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1 INTRODUÇÃO
Carlos Augusto de Lemos Chernicharo, Adrianus C. van Haandel,
Eugenio Foresti e Luiz Fernando Cybis
1.1 APLICABILIDADE DA TECNOLOGIA ANAERÓBIA PARA O
TRATAMENTO DE ESGOTOS DOMÉSTICOS
Segundo dados do PNAD/96, 49% do esgoto sanitário produzido no Brasil são coletados em rede
pública, sendo que, destes, apenas 32% são tratados, perfazendo cerca de 16% do produzido.
Diante destes números, aliado ao quadro epidemiológico e ao perfil sócio-econômico das
comunidades brasileiras, constata-se a necessidade por sistemas simplificados de tratamento dos
esgotos. Estes sistemas devem conjugar os seguintes requisitos principais (adaptado de
LETTINGA, 1995; VON SPERLING, 1995):
• baixo custo de implantação;
• elevada sustentabilidade do sistema,
relacionada à pouca dependência de
fornecimento de energia, de peças e
equipamentos de reposição etc;
• simplicidade operacional, de manutenção e
de controle (pouca dependência de
operadores e engenheiros altamente
especializados);
• baixos custos operacionais;
• adequada eficiência na remoção das
diversas categorias de poluentes (matéria
orgânica biodegradável, sólidos suspensos,
nutrientes e patogênicos);
• pouco ou nenhum problema com a
disposição do lodo gerado na estação;
• baixos requisitos de área;
• existência de flexibilidade em relação às
expansões futuras e ao aumento de
eficiência;
• possibilidade de aplicação em pequena
escala (sistemas descentralizados), com
pouca dependência da existência de
grandes interceptores;
• fluxograma simplificado de tratamento
(poucas unidades integrando a estação);
• elevada vida útil;
• ausência de problemas que causem
transtorno à população vizinha;
• possibilidade de recuperação de
subprodutos úteis, visando sua aplicação
na irrigação e na fertilização de culturas
agrícolas;
• existência de experiência prática.
Embora não exista uma solução que atenda integralmente a todos estes requisitos, existem várias
alternativas que atendem, em maior ou menor grau, aos principais requisitos que devem ser
observados num estudo técnico-econômico de escolha de alternativas. Entende-se que,
atualmente, no Brasil, os sistemas anaeróbios encontram uma grande aplicabilidade. As diversas
características favoráveis destes sistemas, como o baixo custo, simplicidade operacional e baixa
produção de sólidos, aliadas às condições ambientais no Brasil, onde há a predominância de
elevadas temperaturas, têm contribuído para a colocação dos sistemas anaeróbios de tratamento
de esgotos em posição de destaque, particularmente os reatores de manta de lodo (reatores
UASB). Na Tabela 1.1 são ilustradas as principais vantagens e desvantagens dos sistemas
anaeróbios.
2
Tabela 1.1 - Vantagens e desvantagens dos processos anaeróbios
Vantagens Desvantagens
• baixa produção de sólidos, cerca de 5 a 10
vezes inferior à que ocorre nos processos
aeróbios;
• baixo consumo de energia, usualmente
associado a uma elevatória de chegada. Isso
faz com que os sistemas tenham custos
operacionais muito baixos;
• baixa demanda de área;
• baixos custos de implantação, da ordem de
R$ 20 a 40 per capita;
• produção de metano, um gás combustível de
elevado teor calorífico;
• possibilidade de preservação da biomassa,
sem alimentação do reator, por vários meses;
• tolerância a elevadas cargas orgânicas;
• aplicabilidade em pequena e grande escala;
• baixo consumo de nutrientes.
• as bactérias anaeróbias são susceptíveis à
inibição por um grande número de
compostos;
• a partida do processo pode ser lenta, na
ausência de lodo de semeadura adaptado;
• alguma forma de pós-tratamento é
usualmente necessária;
• a bioquímica e a microbiologia da digestão
anaeróbia são complexas e ainda precisam
ser mais estudadas;
• possibilidade de geração de maus odores,
porém controláveis;
• possibilidade de geração de efluente com
aspecto desagradável;
• remoção de nitrogênio, fósforo e patógenos
insatisfatória.
Fonte: Adaptado de CHERNICHARO (1997)
A Figura 1.1 possibilita uma visualização mais clara de algumas das vantagens da digestão
anaeróbia em relação ao tratamento aeróbio, notadamente no que se refere à produção de gás
metano e à baixíssima produção de sólidos.
Nos sistemas aeróbios, ocorre somente cerca de 40 a 50% de degradação biológica, com a
conseqüente conversão em CO2. Verifica-se uma enorme incorporação de matéria orgânica,
como biomassa microbiana (cerca de 50 a 60%), que vem a se constituir no lodo excedente do
sistema. O material orgânico não convertido em gás carbônico, ou em biomassa, deixa o reator
como material não degradado (5 a 10%).
Nos sistemas anaeróbios, verifica-se que a maior parte do material orgânico biodegradável
presente no despejo é convertida em biogás (cerca de 70 a 90%), que é removido da fase líquida
e deixa o reator na forma gasosa. Apenas uma pequena parcela do material orgânico é convertida
em biomassa microbiana (cerca de 5 a 15%), vindo a se constituir no lodo excedente do sistema.
Além da pequena quantidade produzida, o lodo excedente apresenta-se, via de regra, mais
concentrado e com melhores características de desidratação. O material não convertido em
biogás, ou em biomassa, deixa o reator como material não degradado (10 a 30%).
Fig. 1.1 - Conversão biológica nos sistemas aeróbios e anaeróbios
Biogás
(70 a 90%)
DQO
(100%)
Lodo (50 a 60%)
CO2
(40 a 50%)
DQO
(100%)
Efluente
(10 a 30%)
Lodo (5 a 15%)
Efluente
(5 a 10%)Reator
Aeróbio
Reator
Anaeróbio
3
Hoje em dia, pode-se afirmar que a tecnologia anaeróbia, aplicada ao tratamento de esgotos
domésticos, encontra-se consolidada em nosso país, sendo que praticamente todas as análises de
alternativas de tratamento incluem os reatores anaeróbios como uma das principais opções. Sem
dúvida, uma grande contribuição para a consolidação e difusão da tecnologia anaeróbia no Brasil
deve-se ao livro publicado pelo PROSAB, em seu Edital 1, intitulado: Tratamento de esgotos
sanitários por processo anaeróbio e disposição controlada no solo (CAMPOS et al., 1999). O
referido livro contempla, de forma bastante abrangente, os principais aspectos relativos ao
tratamento de esgotos domésticos por meio de sistemas anaeróbios.
1.1 A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E AS CARACTERÍSTICAS
DOS EFLUENTES DOS SISTEMAS ANAERÓBIOS
1.1.1 Preliminares
As legislações federal e estaduais classificaram os seus corpos de água, em função de seus usos
preponderantes, tendo sido estabelecidos, para cada classe de água, os padrões de qualidade a
serem obedecidos.
A maioria dos corpos d’água receptores, no Brasil, se enquadra na classe 2, onde se destacam os
parâmetros indicados na Tabela 1.2, como padrões de qualidade a serem mantidos no corpo
receptor:
Tabela 1.2 – Padrões de qualidade a serem mantidos no corpo receptor
(Resolução CONAMA no
20, 18/06/1986)
Parâmetro Valor limite no corpo receptor
Demanda bioquímica de oxigênio (DBO) ≤ 5 mg/L
Oxigênio dissolvido (OD) ≥ 5 mg/L
Nitrogênio amoniacal ≤ 3,0(1)
mg/L
Nitrato ≤ 10 mg/L
Fósforo ≤ 0,025 mg P/L
Coliformes fecais ≤ 1.000 CF/100 mL
Coliformes totais ≤ 5.000 CT/100 mL
(1)
Para pH = 7 e temperatura de 200
C, correspondente à concentração máxima de amônia,
não ionizável, de 0,02 mg/L NH3.
