a Economia ou a metafísica. Não há de se discordar de quem, a contrário sensu, pense estar o autor equivocado, contudo, nesta linha de raciocínio, não se há de conceber qualquer tipo de ciência pura, com especial objetivação às Ciências Sociais.42 Ainda na lavra de Leonardo Vizeu, destacam-se singelas definições sobre o alguns conceito acerca da definição de Direito: Nem todas as relações sociais são objeto de estudo pelo direito, mas tão- somente as relações jurídicas lato sensu, isto é, as relações decorrentes de um vínculo jurídico, oriundo de uma das fontes obrigacionais do próprio direito (a saber, lei, contratos, usos e costumes, promessas unilaterais de vontade, etc.). O direito, partindo-se de um conceito objetivo, derivado de nossa herança romano-germânica, é o conjunto de normas coercitivamente impostas pelo Estado com o fim de promover a pacificação e a harmonização da sociedade. Por sua vez, no plano subjetivo, o direito é a faculdade que o indivíduo tem de invocar a seu favor o amparo legal para defender seu patrimônio jurídico, quando violado ou ameaçado por outrem. Na lição romana é o facultas agendi. O titular do direito subjetivo exerce-o, via de regra, sobre o patrimônio jurídico de outrem, isto é, o exercício deste direito implica em dever e obrigação para com terceiro. Segundo Rudolph Von Jhering, jurisfilósofo alemão, adotando-se um conceito de caráter subjetivo, o direito pode ser visto como um complexo de condições existenciais da sociedade, asseguradas de forma imperativa pelo Poder Público, a fim de que os indivíduos possam exercê-las quando se fizer necessário43 . Em Lizt Vieira (2011), encontra-se uma análise sintética, porém esclarecedora sobre a teoria social e a modernidade enumerando os vários fatos que desafiaram e permanecem desafiando as sociedades diante do deletério cenário em que o mundo se encontra. Modernidade é um tema recorrente no pensamento sociológico contemporâneo. A compreensão dos fenômenos, estruturas e processos históricos, sociais, políticos, culturais e econômicos que levaram à configuração de nosso mundo de hoje constituiu - e ainda constitui - um desafio ao pensamento crítico da teoria social. 42 Proposta de pesquisa do autor para mestrado e doutorado 43 Op. cit.- Figueiredo, Leonardo Vizeu. P.12
  • 30. 30 Com efeito, a partir do século XVI, as grandes navegações, o mercantilismo, o Renascimento, o antropocentrismo, a manufatura, a revolução científica, as revoluções burguesas, o individualismo, o surgimento do Estado nacional e de novas classes sociais, a revolução industrial, o iluminismo, representaram marcos de uma profunda mudança que abalou os alicerces das sociedades pré-modernas e consolidou o capitalismo, sempre às voltas com suas crises cíclicas. No século XX, duas guerras mundiais, a guerra fria, o predomínio do capital financeiro, a expansão do mercado mundial, o desmoronamento do socialismo estatal, a crise ecológica, o avanço da democracia política com aumento da pobreza, o enfraquecimento do Estado nacional e de seus atributos básicos (soberania, autonomia, territorialidade, cidadania etc.) pelo processo de globalização, a compressão do espaço-tempo, o fortalecimento da sociedade civil em plano global, a informática, as telecomunicações, os meios de comunicação de massa, o consumismo, o apartheid social, entre outros fatores, levaram a uma nova configuração de forças num mundo "pós-moderno", "pós-nacional", ou de modernidade "alta", "tardia" ou "incompleta". Grandes pensadores debruçaram-se sobre o tema da modernidade, desde Marx - tudo que é sólido desmancha no ar - e Weber - a modernidade desencantou o mundo - passando pela Escola de Frankfurt (Adorno, Benjamin, Horkheimer) - que, em pleno nazismo e stalinismo, tentava, ancorada em Weber, conciliar Freud e Marx. Seu atual herdeiro - Habermas - sustenta que a modernidade é um processo ainda incompleto, o que não lhe impede de afirmar que o trabalho perdeu a centralidade no mundo de hoje, que não é mais explicável pelo paradigma da produção. Grande impacto tiveram as teorias da estruturação, reflexividade e alta modernidade (Anthony Giddens), da sociedade de risco (Ulrich Beck), do