2. capuchos O CONVENTO DOS
“Nos meus reinos duas coisas tenho que muito me apraz: o
Escorial por muito rico e o Convento dos Capuchos em Sintra por
muito pobre.”
Filipe II de Espanha em carta às suas filhas
3. capuchos O CONVENTO DOS
por João Aníbal Henriques
São raros os espaços assim que,
extraordinários e impactantes, não
estão associados à
monumentalidade das suas
construções mas sim à singeleza
levada ao extremo. É o que
acontece no Convento dos
Capuchos, em Sintra, onde a força
da natureza de cruza com a
vontade do homem para recriar
um espaço que apela ao sonho e à
vida, ao mesmo tempo que acorre
aos desígnios que a carne impõe
ao homem…
4. Embrenhado nas penhas antigas que dão forma à
Serra da Lua, o Convento dos Capuchos, também
conhecido como Convento da Cortiça, recria-se a
partir da solicitação da pobreza extrema e do
despojamento total que caracterizava os seus mais
antigos habitantes.
Construído em 1560 por Dom Álvaro de Castro, em
cumprimento de um voto formulado pelo seu pai D.
João de Castro, Vice-Rei da Índia, que por ali
adormeceu durante uma caçada e que terá sonhado
com a criação de um pedaço de céu neste recanto
inóspito da serra, o Convento dos Capuchos associa o
fulgor da natureza, com as suas pedras e penhascos
envolvidos em vegetação que romanticamente o
envolve, com os mais profundos sonhos e anseios da
humanidade.
Para lá entrar, passando um portal de sombra que nos
verga perante a cruz, é necessário abandonar as
paixões do mundo e das coisas, de forma a tornar
possível abraçar por completo os desígnios mais
profundos da divindade. Lá estão, aliás, o portal com
a caveira e as duas tíbias cruzadas que, encimando a
porta que sai do terreiro do sino para entrar no
espaço conventual, simboliza a morte em vida e o
triunfo desta última sobre as funestas sombras da
morte…
O CONVENTO DOS
capuchos
em Sintra
5. E lá dentro, no estreito e obscuro corredor que dá acesso à luz
interna, ficam as memórias daqueles que se enterraram vivos,
entregando a Deus o seu insignificante corpo em busca da gloriosa
apoteose da vida verdadeira, ou seja, daquela que é imortal e que
surge livre das peias constrangedoras da carne.
Pobre, sombrio e frio, ao ponto de causar estranheza a possibilidade
de se viver assim, o convento obriga-nos constantemente a baixar a
cabeça. Fazemo-lo para entrar nas celas conventuais, na sala do
capítulo, na sala de jantar ou nas cozinhas, num acto de reverência
perante Deus e num ritual de humildade em linha com o ideário
Franciscano que dá forma à Ordem que por ali prevalece.
Por todo o lado, cumprindo a sua obrigação de gritar bem alto que o
crucifixo é uma realidade passageira, obviamente necessária para que
a carne faça sentido, mas necessariamente transitória no percurso
maior em direcção a Deus, lá está a rosa-cruz, espécie de roda em
eterno movimento que grita bem alto a Boa Nova e a ressurreição de
Cristo Nosso Senhor.
Mas são muitos e variados os motivos de interesse deste espaço
excepcional. Desprovida das expressões mais vulgares da arte e da
ostensiva presença de um espólio enriquecido pelos muitos séculos
de boas-práticas que aquelas paredes já viram, a cerca é um autêntico
cadinho de maravilhas naturais, numa simbiose perfeita entre a força
da natureza e a vontade de Deus. Ninguém fica indiferente à
decoração em cortiça, que enche por completo cada canto e recanto
daquele espaço conventual, nem tão pouco à labiríntica disposição
dos seus longos corredores, dispostos com naturalidade em torno da
formulação das penhas ancestrais que a natureza por lá deixou.
6. O CONVENTO DOS
capuchos
Neste convento, perdido num tempo que se constrói a partir da
inexistência do tempo, viveu durante muitas décadas o célebre e
mítico Frei Honório que, de acordo com a lenda, se penitenciou
durante trinta anos numa gruta inóspita existente na cerca, por ter
cedido à tentação perante uma mulher que lhe havia sido enviada
pelo maligno para o deter. A pé e água, lá terá sobrevivido até aos
cem anos, tendo como companhia exclusivamente a paisagem
magnífica da Várzea de Sintra e o frio cortante que constantemente
bate o local, carregando as penas de quem por lá estiver. Mas era
isso que procurava Frei Honório. A libertação do corpo em defesa de
uma Alma pura e liberta das teias e tentações que a carne faz
prevalecer.
É de deslumbramento total e permanente uma visita ao convento.
Porque ali encontramos os arquétipos ancestrais que dão forma à
nossa forma de ser e de pensar, ansiando na Terra pela descoberta
do caminho em direcção ao céu. Filipe II de Espanha, o todo-poderoso
rei que uniu Madrid e Lisboa num mesmo trono
controlando um Mundo inteiro sob o seu ceptro, escreveu às suas
filhas depois de visitar o convento dizendo que existiam duas
maravilhas no seu reino: o Escorial, em Espanha, e o Convento dos
Capuchos, em Sintra…
7. O CONVENTO DOS CAPUCHOS EM SINTRA
Pouco mais se pode dizer sobre esta preciosidade do património Português, até porque a
singeleza que o caracteriza apela ao deslumbramento e à espiritualidade que é sempre
superior às palavras e ao talento necessário para as transformar na montra que é necessário
fazer. Mas é, certamente, um daqueles locais que vale a pena visitar nem que seja uma vez na
vida, até porque quem lá entra, desde que o faça com a capacidade crítica de entendimento
do espaço e de todos aqueles que por lá viveram, recuperará certamente uma vida nova em
linha com a ideia de um paraíso terreal que todos gostaríamos de conhecer.
capuchos