Além de estabelecerem padrões para os corpos de água, as legislações impõem, também, a
qualidade mínima a ser atendida por efluentes de qualquer fonte poluidora, para lançamento em
corpos d’água. A Resolução nº 20 de 1986, do CONAMA, estabelece como padrões de
lançamento de efluentes, dentre outros, os valores apresentados na Tabela 1.3.
4
Tabela 1.3 – Padrões de lançamento de efluentes
(Resolução CONAMA no
20, 18/06/1986)
Parâmetro Valor limite
pH entre 5 e 9
Materiais sedimentáveis(1)
≤ 1 ml/L
Óleos e graxas
• óleos minerais
• óleos vegetais e gorduras animais
≤ 20 mg/L
≤ 50 mg/L
Materiais flutuantes Ausentes
Amônia ≤ 5mg N/L
(1)
em teste de 1 hora em cone Imhoff. Para o lançamento em lagos e lagoas, cuja velocidade de
circulação seja praticamente nula, os materiais sedimentáveis deverão estar virtualmente ausentes.
1.1.2 Considerações em relação à demanda bioquímica de oxigênio (DBO)
Um dos parâmetros que mais tem merecido a atenção dos órgãos de controle ambiental é a DBO.
Além das limitações apresentadas na Tabela 1.3, para os padrões de lançamento de efluentes,
vários Estados brasileiros têm imposto um limite de DBO do efluente de 60 mg/L, como é o
caso, por exemplo, de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Em outros Estados, se tem utilizado o
conceito de eficiência de remoção mínima, e em outros, ainda, como o Rio de Janeiro, a remoção
mínima ou a concentração máxima de DBO, em função da carga orgânica bruta. No Rio Grande
do Sul, foram estabelecidas concentrações máximas para faixas de vazões efluentes.
Este fato de limitação da DBO, seja qual for a legislação a ser considerada, tem sido,
provavelmente, o que mais tem restringido o uso de sistemas anaeróbios (sem pós-tratamento),
para o tratamento de esgotos, conforme pode-se depreender a partir das faixas de valores mais
comuns para os processos anaeróbios, quando bem operados, apresentadas na Tabela 1.4.
Tabela 1.4 - Valores comuns de DBO do efluente e de remoção em sistemas anaeróbios
Sistema anaeróbio DBO do efluente (mg/L) Eficiência de remoção de
DBO (%)
Lagoa anaeróbia 70 a 160 40 a 70
Reator UASB 60 a 120 55 a 75
Fossa séptica 80 a 150 35 a 60
Tanque Imhoff 80 a 150 35 a 60
Fossa séptica seguida de filtro anaeróbio 40 a 60 75 a 85
1.1.3 Considerações em relação ao fósforo
Deve-se ressaltar que o valor limite da concentração de fósforo em rios de classes 2 e 3, de 0,025
mg P/L, é extremamente restritivo (pode inclusive ser fruto de algum engano na elaboração da
Resolução nº 20 de 1986, do CONAMA) e muito difícil de ser cumprido, na maioria dos casos
em que não se tem elevada diluição dos efluentes da ETE, mesmo com o uso de tratamento com
processos aeróbios convencionais, a não ser que sejam projetados especificamente para a
remoção de fósforo. Em vista disso, os órgãos de controle ambiental têm se preocupado com o
fósforo apenas nos casos em que há problemas de eutrofização de lagos e represas. Como visto
anteriormente, os processos anaeróbios de tratamento não apresentam capacidade de remoção de
fósforo, podendo mesmo, em alguns casos, propiciar um aumento das concentrações efluentes.
5
1.1.4 Considerações em relação aos compostos de nitrogênio
Com relação ao nitrogênio, a limitação da concentração de amônia a 5 mg N/L, para qualquer
efluente, tem gerado muita controvérsia, sendo interpretado por alguns órgãos de controle
ambiental como um limite para amônia livre, já que na própria Resolução nº 20 de 1986, do
CONAMA, aparece especificamente uma limitação para nitrogênio amoniacal. Para a
interpretação do limite de amônia de 5 mg N/L, como sendo o limite de nitrogênio amoniacal, tal
limitação impediria o uso de lagoas de estabilização, lagoas aeradas, filtros biológicos de alta
taxa, sistemas de lodos ativados de alta taxa e também dos sistemas anaeróbios, como processos
únicos de tratamento. Somente seriam permitidos sistemas depuradores aeróbios, com
nitrificação, ou sistemas com nitrificação-desnitrificação, que apresentam maior custo de
implantação e operação. Considerando estes aspectos, o limite para N-amoniacal de efluentes
não tem sido normalmente considerado, por vários órgãos estaduais de controle de ambiental,
como parâmetro para efluente. Porém, para o corpo receptor, os limites das diferentes formas de
nitrogênio devem ser obedecidos, quando então se pode requerer a nitrificação dos esgotos ou até
a nitrificação e desnitrificação para a remoção de nitrogênio. O processo de nitrificação não
ocorre em tratamentos anaeróbios. Com relação à desnitrificação, existem trabalhos
desenvolvidos na Universidade Federal de Pelotas (RS) que sugerem a sua ocorrência no
decantador de reatores UASB. Isso pode favorecer a utilização dos processos anaeróbios,
principalmente quando acoplados unidades de pós-tratamento que possibilitem a nitrificação.
1.1.5 Considerações em relação aos sólidos sedimentáveis
Com relação aos sólidos sedimentáveis nos efluentes dos sistemas anaeróbios, apenas
ocasionalmente se ultrapassa 1 mL/L em efluentes dos reatores UASB, pela subida ocasional de
placas de lodo do fundo da zona de decantação, onde o lodo retido ainda produz um pouco de
gás. A saída de sólidos sedimentáveis pode ser minimizada pelo uso de cortinas, para reter os
sólidos que flutuam e impedir a sua saída pelos vertedores do efluente da zona de decantação.
Uma boa operação dos reatores UASB produzirá, basicamente em quase o todo tempo, sólidos
sedimentáveis inferiores a 1 mL/L.
Os filtros anaeróbios somente terão efluente com sólidos sedimentáveis ultrapassando 1 mL/L
após períodos de operação superiores a 4 a 6 meses, se não houver “limpeza” do filtro. Também
os filtros anaeróbios, se bem operados, produzirão efluentes com sólidos sedimentáveis
inferiores a 1 mL/L.
Os demais sistemas de tratamento anaeróbios usuais no Brasil, como os decanto-digestores
(fossas sépticas e tanques Imhoff) e lagoas anaeróbias, quando bem operados, garantem um
efluente sem problemas em relação aos sólidos sedimentáveis.
1.2 NECESSIDADE DO PÓS-TRATAMENTO DE EFLUENTES DE
REATORES ANAERÓBIOS
1.2.1 Preliminares
Em que pesem suas grandes vantagens, os reatores anaeróbios dificilmente produzem efluente
que atende aos padrões estabelecidos pela legislação ambiental brasileira. Torna-se de grande
importância, portanto, o pós-tratamento dos efluentes dos reatores anaeróbios, como uma forma
de adequar o efluente tratado aos requisitos da legislação ambiental e propiciar a proteção dos
corpos d’água receptores dos lançamentos dos esgotos.