capitalismo desorganizado (Claus Offe, Lash & Urry), da acumulação flexível pós-fordista (David Harvey e outros) etc. Destaque importante alcançaram ainda aqueles que esposaram a teoria da pós-modernidade, como J. F. Lyotard, para quem a fragmentação e a heterogeneidade das sociedades contemporâneas impedem sua explicação por metanarrativas abrangentes e unificadoras, herdeiras do racionalismo iluminista, e também F. Jameson, que vê o pós-moderno como expressão cultural do capitalismo tardio44 . Lizt Vieira destaca que o Brasil se beneficiou de toda a produção teórica sobre as ciências sociais, contudo, somente em tempos mais recentes é que iniciou uma produção crítica própria, sobre a qual faz os seguintes destaques: [...] Se a categoria reconhecimento foi criticada por não dar conta da problemática socioeconômica da redistribuição, a categoria cidadania, segundo o autor, engloba as duas dimensões: reconhecimento e redistribuição. Celi Pinto aborda os impactos para a democracia provocados pela presença dos direitos multiculturais. O reconhecimento da diferença étnica e de gênero, e a inclusão das minorias culturais, colocam desafios à democracia contemporânea. Indaga se o multiculturalismo poderá contribuir para a redução das desigualdades sociais e a superação do Estado liberal ancorado na concepção individual de direitos. Analisa a construção da "coalizão arco-íris" (Iris Young), a solução dos "públicos múltiplos" (Nancy Fraser) e a perspectiva de uma "política da presença" (Anne Phillips). Propõe políticas sociais para combater a desigualdade e a falta de reconhecimento dos grupos excluídos. Jessé Souza analisa as fontes de desigualdade e injustiça nas sociedades contemporâneas com base, principalmente, nas teorias do reconhecimento de Charles Taylor e Axel Honneth, que seriam mais complexas e sofisticadas do que as pesquisas de Inglehart sobre a emergência dos valores "pós-materiais" na segunda 44 Artigos Acadêmicos: Resenha do livro "Teoria Social e Modernidade no Brasil". Por Liszt Vieira. http://lisztvieira.com.br/artigos-academicos-detalhe.php?id=17 acessado em 10/09/2011
  • 31. 31 metade do século XX. Discute o argumento de Taylor, Honneth e Fraser segundo o qual o reconhecimento é a categoria central da política moderna. A luta por reconhecimento seria a forma paradigmática do conflito político, pois a dominação cultural estaria suplantando a exploração econômica como injustiça fundamental no mundo de hoje. Valendo-se da visão de Fraser sobre reconhecimento e desigualdades sociais, propõe um diagnóstico teórico das desigualdades e injustiças predominantes nas sociedades contemporâneas. José Eisenberg recorre à filosofia da linguagem com a intenção de mostrar os equívocos linguísticos e pragmáticos na obra de Habermas, bem como os limites na sua concepção de justiça. Segundo o autor, a crítica habermasiana à concepção liberal de justiça (Rawls) não foi suficientemente articulada, pois Habermas também se afasta da visão republicana de espaço público para construir seu modelo discursivo. Ao fundamentar sua teoria da justiça na filosofia da linguagem, Habermas não resolve as tensões entre justiça e moralidade. Para definir uma teoria da justiça com pretensão de validade universal, é necessário recuperar a moralidade da justiça, em vez de escolher entre a moralidade da democracia (Habermas) e a moralidade do liberalismo (Rawls). Por fim, Sérgio Costa e Denilson Werle abordam o debate entre liberais (Kymlicka) e comunitaristas (Taylor, Walzer), os primeiros entrincheirados na defesa do universalismo abstrato e individualista do Estado de direito, os segundos enfatizando as especificidades dos grupos sociais e suas diferentes reivindicações de direitos. Analisam a construção de direitos na esfera pública (Habermas) e a legitimidade das reivindicações por reconhecimento (Honneth) para mostrar que as identidades estão hoje abertas à sua própria reconstrução reflexiva. Discutem o reconhecimento como perspectiva epistemológica, aplicando-a ao multiculturalismo e às relações raciais no Brasil. Se a teoria da pós-modernidade - como já se disse - exigiu uma grande narrativa para demonstrar que não existem