O principal papel do pós-tratamento é o de completar a remoção da matéria orgânica, bem como
o de proporcionar a remoção de constituintes pouco afetados no tratamento anaeróbio, como os
nutrientes (N e P) e os organismos patogênicos (vírus, bactérias, protozoários e helmintos).
6
1.2.2 Demanda bioquímica de oxigênio (DBO)
Em vista da limitação da DBO do efluente (ver item 1.2.1) ou, ainda, quando se tem uma baixa
capacidade de diluição do efluente da ETE, por parte do corpo receptor, como é muito comum
ocorrer, freqüentemente é necessário utilizar tratamento aeróbio, como complemento ao
anaeróbio, ou como processo único. Apenas o uso de sistemas compostos por fossa séptica
seguida de filtro anaeróbio, que só é viável para pequenas populações (em geral inferior a 1.000
habitantes), ou de reator UASB seguido de filtro anaeróbio, para populações maiores, dispensaria
o uso de sistemas aeróbios para atender o limite de DBO de 60 mg/L, desde que a capacidade de
diluição do corpo receptor seja adequada.
Quando o corpo receptor apresenta boa capacidade de diluição do esgoto tratado, uma revisão,
por parte de alguns órgãos estaduais de controle ambiental, da limitação de DBO do efluente a
60 mg/L, permitirá a implantação de ETEs mais simples e mais econômicas, em várias cidades
pequenas, com o uso mais intensivo de reatores anaeróbios, particularmente, de reatores do tipo
UASB. Futuramente, caso haja necessidade de se produzir efluente de melhor qualidade, poderá
ser implantada unidade de tratamento complementar em uma segunda etapa. O alto custo de
investimento em sistemas de tratamento mais sofisticados, unicamente para atender a padrões de
lançamento relativos à DBO, torna praticamente inviável sua implantação em uma única etapa,
para a maioria dos municípios brasileiros. Por outro lado, a implantação em etapas poderá ser
decisiva para que sistemas compostos por reator UASB e unidade de pós-tratamento sejam os
mais viáveis, quando da aplicação dos critérios técnicos e econômicos na escolha de alternativas.
1.2.3 Nutrientes (N e P)
A descarga de nutrientes em cursos de água superficiais causa a diminuição dos níveis de
oxigênio e o aumento da biomassa algal originada no corpo receptor, decorrente do processo de
eutrofização (crescimento anormal de algas decorrente dos nutrientes lançados). Sabe-se que 1
kg de fósforo pode resultar na reconstrução de 111 kg de biomassa, o que corresponde a cerca de
138 kg de demanda química de oxigênio no corpo receptor. Similarmente, a descarga de 1 kg de
nitrogênio pode resultar na reconstrução de cerca de 20 kg de demanda química de oxigênio, na
forma de algas mortas. O problema pode ser ainda mais agravado devido à diminuição dos níveis
de oxigênio, por processos de nitrificação, onde se consomem, no mínimo, cerca de 4 kg de
oxigênio dissolvido nas águas, para cada kg de amônia descarregada no corpo receptor.
Para os casos em que é requerida remoção de nutrientes, por exigência de atendimento da
qualidade da água do corpo receptor, o uso de processos anaeróbios, precedendo tratamento
aeróbio complementar para remoção biológica de nutrientes, deve ser visto com muito cuidado,
pois uma boa remoção de matéria orgânica biodegradável no sistema anaeróbio pode inviabilizar
a remoção de nutrientes no tratamento biológico complementar, conforme discutido no Capítulo
9.
Outro problema a levar em consideração, principalmente em relação ao processo de pós-
tratamento para nitrificação e desnitrificação, diz respeito a um possível efeito inibitório dos
efluentes de processos anaeróbios, às bactérias nitrificantes, entre outras, suspeito de ser causado
pela presença de sulfetos.
1.2.4 Indicadores microbiológicos
Em relação aos indicadores microbiológicos, têm sido reportadas baixas eficiências de remoção
de coliformes fecais nos reatores anaeróbios, usualmente da ordem de apenas uma unidade
logarítmica. Relativamente a outros tipos de microrganismos, tais como vírus e protozoários
(principalmente Giardia e Cryptosporidium), há pouquíssimas referências bibliográficas que
abordam a sua redução ou eliminação, através do tratamento em reatores anaeróbios. A remoção
de ovos de helmintos em reatores anaeróbios, particularmente em reatores UASB, tem sido
7
reportada como da ordem de 60 a 80%, insuficiente, portanto, para produzir efluentes que
possam ser utilizados na irrigação.
Como são grandes os riscos de contaminação dos seres humanos, quando estes ingerem ou têm
contato com águas contendo organismos patogênicos, muitas vezes pode-se tornar necessária a
desinfecção dos efluentes. Tal fato torna-se ainda mais grave devido à precariedade do quadro
sanitário brasileiro, com baixíssimos índices de cobertura por sistemas de esgotamento sanitário.
Por outro lado, os baixos níveis de investimento em saúde e saneamento, fazem com que a
população brasileira seja portadora de diversas doenças que podem ser transmitidas pelas fezes e,
consequentemente, pelos esgotos gerados por essa população.
Todavia, a decisão quanto à desinfecção dos esgotos deve ser tomada a partir de uma avaliação
criteriosa, com base nas características específicas de cada situação, conforme discutido no
Capítulo 7.
1.3 ALTERNATIVAS PARA O PÓS-TRATAMENTO DE EFLUENTES DE
REATORES ANARÓBIOS
1.3.1 Preliminares
Tendo em vista as limitações intrínsecas associadas aos sistemas anaeróbios, e levando-se em
consideração a necessidade de se desenvolver tecnologias mais apropriadas à realidade
brasileira, torna-se importante a inclusão de uma etapa de pós-tratamento dos efluentes gerados
nos reatores anaeróbios. Tal etapa objetiva o polimento, não só da qualidade microbiológica dos
efluentes, à luz dos riscos de saúde pública e das limitações impostas à utilização dos esgotos
tratados na agricultura, mas também da qualidade em termos de matéria orgânica e nutrientes,
em função dos danos ambientais provocados pelas descargas remanescentes destes constituintes
nos corpos receptores.
Considerando que a linha de tratamento reatores anaeróbios/pós-tratamento vem se constituindo
na principal alternativa de tratamento de esgotos em nosso país, a FINEP (Financiadora de
Estudos e Projetos), o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)
e a CEF (Caixa Econômica Federal) vêm apoiando o desenvolvimento do Programa de Pesquisa
em Saneamento Básico – PROSAB.
O presente livro é um dos produtos da rede do Tema 2 do PROSAB – Edital 2, que tem como
tema de pesquisa o Pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios. A rede 2 do PROSAB é
composta por 12 instituições, de 11 diferentes Estados brasileiros. As doze instituições que
integram a rede desenvolveram pesquisas em 19 temas diferentes, que podem ser agrupados em
8 modalidades de pós-tratamento, conforme mostrado na Tabela 1.5. Todos os temas de pesquisa
são relacionados ao pós-tratamento de efluentes domésticos, provenientes de reatores anaeróbios,
e objetivam a remoção complementar dos seguintes poluentes principais: matéria orgânica,
sólidos suspensos, nutrientes (N e P) e microrganismos patogênicos.
8
Tabela 1.5 – Modalidades de pós-tratamento de efluentes anaeróbios
e temas de pesquisa abordados no PROSAB – Edital 2
No. Modalidades de pós-tratamento Temas de pesquisa
1 Pós-tratamento no solo
ÿ Vala de filtração
ÿ Infiltração rápida
ÿ Irrigação subsuperficial
ÿ Escoamento superficial
2 Pós-tratamento em lagoas ÿ Lagoa de polimento
ÿ Lagoa de alta taxa de produção de algas
3 Pós-tratamento em reatores com biofilme
ÿ Filtro biológico percolador
ÿ Biofiltro aerado submerso
ÿ Leito fluidizado aeróbio
ÿ Filtro anaeróbio
ÿ Reator anaeróbio horizontal de leito fixo
ÿ Reator anaeróbio de leito granular expandido
4 Pós-tratamento em reatores de lodos ativados ÿ Sistema de lodos ativados convencional
ÿ Sistema de reatores seqüenciais em batelada
5 Pós-tratamento em sistemas de flotação ÿ Microaeração e flotação
ÿ Flotação por ar dissolvido
6 Pós-tratamento em sistemas de filtração ÿ Filtração ascendente em leito de pedregulho
7 Pós-tratamento em sistemas de desinfecção ÿ Fotoreator de ultra violeta
8 Pós-tratamento do biogás ÿ Biofiltro de turfa
Nota: As várias unidades experimentais, dos diversos projetos de pesquisa da rede 2 do PROSAB, são ilustradas no
item 1.4.3 (Figuras 1.2 a 1.7).
1.3.2 Contribuição do presente livro
Neste livro, serão focalizadas apenas as tecnologias de pós-tratamento que encontram-se,
atualmente, mais consolidadas, fruto das pesquisas desenvolvidas no âmbito do PROSAB e da
experiência prática obtida em algumas estações de tratamento em escala real, já em operação no
Brasil.
O Capítulo 2 aborda a modalidade de pós-tratamento e disposição final de efluentes anaeróbios
no solo, sendo enfocadas as seguintes alternativas principais (ver Figura 1.2):
• Infiltração rápida
• Irrigação
• Escoamento superficial
• Infiltração subsuperficial
• Filtros de areia
• Valas de filtração
• Terras úmidas (alagados ou wetlands)
No Capítulo 3, é tratada a modalidade de lagoas de polimento, aplicadas ao pós-tratamento de
efluentes de reatores anaeróbios (ver Figura 1.3). São enfocadas as principais diferenças entre as
lagoas de estabilização e as lagoas de polimento, em relação aos princípios de funcionamento e
às eficiências de remoção dos diferentes parâmetros físico-químicos e microbiológicos de
interesse no tratamento de esgotos.
9
O Capítulo 4 aborda os diferentes reatores com biofilme, também aplicados ao pós-tratamento de
efluentes anaeróbios. São contempladas as modalidades de reatores aeróbios e anaeróbios, de
leito fixo e de leito móvel, conforme a seguir (ver Figura 1.4):
• Filtros biológicos percoladores
• Biodiscos
• Biofiltros aerados submersos
• Filtros biológicos submersos
• Reatores de leito fluidizado ou expandido
• Filtros anaeróbios
No Capítulo 5 é enfocada a utilização de sistemas de lodos ativados para o pós-tratamento de
efluentes anaeróbios, com ênfase aos sistemas convencionais (de fluxo contínuo) e reatores
seqüenciais em batelada (ver Figura 1.5).
A alternativa de pós-tratamento de efluentes anaeróbios por flotação é tratada no Capítulo 6,
sendo contemplada, detalhadamente, a modalidade de flotação por ar dissolvido. São descritas
experiências em escala piloto e em escala real (ver Figura 1.6).
O Capítulo 7 aborda a problemática da desinfecção de esgotos, sendo apresentadas as seguintes
alternativas de desinfecção (ver Figura 1.7):
• Cloração
• Radiação ultravioleta
• Ozonização
A avaliação e tratamento de odores gerados em sistemas de esgotamento sanitário é enfocada no
Capítulo 8, onde são descritas as principais alternativas para o tratamento de gases odorantes, por
meio de processos físico-químicos e biológicos (ver Figura 1.7).
Conforme poder-se-á depreender pela leitura deste livro, são muitas as variáveis determinantes a
serem consideradas na escolha de alternativas tecnológicas para o pós-tratamento de efluentes de
reatores anaeróbios. Como contribuição a essa análise, o Capítulo 9 deste livro faz uma avaliação
crítica das principais alternativas disponíveis para o pós-tratamento, apresentando a sua
aplicabilidade e fornecendo importantes subsídios em relação aos seguintes aspectos principais:
• qualidade esperada do efluente;
• produção de lodo;
• custo de implantação;
• consumo energético;
• demanda de área.
Complementarmente, o Capítulo 10 do livro apresenta a descrição de desenvolvimento de um
Sistema de Apoio à Decisão (SAD), para avaliação tecnológica de alternativas de pós-tratamento
de efluentes de reatores anaeróbios. Uma versão atualizada do software desenvolvido,
correspondente ao SAD, encontra-se disponibilizada na página do PROSAB – FINEP, na
Internet, para livre utilização pelos potenciais usuários, feitas as devidas restrições, normais a um
sistema de auxílio à decisão, principalmente a de não dispensar a contribuição de um bom
especialista no tema.
10
1.3.3 Ilustração fotográfica das diversas unidades experimentais da rede 2 de PROSAB
a) Vala de filtração b) Infiltração rápida em solo
natural arenoso
c) Bacia de infiltração rápida
d) Irrigação subsuperficial através de
terras úmidas (wetlands)
e) Infiltração-percolação em solo
arenoso coberto com vegetação
f) Escoamento superficial
Figura 1.2 – Unidades experimentais de pós-tratamento por aplicação no solo
a) Lagoa de polimento com chicanas b) Lagoa de polimento com chicanas c) Lagoa de polimento sem chicanas
d) Lagoas de alta taxa em escala de
demonstração
e) Lagoas de alta taxa em escala real f) Lagoa de alta taxa em escala real
Figura 1.3 – Unidades experimentais de pós-tratamento por lagoas
11
a) Filtro biológico percolador b) Reator anaeróbio de leito
granular expandido
c) Leito fluidizado aeróbio
d) Filtro anaeróbio e) Biofiltro aerado submerso f) Sistema misto anaeróbio/aeróbio
de leito fixo
Figura 1.4 – Unidades experimentais de pós-tratamento por reatores com biofilme
a) Sistema de lodos ativados convencional b) Sistema de reatores seqüenciais em
batelada (RSB)
c) Sistema de reatores seqüenciais em
batelada (RSB)
Figura 1.5 – Unidades experimentais de pós-tratamento por sistemas de lodos ativados
12
a) Flotação por ar dissolvido em
escala de bancada
b) Processos microaeróbio e intermitente
seguidos por flotação por ar dissolvido
c) Flotação por ar dissolvido
em escala real
Figura 1.6 – Unidades experimentais de pós-tratamento por sistemas de microaeração e flotação por ar dissolvido
d) Desinfecção em fotorreator de
radiação ultra violeta
e) Filtração ascendente em leito
de pedregulho
f) Tratamento do biogás em
biofiltro de turfa
Figura 1.7 – Unidades experimentais de pós-tratamento por sistemas desinfecção, filtração e desodorização
1.4 BIBLIOGRAFIA
CAMPOS, J. R. (Coordenador). Tratamento de esgotos sanitários por processo anaeróbio e disposição
controlada no solo. Rio de Janeiro: ABES - PROSAB. 464 p., 1999.