mais grandes narrativas, a teoria da modernidade continua exigindo adjetivos para sua caracterização. Modernidade alta, tardia, incompleta, de risco, são alguns dos principais termos utilizados para esclarecer um conceito ainda por demais abrangente e multifacetado [...]45 . Os tempos atuais requerem dos estudiosos e pensadores uma visão multidisciplinar em face da complexidade existencial das sociedades e de seus valores postos sobre o paradigma dos capitais desassociados de qualquer compromisso produtivo. Bauman (1995) assim escreve: O rolo compressor do «desenvolvimento» capitalista As vítimas do «desenvolvimento» - o verdadeiro rolo compressor de Giddens, que esmaga tudo e todos os que encontre no seu caminho - «evitadas pelo sector avançado e cortadas dos antigos usos...são seres expatriados nos seus próprios países». Por toda a parte por onde o rolo compressor passa, o saber-fazer desaparece, para ser substituído pela escassez de competências; surge o mercado de trabalho mercadoria onde outrora os homens e mulheres viviam; a tradição torna-se um lastro pesado e um fardo dispendioso; as utilidades comuns transformam-se em recursos subaproveitados, a sabedoria em preconceito, os sábios em portadores de superstições. 45 Artigos Acadêmicos: Resenha do livro "Teoria Social e Modernidade no Brasil". Por Liszt Vieira. http://lisztvieira.com.br/artigos-academicos-detalhe.php?id=17 acessado em 10/09/2011
  • 32. 32 E não é só que o rolo compressor não se mova apenas por sua própria iniciativa, mas com o apoio e reforço pelas turbas das suas futuras vítimas ávidas de serem esmagadas (ainda que, nalguns casos, o rolo aja por si só, sentimo-nos muitas vezes tentados a falar, mais do que de um rolo compressor, de um Moloch - essa divindade de pedra com uma pira acesa no ventre, em cujo interior as vítimas autodesignadas se precipitam com regozijo, entre cantos e danças); é, além disso, depois de começar a funcionar, empurrado pelas costas, sub-reptícia, mas incessantemente, por multidões incontáveis de especialistas, de engenheiros, de empresários, de negociantes de sementes, fertilizadores e pesticidas, ferramentas e motores, de cientistas dos institutos de investigação e também de políticos, tanto indígenas como cosmopolitas, que buscam, todos eles, o prestígio e a glória. É deste modo que o rolo compressor parece imparável, ao mesmo tempo que a impressão de ser impossível pará-lo o torna ainda mais insuportável. Parece não haver maneira possível de escapar a este «desenvolvimento», «naturalizado» sob a forma de qualquer coisa que se assemelha muito a uma «lei da natureza» pela parte moderna do globo, desesperadamente em busca de novos fornecimentos do sangue virgem do qual necessita para se manter vivo e em forma. Mas o que é que este «desenvolvimento» desenvolve?46 Novamente recorre-se ao noticiário da BBC para marcar com fatos que estão acontecendo nestes dias, evitando-se que o trabalho, ora apresentado à douta banca, possa ser entendido como uma abstração teórica. Assim, foi publicado: Neste texto, o secretário-geral da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Ángel Gurría, diz não considerar que o capitalismo fracassou, mas afirma que houve falhas em áreas como regulação, supervisão e gerenciamento,47 como reproduzido no Box 2: Box 2 O capitalismo ocidental falhou? A minha resposta para a pergunta seria provavelmente NÃO. Mas também me questiono se é o capitalismo que deve estar no banco dos réus. Eu preferiria falar de mercados abertos. Acredito que falhamos como reguladores, supervisores, gerentes da governança corporativa, como gerenciadores de riscos e também na distribuição de papeis e responsabilidades para organizações econômicas internacionais. Nosso fracasso financeiro se espalhou imediatamente para a economia real. Saímos de uma crise financeira para a paralisia econômica e um choque de desemprego, com médias de 9, 10%. Entre os jovens em particular, as taxas sobem para 20, 30, 40%. Esta é a face humana e a realidade trágica desta crise. Algumas organizações internacionais viram a crise chegando. Algumas até emitiram avisos, mas não foram coordenados, elas não falaram com uma única e forte voz. Assim, eles foram ignorados na atmosfera de grande prosperidade onde todos faziam muito dinheiro, acreditavam que inovação era o nome do jogo e, por alertar que algo podia estar indo errado, você parecia estar travando o avanço do progresso. Havia ainda a filosofia de que os mercados precisavam funcionar com o mínimo possível de intervenção governamental. Mas isso não significa que ele podia trabalhar sem nenhuma intervenção ou esta ser tão leve que não poderia identificar riscos. 46 Zygmunt Bauman (1995), A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna, Relógio d’Água, pp. 41. Publicada por AMCD em Segunda-feira, Março 29, 2010. Etiquetas: Bauman, Citações, Filosofia, Sociologia. http://trabalhosedias.blogspot.com/search/label/Bauman em 18/02/11 47 O capitalismo fracassou? Ángel Gurría - Secretário-geral da OCDE, especial para a BBC http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_angel_gurria_rw.shtml acessado em 5/10/2011
  • 33. 33 Então a crise deixou um legado calamitoso, de desemprego alto, déficits fiscais enormes que ainda lutamos para controlar, dívidas públicas acumuladas que já chegam a 100% do PIB em média nos países da OCDE. A propósito, esta dívida costumava ser parte da solução e agora é o problema. E ela segue crescendo, já que a redução econômica diminui os recursos fiscais e o desemprego em massa aumenta a necessidade de gastos sociais. É muito importante emitir sinais claros de como vamos lidar com o problema das dívidas sem sacrifício do crescimento e o desemprego. É aqui que a OCDE diz: "cuide da estrutura". Esta é a nossa mensagem. O foco primário no contexto de uma estratégia de longo prazo para restaurar o crescimento sustentável deve ser nas reformas dos produtos e dos mercados de trabalho, como educação, inovação, crescimento verde, competição, impostos, saúde. Isto criará impostos e ajudará a combater a dívida. Precisamos também de "ênfase no social" e políticas inovadoras para proteger os mais vulneráveis. Portanto, NÃO. Acredito que o capitalismo ocidental e os mercados não falharam. Acho que a questão é como melhorar a fiscalização e balancear nossas economias de mercado. Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão recentemente disse em um artigo que "há um amplo consenso que mercados mais robustos, resistentes contra crises precisam de regulamentações mais duras". Concordo plenamente. Acho que as economias são importantes demais para serem deixadas apenas nas mãos das forças de mercado. É um processo árduo que demanda uma governança e instituições internacionais mais fortes, mas obviamente, é a única saída48 . Enganam-se os que pensam que se está diante da dialética entre a direita e a esquerda (; ou pois) tal dialética seria minimamente erística. Vive-se a crise dos valores humanos, da razão de ser, de liquefação de tudo o que tinha significado existencial. Perdeu-se o controle sobre a vida e o inconsciente coletivo tornou-se um “vírus” devastador das capacidades de reflexão dos seres humanos, impregnando os cérebros de um tipo especial de acrofobia aos pensamentos mais elevados e destinando as sociedades à vassalagem dos interesses dos capitais. Ives Gandra (2006), o mais prestigioso jurista mackenzista da atualidade, enfatiza com a precisão e a simplicidade dos grandes mestres a grave crise em que se vive nos dias atuais e trata o Estado Brasileiro como uma entidade social ociosa e opressora. Decidi não atualizar os textos, pois representam uma visão histórica do país e a detecção de realidades e conjunturas, que, infelizmente, tem-se repetido, entre nós. O livro O Estado de Direito e o Direito do Estado é atemporal, por representar uma reflexão sobre as relações entre o Poder e o cidadão. Os livros O Poder e a Nova Classe Ociosa exteriorizam uma visão pessoal do poder político, à luz da teoria de Veblen, de que a classe ociosa é aquela que vive do trabalho alheio. A nova classe ociosa no Brasil é composta por políticos e burocratas, que vivem à custa dos contribuintes49 . 48 O capitalismo fracassou? Ángel Gurría - Secretário-geral da OCDE, especial para a BBC. Atualizado em 3 de outubro, 2011 - 06:24 (Brasília) 09:24 GMT. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_angel_gurria_rw.shtml acessado em 5/10/2011