CHERNICHARO, C.A.L. Princípios do tratamento biológico de águas residuárias – Volume 5: Reatores
anaeróbios. Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental - UFMG. Belo Horizonte, 245 p.,
1997.
LETTINGA G. Introduction. In: International course on anaerobic treatment. Wageningen Agricultural
University / IHE Delft. Wageningen, 17-28 Jul 1995.
VON SPERLING M.. Princípios do tratamento biológico de águas residuárias – Volume 1: Introdução à
qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental - UFMG. Belo Horizonte, 240 p., 1995.

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Sistemas anaeróbios para tratamento de esgoto

  • 1. 1 INTRODUÇÃO Carlos Augusto de Lemos Chernicharo, Adrianus C. van Haandel, Eugenio Foresti e Luiz Fernando Cybis 1.1 APLICABILIDADE DA TECNOLOGIA ANAERÓBIA PARA O TRATAMENTO DE ESGOTOS DOMÉSTICOS Segundo dados do PNAD/96, 49% do esgoto sanitário produzido no Brasil são coletados em rede pública, sendo que, destes, apenas 32% são tratados, perfazendo cerca de 16% do produzido. Diante destes números, aliado ao quadro epidemiológico e ao perfil sócio-econômico das comunidades brasileiras, constata-se a necessidade por sistemas simplificados de tratamento dos esgotos. Estes sistemas devem conjugar os seguintes requisitos principais (adaptado de LETTINGA, 1995; VON SPERLING, 1995): • baixo custo de implantação; • elevada sustentabilidade do sistema, relacionada à pouca dependência de fornecimento de energia, de peças e equipamentos de reposição etc; • simplicidade operacional, de manutenção e de controle (pouca dependência de operadores e engenheiros altamente especializados); • baixos custos operacionais; • adequada eficiência na remoção das diversas categorias de poluentes (matéria orgânica biodegradável, sólidos suspensos, nutrientes e patogênicos); • pouco ou nenhum problema com a disposição do lodo gerado na estação; • baixos requisitos de área; • existência de flexibilidade em relação às expansões futuras e ao aumento de eficiência; • possibilidade de aplicação em pequena escala (sistemas descentralizados), com pouca dependência da existência de grandes interceptores; • fluxograma simplificado de tratamento (poucas unidades integrando a estação); • elevada vida útil; • ausência de problemas que causem transtorno à população vizinha; • possibilidade de recuperação de subprodutos úteis, visando sua aplicação na irrigação e na fertilização de culturas agrícolas; • existência de experiência prática. Embora não exista uma solução que atenda integralmente a todos estes requisitos, existem várias alternativas que atendem, em maior ou menor grau, aos principais requisitos que devem ser observados num estudo técnico-econômico de escolha de alternativas. Entende-se que, atualmente, no Brasil, os sistemas anaeróbios encontram uma grande aplicabilidade. As diversas características favoráveis destes sistemas, como o baixo custo, simplicidade operacional e baixa produção de sólidos, aliadas às condições ambientais no Brasil, onde há a predominância de elevadas temperaturas, têm contribuído para a colocação dos sistemas anaeróbios de tratamento de esgotos em posição de destaque, particularmente os reatores de manta de lodo (reatores UASB). Na Tabela 1.1 são ilustradas as principais vantagens e desvantagens dos sistemas anaeróbios.
  • 2. 2 Tabela 1.1 - Vantagens e desvantagens dos processos anaeróbios Vantagens Desvantagens • baixa produção de sólidos, cerca de 5 a 10 vezes inferior à que ocorre nos processos aeróbios; • baixo consumo de energia, usualmente associado a uma elevatória de chegada. Isso faz com que os sistemas tenham custos operacionais muito baixos; • baixa demanda de área; • baixos custos de implantação, da ordem de R$ 20 a 40 per capita; • produção de metano, um gás combustível de elevado teor calorífico; • possibilidade de preservação da biomassa, sem alimentação do reator, por vários meses; • tolerância a elevadas cargas orgânicas; • aplicabilidade em pequena e grande escala; • baixo consumo de nutrientes. • as bactérias anaeróbias são susceptíveis à inibição por um grande número de compostos; • a partida do processo pode ser lenta, na ausência de lodo de semeadura adaptado; • alguma forma de pós-tratamento é usualmente necessária; • a bioquímica e a microbiologia da digestão anaeróbia são complexas e ainda precisam ser mais estudadas; • possibilidade de geração de maus odores, porém controláveis; • possibilidade de geração de efluente com aspecto desagradável; • remoção de nitrogênio, fósforo e patógenos insatisfatória. Fonte: Adaptado de CHERNICHARO (1997) A Figura 1.1 possibilita uma visualização mais clara de algumas das vantagens da digestão anaeróbia em relação ao tratamento aeróbio, notadamente no que se refere à produção de gás metano e à baixíssima produção de sólidos. Nos sistemas aeróbios, ocorre somente cerca de 40 a 50% de degradação biológica, com a conseqüente conversão em CO2. Verifica-se uma enorme incorporação de matéria orgânica, como biomassa microbiana (cerca de 50 a 60%), que vem a se constituir no lodo excedente do sistema. O material orgânico não convertido em gás carbônico, ou em biomassa, deixa o reator como material não degradado (5 a 10%). Nos sistemas anaeróbios, verifica-se que a maior parte do material orgânico biodegradável presente no despejo é convertida em biogás (cerca de 70 a 90%), que é removido da fase líquida e deixa o reator na forma gasosa. Apenas uma pequena parcela do material orgânico é convertida em biomassa microbiana (cerca de 5 a 15%), vindo a se constituir no lodo excedente do sistema. Além da pequena quantidade produzida, o lodo excedente apresenta-se, via de regra, mais concentrado e com melhores características de desidratação. O material não convertido em biogás, ou em biomassa, deixa o reator como material não degradado (10 a 30%). Fig. 1.1 - Conversão biológica nos sistemas aeróbios e anaeróbios Biogás (70 a 90%) DQO (100%) Lodo (50 a 60%) CO2 (40 a 50%) DQO (100%) Efluente (10 a 30%) Lodo (5 a 15%) Efluente (5 a 10%)Reator Aeróbio Reator Anaeróbio
  • 3. 3 Hoje em dia, pode-se afirmar que a tecnologia anaeróbia, aplicada ao tratamento de esgotos domésticos, encontra-se consolidada em nosso país, sendo que praticamente todas as análises de alternativas de tratamento incluem os reatores anaeróbios como uma das principais opções. Sem dúvida, uma grande contribuição para a consolidação e difusão da tecnologia anaeróbia no Brasil deve-se ao livro publicado pelo PROSAB, em seu Edital 1, intitulado: Tratamento de esgotos sanitários por processo anaeróbio e disposição controlada no solo (CAMPOS et al., 1999). O referido livro contempla, de forma bastante abrangente, os principais aspectos relativos ao tratamento de esgotos domésticos por meio de sistemas anaeróbios. 1.1 A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E AS CARACTERÍSTICAS DOS EFLUENTES DOS SISTEMAS ANAERÓBIOS 1.1.1 Preliminares As legislações federal e estaduais classificaram os seus corpos de água, em função de seus usos preponderantes, tendo sido estabelecidos, para cada classe de água, os padrões de qualidade a serem obedecidos. A maioria dos corpos d’água receptores, no Brasil, se enquadra na classe 2, onde se destacam os parâmetros indicados na Tabela 1.2, como padrões de qualidade a serem mantidos no corpo receptor: Tabela 1.2 – Padrões de qualidade a serem mantidos no corpo receptor (Resolução CONAMA no 20, 18/06/1986) Parâmetro Valor limite no corpo receptor Demanda bioquímica de oxigênio (DBO) ≤ 5 mg/L Oxigênio dissolvido (OD) ≥ 5 mg/L Nitrogênio amoniacal ≤ 3,0(1) mg/L Nitrato ≤ 10 mg/L Fósforo ≤ 0,025 mg P/L Coliformes fecais ≤ 1.000 CF/100 mL Coliformes totais ≤ 5.000 CT/100 mL (1) Para pH = 7 e temperatura de 200 C, correspondente à concentração máxima de amônia, não ionizável, de 0,02 mg/L NH3. Além de estabelecerem padrões para os corpos de água, as legislações impõem, também, a qualidade mínima a ser atendida por efluentes de qualquer fonte poluidora, para lançamento em corpos d’água. A Resolução nº 20 de 1986, do CONAMA, estabelece como padrões de lançamento de efluentes, dentre outros, os valores apresentados na Tabela 1.3.