  • 34. 34 [...] Esta teoria do poder deve, todavia, ser estudada, começando-se pela revisão da tradicional oposição do que seja “Estado de Direito” e “Estado de Força”, na tentativa de demonstrar que, a clássica oposição gera clássicas doenças que os clássicos remédios nunca corrigiram. Até porque o problema real, tactável e, a nosso ver, definitivo, a ser solucionado na equação apresentada, é como permitir uma convivência racional, no plano interno e externo, de um Estado de Direito que respeite o Direito do Estado, sem que aquele represente um desguarnecimento ao poder e este um intolerável exercício do mesmo50 . Pode-se agregar que, por ocasião da XII Semana de Economia e XI Semana Jurídica, realizadas conjuntamente no último mês de agosto, o professor Fernando Roberto de Freitas Almeida (UFF) apresentou o tema: A Teoria da Classe Ociosa, de Thorstein Veblen, citada por Ives Gandra, como posto anteriormente. Em pesquisa realizada após a referida palestra, não foram poucas as fontes encontradas, em especial em línguas portuguesa e espanhola, contudo, ninguém melhor que o próprio mestre para fornecer as fontes, já resumidas face à apresentação feita em sua palestra. Para Veblen existiam duas classes principais na sociedade: CAPITALISTAS: ou “interesses investidos”, “proprietários ausentes”, “classe ociosa”, “capitães de indústria” (instinto predatório); e OPERÁRIOS: ou “engenheiros”, “trabalhadores”, “técnicos”, “homem comum” (instinto construtivo, ou paternal, o mais antigo) Aproximações de Veblen: Darwin, Marx e Freud: Como Darwin: a sociedade é complexa e muda sempre. Com Marx, paralelismo impressionante: abordagem histórica, identificou um “comitê gestor” de capitalistas e se referiu à propensão a crises do sistema capitalista, que eram historicamente registradas, mas não se preocupou em formular uma teoria do valor. Com Freud: antes de Freud, interessou-se pelos paradoxos do comportamento humano. Freud analisou pelo comportamento individual e Veblen, pela teoria social. Para Veblen: “a parte racional do homem é como a parte pequena e invisível de um iceberg, enquanto a parte irracional é como a se submersa do iceberg, isto é, muitas vezes maior” (Gambs, 1959) Os “instintos” de Veblen são traços, ou potencialidades, que podem ser reprimidos ou estimulados, conforme se organiza a sociedade. Procurava compreender o significado das atividades e instituições econômicas, sem perder de vista o todo cultural em que elas se inserem e em que os agentes exercem sua racionalidade. Oposições à escola neoclássica: Escola História Alemã e sua visão de Institucionalismo: Escola Histórica Alemã: indutiva, a Economia pode estabelecer leis, mas são de validade temporal e espacialmente limitadas. Institucionalismo Americano: mais um movimento intelectual do que uma escola. Veblen se apoiou na Psicologia e na Sociologia, para criticar o conceito de Homo Economicus e considerava os pressupostos neoclássicos ultrapassados. 49 MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Estado de Direito e o Direito do Estado. São Paulo: Lex Editora, 2006. Introdução. 50 Op Cit. - P. 10
  • 35. 35 Identificou no indivíduo o parental bent (sentido da responsabilidade para com o grupo); o instinct of workmanship (gosto pelo trabalho bem feito e eficaz e a idle curiosity (procura do saber desinteressado). Efeito Veblen: procura de um bem não por ser barato, mas justamente por ser caro, para a ostentação de poder. OBJEÇÕES AO HOMO ECONOMICUS Os indivíduos não são maximizadores que fazem cálculos hedonistas ininterruptos, nem são perspicazes e dotados de capacidade preditiva; O homem não tem postura passiva; O homem não é imutável diante do ambiente, ele tem passado e futuro, tem história pessoal e aprende com o tempo; Assim, não é adequada uma teoria da conduta humana que considere apenas características individuais. O homem vebleniano está baseado em dois fundamentos básicos do conhecimento teórico: a razão suficiente e a causa eficiente. Razão suficiente: o futuro determina os acontecimentos presentes, sendo preciso haver um agente inteligente. Os homens sempre procuram fazer algo. Causa eficiente: é impessoal, objetiva e determinística. O comportamento habitual caracteriza-se por considerar os resultados das ações, através de hábitos e exigências convencionais. ► a conduta humana é motivada por fatores racionais e por fatores habituais, nada é instintivo; ► o sistema molda as preferências: “a invenção é mãe da necessidade”; ►não segue escala de preferências; é possuído por instintos contraditórios. 