  • 4. 4 Tabela 1.3 – Padrões de lançamento de efluentes (Resolução CONAMA no 20, 18/06/1986) Parâmetro Valor limite pH entre 5 e 9 Materiais sedimentáveis(1) ≤ 1 ml/L Óleos e graxas • óleos minerais • óleos vegetais e gorduras animais ≤ 20 mg/L ≤ 50 mg/L Materiais flutuantes Ausentes Amônia ≤ 5mg N/L (1) em teste de 1 hora em cone Imhoff. Para o lançamento em lagos e lagoas, cuja velocidade de circulação seja praticamente nula, os materiais sedimentáveis deverão estar virtualmente ausentes. 1.1.2 Considerações em relação à demanda bioquímica de oxigênio (DBO) Um dos parâmetros que mais tem merecido a atenção dos órgãos de controle ambiental é a DBO. Além das limitações apresentadas na Tabela 1.3, para os padrões de lançamento de efluentes, vários Estados brasileiros têm imposto um limite de DBO do efluente de 60 mg/L, como é o caso, por exemplo, de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Em outros Estados, se tem utilizado o conceito de eficiência de remoção mínima, e em outros, ainda, como o Rio de Janeiro, a remoção mínima ou a concentração máxima de DBO, em função da carga orgânica bruta. No Rio Grande do Sul, foram estabelecidas concentrações máximas para faixas de vazões efluentes. Este fato de limitação da DBO, seja qual for a legislação a ser considerada, tem sido, provavelmente, o que mais tem restringido o uso de sistemas anaeróbios (sem pós-tratamento), para o tratamento de esgotos, conforme pode-se depreender a partir das faixas de valores mais comuns para os processos anaeróbios, quando bem operados, apresentadas na Tabela 1.4. Tabela 1.4 - Valores comuns de DBO do efluente e de remoção em sistemas anaeróbios Sistema anaeróbio DBO do efluente (mg/L) Eficiência de remoção de DBO (%) Lagoa anaeróbia 70 a 160 40 a 70 Reator UASB 60 a 120 55 a 75 Fossa séptica 80 a 150 35 a 60 Tanque Imhoff 80 a 150 35 a 60 Fossa séptica seguida de filtro anaeróbio 40 a 60 75 a 85 1.1.3 Considerações em relação ao fósforo Deve-se ressaltar que o valor limite da concentração de fósforo em rios de classes 2 e 3, de 0,025 mg P/L, é extremamente restritivo (pode inclusive ser fruto de algum engano na elaboração da Resolução nº 20 de 1986, do CONAMA) e muito difícil de ser cumprido, na maioria dos casos em que não se tem elevada diluição dos efluentes da ETE, mesmo com o uso de tratamento com processos aeróbios convencionais, a não ser que sejam projetados especificamente para a remoção de fósforo. Em vista disso, os órgãos de controle ambiental têm se preocupado com o fósforo apenas nos casos em que há problemas de eutrofização de lagos e represas. Como visto anteriormente, os processos anaeróbios de tratamento não apresentam capacidade de remoção de fósforo, podendo mesmo, em alguns casos, propiciar um aumento das concentrações efluentes.
  • 5. 5 1.1.4 Considerações em relação aos compostos de nitrogênio Com relação ao nitrogênio, a limitação da concentração de amônia a 5 mg N/L, para qualquer efluente, tem gerado muita controvérsia, sendo interpretado por alguns órgãos de controle ambiental como um limite para amônia livre, já que na própria Resolução nº 20 de 1986, do CONAMA, aparece especificamente uma limitação para nitrogênio amoniacal. Para a interpretação do limite de amônia de 5 mg N/L, como sendo o limite de nitrogênio amoniacal, tal limitação impediria o uso de lagoas de estabilização, lagoas aeradas, filtros biológicos de alta taxa, sistemas de lodos ativados de alta taxa e também dos sistemas anaeróbios, como processos únicos de tratamento. Somente seriam permitidos sistemas depuradores aeróbios, com nitrificação, ou sistemas com nitrificação-desnitrificação, que apresentam maior custo de implantação e operação. Considerando estes aspectos, o limite para N-amoniacal de efluentes não tem sido normalmente considerado, por vários órgãos estaduais de controle de ambiental, como parâmetro para efluente. Porém, para o corpo receptor, os limites das diferentes formas de nitrogênio devem ser obedecidos, quando então se pode requerer a nitrificação dos esgotos ou até a nitrificação e desnitrificação para a remoção de nitrogênio. O processo de nitrificação não ocorre em tratamentos anaeróbios. Com relação à desnitrificação, existem trabalhos desenvolvidos na Universidade Federal de Pelotas (RS) que sugerem a sua ocorrência no decantador de reatores UASB. Isso pode favorecer a utilização dos processos anaeróbios, principalmente quando acoplados unidades de pós-tratamento que possibilitem a nitrificação. 1.1.5 Considerações em relação aos sólidos sedimentáveis Com relação aos sólidos sedimentáveis nos efluentes dos sistemas anaeróbios, apenas ocasionalmente se ultrapassa 1 mL/L em efluentes dos reatores UASB, pela subida ocasional de placas de lodo do fundo da zona de decantação, onde o lodo retido ainda produz um pouco de gás. A saída de sólidos sedimentáveis pode ser minimizada pelo uso de cortinas, para reter os sólidos que flutuam e impedir a sua saída pelos vertedores do efluente da zona de decantação. Uma boa operação dos reatores UASB produzirá, basicamente em quase o todo tempo, sólidos sedimentáveis inferiores a 1 mL/L. Os filtros anaeróbios somente terão efluente com sólidos sedimentáveis ultrapassando 1 mL/L após períodos de operação superiores a 4 a 6 meses, se não houver “limpeza” do filtro. Também os filtros anaeróbios, se bem operados, produzirão efluentes com sólidos sedimentáveis inferiores a 1 mL/L. Os demais sistemas de tratamento anaeróbios usuais no Brasil, como os decanto-digestores (fossas sépticas e tanques Imhoff) e lagoas anaeróbias, quando bem operados, garantem um efluente sem problemas em relação aos sólidos sedimentáveis. 1.2 NECESSIDADE DO PÓS-TRATAMENTO DE EFLUENTES DE REATORES ANAERÓBIOS 1.2.1 Preliminares Em que pesem suas grandes vantagens, os reatores anaeróbios dificilmente produzem efluente que atende aos padrões estabelecidos pela legislação ambiental brasileira. Torna-se de grande importância, portanto, o pós-tratamento dos efluentes dos reatores anaeróbios, como uma forma de adequar o efluente tratado aos requisitos da legislação ambiental e propiciar a proteção dos corpos d’água receptores dos lançamentos dos esgotos. O principal papel do pós-tratamento é o de completar a remoção da matéria orgânica, bem como o de proporcionar a remoção de constituintes pouco afetados no tratamento anaeróbio, como os nutrientes (N e P) e os organismos patogênicos (vírus, bactérias, protozoários e helmintos).
  • 6. 6 1.2.2 Demanda bioquímica de oxigênio (DBO) Em vista da limitação da DBO do efluente (ver item 1.2.1) ou, ainda, quando se tem uma baixa capacidade de diluição do efluente da ETE, por parte do corpo receptor, como é muito comum ocorrer, freqüentemente é necessário utilizar tratamento aeróbio, como complemento ao anaeróbio, ou como processo único. Apenas o uso de sistemas compostos por fossa séptica seguida de filtro anaeróbio, que só é viável para pequenas populações (em geral inferior a 1.000 habitantes), ou de reator UASB seguido de filtro anaeróbio, para populações maiores, dispensaria o uso de sistemas aeróbios para atender o limite de DBO de 60 mg/L, desde que a capacidade de diluição do corpo receptor seja adequada. Quando o corpo receptor apresenta boa capacidade de diluição do esgoto tratado, uma revisão, por parte de alguns órgãos estaduais de controle ambiental, da limitação de DBO do efluente a 60 mg/L, permitirá a implantação de ETEs mais simples e mais econômicas, em várias cidades pequenas, com o uso mais intensivo de reatores anaeróbios, particularmente, de reatores do tipo UASB. Futuramente, caso haja necessidade de se produzir efluente de melhor qualidade, poderá ser implantada unidade de tratamento complementar em uma segunda etapa. O alto custo de investimento em sistemas de tratamento mais sofisticados, unicamente para atender a padrões de lançamento relativos à DBO, torna praticamente inviável sua implantação em uma única etapa, para a maioria dos municípios brasileiros. Por outro lado, a implantação em etapas poderá ser decisiva para que sistemas compostos por reator UASB e unidade de pós-tratamento sejam os mais viáveis, quando da aplicação dos critérios técnicos e econômicos na escolha de alternativas. 1.2.3 Nutrientes (N e P) A descarga de nutrientes em cursos de água superficiais causa a diminuição dos níveis de oxigênio e o aumento da biomassa algal originada no corpo receptor, decorrente do processo de eutrofização (crescimento anormal de algas decorrente dos nutrientes lançados). Sabe-se que 1 kg de fósforo pode resultar na reconstrução de 111 kg de biomassa, o que corresponde a cerca de 138 kg de demanda química de oxigênio no corpo receptor. Similarmente, a descarga de 1 kg de nitrogênio pode resultar na reconstrução de cerca de 20 kg de demanda química de oxigênio, na forma de algas mortas. O problema pode ser ainda mais agravado devido à diminuição dos níveis de oxigênio, por processos de nitrificação, onde se consomem, no mínimo, cerca de 4 kg de oxigênio dissolvido nas águas, para cada kg de amônia descarregada no corpo receptor. Para os casos em que é requerida remoção de nutrientes, por exigência de atendimento da qualidade da água do corpo receptor, o uso de processos anaeróbios, precedendo tratamento aeróbio complementar para remoção biológica de nutrientes, deve ser visto com muito cuidado, pois uma boa remoção de matéria orgânica biodegradável no sistema anaeróbio pode inviabilizar a remoção de nutrientes no tratamento biológico complementar, conforme discutido no Capítulo 9. Outro problema a levar em consideração, principalmente em relação ao processo de pós- tratamento para nitrificação e desnitrificação, diz respeito a um possível efeito inibitório dos efluentes de processos anaeróbios, às bactérias nitrificantes, entre outras, suspeito de ser causado pela presença de sulfetos. 1.2.4 Indicadores microbiológicos Em relação aos indicadores microbiológicos, têm sido reportadas baixas eficiências de remoção de coliformes fecais nos reatores anaeróbios, usualmente da ordem de apenas uma unidade logarítmica. Relativamente a outros tipos de microrganismos, tais como vírus e protozoários (principalmente Giardia e Cryptosporidium), há pouquíssimas referências bibliográficas que abordam a sua redução ou eliminação, através do tratamento em reatores anaeróbios. A remoção de ovos de helmintos em reatores anaeróbios, particularmente em reatores UASB, tem sido
  • 7. 7 reportada como da ordem de 60 a 80%, insuficiente, portanto, para produzir efluentes que possam ser utilizados na irrigação. Como são grandes os riscos de contaminação dos seres humanos, quando estes ingerem ou têm contato com águas contendo organismos patogênicos, muitas vezes pode-se tornar necessária a desinfecção dos efluentes. Tal fato torna-se ainda mais grave devido à precariedade do quadro sanitário brasileiro, com baixíssimos índices de cobertura por sistemas de esgotamento sanitário. Por outro lado, os baixos níveis de investimento em saúde e saneamento, fazem com que a população brasileira seja portadora de diversas doenças que podem ser transmitidas pelas fezes e, consequentemente, pelos esgotos gerados por essa população. Todavia, a decisão quanto à desinfecção dos esgotos deve ser tomada a partir de uma avaliação criteriosa, com base nas características específicas de cada situação, conforme discutido no Capítulo 7. 1.3 ALTERNATIVAS PARA O PÓS-TRATAMENTO DE EFLUENTES DE REATORES ANARÓBIOS 1.3.1 Preliminares Tendo em vista as limitações intrínsecas associadas aos sistemas anaeróbios, e levando-se em consideração a necessidade de se desenvolver tecnologias mais apropriadas à realidade brasileira, torna-se importante a inclusão de uma etapa de pós-tratamento dos efluentes gerados nos reatores anaeróbios. Tal etapa objetiva o polimento, não só da qualidade microbiológica dos efluentes, à luz dos riscos de saúde pública e das limitações impostas à utilização dos esgotos tratados na agricultura, mas também da qualidade em termos de matéria orgânica e nutrientes, em função dos danos ambientais provocados pelas descargas remanescentes destes constituintes nos corpos receptores. Considerando que a linha de tratamento reatores anaeróbios/pós-tratamento vem se constituindo na principal alternativa de tratamento de esgotos em nosso país, a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a CEF (Caixa Econômica Federal) vêm apoiando o desenvolvimento do Programa de Pesquisa em Saneamento Básico – PROSAB. O presente livro é um dos produtos da rede do Tema 2 do PROSAB – Edital 2, que tem como tema de pesquisa o Pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios. A rede 2 do PROSAB é composta por 12 instituições, de 11 diferentes Estados brasileiros. As doze instituições que integram a rede desenvolveram pesquisas em 19 temas diferentes, que podem ser agrupados em 8 modalidades de pós-tratamento, conforme mostrado na Tabela 1.5. Todos os temas de pesquisa são relacionados ao pós-tratamento de efluentes domésticos, provenientes de reatores anaeróbios, e objetivam a remoção complementar dos seguintes poluentes principais: matéria orgânica, sólidos suspensos, nutrientes (N e P) e microrganismos patogênicos.