1899: A TEORIA DA CLASSE OCIOSA Contribuição às Ciências Sociais: conceitos de ócio e consumo conspícuo Ócio conspícuo: tempo gasto em atividades que não visam à produção; absenteísmo dos capitalistas-proprietários; Consumo conspícuo: busca de bens caros para ostentação. Provêm de instintos permanentes: o predatório e o de trabalho eficaz. As instituições são entendidas com hábitos de pensamento dominantes e as nossas são da sociedade industrial-pecuniária. SOCIEDADE INDUSTRIAL – PECUNIÁRIA. Instituições industriais: para a eficiência da produção e o bem estar; Instituições pecuniárias: derivadas do instinto predatório; Max Weber, ao mesmo tempo, considerou que, quando as finanças dominassem o sistema capitalista, iriam destruí-lo. À SEMELHANÇA DE VEBLEN: JOAN ROBINSON “Quem quer que escreva um livro, por mais sombria que possa ser sua mensagem, é necessariamente, um otimista. Se os pessimistas realmente acreditassem no que estavam dizendo, não haveria porque dizê-lo.” Os economistas da escola do laissez faire pretenderam abolir o problema moral, mostrando que a busca do interesse próprio pelo indivíduo redundava em benefício para todos. A tarefa da atual geração rebelada é reafirmar a autoridade da moralidade sobre a tecnologia, o trabalho dos cientistas sociais é ajudá-los a ver quão necessária e quão difícil vai ser esta tarefa.” (Liberdade e Necessidade, 1970)
  • 36. 36 Há quem defenda a evolução da Ciência do Direito a partir de Kelsen, que sem dúvida, foi o grande expoente de sua época e, influenciando os juristas brasileiros até os dias atuais, contudo, não se podem negar as mudanças, amplamente demonstradas neste capítulo, que exigem um repensar sobre o Direito e o seu papel como uma ciência social. Assim, ao se analisar a Constituição do Brasil, verifica-se a posição de destaque dos Princípios Fundamentais da República nos quatro primeiros artigos; porém, se indagar-se ao Estado do interesse da implementação plena dos principais princípios ali postos e quem arcaria com os custos de implementação, verificar-se-á que os artigos, de certo, foram realocados em algures. O Direito tem-se vergado às necessidades da classe ociosa vebleniana, incluindo o Estado, como muito bem colocou o Dr. Ives Grandra. O Estado de Direito perdeu o respeito pelo Direito do Estado, assim como, o neoliberalismo econômico perdeu o respeito pelos fundamentos doutrinários da economia e pelo seu objetivo principal, qual seja, o desenvolvimento de uma sociedade desigual, sem dúvida, mas produtiva em sua totalidade, desenvolvimentista, prioritariamente, nas ações que focam o desenvolvimento social. O Direito não evoluiu, apenas passou a se ocupar dos valores econômicos, no dizer de Veblen: “Hábitos de vida de há muito tornados eficientes convertem-se em hábitos de pensamento.” (1965a, p. 105). É o senso comum que a todos inebria. Poder-se-ia dizer que não existe ciência fora do manto da sagrada economia de mercado.
  • 37. 37 CAPÍTULO IV PROLEGÔMENOS DA METAFÍSICA Na lavra de Habermas, encontram-se interessantes reações sobre o retorno a formas metafísicas de pensamento no ano de 1988.51 É notório que o ceticismo em relação a esse primado do ser sobre o pensamento e o peso próprio da reflexão sobre questões de método, engendram 51 Restam ao autor dúvidas quanto à inclusão nesta dissertação de tema tão controverso na história do conhecimento humano, em especial em função de já se haver concluído que a Ciência do Direito Brasileiro segue uma linha iniciada em Augusto Kant e fundada no neopositivismo. Contudo, a imperiosidade do momento gera razões que propiciem passar-se ao largo do assunto, ainda que, a abordagem seja um modesto ensaio superficial, orientador.
  • 38. 38 motivos importantes que pesaram na passagem do pensamento ontológico ao mentalismo. A auto-referência do sujeito cognoscente abre o acesso para uma esfera interior de representações, curiosamente certa, que nos pertence inteiramente, a qual precede o mundo dos objetivos representados. A metafísica surgira como a ciência do geral imutável e necessário; a partir de agora ele só pode encontrar um equivalente numa teoria da consciência, a qual fornece as condições subjetivas necessárias para a objetividade de juízos gerais, sintéticos a priori. Assim é possível explicar a relação ambígua de Kant com a metafísica, bem como a mudança de significado que esse termo sofre através da crítica Kantiana à razão52 . Ainda, segundo Habermas, pode-se manter a expressão “metafísica” para todo o tipo de elaboração de questões metafísicas que visam à totalidade do mundo do homem, citando as concepções de Leibniz, Spinosa ou Schelling e incluindo a doutrina Kantiana dos dois reinos, situadas na tradição dos grandes esboços sistemáticos, que têm início em Platão e Aristóteles53 . E conclui este pensamento: Aos olhos de Heidegger, o próprio Nietzsche ainda tem de ser visto como um metafísico, por ser um pensador moderno, sujeito ao princípio da subjetividade54 . Habermas afirma não ter dúvidas quanto às tarefas reconstrutivas da Filosofia, elencando duas espécies de metafísica: A da natureza (conhecimento que determina objetos) e a metafísica dos costumes ou arquitetônica da razão (Kant), com a separação das faculdades do conhecimento objetivador, da intuição moral e do juízo estético, concluindo que: “Todas as competências da espécie, de sujeitos capazes de falar e de agir, são acessíveis a uma reconstrução racional, na qual se detecta aquele saber prático do qual lançamos mão intuitivamente quando produzimos qualquer realização já comprovada”55 . “Mas alguma coisa ocorreu. Quebrou-se o encanto. O céu, morada de Deus e seus santos, ficou de repente vazio. Virgens não mais apareceram em grutas. Milagres se tornaram cada vez mais raros, e passaram a ocorrer sempre em lugares distantes com pessoas desconhecidas. A ciência e a tecnologia avançaram triunfalmente, construindo um mundo em que Deus não era necessário como hipótese de trabalho. Na verdade, uma das marcas do saber científico é o seu rigoroso ateísmo metodológico [...]”56 . Entende-se que os métodos científicos jamais decifrarão a metafísica em função do racionalismo construtivista, mesmo detectando saberes intuitivamente ou a priori, é 52 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos, traduzido do original alemão por: Nachmetaphysisches Denken, Philosophische Aufsätze. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. P. 22 53 Op. cit. 54 Op. cit. P.23 55 Op. cit. 56 ALVES, Rubem. O que é Religião. São Paulo: ARS Poética, 1996. P. 6
  • 39. 39 indispensável a reconstrução, no dizer de Kant a construção de um juízo analítico, de alguma realidade imanente que valide o juízo sintético. Da mesma forma, a razão não pode perscrutar elementos que transcendam a natureza em todos os aspectos da razão humana. Trata-se de objetos diferentes, de relações diversas que falam de mundos diversos: enquanto a razão fica circunscrita ao mundo natural, ou mundo dos homens, a metafísica reporta-se ao mundo de Deus. Muito bem colocou Habermas quando, benevolentemente, escreveu que, para o europeu, seria de menos complexidade o entendimento metafísico na tradição judaico cristã, contudo, ao ampliar-se o espectro metafísico a outras formas de tradição religiosa se tornaria impossível harmonizar a compreensão racional diante da variedade e divergentes formas de conhecimentos a priori. [...] O animal é o seu corpo. Sua programação biológica é completa, fechada, perfeita. Não há problemas não respondidos. E, por isso mesmo, ele não possui qualquer brecha para que alguma coisa nova seja inventada. [...] A aventura da liberdade não lhes é oferecida, mas não recebem, em contrapartida, a maldição da neurose e o terror da angústia. Como são diferentes as coisas com o homem! Se o corpo do animal me permite prever que coisas produzirá [...] e as coisas por ele produzidas me permitem saber de que corpo partiram, não existe nada semelhante que se possa dizer dos homens. [...] Porque o homem, diferentemente do animal que é o seu corpo, tem o seu corpo. Não é o corpo que o faz. É ele que faz o seu corpo57 . Kant chamou de metafísica a ciência que estuda Deus, liberdade e imortalidade. Existem outros nomes e outras conceituações, por exemplo, a Teologia, cujo especialista se dedica a estudar os tais fenômenos, porém com grandes limitações geradas pelos dogmas religiosos. Neste ponto, indaga-se: terá a ciência a mesma sorte? Enquanto as religiões impedem a Teologia de qualquer contribuição para uma compreensão harmoniosa das questões metafísicas, a metodologia científica também não procura aprisionar o conhecimento adquirido pela razão, emoldurando o corpo? A Teologia viveu sob a influência do racionalismo, especialmente o racionalismo alemão. Com investimentos do Estado, inaugurou-se o período da hermenêutica crítica literária e da crítica da forma. Muito se investiu em arqueologia e nas pesquisas linguísticas com o propósito de criação de uma base de entendimento do texto canônico. Vale destacar que os objetivos das pesquisas sempre foram focados na tradição judaico-cristã. Na 57 Op. cit. P. 10, 11.