  • 8. 8 Tabela 1.5 – Modalidades de pós-tratamento de efluentes anaeróbios e temas de pesquisa abordados no PROSAB – Edital 2 No. Modalidades de pós-tratamento Temas de pesquisa 1 Pós-tratamento no solo ÿ Vala de filtração ÿ Infiltração rápida ÿ Irrigação subsuperficial ÿ Escoamento superficial 2 Pós-tratamento em lagoas ÿ Lagoa de polimento ÿ Lagoa de alta taxa de produção de algas 3 Pós-tratamento em reatores com biofilme ÿ Filtro biológico percolador ÿ Biofiltro aerado submerso ÿ Leito fluidizado aeróbio ÿ Filtro anaeróbio ÿ Reator anaeróbio horizontal de leito fixo ÿ Reator anaeróbio de leito granular expandido 4 Pós-tratamento em reatores de lodos ativados ÿ Sistema de lodos ativados convencional ÿ Sistema de reatores seqüenciais em batelada 5 Pós-tratamento em sistemas de flotação ÿ Microaeração e flotação ÿ Flotação por ar dissolvido 6 Pós-tratamento em sistemas de filtração ÿ Filtração ascendente em leito de pedregulho 7 Pós-tratamento em sistemas de desinfecção ÿ Fotoreator de ultra violeta 8 Pós-tratamento do biogás ÿ Biofiltro de turfa Nota: As várias unidades experimentais, dos diversos projetos de pesquisa da rede 2 do PROSAB, são ilustradas no item 1.4.3 (Figuras 1.2 a 1.7). 1.3.2 Contribuição do presente livro Neste livro, serão focalizadas apenas as tecnologias de pós-tratamento que encontram-se, atualmente, mais consolidadas, fruto das pesquisas desenvolvidas no âmbito do PROSAB e da experiência prática obtida em algumas estações de tratamento em escala real, já em operação no Brasil. O Capítulo 2 aborda a modalidade de pós-tratamento e disposição final de efluentes anaeróbios no solo, sendo enfocadas as seguintes alternativas principais (ver Figura 1.2): • Infiltração rápida • Irrigação • Escoamento superficial • Infiltração subsuperficial • Filtros de areia • Valas de filtração • Terras úmidas (alagados ou wetlands) No Capítulo 3, é tratada a modalidade de lagoas de polimento, aplicadas ao pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios (ver Figura 1.3). São enfocadas as principais diferenças entre as lagoas de estabilização e as lagoas de polimento, em relação aos princípios de funcionamento e às eficiências de remoção dos diferentes parâmetros físico-químicos e microbiológicos de interesse no tratamento de esgotos.
  • 9. 9 O Capítulo 4 aborda os diferentes reatores com biofilme, também aplicados ao pós-tratamento de efluentes anaeróbios. São contempladas as modalidades de reatores aeróbios e anaeróbios, de leito fixo e de leito móvel, conforme a seguir (ver Figura 1.4): • Filtros biológicos percoladores • Biodiscos • Biofiltros aerados submersos • Filtros biológicos submersos • Reatores de leito fluidizado ou expandido • Filtros anaeróbios No Capítulo 5 é enfocada a utilização de sistemas de lodos ativados para o pós-tratamento de efluentes anaeróbios, com ênfase aos sistemas convencionais (de fluxo contínuo) e reatores seqüenciais em batelada (ver Figura 1.5). A alternativa de pós-tratamento de efluentes anaeróbios por flotação é tratada no Capítulo 6, sendo contemplada, detalhadamente, a modalidade de flotação por ar dissolvido. São descritas experiências em escala piloto e em escala real (ver Figura 1.6). O Capítulo 7 aborda a problemática da desinfecção de esgotos, sendo apresentadas as seguintes alternativas de desinfecção (ver Figura 1.7): • Cloração • Radiação ultravioleta • Ozonização A avaliação e tratamento de odores gerados em sistemas de esgotamento sanitário é enfocada no Capítulo 8, onde são descritas as principais alternativas para o tratamento de gases odorantes, por meio de processos físico-químicos e biológicos (ver Figura 1.7). Conforme poder-se-á depreender pela leitura deste livro, são muitas as variáveis determinantes a serem consideradas na escolha de alternativas tecnológicas para o pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios. Como contribuição a essa análise, o Capítulo 9 deste livro faz uma avaliação crítica das principais alternativas disponíveis para o pós-tratamento, apresentando a sua aplicabilidade e fornecendo importantes subsídios em relação aos seguintes aspectos principais: • qualidade esperada do efluente; • produção de lodo; • custo de implantação; • consumo energético; • demanda de área. Complementarmente, o Capítulo 10 do livro apresenta a descrição de desenvolvimento de um Sistema de Apoio à Decisão (SAD), para avaliação tecnológica de alternativas de pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios. Uma versão atualizada do software desenvolvido, correspondente ao SAD, encontra-se disponibilizada na página do PROSAB – FINEP, na Internet, para livre utilização pelos potenciais usuários, feitas as devidas restrições, normais a um sistema de auxílio à decisão, principalmente a de não dispensar a contribuição de um bom especialista no tema.
  • 10. 10 1.3.3 Ilustração fotográfica das diversas unidades experimentais da rede 2 de PROSAB a) Vala de filtração b) Infiltração rápida em solo natural arenoso c) Bacia de infiltração rápida d) Irrigação subsuperficial através de terras úmidas (wetlands) e) Infiltração-percolação em solo arenoso coberto com vegetação f) Escoamento superficial Figura 1.2 – Unidades experimentais de pós-tratamento por aplicação no solo a) Lagoa de polimento com chicanas b) Lagoa de polimento com chicanas c) Lagoa de polimento sem chicanas d) Lagoas de alta taxa em escala de demonstração e) Lagoas de alta taxa em escala real f) Lagoa de alta taxa em escala real Figura 1.3 – Unidades experimentais de pós-tratamento por lagoas
  • 11. 11 a) Filtro biológico percolador b) Reator anaeróbio de leito granular expandido c) Leito fluidizado aeróbio d) Filtro anaeróbio e) Biofiltro aerado submerso f) Sistema misto anaeróbio/aeróbio de leito fixo Figura 1.4 – Unidades experimentais de pós-tratamento por reatores com biofilme a) Sistema de lodos ativados convencional b) Sistema de reatores seqüenciais em batelada (RSB) c) Sistema de reatores seqüenciais em batelada (RSB) Figura 1.5 – Unidades experimentais de pós-tratamento por sistemas de lodos ativados
  • 12. 12 a) Flotação por ar dissolvido em escala de bancada b) Processos microaeróbio e intermitente seguidos por flotação por ar dissolvido c) Flotação por ar dissolvido em escala real Figura 1.6 – Unidades experimentais de pós-tratamento por sistemas de microaeração e flotação por ar dissolvido d) Desinfecção em fotorreator de radiação ultra violeta e) Filtração ascendente em leito de pedregulho f) Tratamento do biogás em biofiltro de turfa Figura 1.7 – Unidades experimentais de pós-tratamento por sistemas desinfecção, filtração e desodorização 1.4 BIBLIOGRAFIA CAMPOS, J. R. (Coordenador). Tratamento de esgotos sanitários por processo anaeróbio e disposição controlada no solo. Rio de Janeiro: ABES - PROSAB. 464 p., 1999. CHERNICHARO, C.A.L. Princípios do tratamento biológico de águas residuárias – Volume 5: Reatores anaeróbios. Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental - UFMG. Belo Horizonte, 245 p., 1997. LETTINGA G. Introduction. In: International course on anaerobic treatment. Wageningen Agricultural University / IHE Delft. Wageningen, 17-28 Jul 1995. VON SPERLING M.. Princípios do tratamento biológico de águas residuárias – Volume 1: Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental - UFMG. Belo Horizonte, 240 p., 1995.